O documento discute diferentes tipos de tempo presentes no romance "Os Maias": 1) Tempo cronológico que segue a ordem dos dias e anos vividos pelas personagens; 2) Tempo da história que apresenta a narrativa dos eventos; 3) Tempo psicológico que reflete as emoções e vivências internas das personagens ao longo do tempo.
A experiência amorosa e a reflexão sobre o Amor.pptx
Tempo e estrutura complexa nos Maias
1. Tempo nos Maias
Este romance não apresenta um seguimento temporal linear, mas, pelo
contrário, uma estrutura complexa na qual se integram vários "tipos" de
tempos: tempo cronológico, tempo da história e do discurso e tempo
psicológico.
Tempo psicológico
A passagem do tempo influencia as personagens, não apenas no seu envelhecimento, mas também
em mudanças comportamentais. Esse referencial de mutações, que reflecte vivências e emoções das
personagens, é o tempo psicológico.
É o tempo que a personagem assume interiormente, filtrado pelas suas vivências subjectivas e carregado
de densidade dramática, alonga-se ou encurta-se dependendo do estado de espírito que o define, e não
coincide com as referências cronológicas. Introduz a subjectividade, o que põe em causa as leis do
Naturalismo.
Confinado aos pensamentos e emoções de Carlos e Ega, o tempo psicológico é muito importante.
Exemplos:
A noite em que Pedro da Maia se apercebeu do desaparecimento de Maria Monforte e comunicou ao
pai.
As horas passadas no consultório, que Carlos considerava monótonas e «estúpidas».
Carlos recorda o primeiro beijo que a Condessa de Gouvarinho lhe dera.
No último capítulo, Carlos e Ega visitam e contemplam o velho Ramalhete (em Janeiro de 1887) e
reflectem sobre o passado e o presente; numa das suas intervenções, Carlos, com emoção e nostalgia,
recorda, valorizando, o tempo aí passado.
Tempo da história e do discurso
Trata-se do tempo em que decorre a acção e é sugerido através do tempo histórico, das
referências cronológicas, do tempo cósmico e do desenrolar da acção. Nos Maias a acção passa-se no
século XIX, entre 1820 e 1887. Narrando a história da uma família ao longo de três gerações – embora
não tendo todas o mesmo destaque – o autor dá-nos referências cronológicas concretas e refere-se a
acontecimentos reais da evolução da sociedade portuguesa dessa época. A acção não abrange meio século
mas apenas catorze meses, do Outono de 1875 a finais de 1876; e, enquanto os antecedentes familiares,
de cerca de 1820 a 1875, só ocupam oitenta e cinco páginas, os catorze meses da acção, de que são
protagonistas Carlos e Maria Eduarda, espraiam-se por mais de quinhentas e noventa páginas.
Depois de situar a acção em 1875, Eça estabelece uma ordem para a pluralidade do tempo da
história, quer alternando a ordem dos factos e o ritmo temporal, com recursos a analepses (recuos no
tempo) e reduções temporais ( por intermédio de resumos, sumários e elipses), quer apresentando os
conhecimentos em registos competitivos, ou, simplesmente, mantendo a ordem do discurso a
acompanhar a ordem temporal ( isocronias).
Analepses
2. O início do romance situa-nos em 1875, no Outono. Estamos, por isso, na terceira geração, na
história de Carlos. Apercebemo-nos, no entanto, que será necessário recuar no tempo para encontrar
explicações para alguns factos do presente.
Assim surgem as analepses, de que destacamos:
A história dos Maias até 1875
Quando se fala de Afonso da Maia, afirma-se que a sua «existência nem sempre assim correra com a
tranquilidade larga e clara de um belo rio de Verão».
Está criada a necessidade e encontrado o pretexto para uma longa analepse que vai recordar os cerca
de sessenta anos anteriores:
- Juventude, exílio e casamento de Afonso;
- Juventude, educação e amores de Pedro;
- Ruptura de Pedro com Afonso;
- Fuga de Maria Monforte;
- Suicídio de Pedro;
- Educação de Carlos em Santa Olávia e estudos em Coimbra;
- Viagens pela Europa.
Maria Eduarda recorda o seu passado
A pergunta de Carlos «Onde nasceste tu, por fim?» provoca uma analepse sobre factos que, apesar de
integrados, em termos temporais, na anterior, tinham sido «esquecidos» e só agora e que só agora são
explicados.
Assim, numa mistura de discurso indirecto livre e de discurso directo, ficamos a conhecer os
pormenores do passado de Maria Eduarda, contados pela própria personagem.
Esta analepse escapa, por isso, à focalização omnisciente do narrador dado que Maria Eduarda
apenas conhece o que a sua mãe lhe contara. E assim se mantém o mistério do passado da
personagem…
A carta
A carta de Maria Monforte (lida por Ega a Vilaça) vem finalmente, revelar a verdadeira identidade
de Maria Eduarda. Esclarecido todo o mistério do seu passado, o desfecho trágico dos amores
incestuosos adivinha-se.
Reduções temporais
O período compreendido entre 1820 e 1875 foi sujeito a anisocronias ( o tempo narrativo é menor do
que o tempo da história), conseguidas através do recurso a resumos e a elipses.
Resumos ou sumários
Noção: redução do tempo da história, por síntese dos factos ocorridos.
É através de sumários que ficamos a conhecer:
- Juventude, exílio e casamento de Afonso;
- Crescimento, educação, crises e aventuras amorosas de Pedro;
- Formação universitária e aventuras amorosas de Carlos.
Elipses
3. Noção: emissão de alguns factos ou mesmo de alguns períodos de história
Tempo cronológico
Entende-se por tempo histórico aquele que se desdobra em dias, meses e anos vividos pelas
personagens, reflectindo até acontecimentos cronológicos históricos do país. A mudança do tempo
contribui para a dinâmica d´Os Maias. De acordo com João Gaspar Simões, “ o movimento de Os
Maias é dado pela passagem do próprio tempo. O tempo, não a acção, é que move os
acontecimentos: as personagens, no romance, envelhecem realmente “ Cerca de setenta anos é o
tempo possível de ser datado n´ Os Maias, embora a acção central não ultrapasse os catorze meses,
do Outono de 1875 ao Inverno de 1876/1877. O tempo concreto de Os Maias é extremamente lento e
carregado de elementos significativos, e abrange o decurso de várias gerações, desde Afonso, até
Carlos passando por Pedro da Maia, representante de uma época exacerbadamente romântica.