Este documento discute três assuntos principais:
1) O lançamento do CD-ROM "Direito Sanitário para a Cidadania", que usa o personagem Inspetor Silva para ensinar conceitos de direito sanitário de maneira lúdica e acessível ao público leigo.
2) O curso "Bases Legais para as Ações de Saúde", promovido pela Fiocruz-Brasília e Secretaria de Saúde do DF, que capacitou profissionais da vigilância sanitária do DF e resultou no desenvolvimento do CD-ROM
1. NESTA EDIÇÃO
Bem-vindos,
farmacêuticos!
Presença na
Atenção Básica
abre novo ciclo
para a profissão
Nº 47 • Julho de 2006
Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos
Rio de Janeiro, RJ • 21040-361
www.ensp.fiocruz.br/radis
2. Inspetor Silva,
um cidadão vigilante
deral, “que estava dispersa, dificultan-
O inspetor Silva está chegando.
Quem nunca ouviu falar dele terá
a oportunidade de conhecê-lo a par-
do a consulta de quem trabalha na área”,
segundo a coordenadora do projeto,
Maria Célia Delduque, advogada.
tir de julho, quando será lançado o O curso Bases Legais teve como
CD-ROM Direito sanitário para a Cida- alunos profissionais das atividades-
dania, experiência de comunicação em meio da vigilância sanitária do DF.
saúde surgida a partir do curso Bases “Nosso objetivo foi capacitar esses
Legais para as Ações de Saúde, pro- trabalhadores porque entendemos
movido pela Fiocruz-Brasília e a Secre- que a ação de vigilância sanitária se
taria de Saúde do Distrito Federal. dá em diversos momentos, e não ape-
No CD, o personagem principal nas nas fiscalizações de campo”, diz
(criado e desenvolvido pelos alunos o diretor de Vigilância Sanitária do
em sala de aula) está envolvido em DF, Laércio Cardoso.
situações corriqueiras, que ressaltam Além de mergulhar no universo
a importância da Vigilância Sanitária das leis, os alunos tiveram noções de
para a saúde das pessoas e como ins- comunicação e pensaram na melhor
trumento de cidadania. É possível, por forma de informar à população sobre
exemplo, ver o inspetor Silva dando as ações de saúde. Diversas reuniões
orientação em casos variados, como definiram nome e perfil do inspetor
a venda de remédios sem receita e dos demais personagens, como tam-
médica, a compra de um simples ca- bém os temas que seriam abordados.
chorro-quente naqueles carrinhos O curso resultou ainda num livro pre-
espalhados por todas as cidades, o parado pelos alunos, Questões atuais
correto tratamento do lixo hospita- de direito sanitário, do qual a Radis
lar, os cuidados com a saúde do tra- tratará na próxima edição.
balhador, a vacinação de animais. O CD-ROM será distribuído gra-
A linguagem é leve e bem-humo- tuitamente a profissionais e estabe-
rada, como nos desenhos animados ou lecimentos do Distrito Federal que
quadrinhos. O CD-ROM vai além: compi- trabalhem com produtos e serviços
la a legislação sanitária do Distrito Fe- ligados à vigilância sanitária. (W. V.)
3. editorial
Nº 47 • Julho de 2006
Início do início do início
A imagem da capa é uma mandala con
cebida pelo editor de arte para sim-
bolizar o futuro dos nossos sonhos.
cos de células privados fazem propa-
ganda enganosa sobre congelamento
de células de cordão umbilical. A es-
Comunicação e Saúde
• Inspetor Silva, um cidadão vigilante 2
Como no tempo em que o brasileiro perança em torno das células-tronco
estiver alimentado adequadamente, li- foi utilizada como cortina de fumaça Editorial
vre de desigualdades e beneficiado na Lei de Biossegurança, para aprovar
• Início do início do início 3
pelas terapias com células-tronco, te- pesquisas e comercialização de orga-
mas que são abordados nesta edição. nismos geneticamente modificados (os
Segundo o IBGE, 72 milhões de transgênicos), argumentam debatedores Cartum 3
brasileiros enfrentam situações de in- de oficina promovida pelo Projeto
segurança alimentar, 39,5 milhões em Ghente, da Fiocruz, que promove estu-
grau considerado grave. Campanhas da dos sociais, éticos e jurídicos sobre
sociedade, políticas de governo e uma acesso e uso de genomas em saúde.
proposta de Lei Orgânica de Seguran- Pesquisadores que obtiveram su-
ça Alimentar e Nutricional são o início cesso injetando células em voluntários Cartas 4
de um futuro diferente. com doenças do fígado e do coração
No debate sobre determinantes dizem que ainda não conhecem os me- Súmula 6
sociais da saúde, reduzir desigualda- canismos que produziram melhoras nos
des requer ações que fortaleçam a ca- pacientes. O Ministério da Saúde finan-
pacidade de decisão dos indivíduos, cia pesquisa com 1.200 pacientes Toques da Redação 7
construção de redes entre as comu- cardiopatas, em diversas instituições,
nidades vulneráveis, políticas públicas para aprimorar esses estudos e ofere- Células-tronco
intersetoriais de melhoria das condições cer, no futuro, o tratamento pelo SUS.
• Falta consenso, sobra esperança 8
de vida e mudanças macroeconômicas As questões éticas são controver-
e culturais para um desenvolvimento sas, especialmente no que diz respeito
com distribuição de riquezas. à regulação de clínicas de reprodução Comissão Nacional Sobre
No imaginário estimulado pela assistida, à socialização do conhecimen- Determinantes Sociais da Saúde
mídia, as terapias com células-tron- to existente, à informação para a parti- • Compromisso com a ação 12
co vão acabar com doenças incurá- cipação consciente em experimentos,
veis. E a sensação é de que já chega- aos aspectos éticos e morais nos pro-
mos lá. Avanços anunciados pelo cedimentos de cada pesquisa.
sul-coreano Woo-Suk Hwang, por Estamos apenas no começo.
exemplo, tiveram mais repercussão do
que a constatação de que suas des- Rogério Lannes Rocha Lei de Segurança Alimentar
cobertas se tratavam de fraudes. Ban- Coordenador do RADIS • A gente não quer só comida 15
Entrevista: Chico Menezes
• “A alimentação é um direito
C a rt um fundamental” 17
Serviço 18
Pós-Tudo
• Atenção básica abre novo ciclo
para o farmacêutico 19
Capa Aristides Dutra
A mandala da capa foi produzida a partir
de gráficos de fractais
Ilustrações Cassiano Pinheiro (C.P.) e
C.P./A.D. Aristides Dutra (A.D.)
4. RADIS 47 JUL/2006
[ 4 ]
C A RTA S
C RIANÇA FELIZ que deve passar por um processo de REMÉDIOS SUPERFATURADOS — RÉPLICA 1
reestruturação. Analisando a forma-
A chei inteligente e atualizada a ma-
téria da edição nº 44, sobre os di-
reitos da criança e do adolescente.
ção acadêmica dos profissionais de
saúde e o atendimento nas unidades,
vê-se a necessidade de mudanças de
C om relação à entrevista publicada
na Radis, em que o sr. Antonio
Barbosa, presidente do Conselho
Sou assistente social da saúde e tra- atitudes de muitos profissionais que, Regional de Farmácia do Distrito Fe-
balho na Casa do Adolescente do na verdade, fazem parte do SUS ape- deral [N. R.: também coordenador
Grajaú, em São Paulo, desenvolvendo nas para ocupar espaço. O usuário do Idum], cita o anti-hipertensivo
terapia comunitária com adolescentes, clama por assistência humanizada. (...) Naprix como um dos medicamentos
pais e educadores. Temos assento no Para isso, o SUS tornará seus que teriam sofrido reajustes de pre-
Fórum de Defesa dos Direitos da Cri- princípios e diretrizes mais presen- ços de até 954% nos últimos 10 anos,
ança e do Adolescente do Grajaú. tes e mais eficazes quando passar por a Libbs Farmacêutica gostaria de es-
• Maria Lucia B. Santos, São Paulo uma reforma íntima, a fim de que se clarecer que o Naprix foi lançado no
forme um profissional conhecedor do mercado em agosto de 2000, ou seja,
A REFORMA “ ÍNTIMA ” DO SUS sistema de saúde. A grade curricular, há pouco mais de cinco anos, nas
com raríssimas exceções, é voltada apresentações 2,5 mg com 20 com-
para o profissional tecnicista e com primidos e 5mg com 20 comprimidos,
carga enorme de preconceito com aos preços máximos ao consumidor
a saúde pública. O “profissional de R$ 11,60 e R$ 21,60, respectiva-
neoliberal” ocupará os espaços. (...) mente. Queremos também comple-
Assim, não existirá “reforma da re- mentar que todos os reajustes de
forma” sem a reforma íntima, passan- preços feitos pela Libbs estão per-
do por uma análise profunda dos feitamente de acordo com as nor-
nossos atos, em prol daqueles que mas da Anvisa. (...)
confiam no “dotô”. • Alcebíades de Mendonça Athayde
A partir de 2000, os grandes pensa-
dores da área da saúde vêm pre-
gando “a reforma da reforma” do SUS,
• Romeu Costa Moura, fisioterapeu-
ta, pós-graduado em Saúde Pública,
Guanambi, BA
Junior, diretor de marketing da Libbs
Tréplica do Idum — O Instituto Brasi-
leiro de Defesa dos Usuários de Me-
dicamentos (Idum) reafirma todos os
dados sobre os aumentos de preços
expediente dos medicamentos de novembro de
1995 a fevereiro de 2005, com rea-
Reportagem Katia Machado (subeditora), justes de até 954%. O que mais subiu
Claudia Rabelo Lopes, Wagner de preço foi o Naprix, do Libbs. Os
Vasconcelos (Brasília), Bruno dados foram extraídos da Revista
Camarinha Dominguez e Júlia
Gaspar (estágio supervisionado) ABCFarma (órgão oficial de preços da
Arte Aristides Dutra (subeditor) e indústria farmacêutica). A edição nº
Cassiano Pinheiro (estágio 52, de novembro de 1995, traz o
supervisionado) Naprix na página 77 com o preço de
RADIS é uma publicação impressa e online Documentação Jorge Ricardo Pereira,
da Fundação Oswaldo Cruz, editada pelo R$ 5,22. Portanto, já existia em 1995.
Programa RADIS (Reunião, Análise e Laïs Tavares e Sandra Suzano
A apresentação que o laboratório usa
Difusão de Informação sobre Saúde), Secretaria e Administração Onésimo
da Escola Nacional de Saúde Pública Gouvêa, Fábio Renato Lucas, para enganar a imprensa e o consu-
Sergio Arouca (Ensp). Cícero Carneiro e Mariane midor é diferente da pesquisada. Ou
Gonzaga Viana (estágio seja, usa as apresentações de 2,5 mg
Periodicidade mensal supervisionado)
Tiragem 47.500 exemplares e 5 mg, ambas com 20 comprimidos.
Assinatura grátis Informática Osvaldo José Filho e A apresentação pesquisada, no entan-
(sujeita à ampliação do cadastro) Mario Cesar G. F. Júnior (estágio
supervisionado) to, foi a de 0,5 mg com 30 comprimi-
Presidente da Fiocruz Paulo Buss dos. Que teve, sim, reajuste acumu-
Diretor da Ensp Antônio Ivo de Carvalho Endereço
Av. Brasil, 4.036, sala 515 — Manguinhos lado no período de 954%; a inflação
Ouvidoria Fiocruz Rio de Janeiro / RJ — CEP 21040-361 acumulada oficial medida pelo IPCA
Telefax (21) 3885-1762 Tel. (21) 3882-9118 foi de 197,45%, e o salário mínimo foi
Site www.fiocruz.br/ouvidoria Fax (21) 3882-9119 reajustado em apenas 250%.
PROGRAMA RADIS E-Mail radis@ensp.fiocruz.br
O Idum já enviou representação ao
Coordenação Rogério Lannes Rocha Site www.ensp.fiocruz.br/radis
Ministério Público Federal solicitan-
Subcoordenação Justa Helena Franco Impressão
Edição Marinilda Carvalho Ediouro Gráfica e Editora SA
do o cancelamento dos aumentos au-
torizados em março de 2006, pois os
considera abusivos. As provas dos re-
USO DA INFORMAÇÃO — O conteúdo da revista Radis sáveis pelas matérias reproduzidas. Solicitamos aos
pode ser livremente utilizado e reproduzido em qual- veículos que reproduzirem ou citarem conteúdo de ajustes do Libbs também foram en-
quer meio de comunicação impresso, radiofônico, nossas publicações que enviem para o Radis um exem- caminhadas ao MPF.
televisivo e eletrônico, desde que acompanhado dos plar da publicação em que a menção ocorre, as refe-
créditos gerais e da assinatura dos jornalistas respon- rências da reprodução ou a URL da Web. • Antônio Barbosa, coordenador
5. RADIS 47 JUL/2006
[ 5 ]
REMÉDIOS SUPERFATURADOS — RÉPLICA 2 vista, nem ter a informação a devida de Formação de Agentes Locais de
credibilidade. Nossas fontes: IMS- Vigilância em Saúde — e gostaria de
E m entrevista à Radis nº 45, página
31, o Sr. Antonio Barbosa, presi-
dente do Conselho Regional de Far-
Health, Ministério do Desenvolvimen-
to, Indústria e Comércio Exterior.
• Antônio Barbosa, coordenador
ver matéria sobre este importante
curso para agentes que desenvolvem
atividades de epidemiologia e vigilân-
mácia do DF, afirmou que o Interferom cia ambiental. Afinal, é um importan-
Peguilado custa ao fabricante apenas R ADIS “ GOVERNISTA ” te trabalho com agentes do SUS, tal-
R$ 4 e é vendido a quase R$ 1.000. vez o primeiro deste porte.
Como presidente da Associação Brasi- • Adaly Fortunato da Silva Junior, São
leira dos Transplantados de Fígado e Gonçalo, RJ
Portadores de Doenças Hepáticas
(TransPática), gostaria que a Radis ve-
rificasse esta informação, pois afeta
os portadores da hepatite C, com me-
dicamentos distribuídos pelo gover-
G ostaria de ver matéria sobre
hemodiálise. Milhões de pessoas
nem sequer têm noção do que seja
no. Creio que a Radis, como publica- isso. Estou fazendo treinamento numa
ção de instituição pública, tem o dever unidade de hemodiálise e é um setor
de verificar a informação antes de fascinante.
A.D./C.P.
colocá-la em sua revista, pois tem • Jaquelline Moura, técnica de nível
enorme efeito em seus leitores, devi- médio, Patos, MG
do à credibilidade da instituição e ao
R ADIS
grande alcance desta publicação.
• Ervin Moretti, presidente da Trans- S ou leitor das revistas Radis, Súmula
e Tema há muitos anos, talvez uns
AGRADECE
Pática, São Paulo
Tréplica do Idum — O Interferon
15. E nesse período percebi que man-
tinham linha dura com os governos
anteriores, estampadas inclusive nas
G ostaria de parabenizar a Radis pelo
excelente conteúdo e a facilida-
de de acesso à revista. Sendo univer-
Peguilado tem sua dosagem calculada capas. No entanto, percebi agora sitários (e conseqüentemente sem
em micrograma (1.000.000 de micro- que, após a eleição de Lula, esse muita grana no bolso), temos conteú-
gramas = 1 grama). De acordo com o enfoque mudou. Espero estar enga- do em nossa área de atuação sem cus-
preço, podemos observar que o grama nado, pois não gostaria de saber que to, o que valoriza a gente como estu-
custa em torno de R$ 5 milhões. E não a revista esteja afinada com um governo dante. Assinaturas são bem caras.
há nenhuma tecnologia que justifique. corrupto, incompetente e aliado a dita- • Edson Mascarenhas Cotta, Belo
O grama do ouro, por exemplo, custa dores como Hugo Chávez, Fidel Castro Horizonte
cerca de R$ 50. O do medicamento ci- (daquele país onde o povo é obrigado a
tado, R$ 5 milhões. Como é dosado em viver em condições medievais).
microgramas, o usuário não chega a
perceber a extensão absurda do pre-
ço. Portanto, ainda que houvesse ouro
• Cezar Santin, médico, Chapecó, SC
O leitor está de fato enganado. A
A Radis é a revista que eu procura-
va e não encontrava. Está sendo
de grande contribuição para a minha
ou diamante (não é caso) na fórmula, Radis, publicação que já alcançou a vida acadêmica.
o preço ainda seria absurdo. maturidade, não avalia governos, e • Paulo Henrique de Souza Rocha, Vi-
O que define o preço de um sim políticas de saúde segundo a sua tória da Conquista, BA
medicamento não é apenas a maté- observância à Constituição e aos prin-
ria-prima. A planilha de custo é as- cípios do SUS. No financiamento, por
sim composta: 15%, matéria-prima;
1,5%, embalagem/cartonagem; 30%,
marketing/comercial; 53,5%, pro-
exemplo, os investimentos da União
em saúde caíram de US$ 89,45 per
capita/ano em 1997 para US$ 48,37%
S ou estudante do curso técnico de
Gestão em Saúde. Fico sempre an-
sioso para ler as matérias desse peri-
dução/tecnologia/pessoal. em 2002, o que foi devidamente cri- ódico: não sei mais viver sem Radis
No caso dos medicamentos com ticado pela revista. Em 2005, ficamos todo mês.
patente o fabricante tem exclusivi- em US$ 62,67, bem distante do ne- • João Leopoldo V. Vargas, Juazeiro, BA
dade por cerca de 20 anos. Com o ar- cessário — igualmente criticado. A
gumento do custo da pesquisa, tam- bandeira atual do movimento da re-
bém superdimensionado, o remédio
pode custar milhares de vezes mais
do que o justo. É o caso do Interferon
forma sanitária é a aplicação na saú-
de de 10% das receitas brutas da
União, como prevê o PLC 01/03, que
S ou dentista, mas trabalho com pro-
moção da saúde em escolas no pro-
jeto chamado Dentescola, e adorei a
Peguilado. A indústria usa de muito regulamenta a Emenda Constitucio- revista.
marketing e até favorecimento a or- nal 29. E que infelizmente o Congres- • Katia Cristina M. Guerra, Rio de Ja-
ganizações para justificar os absurdos. so, não-pressionado pelo governo, neiro
Vale destacar que, neste caso específi- mantém engavetado há três anos.
co, a matéria-prima, por ter patente, NORMAS PARA CORRESPONDÊNCIA
tem o preço que seu fabricante bem NA PAUTA
entende, resultando nessa aberração. A Radis solicita que a correspondência
Aproveitamos para lamentar a
ausência de indignação do presidente
da TransPática, que em nenhum mo-
S ou biólogo sanitarista e trabalho
com controle de vetores pela
Funasa, cedido à Secretaria de Saú-
dos leitores para publicação (carta,
e-mail ou fax) contenha identificação
completa do remetente: nome, ende-
mento se mostra estarrecido com a prá- de de São Gonçalo/RJ, onde venho reço e telefone. Por questões de es-
tica da indústria, mas, ao contrário, desempenhando meu trabalho, ago- paço, o texto pode ser resumido.
insinua não ser séria a postura da re- ra como tutor do Proformar — Curso
6. RADIS 47 JUL/2006
[ 6 ]
SÚMULA
D IREITOS HUMANOS E FRUSTRAÇÃO tos das pessoas com deficiência e apoio cientistas com o andamento da CTNBio”,
a vítimas e testemunhas não recebe- diz a matéria. “Eles alegam que a nova
ram um real sequer”, reconheceu o composição dificulta uma discussão mais
ministro, que, segundo a matéria, tem objetiva”. Com a Lei de Biossegurança,
mantido postura suprapartidária e vem a composição da CTNBio foi ampliada
lutando no governo pelo crescimento de 18 titulares para 27. Além do “exces-
da pauta dos direitos humanos. so de democracia”, incomoda sobretu-
do a nomeação de representante do
M AIS ATENÇÃO À EPILEPSIA Ministério Público Federal para as-
sistir às reuniões — coisa que a lei já
permitia, mas nunca foi colocada em
C.P.
O ministro da Saúde planeja assi-
nar neste mês de julho portaria
que prevê uma estratégia de aten-
prática, em 11 anos da CTNBio. “Con-
sidero totalmente desnecessária a
presença de tal representante”, dis-
ção à epilepsia. A OMS faz campanha se Schneider. “É uma espécie de in-
há anos pelo fim do preconceito em tervenção numa comissão técnica,
relação à doença, que considera a algo totalmente sem sentido”. Em sua
condição neurológica grave mais co- carta de demissão, ele se refere às
mum do planeta. Em 2002 o Brasil ade- “tensas e intermináveis reuniões
riu ao processo, que supõe redução mensais, que não se esgotam”, in-
dos encargos econômicos, físicos e formou o jornal.
A frustração com o governo Lula foi
a tônica dos debates da 10ª Con-
ferência Nacional de Direitos Huma-
psicossociais que a epilepsia acarre-
ta. No 4º Workshop da Campanha Glo-
bal Epilepsia Fora das Sombras, na
Matéria anterior do Estadão diz
que, “para muitos cientistas”, a função
da procuradora Maria Soares Cardioli é
nos, em junho, pelas limitações na exe- Unicamp, em Campinas (SP), uma das “tumultuar e intimidar”. E mais: “As
cução das políticas públicas e pelo estratégias estudadas foi o atendimen- discussões estão emperradas. Um gru-
próprio modelo de desenvolvimento. to aos pacientes nas Unidades Básicas po que notadamente está lá para atra-
Alguns identificaram sinais de mudan- de Saúde, pois mais de 70% dos casos palhar, fica se atendo a picuinhas, e
ça depois que o ministro Paulo Vanuchi de epilepsia são tratáveis com medidas não se avança no principal”, desabafa
assumiu a Secretaria Especial de Di- simples. A mídia brasileira, que alimen- o pesquisador da Embrapa Edilson
reitos Humanos, em dezembro — as ta o preconceito, ignorou o encontro. Paiva, segundo a matéria.
críticas à gestão do ex-secretário Maria Soares determinou que os
Nilmário Miranda, histórico militante C AMISINHAS MADE IN X APURI integrantes fizessem declaração de
da causa, foram as mais duras, como conflito de interesse, para o caso de
também ao episódio do rebaixamento processos em que não poderiam atu-
da pasta, que de julho a dezembro de
2005 perdeu o status de ministério.
A avaliação da gestão Lula foi
O governo federal vai fabricar ca-
misinhas a partir de janeiro de
2007. A primeira fábrica estatal de pre-
ar por seus vínculos com a instituição
ou o cientista envolvido no assunto.
Segundo o jornal, “muitos ameaçaram
mais negativa do que a da época de servativos está sendo construída em não assinar”, mas o fizeram em duas
Fernando Henrique Cardoso. Para Caio Xapuri, no Acre, e vai produzir cami- versões: uma do MP e outra prepara-
Varela, do Instituto Nacional de Estu- sinhas com látex natural da seringuei- da pelos próprios integrantes.
dos Socioeconômicos (Inesc), a cam- ra nativa da Amazônia. Hospitais pú-
panha de combate à tortura sofreu duro blicos e centros de saúde receberão MORRE O PAJÉ TUCANO GABRIEL GENTIL
desmonte, perdendo até o telefone de o material gratuitamente.
ligação gratuita para denúncias de abu-
CNTB IO
so, disse à Agência Carta Maior. As ações
de defesa de crianças e adolescentes
EM MOMENTO DIFÍCIL
O pajé tucano Gabriel dos Santos
Gentil morreu no dia 27 de maio no
ameaçados também foram desarticula-
das. Campanhas como o Plano de Edu-
cação em Direitos Humanos e Brasil sem
O jornal O Estado de S. Paulo, histó-
rico defensor dos transgênicos e
crítico da reformulação da Comissão
Hospital João Lúcio, em Manaus. Em ou-
tubro de 2004 (Radis 26) ele recebeu o
título honorífico de “pesquisador emérito
Homofobia, sem recursos, tiveram pou- Técnica Nacional de Biossegurança no campo do conhecimento tradicional”
ca efetividade. “O problema do orça- (CTNBio) a partir da aprovação da Lei do Centro de Pesquisa Leônidas e Maria
mento é dramático”, justificou-se de Biossegurança, publicou várias ma- Deane (Fiocruz-Amazonas) e ganhou bol-
Vanuchi, “premido pelas questões fis- térias sobre “um clima de levante e in- sa para desenvolver seus projetos de
cais e a necessidade de superávit pri- dignação” entre seus integrantes. Em 2 pesquisa. Gabriel, que estudava a histó-
mário”. Somados os orçamentos da se- de junho, o vice-presidente da comis- ria de seu povo há mais de 30 anos, co-
cretaria e do Fundo Nacional da Criança são, professor Horário Schneider, espe- meçou a coletar mitos da tradição tucana
e do Adolescente, há R$ 100 milhões, cialista em genética, pediu afastamen- em 1969, em São Gabriel da Cachoeira
quando são necessários R$ 200 milhões. to e criticou o “excesso de reuniões”. (1.601 quilômetros a noroeste de Manaus,
“Programas como apoio à implantação “A saída de Schneider ocorre num pelo Rio Negro), a pedido do padre
de conselhos de promoção dos direi- momento de evidente insatisfação de salesiano Casimiro Béksta. Seu último li-
7. RADIS 47 JUL/2006
[ 7 ]
vro publicado foi Povo tucano — Cultura,
história e valores.
R EMÉDIO VENDIDO A R$ 1 É GRATUITO
O Globo de 31/5 publicou reporta-
gem afirmando que as farmácias po-
pulares do governo do Estado do Rio,
blica de assistência médico-sanitária
em São Paulo”. Com a grafia da épo-
ca, claro. Parabéns à revista.
que atendem pacientes acima de 60
anos, cobram R$ 1 por medicamentos
distribuídos gratuitamente em unidades EXCELENTE IDÉIA! — A Revista
do SUS. Inspeção do Tribunal de Contas Facultad Nacional de Salud Pública,
do Estado (TCE) descobriu que 43% dos da Universidad de Antioquia, Medellín,
remédios, entre os 44 oferecidos nes- Colômbia (www.udea.edu.co/), que o
sas farmácias, fazem parte da lista da RADIS recebeu em fins de maio, publi-
Assistência Farmacêutica do SUS, que ca em edição especial de março as
os fornece de graça à população. O “Memorias do 4º Congreso Internaci-
jornal afirma que o governo federal tam- onal de Salud Pública” (novembro/
bém cobra, nas farmácias populares, por 2005), cujo tema foi “Globalização,
medicamentos gratuitos do SUS. A far- Estado e saúde”. São 149 páginas com
mácia popular federal aceita receita de todas as palestras proferidas. Uma
qualquer médico, e a estadual, apenas publicação assim, com a íntegra das
de médicos do SUS. intervenções em conferências e con-
A.D.
gressos, seria de enorme utilidade
O S 7 ERROS DO E STATUTO para pesquisadores e profissionais de SAÚDE LEGIS NO AR — Já está dispo-
DA P ESSOA COM D EFICIÊNCIA saúde brasileiros. Uma dica: a publi- nível o Sistema de Legislação em Saú-
cação colombiana foi parcialmente de, o Saúde Legis (www.saude.gov.br/
financiada pela Opas/OMS. saudelegis), com 44 mil atos normativos
G eraldo Nogueira, vice-presidente
da Reabilitation International para
América Latina, em artigo no site do Ibase
Pelo menos os arquivos das
apresentações podem muito bem ser
divulgados nos respectivos sites, já
publicados desde 1947 no Diário Ofi-
cial da União (seções 1 e 2) e nos Bo-
letins de Serviço (por enquanto, es-
(www.ibase.org.br) de 22 de maio, enu- que se trata de tecnologia ao al- tão disponíveis apenas os textos
mera os sete pecados do Estatuto da cance do setor. Os organizadores da completos dos atos normativos publi-
Pessoa com Deficiência, em análise no 12ª Conferência Nacional de Saúde, cados a partir de 2003; os anteriores
Congresso Nacional. Ei-los, em resumo: por exemplo, prometeram que logo serão incluídos gradativamente). O
1) Terminologia inadequada, interpreta- todas as intervenções estariam na conteúdo está num banco de dados
ção equivocada de direitos e “muitos página da Doze na internet, o que único, o que facilita a pesquisa. A con-
padrinhos loucos para batizar logo as não aconteceu. sulta pode ser feita por tipo de nor-
crias”; 2) Estatuto soa excludente: se- Também a revista Salud Publica ma, número, data, assunto e órgão de
para direitos de leis que tratam a socie- — Escuela de Salud Publica, Facultad origem. Também será possível acessar
dade como um todo; 3) Deficiência é de Ciências Médicas, Universidad Na- o Saúde Legis no Portal da Saúde
condição humana que permeia as de- cional de Córdoba (www.unc.edu.ar) (www.saude.gov.br) e na Biblioteca
mais diferenças: idosos, jovens, etnia, —, que em abril enviou ao RADIS suas Virtual em Saúde (www.saude.gov.br/
religião, gênero ou orientação sexual edições de 2005, publicou número bvs). Futuramente o sistema incluirá
não devem estar afastados da realidade especial com as intervenções nas uma interface para pesquisas simultâ-
da pessoa com deficiência; 4) Estatuto Jornadas Internacionales de Salud neas no Saúde Legis e na base de da-
é instrumento jurídico estático e de Publica. Como diz o diretor da escola dos da Presidência da República, que
difícil alteração, ao contrário da lei, que em editorial, “todo evento científico abrange leis, decretos, medidas pro-
é dinâmica; 5) Um estatuto facilita con- tem por finalidade proporcionar es- visórias etc.
sulta de direitos, mas também ações de paço de participação e troca de ex-
lobby; 6) Lobistas poderão emperrar periências entre os profissionais in- ABRASCÃO: 8.380 TRABALHOS — Os
avanços no Congresso, alegando que teressados na temática”. É mais do 10 mil profissionais cadastrados no 8º
exigem revisão do estatuto; 7) O esta- que justo que, além dos participan- Congresso Brasileiro de Saúde Cole-
tuto se justificava quando o segmento tes, os “interessados na temática” tiva (www.saudecoletiva2006.com.br),
era minoria inexpressiva. Atualmente, as tenham acesso aos trabalhos apresen- o Abrascão, e no 11º Congresso Mun-
pessoas com deficiência somam 14,5% tados em eventos. dial de Saúde Pública, em agosto, no
da população, organizadas em dois mo- Rio de Janeiro, enviaram aos organi-
vimentos que se complementam e con- RSP 40 ANOS -— Ainda no capítulo das zadores — a Associação Brasileira de
tam com uma das legislações mais inclu- publicações: a Revista de Saúde Pú- Pós-Graduação em Saúde Coletiva
sivas das Américas. blica da Faculdade de Saúde Pública (Abrasco) e a Federação Mundial das
da USP comemorou seus 40 anos de Associações em Saúde Pública
existência com uma edição especial, (World Federation of Public Health
SÚMULA é produzida a partir do acom- que contém um capítulo com os “Clás- Associations) — 9.680 trabalhos. Desse
panhamento crítico do que é divulgado sicos dos primeiros dez anos”: “His- total, apenas 1.300 foram recusados.
na mídia impressa e eletrônica. tória da saúde pública no estado de Os restantes serão apresentados em
São Paulo” e “Situação da rêde pú- formato pôster ou oralmente.
8. RADIS 47 JUL/2006
[ 8 ]
CÉLULAS-TRONCO
Falta consenso,
sobra esperança
Bruno Camarinha Dominguez
e Claudia Rabelo Lopes
A
descoberta de que
eram fraudes os alar-
deados avanços obti-
dos pela equipe do
cientista sul-coreano Woo-
Suk Hwang nas pesquisas com
células-tronco embrionárias
obrigou a sociedade e os pró-
prios pesquisadores a reve-
rem as conquistas atingidas
na área (Radis 42). A popula-
ção se encanta com os anún-
cios de que as terapias com
células-tronco (ver box) são
a solução para acabar
com doenças incurá-
veis. Mas a impreci-
são de dados dos estu-
dos, com cientistas divergindo
entre si, demonstra a falta de
consenso na área. A polêmi-
ca é ainda maior quando en-
tram em pauta as discussões
éticas e legais. Para esclare-
cer a comunidade científica
sobre as possibilidades atuais
de aplicação de células-tron-
co no Brasil, os limites da téc-
nica e o uso seguro das tera-
pias, o Projeto Ghente —
Estudos sociais, éticos e ju-
rídicos sobre acesso e uso de
genomas em saúde —, da
Fiocruz, promoveu uma ofici-
na, em 18 de maio, no Audi-
tório do Museu da Vida.
A.D.
9. RADIS 47 JUL/2006
[ 9 ]
FOTO: CASSIANO PINHEIRO
Sob o tema “Células-tronco: Pos-
sibilidades, riscos e limites no campo
das terapias no Brasil”, o evento reu-
niu representantes dos campos da ci-
ência, da ética e do direito em três
mesas temáticas. Logo na primeira
mesa — “O estado da arte das pes-
quisas e terapias com células-tronco”
—, os palestrantes sentenciaram que
os procedimentos com células-tron-
co ainda não estão ao alcance da po-
pulação. “Estamos na fase de testes
e a aplicação deve demorar pelo me-
nos dois anos”, previu Ricardo Ribei-
ro dos Santos, coordenador do Insti-
tuto do Milênio de Bioengenharia
Tecidual da Fiocruz em Salvador. O
médico reforçou a importância da Herbert Praxedes, Heloísa Helena, Renata Parca, Marisa Palácios, Maria Cláudia
pesquisa básica, que serve para defi- Brauner e Sueli Dallari: visões diversas sobre a Lei de Biossegurança
nir métodos e teorias. Um histórico
apresentado pelo professor Antonio expressiva melhora, mas também não células-tronco no coração gerou uma
Carlos Paes de Carvalho, da Universi- provocou efeito colateral, três me- melhora significativa: os pacientes
dade Federal do Rio de Janeiro, ses após o procedimento. “Existe passaram a gastar mais energia e a
complementou a fala de Ricardo, uma tendência de recuperação e, consumir mais oxigênio. A isquemia foi
mostrando que já houve pelo menos principalmente, um crescimento da reduzida de 15% para 4,5%. Os doen-
três alterações nos paradigmas das qualidade de vida”, disse Ricardo, tes que sequer conseguiam concluir
terapias celulares. “Trabalhos apresen- para quem ainda falta conhecimen- o almoço sem parar para descansar e
tados em 2002 já foram contestados e to para explicar quais fatores provo- precisavam de ajuda até para tomar
não têm mais validade”, resumiu. caram alterações no organismo e de banho voltaram a ser independentes.
Uma dificuldade enfrentada pe- que modo. Ele ressaltou que as te- “O interessante é que muitos deles
los pesquisadores é que determina- rapias com células-tronco podem re- se separaram das mulheres,
das experiências não resultam em presentar o fim da fila para trans- provavelmente porque deixa-
dados concretos. Um desses casos é plante hepático. Entre 2004 e 2005, ram de depender delas”, brin-
o tratamento de pessoas com falên- das 221 pessoas à espera de um doa- cou, sob risadas da platéia.
cia do fígado, testado pela Fiocruz- dor, 30 morreram antes de conseguir Hans afirmou que a melhora é
Bahia em 10 pacientes que tiveram o transplante, citou. concreta, apesar de não se
cirrose ou hepatite C. A injeção de Outro teste com resultado posi- saber que mecanismo levou à recu-
células-tronco retiradas da medula tivo foi realizado pelo Hospital Pró- peração: “Não pode ser efeito
óssea na artéria hepática não gerou Cardíaco, no Rio de Janeiro. A insti- placebo, pois já dura quatro anos”.
tuição foi a primeira do mundo a Em suas falas, Ricardo e Hans lou-
Em 1998, surgiram os primeiros tra- tratar insuficiência cardíaca com cé- varam a iniciativa do “Estudo Multi-
balhos propondo que a injeção de lulas-tronco de medula óssea. Hans cêntrico Randomizado de Terapia Ce-
células-tronco retiradas da medu- Fernando Rocha Dohmann, diretor- lular em Cardiopatias”. A pesquisa, que
la óssea era capaz de reconstituir científico do Pró-Cardíaco, contou na envolve cerca de 1.200 pacientes,
o músculo esquelético lesado de oficina que a pesquisa teve início com está orçada em R$ 13,5 milhões, fi-
camundongos. Veio em seguida pacientes com doença coronariana nanciados pelo Ministério da Saú-
uma enxurrada de estudos afir- avançada, que já haviam sido subme- de, e prevê que, ao fim dos testes,
mando que determinadas células- tidos a cirurgia cardíaca e tomavam as diversas instituições envolvidas
tronco poderiam gerar não só altas doses de remédio. A injeção de apontem a usabilidade das terapias
músculo esquelético, como célu-
las de fígado, coração, neurônios.
Este paradigma prevaleceu até
2002, quando descobriu-se que o O que é célula-tronco
que se julgava um processo de
transdiferenciação era, na verda-
de, fusão celular: no fígado, por O professor Antonio Carlos Paes de
Carvalho, da UFRJ, abriu o even-
to dando a definição clássica de cé-
utilização do ponto de vista clínico
ainda está bastante distante, por-
que precisamos ter um controle so-
exemplo, a célula-tronco injeta-
da se fundia ao hepatócito, em lula-tronco: “Uma célula não-espe- bre a proliferação e a diferencia-
vez de se transformar — o que cializada com grande potencial de ção delas”, disse Antonio Carlos.
enganava os pesquisadores. Atu- auto-renovação, capaz de originar di- Já as adultas, usadas nas tera-
almente, ganha força o uso de ferentes tipos celulares no organismo”. pias, dão origem a células do mes-
fatores como a proteína timosina Podem ser obtidas do embrião, mo tipo. Pode haver risco de apa-
b4, e não mais de células-tronco, do feto ou do adulto. As embrioná- recimento de tumores, por isso é
o que não impede que haja con- rias são capazes de gerar qualquer essencial monitorar constantemen-
senso em torno dos benefícios da um dos tipos celulares presentes te o desenvolvimento das células-
injeção de células-tronco. nos tecidos do organismo. “Mas sua tronco aplicadas nos pacientes.
10. RADIS 47 JUL/2006
[ 10 ]
com células-tronco em pacientes é melhor ter essa lei aprovada do que portantes como “genitores” e “em-
com doenças do coração, forneçam não ter nenhuma. Especialista na área briões inviáveis”, o que cria confu-
treinamento e, principalmente, de reprodução assistida, ela viu a in- sões para sua aplicação. Mas avaliou
apliquem o tratamento no Sistema clusão do tema das células-tronco na positivamente a 11.105/05 porque
Único de Saúde. lei dos OGMs como a estratégia pos- veda a comercialização de materiais
sível para que pesquisas e terapias fos- biológicos provenientes de embriões
A LEI E A POLÊMICA sem viabilizadas naquele momento. “Se humanos e proíbe a clonagem huma-
Se ainda falta muito para se che- houvesse um projeto de lei destina- na, a prática da engenharia genética
gar a definições nas pesquisas, a si- do exclusivamente à legalização des- em células germinais humanas, zigotos
tuação é ainda mais complicada no sas pesquisas, dificilmente seria apro- (células reprodutoras formadas pelo
que se refere aos aspectos éticos vado”, disse, acrescentando que “as encontro do espermatozóide com o
e legais envolvidos na questão das críticas são pertinentes, mas a situa- óvulo) ou embriões.
células-tronco. A aprovação da Lei ção já está dada, a lei está aí”. O Decreto 5.591, também de
de Biossegurança (11.105/05) em ou- Eliane Moreira, jurista e coorde- 2005, veio regulamentar as pesqui-
tubro de 2005 continua alvo de mui- nadora do núcleo de Propriedade Inte- sas com células-tronco embrionári-
ta discordância, como se viu nas me- lectual do Centro Universitário do Pará as, e trouxe definições que faltavam
sas-redondas da parte da tarde, (Cesupa), tem leitura diferente. Para à lei. Mas a 11.105/05 foi aprovada
quando a cordialidade não escondeu ela, a inclusão do tema na 11.105/05 sem que existisse legislação especí-
as farpas trocadas entre participan- serviu como cortina de fumaça sobre fica ou controle sobre a atividade
tes. A lei surgiu para tratar da pro- o tema dos transgênicos, que era a das mais de 50 clínicas de reprodu-
blemática dos organismos genetica- discussão central até então. “Ele foi, ção assistida no país, o que tem cau-
mente modificados, os OGM (como a em boa medida, uma estratégia políti- sado dificuldades na identificação de
soja transgênica), questão totalmente ca que permitiu o deslocamento do embriões que atendam aos requisi-
diversa da problemática das células- foco e permitiu que muita coisa além tos legais para a pesquisa. Por isso o
tronco embrionárias — incluída na lei de biossegurança, sobre transgênicos, Ministério da Saúde publicou a Por-
às pressas, sem maiores discussões com passasse sem uma discussão concre- taria 2.526/05, sobre identificação
a sociedade e os parlamentares. “O ta”, disse, ao abrir a mesa seguinte. de embriões, e a Agência Nacional
assunto foi tratado no Congresso de Pelo menos num ponto houve de Vigilância Sanitária (Anvisa) apro-
forma absurda, sem debate”, afirmou concordância: a Lei de Biossegurança vou Resolução da Diretoria Colegiada
o médico Herbert Praxedes, coor- contém grandes falhas no que diz (RDC 33/06) que dá os critérios para
denador do Comitê de Ética respeito a células-tronco embrioná- criação e funcionamento de bancos
em Pesquisa da Faculdade de rias, o que tem levado à criação de de células e tecidos germinativos
Medicina da Universidade Fe- outros instrumentos que tentam fe- humanos. Na palestra seguinte, a
deral Fluminense (UFF). “Os char as brechas. Para Maria Cláu- bióloga Renata Parca, da Gerência
grupos que se opunham foram dia, esses instrumentos são avanços de Sangue, Outros Tecidos, Célu-
segregados e a mentira preva- importantes enquanto se aguarda las e Órgãos da Anvisa, informou
leceu”. Sua fala foi uma referência à uma lei que efetivamente regule a que está em elaboração uma RDC
atuação de pesquisadores que leva- reprodução assistida, e representam que cria um cadastro nacional para
ram deficientes físicos às galerias do uma “visão de compromisso” do Es- controle e rastreamento dos em-
Congresso para pressionar os parla- tado brasileiro com a liberdade ci- briões criados em clínicas de ferti-
mentares a aprovarem a lei (Radis 32). entífica, “mas com responsabilida- lização in vitro. A matéria aguarda-
Por outro lado, a primeira pales- de e prudência”. A especialista fez va decisão do Ministério da Saúde
trante da mesa “Regulamentação das um apanhado de toda a legislação para ir a consulta pública ou ser
pesquisas e terapias envolvendo cé- brasileira sobre o assunto, come- publicada imediatamente.
lulas-tronco”, a advogada gaúcha çando pela própria Lei nº 11.105/05
Maria Cláudia Brauer, considera que que, para ela, não define termos im- PARTICIPAÇÃO POPULAR
Já a jurista Suely Dallari, da
USP, considera que portarias e re-
soluções são atos importantes de
governo, mas alertou que o valor
deles, no meio jurídico, é relativo:
“Nossa escola ensina Direito do sé-
Radis adverte culo 18, que diz que só a lei é que
manda; então o juiz não vai nem
estar interessado em portaria, em
O controle rígido do RDC”. Suely frisou que qualquer lei
comércio da cola de só pode ser justa se for uma expres-
sapateiro, em vigor são da vontade da sociedade em sua
desde 15 de junho, faz diversidade, o que não é o caso da
bem à saúde de um Lei de Biossegurança. “Se o povo
país que se preocupa não estiver participando nunca será
com a criança. justo”, disse. “Estou falando isso
porque o debate não foi feito, o
conhecimento não foi socializado,
então não estamos sendo livres para
decidir”. Ela ressaltou o papel crucial
da divulgação científica no século 21
11. RADIS 47 JUL/2006
[ 11 ]
e defendeu a abertura de todos os dados técnicos, jurídicos e éticos giosas ou filosóficas, defendendo
espaços possíveis para a participa- para colaborar na discussão com os que a moral e a ética têm que evo-
ção popular, inclusive com anúncio ministros do STF. luir e se adaptar.
das consultas públicas na televisão: Na mesa-redonda “Ética nas pes- Outra fonte de células-tronco,
“Tem que ter, como tem propagan- quisas e terapias com células-tronco”, já muito usada em transplantes de
da de remédio fracionado”, afirmou. o palestrante Sérgio Rego, médico-sa- medula, é o sangue do cordão umbi-
A debatedora Marisa Palácios, nitarista do Departamento de Ciências lical, assunto da palestra da médica
do Núcleo de Estudos de Saúde Co- Sociais da Ensp/Fiocruz,
letiva da UFRJ, lembrou que, apesar abordou diferentes ma-
de a Resolução 196 do Conselho Na- neiras de compreender o
cional de Saúde, sobre pesquisas e âmbito da moral e da éti-
experiências com seres humanos, ca, o que depende sem-
determinar o controle social, com pre do lugar que se dá ao
participação dos usuários nos comi- outro nas relações soci-
tês de ética em pesquisa das insti- ais. Ele falou da dificulda-
tuições científicas, na prática, nem de por parte de muitos
sempre as coisas funcionam como pesquisadores de en-
deveriam. Ela questionou se há real- tenderem que uma pes-
mente autonomia na situação em que quisa correta científica
as pessoas consentem em participar e metodologicamente
de pesquisas com células-tronco, já não é necessariamente
que são indivíduos em condição de ética. “Bom senso e boa
vulnerabilidade — problema que exi- intenção todo mundo
ge senso ético ainda maior do pes- tem, todos querem fa-
quisador. A outra debatedora, Helo- zer o melhor”, disse, ex-
ísa Helena, da Faculdade de Direito plicando que, ao se discutir a Marlene Braz, do Instituto Fernandes
da Universidade do Estado do Rio de eticidade de uma pesquisa, é impor- Figueira (IFF/Fiocruz). Ela falou da
Janeiro, informou que há uma ação tante enfatizar que não se avalia o importância das doações ao
de inconstitucionalidade contra o caráter das pessoas, e sim a pesquisa Brasilcord — banco público de cé-
Artigo 5º da Lei 11.105/05 tramitan- em si mesma, o que significa desviar lulas de cordão umbilical —, que in-
do no Supremo Tribunal Federal, e o foco da moralidade do agente e tegra rede internacional cri-
que o encontro poderia fornecer passar a discutir a moralidade dos atos ada pela Organização Mundial
propriamente ditos. Declarando-se di- de Saúde em 2004. Por essa
abético e pai de uma criança com pa- rede, aproximadamente 4 mil
Art. 5o É permitida, para fins de ralisia cerebral, Sérgio observou que pessoas já receberam trans-
pesquisa e terapia, a utilização de houve um “acordo negociado” na plantes no mundo, enquanto
células-tronco embrionárias obti- aprovação da Lei de Biossegurança. os transplantes autólogos — feitos
das de embriões humanos produ- Segundo o médico, aqueles “direta- com células do cordão da própria
zidos por fertilização in vitro e mente interessados” na questão — no pessoa — foram apenas cinco.
não utilizados no respectivo pro- caso, as pessoas com deficiências e Marlene mostrou ainda como os
cedimento, atendidas as seguin- problemas de saúde que esperam bancos de células privados fazem pro-
tes condições: poder ser tratadas com células-tron- paganda irregular, apelativa e enga-
I — sejam embriões inviáveis; ou co no futuro — têm que estar pre- nosa, induzindo pais a fazerem gastos
II — sejam embriões congelados sentes às negociações. desnecessários em armazenamento
há 3 (três) anos ou mais, na data Numa fala contundente, a médi- de cordão umbilical (Radis 31). Uma
da publicação desta Lei, ou que, ca Marilena Corrêa, do Instituto de estratégia é alegar que as células
já congelados na data da publica- Medicina Social da Uerj, criticou o poderão ser usadas por outra pes-
ção desta Lei, depois de comple- “modelo do milagre” e discordou de soa da família. Pela RDC 153 da Anvisa,
tarem 3 (três) anos, contados a que tenha havido consenso na aprova- no entanto, o material armazenado
partir da data de congelamento. ção da 11.105/05: “A aliança que par- nos bancos privados é de uso ex-
te da comunidade científica fez com clusivo do próprio doador. Uma re-
§ 1o Em qualquer caso, é necessá- ruralistas para a aprovação da lei foi presentante da Anvisa esclareceu
rio o consentimento dos genitores. imoral”, declarou, acrescentando que o Brasilcord pode receber do-
§ 2o Instituições de pesquisa e ser- que se tratou de uma “atuação ne- ações para uso aparentado se hou-
viços de saúde que realizem pes- fasta dos cientistas” em termos do ver indicação terapêutica. Muitos
quisa ou terapia com células-tron- que se quer para a consolidação dos pais pagam até R$ 4 mil para conge-
co embrionárias humanas deverão direitos e da democracia no país. Em lar as células dos filhos em bancos
submeter seus projetos à apreci- outra linha de pensamento, o médi- privados. Provavelmente não sabem
ação e aprovação dos respectivos co Arnaldo Pineschi, do Conselho Re- que elas só poderão ser emprega-
comitês de ética em pesquisa. gional de Medicina do Rio de Janei- das no doador enquanto ele tiver
§ 3o É vedada a comercialização ro, apontou um forte fundamento até 50 quilos, e que a probabilidade
do material biológico a que se religioso no impasse em torno das de uso é irrisória. “O futuro do fu-
refere este artigo e sua prática pesquisas e do uso terapêutico das turo do futuro é vendido como rea-
implica o crime tipificado no art. células-tronco embrionárias. Ele lidade”, disse Marlene.
15 da Lei no 9.434, de 4 de feve- questionou até que ponto se deve
reiro de 1997. deter o avanço das ciências em Mais informações
nome de visões estritamente reli- Projeto Ghente www.ghente.org
12. RADIS 47 JUL/2006
[ 12 ]
COMISSÃO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE
Compromisso
com a ação
objetivo da comissão era transformar Apesar das dificuldades, a CNDSS
Alberto Pellegrini Filho * o conhecimento em ação, ou seja, uti- pretende enfrentar esse desafio,
lizar a evidência científica como uma apoiando a definição de políticas vol-
A
s três linhas de ação da Co- alavanca para a mudança de políticas. tadas para a promoção da eqüidade
missão Nacional sobre Deter- Não se trata de um desafio trivial. em saúde em estudos sobre as rela-
minantes Sociais da Saúde Se fizermos uma comparação entre a ções entre DSS e a situação de saú-
(CNDSS), produção de infor- prática clínica e a definição de políti- de que busquem identificar “pontos
mações e conhecimentos, apoio e ava- cas para a eqüidade em saúde basea- vulneráveis” sobre os quais devem
liação de políticas e mobilização soci- das em evidências, encontraremos di- incidir as intervenções para a supera-
al, se articulam em torno de um eixo ferenças significativas. Apesar das ção de iniqüidades. Pretende também
comum que é o compromisso com a aparentes “facilidades” de implantação recoletar, analisar e divulgar experi-
ação. Entende-se esse compromisso da medicina baseada em evidências, em ências exitosas, assim como promover
como a promoção de políticas em fa- comparação às dificuldades para a ado- o aprimoramento de metodologias de
vor da eqüidade em saúde, as quais se ção de políticas públicas de combate avaliação de intervenções. Tudo isso
apóiam em dois pilares fundamentais: às iniqüidades baseadas em evidênci- evidentemente deve ser feito em es-
as evidências científicas e a participa- as, não é assim tão fácil convencer os treita colaboração com instituições
ção social. O ex-diretor-geral da OMS profissionais de saúde a abandonar governamentais e não-governamen-
Dr. Lee Jong Wook, ao propor a cria- práticas que, embora consagradas tais, públicas e privadas, mobilizando
ção da Comissão sobre Determinantes pelo uso, se mostram inefetivas ou pesquisadores, gestores, represen-
Sociais da Saúde da OMS, disse que o danosas à luz das evidências científi- tantes da sociedade civil organizada
cas. Tampouco é fácil convencê-los a e o público em geral.
adotar novas práticas cuja eficácia e As intervenções sobre os DSS
* Secretário executivo da Comissão
Nacional sobre Determinantes Sociais efetividade são plenamente comprova- podem se dar em diferentes níveis,
da Saúde (CNDSS) das por reiterados estudos. como veremos a seguir:
13. RADIS 47 JUL/2006
[ 13 ]
INTERVENÇÕES INDIVIDUAIS and sick populations” (International tos materiais relacionados à renda e à
VERSUS Journal of Epidemiology, 1985). posse de determinados bens, mas tem
INTERVENÇÕES POPULACIONAIS Preocupar-se somente com as também muito a ver com a vivência de
pessoas mais expostas aos fatores de situações estressantes no bairro e no
As estratégias de promoção e pro- risco é, portanto, pouco eficaz quan- ambiente domiciliar, com pouca expe-
teção da saúde privilegiam a atuação do se quer diminuir a incidência de riência de relações de solidariedade,
sobre os fatores de risco individuais, determinadas doenças em uma popu- com raras oportunidades de “relaxar”
principalmente entre os indivíduos mais lação, já que as causas das incidên- em atividades de lazer e com outros
expostos ao risco. Freqüentemente cias a nível populacional em geral es- elementos relacionados ao bem-estar.
estas estratégias de aconselhamento tão relacionadas aos determinantes Estudos sobre a trama de relações
individual são pouco eficazes, porque sociais que exigem intervenções entre experiências psicossociais sub-
não levam em conta determinantes populacionais. Em “Social class and jetivas e aspectos relacionados à or-
sociais como fatores culturais, por coronary heart disease” (British ganização social vêm permitindo co-
exemplo. É muito difícil que alguém Heart Journal, 1981), de Rose G. e meçar a entender como a saúde é
deixe de fumar ou de comer gordu- M. Marmot, observa-se a distribui- afetada por essas relações.
ras saturadas quando todos a sua vol- ção da pressão arterial sistólica nos Com todo o anterior, fica claro
ta, parentes e amigos o fazem. Se tra- funcionários públicos de Londres e que, se procurarmos diminuir as iniqüi-
tar de comer de maneira diferente, em povos nômades do Quênia. Os dades no risco de morrer por enfermi-
provavelmente será visto como excên- médicos e sanitaristas londrinos em dade coronariana dos funcionários in-
trico ou hipocondríaco. Muito mais geral não costumam se preocupar gleses buscando apenas mudanças de
eficaz seria a adoção de medidas com a distribuição da pressão arte- comportamento, o efeito será bastan-
populacionais que diminuíssem esses rial ao nível populacional. Preocu- te limitado. Para um maior impacto será
hábitos na população em geral. pam-se sim com os casos mais críti- também necessário atuar principalmen-
Além disso, os fatores de risco cos, perguntando-se por que esses te sobre as desigualdades nas condi-
individuais, como o hábito de fumar, indivíduos têm pressão alta e pro- ções de vida desses funcionários. É bom
o colesterol alto, a obesidade etc., curando tratá-los dessa condição. lembrar que, para doença coronariana,
não são condições nem necessárias Se a pergunta fosse outra — ou seja, assim como para câncer de pulmão e
nem suficientes para causar deter- por que os quenianos não têm pres- Aids, conhecemos relativamente bem
minadas doenças. Por esta razão, é são alta como os londrinos? — suas es- os fatores de risco individuais. O mes-
às vezes difícil para o leigo entender tratégias de intervenção seriam total- mo não ocorre para um grande núme-
esse conceito. Todos conhecem um mente diferentes. Procurariam agir ro de outras doenças, o que diminui
parente ou um amigo com 80 anos, também em nível populacional sobre ainda mais o efeito se nos limitarmos a
fumante e amante de um bom bife, determinantes mais gerais, com um im- atuar sobre estes fatores.
que goza de plena saúde, enquanto pacto muito maior na saúde geral da
um outro conhecido não-fumante e população. NÍVEIS DE ATUAÇÃO
sempre preocupado com a dieta e o Outro exemplo interessante pode SOBRE OS DETERMINANTES
exercício morreu de infarto do ser encontrado num clássico traba- SOCIAIS DA SAÚDE
miocárdio aos 50 anos. lho de Michael Marmot [o presiden-
Talvez a analogia que mais facilita a te, na OMS, da comissão de DSS] so- Se tomarmos um modelo propos-
compreensão do conceito de fator de bre funcionários públicos londrinos. to por Whitehead e Dahlgren para
risco é a loteria. Evidentemente uma Marmot observou que se fixarmos classificar os determinantes da saú-
pessoa que comprou cinco bilhetes tem como 1 o risco relativo de falecer de, observamos uma gradação desde
maior probabilidade de ganhar em com- por doença coronariana para funci- os macrodeterminantes relacionados às
paração a outra com apenas um bilhe- onários da administração de mais estruturas socioeconômicas e culturais
te. No entanto, nada impede que este alto nível na hierarquia, os funcio- de uma sociedade até os determinantes
último ganhe o prêmio. Mais ainda, nários de níveis hierárquicos inferi- individuais relacionados à biologia de
como o número de pessoas com ape- ores, como profissional/executivo, um determinado indivíduo.
nas um bilhete é muito maior, a proba- atendentes e outros teriam respec- É muito difícil estabelecer um
bilidade de o vencedor ter apenas um tivamente risco relativo 2,1; 3,2 e 4 corte que nos permita separar cla-
bilhete é também muito maior. Voltan- ou, aproximadamente, duas, três e ramente o que são determinantes
do a um exemplo de saúde, tomemos a quatro vezes maior risco de morrer sociais e o que são determinantes
relação entre síndrome de Down e ida- por doença coronariana. Marmot pro- individuais. Já vimos anteriormente
de materna. Mães abaixo de 30 anos têm curou a explicação dessas diferenças que os estilos de vida individuais
individualmente um risco mínimo de e encontrou que os fatores de risco nem sempre correspondem a uma
gerar um filho com síndrome de Down individuais, como colesterol, hábito de livre escolha dos indivíduos, já que
(0,7 por mil nascimentos), enquanto fumar, hipertensão arterial e outros os hábitos de fumar, beber, fazer
para mães entre 40-44 anos há um alto explicavam apenas uma pequena par- exercício, praticar sexo seguro etc.
risco (13,1 em mil nascimentos), e as te do problema. É certo que todos estão claramente condicionados por
com 45 e mais, um risco maior ainda esse fatores de risco crescem na me- determinantes sociais, culturais ou
(34,6 por mil nascimentos). Acontece dida em que descemos na escala hie- econômicos. As próprias caracterís-
que pelo fato de as mães abaixo de rárquica, com exceção do colesterol, ticas biológicas do indivíduo, como
30 anos serem muito mais numerosas, mas explicam apenas cerca de 35-40% idade, sexo ou raça, terão repercus-
elas geram 50% dos casos de síndrome da diferença. A que se devem então são sobre a sua saúde dependendo
de Down, enquanto as mães com os outros 60-65%?. Vários estudos mos- da maneira como a sociedade atri-
idade entre 40 e 44 geram 11% e as tram que gradientes observados na bui papéis funcionais diferenciais
de 45 e mais, apenas 2% dos casos, situação de saúde entre diferentes aos indivíduos de acordo com essas
conforme o artigo “Sick individuals estratos sociais têm a ver com aspec- características.
14. RADIS 47 JUL/2006
[ 14 ]
Esta distinção é importante, pois riedade e confiança entre pessoas e operam de maneira independente,
permite distinguir entre desigualdades grupos que são fundamentais para a obrigando o estabelecimento de
e iniqüidades. Evidentemente, as con- promoção e a proteção da saúde indi- mecanismos que permitam uma ação
dições de saúde de um grupo de jo- vidual e coletiva. Estas relações são integrada.
vens comparadas às de um grupo de também fundamentais para o combate
idosos será diferente; o mesmo se pode à pobreza, já que, além da falta de aces- • O quarto nível de atuação se refere
dizer se compararmos um grupo de so a bens materiais, a pobreza é tam- a mudanças macroeconômicas e cul-
homens a um grupo de mulheres, cada bém a falta de oportunidades, de pos- turais que visem promover um desen-
um com doenças próprias do gênero. sibilidades de opção, de voz frente às volvimento com melhor distribuição
Trata-se de desigualdades que aceita- instituições do Estado e da sociedade de seus frutos, reduzindo as desigual-
mos como naturais. Diferente é o caso e uma grande vulnerabilidade a impre- dades e seus efeitos sobre a socieda-
de desigualdades na saúde de homens vistos. Além da geração de oportuni- de. Neste nível se incluem políticas
e mulheres, com evidente prejuízo de dades econômicas, o combate à po- macroeconômicas e de mercado de
um ou de outro grupo, ocasionadas pela breza deve também incluir medidas que trabalho, de fortalecimento dos valo-
condição de pertencer a um determi- favoreçam a construção de redes de res culturais e de proteção ambiental.
nado gênero, ou seja, devido aos pa- apoio e o aumento das capacidades dos
péis diferenciais que a sociedade atri- grupos desfavorecidos para estreitar A CNDSS deve promover interven-
bui a indivíduos de acordo com o sexo. suas relações com outros grupos, para ções nesses diversos níveis de deter-
Estamos então diante de desigualdades fortalecer sua organização e participa- minações, tendo como objetivo cen-
que não são naturais, são socialmente ção em ações coletivas, para consti- tral a promoção da eqüidade em
determinadas e que devem ser comba- tuir-se enfim em atores sociais e ativos saúde e articulando suas diversas li-
tidas por serem injustas e evitáveis. participantes das decisões da vida so- nhas de ação em torno desse objeti-
O modelo proposto por White- cial. Esse nível de atuação tem, por- vo comum. Conta para isso com di-
head e Dahlgren permite identificar tanto como foco, a união das comuni- versos elementos facilitadores, entre
quatro níveis de atuação não-exclu- dades em desvantagem para obter apoio eles a pluralidade e a diversidade de
dentes e inter-relacionados sobre os mútuo e dessa maneira fortalecer suas seus integrantes, o que facilita a ne-
quais podem incidir políticas e progra- defesas contra os danos na saúde. cessária mobilização de diversos seto-
mas que buscam combater as iniqüida- res da sociedade. Outro importante
des, atuando sobre os determinantes • O terceiro nível se refere à atua- elemento facilitador é sua articulação
sociais da saúde: ção das políticas sobre as condições com o Grupo de Trabalho Intersetorial,
físicas e psicossociais nas quais as composto por representantes
• Um primeiro nível é o individual, pessoas vivem e trabalham, bus- de diversos ministérios do go-
consistindo no fortalecimento ou cando assegurar um melhor aces- verno federal e das secretarias
empowerment dos indivíduos. Trata- so a água limpa, esgoto, habita- estaduais e municipais de saú-
se de apoiar pessoas em circunstân- ção adequada, emprego seguro e de, que deve possibilitar a co-
cias desfavoráveis ou fortalecer sua realizador, alimentos saudáveis e ordenação de políticas nos di-
capacidade de decisão para enfren- nutritivos, serviços essenciais de versos níveis.
tar as influências advindas de outros saúde, serviços educacionais e de
níveis de determinação. Principalmente bem-estar e outros. Essas políticas são Mais informações
pela informação e a motivação, essas normalmente responsabilidade de se- Íntegra do artigo no site da CNDSS
estratégias buscam apoiar mudanças tores distintos, que freqüentemente (www.determinantes.fiocruz.br)
de comportamento em relação aos
fatores de risco pessoais ou lidar me-
lhor com as influencias negativas
advindas de suas condições de vida e Convocação aos pesquisadores
trabalho. Alguns exemplos incluem
educar pessoas que trabalham em
condições monótonas a lidar com o
estresse; aconselhar pessoas que se
T rês editais
nistério da
com o CNPq,
importantes do Mi-
Saúde, em parceria
para pesquisas em
públicas de melhoria das condições
de saúde e a superação de desi-
gualdades. Recursos: R$ 20 milhões.
tornam desempregadas para ajudar a Determinantes Sociais da Saúde: Prazo de inscrição 1ª etapa: 16/7.
prevenir o declínio da saúde mental Íntegra: www.cnpq.br/servicos/
associado a essa condição; e clínicas 1º) Pesquisas sobre DSS, abordando editais/ct/2006/edital_0252006.htm
para parar de fumar. Os serviços de relações entre as condições de vida
e a saúde da população, sobre saú- 3º) Estudos epidemiológicos em po-
aconselhamento para pessoas desem- pulações expostas à contaminação
pregadas não reduzirão a taxa de de- de da pessoa com deficiência, ava-
liando a atenção prestada a esse ambiental, com orçamento de R$
semprego, mas poderão melhorar os 3,5 milhões — R$ 500 mil para cada
piores efeitos do desemprego sobre a segmento, conhecimento básico e
avançado sobre saúde da popula- projeto. Há sete linhas de apoio,
saúde e prevenir maiores danos. para temas como agrotóxicos no
ção negra, e saúde da população
Nordeste, postos de combustível no
• O segundo nível corresponde às co- masculina. Recursos: R$ 10 milhões.
Sudeste, exposição à mineração em
munidades e suas redes de relações. Prazo de inscrição: 27/7. Íntegra:
Santa Catarina; projetos genéricos
Estudos vêm demonstrando que um dos www.cnpq.br/servicos/editais/ct/
no Pará, no Amapá e em Mato Gros-
principais mecanismos pelos quais as 2006/edital_0262006.htm
so e exploração de petróleo em
iniqüidades de renda produzem um 2º)Pesquisa sobre doenças negligen- Campos (RJ). Propostas até 27/7.
impacto negativo na situação de saúde ciadas, com apoio a projetos que Íntegra: www.cnpq.br/servicos/
é o desgaste dos laços de coesão soci- contribuam para o avanço das ações editais/ct/2006/edital_0242006.htm
al, a debilidade das relações de solida-
15. RADIS 47 JUL/2006
[ 15 ]
Lei de Segur ança alimentar
FOTO: ARISTIDES DUTRA
Wagner Vasconcelos
N
os idos de 1987,
quando os Titãs per-
guntavam “você tem
fome de quê?”, cobra-
vam de um Brasil recém-democratiza-
do ações imediatas para a saúde e a qua-
lidade de vida da população. Os titânicos
acordes ainda reverberam, duas déca-
das depois, igualmente desafiadores. Ago-
ra, nossos representantes no Congresso
Nacional se dedicam a debater a Losan,
apelido da aguardada Lei Orgânica de Se-
gurança Alimentar e Nutricional. Seus
objetivos: assegurar o direito à alimenta-
ção a todas as pessoas, definir seguran-
ça alimentar, implantar um princípio de
soberania alimentar e difundir um cará-
ter intersetorial para a segurança alimen-
A gente não
tar e nutricional no Brasil.
E que não se pense que a tramitação
está apenas começando. Na verdade, o
projeto já passou por todas as comissões
indicadas da Câmara dos Deputados — as
quer só comida
de Trabalho, Administração e Serviço Pú-
blico, de Seguridade Social e Família e de
Constituição e Justiça e de Cidadania.
Por ser de caráter conclusivo, não che-
gará ao plenário. Sua aprovação, por-
tanto, dependerá da apreciação do Se-
nado, para onde a proposta seguiu. mano, inerente à dignidade da pessoa É importante salientar que essa in-
A criação da Lei Orgânica de Se- humana e indispensável à realização dos segurança tem graus que variam entre
gurança Alimentar e Nutricional terá direitos consagrados na Constituição Fe- leve, moderado e grave. As modalidades
repercussões práticas e simbólicas. deral, devendo o poder público adotar moderada e grave significam limitação
Práticas porque estabelece e define as políticas e ações que se façam ne- de acesso quantitativo aos alimentos,
critérios sobre as políticas que o país cessárias para promover e garantir a com ou sem situação de fome. Mesmo
deve implementar para acabar de vez segurança alimentar e nutricional da assim, os números revelam um panora-
com a chaga da fome. E simbólicas por- população”. O Sisan será integrado pelo ma incômodo: 39,5 milhões de pessoas
que coloca no centro de discussões Consea e pela Câmara Interministerial estão nessa situação. É uma Espanha!
um tema tão caro ao país, mas por de Segurança Alimentar e Nutricional. Outros dados da pesquisa confir-
muito tempo negligenciado. Essas instâncias deverão definir as polí- mam as disparidades sociais entre as
Por isso, está sendo tão festejada ticas a serem implementadas e acom- regiões brasileiras. Se na Região Sul
pelo professor Renato Maluf, titular da panhadas pelo Sisan. 76,5% dos domicílios têm acesso à ali-
cadeira de Desenvolvimento Agrícola e mentação, tanto em termos quantita-
Sociedade, da Universidade Federal DRAMA QUANTIFICADO tivos quanto qualitativos, no Nordeste
Rural do Rio de Janeiro, integrante da Problema secular, a falta de comi- esse acesso cai para 46,4% dos domicí-
coordenação do Fórum Brasileiro de da na mesa do brasileiro exibe sua car- lios. Os domicílios com crianças apre-
Segurança Alimentar e Nutricional e ga dramática no noticiário sobre a fome sentam mais situações de insegurança
conselheiro do Consea (Conselho Na- nas mais diversas regiões do Brasil. E alimentar. De acordo com a pesquisa,
cional de Segurança Alimentar e esse drama já está quantificado. Na moram neles 50,4% da população de 0
Nutricional). Ele foi um dos articuladores segunda quinzena de maio, o Instituto a 4 anos de idade. Esses índices caem
do Projeto de Lei 6.047/05, que cria o Brasileiro de Geografia e Estatística à medida em que aumenta a faixa etária.
Sistema Nacional de Segurança Alimen- (IBGE) divulgou pesquisa traçando per- Também importantes os dados re-
tar e Nutricional (Sisan) e que, se apro- fil inédito da fome no Brasil. E chegou ferentes à cor da população: no Brasil
vado, receberá o nome de Losan. a dados surpreendentes, como o de viviam, em 2004, em situação de insegu-
“A Losan consagra algo sagrado”, diz que 72 milhões de brasileiros enfren- rança alimentar grave, 11,5% da popula-
Renato, referindo-se ao Artigo 2º do pro- tam situações de insegurança alimen- ção preta ou parda, sendo que esta pro-
jeto, que determina: “Alimentação ade- tar. O número equivale às populações porção era de 4,1% entre os brancos. A
quada é direito fundamental do ser hu- da França e de Portugal somadas! população com garantia de acesso aos