A farsa da “economia verde” explicita a captura corporativa do Estado, da ONU e dos demais espaços decisórios. Proposta central não tem nada a ver com a defesa do meio ambiente. O que interessa é somente o lucro. O novo papel das IFIs no marco do capitalismo verde: apropriação privada dos recursos públicos. A lei corresponsabiliza o BNDES pela violação de direitos.
1. Número 4
CONTRAcordeiro
Lobo em pele de CORRENTE
Editorial Índice
Carta de posição da Rede Brasil
4 sobre a Rio + 20
Economia verde impõe
6 preço na pensamento único
É
para quem desafia onatureza
preciso compreender a realidade - ou as diversas realidades - em que estamos
inseridos para poder transformá-la. Neste sentido, esta edição da Espoliação na fronteira
Contra Corrente pretende contribuir para uma compreensão mais aprofundada 10 Brasil-Bolívia-Peru
sobre o tema do financiamento. Em tempos de apropriação da questão ambiental
A história se repete,
por parte das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) e da proposição de falsas
soluções para a crise ecológica e climática, é fundamental refletir com cuidado sobre 14 agora como farsa
as políticas e os protagonistas da atual conjuntura. Também é importante, nesse
processo, perceber quem são, onde, como e por que lobos travestidos de cordeiros se 17 Valorando o que não tem valor
empenham na construção de uma ordem mundial que não tem nada de nova.
Em sua carta de posição sobre a Rio + 20, ao afirmar-se “contra a mercantilização Banco Mundial:
da vida e a financeirização da natureza, na defesa dos bens comuns e afirmação de 21 regularizar para controlar
direitos” e demandar “Banco Mundial fora do nosso mundo”, a Rede Brasil dá um
recado claro de que, para além de questionar o senso comum, posiciona-se de modo
inequívoco contra a principal proposta de aprofundamento do capital na atualidade:
24 Esquizofrenia na saúde pública
a transformação da natureza em mercadoria. Estamos vivendo um momento na
história da humanidade que beira ao surrealismo ou, talvez, ao realismo fantástico. 27 Cidades excludentes do BID
Não é este o caso quando se considera que a proposta de um dos mecanismos da
economia verde, o Pagamento de Serviços Ambientais (PSA), pretende precificar
a polinização das abelhas, considerando-as - desse modo - como trabalhadoras a
30 BRICS: mais do mesmo
serviço do capital? Nem George Orwell, em sua incrível e mirabolante obra 1984, BNDES é responsável
conseguiu ser tão ousado. 33 pela violação de direitos
Assim, com o propósito de abordar essas questões sob uma perspectiva crítica, os
Copa: recursos públicos,
artigos aqui apresentam os seguintes temas: as mudanças na legislação brasileira
para regulamentar os mecanismos da economia verde; os impactos desta e do atual
36 apropriação privada
modelo de desenvolvimento nos territórios; a reinvenção das IFIs e o papel central que
elas ocupam na definição das políticas no Brasil; a atuação dos BRICS no G20 e 39 Brasil em transe
na Rio + 20; a corresponsabilidade do BNDES, expressa na Lei, sobre as violações
dos projetos que financia; a centralidade do Brasil na geopolítica mundial; o obscuro
financiamento da Copa do Mundo; e a presença da dívida na vida do cidadão comum.
41 Caos generalizado
Lançada no mês em que acontece a Rio + 20, esta edição tem também como
propósito subsidiar os membros da Rede no processo de preparação para os debates 44 Decifra-me ou te devoro
que serão realizados durante a IX Assembléia Geral da Rede Brasil, que acontecerá
entre os dias 15 e 17 de agosto, em Brasília. Esta Assembléia pretende ser mais um
passo no sentido de acumular reflexão crítica para a necessária mudança do atual
47 A Copa como ela é
sistema de dominação do capital.
RIO + 20 = 0 VIDA
Agradecemos a todos/as que, generosamente, colaboraram nesta edição. E, por
último, apresentamos abaixo os personagens das tiras que ilustram algumas matérias.
Eles, por si, já dão uma idéia do conteúdo das próximas páginas.
Boa leitura! Contra Corrente é uma publicação da Rede Brasil
sobre Instituições Financeiras Multilaterais
Número 04, Junho de 2012
Edição e Revisão: Patrícia Bonilha
A farsa da “economia verde” explicita a captura corporativa do Estado, da ONU e dos demais
Projeto Gráfico e Capa: Guilherme Resende - guileresende@gmail.com
Foto da Contracapa: Verena Glass
espaços decisórios. Proposta central não tem nada a ver com a defesa do refletem a opinião de seus autores/as.
Os artigos assinados meio ambiente.
O que interessa é somente o lucro. E não, necessariamente, são questões consensuadas
na Rede Brasil.
SCS, Qd 01, Bloco L, Edifício Márcia, sala 904
Brasília - DF, CEP 70307-900 * t + 5561 3321-6108
O novo papel das IFIs no marco A lei corresponsabiliza o BNDES www.rbrasil.org.br do Mundo: apropriação
Copa
do capitalismo verde pela violação de direitos privada dos recursos públicos
2. Editorial Índice
Lobo em pele de cordeiro 4
Carta de posição da Rede Brasil
sobre a Rio + 20
Economia verde impõe
6
É
preciso compreender a realidade - ou as diversas realidades - em que estamos preço na natureza
inseridos para poder transformá-la. Neste sentido, esta edição da Espoliação na fronteira
Contra Corrente pretende contribuir para uma compreensão mais aprofundada 10 Brasil-Bolívia-Peru
sobre o tema do financiamento. Em tempos de apropriação da questão ambiental
A história se repete,
por parte das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) e da proposição de falsas
soluções para a crise ecológica e climática, é fundamental refletir com cuidado sobre 14 agora como farsa
as políticas e os protagonistas da atual conjuntura. Também é importante, nesse
processo, perceber quem são, onde, como e por que lobos travestidos de cordeiros se 17 Valorando o que não tem valor
empenham na construção de uma ordem mundial que não tem nada de nova.
Em sua carta de posição sobre a Rio + 20, ao afirmar-se “contra a mercantilização Banco Mundial:
da vida e a financeirização da natureza, na defesa dos bens comuns e afirmação de 21 regularizar para controlar
direitos” e demandar “Banco Mundial fora do nosso mundo”, a Rede Brasil dá um
recado claro de que, para além de questionar o senso comum, posiciona-se de modo
inequívoco contra a principal proposta de aprofundamento do capital na atualidade:
24 Esquizofrenia na saúde pública
a transformação da natureza em mercadoria. Estamos vivendo um momento na
história da humanidade que beira ao surrealismo ou, talvez, ao realismo fantástico. 27 Cidades excludentes do BID
Não é este o caso quando se considera que a proposta de um dos mecanismos da
economia verde, o Pagamento de Serviços Ambientais (PSA), pretende precificar
a polinização das abelhas, considerando-as - desse modo - como trabalhadoras a
30 BRICS: mais do mesmo
serviço do capital? Nem George Orwell, em sua incrível e mirabolante obra 1984, BNDES é responsável
conseguiu ser tão ousado. 33 pela violação de direitos
Assim, com o propósito de abordar essas questões sob uma perspectiva crítica, os
Copa: recursos públicos,
artigos aqui apresentam os seguintes temas: as mudanças na legislação brasileira
para regulamentar os mecanismos da economia verde; os impactos desta e do atual
36 apropriação privada
modelo de desenvolvimento nos territórios; a reinvenção das IFIs e o papel central que
elas ocupam na definição das políticas no Brasil; a atuação dos BRICS no G20 e 39 Brasil em transe
na Rio + 20; a corresponsabilidade do BNDES, expressa na Lei, sobre as violações
dos projetos que financia; a centralidade do Brasil na geopolítica mundial; o obscuro
financiamento da Copa do Mundo; e a presença da dívida na vida do cidadão comum.
41 Caos generalizado
Lançada no mês em que acontece a Rio + 20, esta edição tem também como
propósito subsidiar os membros da Rede no processo de preparação para os debates 44 Decifra-me ou te devoro
que serão realizados durante a IX Assembléia Geral da Rede Brasil, que acontecerá
entre os dias 15 e 17 de agosto, em Brasília. Esta Assembléia pretende ser mais um
passo no sentido de acumular reflexão crítica para a necessária mudança do atual
47 A Copa como ela é
sistema de dominação do capital.
Agradecemos a todos/as que, generosamente, colaboraram nesta edição. E, por
último, apresentamos abaixo os personagens das tiras que ilustram algumas matérias.
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6
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sobre o tema do financiamento. Em tempos de apropriação da questão ambiental
A história se repete,
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soluções para a crise ecológica e climática, é fundamental refletir com cuidado sobre 14 agora como farsa
as políticas e os protagonistas da atual conjuntura. Também é importante, nesse
processo, perceber quem são, onde, como e por que lobos travestidos de cordeiros se 17 Valorando o que não tem valor
empenham na construção de uma ordem mundial que não tem nada de nova.
Em sua carta de posição sobre a Rio + 20, ao afirmar-se “contra a mercantilização Banco Mundial:
da vida e a financeirização da natureza, na defesa dos bens comuns e afirmação de 21 regularizar para controlar
direitos” e demandar “Banco Mundial fora do nosso mundo”, a Rede Brasil dá um
recado claro de que, para além de questionar o senso comum, posiciona-se de modo
inequívoco contra a principal proposta de aprofundamento do capital na atualidade:
24 Esquizofrenia na saúde pública
a transformação da natureza em mercadoria. Estamos vivendo um momento na
história da humanidade que beira ao surrealismo ou, talvez, ao realismo fantástico. 27 Cidades excludentes do BID
Não é este o caso quando se considera que a proposta de um dos mecanismos da
economia verde, o Pagamento de Serviços Ambientais (PSA), pretende precificar
a polinização das abelhas, considerando-as - desse modo - como trabalhadoras a
30 BRICS: mais do mesmo
serviço do capital? Nem George Orwell, em sua incrível e mirabolante obra 1984, BNDES é responsável
conseguiu ser tão ousado. 33 pela violação de direitos
Assim, com o propósito de abordar essas questões sob uma perspectiva crítica, os
Copa: recursos públicos,
artigos aqui apresentam os seguintes temas: as mudanças na legislação brasileira
para regulamentar os mecanismos da economia verde; os impactos desta e do atual
36 apropriação privada
modelo de desenvolvimento nos territórios; a reinvenção das IFIs e o papel central que
elas ocupam na definição das políticas no Brasil; a atuação dos BRICS no G20 e 39 Brasil em transe
na Rio + 20; a corresponsabilidade do BNDES, expressa na Lei, sobre as violações
dos projetos que financia; a centralidade do Brasil na geopolítica mundial; o obscuro
financiamento da Copa do Mundo; e a presença da dívida na vida do cidadão comum.
41 Caos generalizado
Lançada no mês em que acontece a Rio + 20, esta edição tem também como
propósito subsidiar os membros da Rede no processo de preparação para os debates 44 Decifra-me ou te devoro
que serão realizados durante a IX Assembléia Geral da Rede Brasil, que acontecerá
entre os dias 15 e 17 de agosto, em Brasília. Esta Assembléia pretende ser mais um
passo no sentido de acumular reflexão crítica para a necessária mudança do atual
47 A Copa como ela é
sistema de dominação do capital.
Agradecemos a todos/as que, generosamente, colaboraram nesta edição. E, por
último, apresentamos abaixo os personagens das tiras que ilustram algumas matérias.
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4. Carta de Posição
rumo à Cúpula dos Povos
na Rio+20
Contra a mercantilização da vida e a financeirização da natureza!
Na defesa dos bens comuns e afirmação dos direitos!
Banco Mundial Fora do Nosso Mundo!
E
m junho de 2012, a cidade do Rio de Janeiro
sediará a Rio+20, Conferência das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, cuja
agenda de implementação da chamada economia
verde será o tema central. Instituições Financeiras
Internacionais (IFis), como o Banco Mundial, o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), têm ocupado um papel central na condução
desta agenda, que promove a mercantilização da vida
e a financerização da natureza. A Rede Brasil sobre
Instituições Financeiras Multilaterais, fundamentada
pelos seus 17 anos na luta contra hegemônica e no
monitoramento crítico das políticas e projetos das
instituições financeiras, vem a público posicionar-se
frente ao processo da Rio+20.
A consolidação e aceitação da economia verde
via conferência mundial de meio ambiente explicita
a captura corporativa da ONU e demais espaços
Banksy
multilaterais. Ator central na imposição de ajustes
estruturais nas décadas de 1980 e 1990, o Banco
Mundial, atualmente, emerge como promotor de
um novo consenso liberal - agora “verde” - de
incorporação das fronteiras da natureza ao mercado.
Internacionalmente, desde 2007, o Banco Mundial
investe na criação de fundos de preparação e
expansão de mercados de carbono, com o claro
Diante do aprofundamento da expropriação capitalista, travestido de “verde”, objetivo de obter recursos exorbitantes a partir da
resta aos povos: mobilizar e resistir transformação do ar em mercadoria. Além disso, 56%
4
5. Contra Corrente
“A Rede Brasil entende ser
fundamental resistir ao
processo de mercantilização
da natureza, denunciar a
captura coorporativa dos
espaços multilaterais e exigir
dos governos que sigam a
agenda política dos povos, e não
a das corporações, das elites
Reprodução
e instituições financeiras.”
de seus investimentos para o setor de medida que se tornam bens escassos. elites e instituições financeiras.
energia, e os lucros decorrentes dos juros A mercantilização da natureza é um Assim, a Cúpula dos Povos por
dos empréstimos, estão concentrados em grande risco para a humanidade, pois Justiça Social e Ambiental, contra a
fontes de carbono intensivas. No Brasil, significa um aprofundamento do mercantilização da natureza e pela
a estratégia do Banco Mundial não se processo de expropriação dos territórios defesa dos bens comuns deverá ter o
limita ao financiamento de projetos. e de exploração do trabalho e dos bens papel de mobilizar a sociedade contra os
Ao longo das últimas décadas, o banco comuns. No Brasil, esse preocupante riscos, para os povos e para a natureza,
exerceu grande incidência na formulação quadro tem sido ilustrado por muitos decorrentes da implementação dessa
de políticas públicas. Mais recentemente, casos, que vão desde as lutas contra a economia verde neoliberal. A Rede
focou seus esforços na flexibilização construção da usina de Belo Monte, no Brasil, neste sentido, apóia também o
da legislação ambiental e na política Pará, até as denúncias e resistência frente processo de mobilização e construção
climática, de modo a dar maior agilidade às violações da siderúrgica da TKCSA, no da Assembléia Permanente dos Povos,
a grandes investimentos destruidores Rio de Janeiro, passando por um amplo a fim de dar voz e força às populações
da natureza, como a implementação de espectro de embates sociais resultantes atingidas pelas múltiplas dimensões
empresas extrativas e mega projetos de da imposição de um modelo centrado no do atual modelo de desenvolvimento e
infraestrutura, além da expansão lucro de poucos às custas do sofrimento pelas falsas soluções e novas formas de
do agronegócio. da maioria. Na quase totalidade reprodução do capitalismo promovidas
O processo de financeirização da desses projetos, o BNDES é o principal pelas IFIs. São estas mesmas populações
natureza representa uma expansão financiador. que, além de resistir, vivem e recriam as
das fronteiras de acumulações do Este modelo de desenvolvimento, alternativas na construção de uma outra
capital sobre tudo aquilo que até hoje que aprofunda o capitalismo, terá na economia e de uma outra sociedade.
ainda não havia sido transformado Rio+20 um importante momento de
em mercadoria ou em papel moeda. consolidação, ideológica e jurídica/legal. Venha ocupar
A arquitetura financeira da economia Por tudo isso, a Rede Brasil entende
verde, sendo construída com base no ser fundamental resistir a tal processo, a Rio+20,
enfraquecimentos dos direitos nas denunciar a captura coorporativa
políticas públicas, visa permitir a dos espaços multilaterais e exigir dos é hora de mudar
especulação sobre o ar que respiramos governos que sigam a agenda política
e a água que bebemos, por exemplo, à dos povos e não a das corporações, das o sistema!
5
6. Larissa Ambrosano Packer*
Economia verde impõe
preço na natureza
Uma engenharia legal está sendo construída no Brasil para regulamentar
mecanismos financeiros que premiam quem sempre desmatou e poluiu; o ônus
fica com os povos que, historicamente, conservaram a vida no planeta
Frente à crise climática e ambiental
que mobiliza todas as nações do
mundo, o Brasil também está diante do
desafio de ressignificar o conceito de
“desenvolvimento sustentável”.
A importância estratégica do país
nesses dois campos se traduz pelos
órgãos-chave da Organização das Nações
Unidas (ONU) dirigidos por brasileiros
atualmente: José Graziano da Silva,
que em 2011 assumiu a direção-geral
da Organização das Nações Unidas para
Agricultura e Alimentação (FAO), órgão
encarregado dos recursos fitogenéticos
para alimentação e agricultura mundial;
e Bráulio Ferreira de Souza Dias,
recém-empossado secretário-executivo
do Secretariado da Convenção sobre
Diversidade Biológica (CDB), responsável
por garantir as metas de conservação e
uso sustentável da diversidade biológica
Nilo D´Avila
do planeta.
Negócios, negócios e negócios - A
estratégia brasileira é visibilizar o valor
Os mecanismos da economia verde recompensam quem desmata: tudo pelo dinheiro econômico dos recursos naturais, assim
como das externalidades ambientais
O
Brasil possui atualmente 48,7 diante da crise alimentar e econômica produzidas pelas cadeias produtivas.
milhões de hectares de superfície mundial, tem o desafio de avançar em Ao encontrar um valor expresso
semeados, com uma colheita sua produção agrícola e alimentar e na monetariamente para a água ou a
recorde em 2011 de 160 milhões de geração de emprego e renda. Por outro fertilidade dos solos, necessários à
toneladas de cereais, grãos e sementes lado, é o maior país megadiverso do produção de grãos para exportação das
oleaginosas. Na última safra, tornou-se planeta, com 508 milhões de hectares commodities agrícolas, por exemplo,
o maior exportador de soja do mundo, de mata nativa e cerca de 13% da pretende-se agregar valor às commodities
com 38 milhões de toneladas1. Por isso, biodiversidade2 encontrada no planeta. agrícolas e minerais - através da cobrança
6
7. Contra Corrente
dos custos ambientais gerados -, assim responsáveis, respectivamente por 80% trabalho, tecnologia e saúde.
como dar ao Brasil a chance de controlar e 40% dos cortes nacionais; o Plano Estes planos setoriais de redução
o mercado de “ativos ambientais” e Decenal de Expansão de Energia (PDE), estão autorizados a emitir e vender
fixar o preço futuro das “commodities responsável por 6,1% a 7,7% dos cortes créditos de carbono no novo Mercado
ambientais”. Não é por outro motivo de emissões, com foco em centrais Brasileiro de Redução de Emissões
que a Bolsa de Valores de São Paulo eólicas, pequenas centrais hidroelétricas (MBRE), que será operacionalizado
(Bovespa) já vem negociando os novos (PCHs) e bioeletricidade, na oferta de em bolsas de mercadorias e futuros,
“ativos verdes”, resultantes de bônus agrocombustíveis e no incremento da bolsas de valores e entidades de balcão
ou créditos de carbono de projetos eficiência energética; o Plano Setorial de organizado autorizadas pela Comissão
de Mecanismo de Desenvolvimento Mitigação e de Adaptação das Mudanças de Valores Mobiliários (CVM)5, através
Limpo (MDL) e do mercado de carbono Climáticas para a Consolidação de uma da negociação de títulos mobiliários
voluntário. Nesse sentido, também foi Economia de Baixa Emissão de Carbono representativos de emissões de gases de
criada, em fins de 2011, a Bolsa Verde na Agricultura (Plano ABC), que prevê efeito estufa evitados. O Certificado de
do Rio (BVRio), que pretende ser a Redução de Emissões por Desmatamento
primeira bolsa de valores a desenvolver “Quanto mais poluição e Degradação Florestal (CREDD), título
mobiliário representativo de uma
um mercado de ativos ambientais com o
objetivo de promover a “economia verde”
no estado e no país3.
e desmatamento tonelada de dióxido de carbono (CO2)
equivalente evitada, está para ser
Ao regulamentar o marco nacional
para estruturar este novo mercado
gerado pela indústria regulamentado pelo Projeto de Lei nº
195/2011), que tramita no Congresso
sobre a biodiversidade e os “serviços Nacional, criando a propriedade privada
ambientais”, o Brasil pode controlar o ou pelo agronegócio, sobre o ar e a possibilidade de circulação
custo de oportunidade entre avançar da nova mercadoria da chamada
com soja sobre a Amazônia ou manter maior o valor dos “economia de baixo carbono”.
a floresta em pé, jogando com o valor
da commodity agrícola ou da commodity ‘ativos ambientais’, Quanto mais destrói, mais lucra - Na
ambiental no mercado especulativo. prática, a Política Nacional sobre Mudança
O que se verifica no país é uma valorizados com do Clima cria a demanda de redução das
interdependência ou atrelamento da emissões nacionais e a delega ao mercado
chamada “economia verde” à “economia a escassez da através da autorização de emissão de
bônus ou créditos de carbono por setores
marrom”. Quanto mais poluição e
desmatamento gerado pela indústria
ou pelo agronegócio, maior o valor dos
mercadoria que produtivos tidos como mais “limpos”. A
instalação de mega projetos energéticos
“ativos ambientais”, valorizados com a
escassez da mercadoria que representam
representam - a na Amazônia, como a usina hidrelétrica
de Belo Monte ou o Complexo Tapajós,
- a biodiversidade. além de impactar os territórios indígenas e
biodiversidade.” de povos tradicionais amazônicos e gerar
Propriedade privada sobre o ar danos incomensuráveis à biodiversidade
Em 2009 foi aprovada a Política incentivos de até R$ 1 milhão por local, ainda poderão negociar, na forma
Nacional sobre Mudança do Clima produtor rural que opte por atividades de “ativo ambiental”, seu bônus por deixar
(PNMC), a fim de cumprir com as metas tidas como “menos” poluentes, como de emitir carbono, levantando dinheiro
voluntárias de redução, entre 36,1% o plantio direto4; e, ainda, o Plano de no mercado financeiro. Siderúrgicas
e 38,9% das emissões projetadas para Redução de Emissões da Siderurgia, que substituam seu carvão mineral por
2020, então assumidas pelo Brasil na através do incentivo para o uso de carvão carvão vegetal, vindo de monocultivos de
Convenção Quadro das Nações Unidas vegetal originário de florestas plantadas árvores plantadas, também poderão emitir
sobre Mudanças do Clima. Para tanto e a melhoria na eficiência do processo créditos de carbono evitado, e capitalizar-
a PNMC, elege cinco planos setoriais de carbonização. A política de redução se com os negócios verdes nas bolsas de
estratégicos para as reduções: os planos de emissões ainda prevê sua expansão valores. Do mesmo modo, o agronegócio
de ação para prevenção e controle do para outras áreas, como a indústria de e os monocultivos de soja, por exemplo,
desmatamento e das queimadas na transformação, química, papel e celulose, poderão receber benefícios como isenção
Amazônia e no Cerrado, que seriam construção civil, mineração, transportes, fiscal e financiamentos facilitados a
7
8. juros baixos para o plantio direto com valoração econômica dos componentes traduzido no Brasil pela Confederação
aplicação de altas taxas de herbicidas, da natureza; as parcerias público- Nacional das Industrias (CNI), e é o
o que autoriza o setor agrícola privadas na gestação das Unidades de instrumento de convencimento do setor
industrial a continuar avançando sua Conservação; e a concessão de florestas industrial e corporativo para fomentar
fronteira agrícola com incentivos públicas. Sua proposta se fundamenta em a construção desse novo mercado
estatais, e ainda emitir créditos de incentivos corporativos ou de mercado sobre a biodiversidade e o mercado de
carbono equivalente evitado. para a conservação e uso sustentável pagamentos por serviços ambientais.
Por outro lado, os planos de redução da biodiversidade através da política Tramitando também no Congresso
das emissões nos biomas amazônico e de Pagamento por Serviços Ambientais Nacional, o Projeto de Lei nº 792/07, e
cerrado, de 80% e 40% das emissões (PSA). O que pode gerar, a exemplo do seus dez apensos, pretende estabelecer
nacionais respectivamente, não recaem que vem acontecendo no âmbito das o Mercado Nacional de Pagamentos
sobre os setores que mais respondem de Serviços Ambientais, autorizando a
pelas emissões e degradação, mas sobre comercialização de diversos componentes
as populações tradicionais e suas práticas “O lucro da dita da biodiversidade através de contratos
de manejo do território. Através de privados ou públicos realizados entre
programas como o Bolsa Verde6, lançado ‘economia marrom’ comunidades fornecedoras de “serviços
pelo governo federal em outubro de ambientais” e empresas poluidoras-
2011, os beneficiários7 ficam obrigados é a possibilidade de compradoras de autorizações para
a desenvolver atividades de conservação continuar a gerar danos (compensações
e uso sustentável. Isso significa que o lucros da chamada ambientais). Enquanto isso, à semelhança
ônus para o cumprimento das metas de do título de propriedade sobre o ar ou
redução das emissões acaba recaindo
sobre aquelas populações que sempre
‘economia verde’, é o carbono - a CREDD, a atual proposta
de flexibilização do Código Florestal
foram responsáveis pela conservação e
uso sustentável. Caso as famílias não
o chamado win-win autoriza a emissão da CRA (Cota de
Reserva Ambiental), título de crédito
cumpram com os requisitos do termo de representativo de um hectare de floresta
adesão, além de perderem a bolsa, podem (ganha-ganha). O nativa, que poderá ser comprada e
ser multadas, por exemplo, no caso de vendida tanto para compensar áreas que
utilizarem formas de manejo tradicional, cálculo é estritamente não tenham Reserva Legal exigida por lei9,
como as técnicas de pousio para realizar como para serem negociadas em bolsas
os roçados para sua subsistência econômico e nada de valores no mercado financeiro. É dada
Ao invés de induzir boas práticas de a largada para a introdução das florestas
uso e conservação das florestas, a PNMC tem a ver com meio tropicais no mercado financeiro.
pode criminalizar as formas de manejo A compra e venda desses títulos é
dos povos que, historicamente, garantem o ambiente.” feita por agentes privados através da
uso e conservação da floresta em pé e, por bolsa de valores. Eles adquirem esses
outro lado, beneficiar os setores das cadeias ativos ambientais através de contratos de
produtivas que mais poluem e degradam, políticas sobre mudanças climáticas, a compra e venda de “serviços ambientais”,
tanto com a autorização da emissão de regulamentação de um mercado nacional firmados com fornecedores desses serviços
“ativos ambientais”, como também com da biodiversidade. (principalmente agricultores familiares,
políticas de incentivos fiscal e tarifário. A fim de realizar essa valoração povos e comunidades tradicionais), em
monetária da biodiversidade, a CDB troca da emissão do título em seu nome. O
Florestas como mercadoria - Com recepcionou o estudo TEEB (sigla território e os recursos naturais, objeto do
o objetivo de cumprir as metas para a em inglês para The Economics of contrato de PSA, passam a ser o lastro,
redução da degradação e desmatamento Ecosystems and Biodiversity, Economia ou seja, a garantia do título (CREDD
da biodiversidade fixadas no Plano dos Ecossitemas e da Biodiversidade)8, ou CRA), e devem estar à disposição do
Estratégico para 2020 da Convenção da como ferramenta capaz de resolver a usuário-comprador.
Diversidade Biológica (CDB), o governo “falha de mercado” dos bens comuns, É necessário frisar que, para garantir
brasileiro se apressa para aprovar em de modo a incorporar um preço aos o monitoramento e a fiscalização do
tempo recorde uma Política Nacional de componentes da biodiversidade, como “serviço” contratado, o artigo 6º do
Biodiversidade, que tem como base a qualquer outra mercadoria. O estudo foi projeto de lei de PSA assegura, ao
8
9. Contra Corrente
usuário-pagador do serviço, pleno Larissa Ambrosano Packer é Advogada da Terra de
Direitos e Mestre em Filosofia do Direito pela Universidade
acesso à área objeto do contrato e a
Federal do Paraná - larissa@terradedireitos.org.br
dados relativos às ações de manutenção
NOTAS E referências bibliográficas
e recuperação realizadas pelo provedor. * Este texto é parte de um artigo maior que integra a
O contrato de PSA é vinculado à publicação Inside a Champion, an analyses of the Brazilian
matrícula do imóvel por meio de developing model, da Fundação Henrich Boell Brasil,
disponível em http://br.boell.org/
servidão ambiental, ou seja, da renúncia
do provedor do serviço aos direitos de 1 Comunicação Social. Em 2012, IBGE prevê safra 0,3% maior
que em 2011. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
supressão ou exploração da vegetação (IBGE), 10 de janeiro de 2012. Disponível em: http://www.
por, no mínimo, 15 anos. ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.
php?id_noticia=2065&id_pagina=1. Acesso em 15 de
De fato, os grupos que construíram fevereiro de 2012.
a flexibilização do Código Florestal e 2 Florestas do Brasil em Resumo 2010: dados de 2005-2010.
a regulamentação dos Pagamentos por Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/sfb/_
arquivos/livro_de_bolso___sfb_mma_2010_web_95.pdf>.
Serviços Ambientais pretendem induzir a Acesso em 10 de março de 2012.
demanda pelo mercado da biodiversidade 3 “A Bolsa Verde do Rio de Janeiro, que será conhecida pela
e dos ecossistemas, ou seja, regularizar a sigla BVRio, terá negociações de produtos já conhecidos,
compra do direito de poluir e degradar. como créditos de carbono, mas também terá novidades, como
papéis relacionados ao Código Florestal brasileiro, que exige
de fazendeiros manter certo espaço de floresta dentro de sua
Ou ganha ou ganha - Ao vincular os propriedade”. Crespo, Silvio G. ‘FT’: Com Bolsa Verde, Rio pode
virar polo financeiro alternativo. Estado de São Paulo, 19 de
pagamentos por “serviços ambientais” ao dezembro de. 2011. Disponível em: http://blogs.estadao.com.
mercado financeiro, com a autorização br/radar-economico/2011/12/19/ft-com-bolsa-verde-rio-
pode-virar-centro-financeiro-alternativo/. Acesso em 20 de
de emissão de títulos ou ativos que março de 2012.
representam toneladas de carbono captadas 4 O plantio direto é um sistema diferenciado de manejo
(como é o caso do mercado de carbono) ou do solo que visa diminuir o impacto da agricultura e das
máquinas agrícolas (tratores, arados, etc.) É identificado como
com as florestas nativas (como previsto atividade agrícola menos emissora de GEE, constituindo-
na atual proposta do Código Florestal se como a principal tecnologia de uma “agricultura de
baixo carbono”. No entanto, o plantio direto em uma
brasileiro flexibilizado), a proteção da agricultura industrial de larga escala, segue o padrão
biodiversidade e a regulação climática tecnológico altamente dependente de combustíveis fósseis,
com a aplicação de. Tal procedimento torna questionável
tornam-se um negócio e a possibilidade sua identificação como tecnologia “verde”, que deve ser
de conservação ambiental se resume incentivada através de pagamentos por serviços ambientais
como parte de uma “agricultura de baixo carbono”.
ao custo de oportunidade. Quanto maior
a especulação sobre o “humor do clima”, 5 A CVM é um órgão público que tem como função
desenvolver, regular e fiscalizar o Mercado de Valores
quanto maior o risco sobre as florestas ou Mobiliários.
a quantidade de emissões, maior o valor 6 O Bolsa Verde é um programa de pagamento por “serviço”
dos títulos ambientais e, por conseguinte, ambiental público que consiste na doação de R$ 300 reais
a cada três meses, pelo prazo de dois anos, que poderá
dos “serviços ambientais”. O lucro da dita ser renovado, às famílias que residam em Unidades de
“economia marrom” é a possibilidade de Conservação na Amazônia.
Guilherme Resende
lucros da chamada “economia verde”, é o 7 São beneficiárias do programa as famílias que se
encontram em situação de extrema pobreza, equivalente à
chamado win-win (ganha-ganha). O cálculo renda per capita mensal de até R$ 70. Os estados abrangidos
é estritamente econômico e nada tem a são Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia,
ver com meio ambiente. Roraima, Tocantins, e parte do estado do Maranhão.
Em linhas gerais, a proposta de 8 Encomendada pelo G8+5 em 2007, a iniciativa é sediada pelo
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma),
transição para uma economia verde coordenada pelo economista indiano Pavan Sukhdev, chefe da
apresenta-se como legitimação do divisão de novos mercados globais do Deutsche Bank, e conta
com o apoio da Comissão Europeia e de vários ministérios
direito dos países desenvolvidos de nacionais de desenvolvimento na Europa.
comprar a renovação de suas dívidas 9 O Código Florestal brasileiro, de 1965, exige um mínimo de
históricas que não serão pagas, cobertura vegetal nativa a qualquer propriedade privada no
país. Trata-se de uma intervenção administrativa nos direitos
transferindo este ônus para os territórios de propriedade privada em nome do interesse público e social,
das comunidades do Sul Global, que a fim de garantir observância dos índices de produtividade e
das legislações ambiental e trabalhista. A Reserva Legal é de,
passam a ser as garantias ou lastro deste no mínimo, 20 % da posse ou propriedade no Sul do Brasil, de
novo mercado sobre a natureza. 35% no bioma Cerrado e de 80% na Amazônia Legal.
9
10. Elder Andrade de Paula*
movementgeneration.org
Povos resistem à imposição da lógica hegemônica: contra o aprofundamento da espoliação
Espoliação na fronteira
Brasil - Bolívia - Peru
A imposição da lógica mercantilista do capitalismo verde já agrava as condições
de vida e os processos de resistências dos povos nessa região, cuja história é
marcada pela expropriação
“ L
a suposición de que el problema indígena es un problema de educación no aparece sufragado ni aun por un
problema étnico se nutre del más envejecido repertorio criterio estricta y autónomamente pedagógico (…) El nuevo
de ideas imperialistas. El concepto de las razas planteamiento consiste en buscar el problema indígena en el
inferiores sirvió al Occidente blanco para su obra de expansión problema de la tierra.” (Mariátegui)1
y conquista (…) La tendencia a considerar el problema indígena A essência do problema apontado pelo filósofo peruano
como un problema moral encarna una concepción liberal, Mariátegui persiste em “Nuestra América” no alvorecer
humanitaria, ochocentista, iluminista, que en el orden político do século XXI. Agora, todavia, as práticas imperialistas
de Occidente anima y motiva las ‘ligas de los Derechos del se mesclam com o colonialismo interno que engendra a
Hombre’(…) El concepto de que el problema del indio es un espoliação tanto dos povos indígenas quanto das demais
10
11. Contra Corrente
populações que vivem em territórios nacionais. Foi nesse contexto que o 100 mil habitantes. Ainda hoje esta
cobiçados pelo capital, como é o caso Brasil, a Bolívia e o Peru delimitaram os região sofre com os infortúnios da
da faixa territorial formada pela tríplice seus respectivos domínios territoriais. exploração florestal madeireira, de gás
fronteira Brasil-Bolívia-Peru. Nela, a Esse processo de re-configuração e de petróleo, com a pecuária de corte e
implementação de grandes projetos de territorial resultou de fortes disputas a construção de barragens (financiadas
infraestrutura relacionados à Iniciativa entre capitais externos pelo controle pelo Banco Nacional de Desenvolvimento
para Integração da Infraestrutura do fluxo da borracha natural (matéria- Econômico e Social - BNDES, e
Regional da América do Sul (IIRSA) prima básica para a indústria sediada na construídas por empreiteiras sediadas
conjugados com o extrativismo em Europa e nos Estados Unidos da América) no Brasil). Recentemente, este quadro
larga escala de todas “las bondades e das articulações destes com oligarquias tem se agravado devido aos projetos
de La naturaleza2” e outras formas regionais. A espoliação foi levada a vinculados à financeirização da natureza
de exploração predatória, como a cabo via genocídio, expropriação dos via Pagamento de Serviços Ambientais
pecuária extensiva de corte, tornaram territórios indígenas e super exploração (PSA) e Redução de Emissões por
uma faixa de 300 mil km2 de terras do trabalho destes povos e de migrantes Desmatamento e Degradação (REDD).
pequena demais para acomodar 900 mil pobres de outras regiões transladadas O estado do Acre possui uma população
pessoas. Particularmente para cerca de de 700 mil habitantes, dos quais 72,61%
vinte povos indígenas e comunidades estão situados em zonas urbanas.
camponesas que vivem nos campos e “A dramaticidade Também passou por um processo de re-
florestas (aproximadamente 200 mil territorialização capitalista determinado
pessoas) e as populações pobres que deve-se ao fato de pela política de “integração nacional”
vivem precariamente nas zonas urbanas, adotada pela ditadura militar no pós
em áreas de risco - por falta de acesso a
um pedacinho de chão para construírem
que, agora, nesses 1964. A ligação rodoviária com o
restante do país e agora estendida até
suas moradas/vivendas.
O mais dramático de tudo isso é que
territórios tudo que o Oceano Pacifico, tal como planejada
pelos militares, foi seguida por um
a re-territorialização do capital nessa processo de “modernização” do setor
tríplice fronteira segue os cânones está sob e sobre a agrícola, pautada na expropriação dos
do capitalismo verde, apresentado povos indígenas e do campesinato, na
com a simpática denominação de terra, inclusive o concentração da propriedade fundiária,
desenvolvimento sustentável e “única na expansão da pecuária extensiva de
alternativa” a ser seguida. Graças à ar que se respira, corte e na exploração florestal madeireira.
formação de um monumental aparato Atualmente, assim como na Bolívia, estão
de construção de hegemonia, logrou-se está à venda.” sendo implementados projetos de PSA
a obtenção de forte consenso em torno e REDD4 e a exploração de petróleo no
da inexorabilidade da sujeição da vida para Amazônia, como mostraram de Parque Nacional da Serra do Divisor.
e de “las bondades de La naturaleza” formas singulares Euclides da Cunha, no Em Pando, extremo norte da Bolívia,
aos imperativos da mercantilização do alvorecer do século XX, e Mario Vargas vivem aproximadamente 78 mil
mundo. Sua dramaticidade deve-se ao Llosa, um século depois3. habitantes, 70% desta população está
fato de que agora nesses territórios tudo Passados os dois ciclos de boom da concentrada em Cobija, capital do
que está sob e sobre a terra, inclusive o borracha natural, esses territórios foram departamento. As atividades produtivas
ar que se respira, está à venda. Mas, de gradativamente readaptados às dinâmicas estão ancoradas no extrativismo,
que territórios estamos falando? de acumulação interna e externa do especialmente na coleta de castanhas
capital. No caso peruano, a construção e exploração madeireira5. A exemplo
Usurpação secular - A Amazônia de estradas ligando Pilcopata-Shintuya do que ocorre no Acre e em Madre de
continental constituiu-se desde o início e Quincemil-Mazuko-Puerto Maldonado, Dios, a pecuária extensiva de corte
da colonização européia como palco de finalizadas na década de 1960, somada vem se expandindo aceleradamente
intensas disputas por parte das principais ao incremento da mineração de ouro neste território. Outra atividade
potências do continente. Com a perda no final da década de 1970, atraíram econômica que vem se expandindo é a
do domínio colonial ibérico no século fortes fluxos migratórios para o mineração de ouro. Os grandes projetos
XIX, as disputas territoriais na Amazônia departamento de Madre de Dios, que de infraestrutura vinculados à IIRSA
prosseguiram entre os diferentes Estados conta atualmente com aproximadamente também afetam os povos de Pando.
11
12. O mesmo processo - Nos últimos
vinte anos os mapas das unidades
sub nacionais situadas nessa tríplice
fronteira foram substancialmente
modificados. O processo de re-
territorialização que presidiu essas
transformações seguiu rigorosamente
as políticas e estratégias imperiais
karmo
voltadas para o “esverdeamento” do
capitalismo e o controle dos territórios
dotados de bens naturais estratégicos.
Através da instrumentalização da implementadas através de adaptações utilizadas para levar a cabo essa re-
agenda conservacionista internacional, no ordenamento jurídico institucional territorialização. Segundo afirma
buscou-se legitimar o saque dos nos respectivos países, visando adaptá- essa agência “muitas das atividades
bens naturais em escala planetária. las à mercantilização e financeirização apoiadas pela ABCI [sigla em inglês
Para exemplificar, usaremos o mapa dos bens naturais, impostas pelos centros para Iniciativa para Conservação da
do departamento de Madre de Dios de poder mundial. Bacia Amazônica] estão concentradas
No entanto, as re-configurações A Usaid (sigla em inglês para no sudoeste da Amazônia, uma
territoriais materializadas no Agência Estadunidense para o região de excepcional biodiversidade
departamento de Pando e no Acre Desenvolvimento Internacional) 6 que contém grandes parques
seguem um padrão similar a este foi quem explicitou de forma mais nacionais, terras indígenas, e
representado no mapa. Elas foram clara os objetivos e estratégias outras áreas que permitem o uso
Departamento de Madre de Dios, Peru
Fonte: Fleck, Leonardo et al (2010), Estrategias de conservación a lo largo de la carretera Interoceánica en Madre de Dios, Perú: un análisis económico socio-espacial
12
13. Contra Corrente
sustentável de recursos naturais”. Todavia, eles têm sido fortemente
Esse “uso sustentável”, de acordo ocultados pelos defensores do
movementgeneration.org
com a Usaid, requer “empoderar capitalismo verde. Via de regra,
organizações locais e nacionais; (...) procuram desqualificar as críticas e
Aplicar processos competitivos para denúncias, afirmando tratar-se de
gerar estratégias inovadoras para a coisa dos “aliados dos devastadores
conservação da biodiversidade; (...) das florestas”. De forma maniqueísta,
Promover parcerias eficazes entre a reduzem a realidade a um eterno
sociedade civil, os órgãos públicos e confronto entre as forças do bem
o setor privado; (...) Comunicar bem, e do mal: de um lado estariam os
com regularidade e criatividade; (...) defensores do desenvolvimento
Formar consenso em torno das metas sustentável (denominação mais
regionais; (...) Respeitar os direitos e palatável para o capitalismo verde);
a diversidade cultural e integrar as de outro, os desmatadores. Parte
questões de gênero, etnia (...).” substancial dos dilemas das lutas
O tópico “Comunicar bem, com de resistência dos povos que vivem
regularidade e criatividade” logrou nesses territórios reside nesta
tanto êxito que formou um forte armadilha.
consenso em torno da “virtuosidade”
desse re-ordenamento territorial Um mundo povoado de mundos
e das políticas e estratégias de Em realidade, trata-se do verso e
desenvolvimento sustentável a ele reverso da mesma moeda: espoliação
associadas. A sua construção e do capitalismo nas suas diferentes
manutenção deve-se à formação de colorações. As chamadas políticas
monumental aparato de construção mitigatórias, usadas tanto para
de hegemonia integrado por “compensar” efeitos da exploração
grandes ONGs conservacionistas nas “áreas protegidas” quanto os dos
internacionais e ONGs locais e grandes projetos de infraestrutura A expressão “Las bondades de La naturaleza”
nacionais a elas subordinadas, (Programa de Aceleração do explicita uma outra perspectiva: respeito à vida
representações cooptadas de Crescimento - PAC e IIRSA) que as
movimentos sociais, partidos afetam, servem como salvo conduto * Elder Andrade de Paula é Mestre e Doutor em
políticos, organizações religiosas e “verde”. Nesse sentido, o quadro atual Desenvolvimento Agrícola e Sociedade e, atualmente,
suas articulações com os governos em parece ainda mais dramático do que é Docente da Universidade Federal do Acre (UFAC) -
diferentes níveis, independentemente aquele analisado por Mariátegui. Isto elderpaula@uol.com.br
de suas opções ideológicas. Este é: a aparente e enganosa “solução
é o caso do ex governador do do problema da terra” oculta outras NOTAS E referências bibliográficas
departamento de Pando, Leopoldo formas de espoliação instituídas sob a 1 Mariátegui, J. Carlos; 7 Ensayos de Interpretación de la
Realidad Peruana. Lima. Biblioteca Amauta (2005: 40;43;44)
Fernandez, conhecido aliado das matriz do capitalismo verde. Por isso,
oligarquias golpistas do oriente os povos indígenas e o campesinato 2 http://sitap.produccion.gob.bo/Atlas_Productivo_2009_web/
boliviano. Atualmente, Fernandez está defrontam-se com outra ordem de PANDO.pdf
preso em La Paz sob a acusação de dificuldades para mover-se nesse 3 Euclides da Cunha, À Margem da história. Porto. Lello &
ter comandado o massacre de dezenas emaranhado. Todavia, estão em luta e Irmão (1941); Mario Vargas Llosa; O sonho do celta. Rio de
Janeiro. Objetiva (2011)
de camponeses em El Porvenir, em haverão de mover-se nessa complexa
setembro de 2008. conjuntura com a mesma maestria 4 http://sitap.produccion.gob.bo/Atlas_Productivo_2009_web/
PANDO.pdf
A expansão da “exploração que o fazem nas florestas que restam
sustentável” de madeiras, nas suas nesses territórios. Oxalá encontrem em 5 Para saber mais sobre PSA e REDD ver revista Contra
diversas modalidades, e a adoção seus caminhos tantos outros hermanos Corrente n°3 (www.rbrasil.org.br) e Boletim 175 WRM
http://www.wrm.org.uy
do PSA e do REDD têm resultado na en la lucha contra o capitalismo e
multiplicação dos conflitos sociais insistam em sonhar com a construção 6 Usaid, Iniciativa para Conservação da Bacia Amazônica:
desenho, atividades propostas e resultados esperados (2007)
também nesses territórios, situados de um mundo em que caibam muitos http://www.usaid.gov/locations/latin_america_caribbean/
nas denominadas “áreas protegidas”. mundos para se bien viver. environment/ acesso 04/2007
13
14. Diana Aguiar*
A história se repete;
agora, como farsa
Uma das maiores lições da crise atual do sistema capitalista é a de nunca
decretar prematuramente a morte de instituições e ideologias: elas têm um
poder assustador de se reiventarem.
todo o possível para acumular reservas
como um seguro contra futuras crises
que pudessem significar a necessidade
de novos empréstimos do FMI. Sem
interessados em seus serviços, o Fundo
estava enfraquecido.
Depois, como farsa - Tudo mudou
no outono de 2008. Com o colapso
financeiro, um aparente movimento
na direção de revisão dos valores
subjacentes ao chamado Consenso de
Washington estava na ordem do dia
– inclusive nos discursos dos países
do G20 e das Instituições Financeiras
Internacionais (IFIs), especialmente o
FMI. É importante lembrar que estas
mesmas IFIs foram as que promoveram as
políticas neoliberais de financeirização,
liberalização e desregulação como
panacéia para a estabilidade econômica e
o desenvolvimento.
EFE
Entretanto, quase quatro anos depois
da quebra do banco estadunidense
A conta da especulação financeira custou caro aos povos de vários países: desemprego, retirada de direitos Lehman Brothers, marco do colapso
e corte de gastos públicos financeiro, a extensão com a
qual o paradigma neoliberal vem
P
rimeiro, como tragédia - Antes “humilhante” a atuação dos agentes do sendo reinventado é assustadora e
do início do colapso financeiro FMI. Estes economistas treinados dentro representativa da captura da política
em 2008, o Fundo Monetário da ideologia neoliberal impunham a pelos interesses do capital financeiro.
Internacional (FMI) enfrentava a pior crise política econômica a ser adotada pelo
da sua história. Muitos países asiáticos país contraindo o empréstimo, sem Apelando para o Estado - As políticas
e latino-americanos que, nas décadas de qualquer espaço para discussão de de recuperação econômica pós-2008
1980 e 1990, foram prejudicados com alternativas ou mesmo sobre as não foram homogêneas. Os países que
os planos de estabilização atrelados aos condições do financiamento. dependeram de empréstimos externos
empréstimos do Fundo, descreviam como Como resultado, estes países fizeram – das IFIs ou de outros países – para
14
15. Contra Corrente
a execução de seus programas de enfrentados pelos países, a partir do valor de mercado) e políticas de injeção
recuperação econômica sofreram a colapso de 2008, explicita a lógica do de liquidez na economia. Esta vultosa
imposição de políticas de austeridade sistema de atuar com “dois pesos e transferência de recursos públicos para os
fiscal (especialmente cortes de duas medidas”. bancos e outras corporações financeiras
gastos públicos) como condição para privadas, premiando diretamente os
os empréstimos. Neste sentido, a Estado a serviço das elites - Mesmo agentes financeiros que criaram as bolhas
Grécia é o caso mais emblemático. quando havia relativa autonomia em especulativas, é possivelmente uma das
Mas os povos da Islândia Ucrânia, relação aos ditames de financiadores maiores subversões de valores da história
Hungria, Nepal e Paquistão, logo externos – no caso especialmente das da economia mundial no último século.
após a crise e, posteriormente, economias ditas avançadas, nas quais De fato, algumas falências à parte, a
Portugal, Irlanda e Espanha, também os mercados financeiros nacionais elite financeira internacional conseguiu
sentem na pele o aprofundamento fazer com que os cidadãos pagassem
da recessão e a deterioração das
condições de vida. Este processo é
“A transferência de a conta da crise causada pelos
comportamentos de alto risco que lhes
bastante conhecido dos povos latino- recursos públicos geraram lucros estratosféricos – estes
americanos, já que, por duas décadas, sempre protegidos pela santidade da
seus governos se submeteram aos para os bancos e propriedade privada. Através da opacidade
planos de estabilização do FMI e aos de modelos matemáticos complexos,
programas de ajuste estrutural do outras corporações essas elites financeiras conseguiram, em
Banco Mundial. Diversos estudos1 larga medida, disfarçar os fatos mais
mostram que os programas atuais financeiras simples. Principalmente, o fato de que
destas instituições pouco mudaram em cotidianamente – e até diversas vezes
termos do seu receituário, exigindo privadas, premiando em frações de segundo – elas atuam
como condições para os empréstimos, em um verdadeiro cassino financeiro,
em larga medida, a não-intervenção diretamente os apostando sobre a rentabilidade da
no câmbio e no fluxo de capitais, riqueza produzida pelo trabalho de
a redução de gastos públicos e o agentes financeiros bilhões de trabalhadoras e trabalhadores
controle da inflação através dos
juros. Por outro lado, países como que criaram as ao redor do mundo. Milhões dos quais
perderam seus empregos por conta
os Estados Unidos, que, por acúmulo
de reservas ou por emitirem moeda
bolhas especulativas, das recessões causadas pelas crises
financeiras, consequência direta deste
sistemicamente importante, tiveram
relativa autonomia no desenho de seus
é possivelmente cassino financeiro. Seria de se esperar que
esta trama macabra fosse alvo de críticas
programas de recuperação econômica,
adotaram de forma diversificada:
uma das maiores generalizadas no sentido de, pelo menos, a
revisão das atuais práticas. No entanto, em
altíssimos investimentos para “salvar” subversões de junho de 2012, a desregulação financeira
instituições, bancos e empresas que continua amplamente praticada, os
haviam investido na especulação; valores da história da programas de austeridade fiscal marcam
políticas de alívio quantitativo para a tônica dos programas de recuperação
desvalorização cambiária (tornando economia mundial no econômica de uma Europa em recessão
suas exportações mais competitivas); e com graves crises de dívidas soberanas
controles de capitais (como o Brasil, último século”. e as IFIs passaram de moribundas a
na tributação unilateral das transações fortalecidas e re-capitalizadas.
financeiras através do IOF2); e políticas estavam altamente comprometidos pelos
fiscais contra-cíclicas (diminuindo ativos tóxicos que vieram à tona com A reinvenção das IFIs - A rapidez com
a arrecadação através de isenções o estouro de bolhas especulativas em que os ideólogos do sistema que trouxe
de impostos direcionadas a setores 2008 –, as perdas privadas dos mercados o mundo à atual crise se reinventaram
específicos e aumentando o gasto financeiros foram socializadas. Ou seja, é assustadora. Por um lado, corporações
público para aquecer a economia), elas foram assumidas amplamente pelos financeiras privadas - como as agências
dentre outras. cofres públicos através da compra de de avaliação de risco que, antes do
A diferença no trato dos problemas ativos financeiros tóxicos (sem real colapso financeiro, recomendavam
15
16. o investimento nos ativos que, mais mas na prática obrigatórios aos bancos criação de commodities a partir destes
tarde, se mostraram “tóxicos” - não que queiram manter a credibilidade no recursos e promove os mecanismos de
perderam sua credibilidade. Ao contrário, sistema. Este conjunto de propostas mercado como a solução para a crise
seguem avaliando o risco não só de mantém uma falha fundamental dos ambiental. Estas novas commodities,
ativos financeiros privados, como dos Acordos anteriores: regula as instituições baseadas na chamada “indústria de
títulos de dívida pública – uma boa financeiras bancárias e não o sistema serviços ambientais”, constituem uma
parte dos quais foram emitidos para bancário sombra, onde circulam os nova fronteira de especulação para os
financiar a recuperação econômica derivativos e ativos do mercado de balcão, mercados financeiros, uma verdadeira
e salvar os mercados financeiros. instrumentos financeiros que causaram o privatização financeira dos bens
As demais corporações financeiras colapso financeiro de 2008. comuns. Este é somente um exemplo de
continuam com seu comportamento Por outro lado, apesar do mandato como as IFIs representam os interesses
especulativo, apostando no cassino do G20 para a execução de estudos das elites financeiras na agenda da
financeiro, quase nada re-regulado sobre a regulação financeira, o FSB e chamada “economia verde”.
desde 2008. De concreto, nenhuma a Iosco não têm capacidade legal de
iniciativa multilateral coordenada de implementação de suas recomendações. Ocupar a arquitetura financeira
peso no sentido da regulação vem Estas IFIs, que junto com o FMI, internacional - Desde 2008, diversas
sendo implementada pelas IFIs. Pelo saíram fortalecidas como pilares da mobilizações de massa, como a
contrário, o FMI, por exemplo, tem arquitetura financeira internacional, Primavera Árabe, o movimento dos
resistido a apoiar o controle de capitais são representativas do nível de Indignados na Europa e os movimentos
como medida necessária para conter captura das elites financeiras sobre as de Ocupação nos Estados Unidos,
a volatilidade dos fluxos financeiros, institucionalidades estabelecidas. têm se organizado para resistir e
e tem - menos ainda - permitido denunciar a impunidade dos artífices
tal política aos países que recebem Novas fronteiras de acumulação da crise e dos impactos devastadores
seus empréstimos. Outras IFIs, menos As IFIs não têm sido instrumentais do colapso financeiro e econômico
conhecidas, não têm agido de forma somente na manutenção do status na vida dos povos em todo o mundo.
diferente, como o Comitê de Basiléia, quo da governança econômica global, No entanto, a euforia econômica dos
o Conselho de Estabilidade Financeira da desregulação financeira e das países emergentes, as mentiras da
(FSB, sigla em inglês), a Organização políticas econômicas neoliberais. Já mídia corporativa e a captura das IFIs
Internacional das Comissões de Valores é de amplo conhecimento o efeito pelas elites financeiras têm mascarado
(Iosco, sigla em inglês) e o Banco nefasto que a especulação financeira a continuidade das instabilidades
de Compensações Internacionais sobre as commodities agrícolas tem sistêmicas e dificultado a globalização
(BIS, sigla em inglês). Em termos de tido na elevação dos preços dos das lutas na extensão necessária
governança, elas nada mais fizeram do alimentos e, consequentemente, na para a transformação. Denunciar
que, em alguns casos, incorporar os segurança alimentar das populações estas contradições é um dos passos
países do G20 que não faziam parte de mais vulnerabilizadas. Agora, através fundamentais neste sentido.
seus corpos diretivos, sem melhorar em de alguns de seus programas, as
nada a prestação de contas ao público. IFIs têm apoiado a criação de novas
Assim como é o caso do próprio G20, commodities, novas fronteiras de * Diana Aguiar é Mestre em Relações Internacionais
a inclusão dos países emergentes e acumulação dos mercados financeiros pela PUC-Rio e facilitadora do Grupo de Trabalho sobre
grandes economias regionais nestas via especulação desregulada. Arquitetura Econômica Internacional (GT-AEI) da Rede
IFIs, longe de significar uma mudança O Banco Mundial, por exemplo, Brasileira pela Integração dos Povos (Rebrip)
de paradigma, tem servido como através de seu programa Contabilidade – dianaguiar@gmail.com
elemento fragmentador das perspectivas de Riqueza e Valoração de Serviços
do Sul Global – entre os que foram do Ecossistema (cuja sigla em inglês é NOTAS E referências bibliográficas
1 Nuria Molina-Gallart e Bhumika Muchhala. Strings Attached:
falsamente incluídos e os que ficaram Waves), em parceria com o Programa How the IMF’s Economic Conditions Foil Development-Oriented
de fora – facilitando, acima de tudo, a das Nações Unidas para o Meio Policies for Loan-Borrowing Countries. Third World Network,
2010.
manutenção do status quo no conteúdo Ambiente (Pnuma), tem promovido
político e forma de trabalho. a atribuição de valores monetários 2 Bretton Woods Project. IMF policy recommendations: not
O Comitê de Basiléia para a regulação aos recursos naturais para fins de enough change after the crisis. Bretton Woods Update, No 80,
Março/Abril, 2012.
bancária sistematizou os Acordos de contabilidade nas contas públicas
Basiléia III – em teoria voluntários, nacionais. Desse modo, favorece a 3 Imposto sobre Operações Financeiras.
16
17. Lúcia Ortiz e Winnie Overbeek* Contra Corrente
Valorando
Amigos da Terra Internacional
o que não tem valor
As IFIs, especialmente o Banco Mundial,
têm um papel decisivo na construção da
nova arquitetura financeira mundial
que especula a natureza
Q
uando o tema é financeirização
e Instituições Financeiras
Internacionais (IFIs), temos que
voltar para o início dos anos de 1970.
Naquela época, a economia capitalista
entrou em crise e as taxas de lucros das
grandes empresas caíram. Em busca de
encontrar novas formas de acumulação
de capital e lucros, o governo dos
Estados Unidos decidiu não mais aceitar
O descaso das empresas e a falta de fiscalização do governo causaram a morte
a conversibilidade entre o dólar e o de 40 mil peixes de criação: fim do sonho
ouro, o que representou o fim do sistema
monetário internacional tendo o ouro
como lastro. Até então, o dinheiro em
circulação era, sobretudo, capital que foi desenvolvido o conceito de serviços
resultava de atividades produtivas reais, ambientais e o de pagamento por
por exemplo, da produção industrial. Mas serviços ambientais. o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
a partir daquele momento, começou a Em ambos os casos, constatamos que, (MDL). Nascia ali o mercado de carbono,
circular cada vez mais dinheiro na forma com o aval das IFIs (principalmente um mercado especulativo, virtual e,
de diversos papéis, o chamado capital do Banco Mundial), as crises foram sobretudo, bastante lucrativo. O MDL
especulativo. Hoje em dia, o valor do capital transformadas em oportunidades criou como lastro projetos realizados nos
especulativo já supera em várias vezes o especulativas1. O Protocolo de Quioto países do Sul, que não são decididos pelas
valor do capital produtivo. É a lógica de obrigou, em 1997, países industrializados comunidades diretamente impactadas
ganhar dinheiro «sem fazer nada». do Norte Global a reduzirem suas e que, por sua vez, não têm nenhuma
Também nos anos de 1970 veio à tona emissões de gases de efeito estufa, responsabilidade pelo problema da
uma outra crise: a ecológica. O grande principalmente o carbono. No entanto, a poluição da atmosfera, configurando mais
capital afirmava, já naquela época, meta de redução média de 5% em relação uma situação de Injustiça Ambiental.
que a maior causa da destruição da às suas emissões no ano de 1990 pode
natureza era que ela não tinha valor; ser considerada irrisória. Mais grave A falácia do “aprendendo-fazendo”
que se tivesse um preço e o «capital ainda é o fato do protocolo permitir O Banco Mundial quis ser pioneiro nesse
natural» fosse incluído na economia, formas de compensação pela continuada novo mercado de carbono e ampliá-lo
o que ainda restava da natureza emissão de carbono se algum país do para mercados voluntários, para além
poderia ser preservado; se não, o ser Norte não “conseguir” cumprir com suas do MDL e, desde o final dos anos de
humano destruiria tudo. Nessa linha, obrigações. Uma das principais formas é 1990, criou vários fundos, dentre eles
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