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Número 4




CONTRAcordeiro
Lobo em pele de CORRENTE
Editorial                                                                                           Índice
                                                                                                    Carta de posição da Rede Brasil
                                                                                          4         sobre a Rio + 20

                                                                                                    Economia verde impõe
                                                                                      6 preço na pensamento único
É
                                                                              para quem desafia onatureza
     preciso compreender a realidade - ou as diversas realidades - em que estamos
      inseridos para poder transformá-la. Neste sentido, esta edição da                             Espoliação na fronteira
      Contra Corrente pretende contribuir para uma compreensão mais aprofundada          10         Brasil-Bolívia-Peru
sobre o tema do financiamento. Em tempos de apropriação da questão ambiental
                                                                                                    A história se repete,
por parte das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) e da proposição de falsas
soluções para a crise ecológica e climática, é fundamental refletir com cuidado sobre    14         agora como farsa
as políticas e os protagonistas da atual conjuntura. Também é importante, nesse
processo, perceber quem são, onde, como e por que lobos travestidos de cordeiros se      17         Valorando o que não tem valor
empenham na construção de uma ordem mundial que não tem nada de nova.
   Em sua carta de posição sobre a Rio + 20, ao afirmar-se “contra a mercantilização                Banco Mundial:
da vida e a financeirização da natureza, na defesa dos bens comuns e afirmação de        21         regularizar para controlar
direitos” e demandar “Banco Mundial fora do nosso mundo”, a Rede Brasil dá um
recado claro de que, para além de questionar o senso comum, posiciona-se de modo
inequívoco contra a principal proposta de aprofundamento do capital na atualidade:
                                                                                         24         Esquizofrenia na saúde pública

a transformação da natureza em mercadoria. Estamos vivendo um momento na
história da humanidade que beira ao surrealismo ou, talvez, ao realismo fantástico.      27         Cidades excludentes do BID
Não é este o caso quando se considera que a proposta de um dos mecanismos da
economia verde, o Pagamento de Serviços Ambientais (PSA), pretende precificar
a polinização das abelhas, considerando-as - desse modo - como trabalhadoras a
                                                                                         30         BRICS: mais do mesmo

serviço do capital? Nem George Orwell, em sua incrível e mirabolante obra 1984,                     BNDES é responsável
conseguiu ser tão ousado.                                                                33         pela violação de direitos
   Assim, com o propósito de abordar essas questões sob uma perspectiva crítica, os
                                                                                                    Copa: recursos públicos,
artigos aqui apresentam os seguintes temas: as mudanças na legislação brasileira
para regulamentar os mecanismos da economia verde; os impactos desta e do atual
                                                                                         36         apropriação privada
modelo de desenvolvimento nos territórios; a reinvenção das IFIs e o papel central que
elas ocupam na definição das políticas no Brasil; a atuação dos BRICS no G20 e           39         Brasil em transe
na Rio + 20; a corresponsabilidade do BNDES, expressa na Lei, sobre as violações
dos projetos que financia; a centralidade do Brasil na geopolítica mundial; o obscuro
financiamento da Copa do Mundo; e a presença da dívida na vida do cidadão comum.
                                                                                         41         Caos generalizado

   Lançada no mês em que acontece a Rio + 20, esta edição tem também como
propósito subsidiar os membros da Rede no processo de preparação para os debates         44         Decifra-me ou te devoro
que serão realizados durante a IX Assembléia Geral da Rede Brasil, que acontecerá
entre os dias 15 e 17 de agosto, em Brasília. Esta Assembléia pretende ser mais um
passo no sentido de acumular reflexão crítica para a necessária mudança do atual
                                                                                         47         A Copa como ela é
sistema de dominação do capital.




RIO + 20 = 0 VIDA
   Agradecemos a todos/as que, generosamente, colaboraram nesta edição. E, por
último, apresentamos abaixo os personagens das tiras que ilustram algumas matérias.
Eles, por si, já dão uma idéia do conteúdo das próximas páginas.
   Boa leitura!                                                                          Contra Corrente é uma publicação da Rede Brasil
                                                                                         sobre Instituições Financeiras Multilaterais
                                                                                         Número 04, Junho de 2012

                                                                                         Edição e Revisão: Patrícia Bonilha
A farsa da “economia verde” explicita a captura corporativa do Estado, da ONU e dos demais
                                                                                         Projeto Gráfico e Capa: Guilherme Resende - guileresende@gmail.com
                                                                                         Foto da Contracapa: Verena Glass
espaços decisórios. Proposta central não tem nada a ver com a defesa do refletem a opinião de seus autores/as.
                                                               Os artigos assinados meio ambiente.
O que interessa é somente o lucro.                             E não, necessariamente, são questões consensuadas
                                                               na Rede Brasil.

                                                                                         SCS, Qd 01, Bloco L, Edifício Márcia, sala 904
                                                                                         Brasília - DF, CEP 70307-900 * t + 5561 3321-6108
O novo papel das IFIs no marco                   A lei corresponsabiliza o BNDES         www.rbrasil.org.br do Mundo: apropriação
                                                                                                    Copa
do capitalismo verde                             pela violação de direitos                         privada dos recursos públicos
Editorial                                                                                           Índice


Lobo em pele de cordeiro                                                                  4
                                                                                                    Carta de posição da Rede Brasil
                                                                                                    sobre a Rio + 20

                                                                                                    Economia verde impõe
                                                                                          6
É
      preciso compreender a realidade - ou as diversas realidades - em que estamos                  preço na natureza
      inseridos para poder transformá-la. Neste sentido, esta edição da                             Espoliação na fronteira
      Contra Corrente pretende contribuir para uma compreensão mais aprofundada          10         Brasil-Bolívia-Peru
sobre o tema do financiamento. Em tempos de apropriação da questão ambiental
                                                                                                    A história se repete,
por parte das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) e da proposição de falsas
soluções para a crise ecológica e climática, é fundamental refletir com cuidado sobre    14         agora como farsa
as políticas e os protagonistas da atual conjuntura. Também é importante, nesse
processo, perceber quem são, onde, como e por que lobos travestidos de cordeiros se      17         Valorando o que não tem valor
empenham na construção de uma ordem mundial que não tem nada de nova.
   Em sua carta de posição sobre a Rio + 20, ao afirmar-se “contra a mercantilização                Banco Mundial:
da vida e a financeirização da natureza, na defesa dos bens comuns e afirmação de        21         regularizar para controlar
direitos” e demandar “Banco Mundial fora do nosso mundo”, a Rede Brasil dá um
recado claro de que, para além de questionar o senso comum, posiciona-se de modo
inequívoco contra a principal proposta de aprofundamento do capital na atualidade:
                                                                                         24         Esquizofrenia na saúde pública

a transformação da natureza em mercadoria. Estamos vivendo um momento na
história da humanidade que beira ao surrealismo ou, talvez, ao realismo fantástico.      27         Cidades excludentes do BID
Não é este o caso quando se considera que a proposta de um dos mecanismos da
economia verde, o Pagamento de Serviços Ambientais (PSA), pretende precificar
a polinização das abelhas, considerando-as - desse modo - como trabalhadoras a
                                                                                         30         BRICS: mais do mesmo

serviço do capital? Nem George Orwell, em sua incrível e mirabolante obra 1984,                     BNDES é responsável
conseguiu ser tão ousado.                                                                33         pela violação de direitos
   Assim, com o propósito de abordar essas questões sob uma perspectiva crítica, os
                                                                                                    Copa: recursos públicos,
artigos aqui apresentam os seguintes temas: as mudanças na legislação brasileira
para regulamentar os mecanismos da economia verde; os impactos desta e do atual
                                                                                         36         apropriação privada
modelo de desenvolvimento nos territórios; a reinvenção das IFIs e o papel central que
elas ocupam na definição das políticas no Brasil; a atuação dos BRICS no G20 e           39         Brasil em transe
na Rio + 20; a corresponsabilidade do BNDES, expressa na Lei, sobre as violações
dos projetos que financia; a centralidade do Brasil na geopolítica mundial; o obscuro
financiamento da Copa do Mundo; e a presença da dívida na vida do cidadão comum.
                                                                                         41         Caos generalizado

   Lançada no mês em que acontece a Rio + 20, esta edição tem também como
propósito subsidiar os membros da Rede no processo de preparação para os debates         44         Decifra-me ou te devoro
que serão realizados durante a IX Assembléia Geral da Rede Brasil, que acontecerá
entre os dias 15 e 17 de agosto, em Brasília. Esta Assembléia pretende ser mais um
passo no sentido de acumular reflexão crítica para a necessária mudança do atual
                                                                                         47         A Copa como ela é
sistema de dominação do capital.
   Agradecemos a todos/as que, generosamente, colaboraram nesta edição. E, por
último, apresentamos abaixo os personagens das tiras que ilustram algumas matérias.
Eles, por si, já dão uma idéia do conteúdo das próximas páginas.
   Boa leitura!                                                                          Contra Corrente é uma publicação da Rede Brasil
                                                                                         sobre Instituições Financeiras Multilaterais
                                                                                         Número 04, Junho de 2012

                                                                                         Edição e Revisão: Patrícia Bonilha
                                                                                         Projeto Gráfico e Capa: Guilherme Resende - guileresende@gmail.com
                                                                                         Foto da Contracapa: Verena Glass

                                                                                         Os artigos assinados refletem a opinião de seus autores/as.
                                                                                         E não, necessariamente, são questões consensuadas
                                                                                         na Rede Brasil.

                                                                                         SCS, Qd 01, Bloco L, Edifício Márcia, sala 904
                                                                                         Brasília - DF, CEP 70307-900 * t + 5561 3321-6108
                                                                                         www.rbrasil.org.br
Editorial                                                                                           Índice


Lobo em pele de cordeiro                                                                  4
                                                                                                    Carta de posição da Rede Brasil
                                                                                                    sobre a Rio + 20

                                                                                                    Economia verde impõe
                                                                                          6
É
      preciso compreender a realidade - ou as diversas realidades - em que estamos                  preço na natureza
      inseridos para poder transformá-la. Neste sentido, esta edição da                             Espoliação na fronteira
      Contra Corrente pretende contribuir para uma compreensão mais aprofundada          10         Brasil-Bolívia-Peru
sobre o tema do financiamento. Em tempos de apropriação da questão ambiental
                                                                                                    A história se repete,
por parte das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) e da proposição de falsas
soluções para a crise ecológica e climática, é fundamental refletir com cuidado sobre    14         agora como farsa
as políticas e os protagonistas da atual conjuntura. Também é importante, nesse
processo, perceber quem são, onde, como e por que lobos travestidos de cordeiros se      17         Valorando o que não tem valor
empenham na construção de uma ordem mundial que não tem nada de nova.
   Em sua carta de posição sobre a Rio + 20, ao afirmar-se “contra a mercantilização                Banco Mundial:
da vida e a financeirização da natureza, na defesa dos bens comuns e afirmação de        21         regularizar para controlar
direitos” e demandar “Banco Mundial fora do nosso mundo”, a Rede Brasil dá um
recado claro de que, para além de questionar o senso comum, posiciona-se de modo
inequívoco contra a principal proposta de aprofundamento do capital na atualidade:
                                                                                         24         Esquizofrenia na saúde pública

a transformação da natureza em mercadoria. Estamos vivendo um momento na
história da humanidade que beira ao surrealismo ou, talvez, ao realismo fantástico.      27         Cidades excludentes do BID
Não é este o caso quando se considera que a proposta de um dos mecanismos da
economia verde, o Pagamento de Serviços Ambientais (PSA), pretende precificar
a polinização das abelhas, considerando-as - desse modo - como trabalhadoras a
                                                                                         30         BRICS: mais do mesmo

serviço do capital? Nem George Orwell, em sua incrível e mirabolante obra 1984,                     BNDES é responsável
conseguiu ser tão ousado.                                                                33         pela violação de direitos
   Assim, com o propósito de abordar essas questões sob uma perspectiva crítica, os
                                                                                                    Copa: recursos públicos,
artigos aqui apresentam os seguintes temas: as mudanças na legislação brasileira
para regulamentar os mecanismos da economia verde; os impactos desta e do atual
                                                                                         36         apropriação privada
modelo de desenvolvimento nos territórios; a reinvenção das IFIs e o papel central que
elas ocupam na definição das políticas no Brasil; a atuação dos BRICS no G20 e           39         Brasil em transe
na Rio + 20; a corresponsabilidade do BNDES, expressa na Lei, sobre as violações
dos projetos que financia; a centralidade do Brasil na geopolítica mundial; o obscuro
financiamento da Copa do Mundo; e a presença da dívida na vida do cidadão comum.
                                                                                         41         Caos generalizado

   Lançada no mês em que acontece a Rio + 20, esta edição tem também como
propósito subsidiar os membros da Rede no processo de preparação para os debates         44         Decifra-me ou te devoro
que serão realizados durante a IX Assembléia Geral da Rede Brasil, que acontecerá
entre os dias 15 e 17 de agosto, em Brasília. Esta Assembléia pretende ser mais um
passo no sentido de acumular reflexão crítica para a necessária mudança do atual
                                                                                         47         A Copa como ela é
sistema de dominação do capital.
   Agradecemos a todos/as que, generosamente, colaboraram nesta edição. E, por
último, apresentamos abaixo os personagens das tiras que ilustram algumas matérias.
Eles, por si, já dão uma idéia do conteúdo das próximas páginas.
   Boa leitura!                                                                          Contra Corrente é uma publicação da Rede Brasil
                                                                                         sobre Instituições Financeiras Multilaterais
                                                                                         Número 04, Junho de 2012

                                                                                         Edição e Revisão: Patrícia Bonilha
                                                                                         Projeto Gráfico e Capa: Guilherme Resende - guileresende@gmail.com
                                                                                         Foto da Contracapa: Verena Glass

                                                                                         Os artigos assinados refletem a opinião de seus autores/as.
                                                                                         E não, necessariamente, são questões consensuadas
                                                                                         na Rede Brasil.

                                                                                         SCS, Qd 01, Bloco L, Edifício Márcia, sala 904
                                                                                         Brasília - DF, CEP 70307-900 * t + 5561 3321-6108
                                                                                         www.rbrasil.org.br
Carta de Posição
rumo à Cúpula dos Povos
na Rio+20
Contra a mercantilização da vida e a financeirização da natureza!
Na defesa dos bens comuns e afirmação dos direitos!
Banco Mundial Fora do Nosso Mundo!



                                                                                E
                                                                                      m junho de 2012, a cidade do Rio de Janeiro
                                                                                      sediará a Rio+20, Conferência das Nações
                                                                                      Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, cuja
                                                                                agenda de implementação da chamada economia
                                                                                verde será o tema central. Instituições Financeiras
                                                                                Internacionais (IFis), como o Banco Mundial, o Banco
                                                                                Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco
                                                                                Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
                                                                                (BNDES), têm ocupado um papel central na condução
                                                                                desta agenda, que promove a mercantilização da vida
                                                                                e a financerização da natureza. A Rede Brasil sobre
                                                                                Instituições Financeiras Multilaterais, fundamentada
                                                                                pelos seus 17 anos na luta contra hegemônica e no
                                                                                monitoramento crítico das políticas e projetos das
                                                                                instituições financeiras, vem a público posicionar-se
                                                                                frente ao processo da Rio+20.
                                                                                  A consolidação e aceitação da economia verde
                                                                                via conferência mundial de meio ambiente explicita
                                                                                a captura corporativa da ONU e demais espaços
Banksy




                                                                                multilaterais. Ator central na imposição de ajustes
                                                                                estruturais nas décadas de 1980 e 1990, o Banco
                                                                                Mundial, atualmente, emerge como promotor de
                                                                                um novo consenso liberal - agora “verde” - de
                                                                                incorporação das fronteiras da natureza ao mercado.
                                                                                Internacionalmente, desde 2007, o Banco Mundial
                                                                                investe na criação de fundos de preparação e
                                                                                expansão de mercados de carbono, com o claro
 Diante do aprofundamento da expropriação capitalista, travestido de “verde”,   objetivo de obter recursos exorbitantes a partir da
 resta aos povos: mobilizar e resistir                                          transformação do ar em mercadoria. Além disso, 56%


4
Contra Corrente




                                                                                “A Rede Brasil entende ser
                                                                                fundamental resistir ao
                                                                                processo de mercantilização
                                                                                da natureza, denunciar a
                                                                                captura coorporativa dos
                                                                                espaços multilaterais e exigir
                                                                                dos governos que sigam a
                                                                                agenda política dos povos, e não
                                                                                a das corporações, das elites

                                                                   Reprodução
                                                                                e instituições financeiras.”


de seus investimentos para o setor de        medida que se tornam bens escassos.           elites e instituições financeiras.
energia, e os lucros decorrentes dos juros   A mercantilização da natureza é um              Assim, a Cúpula dos Povos por
dos empréstimos, estão concentrados em       grande risco para a humanidade, pois          Justiça Social e Ambiental, contra a
fontes de carbono intensivas. No Brasil,     significa um aprofundamento do                mercantilização da natureza e pela
a estratégia do Banco Mundial não se         processo de expropriação dos territórios      defesa dos bens comuns deverá ter o
limita ao financiamento de projetos.         e de exploração do trabalho e dos bens        papel de mobilizar a sociedade contra os
Ao longo das últimas décadas, o banco        comuns. No Brasil, esse preocupante           riscos, para os povos e para a natureza,
exerceu grande incidência na formulação      quadro tem sido ilustrado por muitos          decorrentes da implementação dessa
de políticas públicas. Mais recentemente,    casos, que vão desde as lutas contra a        economia verde neoliberal. A Rede
focou seus esforços na flexibilização        construção da usina de Belo Monte, no         Brasil, neste sentido, apóia também o
da legislação ambiental e na política        Pará, até as denúncias e resistência frente   processo de mobilização e construção
climática, de modo a dar maior agilidade     às violações da siderúrgica da TKCSA, no      da Assembléia Permanente dos Povos,
a grandes investimentos destruidores         Rio de Janeiro, passando por um amplo         a fim de dar voz e força às populações
da natureza, como a implementação de         espectro de embates sociais resultantes       atingidas pelas múltiplas dimensões
empresas extrativas e mega projetos de       da imposição de um modelo centrado no         do atual modelo de desenvolvimento e
infraestrutura, além da expansão             lucro de poucos às custas do sofrimento       pelas falsas soluções e novas formas de
do agronegócio.                              da maioria. Na quase totalidade               reprodução do capitalismo promovidas
  O processo de financeirização da           desses projetos, o BNDES é o principal        pelas IFIs. São estas mesmas populações
natureza representa uma expansão             financiador.                                  que, além de resistir, vivem e recriam as
das fronteiras de acumulações do               Este modelo de desenvolvimento,             alternativas na construção de uma outra
capital sobre tudo aquilo que até hoje       que aprofunda o capitalismo, terá na          economia e de uma outra sociedade.
ainda não havia sido transformado            Rio+20 um importante momento de
em mercadoria ou em papel moeda.             consolidação, ideológica e jurídica/legal.          Venha ocupar
A arquitetura financeira da economia         Por tudo isso, a Rede Brasil entende
verde, sendo construída com base no          ser fundamental resistir a tal processo,               a Rio+20,
enfraquecimentos dos direitos nas            denunciar a captura coorporativa
políticas públicas, visa permitir a          dos espaços multilaterais e exigir dos             é hora de mudar
especulação sobre o ar que respiramos        governos que sigam a agenda política
e a água que bebemos, por exemplo, à         dos povos e não a das corporações, das                o sistema!

                                                                                                                                         5
Larissa Ambrosano Packer*




         Economia verde impõe
         preço na natureza
               Uma engenharia legal está sendo construída no Brasil para regulamentar
               mecanismos financeiros que premiam quem sempre desmatou e poluiu; o ônus
               fica com os povos que, historicamente, conservaram a vida no planeta

                                                                                                         Frente à crise climática e ambiental
                                                                                                         que mobiliza todas as nações do
                                                                                                         mundo, o Brasil também está diante do
                                                                                                         desafio de ressignificar o conceito de
                                                                                                         “desenvolvimento sustentável”.
                                                                                                           A importância estratégica do país
                                                                                                         nesses dois campos se traduz pelos
                                                                                                         órgãos-chave da Organização das Nações
                                                                                                         Unidas (ONU) dirigidos por brasileiros
                                                                                                         atualmente: José Graziano da Silva,
                                                                                                         que em 2011 assumiu a direção-geral
                                                                                                         da Organização das Nações Unidas para
                                                                                                         Agricultura e Alimentação (FAO), órgão
                                                                                                         encarregado dos recursos fitogenéticos
                                                                                                         para alimentação e agricultura mundial;
                                                                                                         e Bráulio Ferreira de Souza Dias,
                                                                                                         recém-empossado secretário-executivo
                                                                                                         do Secretariado da Convenção sobre
                                                                                                         Diversidade Biológica (CDB), responsável
                                                                                                         por garantir as metas de conservação e
                                                                                                         uso sustentável da diversidade biológica
Nilo D´Avila




                                                                                                         do planeta.

                                                                                                         Negócios, negócios e negócios - A
                                                                                                         estratégia brasileira é visibilizar o valor
                     Os mecanismos da economia verde recompensam quem desmata: tudo pelo dinheiro        econômico dos recursos naturais, assim
                                                                                                         como das externalidades ambientais


         O
                     Brasil possui atualmente 48,7              diante da crise alimentar e econômica    produzidas pelas cadeias produtivas.
                     milhões de hectares de superfície          mundial, tem o desafio de avançar em     Ao encontrar um valor expresso
                     semeados, com uma colheita                 sua produção agrícola e alimentar e na   monetariamente para a água ou a
               recorde em 2011 de 160 milhões de                geração de emprego e renda. Por outro    fertilidade dos solos, necessários à
               toneladas de cereais, grãos e sementes           lado, é o maior país megadiverso do      produção de grãos para exportação das
               oleaginosas. Na última safra, tornou-se          planeta, com 508 milhões de hectares     commodities agrícolas, por exemplo,
               o maior exportador de soja do mundo,             de mata nativa e cerca de 13% da         pretende-se agregar valor às commodities
               com 38 milhões de toneladas1. Por isso,          biodiversidade2 encontrada no planeta.   agrícolas e minerais - através da cobrança


               6
Contra Corrente




dos custos ambientais gerados -, assim     responsáveis, respectivamente por 80%        trabalho, tecnologia e saúde.
como dar ao Brasil a chance de controlar   e 40% dos cortes nacionais; o Plano          Estes planos setoriais de redução
o mercado de “ativos ambientais” e         Decenal de Expansão de Energia (PDE),        estão autorizados a emitir e vender
fixar o preço futuro das “commodities      responsável por 6,1% a 7,7% dos cortes       créditos de carbono no novo Mercado
ambientais”. Não é por outro motivo        de emissões, com foco em centrais            Brasileiro de Redução de Emissões
que a Bolsa de Valores de São Paulo        eólicas, pequenas centrais hidroelétricas    (MBRE), que será operacionalizado
(Bovespa) já vem negociando os novos       (PCHs) e bioeletricidade, na oferta de       em bolsas de mercadorias e futuros,
“ativos verdes”, resultantes de bônus      agrocombustíveis e no incremento da          bolsas de valores e entidades de balcão
ou créditos de carbono de projetos         eficiência energética; o Plano Setorial de   organizado autorizadas pela Comissão
de Mecanismo de Desenvolvimento            Mitigação e de Adaptação das Mudanças        de Valores Mobiliários (CVM)5, através
Limpo (MDL) e do mercado de carbono        Climáticas para a Consolidação de uma        da negociação de títulos mobiliários
voluntário. Nesse sentido, também foi      Economia de Baixa Emissão de Carbono         representativos de emissões de gases de
criada, em fins de 2011, a Bolsa Verde     na Agricultura (Plano ABC), que prevê        efeito estufa evitados. O Certificado de
do Rio (BVRio), que pretende ser a                                                      Redução de Emissões por Desmatamento
primeira bolsa de valores a desenvolver    “Quanto mais poluição                        e Degradação Florestal (CREDD), título
                                                                                        mobiliário representativo de uma
um mercado de ativos ambientais com o
objetivo de promover a “economia verde”
no estado e no país3.
                                                e desmatamento                          tonelada de dióxido de carbono (CO2)
                                                                                        equivalente evitada, está para ser
  Ao regulamentar o marco nacional
para estruturar este novo mercado
                                           gerado pela indústria                        regulamentado pelo Projeto de Lei nº
                                                                                        195/2011), que tramita no Congresso
sobre a biodiversidade e os “serviços                                                   Nacional, criando a propriedade privada
ambientais”, o Brasil pode controlar o      ou pelo agronegócio,                        sobre o ar e a possibilidade de circulação
custo de oportunidade entre avançar                                                     da nova mercadoria da chamada
com soja sobre a Amazônia ou manter            maior o valor dos                        “economia de baixo carbono”.
a floresta em pé, jogando com o valor
da commodity agrícola ou da commodity        ‘ativos ambientais’,                       Quanto mais destrói, mais lucra - Na
ambiental no mercado especulativo.                                                      prática, a Política Nacional sobre Mudança
O que se verifica no país é uma                 valorizados com                         do Clima cria a demanda de redução das
interdependência ou atrelamento da                                                      emissões nacionais e a delega ao mercado
chamada “economia verde” à “economia               a escassez da                        através da autorização de emissão de
                                                                                        bônus ou créditos de carbono por setores
marrom”. Quanto mais poluição e
desmatamento gerado pela indústria
ou pelo agronegócio, maior o valor dos
                                                 mercadoria que                         produtivos tidos como mais “limpos”. A
                                                                                        instalação de mega projetos energéticos
“ativos ambientais”, valorizados com a
escassez da mercadoria que representam
                                                representam - a                         na Amazônia, como a usina hidrelétrica
                                                                                        de Belo Monte ou o Complexo Tapajós,
- a biodiversidade.                                                                     além de impactar os territórios indígenas e
                                                biodiversidade.”                        de povos tradicionais amazônicos e gerar
Propriedade privada sobre o ar                                                          danos incomensuráveis à biodiversidade
Em 2009 foi aprovada a Política            incentivos de até R$ 1 milhão por            local, ainda poderão negociar, na forma
Nacional sobre Mudança do Clima            produtor rural que opte por atividades       de “ativo ambiental”, seu bônus por deixar
(PNMC), a fim de cumprir com as metas      tidas como “menos” poluentes, como           de emitir carbono, levantando dinheiro
voluntárias de redução, entre 36,1%        o plantio direto4; e, ainda, o Plano de      no mercado financeiro. Siderúrgicas
e 38,9% das emissões projetadas para       Redução de Emissões da Siderurgia,           que substituam seu carvão mineral por
2020, então assumidas pelo Brasil na       através do incentivo para o uso de carvão    carvão vegetal, vindo de monocultivos de
Convenção Quadro das Nações Unidas         vegetal originário de florestas plantadas    árvores plantadas, também poderão emitir
sobre Mudanças do Clima. Para tanto        e a melhoria na eficiência do processo       créditos de carbono evitado, e capitalizar-
a PNMC, elege cinco planos setoriais       de carbonização. A política de redução       se com os negócios verdes nas bolsas de
estratégicos para as reduções: os planos   de emissões ainda prevê sua expansão         valores. Do mesmo modo, o agronegócio
de ação para prevenção e controle do       para outras áreas, como a indústria de       e os monocultivos de soja, por exemplo,
desmatamento e das queimadas na            transformação, química, papel e celulose,    poderão receber benefícios como isenção
Amazônia e no Cerrado, que seriam          construção civil, mineração, transportes,    fiscal e financiamentos facilitados a


                                                                                                                                      7
juros baixos para o plantio direto com          valoração econômica dos componentes       traduzido no Brasil pela Confederação
aplicação de altas taxas de herbicidas,         da natureza; as parcerias público-        Nacional das Industrias (CNI), e é o
o que autoriza o setor agrícola                 privadas na gestação das Unidades de      instrumento de convencimento do setor
industrial a continuar avançando sua            Conservação; e a concessão de florestas   industrial e corporativo para fomentar
fronteira agrícola com incentivos               públicas. Sua proposta se fundamenta em   a construção desse novo mercado
estatais, e ainda emitir créditos de            incentivos corporativos ou de mercado     sobre a biodiversidade e o mercado de
carbono equivalente evitado.                    para a conservação e uso sustentável      pagamentos por serviços ambientais.
  Por outro lado, os planos de redução          da biodiversidade através da política        Tramitando também no Congresso
das emissões nos biomas amazônico e             de Pagamento por Serviços Ambientais      Nacional, o Projeto de Lei nº 792/07, e
cerrado, de 80% e 40% das emissões              (PSA). O que pode gerar, a exemplo do     seus dez apensos, pretende estabelecer
nacionais respectivamente, não recaem           que vem acontecendo no âmbito das         o Mercado Nacional de Pagamentos
sobre os setores que mais respondem                                                       de Serviços Ambientais, autorizando a
pelas emissões e degradação, mas sobre                                                    comercialização de diversos componentes
as populações tradicionais e suas práticas            “O lucro da dita                    da biodiversidade através de contratos
de manejo do território. Através de                                                       privados ou públicos realizados entre
programas como o Bolsa Verde6, lançado            ‘economia marrom’                       comunidades fornecedoras de “serviços
pelo governo federal em outubro de                                                        ambientais” e empresas poluidoras-
2011, os beneficiários7 ficam obrigados           é a possibilidade de                    compradoras de autorizações para
a desenvolver atividades de conservação                                                   continuar a gerar danos (compensações
e uso sustentável. Isso significa que o            lucros da chamada                      ambientais). Enquanto isso, à semelhança
ônus para o cumprimento das metas de                                                      do título de propriedade sobre o ar ou
redução das emissões acaba recaindo
sobre aquelas populações que sempre
                                                  ‘economia verde’, é                     o carbono - a CREDD, a atual proposta
                                                                                          de flexibilização do Código Florestal
foram responsáveis pela conservação e
uso sustentável. Caso as famílias não
                                                   o chamado win-win                      autoriza a emissão da CRA (Cota de
                                                                                          Reserva Ambiental), título de crédito
cumpram com os requisitos do termo de                                                     representativo de um hectare de floresta
adesão, além de perderem a bolsa, podem             (ganha-ganha). O                      nativa, que poderá ser comprada e
ser multadas, por exemplo, no caso de                                                     vendida tanto para compensar áreas que
utilizarem formas de manejo tradicional,        cálculo é estritamente                    não tenham Reserva Legal exigida por lei9,
como as técnicas de pousio para realizar                                                  como para serem negociadas em bolsas
os roçados para sua subsistência                    econômico e nada                      de valores no mercado financeiro. É dada
  Ao invés de induzir boas práticas de                                                    a largada para a introdução das florestas
uso e conservação das florestas, a PNMC           tem a ver com meio                      tropicais no mercado financeiro.
pode criminalizar as formas de manejo                                                        A compra e venda desses títulos é
dos povos que, historicamente, garantem o                 ambiente.”                      feita por agentes privados através da
uso e conservação da floresta em pé e, por                                                bolsa de valores. Eles adquirem esses
outro lado, beneficiar os setores das cadeias                                             ativos ambientais através de contratos de
produtivas que mais poluem e degradam,          políticas sobre mudanças climáticas, a    compra e venda de “serviços ambientais”,
tanto com a autorização da emissão de           regulamentação de um mercado nacional     firmados com fornecedores desses serviços
“ativos ambientais”, como também com            da biodiversidade.                        (principalmente agricultores familiares,
políticas de incentivos fiscal e tarifário.       A fim de realizar essa valoração        povos e comunidades tradicionais), em
                                                monetária da biodiversidade, a CDB        troca da emissão do título em seu nome. O
Florestas como mercadoria - Com                 recepcionou o estudo TEEB (sigla          território e os recursos naturais, objeto do
o objetivo de cumprir as metas para a           em inglês para The Economics of           contrato de PSA, passam a ser o lastro,
redução da degradação e desmatamento            Ecosystems and Biodiversity, Economia     ou seja, a garantia do título (CREDD
da biodiversidade fixadas no Plano              dos Ecossitemas e da Biodiversidade)8,    ou CRA), e devem estar à disposição do
Estratégico para 2020 da Convenção da           como ferramenta capaz de resolver a       usuário-comprador.
Diversidade Biológica (CDB), o governo          “falha de mercado” dos bens comuns,          É necessário frisar que, para garantir
brasileiro se apressa para aprovar em           de modo a incorporar um preço aos         o monitoramento e a fiscalização do
tempo recorde uma Política Nacional de          componentes da biodiversidade, como       “serviço” contratado, o artigo 6º do
Biodiversidade, que tem como base a             qualquer outra mercadoria. O estudo foi   projeto de lei de PSA assegura, ao


8
Contra Corrente




usuário-pagador do serviço, pleno            Larissa Ambrosano Packer é Advogada da Terra de
                                             Direitos e Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade
acesso à área objeto do contrato e a
                                             Federal do Paraná - larissa@terradedireitos.org.br
dados relativos às ações de manutenção
                                             NOTAS E referências bibliográficas
e recuperação realizadas pelo provedor.      * Este texto é parte de um artigo maior que integra a
O contrato de PSA é vinculado à              publicação Inside a Champion, an analyses of the Brazilian
matrícula do imóvel por meio de              developing model, da Fundação Henrich Boell Brasil,
                                             disponível em http://br.boell.org/
servidão ambiental, ou seja, da renúncia
do provedor do serviço aos direitos de       1 Comunicação Social. Em 2012, IBGE prevê safra 0,3% maior
                                             que em 2011. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
supressão ou exploração da vegetação         (IBGE), 10 de janeiro de 2012. Disponível em: http://www.
por, no mínimo, 15 anos.                     ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.
                                             php?id_noticia=2065&id_pagina=1. Acesso em 15 de
  De fato, os grupos que construíram         fevereiro de 2012.
a flexibilização do Código Florestal e       2 Florestas do Brasil em Resumo 2010: dados de 2005-2010.
a regulamentação dos Pagamentos por          Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/sfb/_
                                             arquivos/livro_de_bolso___sfb_mma_2010_web_95.pdf>.
Serviços Ambientais pretendem induzir a      Acesso em 10 de março de 2012.
demanda pelo mercado da biodiversidade       3 “A Bolsa Verde do Rio de Janeiro, que será conhecida pela
e dos ecossistemas, ou seja, regularizar a   sigla BVRio, terá negociações de produtos já conhecidos,
compra do direito de poluir e degradar.      como créditos de carbono, mas também terá novidades, como
                                             papéis relacionados ao Código Florestal brasileiro, que exige
                                             de fazendeiros manter certo espaço de floresta dentro de sua
Ou ganha ou ganha - Ao vincular os           propriedade”. Crespo, Silvio G. ‘FT’: Com Bolsa Verde, Rio pode
                                             virar polo financeiro alternativo. Estado de São Paulo, 19 de
pagamentos por “serviços ambientais” ao      dezembro de. 2011. Disponível em: http://blogs.estadao.com.
mercado financeiro, com a autorização        br/radar-economico/2011/12/19/ft-com-bolsa-verde-rio-
                                             pode-virar-centro-financeiro-alternativo/. Acesso em 20 de
de emissão de títulos ou ativos que          março de 2012.
representam toneladas de carbono captadas    4 O plantio direto é um sistema diferenciado de manejo
(como é o caso do mercado de carbono) ou     do solo que visa diminuir o impacto da agricultura e das
                                             máquinas agrícolas (tratores, arados, etc.) É identificado como
com as florestas nativas (como previsto      atividade agrícola menos emissora de GEE, constituindo-
na atual proposta do Código Florestal        se como a principal tecnologia de uma “agricultura de
                                             baixo carbono”. No entanto, o plantio direto em uma
brasileiro flexibilizado), a proteção da     agricultura industrial de larga escala, segue o padrão
biodiversidade e a regulação climática       tecnológico altamente dependente de combustíveis fósseis,
                                             com a aplicação de. Tal procedimento torna questionável
tornam-se um negócio e a possibilidade       sua identificação como tecnologia “verde”, que deve ser
de conservação ambiental se resume           incentivada através de pagamentos por serviços ambientais
                                             como parte de uma “agricultura de baixo carbono”.
ao custo de oportunidade. Quanto maior
a especulação sobre o “humor do clima”,      5 A CVM é um órgão público que tem como função
                                             desenvolver, regular e fiscalizar o Mercado de Valores
quanto maior o risco sobre as florestas ou   Mobiliários.
a quantidade de emissões, maior o valor      6 O Bolsa Verde é um programa de pagamento por “serviço”
dos títulos ambientais e, por conseguinte,   ambiental público que consiste na doação de R$ 300 reais
                                             a cada três meses, pelo prazo de dois anos, que poderá
dos “serviços ambientais”. O lucro da dita   ser renovado, às famílias que residam em Unidades de
“economia marrom” é a possibilidade de       Conservação na Amazônia.




                                                                                                                             Guilherme Resende
lucros da chamada “economia verde”, é o      7 São beneficiárias do programa as famílias que se
                                             encontram em situação de extrema pobreza, equivalente à
chamado win-win (ganha-ganha). O cálculo     renda per capita mensal de até R$ 70. Os estados abrangidos
é estritamente econômico e nada tem a        são Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia,
ver com meio ambiente.                       Roraima, Tocantins, e parte do estado do Maranhão.

  Em linhas gerais, a proposta de            8 Encomendada pelo G8+5 em 2007, a iniciativa é sediada pelo
                                             Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma),
transição para uma economia verde            coordenada pelo economista indiano Pavan Sukhdev, chefe da
apresenta-se como legitimação do             divisão de novos mercados globais do Deutsche Bank, e conta
                                             com o apoio da Comissão Europeia e de vários ministérios
direito dos países desenvolvidos de          nacionais de desenvolvimento na Europa.
comprar a renovação de suas dívidas          9 O Código Florestal brasileiro, de 1965, exige um mínimo de
históricas que não serão pagas,              cobertura vegetal nativa a qualquer propriedade privada no
                                             país. Trata-se de uma intervenção administrativa nos direitos
transferindo este ônus para os territórios   de propriedade privada em nome do interesse público e social,
das comunidades do Sul Global, que           a fim de garantir observância dos índices de produtividade e
                                             das legislações ambiental e trabalhista. A Reserva Legal é de,
passam a ser as garantias ou lastro deste    no mínimo, 20 % da posse ou propriedade no Sul do Brasil, de
novo mercado sobre a natureza.               35% no bioma Cerrado e de 80% na Amazônia Legal.



                                                                                                                            9
Elder Andrade de Paula*




                                                                                                                                                     movementgeneration.org
                                                            Povos resistem à imposição da lógica hegemônica: contra o aprofundamento da espoliação




Espoliação na fronteira
Brasil - Bolívia - Peru
A imposição da lógica mercantilista do capitalismo verde já agrava as condições
de vida e os processos de resistências dos povos nessa região, cuja história é
marcada pela expropriação

“    L
         a suposición de que el problema indígena es un            problema de educación no aparece sufragado ni aun por un
         problema étnico se nutre del más envejecido repertorio    criterio estricta y autónomamente pedagógico (…) El nuevo
         de ideas imperialistas. El concepto de las razas          planteamiento consiste en buscar el problema indígena en el
inferiores sirvió al Occidente blanco para su obra de expansión    problema de la tierra.” (Mariátegui)1
y conquista (…) La tendencia a considerar el problema indígena       A essência do problema apontado pelo filósofo peruano
como un problema moral encarna una concepción liberal,             Mariátegui persiste em “Nuestra América” no alvorecer
humanitaria, ochocentista, iluminista, que en el orden político    do século XXI. Agora, todavia, as práticas imperialistas
de Occidente anima y motiva las ‘ligas de los Derechos del         se mesclam com o colonialismo interno que engendra a
Hombre’(…) El concepto de que el problema del indio es un          espoliação tanto dos povos indígenas quanto das demais


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Contra Corrente




populações que vivem em territórios          nacionais. Foi nesse contexto que o         100 mil habitantes. Ainda hoje esta
cobiçados pelo capital, como é o caso        Brasil, a Bolívia e o Peru delimitaram os   região sofre com os infortúnios da
da faixa territorial formada pela tríplice   seus respectivos domínios territoriais.     exploração florestal madeireira, de gás
fronteira Brasil-Bolívia-Peru. Nela, a         Esse processo de re-configuração          e de petróleo, com a pecuária de corte e
implementação de grandes projetos de         territorial resultou de fortes disputas     a construção de barragens (financiadas
infraestrutura relacionados à Iniciativa     entre capitais externos pelo controle       pelo Banco Nacional de Desenvolvimento
para Integração da Infraestrutura            do fluxo da borracha natural (matéria-      Econômico e Social - BNDES, e
Regional da América do Sul (IIRSA)           prima básica para a indústria sediada na    construídas por empreiteiras sediadas
conjugados com o extrativismo em             Europa e nos Estados Unidos da América)     no Brasil). Recentemente, este quadro
larga escala de todas “las bondades          e das articulações destes com oligarquias   tem se agravado devido aos projetos
de La naturaleza2” e outras formas           regionais. A espoliação foi levada a        vinculados à financeirização da natureza
de exploração predatória, como a             cabo via genocídio, expropriação dos        via Pagamento de Serviços Ambientais
pecuária extensiva de corte, tornaram        territórios indígenas e super exploração    (PSA) e Redução de Emissões por
uma faixa de 300 mil km2 de terras           do trabalho destes povos e de migrantes     Desmatamento e Degradação (REDD).
pequena demais para acomodar 900 mil         pobres de outras regiões transladadas         O estado do Acre possui uma população
pessoas. Particularmente para cerca de                                                   de 700 mil habitantes, dos quais 72,61%
vinte povos indígenas e comunidades                                                      estão situados em zonas urbanas.
camponesas que vivem nos campos e                “A dramaticidade                        Também passou por um processo de re-
florestas (aproximadamente 200 mil                                                       territorialização capitalista determinado
pessoas) e as populações pobres que              deve-se ao fato de                      pela política de “integração nacional”
vivem precariamente nas zonas urbanas,                                                   adotada pela ditadura militar no pós
em áreas de risco - por falta de acesso a
um pedacinho de chão para construírem
                                                que, agora, nesses                       1964. A ligação rodoviária com o
                                                                                         restante do país e agora estendida até
suas moradas/vivendas.
  O mais dramático de tudo isso é que
                                               territórios tudo que                      o Oceano Pacifico, tal como planejada
                                                                                         pelos militares, foi seguida por um
a re-territorialização do capital nessa                                                  processo de “modernização” do setor
tríplice fronteira segue os cânones              está sob e sobre a                      agrícola, pautada na expropriação dos
do capitalismo verde, apresentado                                                        povos indígenas e do campesinato, na
com a simpática denominação de                    terra, inclusive o                     concentração da propriedade fundiária,
desenvolvimento sustentável e “única                                                     na expansão da pecuária extensiva de
alternativa” a ser seguida. Graças à              ar que se respira,                     corte e na exploração florestal madeireira.
formação de um monumental aparato                                                        Atualmente, assim como na Bolívia, estão
de construção de hegemonia, logrou-se               está à venda.”                       sendo implementados projetos de PSA
a obtenção de forte consenso em torno                                                    e REDD4 e a exploração de petróleo no
da inexorabilidade da sujeição da vida       para Amazônia, como mostraram de            Parque Nacional da Serra do Divisor.
e de “las bondades de La naturaleza”         formas singulares Euclides da Cunha, no       Em Pando, extremo norte da Bolívia,
aos imperativos da mercantilização do        alvorecer do século XX, e Mario Vargas      vivem aproximadamente 78 mil
mundo. Sua dramaticidade deve-se ao          Llosa, um século depois3.                   habitantes, 70% desta população está
fato de que agora nesses territórios tudo      Passados os dois ciclos de boom da        concentrada em Cobija, capital do
que está sob e sobre a terra, inclusive o    borracha natural, esses territórios foram   departamento. As atividades produtivas
ar que se respira, está à venda. Mas, de     gradativamente readaptados às dinâmicas     estão ancoradas no extrativismo,
que territórios estamos falando?             de acumulação interna e externa do          especialmente na coleta de castanhas
                                             capital. No caso peruano, a construção      e exploração madeireira5. A exemplo
Usurpação secular - A Amazônia               de estradas ligando Pilcopata-Shintuya      do que ocorre no Acre e em Madre de
continental constituiu-se desde o início     e Quincemil-Mazuko-Puerto Maldonado,        Dios, a pecuária extensiva de corte
da colonização européia como palco de        finalizadas na década de 1960, somada       vem se expandindo aceleradamente
intensas disputas por parte das principais   ao incremento da mineração de ouro          neste território. Outra atividade
potências do continente. Com a perda         no final da década de 1970, atraíram        econômica que vem se expandindo é a
do domínio colonial ibérico no século        fortes fluxos migratórios para o            mineração de ouro. Os grandes projetos
XIX, as disputas territoriais na Amazônia    departamento de Madre de Dios, que          de infraestrutura vinculados à IIRSA
prosseguiram entre os diferentes Estados     conta atualmente com aproximadamente        também afetam os povos de Pando.


                                                                                                                                     11
O mesmo processo - Nos últimos
vinte anos os mapas das unidades
sub nacionais situadas nessa tríplice
fronteira foram substancialmente
modificados. O processo de re-
territorialização que presidiu essas
transformações seguiu rigorosamente
as políticas e estratégias imperiais




                                                                                                                                                                                   karmo
voltadas para o “esverdeamento” do
capitalismo e o controle dos territórios
dotados de bens naturais estratégicos.
Através da instrumentalização da                           implementadas através de adaptações                              utilizadas para levar a cabo essa re-
agenda conservacionista internacional,                     no ordenamento jurídico institucional                            territorialização. Segundo afirma
buscou-se legitimar o saque dos                            nos respectivos países, visando adaptá-                          essa agência “muitas das atividades
bens naturais em escala planetária.                        las à mercantilização e financeirização                          apoiadas pela ABCI [sigla em inglês
Para exemplificar, usaremos o mapa                         dos bens naturais, impostas pelos centros                        para Iniciativa para Conservação da
do departamento de Madre de Dios                           de poder mundial.                                                Bacia Amazônica] estão concentradas
No entanto, as re-configurações                              A Usaid (sigla em inglês para                                  no sudoeste da Amazônia, uma
territoriais materializadas no                             Agência Estadunidense para o                                     região de excepcional biodiversidade
departamento de Pando e no Acre                            Desenvolvimento Internacional) 6                                 que contém grandes parques
seguem um padrão similar a este                            foi quem explicitou de forma mais                                nacionais, terras indígenas, e
representado no mapa. Elas foram                           clara os objetivos e estratégias                                 outras áreas que permitem o uso


                                                       Departamento de Madre de Dios, Peru




          Fonte: Fleck, Leonardo et al (2010), Estrategias de conservación a lo largo de la carretera Interoceánica en Madre de Dios, Perú: un análisis económico socio-espacial



12
Contra Corrente




sustentável de recursos naturais”.         Todavia, eles têm sido fortemente
Esse “uso sustentável”, de acordo          ocultados pelos defensores do




                                                                                                                                                       movementgeneration.org
com a Usaid, requer “empoderar             capitalismo verde. Via de regra,
organizações locais e nacionais; (...)     procuram desqualificar as críticas e
Aplicar processos competitivos para        denúncias, afirmando tratar-se de
gerar estratégias inovadoras para a        coisa dos “aliados dos devastadores
conservação da biodiversidade; (...)       das florestas”. De forma maniqueísta,
Promover parcerias eficazes entre a        reduzem a realidade a um eterno
sociedade civil, os órgãos públicos e      confronto entre as forças do bem
o setor privado; (...) Comunicar bem,      e do mal: de um lado estariam os
com regularidade e criatividade; (...)     defensores do desenvolvimento
Formar consenso em torno das metas         sustentável (denominação mais
regionais; (...) Respeitar os direitos e   palatável para o capitalismo verde);
a diversidade cultural e integrar as       de outro, os desmatadores. Parte
questões de gênero, etnia (...).”          substancial dos dilemas das lutas
  O tópico “Comunicar bem, com             de resistência dos povos que vivem
regularidade e criatividade” logrou        nesses territórios reside nesta
tanto êxito que formou um forte            armadilha.
consenso em torno da “virtuosidade”
desse re-ordenamento territorial           Um mundo povoado de mundos
e das políticas e estratégias de           Em realidade, trata-se do verso e
desenvolvimento sustentável a ele          reverso da mesma moeda: espoliação
associadas. A sua construção e             do capitalismo nas suas diferentes
manutenção deve-se à formação de           colorações. As chamadas políticas
monumental aparato de construção           mitigatórias, usadas tanto para
de hegemonia integrado por                 “compensar” efeitos da exploração
grandes ONGs conservacionistas             nas “áreas protegidas” quanto os dos
internacionais e ONGs locais e             grandes projetos de infraestrutura       A expressão “Las bondades de La naturaleza”
nacionais a elas subordinadas,             (Programa de Aceleração do               explicita uma outra perspectiva: respeito à vida
representações cooptadas de                Crescimento - PAC e IIRSA) que as
movimentos sociais, partidos               afetam, servem como salvo conduto        * Elder Andrade de Paula é Mestre e Doutor em
políticos, organizações religiosas e       “verde”. Nesse sentido, o quadro atual   Desenvolvimento Agrícola e Sociedade e, atualmente,
suas articulações com os governos em       parece ainda mais dramático do que       é Docente da Universidade Federal do Acre (UFAC) -
diferentes níveis, independentemente       aquele analisado por Mariátegui. Isto    elderpaula@uol.com.br
de suas opções ideológicas. Este           é: a aparente e enganosa “solução
é o caso do ex governador do               do problema da terra” oculta outras      NOTAS E referências bibliográficas
departamento de Pando, Leopoldo            formas de espoliação instituídas sob a   1 Mariátegui, J. Carlos; 7 Ensayos de Interpretación de la
                                                                                    Realidad Peruana. Lima. Biblioteca Amauta (2005: 40;43;44)
Fernandez, conhecido aliado das            matriz do capitalismo verde. Por isso,
oligarquias golpistas do oriente           os povos indígenas e o campesinato       2 http://sitap.produccion.gob.bo/Atlas_Productivo_2009_web/
boliviano. Atualmente, Fernandez está      defrontam-se com outra ordem de          PANDO.pdf

preso em La Paz sob a acusação de          dificuldades para mover-se nesse         3 Euclides da Cunha, À Margem da história. Porto. Lello &
ter comandado o massacre de dezenas        emaranhado. Todavia, estão em luta e     Irmão (1941); Mario Vargas Llosa; O sonho do celta. Rio de
                                                                                    Janeiro. Objetiva (2011)
de camponeses em El Porvenir, em           haverão de mover-se nessa complexa
setembro de 2008.                          conjuntura com a mesma maestria          4 http://sitap.produccion.gob.bo/Atlas_Productivo_2009_web/
                                                                                    PANDO.pdf
  A expansão da “exploração                que o fazem nas florestas que restam
sustentável” de madeiras, nas suas         nesses territórios. Oxalá encontrem em   5 Para saber mais sobre PSA e REDD ver revista Contra
diversas modalidades, e a adoção           seus caminhos tantos outros hermanos     Corrente n°3 (www.rbrasil.org.br) e Boletim 175 WRM
                                                                                    http://www.wrm.org.uy
do PSA e do REDD têm resultado na          en la lucha contra o capitalismo e
multiplicação dos conflitos sociais        insistam em sonhar com a construção      6 Usaid, Iniciativa para Conservação da Bacia Amazônica:
                                                                                    desenho, atividades propostas e resultados esperados (2007)
também nesses territórios, situados        de um mundo em que caibam muitos         http://www.usaid.gov/locations/latin_america_caribbean/
nas denominadas “áreas protegidas”.        mundos para se bien viver.               environment/ acesso 04/2007



                                                                                                                                                  13
Diana Aguiar*




A história se repete;
agora, como farsa
Uma das maiores lições da crise atual do sistema capitalista é a de nunca
decretar prematuramente a morte de instituições e ideologias: elas têm um
poder assustador de se reiventarem.
                                                                                                                   todo o possível para acumular reservas
                                                                                                                   como um seguro contra futuras crises
                                                                                                                   que pudessem significar a necessidade
                                                                                                                   de novos empréstimos do FMI. Sem
                                                                                                                   interessados em seus serviços, o Fundo
                                                                                                                   estava enfraquecido.

                                                                                                                   Depois, como farsa - Tudo mudou
                                                                                                                   no outono de 2008. Com o colapso
                                                                                                                   financeiro, um aparente movimento
                                                                                                                   na direção de revisão dos valores
                                                                                                                   subjacentes ao chamado Consenso de
                                                                                                                   Washington estava na ordem do dia
                                                                                                                   – inclusive nos discursos dos países
                                                                                                                   do G20 e das Instituições Financeiras
                                                                                                                   Internacionais (IFIs), especialmente o
                                                                                                                   FMI. É importante lembrar que estas
                                                                                                                   mesmas IFIs foram as que promoveram as
                                                                                                                   políticas neoliberais de financeirização,
                                                                                                                   liberalização e desregulação como
                                                                                                                   panacéia para a estabilidade econômica e
                                                                                                                   o desenvolvimento.
                                                                                                             EFE




                                                                                                                     Entretanto, quase quatro anos depois
                                                                                                                   da quebra do banco estadunidense
A conta da especulação financeira custou caro aos povos de vários países: desemprego, retirada de direitos         Lehman Brothers, marco do colapso
e corte de gastos públicos                                                                                         financeiro, a extensão com a
                                                                                                                   qual o paradigma neoliberal vem


P
       rimeiro, como tragédia - Antes                      “humilhante” a atuação dos agentes do                   sendo reinventado é assustadora e
       do início do colapso financeiro                     FMI. Estes economistas treinados dentro                 representativa da captura da política
       em 2008, o Fundo Monetário                          da ideologia neoliberal impunham a                      pelos interesses do capital financeiro.
Internacional (FMI) enfrentava a pior crise                política econômica a ser adotada pelo
da sua história. Muitos países asiáticos                   país contraindo o empréstimo, sem                       Apelando para o Estado - As políticas
e latino-americanos que, nas décadas de                    qualquer espaço para discussão de                       de recuperação econômica pós-2008
1980 e 1990, foram prejudicados com                        alternativas ou mesmo sobre as                          não foram homogêneas. Os países que
os planos de estabilização atrelados aos                   condições do financiamento.                             dependeram de empréstimos externos
empréstimos do Fundo, descreviam como                        Como resultado, estes países fizeram                  – das IFIs ou de outros países – para


14
Contra Corrente




a execução de seus programas de             enfrentados pelos países, a partir do      valor de mercado) e políticas de injeção
recuperação econômica sofreram a            colapso de 2008, explicita a lógica do     de liquidez na economia. Esta vultosa
imposição de políticas de austeridade       sistema de atuar com “dois pesos e         transferência de recursos públicos para os
fiscal (especialmente cortes de             duas medidas”.                             bancos e outras corporações financeiras
gastos públicos) como condição para                                                    privadas, premiando diretamente os
os empréstimos. Neste sentido, a            Estado a serviço das elites - Mesmo        agentes financeiros que criaram as bolhas
Grécia é o caso mais emblemático.           quando havia relativa autonomia em         especulativas, é possivelmente uma das
Mas os povos da Islândia Ucrânia,           relação aos ditames de financiadores       maiores subversões de valores da história
Hungria, Nepal e Paquistão, logo            externos – no caso especialmente das       da economia mundial no último século.
após a crise e, posteriormente,             economias ditas avançadas, nas quais         De fato, algumas falências à parte, a
Portugal, Irlanda e Espanha, também         os mercados financeiros nacionais          elite financeira internacional conseguiu
sentem na pele o aprofundamento                                                        fazer com que os cidadãos pagassem
da recessão e a deterioração das
condições de vida. Este processo é
                                             “A transferência de                       a conta da crise causada pelos
                                                                                       comportamentos de alto risco que lhes
bastante conhecido dos povos latino-          recursos públicos                        geraram lucros estratosféricos – estes
americanos, já que, por duas décadas,                                                  sempre protegidos pela santidade da
seus governos se submeteram aos                para os bancos e                        propriedade privada. Através da opacidade
planos de estabilização do FMI e aos                                                   de modelos matemáticos complexos,
programas de ajuste estrutural do            outras corporações                        essas elites financeiras conseguiram, em
Banco Mundial. Diversos estudos1                                                       larga medida, disfarçar os fatos mais
mostram que os programas atuais                   financeiras                          simples. Principalmente, o fato de que
destas instituições pouco mudaram em                                                   cotidianamente – e até diversas vezes
termos do seu receituário, exigindo         privadas, premiando                        em frações de segundo – elas atuam
como condições para os empréstimos,                                                    em um verdadeiro cassino financeiro,
em larga medida, a não-intervenção              diretamente os                         apostando sobre a rentabilidade da
no câmbio e no fluxo de capitais,                                                      riqueza produzida pelo trabalho de
a redução de gastos públicos e o             agentes financeiros                       bilhões de trabalhadoras e trabalhadores
controle da inflação através dos
juros. Por outro lado, países como              que criaram as                         ao redor do mundo. Milhões dos quais
                                                                                       perderam seus empregos por conta
os Estados Unidos, que, por acúmulo
de reservas ou por emitirem moeda
                                            bolhas especulativas,                      das recessões causadas pelas crises
                                                                                       financeiras, consequência direta deste
sistemicamente importante, tiveram
relativa autonomia no desenho de seus
                                               é possivelmente                         cassino financeiro. Seria de se esperar que
                                                                                       esta trama macabra fosse alvo de críticas
programas de recuperação econômica,
adotaram de forma diversificada:
                                              uma das maiores                          generalizadas no sentido de, pelo menos, a
                                                                                       revisão das atuais práticas. No entanto, em
altíssimos investimentos para “salvar”          subversões de                          junho de 2012, a desregulação financeira
instituições, bancos e empresas que                                                    continua amplamente praticada, os
haviam investido na especulação;            valores da história da                     programas de austeridade fiscal marcam
políticas de alívio quantitativo para                                                  a tônica dos programas de recuperação
desvalorização cambiária (tornando          economia mundial no                        econômica de uma Europa em recessão
suas exportações mais competitivas);                                                   e com graves crises de dívidas soberanas
controles de capitais (como o Brasil,          último século”.                         e as IFIs passaram de moribundas a
na tributação unilateral das transações                                                fortalecidas e re-capitalizadas.
financeiras através do IOF2); e políticas   estavam altamente comprometidos pelos
fiscais contra-cíclicas (diminuindo         ativos tóxicos que vieram à tona com       A reinvenção das IFIs - A rapidez com
a arrecadação através de isenções           o estouro de bolhas especulativas em       que os ideólogos do sistema que trouxe
de impostos direcionadas a setores          2008 –, as perdas privadas dos mercados    o mundo à atual crise se reinventaram
específicos e aumentando o gasto            financeiros foram socializadas. Ou seja,   é assustadora. Por um lado, corporações
público para aquecer a economia),           elas foram assumidas amplamente pelos      financeiras privadas - como as agências
dentre outras.                              cofres públicos através da compra de       de avaliação de risco que, antes do
  A diferença no trato dos problemas        ativos financeiros tóxicos (sem real       colapso financeiro, recomendavam


                                                                                                                                   15
o investimento nos ativos que, mais         mas na prática obrigatórios aos bancos       criação de commodities a partir destes
tarde, se mostraram “tóxicos” - não         que queiram manter a credibilidade no        recursos e promove os mecanismos de
perderam sua credibilidade. Ao contrário,   sistema. Este conjunto de propostas          mercado como a solução para a crise
seguem avaliando o risco não só de          mantém uma falha fundamental dos             ambiental. Estas novas commodities,
ativos financeiros privados, como dos       Acordos anteriores: regula as instituições   baseadas na chamada “indústria de
títulos de dívida pública – uma boa         financeiras bancárias e não o sistema        serviços ambientais”, constituem uma
parte dos quais foram emitidos para         bancário sombra, onde circulam os            nova fronteira de especulação para os
financiar a recuperação econômica           derivativos e ativos do mercado de balcão,   mercados financeiros, uma verdadeira
e salvar os mercados financeiros.           instrumentos financeiros que causaram o      privatização financeira dos bens
As demais corporações financeiras           colapso financeiro de 2008.                  comuns. Este é somente um exemplo de
continuam com seu comportamento               Por outro lado, apesar do mandato          como as IFIs representam os interesses
especulativo, apostando no cassino          do G20 para a execução de estudos            das elites financeiras na agenda da
financeiro, quase nada re-regulado          sobre a regulação financeira, o FSB e        chamada “economia verde”.
desde 2008. De concreto, nenhuma            a Iosco não têm capacidade legal de
iniciativa multilateral coordenada de       implementação de suas recomendações.         Ocupar a arquitetura financeira
peso no sentido da regulação vem            Estas IFIs, que junto com o FMI,             internacional - Desde 2008, diversas
sendo implementada pelas IFIs. Pelo         saíram fortalecidas como pilares da          mobilizações de massa, como a
contrário, o FMI, por exemplo, tem          arquitetura financeira internacional,        Primavera Árabe, o movimento dos
resistido a apoiar o controle de capitais   são representativas do nível de              Indignados na Europa e os movimentos
como medida necessária para conter          captura das elites financeiras sobre as      de Ocupação nos Estados Unidos,
a volatilidade dos fluxos financeiros,      institucionalidades estabelecidas.           têm se organizado para resistir e
e tem - menos ainda - permitido                                                          denunciar a impunidade dos artífices
tal política aos países que recebem         Novas fronteiras de acumulação               da crise e dos impactos devastadores
seus empréstimos. Outras IFIs, menos        As IFIs não têm sido instrumentais           do colapso financeiro e econômico
conhecidas, não têm agido de forma          somente na manutenção do status              na vida dos povos em todo o mundo.
diferente, como o Comitê de Basiléia,       quo da governança econômica global,          No entanto, a euforia econômica dos
o Conselho de Estabilidade Financeira       da desregulação financeira e das             países emergentes, as mentiras da
(FSB, sigla em inglês), a Organização       políticas econômicas neoliberais. Já         mídia corporativa e a captura das IFIs
Internacional das Comissões de Valores      é de amplo conhecimento o efeito             pelas elites financeiras têm mascarado
(Iosco, sigla em inglês) e o Banco          nefasto que a especulação financeira         a continuidade das instabilidades
de Compensações Internacionais              sobre as commodities agrícolas tem           sistêmicas e dificultado a globalização
(BIS, sigla em inglês). Em termos de        tido na elevação dos preços dos              das lutas na extensão necessária
governança, elas nada mais fizeram do       alimentos e, consequentemente, na            para a transformação. Denunciar
que, em alguns casos, incorporar os         segurança alimentar das populações           estas contradições é um dos passos
países do G20 que não faziam parte de       mais vulnerabilizadas. Agora, através        fundamentais neste sentido.
seus corpos diretivos, sem melhorar em      de alguns de seus programas, as
nada a prestação de contas ao público.      IFIs têm apoiado a criação de novas
Assim como é o caso do próprio G20,         commodities, novas fronteiras de             * Diana Aguiar é Mestre em Relações Internacionais
a inclusão dos países emergentes e          acumulação dos mercados financeiros          pela PUC-Rio e facilitadora do Grupo de Trabalho sobre
grandes economias regionais nestas          via especulação desregulada.                 Arquitetura Econômica Internacional (GT-AEI) da Rede
IFIs, longe de significar uma mudança         O Banco Mundial, por exemplo,              Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip)
de paradigma, tem servido como              através de seu programa Contabilidade        – dianaguiar@gmail.com
elemento fragmentador das perspectivas      de Riqueza e Valoração de Serviços
do Sul Global – entre os que foram          do Ecossistema (cuja sigla em inglês é       NOTAS E referências bibliográficas
                                                                                         1 Nuria Molina-Gallart e Bhumika Muchhala. Strings Attached:
falsamente incluídos e os que ficaram       Waves), em parceria com o Programa           How the IMF’s Economic Conditions Foil Development-Oriented
de fora – facilitando, acima de tudo, a     das Nações Unidas para o Meio                Policies for Loan-Borrowing Countries. Third World Network,
                                                                                         2010.
manutenção do status quo no conteúdo        Ambiente (Pnuma), tem promovido              	
político e forma de trabalho.               a atribuição de valores monetários           2 Bretton Woods Project. IMF policy recommendations: not
   O Comitê de Basiléia para a regulação    aos recursos naturais para fins de           enough change after the crisis. Bretton Woods Update, No 80,
                                                                                         Março/Abril, 2012.
bancária sistematizou os Acordos de         contabilidade nas contas públicas
Basiléia III – em teoria voluntários,       nacionais. Desse modo, favorece a            3 Imposto sobre Operações Financeiras.



16
Lúcia Ortiz e Winnie Overbeek*                                                                                                       Contra Corrente




Valorando




                                                                                                                                                   Amigos da Terra Internacional
o que não tem valor
As IFIs, especialmente o Banco Mundial,
têm um papel decisivo na construção da
nova arquitetura financeira mundial
que especula a natureza



Q
      uando o tema é financeirização
      e Instituições Financeiras
      Internacionais (IFIs), temos que
voltar para o início dos anos de 1970.
Naquela época, a economia capitalista
entrou em crise e as taxas de lucros das
grandes empresas caíram. Em busca de
encontrar novas formas de acumulação
de capital e lucros, o governo dos
Estados Unidos decidiu não mais aceitar
                                                     O descaso das empresas e a falta de fiscalização do governo causaram a morte
a conversibilidade entre o dólar e o                 de 40 mil peixes de criação: fim do sonho
ouro, o que representou o fim do sistema
monetário internacional tendo o ouro
como lastro. Até então, o dinheiro em
circulação era, sobretudo, capital que          foi desenvolvido o conceito de serviços
resultava de atividades produtivas reais,       ambientais e o de pagamento por
por exemplo, da produção industrial. Mas        serviços ambientais.                                o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
a partir daquele momento, começou a               Em ambos os casos, constatamos que,               (MDL). Nascia ali o mercado de carbono,
circular cada vez mais dinheiro na forma        com o aval das IFIs (principalmente                 um mercado especulativo, virtual e,
de diversos papéis, o chamado capital           do Banco Mundial), as crises foram                  sobretudo, bastante lucrativo. O MDL
especulativo. Hoje em dia, o valor do capital   transformadas em oportunidades                      criou como lastro projetos realizados nos
especulativo já supera em várias vezes o        especulativas1. O Protocolo de Quioto               países do Sul, que não são decididos pelas
valor do capital produtivo. É a lógica de       obrigou, em 1997, países industrializados           comunidades diretamente impactadas
ganhar dinheiro «sem fazer nada».               do Norte Global a reduzirem suas                    e que, por sua vez, não têm nenhuma
  Também nos anos de 1970 veio à tona           emissões de gases de efeito estufa,                 responsabilidade pelo problema da
uma outra crise: a ecológica. O grande          principalmente o carbono. No entanto, a             poluição da atmosfera, configurando mais
capital afirmava, já naquela época,             meta de redução média de 5% em relação              uma situação de Injustiça Ambiental.
que a maior causa da destruição da              às suas emissões no ano de 1990 pode
natureza era que ela não tinha valor;           ser considerada irrisória. Mais grave               A falácia do “aprendendo-fazendo”
que se tivesse um preço e o «capital            ainda é o fato do protocolo permitir                O Banco Mundial quis ser pioneiro nesse
natural» fosse incluído na economia,            formas de compensação pela continuada               novo mercado de carbono e ampliá-lo
o que ainda restava da natureza                 emissão de carbono se algum país do                 para mercados voluntários, para além
poderia ser preservado; se não, o ser           Norte não “conseguir” cumprir com suas              do MDL e, desde o final dos anos de
humano destruiria tudo. Nessa linha,            obrigações. Uma das principais formas é             1990, criou vários fundos, dentre eles


                                                                                                                                                17
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A farsa da economia verde

  • 1. Número 4 CONTRAcordeiro Lobo em pele de CORRENTE Editorial Índice Carta de posição da Rede Brasil 4 sobre a Rio + 20 Economia verde impõe 6 preço na pensamento único É para quem desafia onatureza preciso compreender a realidade - ou as diversas realidades - em que estamos inseridos para poder transformá-la. Neste sentido, esta edição da Espoliação na fronteira Contra Corrente pretende contribuir para uma compreensão mais aprofundada 10 Brasil-Bolívia-Peru sobre o tema do financiamento. Em tempos de apropriação da questão ambiental A história se repete, por parte das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) e da proposição de falsas soluções para a crise ecológica e climática, é fundamental refletir com cuidado sobre 14 agora como farsa as políticas e os protagonistas da atual conjuntura. Também é importante, nesse processo, perceber quem são, onde, como e por que lobos travestidos de cordeiros se 17 Valorando o que não tem valor empenham na construção de uma ordem mundial que não tem nada de nova. Em sua carta de posição sobre a Rio + 20, ao afirmar-se “contra a mercantilização Banco Mundial: da vida e a financeirização da natureza, na defesa dos bens comuns e afirmação de 21 regularizar para controlar direitos” e demandar “Banco Mundial fora do nosso mundo”, a Rede Brasil dá um recado claro de que, para além de questionar o senso comum, posiciona-se de modo inequívoco contra a principal proposta de aprofundamento do capital na atualidade: 24 Esquizofrenia na saúde pública a transformação da natureza em mercadoria. Estamos vivendo um momento na história da humanidade que beira ao surrealismo ou, talvez, ao realismo fantástico. 27 Cidades excludentes do BID Não é este o caso quando se considera que a proposta de um dos mecanismos da economia verde, o Pagamento de Serviços Ambientais (PSA), pretende precificar a polinização das abelhas, considerando-as - desse modo - como trabalhadoras a 30 BRICS: mais do mesmo serviço do capital? Nem George Orwell, em sua incrível e mirabolante obra 1984, BNDES é responsável conseguiu ser tão ousado. 33 pela violação de direitos Assim, com o propósito de abordar essas questões sob uma perspectiva crítica, os Copa: recursos públicos, artigos aqui apresentam os seguintes temas: as mudanças na legislação brasileira para regulamentar os mecanismos da economia verde; os impactos desta e do atual 36 apropriação privada modelo de desenvolvimento nos territórios; a reinvenção das IFIs e o papel central que elas ocupam na definição das políticas no Brasil; a atuação dos BRICS no G20 e 39 Brasil em transe na Rio + 20; a corresponsabilidade do BNDES, expressa na Lei, sobre as violações dos projetos que financia; a centralidade do Brasil na geopolítica mundial; o obscuro financiamento da Copa do Mundo; e a presença da dívida na vida do cidadão comum. 41 Caos generalizado Lançada no mês em que acontece a Rio + 20, esta edição tem também como propósito subsidiar os membros da Rede no processo de preparação para os debates 44 Decifra-me ou te devoro que serão realizados durante a IX Assembléia Geral da Rede Brasil, que acontecerá entre os dias 15 e 17 de agosto, em Brasília. Esta Assembléia pretende ser mais um passo no sentido de acumular reflexão crítica para a necessária mudança do atual 47 A Copa como ela é sistema de dominação do capital. RIO + 20 = 0 VIDA Agradecemos a todos/as que, generosamente, colaboraram nesta edição. E, por último, apresentamos abaixo os personagens das tiras que ilustram algumas matérias. Eles, por si, já dão uma idéia do conteúdo das próximas páginas. Boa leitura! Contra Corrente é uma publicação da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais Número 04, Junho de 2012 Edição e Revisão: Patrícia Bonilha A farsa da “economia verde” explicita a captura corporativa do Estado, da ONU e dos demais Projeto Gráfico e Capa: Guilherme Resende - guileresende@gmail.com Foto da Contracapa: Verena Glass espaços decisórios. Proposta central não tem nada a ver com a defesa do refletem a opinião de seus autores/as. Os artigos assinados meio ambiente. O que interessa é somente o lucro. E não, necessariamente, são questões consensuadas na Rede Brasil. SCS, Qd 01, Bloco L, Edifício Márcia, sala 904 Brasília - DF, CEP 70307-900 * t + 5561 3321-6108 O novo papel das IFIs no marco A lei corresponsabiliza o BNDES www.rbrasil.org.br do Mundo: apropriação Copa do capitalismo verde pela violação de direitos privada dos recursos públicos
  • 2. Editorial Índice Lobo em pele de cordeiro 4 Carta de posição da Rede Brasil sobre a Rio + 20 Economia verde impõe 6 É preciso compreender a realidade - ou as diversas realidades - em que estamos preço na natureza inseridos para poder transformá-la. Neste sentido, esta edição da Espoliação na fronteira Contra Corrente pretende contribuir para uma compreensão mais aprofundada 10 Brasil-Bolívia-Peru sobre o tema do financiamento. Em tempos de apropriação da questão ambiental A história se repete, por parte das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) e da proposição de falsas soluções para a crise ecológica e climática, é fundamental refletir com cuidado sobre 14 agora como farsa as políticas e os protagonistas da atual conjuntura. Também é importante, nesse processo, perceber quem são, onde, como e por que lobos travestidos de cordeiros se 17 Valorando o que não tem valor empenham na construção de uma ordem mundial que não tem nada de nova. Em sua carta de posição sobre a Rio + 20, ao afirmar-se “contra a mercantilização Banco Mundial: da vida e a financeirização da natureza, na defesa dos bens comuns e afirmação de 21 regularizar para controlar direitos” e demandar “Banco Mundial fora do nosso mundo”, a Rede Brasil dá um recado claro de que, para além de questionar o senso comum, posiciona-se de modo inequívoco contra a principal proposta de aprofundamento do capital na atualidade: 24 Esquizofrenia na saúde pública a transformação da natureza em mercadoria. Estamos vivendo um momento na história da humanidade que beira ao surrealismo ou, talvez, ao realismo fantástico. 27 Cidades excludentes do BID Não é este o caso quando se considera que a proposta de um dos mecanismos da economia verde, o Pagamento de Serviços Ambientais (PSA), pretende precificar a polinização das abelhas, considerando-as - desse modo - como trabalhadoras a 30 BRICS: mais do mesmo serviço do capital? Nem George Orwell, em sua incrível e mirabolante obra 1984, BNDES é responsável conseguiu ser tão ousado. 33 pela violação de direitos Assim, com o propósito de abordar essas questões sob uma perspectiva crítica, os Copa: recursos públicos, artigos aqui apresentam os seguintes temas: as mudanças na legislação brasileira para regulamentar os mecanismos da economia verde; os impactos desta e do atual 36 apropriação privada modelo de desenvolvimento nos territórios; a reinvenção das IFIs e o papel central que elas ocupam na definição das políticas no Brasil; a atuação dos BRICS no G20 e 39 Brasil em transe na Rio + 20; a corresponsabilidade do BNDES, expressa na Lei, sobre as violações dos projetos que financia; a centralidade do Brasil na geopolítica mundial; o obscuro financiamento da Copa do Mundo; e a presença da dívida na vida do cidadão comum. 41 Caos generalizado Lançada no mês em que acontece a Rio + 20, esta edição tem também como propósito subsidiar os membros da Rede no processo de preparação para os debates 44 Decifra-me ou te devoro que serão realizados durante a IX Assembléia Geral da Rede Brasil, que acontecerá entre os dias 15 e 17 de agosto, em Brasília. Esta Assembléia pretende ser mais um passo no sentido de acumular reflexão crítica para a necessária mudança do atual 47 A Copa como ela é sistema de dominação do capital. Agradecemos a todos/as que, generosamente, colaboraram nesta edição. E, por último, apresentamos abaixo os personagens das tiras que ilustram algumas matérias. Eles, por si, já dão uma idéia do conteúdo das próximas páginas. Boa leitura! Contra Corrente é uma publicação da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais Número 04, Junho de 2012 Edição e Revisão: Patrícia Bonilha Projeto Gráfico e Capa: Guilherme Resende - guileresende@gmail.com Foto da Contracapa: Verena Glass Os artigos assinados refletem a opinião de seus autores/as. E não, necessariamente, são questões consensuadas na Rede Brasil. SCS, Qd 01, Bloco L, Edifício Márcia, sala 904 Brasília - DF, CEP 70307-900 * t + 5561 3321-6108 www.rbrasil.org.br
  • 3. Editorial Índice Lobo em pele de cordeiro 4 Carta de posição da Rede Brasil sobre a Rio + 20 Economia verde impõe 6 É preciso compreender a realidade - ou as diversas realidades - em que estamos preço na natureza inseridos para poder transformá-la. Neste sentido, esta edição da Espoliação na fronteira Contra Corrente pretende contribuir para uma compreensão mais aprofundada 10 Brasil-Bolívia-Peru sobre o tema do financiamento. Em tempos de apropriação da questão ambiental A história se repete, por parte das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) e da proposição de falsas soluções para a crise ecológica e climática, é fundamental refletir com cuidado sobre 14 agora como farsa as políticas e os protagonistas da atual conjuntura. Também é importante, nesse processo, perceber quem são, onde, como e por que lobos travestidos de cordeiros se 17 Valorando o que não tem valor empenham na construção de uma ordem mundial que não tem nada de nova. Em sua carta de posição sobre a Rio + 20, ao afirmar-se “contra a mercantilização Banco Mundial: da vida e a financeirização da natureza, na defesa dos bens comuns e afirmação de 21 regularizar para controlar direitos” e demandar “Banco Mundial fora do nosso mundo”, a Rede Brasil dá um recado claro de que, para além de questionar o senso comum, posiciona-se de modo inequívoco contra a principal proposta de aprofundamento do capital na atualidade: 24 Esquizofrenia na saúde pública a transformação da natureza em mercadoria. Estamos vivendo um momento na história da humanidade que beira ao surrealismo ou, talvez, ao realismo fantástico. 27 Cidades excludentes do BID Não é este o caso quando se considera que a proposta de um dos mecanismos da economia verde, o Pagamento de Serviços Ambientais (PSA), pretende precificar a polinização das abelhas, considerando-as - desse modo - como trabalhadoras a 30 BRICS: mais do mesmo serviço do capital? Nem George Orwell, em sua incrível e mirabolante obra 1984, BNDES é responsável conseguiu ser tão ousado. 33 pela violação de direitos Assim, com o propósito de abordar essas questões sob uma perspectiva crítica, os Copa: recursos públicos, artigos aqui apresentam os seguintes temas: as mudanças na legislação brasileira para regulamentar os mecanismos da economia verde; os impactos desta e do atual 36 apropriação privada modelo de desenvolvimento nos territórios; a reinvenção das IFIs e o papel central que elas ocupam na definição das políticas no Brasil; a atuação dos BRICS no G20 e 39 Brasil em transe na Rio + 20; a corresponsabilidade do BNDES, expressa na Lei, sobre as violações dos projetos que financia; a centralidade do Brasil na geopolítica mundial; o obscuro financiamento da Copa do Mundo; e a presença da dívida na vida do cidadão comum. 41 Caos generalizado Lançada no mês em que acontece a Rio + 20, esta edição tem também como propósito subsidiar os membros da Rede no processo de preparação para os debates 44 Decifra-me ou te devoro que serão realizados durante a IX Assembléia Geral da Rede Brasil, que acontecerá entre os dias 15 e 17 de agosto, em Brasília. Esta Assembléia pretende ser mais um passo no sentido de acumular reflexão crítica para a necessária mudança do atual 47 A Copa como ela é sistema de dominação do capital. Agradecemos a todos/as que, generosamente, colaboraram nesta edição. E, por último, apresentamos abaixo os personagens das tiras que ilustram algumas matérias. Eles, por si, já dão uma idéia do conteúdo das próximas páginas. Boa leitura! Contra Corrente é uma publicação da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais Número 04, Junho de 2012 Edição e Revisão: Patrícia Bonilha Projeto Gráfico e Capa: Guilherme Resende - guileresende@gmail.com Foto da Contracapa: Verena Glass Os artigos assinados refletem a opinião de seus autores/as. E não, necessariamente, são questões consensuadas na Rede Brasil. SCS, Qd 01, Bloco L, Edifício Márcia, sala 904 Brasília - DF, CEP 70307-900 * t + 5561 3321-6108 www.rbrasil.org.br
  • 4. Carta de Posição rumo à Cúpula dos Povos na Rio+20 Contra a mercantilização da vida e a financeirização da natureza! Na defesa dos bens comuns e afirmação dos direitos! Banco Mundial Fora do Nosso Mundo! E m junho de 2012, a cidade do Rio de Janeiro sediará a Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, cuja agenda de implementação da chamada economia verde será o tema central. Instituições Financeiras Internacionais (IFis), como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), têm ocupado um papel central na condução desta agenda, que promove a mercantilização da vida e a financerização da natureza. A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais, fundamentada pelos seus 17 anos na luta contra hegemônica e no monitoramento crítico das políticas e projetos das instituições financeiras, vem a público posicionar-se frente ao processo da Rio+20. A consolidação e aceitação da economia verde via conferência mundial de meio ambiente explicita a captura corporativa da ONU e demais espaços Banksy multilaterais. Ator central na imposição de ajustes estruturais nas décadas de 1980 e 1990, o Banco Mundial, atualmente, emerge como promotor de um novo consenso liberal - agora “verde” - de incorporação das fronteiras da natureza ao mercado. Internacionalmente, desde 2007, o Banco Mundial investe na criação de fundos de preparação e expansão de mercados de carbono, com o claro Diante do aprofundamento da expropriação capitalista, travestido de “verde”, objetivo de obter recursos exorbitantes a partir da resta aos povos: mobilizar e resistir transformação do ar em mercadoria. Além disso, 56% 4
  • 5. Contra Corrente “A Rede Brasil entende ser fundamental resistir ao processo de mercantilização da natureza, denunciar a captura coorporativa dos espaços multilaterais e exigir dos governos que sigam a agenda política dos povos, e não a das corporações, das elites Reprodução e instituições financeiras.” de seus investimentos para o setor de medida que se tornam bens escassos. elites e instituições financeiras. energia, e os lucros decorrentes dos juros A mercantilização da natureza é um Assim, a Cúpula dos Povos por dos empréstimos, estão concentrados em grande risco para a humanidade, pois Justiça Social e Ambiental, contra a fontes de carbono intensivas. No Brasil, significa um aprofundamento do mercantilização da natureza e pela a estratégia do Banco Mundial não se processo de expropriação dos territórios defesa dos bens comuns deverá ter o limita ao financiamento de projetos. e de exploração do trabalho e dos bens papel de mobilizar a sociedade contra os Ao longo das últimas décadas, o banco comuns. No Brasil, esse preocupante riscos, para os povos e para a natureza, exerceu grande incidência na formulação quadro tem sido ilustrado por muitos decorrentes da implementação dessa de políticas públicas. Mais recentemente, casos, que vão desde as lutas contra a economia verde neoliberal. A Rede focou seus esforços na flexibilização construção da usina de Belo Monte, no Brasil, neste sentido, apóia também o da legislação ambiental e na política Pará, até as denúncias e resistência frente processo de mobilização e construção climática, de modo a dar maior agilidade às violações da siderúrgica da TKCSA, no da Assembléia Permanente dos Povos, a grandes investimentos destruidores Rio de Janeiro, passando por um amplo a fim de dar voz e força às populações da natureza, como a implementação de espectro de embates sociais resultantes atingidas pelas múltiplas dimensões empresas extrativas e mega projetos de da imposição de um modelo centrado no do atual modelo de desenvolvimento e infraestrutura, além da expansão lucro de poucos às custas do sofrimento pelas falsas soluções e novas formas de do agronegócio. da maioria. Na quase totalidade reprodução do capitalismo promovidas O processo de financeirização da desses projetos, o BNDES é o principal pelas IFIs. São estas mesmas populações natureza representa uma expansão financiador. que, além de resistir, vivem e recriam as das fronteiras de acumulações do Este modelo de desenvolvimento, alternativas na construção de uma outra capital sobre tudo aquilo que até hoje que aprofunda o capitalismo, terá na economia e de uma outra sociedade. ainda não havia sido transformado Rio+20 um importante momento de em mercadoria ou em papel moeda. consolidação, ideológica e jurídica/legal. Venha ocupar A arquitetura financeira da economia Por tudo isso, a Rede Brasil entende verde, sendo construída com base no ser fundamental resistir a tal processo, a Rio+20, enfraquecimentos dos direitos nas denunciar a captura coorporativa políticas públicas, visa permitir a dos espaços multilaterais e exigir dos é hora de mudar especulação sobre o ar que respiramos governos que sigam a agenda política e a água que bebemos, por exemplo, à dos povos e não a das corporações, das o sistema! 5
  • 6. Larissa Ambrosano Packer* Economia verde impõe preço na natureza Uma engenharia legal está sendo construída no Brasil para regulamentar mecanismos financeiros que premiam quem sempre desmatou e poluiu; o ônus fica com os povos que, historicamente, conservaram a vida no planeta Frente à crise climática e ambiental que mobiliza todas as nações do mundo, o Brasil também está diante do desafio de ressignificar o conceito de “desenvolvimento sustentável”. A importância estratégica do país nesses dois campos se traduz pelos órgãos-chave da Organização das Nações Unidas (ONU) dirigidos por brasileiros atualmente: José Graziano da Silva, que em 2011 assumiu a direção-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), órgão encarregado dos recursos fitogenéticos para alimentação e agricultura mundial; e Bráulio Ferreira de Souza Dias, recém-empossado secretário-executivo do Secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), responsável por garantir as metas de conservação e uso sustentável da diversidade biológica Nilo D´Avila do planeta. Negócios, negócios e negócios - A estratégia brasileira é visibilizar o valor Os mecanismos da economia verde recompensam quem desmata: tudo pelo dinheiro econômico dos recursos naturais, assim como das externalidades ambientais O Brasil possui atualmente 48,7 diante da crise alimentar e econômica produzidas pelas cadeias produtivas. milhões de hectares de superfície mundial, tem o desafio de avançar em Ao encontrar um valor expresso semeados, com uma colheita sua produção agrícola e alimentar e na monetariamente para a água ou a recorde em 2011 de 160 milhões de geração de emprego e renda. Por outro fertilidade dos solos, necessários à toneladas de cereais, grãos e sementes lado, é o maior país megadiverso do produção de grãos para exportação das oleaginosas. Na última safra, tornou-se planeta, com 508 milhões de hectares commodities agrícolas, por exemplo, o maior exportador de soja do mundo, de mata nativa e cerca de 13% da pretende-se agregar valor às commodities com 38 milhões de toneladas1. Por isso, biodiversidade2 encontrada no planeta. agrícolas e minerais - através da cobrança 6
  • 7. Contra Corrente dos custos ambientais gerados -, assim responsáveis, respectivamente por 80% trabalho, tecnologia e saúde. como dar ao Brasil a chance de controlar e 40% dos cortes nacionais; o Plano Estes planos setoriais de redução o mercado de “ativos ambientais” e Decenal de Expansão de Energia (PDE), estão autorizados a emitir e vender fixar o preço futuro das “commodities responsável por 6,1% a 7,7% dos cortes créditos de carbono no novo Mercado ambientais”. Não é por outro motivo de emissões, com foco em centrais Brasileiro de Redução de Emissões que a Bolsa de Valores de São Paulo eólicas, pequenas centrais hidroelétricas (MBRE), que será operacionalizado (Bovespa) já vem negociando os novos (PCHs) e bioeletricidade, na oferta de em bolsas de mercadorias e futuros, “ativos verdes”, resultantes de bônus agrocombustíveis e no incremento da bolsas de valores e entidades de balcão ou créditos de carbono de projetos eficiência energética; o Plano Setorial de organizado autorizadas pela Comissão de Mecanismo de Desenvolvimento Mitigação e de Adaptação das Mudanças de Valores Mobiliários (CVM)5, através Limpo (MDL) e do mercado de carbono Climáticas para a Consolidação de uma da negociação de títulos mobiliários voluntário. Nesse sentido, também foi Economia de Baixa Emissão de Carbono representativos de emissões de gases de criada, em fins de 2011, a Bolsa Verde na Agricultura (Plano ABC), que prevê efeito estufa evitados. O Certificado de do Rio (BVRio), que pretende ser a Redução de Emissões por Desmatamento primeira bolsa de valores a desenvolver “Quanto mais poluição e Degradação Florestal (CREDD), título mobiliário representativo de uma um mercado de ativos ambientais com o objetivo de promover a “economia verde” no estado e no país3. e desmatamento tonelada de dióxido de carbono (CO2) equivalente evitada, está para ser Ao regulamentar o marco nacional para estruturar este novo mercado gerado pela indústria regulamentado pelo Projeto de Lei nº 195/2011), que tramita no Congresso sobre a biodiversidade e os “serviços Nacional, criando a propriedade privada ambientais”, o Brasil pode controlar o ou pelo agronegócio, sobre o ar e a possibilidade de circulação custo de oportunidade entre avançar da nova mercadoria da chamada com soja sobre a Amazônia ou manter maior o valor dos “economia de baixo carbono”. a floresta em pé, jogando com o valor da commodity agrícola ou da commodity ‘ativos ambientais’, Quanto mais destrói, mais lucra - Na ambiental no mercado especulativo. prática, a Política Nacional sobre Mudança O que se verifica no país é uma valorizados com do Clima cria a demanda de redução das interdependência ou atrelamento da emissões nacionais e a delega ao mercado chamada “economia verde” à “economia a escassez da através da autorização de emissão de bônus ou créditos de carbono por setores marrom”. Quanto mais poluição e desmatamento gerado pela indústria ou pelo agronegócio, maior o valor dos mercadoria que produtivos tidos como mais “limpos”. A instalação de mega projetos energéticos “ativos ambientais”, valorizados com a escassez da mercadoria que representam representam - a na Amazônia, como a usina hidrelétrica de Belo Monte ou o Complexo Tapajós, - a biodiversidade. além de impactar os territórios indígenas e biodiversidade.” de povos tradicionais amazônicos e gerar Propriedade privada sobre o ar danos incomensuráveis à biodiversidade Em 2009 foi aprovada a Política incentivos de até R$ 1 milhão por local, ainda poderão negociar, na forma Nacional sobre Mudança do Clima produtor rural que opte por atividades de “ativo ambiental”, seu bônus por deixar (PNMC), a fim de cumprir com as metas tidas como “menos” poluentes, como de emitir carbono, levantando dinheiro voluntárias de redução, entre 36,1% o plantio direto4; e, ainda, o Plano de no mercado financeiro. Siderúrgicas e 38,9% das emissões projetadas para Redução de Emissões da Siderurgia, que substituam seu carvão mineral por 2020, então assumidas pelo Brasil na através do incentivo para o uso de carvão carvão vegetal, vindo de monocultivos de Convenção Quadro das Nações Unidas vegetal originário de florestas plantadas árvores plantadas, também poderão emitir sobre Mudanças do Clima. Para tanto e a melhoria na eficiência do processo créditos de carbono evitado, e capitalizar- a PNMC, elege cinco planos setoriais de carbonização. A política de redução se com os negócios verdes nas bolsas de estratégicos para as reduções: os planos de emissões ainda prevê sua expansão valores. Do mesmo modo, o agronegócio de ação para prevenção e controle do para outras áreas, como a indústria de e os monocultivos de soja, por exemplo, desmatamento e das queimadas na transformação, química, papel e celulose, poderão receber benefícios como isenção Amazônia e no Cerrado, que seriam construção civil, mineração, transportes, fiscal e financiamentos facilitados a 7
  • 8. juros baixos para o plantio direto com valoração econômica dos componentes traduzido no Brasil pela Confederação aplicação de altas taxas de herbicidas, da natureza; as parcerias público- Nacional das Industrias (CNI), e é o o que autoriza o setor agrícola privadas na gestação das Unidades de instrumento de convencimento do setor industrial a continuar avançando sua Conservação; e a concessão de florestas industrial e corporativo para fomentar fronteira agrícola com incentivos públicas. Sua proposta se fundamenta em a construção desse novo mercado estatais, e ainda emitir créditos de incentivos corporativos ou de mercado sobre a biodiversidade e o mercado de carbono equivalente evitado. para a conservação e uso sustentável pagamentos por serviços ambientais. Por outro lado, os planos de redução da biodiversidade através da política Tramitando também no Congresso das emissões nos biomas amazônico e de Pagamento por Serviços Ambientais Nacional, o Projeto de Lei nº 792/07, e cerrado, de 80% e 40% das emissões (PSA). O que pode gerar, a exemplo do seus dez apensos, pretende estabelecer nacionais respectivamente, não recaem que vem acontecendo no âmbito das o Mercado Nacional de Pagamentos sobre os setores que mais respondem de Serviços Ambientais, autorizando a pelas emissões e degradação, mas sobre comercialização de diversos componentes as populações tradicionais e suas práticas “O lucro da dita da biodiversidade através de contratos de manejo do território. Através de privados ou públicos realizados entre programas como o Bolsa Verde6, lançado ‘economia marrom’ comunidades fornecedoras de “serviços pelo governo federal em outubro de ambientais” e empresas poluidoras- 2011, os beneficiários7 ficam obrigados é a possibilidade de compradoras de autorizações para a desenvolver atividades de conservação continuar a gerar danos (compensações e uso sustentável. Isso significa que o lucros da chamada ambientais). Enquanto isso, à semelhança ônus para o cumprimento das metas de do título de propriedade sobre o ar ou redução das emissões acaba recaindo sobre aquelas populações que sempre ‘economia verde’, é o carbono - a CREDD, a atual proposta de flexibilização do Código Florestal foram responsáveis pela conservação e uso sustentável. Caso as famílias não o chamado win-win autoriza a emissão da CRA (Cota de Reserva Ambiental), título de crédito cumpram com os requisitos do termo de representativo de um hectare de floresta adesão, além de perderem a bolsa, podem (ganha-ganha). O nativa, que poderá ser comprada e ser multadas, por exemplo, no caso de vendida tanto para compensar áreas que utilizarem formas de manejo tradicional, cálculo é estritamente não tenham Reserva Legal exigida por lei9, como as técnicas de pousio para realizar como para serem negociadas em bolsas os roçados para sua subsistência econômico e nada de valores no mercado financeiro. É dada Ao invés de induzir boas práticas de a largada para a introdução das florestas uso e conservação das florestas, a PNMC tem a ver com meio tropicais no mercado financeiro. pode criminalizar as formas de manejo A compra e venda desses títulos é dos povos que, historicamente, garantem o ambiente.” feita por agentes privados através da uso e conservação da floresta em pé e, por bolsa de valores. Eles adquirem esses outro lado, beneficiar os setores das cadeias ativos ambientais através de contratos de produtivas que mais poluem e degradam, políticas sobre mudanças climáticas, a compra e venda de “serviços ambientais”, tanto com a autorização da emissão de regulamentação de um mercado nacional firmados com fornecedores desses serviços “ativos ambientais”, como também com da biodiversidade. (principalmente agricultores familiares, políticas de incentivos fiscal e tarifário. A fim de realizar essa valoração povos e comunidades tradicionais), em monetária da biodiversidade, a CDB troca da emissão do título em seu nome. O Florestas como mercadoria - Com recepcionou o estudo TEEB (sigla território e os recursos naturais, objeto do o objetivo de cumprir as metas para a em inglês para The Economics of contrato de PSA, passam a ser o lastro, redução da degradação e desmatamento Ecosystems and Biodiversity, Economia ou seja, a garantia do título (CREDD da biodiversidade fixadas no Plano dos Ecossitemas e da Biodiversidade)8, ou CRA), e devem estar à disposição do Estratégico para 2020 da Convenção da como ferramenta capaz de resolver a usuário-comprador. Diversidade Biológica (CDB), o governo “falha de mercado” dos bens comuns, É necessário frisar que, para garantir brasileiro se apressa para aprovar em de modo a incorporar um preço aos o monitoramento e a fiscalização do tempo recorde uma Política Nacional de componentes da biodiversidade, como “serviço” contratado, o artigo 6º do Biodiversidade, que tem como base a qualquer outra mercadoria. O estudo foi projeto de lei de PSA assegura, ao 8
  • 9. Contra Corrente usuário-pagador do serviço, pleno Larissa Ambrosano Packer é Advogada da Terra de Direitos e Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade acesso à área objeto do contrato e a Federal do Paraná - larissa@terradedireitos.org.br dados relativos às ações de manutenção NOTAS E referências bibliográficas e recuperação realizadas pelo provedor. * Este texto é parte de um artigo maior que integra a O contrato de PSA é vinculado à publicação Inside a Champion, an analyses of the Brazilian matrícula do imóvel por meio de developing model, da Fundação Henrich Boell Brasil, disponível em http://br.boell.org/ servidão ambiental, ou seja, da renúncia do provedor do serviço aos direitos de 1 Comunicação Social. Em 2012, IBGE prevê safra 0,3% maior que em 2011. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística supressão ou exploração da vegetação (IBGE), 10 de janeiro de 2012. Disponível em: http://www. por, no mínimo, 15 anos. ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza. php?id_noticia=2065&id_pagina=1. Acesso em 15 de De fato, os grupos que construíram fevereiro de 2012. a flexibilização do Código Florestal e 2 Florestas do Brasil em Resumo 2010: dados de 2005-2010. a regulamentação dos Pagamentos por Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/sfb/_ arquivos/livro_de_bolso___sfb_mma_2010_web_95.pdf>. Serviços Ambientais pretendem induzir a Acesso em 10 de março de 2012. demanda pelo mercado da biodiversidade 3 “A Bolsa Verde do Rio de Janeiro, que será conhecida pela e dos ecossistemas, ou seja, regularizar a sigla BVRio, terá negociações de produtos já conhecidos, compra do direito de poluir e degradar. como créditos de carbono, mas também terá novidades, como papéis relacionados ao Código Florestal brasileiro, que exige de fazendeiros manter certo espaço de floresta dentro de sua Ou ganha ou ganha - Ao vincular os propriedade”. Crespo, Silvio G. ‘FT’: Com Bolsa Verde, Rio pode virar polo financeiro alternativo. Estado de São Paulo, 19 de pagamentos por “serviços ambientais” ao dezembro de. 2011. Disponível em: http://blogs.estadao.com. mercado financeiro, com a autorização br/radar-economico/2011/12/19/ft-com-bolsa-verde-rio- pode-virar-centro-financeiro-alternativo/. Acesso em 20 de de emissão de títulos ou ativos que março de 2012. representam toneladas de carbono captadas 4 O plantio direto é um sistema diferenciado de manejo (como é o caso do mercado de carbono) ou do solo que visa diminuir o impacto da agricultura e das máquinas agrícolas (tratores, arados, etc.) É identificado como com as florestas nativas (como previsto atividade agrícola menos emissora de GEE, constituindo- na atual proposta do Código Florestal se como a principal tecnologia de uma “agricultura de baixo carbono”. No entanto, o plantio direto em uma brasileiro flexibilizado), a proteção da agricultura industrial de larga escala, segue o padrão biodiversidade e a regulação climática tecnológico altamente dependente de combustíveis fósseis, com a aplicação de. Tal procedimento torna questionável tornam-se um negócio e a possibilidade sua identificação como tecnologia “verde”, que deve ser de conservação ambiental se resume incentivada através de pagamentos por serviços ambientais como parte de uma “agricultura de baixo carbono”. ao custo de oportunidade. Quanto maior a especulação sobre o “humor do clima”, 5 A CVM é um órgão público que tem como função desenvolver, regular e fiscalizar o Mercado de Valores quanto maior o risco sobre as florestas ou Mobiliários. a quantidade de emissões, maior o valor 6 O Bolsa Verde é um programa de pagamento por “serviço” dos títulos ambientais e, por conseguinte, ambiental público que consiste na doação de R$ 300 reais a cada três meses, pelo prazo de dois anos, que poderá dos “serviços ambientais”. O lucro da dita ser renovado, às famílias que residam em Unidades de “economia marrom” é a possibilidade de Conservação na Amazônia. Guilherme Resende lucros da chamada “economia verde”, é o 7 São beneficiárias do programa as famílias que se encontram em situação de extrema pobreza, equivalente à chamado win-win (ganha-ganha). O cálculo renda per capita mensal de até R$ 70. Os estados abrangidos é estritamente econômico e nada tem a são Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, ver com meio ambiente. Roraima, Tocantins, e parte do estado do Maranhão. Em linhas gerais, a proposta de 8 Encomendada pelo G8+5 em 2007, a iniciativa é sediada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), transição para uma economia verde coordenada pelo economista indiano Pavan Sukhdev, chefe da apresenta-se como legitimação do divisão de novos mercados globais do Deutsche Bank, e conta com o apoio da Comissão Europeia e de vários ministérios direito dos países desenvolvidos de nacionais de desenvolvimento na Europa. comprar a renovação de suas dívidas 9 O Código Florestal brasileiro, de 1965, exige um mínimo de históricas que não serão pagas, cobertura vegetal nativa a qualquer propriedade privada no país. Trata-se de uma intervenção administrativa nos direitos transferindo este ônus para os territórios de propriedade privada em nome do interesse público e social, das comunidades do Sul Global, que a fim de garantir observância dos índices de produtividade e das legislações ambiental e trabalhista. A Reserva Legal é de, passam a ser as garantias ou lastro deste no mínimo, 20 % da posse ou propriedade no Sul do Brasil, de novo mercado sobre a natureza. 35% no bioma Cerrado e de 80% na Amazônia Legal. 9
  • 10. Elder Andrade de Paula* movementgeneration.org Povos resistem à imposição da lógica hegemônica: contra o aprofundamento da espoliação Espoliação na fronteira Brasil - Bolívia - Peru A imposição da lógica mercantilista do capitalismo verde já agrava as condições de vida e os processos de resistências dos povos nessa região, cuja história é marcada pela expropriação “ L a suposición de que el problema indígena es un problema de educación no aparece sufragado ni aun por un problema étnico se nutre del más envejecido repertorio criterio estricta y autónomamente pedagógico (…) El nuevo de ideas imperialistas. El concepto de las razas planteamiento consiste en buscar el problema indígena en el inferiores sirvió al Occidente blanco para su obra de expansión problema de la tierra.” (Mariátegui)1 y conquista (…) La tendencia a considerar el problema indígena A essência do problema apontado pelo filósofo peruano como un problema moral encarna una concepción liberal, Mariátegui persiste em “Nuestra América” no alvorecer humanitaria, ochocentista, iluminista, que en el orden político do século XXI. Agora, todavia, as práticas imperialistas de Occidente anima y motiva las ‘ligas de los Derechos del se mesclam com o colonialismo interno que engendra a Hombre’(…) El concepto de que el problema del indio es un espoliação tanto dos povos indígenas quanto das demais 10
  • 11. Contra Corrente populações que vivem em territórios nacionais. Foi nesse contexto que o 100 mil habitantes. Ainda hoje esta cobiçados pelo capital, como é o caso Brasil, a Bolívia e o Peru delimitaram os região sofre com os infortúnios da da faixa territorial formada pela tríplice seus respectivos domínios territoriais. exploração florestal madeireira, de gás fronteira Brasil-Bolívia-Peru. Nela, a Esse processo de re-configuração e de petróleo, com a pecuária de corte e implementação de grandes projetos de territorial resultou de fortes disputas a construção de barragens (financiadas infraestrutura relacionados à Iniciativa entre capitais externos pelo controle pelo Banco Nacional de Desenvolvimento para Integração da Infraestrutura do fluxo da borracha natural (matéria- Econômico e Social - BNDES, e Regional da América do Sul (IIRSA) prima básica para a indústria sediada na construídas por empreiteiras sediadas conjugados com o extrativismo em Europa e nos Estados Unidos da América) no Brasil). Recentemente, este quadro larga escala de todas “las bondades e das articulações destes com oligarquias tem se agravado devido aos projetos de La naturaleza2” e outras formas regionais. A espoliação foi levada a vinculados à financeirização da natureza de exploração predatória, como a cabo via genocídio, expropriação dos via Pagamento de Serviços Ambientais pecuária extensiva de corte, tornaram territórios indígenas e super exploração (PSA) e Redução de Emissões por uma faixa de 300 mil km2 de terras do trabalho destes povos e de migrantes Desmatamento e Degradação (REDD). pequena demais para acomodar 900 mil pobres de outras regiões transladadas O estado do Acre possui uma população pessoas. Particularmente para cerca de de 700 mil habitantes, dos quais 72,61% vinte povos indígenas e comunidades estão situados em zonas urbanas. camponesas que vivem nos campos e “A dramaticidade Também passou por um processo de re- florestas (aproximadamente 200 mil territorialização capitalista determinado pessoas) e as populações pobres que deve-se ao fato de pela política de “integração nacional” vivem precariamente nas zonas urbanas, adotada pela ditadura militar no pós em áreas de risco - por falta de acesso a um pedacinho de chão para construírem que, agora, nesses 1964. A ligação rodoviária com o restante do país e agora estendida até suas moradas/vivendas. O mais dramático de tudo isso é que territórios tudo que o Oceano Pacifico, tal como planejada pelos militares, foi seguida por um a re-territorialização do capital nessa processo de “modernização” do setor tríplice fronteira segue os cânones está sob e sobre a agrícola, pautada na expropriação dos do capitalismo verde, apresentado povos indígenas e do campesinato, na com a simpática denominação de terra, inclusive o concentração da propriedade fundiária, desenvolvimento sustentável e “única na expansão da pecuária extensiva de alternativa” a ser seguida. Graças à ar que se respira, corte e na exploração florestal madeireira. formação de um monumental aparato Atualmente, assim como na Bolívia, estão de construção de hegemonia, logrou-se está à venda.” sendo implementados projetos de PSA a obtenção de forte consenso em torno e REDD4 e a exploração de petróleo no da inexorabilidade da sujeição da vida para Amazônia, como mostraram de Parque Nacional da Serra do Divisor. e de “las bondades de La naturaleza” formas singulares Euclides da Cunha, no Em Pando, extremo norte da Bolívia, aos imperativos da mercantilização do alvorecer do século XX, e Mario Vargas vivem aproximadamente 78 mil mundo. Sua dramaticidade deve-se ao Llosa, um século depois3. habitantes, 70% desta população está fato de que agora nesses territórios tudo Passados os dois ciclos de boom da concentrada em Cobija, capital do que está sob e sobre a terra, inclusive o borracha natural, esses territórios foram departamento. As atividades produtivas ar que se respira, está à venda. Mas, de gradativamente readaptados às dinâmicas estão ancoradas no extrativismo, que territórios estamos falando? de acumulação interna e externa do especialmente na coleta de castanhas capital. No caso peruano, a construção e exploração madeireira5. A exemplo Usurpação secular - A Amazônia de estradas ligando Pilcopata-Shintuya do que ocorre no Acre e em Madre de continental constituiu-se desde o início e Quincemil-Mazuko-Puerto Maldonado, Dios, a pecuária extensiva de corte da colonização européia como palco de finalizadas na década de 1960, somada vem se expandindo aceleradamente intensas disputas por parte das principais ao incremento da mineração de ouro neste território. Outra atividade potências do continente. Com a perda no final da década de 1970, atraíram econômica que vem se expandindo é a do domínio colonial ibérico no século fortes fluxos migratórios para o mineração de ouro. Os grandes projetos XIX, as disputas territoriais na Amazônia departamento de Madre de Dios, que de infraestrutura vinculados à IIRSA prosseguiram entre os diferentes Estados conta atualmente com aproximadamente também afetam os povos de Pando. 11
  • 12. O mesmo processo - Nos últimos vinte anos os mapas das unidades sub nacionais situadas nessa tríplice fronteira foram substancialmente modificados. O processo de re- territorialização que presidiu essas transformações seguiu rigorosamente as políticas e estratégias imperiais karmo voltadas para o “esverdeamento” do capitalismo e o controle dos territórios dotados de bens naturais estratégicos. Através da instrumentalização da implementadas através de adaptações utilizadas para levar a cabo essa re- agenda conservacionista internacional, no ordenamento jurídico institucional territorialização. Segundo afirma buscou-se legitimar o saque dos nos respectivos países, visando adaptá- essa agência “muitas das atividades bens naturais em escala planetária. las à mercantilização e financeirização apoiadas pela ABCI [sigla em inglês Para exemplificar, usaremos o mapa dos bens naturais, impostas pelos centros para Iniciativa para Conservação da do departamento de Madre de Dios de poder mundial. Bacia Amazônica] estão concentradas No entanto, as re-configurações A Usaid (sigla em inglês para no sudoeste da Amazônia, uma territoriais materializadas no Agência Estadunidense para o região de excepcional biodiversidade departamento de Pando e no Acre Desenvolvimento Internacional) 6 que contém grandes parques seguem um padrão similar a este foi quem explicitou de forma mais nacionais, terras indígenas, e representado no mapa. Elas foram clara os objetivos e estratégias outras áreas que permitem o uso Departamento de Madre de Dios, Peru Fonte: Fleck, Leonardo et al (2010), Estrategias de conservación a lo largo de la carretera Interoceánica en Madre de Dios, Perú: un análisis económico socio-espacial 12
  • 13. Contra Corrente sustentável de recursos naturais”. Todavia, eles têm sido fortemente Esse “uso sustentável”, de acordo ocultados pelos defensores do movementgeneration.org com a Usaid, requer “empoderar capitalismo verde. Via de regra, organizações locais e nacionais; (...) procuram desqualificar as críticas e Aplicar processos competitivos para denúncias, afirmando tratar-se de gerar estratégias inovadoras para a coisa dos “aliados dos devastadores conservação da biodiversidade; (...) das florestas”. De forma maniqueísta, Promover parcerias eficazes entre a reduzem a realidade a um eterno sociedade civil, os órgãos públicos e confronto entre as forças do bem o setor privado; (...) Comunicar bem, e do mal: de um lado estariam os com regularidade e criatividade; (...) defensores do desenvolvimento Formar consenso em torno das metas sustentável (denominação mais regionais; (...) Respeitar os direitos e palatável para o capitalismo verde); a diversidade cultural e integrar as de outro, os desmatadores. Parte questões de gênero, etnia (...).” substancial dos dilemas das lutas O tópico “Comunicar bem, com de resistência dos povos que vivem regularidade e criatividade” logrou nesses territórios reside nesta tanto êxito que formou um forte armadilha. consenso em torno da “virtuosidade” desse re-ordenamento territorial Um mundo povoado de mundos e das políticas e estratégias de Em realidade, trata-se do verso e desenvolvimento sustentável a ele reverso da mesma moeda: espoliação associadas. A sua construção e do capitalismo nas suas diferentes manutenção deve-se à formação de colorações. As chamadas políticas monumental aparato de construção mitigatórias, usadas tanto para de hegemonia integrado por “compensar” efeitos da exploração grandes ONGs conservacionistas nas “áreas protegidas” quanto os dos internacionais e ONGs locais e grandes projetos de infraestrutura A expressão “Las bondades de La naturaleza” nacionais a elas subordinadas, (Programa de Aceleração do explicita uma outra perspectiva: respeito à vida representações cooptadas de Crescimento - PAC e IIRSA) que as movimentos sociais, partidos afetam, servem como salvo conduto * Elder Andrade de Paula é Mestre e Doutor em políticos, organizações religiosas e “verde”. Nesse sentido, o quadro atual Desenvolvimento Agrícola e Sociedade e, atualmente, suas articulações com os governos em parece ainda mais dramático do que é Docente da Universidade Federal do Acre (UFAC) - diferentes níveis, independentemente aquele analisado por Mariátegui. Isto elderpaula@uol.com.br de suas opções ideológicas. Este é: a aparente e enganosa “solução é o caso do ex governador do do problema da terra” oculta outras NOTAS E referências bibliográficas departamento de Pando, Leopoldo formas de espoliação instituídas sob a 1 Mariátegui, J. Carlos; 7 Ensayos de Interpretación de la Realidad Peruana. Lima. Biblioteca Amauta (2005: 40;43;44) Fernandez, conhecido aliado das matriz do capitalismo verde. Por isso, oligarquias golpistas do oriente os povos indígenas e o campesinato 2 http://sitap.produccion.gob.bo/Atlas_Productivo_2009_web/ boliviano. Atualmente, Fernandez está defrontam-se com outra ordem de PANDO.pdf preso em La Paz sob a acusação de dificuldades para mover-se nesse 3 Euclides da Cunha, À Margem da história. Porto. Lello & ter comandado o massacre de dezenas emaranhado. Todavia, estão em luta e Irmão (1941); Mario Vargas Llosa; O sonho do celta. Rio de Janeiro. Objetiva (2011) de camponeses em El Porvenir, em haverão de mover-se nessa complexa setembro de 2008. conjuntura com a mesma maestria 4 http://sitap.produccion.gob.bo/Atlas_Productivo_2009_web/ PANDO.pdf A expansão da “exploração que o fazem nas florestas que restam sustentável” de madeiras, nas suas nesses territórios. Oxalá encontrem em 5 Para saber mais sobre PSA e REDD ver revista Contra diversas modalidades, e a adoção seus caminhos tantos outros hermanos Corrente n°3 (www.rbrasil.org.br) e Boletim 175 WRM http://www.wrm.org.uy do PSA e do REDD têm resultado na en la lucha contra o capitalismo e multiplicação dos conflitos sociais insistam em sonhar com a construção 6 Usaid, Iniciativa para Conservação da Bacia Amazônica: desenho, atividades propostas e resultados esperados (2007) também nesses territórios, situados de um mundo em que caibam muitos http://www.usaid.gov/locations/latin_america_caribbean/ nas denominadas “áreas protegidas”. mundos para se bien viver. environment/ acesso 04/2007 13
  • 14. Diana Aguiar* A história se repete; agora, como farsa Uma das maiores lições da crise atual do sistema capitalista é a de nunca decretar prematuramente a morte de instituições e ideologias: elas têm um poder assustador de se reiventarem. todo o possível para acumular reservas como um seguro contra futuras crises que pudessem significar a necessidade de novos empréstimos do FMI. Sem interessados em seus serviços, o Fundo estava enfraquecido. Depois, como farsa - Tudo mudou no outono de 2008. Com o colapso financeiro, um aparente movimento na direção de revisão dos valores subjacentes ao chamado Consenso de Washington estava na ordem do dia – inclusive nos discursos dos países do G20 e das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs), especialmente o FMI. É importante lembrar que estas mesmas IFIs foram as que promoveram as políticas neoliberais de financeirização, liberalização e desregulação como panacéia para a estabilidade econômica e o desenvolvimento. EFE Entretanto, quase quatro anos depois da quebra do banco estadunidense A conta da especulação financeira custou caro aos povos de vários países: desemprego, retirada de direitos Lehman Brothers, marco do colapso e corte de gastos públicos financeiro, a extensão com a qual o paradigma neoliberal vem P rimeiro, como tragédia - Antes “humilhante” a atuação dos agentes do sendo reinventado é assustadora e do início do colapso financeiro FMI. Estes economistas treinados dentro representativa da captura da política em 2008, o Fundo Monetário da ideologia neoliberal impunham a pelos interesses do capital financeiro. Internacional (FMI) enfrentava a pior crise política econômica a ser adotada pelo da sua história. Muitos países asiáticos país contraindo o empréstimo, sem Apelando para o Estado - As políticas e latino-americanos que, nas décadas de qualquer espaço para discussão de de recuperação econômica pós-2008 1980 e 1990, foram prejudicados com alternativas ou mesmo sobre as não foram homogêneas. Os países que os planos de estabilização atrelados aos condições do financiamento. dependeram de empréstimos externos empréstimos do Fundo, descreviam como Como resultado, estes países fizeram – das IFIs ou de outros países – para 14
  • 15. Contra Corrente a execução de seus programas de enfrentados pelos países, a partir do valor de mercado) e políticas de injeção recuperação econômica sofreram a colapso de 2008, explicita a lógica do de liquidez na economia. Esta vultosa imposição de políticas de austeridade sistema de atuar com “dois pesos e transferência de recursos públicos para os fiscal (especialmente cortes de duas medidas”. bancos e outras corporações financeiras gastos públicos) como condição para privadas, premiando diretamente os os empréstimos. Neste sentido, a Estado a serviço das elites - Mesmo agentes financeiros que criaram as bolhas Grécia é o caso mais emblemático. quando havia relativa autonomia em especulativas, é possivelmente uma das Mas os povos da Islândia Ucrânia, relação aos ditames de financiadores maiores subversões de valores da história Hungria, Nepal e Paquistão, logo externos – no caso especialmente das da economia mundial no último século. após a crise e, posteriormente, economias ditas avançadas, nas quais De fato, algumas falências à parte, a Portugal, Irlanda e Espanha, também os mercados financeiros nacionais elite financeira internacional conseguiu sentem na pele o aprofundamento fazer com que os cidadãos pagassem da recessão e a deterioração das condições de vida. Este processo é “A transferência de a conta da crise causada pelos comportamentos de alto risco que lhes bastante conhecido dos povos latino- recursos públicos geraram lucros estratosféricos – estes americanos, já que, por duas décadas, sempre protegidos pela santidade da seus governos se submeteram aos para os bancos e propriedade privada. Através da opacidade planos de estabilização do FMI e aos de modelos matemáticos complexos, programas de ajuste estrutural do outras corporações essas elites financeiras conseguiram, em Banco Mundial. Diversos estudos1 larga medida, disfarçar os fatos mais mostram que os programas atuais financeiras simples. Principalmente, o fato de que destas instituições pouco mudaram em cotidianamente – e até diversas vezes termos do seu receituário, exigindo privadas, premiando em frações de segundo – elas atuam como condições para os empréstimos, em um verdadeiro cassino financeiro, em larga medida, a não-intervenção diretamente os apostando sobre a rentabilidade da no câmbio e no fluxo de capitais, riqueza produzida pelo trabalho de a redução de gastos públicos e o agentes financeiros bilhões de trabalhadoras e trabalhadores controle da inflação através dos juros. Por outro lado, países como que criaram as ao redor do mundo. Milhões dos quais perderam seus empregos por conta os Estados Unidos, que, por acúmulo de reservas ou por emitirem moeda bolhas especulativas, das recessões causadas pelas crises financeiras, consequência direta deste sistemicamente importante, tiveram relativa autonomia no desenho de seus é possivelmente cassino financeiro. Seria de se esperar que esta trama macabra fosse alvo de críticas programas de recuperação econômica, adotaram de forma diversificada: uma das maiores generalizadas no sentido de, pelo menos, a revisão das atuais práticas. No entanto, em altíssimos investimentos para “salvar” subversões de junho de 2012, a desregulação financeira instituições, bancos e empresas que continua amplamente praticada, os haviam investido na especulação; valores da história da programas de austeridade fiscal marcam políticas de alívio quantitativo para a tônica dos programas de recuperação desvalorização cambiária (tornando economia mundial no econômica de uma Europa em recessão suas exportações mais competitivas); e com graves crises de dívidas soberanas controles de capitais (como o Brasil, último século”. e as IFIs passaram de moribundas a na tributação unilateral das transações fortalecidas e re-capitalizadas. financeiras através do IOF2); e políticas estavam altamente comprometidos pelos fiscais contra-cíclicas (diminuindo ativos tóxicos que vieram à tona com A reinvenção das IFIs - A rapidez com a arrecadação através de isenções o estouro de bolhas especulativas em que os ideólogos do sistema que trouxe de impostos direcionadas a setores 2008 –, as perdas privadas dos mercados o mundo à atual crise se reinventaram específicos e aumentando o gasto financeiros foram socializadas. Ou seja, é assustadora. Por um lado, corporações público para aquecer a economia), elas foram assumidas amplamente pelos financeiras privadas - como as agências dentre outras. cofres públicos através da compra de de avaliação de risco que, antes do A diferença no trato dos problemas ativos financeiros tóxicos (sem real colapso financeiro, recomendavam 15
  • 16. o investimento nos ativos que, mais mas na prática obrigatórios aos bancos criação de commodities a partir destes tarde, se mostraram “tóxicos” - não que queiram manter a credibilidade no recursos e promove os mecanismos de perderam sua credibilidade. Ao contrário, sistema. Este conjunto de propostas mercado como a solução para a crise seguem avaliando o risco não só de mantém uma falha fundamental dos ambiental. Estas novas commodities, ativos financeiros privados, como dos Acordos anteriores: regula as instituições baseadas na chamada “indústria de títulos de dívida pública – uma boa financeiras bancárias e não o sistema serviços ambientais”, constituem uma parte dos quais foram emitidos para bancário sombra, onde circulam os nova fronteira de especulação para os financiar a recuperação econômica derivativos e ativos do mercado de balcão, mercados financeiros, uma verdadeira e salvar os mercados financeiros. instrumentos financeiros que causaram o privatização financeira dos bens As demais corporações financeiras colapso financeiro de 2008. comuns. Este é somente um exemplo de continuam com seu comportamento Por outro lado, apesar do mandato como as IFIs representam os interesses especulativo, apostando no cassino do G20 para a execução de estudos das elites financeiras na agenda da financeiro, quase nada re-regulado sobre a regulação financeira, o FSB e chamada “economia verde”. desde 2008. De concreto, nenhuma a Iosco não têm capacidade legal de iniciativa multilateral coordenada de implementação de suas recomendações. Ocupar a arquitetura financeira peso no sentido da regulação vem Estas IFIs, que junto com o FMI, internacional - Desde 2008, diversas sendo implementada pelas IFIs. Pelo saíram fortalecidas como pilares da mobilizações de massa, como a contrário, o FMI, por exemplo, tem arquitetura financeira internacional, Primavera Árabe, o movimento dos resistido a apoiar o controle de capitais são representativas do nível de Indignados na Europa e os movimentos como medida necessária para conter captura das elites financeiras sobre as de Ocupação nos Estados Unidos, a volatilidade dos fluxos financeiros, institucionalidades estabelecidas. têm se organizado para resistir e e tem - menos ainda - permitido denunciar a impunidade dos artífices tal política aos países que recebem Novas fronteiras de acumulação da crise e dos impactos devastadores seus empréstimos. Outras IFIs, menos As IFIs não têm sido instrumentais do colapso financeiro e econômico conhecidas, não têm agido de forma somente na manutenção do status na vida dos povos em todo o mundo. diferente, como o Comitê de Basiléia, quo da governança econômica global, No entanto, a euforia econômica dos o Conselho de Estabilidade Financeira da desregulação financeira e das países emergentes, as mentiras da (FSB, sigla em inglês), a Organização políticas econômicas neoliberais. Já mídia corporativa e a captura das IFIs Internacional das Comissões de Valores é de amplo conhecimento o efeito pelas elites financeiras têm mascarado (Iosco, sigla em inglês) e o Banco nefasto que a especulação financeira a continuidade das instabilidades de Compensações Internacionais sobre as commodities agrícolas tem sistêmicas e dificultado a globalização (BIS, sigla em inglês). Em termos de tido na elevação dos preços dos das lutas na extensão necessária governança, elas nada mais fizeram do alimentos e, consequentemente, na para a transformação. Denunciar que, em alguns casos, incorporar os segurança alimentar das populações estas contradições é um dos passos países do G20 que não faziam parte de mais vulnerabilizadas. Agora, através fundamentais neste sentido. seus corpos diretivos, sem melhorar em de alguns de seus programas, as nada a prestação de contas ao público. IFIs têm apoiado a criação de novas Assim como é o caso do próprio G20, commodities, novas fronteiras de * Diana Aguiar é Mestre em Relações Internacionais a inclusão dos países emergentes e acumulação dos mercados financeiros pela PUC-Rio e facilitadora do Grupo de Trabalho sobre grandes economias regionais nestas via especulação desregulada. Arquitetura Econômica Internacional (GT-AEI) da Rede IFIs, longe de significar uma mudança O Banco Mundial, por exemplo, Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip) de paradigma, tem servido como através de seu programa Contabilidade – dianaguiar@gmail.com elemento fragmentador das perspectivas de Riqueza e Valoração de Serviços do Sul Global – entre os que foram do Ecossistema (cuja sigla em inglês é NOTAS E referências bibliográficas 1 Nuria Molina-Gallart e Bhumika Muchhala. Strings Attached: falsamente incluídos e os que ficaram Waves), em parceria com o Programa How the IMF’s Economic Conditions Foil Development-Oriented de fora – facilitando, acima de tudo, a das Nações Unidas para o Meio Policies for Loan-Borrowing Countries. Third World Network, 2010. manutenção do status quo no conteúdo Ambiente (Pnuma), tem promovido político e forma de trabalho. a atribuição de valores monetários 2 Bretton Woods Project. IMF policy recommendations: not O Comitê de Basiléia para a regulação aos recursos naturais para fins de enough change after the crisis. Bretton Woods Update, No 80, Março/Abril, 2012. bancária sistematizou os Acordos de contabilidade nas contas públicas Basiléia III – em teoria voluntários, nacionais. Desse modo, favorece a 3 Imposto sobre Operações Financeiras. 16
  • 17. Lúcia Ortiz e Winnie Overbeek* Contra Corrente Valorando Amigos da Terra Internacional o que não tem valor As IFIs, especialmente o Banco Mundial, têm um papel decisivo na construção da nova arquitetura financeira mundial que especula a natureza Q uando o tema é financeirização e Instituições Financeiras Internacionais (IFIs), temos que voltar para o início dos anos de 1970. Naquela época, a economia capitalista entrou em crise e as taxas de lucros das grandes empresas caíram. Em busca de encontrar novas formas de acumulação de capital e lucros, o governo dos Estados Unidos decidiu não mais aceitar O descaso das empresas e a falta de fiscalização do governo causaram a morte a conversibilidade entre o dólar e o de 40 mil peixes de criação: fim do sonho ouro, o que representou o fim do sistema monetário internacional tendo o ouro como lastro. Até então, o dinheiro em circulação era, sobretudo, capital que foi desenvolvido o conceito de serviços resultava de atividades produtivas reais, ambientais e o de pagamento por por exemplo, da produção industrial. Mas serviços ambientais. o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo a partir daquele momento, começou a Em ambos os casos, constatamos que, (MDL). Nascia ali o mercado de carbono, circular cada vez mais dinheiro na forma com o aval das IFIs (principalmente um mercado especulativo, virtual e, de diversos papéis, o chamado capital do Banco Mundial), as crises foram sobretudo, bastante lucrativo. O MDL especulativo. Hoje em dia, o valor do capital transformadas em oportunidades criou como lastro projetos realizados nos especulativo já supera em várias vezes o especulativas1. O Protocolo de Quioto países do Sul, que não são decididos pelas valor do capital produtivo. É a lógica de obrigou, em 1997, países industrializados comunidades diretamente impactadas ganhar dinheiro «sem fazer nada». do Norte Global a reduzirem suas e que, por sua vez, não têm nenhuma Também nos anos de 1970 veio à tona emissões de gases de efeito estufa, responsabilidade pelo problema da uma outra crise: a ecológica. O grande principalmente o carbono. No entanto, a poluição da atmosfera, configurando mais capital afirmava, já naquela época, meta de redução média de 5% em relação uma situação de Injustiça Ambiental. que a maior causa da destruição da às suas emissões no ano de 1990 pode natureza era que ela não tinha valor; ser considerada irrisória. Mais grave A falácia do “aprendendo-fazendo” que se tivesse um preço e o «capital ainda é o fato do protocolo permitir O Banco Mundial quis ser pioneiro nesse natural» fosse incluído na economia, formas de compensação pela continuada novo mercado de carbono e ampliá-lo o que ainda restava da natureza emissão de carbono se algum país do para mercados voluntários, para além poderia ser preservado; se não, o ser Norte não “conseguir” cumprir com suas do MDL e, desde o final dos anos de humano destruiria tudo. Nessa linha, obrigações. Uma das principais formas é 1990, criou vários fundos, dentre eles 17