[1] Este documento discute os conceitos de causalidade, aleatorização e validade no contexto de métodos de pesquisa em psicologia.
[2] Apresenta quatro condições necessárias para estabelecer uma relação causal e discute como manipular e isolar variáveis independentes em experimentos.
[3] Também explica como a aleatorização garante a equivalência estatística entre grupos experimentais e controles, aumentando a validade interna da pesquisa.
1. Causalidade, aleatorização e
validade
Métodos de Investigação em Psicologia
Universidade Autónoma de Lisboa
Professora Doutora Célia M.D. Sales
1 Célia Sales - UAL Mar-10
2. Conteúdos:
Paradigma Experimental
1. Conceitos básicos:
• Relação causa-efeito
• Níveis da Variável Independente; Condições experimentais
• Variáveis parasitas
2. Aleatorização:
• Da população à amostra
• Da amostra às condições experimentais
3. Validade:
• Conceito, Tipologia, Ameaças à validade interna
2 Célia Sales - UAL Mar-10
3. Causalidade
Estabelecer uma relação de causa-efeito entre duas
variáveis
Que condições são necessárias?
Exemplo:
Hipótese: Estudar Psicologia faz crescer as unhas
3 Célia Sales - UAL Mar-10
4. 4 condições para a causalidade (John
Stuart Mill, 1885)
Todas as outras
Covariação explicações para
(associação esta relação
Ordem Lógica: causa-efeito têm
estatística):
temporal: Existe uma de ser
Mudanças no
A causa (VI) explicação lógica “derrotadas”:
valor da VI são
acontece antes para a relação segurança de que
acompanhadas
do efeito (VD) entre as variáveis a VI, e apenas a
por mudanças no
valor da VD VI, é a causa das
mudanças na VD
4 Célia Sales - UAL Mar-10
5. Isolar a causa
Mill propõe, para isolar a causa, que se comparem duas condições:
Condição em que a
causa está presente Grupo (Estuda Psicologia)
EXPERIMENTAL
Condição em que a
causa está ausente Grupo de (Não estuda Psicologia)
CONTROLE
Criar, “artificialmente”, situações em que “activamos e desactivamos” a
suposta causa.
5 Célia Sales - UAL Mar-10
6. Isolar a causa manipulação da VI
A causa (VI) é manipulada, i.e., faz-se variar de forma deliberada
As manipulações da VI = níveis da VI
A manipulação mais simples corresponde a fazer variar a VI entre
presente e ausente (2 níveis):
1. Estudar Psicologia
2. Não estudar Psicologia
Pode haver mais níveis da VI:
1. Estudar Psicologia mais de 5 minutos por dia 3 níveis ou
2. Estudar Psicologia até 5 minutos por dia condições
3. Não estudar Psicologia experimentais
6 Célia Sales - UAL Mar-10
7. Teoricamente…
Se os grupos forem exactamente iguais
Se a única variação sistemática entre os
grupos for a exposição ao tratamento (VI)
As diferenças encontradas (na VD) depois
da exposição ao tratamento, são um
EFEITO CAUSADO pelo tratamento
7 Célia Sales - UAL Mar-10
8. Na realidade…
Não é possível a equivalência total dos grupos!
Porquê?
8 Célia Sales - UAL Mar-10
9. Variáveis envolvidas numa relação
causa-efeito (Kish, 1987)
Variáveis envolvidas na relação
causa-efeito: São a variável de
tratamento (ou VI) e a variável
Explicativas de resposta (ou VD)
Variáveis
Estranhas
ou Parasitas Variáveis que estão presentes e
induzem o investigador em
erro: influenciam a VD
9 Célia Sales - UAL Mar-10
10. Variáveis parasitas. Exemplo:
(adaptado de Sani & Todman, 2006)
Hipótese: As pessoas de bom humor conseguem realizar
melhor tarefas intelectuais
VD: Desempenho intelectual, medido por um teste de
raciocínio lógico, após exposição ao tratamento
VI: Estado de humor. Dois grupos experimentais:
Grupo A (“bom humor”) –Vê um vídeo divertido
Grupo B (“humor neutro”) – vêum vídeo com conteúdo
emocional neutro
Previsão: Se as pessoas de bom humor têm melhor
desempenho em tarefas intelectuais, então o Grupo A terá
mais respostas certas no teste do que o Grupo B.
10 Célia Sales - UAL Mar-10
11. Variáveis parasitas. Exemplo:
(adaptado de Sani & Todman, 2006)
Imaginemos que por conveniência de horário, o Grupo A
realizou-se de manhã e o Grupo B realizou-se depois do
almoço (Sopa da Pedra e Cozido à Portuguesa, acompanhado
com vinho tinto Dão; à sobremesa, arroz doce e farófias)
A variável “azia” será muito provavelmente uma variável parasita
–Vai influenciar o desempenho no teste do grupo B...
As diferenças entre os dois grupos devem-se à VI (bom humor)
ou à variável parasita “azia”?
Solução: CONTROLAR AS VARIÁVEIS PARASITAS, através
de opções no desenho de investigação.
11 Célia Sales - UAL Mar-10
12. Variáveis envolvidas numa relação
causa-efeito (Kish, 1987)
V.
VI e VD
Explicativas
Variáveis V.
V. Estranhas Controladas
ou parasitas V. Não
controladas
12 Célia Sales - UAL Mar-10
13. Há variáveis parasitas que não podemos
controlar através do desenho metodológico
Suponhamos que o estudo do exemplo anterior usava, como
participantes, os estudantes do 1º ano de Psicologia da UAL. Por
uma questão de facilidade, colocava os alunos de cada turma em
cada grupo (Turma pós laboral=grupo A “bom humor”; Turma
diurna=grupo B “humor neutro”)
Na noite anterior, a turma diurna foi fazer uma festa fantástica e
não dormiu praticamente nada. No dia do estudo, os alunos não
conseguiam concentrar-se para responder ao teste, devido ao
cansaço.
13 Célia Sales - UAL Mar-10
14. Há variáveis parasitas que não podemos
controlar através do desenho metodológico
O experimentador não teve conhecimento da variável
“cansaço” que influenciou sistematicamente a
performance do grupo B.
Como a desconhecia, não podia controlá-la
Haverá uma influência sistemática na VD (desempenho no
teste) provocada por uma variável (cansaço) que não é a VI.
Erro sistemático
Vai influir significativamente nos resultados
Se os alunos tivessem sido distribuídos ao acaso entre os
dois grupos, o efeito desta variável seria anulado
O erro continuaria a existir mas não seria sistemático
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15. Problema grave!
Há tantos outros factores que podem contribuir para o
desempenho numa prova de raciocínio lógico
Escolaridade, o stress…
Como podemos ter a certeza que foi o humor e não outro
factor que aumentou a performance de raciocínio?
NÃO PODEMOS!!!
No entanto, temos que ter a certeza de que, à partida, os
dois grupos a comparar são iguais em tudo, excepto na VI…
15 Célia Sales - UAL Mar-10
16. Solução
Distribuir os participantes pelos grupos, seleccionando-os ao
acaso (distribuição aleatória)
As infinitas características que afectam a VD (ex: stress, cansaço,
escolaridade, etc) variam de forma não-sistemática
Tendencialmente, nenhuma característica prevalecerá sobre as
outras
Equivalência estatística dos grupos
16 Célia Sales - UAL Mar-10
17. Aleatorização (“randomization”)
Permite:
Generalizar os resultados dos estudos
Garantir a igualdade das condições experimentais
17 Célia Sales - UAL Mar-10
18. Condições
População Amostra Experimentais
A B
A = Selecção da amostra, a partir da população (amostragem)
B = Distribuição dos participantes da amostra pelas condições experimentais
18 Célia Sales - UAL Mar-10
19. A aleatorização significa fazer depender totalmente do acaso as
decisões, tanto em A como em B.
A = Selecção aleatória (“random selection”) = Seleccionar
aleatoriamente, do total da população em estudo, os
elementos que vão participar no estudo, i.e., a amostra
Depois de obtida a amostra, procede-se a:
B = Distribuição aleatória (“random assignment”) dos
participantes pelas condições experimentais
19 Célia Sales - UAL Mar-10
20. Aleatorização
Condições
População Amostra Experimentais
A B
Garante que a amostra é estatisticamente
equivalente (representativa) da população Garante que cada grupo é estatisticamente equivalente
à amostra, logo, os grupos são equivalentes entre si
20 Célia Sales - UAL Mar-10
21. Distribuição aleatória nos
desenhos experimentais
No delineamento de estudos experimentais, para se garantir
a equivalência estatística dos grupos, o processo B é aleatório,
i.e., faz-se depender do acaso
“A aleatorização geralmente implica uma distribuição similar
das características dos sujeitos em cada grupo e, por tanto,
facilita a inferência causal. Se o número de sujeitos é grande,
é improvável que os grupos difiram com respeito a alguma
característica que possa afectar os resultados em estudo” (Ato
Garcia, pp. 52, 54)
21 Célia Sales - UAL Mar-10
22. Resumindo…
A aleatorização serve para garantir que, a partida os grupos a
comparar são similares em todas as variáveis, excepto na variável
de tratamento
Permite assumir a equivalência dos grupos, mesmo que não se
possam controlar as variáveis “parasitas”
Transforma o erro sistemático, em erro aleatório (que não afecta
significativamente os resultados)
22 Célia Sales - UAL Mar-10
23. Variáveis envolvidas numa relação
causa-efeito (Kish, 1987)
V. Explicativas VI e VD
Variáveis V.
Controladas
V. Estranhas V.
ou parasitas aleatorizadas
V. Não
controladas
V.
perturbadoras
23 Célia Sales - UAL Mar-10
24. Distribuição aleatória dos participantes
pelas condições experimentais
Exemplo da sua importância
Lanarkshire Milk Experiment, 1930
Avaliação dos benefícios nutricionais de dar leite às
crianças na escola (UK)
Exemplo descrito em Field & Hole, 2003
24 Célia Sales - UAL Mar-10
25. Lanarshire Milk Experiment
20 000 crianças
10 000 10 000
Não recebem leite na Recebem leite diariamente na
escola escola
5 000 5 000
Leite crú Leite pasteurizado
Identifique: 1) variável dependente; 2) variável independente; 3) dimensão da amostra; 4) condições
experimentais.
25 Célia Sales - UAL Mar-10
26. Lanarkshire Milk Experiment
Distribuição aleatória pelas condições experimentais, em
cada turma, realizada pelo professor
No entanto, era permitido que o professor fizesse
ajustamentos, se considerasse que havia demasiadas crianças
mal-nutridas ou bem alimentadas num grupo ou noutro
26 Célia Sales - UAL Mar-10
27. Lanarkshire Milk Experiment
Resultados:
O grupo de controle apresentou peso e altura superiores
Como interpreta este resultado?
27 Célia Sales - UAL Mar-10
28. Lanarkshire Milk Experiment
Haverá outra causa para este efeito? (que se “confunde” com o efeito da
VI)
Com que confiança podemos inferir que é a VI (leite), e apenas a VI,
que é responsável pelo efeito (menor crescimento)?....
VALIDADE DA INVESTIGAÇÃO
28 Célia Sales - UAL Mar-10
29. Validade
Validade da investigação: Segurança de que o efeito de
tratamento é estável e generalizável
Validade interna: grau de confiança com que se pode inferir que é a
VI, e apenas a VI, que é responsável pelo efeito (inferência causal)
Validade externa: grau de confiança com que se pode concluir se a
relação causa-efeito encontrada é ou não representativa, ou seja,
pode ser generalizada a outros contextos diferentes daquele
utilizado pelo investigador
29 Célia Sales - UAL Mar-10
30. Resumo
No paradigma experimental, a causalidade estabelece-se
mediante três estratégias:
1. Controle ou manipulação activa de (pelo menos) uma variável
independente ou de tratamento, através de diferentes condições
experimentais
2. Aleatorização
3. Outras técnicas para aumentar a validade da investigação
(técnicas para evitar as “ameaças à validade”)
30 Célia Sales - UAL Mar-10
31. Ameaças à validade interna
Hipóteses explicativas rivais à VI que, potencialmente,
podem explicar os resultados.
Ficamos na dúvida: O efeito deve-se à VI OU deve-se a….
EFEITO CONFUNDIDO COM O EFEITO DA VI
(Confoundind effect)
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33. História
Acontecimentos na vida dos participantes, entre o pré-teste e o
pós-teste, que podem causar efeitos que são confundidos com o
efeito do tratamento.
33 Célia Sales - UAL Mar-10
34. Exemplo da história como fonte de confundido
Férias
Nível de conflito Nível de conflito no
no casal casal
10 X 5 diminui 5 pontos
O conflito de casal diminui devido à terapia (VI) ou
devido às férias?
Mar-10 Célia Sales - UAL 34
35. Maturação
Processos de mudança internos do próprio participante,
associados à passagem do tempo, que podem alterar a
forma como responde no pré-teste e no pós-teste, sem no
entanto se deverem ao efeito do tratamento.
Factores de desenvolvimento (crescimento, envelhecimento,
doenças, etc)
Processos internos de curto prazo (fome, fadiga)
35 Célia Sales - UAL Mar-10
36. Exemplo da maturação como efeito de
confundido
1 ano depois
Nível dificuldade Nível dificuldade
de leitura de leitura
10 X 5 diminui 5 pontos
A leitura melhorou devido ao programa de estimulação (VI)
ou devido ao desenvolvimento cognitivo natural das crianças?
36 Célia Sales - UAL Mar-10
37. Administração de provas (“testing”)
A aplicação de uma prova, no pré-teste, pode influenciar a
resposta dos participantes no post-teste.
37 Célia Sales - UAL Mar-10
38. Exemplo de Administração de provas
como efeito de confundido
Questionário
Questionário
sobre atitude
activou a
face à
disponibilidade
cooperação
para ajudar?
Cooperação social Disponibilidade para doação
financeira
X
X = Vídeo de promoção de cooperação em África
38 Célia Sales - UAL Mar-10
39. Instrumentação
Efeitos provocados pelo processo / instrumentos de medida, que
se confundem com os efeitos do tratamento
Podem existir mudanças entre o pré e post teste que são devidas
a esta falta de precisão na medição, que se confundem com o
efeito da VI
Flutuação na precisão do instrumento que é usado para medir a VD
(Ex: balança descalibrada)
Se a medição é feita pelos investigadores (entrevistas, testes…),
poderá haver alterações devido ao cansaço do entrevistador, devido
ao treino de aplicação de testes, etc…
39 Célia Sales - UAL Mar-10
40. Exemplo de instrumentação como
fonte de confundido
Participantes não Agora já compreendem as
compreendem perguntas perguntas
do questionário
Nível de conflito Nível de conflito
no casal no casal
10 X 5 diminui 5 pontos
40 Célia Sales - UAL Mar-10
41. Mortalidade diferencial
Corresponde à “perda” de sujeitos, entre o pré-teste e o post-
teste.
As diferenças entre o pré e o pós teste são devidas ao efeito da VI,
ou devem-se à alteração do tamanho/natureza do grupo de
respondentes?
41 Célia Sales - UAL Mar-10
42. Exemplo de mortalidade diferencial
como fonte de confundido
Pacientes que abandonam o
tratamento não são medidos
no pós-teste
Nível de consumo Nível de consumo
de droga de droga
10 X 5 diminui 5 pontos
42 Célia Sales - UAL Mar-10
43. Regressão à média
Resultados extremos (muito elevados ou muito baixos) no pré-
teste, tendem a aproximar-se da média numa medição posterior
(e.g., pós-teste), devido ao acaso.
43 Célia Sales - UAL Mar-10
44. Exemplo da regressão à média como
efeito de confundido
Seleccionar participantes para um programa com base nos seus
resultados extremamente elevados ou extremamente baixos
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45. Exemplo de regressão à média como
efeito de confundido
Ano com nº de acidentes Diminuição de acidentes devido ao
particularmente elevado acaso (tendência a aproximar-se da
média)
Nº de acidentes de Nº de acidentes
carro de carro
100 X 50 diminui 50%
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47. Interacção entre selecção e tratamento
O tratamento só resulta num “tipo” de participantes
47 Célia Sales - UAL Mar-10
48. Reactividade
a ser “avaliados”.
1. Efeito Hawthorne: Participantes “melhoram” porque se sentem
especiais (“alguém se interessa por mim”)
2. Competição: “porque é que eles têm tratamento melhor que eu? Eu
já lhes digo…”
3. Efeito de desejabilidade social: Participantes dão as respostas que são
socialmente desejáveis
4. Apreensão da avaliação: As respostas dos participantes são afectadas
pela sua ansiedade em relação a estarem a ser “testados ou avaliados”
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49. Efeito do Experimentador
O experimentador pode, inconscientemente, enviezar os
resultados, pela forma como interage com os participantes
Rosenthal (1966)
Rosenthal & Rosnow (1969)
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50. Reactividade e efeitos do
experimentador: como evitar
“double-bind technique”
Nem experimentador, nem participantes conhecem:
as hipóteses experimentais
a condição experimental em que está o participante
50 Célia Sales - UAL Mar-10
51. Efeitos de ordem
A ordem de aplicação de instrumentos / procedimentos de
medida pode afectar as respostas de uma forma sistemática.
Soluções técnicas:
Aleatorização da ordem de aplicação
“Counterbalancing”
(Falaremos com maior detalhe quando abordarmos os desenhos experimentais)
51 Célia Sales - UAL Mar-10
52. Leituras de apoio
Ato García (1995). Conceptos básicos. In Maria Teresa
Anguera et al. (Eds.), Métodos de investigación en Psicología
(pp.45-58). Madrid: Sintesis.
Field, A., & Hole, G. (2003). How to design and report
experiments (pp. 54-63). London: Sage.
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