1. ES/3 D. Afonso Henriques 2009/2010 Literaturas de Língua Portuguesa Luuanda José Luandino Vieira
2. Introdução A identidade nacional está presente nos contos de Luuanda. A obra literária de José Luandino Vieira - especialmente contos nos quais o espaço literário está centrado nos musseques, bairros pobres e, portanto, vítimas da discriminação e opressão económica - contribuiu para a integração cultural e linguística de Angola. Os seus contos têm por função ajudar a reconstruir a cultura de um povo que, por muito tempo, foi desenraizada e fragmentada.
5. A estória começa com a disputa entre duas vizinhas, Nga Zefa e Nga Bina, por causa de um ovo. NgaZefa tinha uma criação de galinhas, mas uma delas, a Cabíri, insistia em ir para o quintal de NgaBina, que tinha o marido preso, estava grávida e não tinha animais. Esta última dava milho à galinha de NgaZefa, até que um dia ela põe um ovo no seu quintal.
6. A dona de Cabíri ao saber do sucedido, tomada pela raiva, abala em direcção ao quintal da vizinha e as duas começam então uma zaragata, soltando insultos e agredindo-se uma à outra, até as vizinhas as separarem.
7. NgaZefa reivindica que se a galinha é sua, o ovo por conseguinte também será seu, enquanto que NgaBina afirma que visto que o ovo foi posto no seu quintal e ela é que tem alimentado o animal, o ovo pertence-lhe, dando também a desculpa de que como está grávida tem o desejo de comer ovo e “desejo de grávida não deve ser recusado”.
8. Tendo como intermediária VavóBebeca as duas rivais vão expondo a situação ao longo da tarde às personagens que surgem, como Sô Zé do quitanda, “Azulinho”, SôVitalino e Sô Artur Lemos. Mas nenhum deles consegue solucionar o caso.
9. É quando aparece o Sargento com os seus soldados e tentam tomar a galinha, que Beto, filho de NgaZefa e que sabia falar a língua dos animais, tem a ideia de começar a cantar a cantiga de “cambular” as galinhas e Cabíri, ao ouvir aquela melodia, escapa das garras do policial e voa em direção à capoeira de NgaZefa, onde se encontrava Beto. NgaZefa, no fim acaba por ceder o ovo a NgaBina devido ao seu estado de gravidez e acaba assim a trama.
10. Conto O conto é a forma narrativa, em prosa, de menor extensão (no sentido estrito de tamanho). Entre as suas principais características, estão a concisão, a precisão, a densidade, a unidade de efeito ou impressão total.
11. Espaço “Estes casos passaram no musseque de Sambizanga, nesta nossa terra de Luanda”, mais especificamente no quintal de Nga Bina.
13. Narrador Omenisciente – não participa na história, mas narra todos os acontecimentos ao pormenor e sabe o interior das personagens, o que estão a pensar ou a sentir.
14. Delimitação da narrativa Fechada – a disputa pelo ovo e pela galinha é solucionada Aberta – não se sabe o que acontece com as personagens após a zaragata
15. Personagens Nga Zefa – negra, magra, simples; vive no musseque; não trabalha; é casada; tem um filho chamado Beto; é a dona da galinha Cabíri; corajosa, destemida, teimosa e “zaragateira” Nga Bina – mulher negra e gorda; está grávida e o seu marido está na prisão; é calma, sorridente, esperta e teimosa
16. Personagens Vavó Bebeca – negra, com idade avançada; sábia e apaziguadora Sô Zé – comerciante, dono da quitanda; branco, zarolho de olhos azuis, magro e marreco; esperto, aproveitador e desonesto “Azulinho” – João Pedro Capita, 16 anos; andava sempre de fato de fardo todo bem “engomado” e usava óculos; queria ser padre; inteligente, culto, vaidoso e fisicamente fraco
17. Personagens Sô Vitalino – velho rico, proprietário de cubatas, cobrava a renda ao negros do musseque; usava uma bengala de castão de prata, um velho fato castanho e um grosso capacete de caqui; impiedoso, temido, carrancudo; gostava de Nag Mília, uma negra casada e com filhos e aliciava-a a ir viver com ele, luxuosamente
18. Personagens Sô Artur Lemos – velho vadio, tinha a perna esquerda aleijada; era casado com Rosália, uma quitata que vendia o corpo para conseguir dinheiro para sustentar a casa, pois o marido, depois de se meter no alcóol, perdera o emprego no notário; era culto, tinha muitos “livros grossos” e as pessoas procuravam-no quando tinham porblemas de administração
19. Personagens Sargento – homem gordo e baixo; rude, violento, malcriado e aproveitador Beto e Xixo – monandegues espertos, aventureiros, sabiam falar a língua dos bichos
20. O caso da galinha e do ovo Nga Zefa – queria o ovo para si porque a galinha era sua Nga Bina – queria o ovo para si porque ela é que tinha alimentado a galinha com o seu milho e o ovo tinha sido posto no seu quintal Sô Zé – afirmava que o ovo era seu porque o milho com que Nga Bina tinha alimentado a galinha fora comprado no seu estabelecimento e ainda não tinha sido pago
21. O caso da galinha e do ovo “Azulinho” – pretendia levar o ovo ao Sô Padre para este fazer a sua sentença divina Sô Vitalino – reinvindicava que o ovo lhe pertencia porque tinha sido posto numa propriedade sua (quintal de Nga Bina)
22. O caso da galinha e do ovo Sô Lemos – como Nga Zefa não tinha nenhum documento que provava que a galinha lhe pertencia, este pretendia levar a galinha e o ovo a um juiz para que este lhes declarasse a sentença Sargento – como ninguém chegou a acordo sobre o que fazer com a galinha e o ovo, este resolveu confiscá-la A galinha acabou por ficar com a sua verdadeira dona e o ovo com NgaBina
23. Musseque um aspirante a seminarista, representando o poder clerical; um ex-notário e beberrão, simbolizando a burocracia e os maridos que não ajudam as mulheres; um homem branco; um proprietário que aluga as habitações para os pobres, simbolizando a exploração económica e finalmente, aparece a instância de opressão maior na forma de uma polícia que discrimina os negros pobres do musseque
24. Repressão colonial A chegada da polícia representa uma ameaça mais concreta vinda de fora, e devemos entender essa opressão no contexto dos problemas políticos de Angola da época em que o conto se desenrola, antes da independência. Os demais representantes do poder, que vieram arbitrar no caso do ovo, de uma certa forma ou de outra ainda pertenciam ao grupo, perifericamente. Mas a polícia, neste caso, representa a opressão política de antes da independência (o marido preso de Nga Bina era provavelmente um preso político).
25. Lição fabular A imagem da galinha voando em liberdade em direcção ao sol, a presença de NgaBina com sua imensa barriga segurando o ovo, e a própria barriga parecendo um imenso ovo, são símbolos ligados ao princípio da vida, que está direccionado para o futuro com promessas da nova sociedade que irá surgir. E a nova sociedade, para Luandino Vieira, tem potencial para nascer a partir da união do povo simples e pobre dos musseques, das mulheres negras, e da língua misturada falada verdadeiramente pelo povo.
26. Conclusão "[...] A questão da fome, a questão da repressão, a questão de surgirem personagens de camadas e classes sociais que, até aí, eram segregadas da literatura, parece-me (hoje, a esta distância, tanto quanto me vejo, até como personagem do meu próprio destino), parecem-me correctas... ... Quando escrevi o Luuanda a minha preocupação era ser o mais fiel possível àquela realidade. Se a fome, a exploração, o desemprego, surgem com muita evidência, não se trata de uma atitude preconcebida, de uma atitude consciente. É porque isso era — digamos assim — o aquário onde as minhas personagens e eu circulávamos... A questão da linguagem já não é tão inocente assim... Muito embora não pretendesse fazer uma cópia fiel da linguagem utilizada pelas camadas populares luandenses.
27. Conclusão Tenho que reconhecer — para o caso do Luuanda— que em certa altura eu achei até que teria um significado político: demonstrar que, na própria língua do colonizador, a nossa diferença cultural nos permitia escrever de modo que era difícil, ao próprio colonizador, entender o nosso código linguístico. Mas essa parte deliberada na criação de uma linguagem é apenas uma excrescência. Porque o meu intuito era (não consegui, com certeza!) criar uma linguagem ao nível literário a partir dos mesmos processos e das estruturas linguísticas bantas da região de Luanda. Que fosse homóloga da linguagem popular e não a sua cópia ou a sua reprodução [...]” Luandino Vieira