[1] O documento é uma recomendação do Ministério Público para o Presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte declarar a nulidade do ato que promoveu uma servidora de nível médio para nível superior sem concurso público.
[2] A recomendação cita diversos princípios constitucionais violados como concurso público, legalidade e impessoalidade.
[3] O não cumprimento da recomendação poderá resultar em medidas judiciais contra o Presidente da Assembleia Legislativa.
1. RECOMENDAÇÃO nº 07/2011
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, através dos
Promotores de Defesa do Patrimônio Público da Comarca de Natal, com atribuições penais em
relação aos crimes cometidos contra a administração pública, tendo por fundamento o disposto
no art. 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 e no art. 6o,
inciso XX, da Lei Complementar Federal nº 75, de 20.05.1993, e
Considerando que incumbe ao Ministério Público a defesa do patrimônio público e social, da
moralidade administrativa, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, na
forma dos artigos 127, caput, e 129, inciso III, da Constituição Federal; artigo 25, IV, “a”, da
Lei Federal 8.625/93; e, 67, IV, “a”, da Lei Complementar Estadual 141, de 09.02.1996;
Considerando que compete ao Ministério Público, consoante o previsto no artigo 69, parágrafo
único, letra “d”, da Lei Complementar Estadual nº 141/96, expedir recomendações visando ao
efetivo respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover;
Considerando o que consta nos autos do Inquérito Civil nº 130/2009, em que a
servidora IZABEL JERÔNIMA COSTA BEZERRA, funcionária da Assembleia
Legislativa do RN desde 1980, ingressou no serviço público na carreira de Assistente
Parlamentar de Nível Médio (Técnico Especializado “D”) e ingressou em 2002 na
carreira de Assistente Parlamentar de Nível Superior mediante um “procedimento para
mudança de nível médio para nível superior”;
Considerando que a Carta Magna em seu art. 37, II, preceitua que a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de acordo com a natureza e
a complexidade do cargo ou emprego na forma prevista em lei, salvo as nomeações para cargo
em comissão, e que em seu Art. 37, I, atesta que os cargos, empregos e funções públicas são
acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei;
Considerando que a Carta Magna tem, nos princípios da acessibilidade e do concurso público o
fim de impedir o ingresso sem concurso e a habilitação de servidor para cargo ou emprego de
natureza diversa da prescrita no concurso e que tais situações supra são espécies de fraude ao
concurso público;
Considerando que o Princípio da Legalidade Estrita, ao qual a Administração está sujeita
significa que mesma nada pode fazer senão o que a lei determina, mediante os meios e nas
formas por ela prescritas;
Considerando que o Princípio da Impessoalidade determina que a Administração trate todos os
administrados sem discriminação, favoritismo ou perseguição, e as garantias deste princípio
discriminadas na Carta Magna são, em especial, o Concurso Público e a Licitação;
Considerando que o Princípio da Autotutela comina o dever da Administração de anular e
revogar, de ofício, os seus atos que ofendam à legalidade e assim não gerem quaisquer direitos,
matéria esta sumulada pelo Supremo Tribunal Federal nas Súmulas nºs 346 e 473;
2. Considerando que o Carta Magna, em seu art. 37, §2º expressamente classifica o ato
administrativo que violar o mandamento do art. 37, II como nulo, logo não passível de
convalidação e incapaz de gerar quaisquer direitos para seus beneficiários;
Considerando que a natureza jurídica da relação entre os servidores públicos e a Administração
é estatutária institucional, cabendo à lei criar, alterar ou extinguir os cargos públicos e seus
respectivos regimes jurídicos, inexistindo assim imediato direito adquirido a regime jurídico no
serviço público;
Considerando que os cargos públicos, de carreira ou não, são classificados em uma estrutura
denominada quadro;
Considerando que apenas o provimento originário “nomeação” pode ingressar em cargo
público sem qualquer relação com sua situação anterior;
Considerando que nenhum provimento derivado tem o condão de alterar o quadro ao que o
servidor está vinculado;
Considerando que a Súmula nº 685 do Supremo Tribunal Federal prescreve: “é
inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem
prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra
a carreira na qual anteriormente investido”;
Considerando que o Enunciado nº 363 do Tribunal Superior do Trabalho prescreve: “A
contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público,
encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da
contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da
hora do salário mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS”;
Considerando a jurisprudência pátria é claríssima em determinar a imprescritibilidade dos atos
de investidura no serviço público sem concurso, manifesta em julgados como REsp 311044/RJ,
RMS 13313/GO, ambos do Superior Tribunal de Justiça e AI-AgR 273579, AI-AgR 430027,
AI-AgR 497984, AI-AgR 520556, AI-AgR 680939/RS, AI-AgR 520556/PR, todos do
Supremo Tribunal Federal, restando assim a superada a decadência administrativa quinquenal
prevista no artigo 54 da Lei 9.784/99;
Considerando que o Supremo Tribunal Federal reiteradamente declara a inconstitucionalidade
de leis e resoluções que violem o princípio do concurso público, em especial qualquer hipótese
de provimento de cargo público derivado, banidos do ordenamento pela Carta Magna,
precedentes: ADI 3.342/SP, ADI 951/SC, ADI 980/DF, ADI 388/RO, ADI 1.611-MC/GO,
ADI 2.145-MC/MS, ADI 368/ES, ADI 2.433-MC/RN, ADI 1.854/PI, ADI 1.230/DF, ADI
850-MC/RO, ADI 483-MC/PR, ADI 2.364-MC/AL, ADI 2.113/MG, ADI 3.819, ADI
3.857/CE, ADI 336, ADI 2.689 e ADI 1.350-MC;
Considerando que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou, em especial no Mandado de
Segurança nº 28279, da relatoria da Ministra Ellen Gracie, Plenário, julgamento em
16/12/2010, quanto à impossibilidade de aceitação de “fato consumado inconstitucional”,
porquanto que não se aplica a decadência administrativa quando o ato estiver em total
contradição com os preceitos constitucionais e a aprovação em concurso público, tendo em
vista o caráter continuado da relação jurídica em razão de se tratar do exercício constante de
uma atividade amparado por um ato normativo inválido.
Considerando que o Supremo Tribunal Federal, na figura do Ministro Joaquim Barbosa, em
seu voto à ADI 3434-MC, tratando da contratação de prestadores de serviço e o art. 54 da Lei
9.784/1999, verbis, “obviamente não há que se falar em decadência para que a administração
3. reveja seus atos, pois o que está em causa não é a legalidade da contratação de prestadores de
serviço, mas o enquadramento determinado nos termos da norma atacada. Impossível, em
casos como o presente, falar em fato consumado inconstitucional”.
Considerando que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte já firmou o mesmo
entendimento em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei Municipal na ADI nº
2002.000449-4;
Considerando que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte já utilizou-se,
reiteradamente, do artifício ilegal de provimento de cargo público sem concurso público, sendo
inclusive obejto de diversas ação civis públicas ajuizadas pela Promotoria do Patrimônio
Público;
Considerando que a Carta Magna em seu art. 37, §2º e II, determina que a não observância do
art. 37, II implicará em punição da autoridade responsável;
Considerando que o Excelentíssimo Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio
Grande do Norte, RICARDO JOSÉ MEIRELLES DA MOTTA, reiteradamente frustrou o
requerimento de remessa de cópia do ato que transformou a servidora de servidora de nível
médio para nível superior e do procedimento administrativo que ocasionou tal conversão;
Considerando que a presente recomendação coloca o Excelentíssimo Presidente da Assembleia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, RICARDO JOSÉ MEIRELLES DA MOTTA,
em inequívoca ciência da ilegalidade de seu procedimento;
Considerando que o não acatamento da presente recomendação caracterizará o comportamento
doloso do Excelentíssimo Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do
Norte, RICARDO JOSÉ MEIRELLES DA MOTTA.
Considerando que a sociedade potiguar não mais se resigna frente aos reiterados atos de
descaso, desrespeito ou de pura afronta à legalidade, ética, moralidade, probidade e justiça dos
agentes públicos, políticos ou não;
Resolve RECOMENDAR ao Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio
Grande do Norte que declare a nulidade do ato administrativo que investiu a servidora
IZABEL JERÔNIMA COSTA BEZERRA no cargo de Assistente Parlamentar de Nível
Superior, promovendo o seu retorno ao cargo original de Assistente Parlamentar de
Nível Médio ou, não havendo tal possibilidade, que seja declarada a sua disponibilidade
e a respectiva vacância do cargo por ela hoje preenchido, na forma da lei.
Requisita ainda o Ministério Público o envio de informações, no prazo de 10 (dez) dias,
a respeito das providências adotadas em face da presente recomendação.
O não atendimento da presente RECOMENDAÇÃO importará na adoção das medidas
judiciais cabíveis.
Natal/RN, 28 de junho de 2011.
Emanuel Dhayan Bezerra de Almeida
Promotor de Justiça
Afonso de Ligório Bezerra Júnior
4. Promotor de Justiça
Rodrigo Martins Cãmara
Promotor de Justiça
Danielli Christine de Oliveira Gomes Pereira
Promotora de Justiça
Eudo Rodrigues Leite
Promotor de Justiça
PUBLICADO DOE Nº 12.494 em 06/07/2011