Este documento discute os fundamentos da psicologia aplicada à educação segundo a perspectiva histórico-cultural de Vigotski, Luria e Leontiev. Apresenta quatro pressupostos centrais: 1) A capacidade humana de criar e usar instrumentos e signos; 2) O desenvolvimento humano supera os fatores biológicos com a linguagem; 3) A linguagem revoluciona as funções psicológicas; 4) Aprendizagem e desenvolvimento constituem uma unidade dialética. Defende que a educação deve promover o desenvolvimento
1. FUNDAMENTOS DA PSICOLOGIA APLICADA À
EDUCAÇÃO
CARLOS FEITOSA TESCH
GRADUADO EM HISTÓRIA E FILOSOFIA
ESPECIALISTA EM HISTÓRIA POLÍTICA E SOCIOLOGIA
MESTRE EM BIOÉTICA
DOUTORANDO EM FILOSOFIA
E-mail: carl_tesch@hotmail.com
2. PONTO DE PARTIDA: O MÉTODO
Ao adotarem como método a lógica dialética e não a formal entende-se que
Vigotski, Luria e Leontiev buscaram superar a cisão existente na psicologia, entre
duas correntes que se opunham e que se baseavam no idealismo e no materialismo
mecanicista.
Esta cisão, ainda não eliminada na atualidade, só pode ser superada quando se
recusa a pensar os problemas humanos de acordo com os cânones da lógica formal,
que é a lógica da exclusão dos opostos e passa-se a pensá-los em termos dialéticos,
em que os pólos opostos não se excluem mas se incluem, determinando-se
reciprocamente (SAVIANI, 2004).
Isto permite que o psiquismo humano seja entendido como social em sua origem,
possuindo um desenvolvimento histórico dependente da vida e da atividade social
(SHUARE, 1990) tese fundamental da Psicologia Histórico-Cultural, da qual
decorrem os principais pressupostos que apresentaremos a seguir:
3. I PRESSUPOSTO: A capacidade humana de criar e utilizar
funcionalmente instrumentos e signos.
Só o trabalho [...] possibilita ao próprio homem que trabalha a
transição do ser meramente biológico ao ser social. [...]
(LUKÁCS, 2004, p. 58-59).
Leontiev (1967) afirma que o processo de apropriação é um
processo de aquisição da experiência histórico-social das
gerações anteriores. Essa experiência não é dada pela
hereditariedade biológica, mas encontra-se externa aos
homens, depositada, acumulada nos objetos e fenômenos que
os circundam.
4. Importância do trabalho, das relações sociais de
produção, na transformação homem
• Para Leontiev o trabalho surge pela necessidade coletiva de sobrevivência, pelo uso e
fabrico de instrumentos.
• A linguagem se estabelece pela necessidade de transmissão de informações,
possuindo uma ação produtiva sobre os objetos e sobre outros homens.
• A diferença entre “macaco” e homem se dá pelo fabrico e uso de instrumentos
(trabalho) e pela linguagem (signos, meios auxiliares), que libertam o homem do
campo visual.
• MEDIAÇÃO: De acordo com Markus (1974), por mediação entende-se tanto o
próprio trabalho, que torna possível a utilização do objeto, assim como o meio de
trabalho ou ferramenta que o homem coloca entre si mesmo e o objeto de sua
necessidade. A mediação age tanto sobre o instrumento de trabalho como sobre o
indivíduo que a utiliza, modificando, dialeticamente, tanto a natureza quanto o
próprio homem.
5. Numa sociedade desenvolvida que possui uma estrutura de classes complexa, a
mediação entre o processo tecnológico e o psicológico se dá de maneira
complexa, isto é, menos direta e mais mediada por inúmeros fatores materiais e
espirituais.
Sendo a sociedade dividida em diferentes classes, a composição das
personalidades humanas não é algo homogêneo e uniforme em um dado
período histórico, o que confirma o caráter de classe, natureza de classe e
distinções de classe responsáveis pela formação dos tipos humanos.
As contradições internas que são encontradas nos diferentes sistemas
sociais tem sua expressão no tipo de personalidade e na estrutura da
psicologia humana daquele período histórico.
As novas gerações e suas novas formas de educação representam a rota
principal que a história seguirá para criar o novo tipo de homem sendo a
educação social e politécnica extraordinariamente importante. (Vigotski,
1930)
6. A educação deve desempenhar o papel central na transformação do homem, na
estrada de formação social consciente de gerações novas, ela deve ser a base
para alteração do tipo humano histórico.
As ideias básicas que justificam a educação politécnica consistem em uma
tentativa de superar a divisão entre trabalho físico e intelectual e reunir
pensamento e trabalho que foram separados durante o processo de
desenvolvimento capitalista.
De acordo com Marx, a educação politécnica proporciona a familiaridade
com os princípios científicos gerais a todos os processos de produção e, ao
mesmo tempo, ensina as crianças e adolescentes que habilidades práticas
tornam possível para eles operarem as ferramentas básicas utilizadas em
todas as indústrias. (Vigotski, A transformação socialista do homem, 1930,
in: http://www.marxists.org/portugues/indice.htm)
7. II PRESSUPOSTO: O desenvolvimento humano supera os fatores
biológicos com a constituição do pensamento verbal.
“[...] a formação da unidade humana complexa de fala e operações práticas
é o produto de um processo profundamente arraigado de desenvolvimento
no qual a história individual é unida de perto à história social” (Vygotsky &
Luria, 1994, p.113).
Todas as funções psicológicas superiores se caracterizam por serem
“processos de domínio de nossas próprias reações com a ajuda de diversos
meios” (VIGOTSKI, 1995, p. 285). Esses meios são os “instrumentos
psicológicos” ou signos, os quais “são criações artificiais; estruturalmente
são dispositivos sociais e não orgânicos ou individuais; destinam-se ao
domínio dos processos próprios ou alheios” (VIGOTSKI, 1999, p. 94).
8. A criança, em seu desenvolvimento torna-se reequipada
culturalmente.
O ambiente cultural se interioriza e seu comportamento torna-se
social/cultural em sua forma e conteúdo, seus mecanismos e meios.
A união entre o pensamento e a linguagem redimensiona todas as funções
psicológicas (percepção, memória, atenção, pensamento, linguagem,
volição) que passam, gradativamente, ao controle do próprio indivíduo.
Se antes o controle se dava pelos comandos verbais dos outros o
comportamento vai passando ao controle do próprio indivíduo, por meio
do pensamento verbal (internalizado).
A fala egocêntrica é um estágio intermediário neste processo de
internalização.
9. III PRESSUPOSTO: A linguagem simbólica revoluciona todas as
funções psicológicas, passando-as de involuntárias a voluntárias.
Por meio da generalização verbal a criança torna-se possuidora de um novo
fator de desenvolvimento - a experiência humano-social - elemento
fundamental da sua formação mental (LEONTIEV, 1978).
Luria (1994) conclui que este desenvolvimento atravessa várias fases e que
cada uma delas difere em qualidade, podendo ser sintetizadas em: 1. Fase
pré-instrumental; 2. Fase mágica ou pseudo-instrumental e; 3. Fase
instrumental.
Para Leontiev (1975) [...] o processo de internalização consiste não no fato
de que a atividade externa seja introduzida no “plano da consciência” interna
que a precede, a interiorização é um processo no qual precisamente se forma
esse plano interno (p. 79).
10. A passagem do interpsicológico para o
intrapsicológico.
Significado – sistema de relações objetivas que se
formou no processo de desenvolvimento da palavra
(social/coletivo).
Sentido- relaciona-se ao individual, composto das
relações que a palavra tem com os contextos de uso
para o indivíduo, suas vivências particulares.
O desligamento do campo visual se dá pelo
desenvolvimento da linguagem, que permite a
reconstrução da realidade externa em um plano
interior, das representações.
11. IV PRESSUPOSTO: A aprendizagem e o desenvolvimento
constituem uma unidade dialética.
Luria (2001) afirmava que o adulto regula a ação da criança por meio do
uso de um mediador externo, a atividade verbal e outros instrumentos
simbólicos. A criança vai se subordinando às ações dos adultos e
assimilando esse meio de organização das ações.
A história da psique é, portanto, a história de sua construção, pois tal como
Vigotski, Luria e Leontiev evidenciam esta não pode ser entendida como
imutável ou invariável no sentido filo e ontogênico.
Esta apropriação das conquistas genéricas realizadas individualmente é o
que configura o processo de humanização ad infinitum, fruto de um
processo educativo sistematizado, tal como postula Leontiev (1978).
12. “(...) as origens das formas superiores de comportamento consciente deveriam ser
encontradas nas relações sociais que o indivíduo estabelece com o mundo exterior”
(Vigotski)
De acordo com Luria (1994), portanto, as ferramentas (externas e internas) usados
pelo homem, não só geram mudanças radicais nas condições de existência do
homem, mas agem sobre ele efetuando uma mudança em sua condição psíquica.
Nas inter-relações complexas com o ambiente, o psiquismo vai sendo refinado e
diferenciado; a mão e o cérebro vão assumindo formas definidas e vai evoluindo
uma série de métodos complexos de conduta, com a ajuda dos quais o homem se
adapta melhor ao mundo circundante.
Nenhum desenvolvimento - o da criança incluído - numa sociedade civilizada
moderna pode ser reduzido ao desenvolvimento de processos inatos naturais e a
mudanças morfológicas condicionadas pelos mesmos, mas este se deve à inserção
em grupos sociais e aquisição de formas de conduta civilizadas, cuja apropriação vai
ajudar a criança a adaptar-se às condições da comunidade que a cerca, processo em
que a educação escolar tem papel fundamental.
13. A EDUCAÇÃO ESPECIAL.
A sistematização dos quatro pressupostos metodológicos fundamentais da
Psicologia Histórico-Cultural nos remete ao entendimento de que é por meio da
dialética entre os processos de objetivação e apropriação que ocorre a reprodução
indefinidamente ampliada das capacidades humanas (LEONTIEV, 1967).
Os estudos de Vigotski permite-nos pensar que os indivíduos, por uma deficiência
ou outra, ao não se apropriarem, como os demais, do conjunto de representações e
de elaborações semióticas, passam a ter sua aprendizagem e seu desenvolvimento
diferenciados em seu curso (FACCI; TULESKI; BARROCO, 2006)
Um dos aspectos principais reside na atenção dada à possibilidade de educação aos
indivíduos comprometidos pela deficiência centrada no desenvolvimento da
capacidade de pensar e de agir conscientemente ou planejadamente, fazendo
compensações e supercompensações das áreas ou funções afetadas, a partir de
órgãos ou funções íntegros (FACCI; TULESKI; BARROCO, 2006).
14. … “onde é impossível o desenvolvimento orgânico sucessivo, está aberto
um espaço de modo ilmitado para o desenvolvimento cultural”
(VIGOTSKI, 1997).
“O comportamento cultural compensatório sobrepõe-se ao
comportamento natural defeituoso” (VIGOTSKI & LURIA, 1996)
Um defeito pode funcionar como poderoso estímulo no sentido de
reorganizar a personalidade, e o professor, na escola, precisa saber como
descobrir as possibilidades de compensação e como fazer uso delas
(FACCI; TULESKI; BARROCO, 2006).
No processo de avaliação o professor deve fiar-se na proposição de
Vigotski de que o grau de desenvolvimento cultural do aluno se expressa
não só pelo conhecimento por ele adquirido, mas pode ser analisado
considerando-se sua capacidade de usar objetos em seu mundo externo e,
principalmente, pela capacidade de usar racionalmente seu próprio
processo psicológico (FACCI; TULESKI; BARROCO, 2006).