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Claude Dubar
A Socialização
Construção das Identidades Sociais
Colecção Ciências da Educação
Orientada por
Maria Teresa Estrela e Albano Estrela
Título: A Socialização
Construção das identidades sociais e profissionais
Autor: Claude Dubar
Tradução de: Annette Pierrette R. Botelho e Estela Pinto Ribeiro Lamas
Revisão técnica e científica: José Alberto Correia e João Caramelo
Executor gráfico: Bloco Gráfico
Editor: Porto Editora
Titulo da edição original: LA SOCIALISATION
Construction des identités sociales et professionnelles
(Edição original: ISBN 2-200-21620-3) (2.e édition revue)
*c* Armand Colin Éditeur, Paris, 1991,1995
Copyright para a Língua Portuguesa
*C* Porto Editora, Lda. - 1997
Rua da Restauração, 365
4099 PORTO CODEX - PORTUGAL
Reservados todos os direitos.
Esta publicação não pode ser reproduzida nem transmitida, no todo ou em parte, por
qualquer processo electrónico, mecânico, fotocopia, gravação ou outros, sem prévia
autorização escrita do Editor.
Claude Dubar é professor de Sociologia na Universidade
de Versailles-Saint Quentin en Ivelines. Consagrou a sua
tese e numerosas publicações à formação contínua e à
inserção dos jovens. Animou várias investigações colectivas
no seio do LASTREE (CNRS, Universidade de Lille I) e do
CEREQ (Ministérios da Educação e do Trabalho) que
alimentaram esta síntese teórica.
Coordenou recentemente duas obras colectivas:
Cheminements professionnels et mobilités sociales (La
Documentation francaise, 1992) e Genèse et dynamique
des groupes professionnels (Presses Universituires de Lille,
1 994).
Por que razão se fala hoje de crise de identidades? Esta expressão remete-nos para
fenómenos múltiplos: dificuldade de inserção profissional dos jovens, aumento da exclusão
social, diluição das categorias que servem para se definir e definir os outros...
Compreender como se reproduzem e se transformam as identidades sociais implica
esclarecer os processos de socialização através dos quais elas se constroem e se
reconstroem ao longo da vida.
A dimensão profissional das identidades adquire uma importância particular. Porque se
tornou um elemento raro, o emprego condiciona a construção das identidades sociais;
porque conhece mutações impressionantes, o trabalho obriga a transformações identitárias
delicadas; porque acompanha cada vez mais frequentemente as evoluções do trabalho e do
emprego, a formação intervém nestes domínios identitários muito para além do período
escolar. Este livro fornece instrumentos de análise, quadros teóricos e resultados empíricos
que permitem perceber a dinâmica em curso da socialização profissional e das identidades
sociais.
Agradeço vivamente aos colegas que, ao criticarem as sucessivas versões deste manuscrito,
me obrigaram a uma maior clareza e rigor na minha escrita: Béatrice Appay, Catherine
Cailloux, Catherine Marry, Catherine Paradeise, Pierre Doroy, Heari Mandras, Jean-René
Treanton merecem particular destaque nestes agradecimentos. Agradeço também a Martine
Laplanche, Violaine Lecerf Véronique Testelin que interpretaram e corrigiram as diferentes
versões do texto; a sua paciência e profissionalismo tornaram possível este trabalho.
Reportório das Siglas
bep -- Brevet d 'Études Professiounelles (niveau V) --
Diploma de Estudos Profissionais (nível V)
btp -- Bãtiments et Travaux Publics -- Obras Públicas
bts -- Brevet de Technicien Supérieur (nivenu iii) -- Diploma de Técnico Superior (nível iii)
cap -- Certificat d'Aptitude Professionnelle (niveau v)
-- Certificado de Aptidão Profissional (nível V)
cep -- Certificat d'Études Primaires -- Certificado de Estudos Primários
cereq -- Centre d'Études et de Recherches sur les Qualifications -- Centro de Estudo e de
Investigações sobre as Qualificações
CNAM -- Conservatoire National des Arts et Métiers -- Conservatório Nacional das Artes e
Ofícios
cnrs -- Centre National de la Recherche Scientifique --
Centro Nacional da Investigação Cientifica
DEST -- Diplôme d'Études Supérieures Techniques (niveau II) -- Diploma de Estudos
Superiores Técnicos (nível II)
dut -- Diplôme Universitaire de Techologie (niveau III) -- Diploma Universitário de
Tecnologia (nível III)
eseu -- Examen Spécial d'Entrée à l'Université (nivenu IV) -- Exame Especial de Entrada na
Universidade (nível IV)
GLYSI -- Groupe Lyonnais de Socialogie Industrielle (CNRS-Lyon II) -- Grupo de Lyon de
Sociologia Industrial (CNRS-Lyon II)
LASTREE -- Laboratoire de Sociologie du Travail, de
l'Éducation et de l'Emplei (CNRS-Lille I) -- Laboratório de Sociologia do Trabalho, da
Educação e do Emprego
(CNRS-Lille 1)
LEP -- Lycée d'Enseignement Professionnel -- Liceu de Ensino Profissional
LERSCO -- Laboratoire d'Études et de Recherches sur la Classe Ouvrière (CNRS-Nantes)
-- Laboratório de Estudos e de Investigação sobre a Classe Operária (CNRS-Nantes)
LEST -- Laboratoire d'Économie et de Sociologie du Travail (CNRS) -- Laboratório de
Economia e de Sociologia do Trabalho (CNRS)
MRT -- Ministère de la Recherche et de la Technologie --
Ministério da Investigação e da Tecnologia
PIRTTEM -- Programme Interdisciplinaire Technologie-Travail-Emploi-Mode de vie --
Programa Interdisciplinar Tecnologia-Trabalho-Emprego-Modo de Vida
PME -- Petites et Moyennes Entreprises -- Pequenas e Médias Empresas
OP -- Ouvrier Professiounel -- Operário Profissional
os -- Ouvrier Spécialisé -- Operário Especializado
Introdução
O termo "identidade" reapareceu tanto no vocabulário das ciências sociais como na
linguagem corrente. Um pouco por todo o lado. fala-se de "crise das identidades"
sem se saber bem o conteúdo desta expressão: dificuldades de inserção profissional dos
jovens, aumento da exclusão social, mal-estar face às mudanças, desagregação das
categorias que servem para se definir a si próprio e para definir os outros... Como em
qualquer período que se segue a uma crise económica de grande dimensão, a incerteza
quanto ao futuro domina todos os esforços de reconstrução de novos quadros sociais: os do
passado já não são pertinentes e os do futuro ainda não estão estabilizados.
A identidade de alguém é, no entanto, aquilo que ele tem de mais precioso: a perda de
identidade é sinónimo de alienação, de sofrimento, de angústia e de morte. Ora, a
identidade humana não é dada, de uma vez por todas, no acto do nascimento: constrói-se na
infância e deve reconstruir-se sempre ao longo da vida. O indivíduo nunca a constrói
sozinho: ela depende tanto dos julgamentos dos outros como das suas próprias orientações
e autodefinições. A identidade é um produto de sucessivas socializações.
Esta noção de socialização apela para um esclarecimento, uma redefinição e mesmo uma
reabilitação. Ao longo da história das ciências sociais - história curta se a compararmos
com a das ciências da matéria ou da vida --, o termo "socialização" foi utilizado em
diversos sentidos, e adquiriu conotações consideradas, por vezes, hoje como negativas ou
ultrapassadas: inculcação das crianças, endoutrinamento dos indivíduos, imposição de
normas sociais, constrangimentos impostos pelos poderes tanto ameaçadores quanto
anónimos... Esta situação levou a que certos sociólogos tentassem banir esta noção do
vocabulário científico da sua disciplina. Mas suprimir uma palavra não elimina um
problema central: como discernir a dinâmica das identidades sem ter em conta tanto a sua
construção individual como social?
A primeira parte deste livro, concebida como uma iniciação, é consagrada à apresentação
sucinta de algumas grandes teorias centradas, parcial ou totalmente, na análise dos
processos de socialização. Ela constitui um convite à (re)leitura de alguns autores e de
textos importantes ela é acompanhada pela apresentação esquemática de algumas :,
investigações recentes inspiradas nestas grandes correntes teóricas; finalmente, ela culmina
com a apresentação de uma problemática daquilo que poderia constituir hoje as bases de
uma teoria sociológica operatória da construção das identidades.
Entre as múltiplas dimensões da identidade dos indivíduos, a dimensão profissional
adquiriu uma importância particular. Porque se tornou um bem raro, o *emprego*
condiciona a construção das identidades sociais; porque sofreu importantes mudanças, o
trabalho apela a subtis transformações identitárias; porque acompanha intimamente todas as
mudanças do trabalho e do emprego, a *formação* intervém nas dinâmicas identitárias
muito para além do período escolar. A segunda parte apresenta algumas importantes
contribuições das ciências sociais no domínio especifico da socialização profissional. Da
sociologia das "profissões" nos EUA à economia dos "mercados do trabalho", passando
pelo estudo das "relações profissionais", explora-se alguns dos mais importantes domínios
da actual investigação sobre a dinâmica das identidades profissionais.
A terceira parte apresenta uma síntese dos resultados empíricos de várias investigações que,
ao longo dos últimos vinte e cinco anos, se realizaram em França; apresenta uma tipologia
das identidades salariais em fase de reestruturação nas empresas e na sociedade francesas.
Ela apoia-se tanto em trabalhos recentes, por vezes acabados de realizar, como sobre
inquéritos mais antigos, agora reinterpretados à luz destes trabalhos recentes. Nesta terceira
parte, mostramos até que ponto a identidade profissional se tornou num objecto importante
da actual sociologia francesa, num objecto que está sempre em construção e em debate.
I
Socialização e Construção Social
da Identidade
1
A socialização da criança na psicologia piagetiana e os seus prolongamentos sociológicos
Aplicado à criança, o termo "socialização" designa um dos objectos essenciais da
psicologia genética. A literatura consagrada ao desenvolvimento da criança é abundante e
constitui um importante acervo de resultados e de análises empíricas imprescindível a
qualquer teorização dos processos de socialização (1). Porém, é raro encontrar aí reflexões
epistemológicas sobre as condições de uma abordagem científica e sobre os problemas
colocados pela confrontação de pontos de vista disciplinares (biologia, psicologia,
sociologia).
(1) Entre as inúmeras sínteses de investigação sobre a socialização ta criança, citamos, em
língua francesa, a já muito antiga mas sempre sugestiva realizada por Daval (1964) e outra
mais recente de Doise e Deschamps (1986); em língua inglesa, as de Erikson (1950) e de D.
A. Goslin (1979) e, mais recente, a de Bruner (1983).
É o caso do texto de J. Piaget, publicado na primeira parte dos *Études sociologiques* e
intitulado "L'explication en sociologie" (1965). Ele aborda frontalmente a problemática das
relações entre a explicação sociológica e as explicações psicológicas e biológicas e
desenvolve, no que diz respeito aos fenómenos da socialização, argumentos sugestivos.
Estes argumentos constituem, sem dúvida, a primeira tentativa de superar as oposições
entre os pontos de vista psicológico e sociológico -- oposições fundadoras da sociologia,
segundo Durkheim -- e a primeira tentativa estimulante de proceder a uma definição de
uma abordagem sociológica da socialização que fosse complementar e não antagónica das
perspectivas psicogenéticas, nomeadamente daquela que Piaget construiu e aperfeiçoou ao
longo da sua obra. Esta (nova) abordagem da socialização foi parcialmente utilizada tanto
no campo da sociologia da educação como no da sociologia política. :,
1.1. AAbordagem Piagetiana da Socialização
Piaget interessou-se prioritariamente pelo desenvolvimento mental da criança e definiu-o
como uma *construção* contínua mas não linear. O desenvolvimento mental da criança
realiza-se por etapas sucessivas e constitui aquilo que Piaget designa por processo de
equilibração, ou seja, o processo que assegura "a passagem de um estádio de menor
equilíbrio a um outro de equilíbrio superior" (1964, p. 10). Este processo activa dois
elementos heterogéneos: *estruturas* variáveis, definidas como "formas de organização da
actividade mental", que é simultaneamente cognitiva e afectiva; um *funcionamento*
constante que provoca a passagem de uma forma a uma outra através de um movimento de
desequilíbrio seguido de um restabelecimento do equilíbrio e a passagem a uma nova
forma.
Este desenvolvimento mental tem sempre uma dupla dimensão individual e social: as
estruturas através das quais circulam normalmente todas as crianças são simultaneamente
"cognitivas" (internas ao organismo) e "afectivas", quer dizer, relacionais (orientadas para o
exterior). Assim, o reflexo de sucção do recém-nascido é simultaneamente a manifestação
de uma tendência instintiva e a expressão das primeiras emoções dirigidas para a mãe ou
para aquela (ou aquele) que a substitui. Para Piaget, estas *estruturas* evolutivas que lhe
servem para definir os estádios do desenvolvimento da criança (cujo número varia de
acordo com os escritos do autor...) são indissociáveis das *condutas*, já não definidas em
termos *behavioristas* como simples reacções a estímulos externos (o célebre esquema
S :o R analisado nomeadamente por Pavlov), mas entendidas como respostas às
*necessidades* resultantes da interacção entre o organismo e o seu meio físico e social.
Assim, qualquer acção (gesto, sentimento, pensamento...) é concebida como uma tentativa
para reduzir uma tensão, um desequilíbrio entre as necessidades do organismo e os recursos
do meio: ela é finalizada em torno de um objectivo a atingir (restabelecer o equilíbrio) e
definida pelos instrumentos accionados para a realizar. Esta acção consuma-se quando a
necessidade é satisfeita, isto é, quando o equilíbrio é (re)encontrado. Este modelo
*homeostático* (o movimento definido como restabelecimento de um equilíbrio com o
ambiente), muito difundido nesta época nas ciências da vida, conduz Piaget a conceber o
desenvolvimento da criança e, portanto, a sua socialização -- que constitui um elemento
essencial daquele -- como um processo activo de adaptação descontínua a formas mentaise
sociais cada vez mais complexas.
Para cada estádio, esta adaptação é descrita por Piaget como a resultante e a articulação de
dois movimentos complementares ainda que de natureza diferente:
-- a *assimilação* consiste em "incorporar as coisas e as pessoas externas" às estruturas já
construídas. Assim, a sucção é prioritariamente, para o recém-nascido, um reflexo de
incorporação bucal do mundo (vivido como "realidade a sugar" de acordo com os termos de
Piaget) que o conduz a generalizar a conduta (ele chupa o seu polegar, os dedos de outrem,
os objectos que lhe são apresentados...) a tudo aquilo que lhe dá :, prazer depois de na
prática ter discriminado aquilo que correspondia à sua necessidade vital (o seio da mãe, o
biberão...). Da mesma forma, o reflexo do sorriso é, em primeiro lugar, reservado a algumas
pessoas (quinta semana) antes de ser generalizado a qualquer rosto humano. Mais tarde,
transformar-se-á em expressão voluntária de um sentimento diferenciado. Estas condutas
envolvem, assim, formas de assimilação especificas a cada um dos estádios de
desenvolvimento da criança: num determinado momento elas constituem uma modalidade
de relação com o mundo adaptada a um estádio de maturação biológica da criança. Quando
a criança evolui, tornam-se simultaneamente necessárias e possíveis novas formas de
assimilação;
-- a *acomodação* consiste em "reajustar as estruturas em função das transformações
exteriores". Assim, as mudanças do ambiente são fontes perpétuas de ajustamentos: se se
passar do seio materno ao biberão, o reflexo de sucção modifica-se; os sorrisos modificam-
se também de acordo com as pessoas que se debruçam sobre o bebé... Estas variações
contribuem para aquilo a que Piaget denomina por "construção do esquema prático do
Objecto", que é uma condição para a descoberta activa da permanência dos objectos
(materiais ou humanos) mesmo quando eles estão ausentes. Estas variações permitem,
também, as estruturações do espaço e do tempo e a emergência das modalidades sucessivas
de reconhecimento das relações de causalidade. Estes quatro elementos (esquemas práticos,
espaço, tempo, causalidade) entram na composição das estruturas mentais características de
cada um dos estádios significativos do desenvolvimento da criança.
Estas estruturas mentais são inseparáveis das formas relacionais pelas quais elas se
exprimem em relação ao outro. Assim, a cada um dos estádios definidos por Piaget,
podemos fazer corresponder formas típicas de socialização que constituem modalidades de
relação da criança com outros seres humanos. Passa-se, deste modo, segundo o autor, do
*egocentrismo* inicial do recém-nascido caracterizado por "uma indistinção do Eu e do
mundo" à *inserção* terminal do adolescente escolarizado no mundo profissional e na vida
social do adulto. Entre estes dois estádios extremos, a criança aprendeu, em primeiro lugar,
a exprimir sentimentos diferenciados graças à estruturação de percepções organizadas (e à
solicitação do meio envolvente); em segundo lugar, aprendeu a imitar os seus semelhantes,
diferenciando nitidamente o pólo interno (o Eu) do pólo externo (o Objecto); em seguida,
graças à palavra, aprendeu a praticar trocas interindividuais, descobrindo e respeitando as
relações de *constrangimento* exercidas pelo adulto; finalmente, aprendeu a passar do
constrangimento à *cooperação*, graças ao domínio conjunto da "reflexão como discussão
interiorizada consigo mesmo" e da discussão como "reflexão socializada com o outro", o
que lhe permitiu, simultaneamente, adquirir o sentido da justificação lógica e da autonomia
moral (cf. quadro 1.1.). :,
Quadro 1.1.
Desenvolvimento mental e socialização em seis estádios
(2) segundo Piaget (1964)
(2) A partir dos finais dos anos 60, Piaget passou a referir-se a um desenvolvimento em
quatro estádios: sensório-motor (I II e III), pré-operatério (IV), operatório concreto (V) e
formal (VI).
:::::::
Os estádios de desenvolvimento (versão 1964) -- Dimensão individual: estruturas mentais
-- Dimensão social:
formas de socialização
I. Estádio dos reflexos -- Tendências instintivas - Egocentrismo inicial
II. Estádio dos primeiros habitus motores -- Percepções organizadas - Primeiros
sentimentos diferenciados
III. Estádio da inteligência sensório-motora -- Regulações elementares de ordem prática --
Imitação como primeira "socialização da acção"
IV. Estádio da inteligência intuitiva -- Imagens e intuicões representativas "génese do
pensamento" -- Submissão aos adultos por *constrangimento*
V. Estádio da inteligência concreta -- Passagem às operações:
Explicações pelo atomismo -- Sentimentos e práticas de *cooperação*
VI. Estádio da inteligência abstracta-formal --- Construção de teorias ; Pensamento
hipotético-dedutivo; Categoria do "possível" -- Inserção social e profissional
::::::::
Esta passagem do constrangimento à cooperação, isto é, a passagem da submissão à ordem
social (parental e escolar) para a autonomia pessoal através da cooperação voluntária (com
os adultos e as outras crianças) constitui um ponto essencial na análise piagetiana da
socialização. É em torno desta passagem que, desde 1932, na obra *Le Jugement moral
chez l'enfant*, Piaget define o núcleo duro da sua concepção de socialização e a diferencia
da de Durkheim.
Para melhor compreender esta concepção, sigamos o autor na descrição do seu exemplo
favorito: o jogo de berlindes.
"Um grupo de crianças joga aos berlindes. Quer do ponto de vista da prática das regras,
quer do da consciência destas, o comportamento das crianças varia com o nível etário...
Pode-se dizer que os mais pequenos não jogam ao berlinde; manipulam as bolas tratando-as
segundo esquemas perceptivos e motores muito simples... A criança responde às
propriedades do objecto (forma, consistência, tamanho...) segundo alguns esquemas
corporais (empurrar, puxar, amontoar, etc.). A criança brinca sozinha mesmo quando está
em grupo. Não há cooperação, e não há, :, rigorosamente, o sentimento de que uma ganha e
a outra perde. Na realidade, ela não tem consciência de que algumas jogadas são permitidas
e outras proibidas... Os maiores, pelo contrário, são totalmente absorvidos pelo seu jogo. Se
os interrogarmos sobre as regras, eles respondem: "as regras foram feitas por nós...
podemos mudá-las na condição de estarmos de acordo, mas enquanto se mantiverem todos
devem respeitá-las." (Piaget, 1932).
Nesta obra da sua juventude, Piaget distinguia quatro estádios que correspondiam a quatro
concepções da norma:
-- o estádio "motor e individual" (antes dos 2 anos). Neste estádio, só se pode falar de
norma por referencia às "regras motoras";
-- o estádio "egocêntrico" (dos 2 aos 5 anos) que começa quando a criança recebe do
exterior o conjunto das regras codificadas. Neste estádio, mesmo ao brincar em grupo, cada
criança brinca para si. A confusão entre o eu e o mundo exterior e a ausência de cooperação
constituem um só e mesmo fenómeno: o egocentrismo que só pode ser limitado pelo
constrangimento;
-- o estádio da cooperação emergente (7 aos 12 anos). Neste estádio, cada jogador procura
ganhar aos outros, o que provoca o aparecimento da preocupação com um controlo mútuo e
com a unificação das regras, as quais, contudo, permanecem informais apesar de serem
parcialmente negociadas (jogada a jogada);
-- o estádio da codificação das regras (depois dos 12 anos). Neste estádio, os jogadores
tomam consciência da existência e da necessidade de regras formais. No domínio
intelectual, eles verificam a coerência dessas regras e, no domínio moral, eles discutem a
sua justificação.
Poder-se-ia, assim, associar estas quatro formas sucessivas da socialização a quatro
maneiras de jogar: uma forma gestual e motora que só é regulada por uma repressão directa
que pode ser afectuosa ("seu maroto") ou violenta (um par de bofetadas); uma maneira
solitária e egocêntrica que só pode ser regulada pelo constrangimento ("se não vens comer,
quando chegares já não há nada..."); uma maneira cooperativa, mas informal, que pode
sempre degenerar e deve ser vigiada mais ou menos discretamente ("não, não tens o direito
de fazer isso..."; uma maneira cooperativa formalizada e dinâmica que assenta na
negociação recíproca e na adaptação comum às situações: a regulamentação inclui neste
caso a consciência das regras sociais existentes e a capacidade de jogar colectivamente de
acordo com estas regras.
O próprio Piaget resume o processo geral da socialização da criança através das quatro
transformações seguintes (1964, pp. 71-75):
-- a passagem do respeito absoluto (aos pais) para o respeito mútuo (crianças/adultos e
crianças/crianças); :,
-- a passagem da obediência personalizada ao sentimento da regra: esta torna-se. no último
estádio, a expressão de um acordo mútuo, um verdadeiro "contrato";
-- a passagem da heteronomia total à autonomia reciproca, que implica no último estádio a
fixação de sentimentos novos como "a honestidade, a camaradagem, o *fair play*, a
justiça";
-- a passagem da energia à vontade que constitui uma "regulação activa da energia"
(supondo uma hierarquização, nomeadamente uma hierarquização entre dever e prazer).
No fim do processo de socialização da criança, "os valores morais organizam-se em
sistemas autónomos comparáveis aos agrupamentos lógicos". Reencontramos aqui o
"núcleo duro" da concepção piagetiana da socialização: a reciprocidade entre estruturas
mentais e estruturas sociais, a correspondência, em cada estádio, entre as operações lógicas
e as acções morais, isto é, sociais: "a moral é uma espécie de lógica dos valores e das
acções entre indivíduos da mesma forma que a lógica é uma espécie de moral do
pensamento" (1964, p. 72).
1.2. Durkheim e Piaget: um debate inacabado
Na segunda parte da obra *Jugernent moral*..., Piaget envolve-se num debate construtivo
com Durkheim que se insere numa "confrontação das teses essenciais da sociologia e da
psicologia genética que dizem respeito precisamente à natureza empírica das regras
morais".
Este debate faz aparecer, em primeiro lugar, uma série de convergências entre as primeiras
análises de Piaget e as presentes, por exemplo, em *L'Éducation morale* (Durkheim, 1902-
1903) ou em *De la Division du travail social* (Durkheim, 1893).
Piaget adopta a definição durkheimiana da educação entendida como "socialização
metódica da geração jovem" (Durkheim, 1911, ed. 1966, p. 92), precisando -- como, aliás, o
faz Durkheim -- que esta socialização não depende somente da geração precedente, mas
também dos próprios indivíduos. Cada geração deve socializar-se por si própria, tendo por
base os "modelos culturais transmitidos pela geração precedente" (Durkheim, 1902-1903,
ed. 1963, p. 4). Para ambos, a socialização é uma "educação moral". Enquanto para
Durkheim ela é, basicamente, uma *transmissão* do "espírito de disciplina" assegurada
pelo constrangimento, complementada por uma "ligação aos grupos sociais" e interiorizada
livremente graças à "autonomia da vontade" (Durkheim, 1902-1903), para Piaget, ela é,
fundamentalmente, uma *construção*, sempre activa e até interactiva, de novas "regras do
jogo", implicando o desenvolvimento autónomo da "noção de justiça" e a substituição de
"regras de constrangimento" pelas "regras de cooperação" (Piaget, 1932, p. 419).
Piaget reconhece, aliás tal como Durkheim, que a socialização se baseou historicamente no
constrangimento e na conformidade "natural" a modelos exteriores. Ele partilha a teoria do
"pecado mortal" desenvolvida por Durkheim (1893): "A existência da moral :, só pode ser
assegurada se houver sanções" que reforçam o sentimento moral na medida em que o
"pecado mortal" é "aquilo que ofende os estados fortes e definidos do sentimento
colectivo". Neste sentido, a socialização contém em si uma dimensão repressiva: aqueles
que transgridem abertamente as regras aceites devem ser punidos e é essencial que as
sanções exercidas sejam proporcionais à gravidade dos crimes cometidos. Como escreveu
Piaget, "a exterioridade inicial das relações sociais desencadeia inevitavelmente um certo
realismo moral" (1932, p. 136). Se as regras, tal como as crenças e os valores que as
fundamentam, se impõem, fundamentalmente, do exterior (tanto na criança como nas
sociedades ditas "primitivas"), é também preciso que as sanções "recaiam" sobre aqueles
que as transgridem, contribuindo assim para consolidar o respeito pelas regras pelos outros.
Piaget e Durkheim estão também de acordo no reconhecimento da individualização
crescente da vida social à medida que as trocas se desenvolvem e se complexificam. A
passagem de uma solidariedade mecânica por "imitação exterior" para a solidariedade
orgânica através da "cooperação e complementaridade" (Durkheim, 1993) desenvolve a
individualização e a diferenciação das relações sociais. Ora, "a vida social, à medida que se
individualiza, torna-se mais interiorizada" (Piaget, 1932, p. 138). É necessário, por isso,
apelar para a autonomia da vontade mais do que para o medo da repressão. A socialização
torna-se, assim, cada vez mais voluntária.
Onde Piaget se afasta de Durkheim é quando este estabelece uma equivalência pura e
simples entre os objectivos e os efeitos do *constrangimento* externo e os da *cooperação*
voluntária. Na realidade, como assinalou Nisbet (1966, trad. 1984, pp. 114 e seguintes),
Durkheim, depois de na primeira parte *De la Division du travail social* ter oposto as
sociedades ditas "primitivas" apoiadas na solidariedade mecânica às sociedades industriais
apoiadas na solidariedade orgânica, relativiza esta posição na segunda parte desta obra. Ele
escreveu nomeadamente que "a divisão do trabalho só pode ser consumada entre os
membros de uma sociedade já constituída... Embora a divisão do trabalho suponha a vida
social, esta pode existir para além daquela... Existem sociedades cuja coesão é assegurada
essencialmente pela comunidade de crenças e de sentimentos e... foi destas sociedades que
saíram aquelas, cuja unidade é assegurada pela divisão do trabalho" (Durkheim, 1893, 8.a
ed. 1967, pp. 259-261). Deste modo, Nisbet realça com pertinência que "no seguimento da
obra de Durkheim a sociedade tornou-se um conjunto complexo de elementos sociais e
psicológicos que, inicialmente, eram apenas específicos das sociedades primitivas". De
facto, "Durkheim considera que os atributos da solidariedade mecânica são a característica
permanente de *todos os factos sociais*" (Nisbet, *id.*, p. 116). Sem ir tão longe, Piaget
constata e critica também o facto de, para Durkheim, o constrangimento social
característico da sociedade mecânica possuir a mesma função e assegurar os mesmos
efeitos que a cooperação, que é um atributo da solidariedade orgânica, a saber, o
desenvolvimento em cada um de uma "consciência colectiva", simultaneamente, intrínseca
e exterior ao indivíduo. É esta assimilação que Piaget rejeita, não por :, "psicologismo",
mas porque ele não partilha da mesma concepção que Durkyheim tem da sociedade
moderna e não interpreta da mesma forma a passagem das sociedades tradicionais às
sociedades industriais: "as nossas sociedades civilizadas contemporâneas tendem cada vez
mais a substituir a regra de constrangimento pela regra de cooperação". Faz parte da
essência da democracia considerar a lei como um produto da vontade colectiva e não como
emanação de uma vontade transcendente ou de uma autoridade de direito divino" (Piaget,
1932, p. 419).
Ao contrário de Durkheim, Piaget estabelece, assim, um corte radical e uma oposição
efectiva entre as *relações de constrangimento* fundamentadas nos laços de autoridade e
no sentimento do sagrado (sociedades tradicionais) e as *relações de cooperação*
fundamentadas no respeito mútuo e na autonomia da vontade (sociedades modernas). A
passagem das primeiras para as segundas é apresentada por Piaget como a confluência de
uma "evolução intelectual" e do "desenvolvimento moral" que torna possível a construção
voluntária de novas relações sociais que englobam a evolução e o desenvolvimento das
próprias crianças. O que Durkheim não teve em conta é "que existem relações sociais
específicas aos próprios grupos infantis: as regras das crianças também são sociais. Elas
apoiam-se sobre outros tipos de relação de autoridade... e alguns pedagogos questionam-se
mesmo sobre a possibilidade de utilizar estas regras nas aulas" (Piaget, 1932, p. 417).
Finalmente, entre Durkheim e Piaget existe uma divergência a propósito da seguinte
questão: poder-se-á ainda falar "da" sociedade a propósito das sociedades modernas?
DurkLeim pensa que sim e Piaget duvida: "a moral apresentada ao indivíduo pela sociedade
não é homogénea porque *a sociedade em si não é única. (3) A sociedade é o conjunto das
relações sociais" (Piaget, 1932, id.). Ora, para Piaget os dois tipos de relações precedentes
(constrangimento/cooperação) são fundamentalmente diferentes, razão pela qual ele não
pode definir a socialização apenas em termos de integração -- mesmo que activa ---numa
sociedade unificada. O seu debate com Durkheim deve ser situado na própria concepção do
social, de forma a que se possa esclarecer assim as condições de uma abordagem
sociológica da socialização.
(3) Sublinhado do autor.
(4) Isto é, a representação mais geral do que é "o social" na comunidade dos especialistas
de ciências sociais. Considera-se geralmente que há dois grandes 'paradigmas" do social: o
paradigma "holista" que considera a sociedade como uma totalidade, um "organismo"; e o
paradigma "individualista" ou "atomista" que a considera como um conjunto de indivíduos
aut6nomos (Boudon, Bourricaud, 1982). De facto, a maioria dos teóricos da sociologia
combinam elementos retirados destes dois paradigmas.
A concepção paradigmática (4) do social, de Piaget, só será explicitada muito mais tarde,
no texto citado no princípio deste capítulo e intitulado "A explicação em sociologia"
(1965). Situando-se na polémica estéril que opõe G. Tarde e Durkheim, onde o primeiro f
"entendia a sociedade como o resultado da socialização dos indivíduos" assegurada por
imitação (1965, p. 28), e o segundo considerava a "consciência colectiva" como uma
substancia e uma causa, "um núcleo inconsciente de emanações conscientes" (p. 29), Piaget
rejeita esta oposição e qualifica a sua posição de *relativista*, definindo aquilo que ele
denomina de "todo social": "nem uma reunião de elementos anteriores, nem uma entidade :,
nova, mas um sistema de relações, onde cada uma das relações, enquanto relação, engendra
uma transformação dos elementos que relaciona" (p. 29). A posição de Piaget nem
individualista-atomista, que define o social como agregação de indivíduos, nem holista-
organicista, que considera o social como uma globalidade realista, pode ser qualificada de
relacionista-construtivista na medida em que ela considera a sociedade como "um sistema
de actividades cujas interacções elementares consistem em acções que se modificam umas
às outras de acordo com determinadas leis de organização ou de equilibração" (pp. 29-30).
A socialização pode, por isso, ser definida como um processo descontinuo de construção
colectiva de condutas sociais que integra três aspectos complementares:
-- o aspecto cognitivo representando a estrutura da conduta e traduzindo-se em *regras*;
-- o aspecto afectivo representando o energético da conduta e exprimindo-se em *valores*;
-- o aspecto expressivo (ou "conativo") representando os significantes da conduta e
simbolizando-se em *signos*.
Nas suas investigações formais, Piaget não fornece traduções operatórias destes três
aspectos da socialização. Encontramos traduções sociológicas diversas ao longo desta obra
(cf. quadro 1.3.). Para Piaget, eles constituem os materiais de base com os quais se estrutura
o desenvolvimento da criança e se constrói a sua socialização activa.
Esta construção assenta na correlação essencial entre estruturas sociais e estruturas mentais,
isto é, entre a socialização concebida como construção de formas de organização das
actividades e a socialização concebida como modos de desenvolvimento dos indivíduos.
Assim, o social pode ser sempre analisado e reconstruído, tanto a partir da análise
"objectiva" das formas de organização colectiva e da sua génese, como a partir da análise
"subjectiva" dos conteúdos de representações mentais e individuais e do seu aparecimento.
A correspondência entre estas duas abordagens baseia-se no paralelismo psicossociológico
que postula a reciprocidade entre as representações mentais -- interiorização das estruturas
sociais -- e as cooperações sociais - exteriorização das estruturas mentais.
Este "paralelismo psicossociológico" explica a razão por que Piaget, nas suas análises do
desenvolvimento da criança, nunca pôde separar -- mesmo por uma abstracção
metodológica que teria sido legítima -- as formas sociais de cooperação das formas lógicas
de construção mental. Piaget não só recusou sempre postular a anterioridade lógica ou
cronológica das estruturas sociais relativamente às estruturas mentais, como também nunca
realizou nenhuma dissociação metodológica de umas relativamente às outras. "Assim,
como ele escreveu, se o progresso lógico acompanha o da socialização, dever-se-á admitir
que a criança se torna capaz de operações racionais porque o seu desenvolvimento social a
torna apta à cooperação ou dever-se-á admitir, pelo contrário, que são as suas aquisições
lógicas individuais que lhe permitiriam compreender os outros e que a conduziriam assim à
cooperação? Uma vez que estes dois tipos de progresso se desenvolvem paralelamente,
*a :, questão parece não ter solução*, a não ser que eles constituam dois aspectos
indissociáveis de uma só e mesma realidade que é simultaneamente social e individual"
(1965, p. 158).
Compreende-se melhor a dificuldade experimentada pelo autor, quando, na análise dos
processos de socialização, procura precisar os objectos da psicologia e da sociologia. Por
vezes, ele inclui a primeira na segunda: "a psicologia da criança constitui um sector da
sociologia consagrado ao estudo da socialização do indivíduo" (1965, p. 23). Outras vezes,
afirma a autonomia da perspectiva sociológica: "a análise sociológica dos factos de
socialização pressupõe um método novo incidindo sobre o conjunto do grupo, considerado
como sistema de interdependências construtivas" (*id.*, p. 16). Ele chega mesmo a
reconhecer, com humor, a superioridade desta abordagem: "a sociologia possui o grande
privilégio de situar as suas investigações numa escala superior à da nossa modesta
psicologia e, por conseguinte, de dominar os segredos de que dependemos" (Piaget, 1966,
p. 248). Mas qual é este "novo método" que permite à sociologia "situar-se numa escala
superior"? Piaget nunca o clarifica. Nesta perspectiva, o debate com Durkheim foi sempre
inacabado...
Os seguidores de Piaget apenas constataram que "Piaget não criou um paradigma
psicossociológico do desenvolvimento cognitivo" (Doise, 1982). Se a sua concepção
relacionista do social é claramente explicitada do ponto de vista teórico e se demarca da de
Durkheim, a verdade é que ela continua sem tradução metodológica: no objecto
"socialização da criança" Piaget não realizou a distinção entre um ponto de vista
psicológico, centrado nas estruturas mentais, e um ponto de vista sociológico, focalizado
nas formas sociais de cooperação. Será que outros o fizeram depois dele? Será possível
construir uma abordagem sociológica de inspiração piagetiana?
1.3. Uma aplicação em sociologia da educação
Em que medida esta teoria do desenvolvimento psicogenético como equilibração pode
servir a análise sociológica? Não será que ela se opõe à abordagem "clássica" da sociologia
da educação, que, por exemplo, realça as desigualdades sociais de sucesso escolar e de
inserção profissional, as determinações de origem social sobre o nível escolar e a posição
social? Não voltaremos com Piaget a cair numa dessas pseudoteorias do "homem médio" já
criticadas por Durkheim (1987) na sua polémica com G. Tarde e com as suas explicações
através da imitação?
Podemos encontrar elementos interessantes de resposta a estas questões numa investigação
recente realizada por um investigador em psicologia, que se reclama explicitamente de
Piaget e que procura esclarecer alguns mecanismos responsáveis pelas desigualdades
sociais de sucesso escolar. Através de uma pesquisa empírica, J. Lautray procurou
confirmar a hipótese de que "as condições de vida e de trabalho ligadas ao estatuto
socioeconómico dos pais determinam as práticas educativas que, por sua vez, influenciam o
:, desenvolvimento intelectual da criança" (Lautray, 1984, p. 18). Para operacionalizar esta
hipótese. Lautray, a partir de uma amostra de crianças de escola elementar, identificou três
tipos de estruturação do ambiente familiar: uma estruturação fraca, correspondendo à
ausência de regras e de previsibilidade que é pouco favorável à reestruturação em caso de
desequilíbrio; uma estruturação rígida, constituída por regras fixas e constrangedoras e, por
isso, pouco favorável ao desequilíbrio inicial necessário ao desenvolvimento; uma
estruturação flexível, correspondendo a regras condicionais favoráveis simultaneamente ao
desequilíbrio e à reestruturação. Ele estabelece a seguinte relação: "quanto mais alta for a
profissão do pai na hierarquia social, mais flexível é o tipo de estruturação, e quanto mais
baixa for a profissão, mais rígido será o tipo de estruturação" (*id.*, p. 115). Ele
demonstrou, finalmente, que, "do ponto de vista do estádio atingido no seu
desenvolvimento operatório, as crianças educadas num ambiente familiar flexível estão em
avanço relativamente aos outros dois grupos" (*id.*, p. 214). Referenciando-se
explicitamente ao processo de equilibração das estruturas cognitivas de Piaget, ele procurou
estabelecer deste modo uma dupla relação entre, por um lado, o ambiente educativo
familiar e o sucesso escolar das crianças e, por outro, entre o ambiente familiar e "o papel
dos pais no sistema de produção".
Esta tentativa apoia-se numa série de hipóteses causais que se pode explicitar da seguinte
forma (cf. esquema 1.2.):
-- a verificação de uma relação estatística entre o sucesso escolar das crianças (medida aqui
pelo facto de ela estar adiantada ou em atraso na escolaridade primária) e a posição social
dos seus pais (medida através do grupo socioprofissional do pai) pode ser decomposta
recorrendo a uma variável intermediária: o tipo de estruturação do ambiente familiar
(medido através de um questionário que permitiu dividir as famílias em três tipos:
fraco/flexível/rígido);
-- a relação estatística verificada entre sucesso escolar e tipo de estruturação familiar pode
ser interpretada através do esquema teórico de equilibração das estruturas cognitivas
(Lautray, p. 237): "um ambiente familiar apresentando em simultâneo perturbações capazes
de suscitarem desequilíbrios e regularidades capazes de permitirem reequilibrações
(flexíveis) parece mais favorável ao processo de reconstrução de novas estruturas mentais
que os ambientes que são ricos em regularidades, mas pobres em perturbações (fracas)". Se
os alunos pertencentes a fami1ias em estraturação flexível estão frequentemente mais
"adiantados" que os outros, é porque o seu ambiente familiar facilita o desenvolvimento
mental que se exprime através do seu sucesso escolar;
-- a relação estatística verificada entre o tipo de estruturação familiar e o estatuto social
medido pela posição socioprofissional do pai (as famílias "flexíveis" têm muitas vezes um
estatuto social elevado) pode ser interpretada recorrendo à hipótese seguinte os pais
transferem para o universo familiar os modos de organização e de estruturação das tarefas
que regem o seu trabalho profissional. As famílias situadas :, na base da escala social (pais
operários ou empregados) adoptam uma estruturação rígida porque as tarefas profissionais
dos pais (as do pai pelo menos) são "concebidas por outros e directamente submetidas ao
controlo hierárquico" sendo, portanto, rígidas. As famílias situadas no topo da escala
(quadros das empresas, patrões ou profissões liberais) adoptam uma estruturação flexível
porque as suas tarefas profissionais implicam iniciativas e responsabilidade sendo, portanto,
estruturadas de uma forma flexível.
Esquema 1.2.
Esquema explicativo desenvolvido por J. Lautray (1984)
:::::::::
Posição social dos pais
*
*
*
Estatuto
socioprofissional
do pai (CSP)
(alto/médio/baixo)
:o Causalidade
Estruturação das
tarefas e dos papéis na
divisão do trabalho
Ambiente familiar
*
*
*
Tipo de
estruturação das
regras educativas
(flexível/rígido/fraco)
:o Correlação
Desenvolvimento mental como
processo de equilibração
Sucesso escolar dos filhos
*
*
*
Posição ao longo da
escola primária
(adiantado/na altura
certa/atrasado)
*** Indicador
::::::::::
Considerando as correlações estatísticas postas em evidência, as variáveis intimamente a
elas ligadas e a explicação causal de conjunto, verifica-se que, entre elas, surgem hipóteses
explicativas complexas que exigem ser traduzidas e testadas empiricamente. A este
respeito, podemos interrogar-nos acerca dos pontos seguintes:
-- o que é que mede, de facto, o sucesso escolar ou mais concretamente o facto de se estar
avançado ou atrasado na escola primária? Será que o sucesso sanciona um nível (estádio?)
de desenvolvimento mental na criança ou um grau de adequação entre as regras, os valores
e os signos (tipo de linguagem e dependência da linguagem) do universo familiar e dos
universos da escola? As pesquisas realizadas a este propósito pelo sociólogo inglês Basil
Berustein mostram a grande importância que o código linguístico que rege as comunicações
no seio da família (e nomeadamente entre a mãe e as crianças) tem no sucesso escolar das
crianças. As crianças de origem popular, que utilizam um "código restrito", encontram-se
muito mais frequentemente em situação de insucesso escolar do que aquelas que utilizam,
no universo familiar, um "código generalizado" que supõe uma relação com a língua (de
tipo :, abstracto, formal, distanciado...) valorizada pela escola (Bernstein, 1971). Sem serem
contraditórias com as interpretações de Lautray, estas análises evitam a noção de
"desenvolvimento mental" para se centrarem exclusivamente nas *formas de comunicação*
interpretadas em termos de cultura e de poder e não em termos cognitivos (cf. capítulos II e
III);
-- quais são os pressupostos da hipótese de que os universos profissionais dos pais
(principalmente as do universo profissional do pai) se transferem para a família e para a
educação da criança? Para além de implicar uma representação muito simplificada do
funcionamento da divisão do trabalho (de tipo "taylorista"), esta hipótese pressupõe a
existência de uma correspondência estreita entre condições de vida (familiar) e condições
de trabalho (profissional), não só no plano material (remuneração e nível de vida), mas
também no plano social (organização do trabalho/organização doméstica). Ela pressupõe,
portanto, uma fraca autonomia da esfera familiar em relação à do trabalho profissional. Não
será este pressuposto contraditório com a posição de Piaget que afirma a crescente
multiplicidade dos tipos de relações sociais e a ausência de unidade do funcionamento
social? Não poderão as normas familiares ser construídas em oposição às do universo
profissional (do pai)? Não terão as normas familiares mais relações com as normas que
regem as fami1ias dos pais (da mãe) do que com aquelas que estruturam o trabalho
profissional (do pai)? As recentes investigações no que se refere à influência do nível de
instrução e da origem social das mães sobre o sucesso escolar dos filhos (Establet, 1988)
mostram que as mudanças biográficas e culturais de uma geração para a outra influenciam
os resultados escolares dos filhos tanto, e até mais, do que as condições económicas dos
pais. O inquérito realizado entre 1962 e 1972, sob a direcção de A. Girard, junto de uma
*coorte* de alunos que terminaram a escola primária em França, puseram em realce esta
influência: para rendimentos iguais, as habilitações dos pais estão nitidamente
correlacionadas com o sucesso escolar das crianças, enquanto o inverso não é verdadeiro:
para as mesmas habilitações, os rendimentos das fami1ias exercem pouca influência no
rendimento escolar das crianças (P. Clerc, 1964).
Embora possamos considerar como globalmente verdadeiro, como conclui J. Lautray, que
"são as mesmas pessoas as que têm as condições de vida e as condições de trabalho mais
constrangentes," (1984, p. 2403 e que "são as crianças cujos pais têm as condições de vida
mais constrangentes aquelas que têm menor êxito escolar", não se pode inferir dai que as
condições económicas dos pais determinam directamente o desenvolvimento intelectual das
crianças. Para além dos mecanismos que, num dado momento, regem a organização
familiar, existem outros que influenciam a estruturação cognitiva das crianças. As formas e
conteúdos de comunicação entre filhos e pais (nomeadamente as mães) têm tanta influência
como as regras da vida em comum. Estas regras não podem também ser deduzidas
directamente das tarefas profissionais realizadas pelos pais (nomeadamente o pai): :, elas
derivam, também, dos modelos culturais transmitidos de uma geração para a outra, e
resultam do tipo de formações seguidas pelos pais (nomeadamente pelas mães).
A pesquisa de J. Lautray representa, no entanto, uma tentativa interessante de aplicação dos
esquemas piagetianos numa perspectiva sociológica. Ela constitui uma tradução empírica
do processo de equilibração enquanto processo de construção de estruturas mentais
dependentes das condições sociais: para passar de uma forma de relações para outra, é
necessário poder mudar as regras anteriores bem como a relação com estas regras. E
necessário, por isso, estar inserido num ambiente "flexível", mas estruturante: a capacidade
de construir na família este tipo de "meio" de socialização depende das condições de vida,
dos valores e do sistema educativo familiar que constituem, para Lautray, as três dimensões
dos seus tipos de estruturação do ambiente familiar. A socialização da criança depende
muito das condições sociais -- tanto familiares como escolares -- da sua construção:
analisá-las e medir os seus efeitos constitui o objecto tradicional da sociologia da educação
(cf. capítulo III).
1.4. Uma transposição para a socialização política
No preâmbulo da exposição dos resultados de uma pesquisa sobre o universo político das
crianças, A. Percheron (1974) desenvolve a definição de uma "nova" abordagem dos
fenómenos da socialização, que se inscreve também na continuidade da problemática
piagetiana, e na sua sociologização operatória. Criticando a abordagem da socialização de
Durkheim, esta nova abordagem propõe uma definição da socialização entendida como
aquisição de um *código simbólico* resultante de "transacções" entre o indivíduo e a
sociedade (Percheron, 1974, p. 25). O termo transacção constitui uma transposição directa
da equilibração piagetiana: "qualquer socialização é o resultado de dois processos
diferentes: processo de assimilação e de acomodação. Pela assimilação, o sujeito procuraria
modificar o seu ambiente para o tornar mais conforme aos seus desejos e diminuir os seus
sentimentos de ansiedade e de intensidade; pelo contrário, pela acomodação, o sujeito teria
tendência a modificar-se para responder às pressões e aos constrangimentos do ambiente".
Desta problemática de base, A. Percheron retira um conjunto de consequências que
constituem, segundo ele, a problemática da socialização política:
1. A socialização é um processo interactivo e multidirecional: pressupõe uma *transacção*
entre o socializado e os socializadores; não sendo adquirida de uma só vez, ela passa por
renegociações permanentes no seio de todos os subsistemas de socialização. Como afirma
A. Percheron, "a socialização assume a forma de um acontecimento, de um ponto de
encontro ou de compromisso entre as necessidades e os desejos do indivíduo e os *valores*
dos diferentes grupos com os quais ele se relaciona" (1974, p. 26).
2. A socialização não é apenas, nem fundamentalmente, transmissão de valores, normas e
regras, mas "desenvolvimento de uma dada *representação do mundo*", nomeadamente de
mundos especializados", neste caso, o mundo político. Esta representação não é imposta de
uma forma acabada pela família de origem ou pela escola, mas cada indivíduo "constrói-a
lentamente, utilizando imagens retiradas das diferentes representações existentes, que ele
reinterpreta para formar um todo original e novo" (*idem*). Certamente que existem
sistemas tipificados de "representações automáticas" que permitem "respostas rápidas e
estereotipadas" (Moscovici, 1972, p. 282), mas o indivíduo reutiliza-os de acordo com as
suas aspirações e experiências.
3. A socialização não é, fundamentalmente, o resultado de aprendizagens formalizadas, mas
o produto, constantemente reestruturado, das influências presentes ou passadas dos
múltiplos agentes de socialização. Esta "*socialização latente*" é muitas vezes impessoal e
mesmo não intencional: se se pode falar de aprendizagem é de uma aprendizagem informal
e implícita cujo "papel é de tal forma importante que é ela que alarga a influência do ensino
e da maioria das mensagens da sociedade" (*id.*, p. 27).
4. A socialização é essencialmente *uma construção lenta e gradual de um código
simbólico* que não constitui, como em Durkheim, um conjunto de crenças e de valores
herdados da geração precedente, mas um "sistema de referência e de avaliação do real" que
permite "comportar-se de uma certa forma, numa dada situação". Reactualizando a
abordagem piagetiana, mobilizando os resultados mais seguros da psicolinguística e
aplicando-os ao campo da política, A. Percheron realça "que nunca há uma relação
'objectiva' com o político e que a significação de qualquer conceito e de qualquer noção
constrói-se através da sua relação com outras noções, após uma série de mediações e de
transformações: não há objecto, lei ou partido político, fora das representações que
subjazem a estes conceitos e não há representações fora do conjunto das atitudes que
organizam qualquer apreensão do real" e, portanto, nos permitem orientarmo-nos. Assim
"socializar-se é aprender a representar um significado (político neste caso) com a ajuda de
um dos múltiplos significantes que serve à sua representação" (*id.*, p. 37).
5. A socialização é, enfim, um processo de identificação, de construção de *identidade*, ou
seja, de pertença e de relação. Socializar-se é assumir o sentimento de pertença a grupos (de
pertença ou de referência), ou seja, "assumir pessoalmente as atitudes do grupo que, sem
nos apercebermos, guiam as nossas condutas" (*id.*, p. 32). A. Percheron chama a atenção
para uma aquisição essencial da antropologia cultural (cf. capítulo II): o sinal decisivo de
pertença ao grupo é a aquisição daquilo que Sapir chamava "saber intuitivo" (1967, t. 1, p.
41) e que Halbwachs designava de acordo com a interessante fórmula "começar a pensar
com os outros" (1950, p. 48). Este saber implica assumir-se, pelo menos parcialmente, o
passado, o presente e o projecto do grupo "tal como eles se exprimem no código simbólico
comum que funda. menta a relação entre os membros" (Percheron, *id.*, p. 32). :,
Mas qualquer abordagem empírica de identidade torna-se particularmente complexa pelo
facto de "não haver uma identificação única" dos indivíduos (cf. capitulo V). A criança tem
de construir a sua própria identidade através de uma integração progressiva das suas
diferentes identificações positivas e negativas, quer devido à multiplicidade dos grupos de
pertença ou de referência, quer devido à ambivalência das identificações: ambivalência
entre o desejo de ser como os outros, aceite pelos grupos de que se faz parte ou aos quais se
quer pertencer, e a aprendizagem da diferença ou o desejo de oposição àqueles grupos.
Como afirmava Lacan "o eu é um objecto comparável a uma cebola; poderíamos descascá-
lo e encontraríamos as sucessivas identificações que o constituem" (1953, 1981, p. 144).
Esta integração das identidades depende certamente do "sistema relacional do sujeito"
(Percheron, *id.*, p. 34), mas ela só se manifesta através da coerência de uma linguagem,
isto é, através da estruturação dos signos e dos símbolos que constitui, no fim de contas, "a
modalidade especifica da existência de um conjunto de símbolos que permite à linguagem
estar em relação com um dominio de objectos" (Foucault, 1969, p. 125). Eis a razão pela
qual, tendo definido a socialização política da criança como um processo de construção de
uma identidade, A. Percheron opta por estudar "alguns aspectos dos fenómenos e processos
de socialização recorrendo ao estudo da constituição do vocabulário político das crianças,
do desenvolvimento das representações que a ele se associam e, sobretudo, recorrendo à
organização do vocabulário em dimensões específicas" (*id.*, pp. 37-38).
Quadro 1.3.
Categorias de análise da socialização de A. Percheron reutilizando J. Pinget
:::::::
Categorias de análise da socialização:
Processo essencial
PIAGET:
Equilibração adaptações sucessivas entre o Eu e o Mundo
PERCHERON:
Transacção Indivíduo/instituições:
compromisso entre desejos individuais
e valores colectivos
Categorias de análise da socialização:
Domínios distintos e articulados
PIAGET:
Cognitivo :o regras
Afectivo :o valores
Expressivo :o signos
PERCHERON:
Pertença + Relação
Identidade social
Categorias de análise da socialização:
Resultado
PIAGET:
Estruturação de uma inteligência formal
permitindo a construção de
um programa de vida
"possível"
PERCHERON:
Construção/selecção de um
código simbólico "especializado" :,
::::::::::
A partir do que foi dito, vê-se claramente como é que a tentativa de tornar operatória uma
abordagem da socialização, previamente definida de uma forma muito "piagetiana" (cf.
quadro 1.3.), conduz a uma forma específica de análise da linguagem aqui análise
estatística do vocabulário político em crianças dos 10 aos 15 anos. destinada a discernir as
linhas de força, as dimensões essenciais do *campo das representações políticas*.
É que a organização das representações -- a estrutura do vocabulário político neste caso --
permite discernir, simultaneamente, a estruturação objectiva do campo político,
referenciando os sistemas de palavras às posições no espaço em função dos usos
linguisticos das diversas "forças políticas", e as estruturações subjectivas das diferentes
categorias de crianças referenciando-as às características sociais (profissão do pai, local de
habitação, etc.), psicológicas e biológicas (nível etário) destas crianças.
Os resultados empíricos da investigação de A. Percheron confirmam uma hipótese
importante: a estruturação do vocabulário político das crianças depende tanto da idade
como das características sociopolíticas do meio ambiente. Entre os 10-11 anos e os 13-15
anos produzem-se reorganizações significativas que manifestam uma actividade de
reestruturação simbólica por parte das próprias crianças. Tanto as representações como as
escolhas políticas não são transmitidas e constituídas de uma vez para sempre; constroem-
se como se fossem rearranjos periódicos, resultantes, simultaneamente, de novas
assimilações de elementos retirados dos diversos sectores do ambiente
(família, escola, pares, área residencial, freguesia, etc.) e de acomodações às evoluções
desses sectores, que permitem reorganizar de forma suficientemente coerente os elementos
(palavras, fórmulas, posições, símbolos...) de um sistema de representações políticas cada
vez mais interiorizado e constitutivo da identidade social a ser construída pela própria
criança. Neste sentido, a pesquisa de A. Percheron desenvolve uma abordagem de tipo
piagetiana, prolongando-a sociologicamente de forma a que a identidade em construção é
encarada como uma componente de pertença social (cf. capitulo V).
1.5. Uma perspectiva "genética" e "restrita" da socialização
A teoria piagetiana da socialização da criança, tanto psicológica como sociológica, permite,
finalmente, uma dupla ruptura, necessária a qualquer perspectiva operatória dos factos de
socialização:
-- uma ruptura com uma concepção da "formação" (5) encarada como inculcação de regras,
normas ou valores por parte das instituições junto de indivíduos passivos que assim são
progressivamente modelados por estes esquemas de pensamento e de :, acção. É esta
concepção. anunciada por qualquer perspectiva funcionalista da socialização (cf. capítulo
II), que constitui uma espécie de paradigma simplista e redutor -- que Boudon e Bourricaud
(1982, p. 483) chamam de socialização-condicionamento -- e que implica,
simultaneamente, uma representação substancialista das instituições (aparelhos de
socialização) e uma concepção determinista e mecanicista das práticas individuais
(comportamentos aprendidos);
(5) Utilizaremos, às vezes, o termo "formação" como sinónimo de "socialização" ainda que
em França este termo seja muitas vezes associado à ideia de aprendizagem de tipo escolar,
de cursos "formalizados" e organizados por instituições para ensinar saberes a indivíduos
considerados ignorantes. Mas todas as investigações cientificas sobre a socialização
mostram que esta representação está muito afastada dos processos reais de aprendizagem
socializada.
-- uma ruptura com uma representação linear e unificada da formação entendida como
acumulação de conhecimentos ou progressão contínua das competências. As noções de
"estádio" e de processo de equilibração reenviam para uma concepção dinâmica da
socialização da criança como desestruturação e reestruturação de equilíbrios relativamente
coerentes, mas provisórios: a passagem de uma coerência para outra implica uma crise" e a
reconstrução de novas formas de transacção (assimilação/acomodação) entre o indivíduo e
o seu meio social.
Esta passagem de uma forma de equilíbrio para outra implica uma primeira fase de
desestruturação que corresponde a uma crise das formas de transacção anterior, uma
segunda fase de desequilíbrio que corresponde a uma acomodação sem assimilação
(simples adaptação sem reequilibração) ou a uma assimilação sem acomodação (simples
crescimento sem reequilibração) e uma última fase de reestruturação que corresponde a um
novo equilíbrio dos dois processos. Este "modelo" pode ser considerado como o contributo
mais importante de Piaget para a análise dos processos da socialização.
No entanto, ele deixa em aberto uma questão fundamental: dever-se-á limitar o processo de
socialização assim concebido às crianças e considerar a adolescência como o período
biográfico de consumação desse processo? No contexto socioeconómico da época, esta
posição era defendida por Piaget pelas razões seguintes:
-- o estádio de inteligência formal é considerado como tendo sido atingido, por uma maioria
dos adolescentes, no momento em que se inserem na actividade profissional: num contexto
em que as competências necessárias para o primeiro emprego apelam essencialmente para
as capacidades de raciocínio adquiridas no final da escolaridade, o equilíbrio pode realizar-
se na e pela inserção profissional;
-- as características sociocognitivas dos adolescentes ao entrar na vida activa estruturam o
conjunto do percurso profissional ulterior: as mudanças significativas de situação de
actividade são raras e os estatutos adquiridos na entrada valem para o conjunto da vida
activa. As relações socioafectivas que se ligam à esfera familiar e à esfera profissional
formam um conjunto coerente que assegura aos adolescentes uma integração espontânea no
meio social familiar, estruturante para a personalidade que se tornou adulta.
O que é que acontecerá quando não se verificam as condições sociais que permitiam a
equilibração das actividades durante a adolescência? O que se passará quando as
organizações de trabalho modificam as suas exigências, excluem uma fracção dos jovens
e :, transformam as suas regras de funcionamento? Como pensar a socialização quando a
inserção no primeiro emprego se torna precária ou provisória para inúmeros jovens e
quando as mudanças de emprego, de ofício ou de profissão se multiplicam ao longo da vida
activa? Quais as consequências da dissociação crescente entre as esferas da actividade
social e da não coincidência sistemática dos acontecimentos (saída da escola, entrada numa
actividade estável. casamento). que marcam a entrada no "estádio terminal" de Piaget?
Poder-se-á responder a estas perguntas de várias formas. que têm incidências diferentes
sobre a própria concepção de socialização entendida como processo "genético .
A primeira consiste em considerar que estas transformações invalidam o tratamento
piagetiano da socialização no seu conjunto. E o sentido, por exemplo, da crítica que um
comentador de Piaget (Furth, 1981, pp. 15, e seguintes) levanta quando escreve: as
condições de socialização na família, já não se enquadrando funcionalmente com as
condições de filiação nas organizações, geram problemas insolúveis aos jovens... a crise da
adolescência torna-se aguda e durável devido às disparidades entre competências
requeridas, disposições adquiridas e motivações presentes". É por isso que, segundo este
autor, os processos descritos por Piaget "já não podem aplicar-se às condições sociais,
radicalmente diferentes daquelas que as tinham gerado". Devido à transformação das
formas de produzir e das formas sociais anteriores, o processo de socialização ter-se-ia
"transformado profundamente" e já não se enquadraria "nos pressupostos da abordagem de
Piaget". Em particular, o processo de socialização teria tendência a "envolver a totalidade
da vida dos indivíduos", pondo assim em causa "a ideia da existência de um estádio
terminal" e "a própria ideia de estádio". A abordagem de Piaget estaria assim historicamente
ultrapassada e deveria ser substituída por uma outra problemática.
A segunda, mais fecunda, consiste em conservar o "núcleo duro" da teoria piagetiana, ou
seja, a sua concepção da forma geral e dos mecanismos de base do processo de
socialização: descontínua, actuando por desequilíbrios e reequilíbrios, implicando um duplo
movimento de acomodação e de assimilação, ligando estruturas lógicas e formas sociais de
cooperação. Este processo deve passar a ser concebido como permanente e mais complexo:
permanente, porque a socialização já não acaba com a entrada no mercado do trabalho
(acabamento do "adulto médio" segundo Piaget), mas prolonga-se durante toda a vida
segundo o mesmo mecanismo de base (equilibração); mais complexo, porque já não se
pode falar de "estádio terminal" e porque a noção de estádio deve, em consequência disto,
ser relativizada. Segundo o que parece, foi o que Piaget e os seus colaboradores fizeram no
último período levando em conta as mudanças socioeconómicas: "os estádios da teoria
piagetiana do desenvolvimento são... períodos de estabilidade relativa... que comportam
todo o tipo de flutuações que nascem de situações mutáveis com as quais o indivíduo se
confronta" (Piaget, Garcia, 1987, p. 157). Na síntese consagrada aos adultos, G. Malglaive,
ao comentar este texto, acrescenta: "a referência aos estádios, sendo problemática em
relação à criança, torna-se enganadora ou até mesmo nefasta em relação ao adulto"
(Malglaive, 1990, p. 157). As conclusões de trabalhos recentes de psicologia cognitiva
reintroduzem "o mundo simbólico" como mediação essencial entre as estruturas :, lógicas e
as operações concretas, servindo-se, nomeadamente, da noção de "Sistemas de
Representação e de Tratamento", de J.-M. Hoc (1987). Estes trabalhos permitiram precisar
melhor o funcionamento das estruturas lógicas. Piaget e Garcia escrevem: "cada período ou
cada estádio têm problemas específicos que o sujeito é capaz de apreender... Em cada
período... o sujeito não utiliza uma única relação lógica mas várias. A linha de construção
de cada estrutura lógica segue um caminho complexo que lhe é específico e as linhas do
desenvolvimento não coincidem. *Os estádios de desenvolvimento não são determinados
pelo desenvolvimento das relações lógicas enquanto tais* (6) (qual deveríamos
privilegiar?). Dizer que determinadas estruturas características são activadas em cada
estádio não é, contudo, afirmar que o estádio é definido por uma única estrutura lógica"
(Piaget, Garcia, *id.*, p. 158). A cronologia dos estádios torna-se, então, muito mais
incerta: algumas crianças -- assim como alguns adultos -- podem ter êxito em provas
"formais" e falhar em provas "concretas"; podem mobilizar estruturas formais em
determinadas situações (escolares, por exemplo) e estruturas concretas noutras (situações
de trabalho ou da vida quotidiana). Os exemplos não faltam e mostram que um raciocínio
abstracto desenvolvido por um aluno ("criança" ou "adulto") na aula não é transferível para
uma situação extra-escolar. Pode estar-se seguro e ter boas notas nas provas teóricas em
electricidade e não conseguir mobilizar os conhecimentos num problema prático de
montagem eléctrica...
(6) Sublinhado dos autores.
O facto é que, na análise do desenvolvimento cognitivo, não podemos esquecer as
representações sociais através das quais os indivíduos atribuem um sentido às suas
situações de aprendizagem. Como afirma G. Vergnaud (M. R. T., 1989, pp. 54 e seguintes),
"o que um sujeito aprende numa situação nova depende do que faz nessa situação e da
interpretação que lhe dá". Referindo-se ao papel atribuído por Piaget, nas suas últimas
obras, à "tomada de consciência" (1974), o autor clarifica as condições de aquisição de um
esquema, isto é, dos invariantes lógicos que permitem a generalização ou a transferência de
uma competência de uma situação para outra: "para que estes invariantes se tornem
objectos, é preciso que a linguagem e as outras formas simbólicas permitam designá-los e
identificá-los e, simultaneamente, que outros sujeitos (pares, formadores) possam debater,
com o sujeito em formação, a veracidade ou a falsidade dos enunciados produzidos".
A relação essencial que Piaget estabelece entre estruturas lógicas e formas sociais é,
portanto, sempre mediatizada por representações simbólicas e nomeadamente pela
linguagem que tem uma função essencial de "codificação das situações vividas" (Bruner,
1983). Não é, pois, possível isolar a análise "genética" do desenvolvimento cognitivo da
análise "cultural" dos sistemas simbólicos e das "representações" que servem para definir e
interpretar as situações vividas. O processo individual de socialização não se desenvolve
num vazio cultural: activa formas simbólicas e processos culturais. A abordagem "restrita"
da psicologia genética reenvia-nos para abordagens "gerais" que fazem da socialização não
só um aspecto do processo de desenvolvimento individual, mas também a pedra angular de
todo o funcionamento social.
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(*) O ano entre parêntesis corresponde geralmente à data da primeira edição das obras.
2
A socialização na antropologia
e o funcionalismo
A psicologia genética esclarece alguns mecanismos fundamentais que tornam o recém-
nascido, egocêntrico e totalmente dependente, num adulto, membro cooperativo e
relativamente autónomo da "sociedade". Mas esta abordagem da socialização é "restrita": é
unicamente centrada no indivíduo-criança e ignora ou minimiza as enormes variações que
se podem observar nos "produtos" da socialização segundo as épocas, os tipos de
sociedades, os meios sociais, os grupos ou as classes sociais. Descobrindo e analisando o
funcionamento de sociedades diferentes -- designadas ainda, por vezes, de sociedades
"primitivas" --, os etnólogos e os antropólogos mostraram a diversidade das formas de
socialização. A acumulação de inquéritos, incidindo sobre as sociedades "tradicionais",
mostra claramente que os adultos produzidos pelas diferentes sociedades são tão diferentes
quanto os procedimentos educativos que lhes eram aplicados quando crianças e que estes
procedimentos não podem ser reduzidos a mecanismos universais (7). Como afirma C.
Lefort, no prefácio da obra de Kardiner, considerada como uma das obras fundadoras da
antropologia cultural: "a interpretação do desenvolvimento da criança está rigorosamente
subordinada aos resultados dos inquéritos realizados em diferentes sociedades" (Kardiner,
trad. 1969, p. 19). :,
(7) Desde a década de sessenta, os trabalhos de antropologia cognitiva (Dougherty, 1985) e
de psicologia transcultural (Warren, 1980) renovaram a questão dos "universais cognitivos"
e mostraram que comportamentos muito diversos, ligados a formas bastante diferentes de
aprendizagem, poderiam remeter para os mesmos processos cognitivos elementares
(categorização, generalização, diferenciação, resolução de problemas...).
Poder-se-á no entanto, retirar da comparação destes inquéritos um modelo geral do
funcionamento da socialização? Veremos que essa foi uma das maiores preocupações de
alguns sociólogos teóricos das diversas *correntes funcionalistas* das ciências sociais e que
conduziu à construção de uma síntese tão ambiciosa como frágil. Estes esforços de
teorização produziram, apesar disso, categorias e modelos de análise que servem, ainda
hoje, para analisar factos da socialização. Estes instrumentos permitem simultaneamente,
compreender os limites de qualquer teoria "geral" da socialização e discernir os problemas
com que se deve confrontar a sociologia empírica para fazer avançar o conhecimento dos
mecanismos concretos da produção social das personalidades.
2.1. Cultura e personalidade:
uma abordagem culturalista" da socialização
Ao apresentar e comparar três sociedades muito diferentes -- os Pueblos do Novo México,
os Dobu da Nova Guiné oriental e os Kwakiutls da costa noroeste da América --, Ruth
Benedict concluía o seu estudo da seguinte forma: "a maior parte das pessoas estão
moldadas à sua cultura, devido à grande maleabilidade da sua natureza original: elas são
adaptáveis à forma modelizadora da sociedade onde nasceram" (1935, trad. francesa, p.
336). Ela punha em evidência uma oposição radical -- que se tornou muito célebre entre a
personalidade e a organização dos índios Zuñi qualificada de *apolínea* porque
"incrivelmente doce", baseada no equilíbrio e na sobriedade e que se exprimia através de
um "cerimonialismo interminável", e a personalidade dos Kwakiutls qualificada como
dionisíaca porque movida pela rivalidade permanente dos indivíduos e dos grupos, agitada
por lutas, concorrências e destruições potlatchianas (8) e manifestando-se por constantes
"demonstrações de emoções". R. Benedict esclarecia, por outro lado, que nem todos os
indivíduos se sentiam à vontade no interior de cada uma destas sociedades e que só aqueles
que ela designava por "bafejados pela sorte" possuíam as "virtualidades que se aproximam
dos modelos de comportamento presentes na sua sociedade" (*id.*, p. 337). Os outros
procuram escapar e só rara e dificilmente o conseguem. Assim, "cada tribo possui os seus
anormais que nela não participam" (*id.*, p. 341), mas os modos de expressão desses
anormais e os seus destinos sociais variam igualmente de uma sociedade para a outra:
alguns, acusados de feitiçaria, tornam-se feiticeiros (um deles até acaba a vida como
governador de Zuñi), enquanto outros são fisicamente eliminados; alguns passam a ser
reconhecidos pelo novo papel que assumem na sociedade (como alguns homens-mulheres
de Zuñi), :, enquanto outros falham e são rejeitados... (*id.*, pp. 344-349). Para Ruth
Benedict, o caso destes indivíduos não é do domínio da psiquiatria mas a sua existência
depende do grau de tolerância da sociedade a que pertencem.
(8) O "potiatcht" dos índios da costa oeste da América do Norte consiste em dádivas e
contradádivas entre as famílias clãs e tribos num espírito fortemente agonístico. Ele releva
do "facto social total", segundo Marcel Mauss que o analisou longamente no *Essai sur le
don* (Mauss, 1950). R. Benedict considera-o igualmente uma característica da Cultura de
Kwakiutis e Lévi-Strauss refere-se-lhe, muitas vezes, ao longo da sua obra, para ligar estas
práticas ao conjunto das estruturas de trocas (de bens, de palavras, de mulheres...) desta
sociedade (Lévi-Strauss, 1958).
A este estudo pioneiro seguiram-se muitos outros, alguns dos quais tinham pretensões mais
teóricas. Todos eles se organizaram à volta de uma tese comum: *a personalidade dos
indivíduos é o produto da cultura onde nasceram*. Mais precisamente, "as instituições com
as quais o indivíduo está em contacto no decurso da sua formação produzem nele um tipo
de condicionamento que, a longo prazo, acaba por criar um certo tipo de personalidade"
(Lefort, 1969, p. 49). E esta posição, explicitada, matizada e ilustrada por Kardiner, que
serve de fio condutor à sua obra intitulada pertinentemente *L'individu et sa société*
(1939) e que começa por uma critica argumentada às teses de Freud sobre a universalidade
do complexo de Édipo. Retomando, a propósito das ilhas Marquesas (cf. encaixe 2.1.), a
ideia aceite, alguns anos antes, por Malinowski a propósito das ilhas Trobriand (9),
Kardiner constata que nestas sociedades, não aparece nenhuma manifestação de um
qualquer complexo edipiano porque não existe nenhuma instituição susceptível de o
engendrar. Mas o que é uma instituição? É um "conjunto de esquemas de conduta, de
*modelos* (pattern) de comportamentos fixados pela repetição de acções individuais, uma
formalização do comportamento humano" (Lefort, p. 36). O conjunto destas instituições
constitui a cultura de uma sociedade que é também, segundo a célebre definição de Linton,
"a configuração geral dos comportamentos aprendidos e os seus resultados, cujos elementos
são adoptados e transmitidos pelos membros de uma dada sociedade" (1945, p. 13).
(9) Foi, sem dúvida, Malinowski, graças às suas notáveis pesquisas sobre os habitantes das
ilhas Trobriand, quem, pela primeira vez, criticou empiricamente a universalidade do
complexo de édipo, formulado por Freud, enunciando, simultaneamente, os princípios de
uma abordagem "científica" funcional da cultura (Malinowski, 1944). Mas, contrariamente
a Kardiner e a Linton, ele não atribuiu à socialização a importância que lhe deram,
posteriormente, os teóricos da antropologia cultural.
Aplicada ao recém-nascido e à criança, a instituição define-se, segundo Kardiner, pelo
conjunto das *disciplinas de base* que fornecem os modelos de "gestão do corpo" da
criança, ou seja, as respostas, extremamente variáveis de acordo com as culturas, às
questões que dizem respeito a) à amamentação e ao alimento do bebé; b) às circunstâncias e
modalidades do desmame; c) à relação com a nudez, as roupas, as fraldas...; d) à relação
com a limpeza, os excrementos...; e) às atitudes para com a masturbação infantil, etc. É este
conjunto de "disciplinas orais, anais e sexuais" que Kardiner refere como "instituições
primárias" e que o antropólogo se deve esforçar por observar para compreender as
"experiências de base" a partir das quais o indivíduo incorpora na sua personalidade a
cultura do seu grupo social. Tal como Freud, Kardiner atribui à primeira infância uma
posição privilegiada na formação do Eu, que ele define como sendo "a soma de todos os
processos de adaptação subjectivamente percepcionados" (1939, p. 90). Tal como Freud,
Kardiner atribui uma importância relevante aos mecanismos de frustração que permitem o
"tratamento social do instinto" e a formação das primeiras ligações sociais (por fixação, :,
introjecção, deslocamento e transferência de acordo com as categorias de Freud). Mas em
oposição a Freud, Kardiner não conclui sobre a existência de *algum mecanismo universal
de construção do Eu*, mas constata a existência de uma variabilidade extrema das
disciplinas de base que produzem "os traços comuns a todas as personalidades numa dada
sociedade" (*id.*, p. 99).
Linton, que realizou um longo inquérito nas ilhas Marquesas (cf. encaixe 2.1.), chega à
conclusão de que não há "nenhuma ou poucas disciplinas de base". O recém-nascido não é
confiado à mãe mas aos maridos secundários daquela, de tal forma que "a criança cresce no
meio de vários pais de entre os quais nenhum reivindica prerrogativas nem exerce uma
autoridade rígida, não existindo assim uma inflação anormal da imagem parental". A
amamentação dura pouco tempo (menos de quatro meses) porque "os habitantes das ilhas
Marquesas acreditam que ela torna a criança difícil de educar e menos submissa" e
sobretudo, segundo Linton, porque as mulheres têm um grande orgulho na firmeza e na
beleza dos seus seios" e estão "convencidas de que um amamento prolongado estraga os
seios". A forma de alimentar é brutal: "deita-se o bebé no chão da casa enquanto a mãe fica
perto dele com uma mistura de leite de coco e de fruta com pão cozido... ela pega numa
mão cheia desta mistura e, mantendo firme o rosto da criança, enfia-lhe a comida na boca".
Não se esforçam por obter um controlo anal do bebé antes de ele perfazer um ano de idade:
"o homem limita-se a mudar o tecido de casca de árvore no qual a criança está deitada.
Mais tarde, a criança é levada em braços pelo homem para perto e posta em posição para
fazer as suas necessidades". As crianças passam a maior parte do dia na água e aprendem a
nadar antes de aprender a andar. Estão nuas e nunca sozinhas mas são constantemente
vigiadas (embora sem muita preocupação, segundo o autor) pelos maridos secundários. Se
os adultos estão ocupados, deixa-se a criança chorar. No caso de ela gritar e se tornar muito
incómoda, "pode acontecer que um adulto a acalme masturbando-a". Aliás, prossegue
Linton, "a masturbação das meninas inicia-se muito cedo: logo que nascem, manipulam-se
sistematicamente os lábios para que estes cresçam e se tornem mais longos e, pensava-se,
mais bonitos" (Kardiner, *id.*, pp. 226-227).
Encaixe 2.1.
Os habitantes das ilhas Marquesas segundo Linton (1920-1922)
Os habitantes das ilhas Marquesa constituem um povo da Polinésia que vive numa ilha do
Pacífico central a mais ou menos dez graus a sul do equador e que são de uma extrema
beleza física, sobretudo as mulheres. Foram os últimos habitantes da Polinésia a serem
cristianizados e resistiram muito tempo à influência dos brancos, chegando mesmo a
escorraçar os missionários. Quando foram submetidos, reagiram não procriando... Ilhas
montanhosas, cercadas por falésias abruptas, as Marquesas são formadas por vales estreitos
separados uns dos outros por esporões rochosos. :,
De vez em quando, estas ilhas são vitimas de secas prolongadas e destruidoras que
originam péssimas colheitas e escassez de água. Estas secas. que se prolongavam. por
vezes, durante três anos, provocavam verdadeiras fomes, e podiam reduzir a população a
um terço, levando, por vezes, os indígenas a praticar o canibalismo.
A propriedade agrícola apenas consta de árvores ou jardins dispersos pelos vales. A terra é
propriedade colectiva da tribo, administrada pelo chefe, mas as árvores e as colheitas são
propriedade individual. Em cada nascimento planta-se uma árvore que será propriedade do
recém-nascido. Apesar disso, a base da alimentação é fornecida pela pesca que se organiza
numa base comunitária com a ajuda de redes gigantes colocadas entre os barcos.
Antigamente, os habitantes das ilhas Marquesas eram robustos canibais e,
excepcionalmente, até as mulheres tinham autorização para comer carne humana. Persiste
um canibalismo cerimonial destinado a incorporar as qualidades do indivíduo que se come
(em geral. de uma outra tribo) com preferência pelas crianças.
A instituição dos mestres-artesãos é uma marca saliente da cultura marquesiana. O
*tuhunga* (mestre-artesão), personagem importante, trabalha por encomenda e, enquanto
trabalha, é alimentado pelo cliente e entoa cânticos sagrados. Ninguém o pode substituir
porque ninguém sabe reproduzir a sua maneira de cantar. Deste modo, ele pode acumular
grandes riquezas e tornar-se uma personagem poderosa. Em troca de uma retribuição, ele
ensina a sua arte aos jovens que lhe pedem.
O estatuto social é determinado pela primogenitura, independentemente do sexo. Pratica-se,
regularmente, a adopção. Através dos parentes que possuem em cada geração a posição
social mais elevada, os habitantes das ilhas Marquesas estabelecem a sua genealogia (que,
por vezes, recua até sessenta ou oitenta gerações). Os casamentos são endogâmicos à tribo,
verificando-se uma grande mobilidade. Todas as profissões, excepto a de padre cerimonial
-- especializada no domínio do além e sem poder económico --, estão abertas às mulheres,
mas as mais prestigiosas (*tuhunga*) são reservadas às filhas primogénitas. Há pouca
divisão do trabalho entre os sexos.
Entre os habitantes das ilhas Marquesas, há duas vezes e meia mais homens do que
mulheres. A causa deste fenómeno é desconhecida ou é escondida. Por isso, o lar
marquesiano é poliândrico. Há um marido principal e maridos secundários, excepto nos
lares mais pobres... Os lares mais abastados podem ter mais de quatro homens para uma
mulher e a casa do chefe tem onze ou doze homens para três ou quatro mulheres. Todos os
membros do grupo assim formado têm direitos sexuais uns sobre os outros, constituindo-se
assim uma espécie de casamento de grupo...
Apesar de existirem poucas normas de disciplina entre os habitantes das ilhas Marquesas
(Linton notou que não existia qualquer punição para os delitos, nomeadamente para o roubo
de alimentos), existe, no entanto, o perigo constante de infringir os tabus, o perigo :,
imaginário dos papões (*vehini-hai*, espíritos-papões que se acredita roubarem as
criancinhas e comerem-nas), o perigo real dos canibais ("se uma tribo inimiga atacassse
uma criança perdida, esta seria, certamente, comida ou sacrificada*). É por isso que,
havendo pouca aprendizagem organizada antes da puberdade ("a criança leva uma vida
totalmente livre"), se assiste, a partir dos 8 anos, à formação de bandos mistos (mais
rapazes do que raparigas, tendo em conta a demografia) que se organizam para se
protegerem dos perigos. As crianças podem ficar afastadas das suas casas, dois ou três dias,
vivendo da pesca e dos saques, dançando e cantando; entregam-se a jogos sexuais, imitando
os pais (mãe e maridos, principal e secundários). "As raparigas são instruídas sobre os
problemas sexuais desde a mais tenra infância e ensinam-lhes a mexer as ancas e a tomar
atitudes muito enraizadas no comportamento sexual. A técnica erótica era desenvolvida até
ao extremo. Os dois sexos orgulhavam-se, com a mesma sinceridade, das suas proezas
neste domínio que discutiam sem pudor. Com excepção das crianças pertencentes à mesma
família, considerava-se como natural que qualquer encontro entre jovens de sexos
diferentes conduzisse ao acto sexual. As meninas começavam as danças totalmente vestidas
mas terminavam-nas completamente nuas, produzindo os efeitos que se pode esperar desta
situação." (*id.*, pp. 232-233)
Entre a idade da puberdade e a do casamento, os jovens formam um grupo conhecido pelo
nome de *Kaioi*: vestem-se com roupas complicadas e passam horas a pintar o corpo.
Tornam-se os principais animadores da tribo, dançando e cantando nas festas e cerimónias
em troca de generosas recompensas. Só então -- talvez por volta dos 14-15 anos -- começa
o ensino: os padres ensinam-lhes os cânticos e as genealogias. Raparigas e rapazes
aprendem juntos sem regras particulares mas, "durante o ensino da parte mais esotérica
deste saber, mestre e aluno são submetidos a tabus muito rígidos" (*id.*, p. 230). É durante
este período que intervém a *iniciação* (10) que consistia na feitura de uma tatuagem
minuciosa que podia durar várias semanas e era obra de especialistas reputados; as
raparigas eram tatuadas individualmente e sem rito particular, excepto as primogénitas do
chefe. Os rapazes eram tatuados em grupos e, a seguir, tinham direito a uma festa colectiva
no decurso da qual as raparigas dançavam não nuas, mas sim vestidas com saias totalmente
entrançadas "que elas levantavam durante o canto final para mostrar as partes genitais".
Este gesto "era sinal de que o fim do período *Kaioi* tinha chegado e que era oportuno os
jovens escolherem uma parceira e estabelecerem-se". Ao mesmo tempo, o rapaz começava
a estudar "para se tornar membro de uma qualquer profissão que tinha escolhido" (*id.*, p.
230). :,
(10) Linton assinala que a iniciação não acaba com a cerimónia da tatuagem dos jovens:
"quando um homem chega aos 30 anos, sobretudo quando se tratava de um grande
guerreiro, ele submetia-se a uma nova operação de tatuagem acompanhada de uma pintura
do corpo todo". Existe, portanto, uma relação visível entre a cor dos corpos e o grau de
socialização: os "velhos" eram geralmente todos pintados de verde, o que permitia
identificá-los muito facilmente (Kardiner, op. cir., p. 232).
Percebe-se melhor a razão pela qual Kardiner responde negativamente à pergunta: "Será
que o complexo de édipo se manifesta de uma forma qualquer na sociedade marquesiana?"
(*id.*, p. 297). O antropólogo não só não recolheu "nenhum relato em que se vê o filho
matar o pai e possuir a mãe", mas, se tivermos em conta a organização global da sociedade
marquesiana e a natureza particular das disciplinas de base a que são submetidos os seus
membros, compreendemos as razões desta ausência. Nas ilhas Marquesas, o rapaz nunca
tem ocasião de adoptar uma atitude de dependência referente à união com a mãe; esta
mostra-se cruel porque se sente frustrada. Se a dependência se exerce fundamentalmente
em relação ao pai e aos maridos secundários, a criança não tem razão para os odiar porque
estes não a maltratam nem a enganam.
A personalidade marquesiana é, consequentemente, muito diferente da dos adultos
ocidentais. Nas ilhas Marquesas pratica-se a poliândria e o casamento de grupo e o ciúme é
desconhecido, "salvo quando se bebe". As mulheres desempenham um papel importante na
sexualidade, mas a sua potência sexual "depende de preliminares complicados durante os
quais lhes é impossível chegar ao orgasmo... talvez por causa de um condicionamento
precoce ao jogo prolongado sem orgasmo". Nunca se fala de impotência masculina pois
esta é muito rara. O habitante das ilhas Marquesas é "essencialmente um ser muito
educado", de "modos doces" e com "uma reduzida capacidade de explorar outrem", sendo o
seu único objecto de ódio a pessoa capaz de frustrar as suas necessidades essenciais ou de o
humilhar publicamente (o que pode conduzi-lo ao suicídio). A mulher ocupa, "no folclore,
uma posição muito próxima da do pai na nossa cultura e é por isso que ela é a vítima
habitual dos maus olhados".
Em vários domínios, a socialização da criança marquesiana é diferente e mesmo oposta à
socialização actual da criança ocidental. As relações da criança marquesiana com a sua mãe
estão reduzidas ao mínimo e são os homens que se encarregam de tratar dela; não há
constrangimentos nem quanto à limpeza nem quanto a roupas impostas; não existe
nenhuma restrição sexual nem exigência de obediência; não há escola nem aprendizagem
obrigatória antes da puberdade, mas sim uma grande liberdade colectiva no seio dos grupos
de crianças; a sua instrução só começa na altura da iniciação que a transforma num membro
de pleno direito da sociedade. Se se pode, com rigor, distinguir alguma fase ligada tanto à
maturação biológica quanto às instituições sociais (Linton só delimita claramente o período
A Socialização e a Construção das Identidades
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A Socialização e a Construção das Identidades

  • 1. Claude Dubar A Socialização Construção das Identidades Sociais Colecção Ciências da Educação Orientada por Maria Teresa Estrela e Albano Estrela Título: A Socialização Construção das identidades sociais e profissionais Autor: Claude Dubar Tradução de: Annette Pierrette R. Botelho e Estela Pinto Ribeiro Lamas Revisão técnica e científica: José Alberto Correia e João Caramelo Executor gráfico: Bloco Gráfico Editor: Porto Editora Titulo da edição original: LA SOCIALISATION Construction des identités sociales et professionnelles (Edição original: ISBN 2-200-21620-3) (2.e édition revue) *c* Armand Colin Éditeur, Paris, 1991,1995 Copyright para a Língua Portuguesa *C* Porto Editora, Lda. - 1997 Rua da Restauração, 365 4099 PORTO CODEX - PORTUGAL Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida nem transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo electrónico, mecânico, fotocopia, gravação ou outros, sem prévia autorização escrita do Editor.
  • 2. Claude Dubar é professor de Sociologia na Universidade de Versailles-Saint Quentin en Ivelines. Consagrou a sua tese e numerosas publicações à formação contínua e à inserção dos jovens. Animou várias investigações colectivas no seio do LASTREE (CNRS, Universidade de Lille I) e do CEREQ (Ministérios da Educação e do Trabalho) que alimentaram esta síntese teórica. Coordenou recentemente duas obras colectivas: Cheminements professionnels et mobilités sociales (La Documentation francaise, 1992) e Genèse et dynamique des groupes professionnels (Presses Universituires de Lille, 1 994). Por que razão se fala hoje de crise de identidades? Esta expressão remete-nos para fenómenos múltiplos: dificuldade de inserção profissional dos jovens, aumento da exclusão social, diluição das categorias que servem para se definir e definir os outros... Compreender como se reproduzem e se transformam as identidades sociais implica esclarecer os processos de socialização através dos quais elas se constroem e se reconstroem ao longo da vida. A dimensão profissional das identidades adquire uma importância particular. Porque se tornou um elemento raro, o emprego condiciona a construção das identidades sociais; porque conhece mutações impressionantes, o trabalho obriga a transformações identitárias delicadas; porque acompanha cada vez mais frequentemente as evoluções do trabalho e do emprego, a formação intervém nestes domínios identitários muito para além do período escolar. Este livro fornece instrumentos de análise, quadros teóricos e resultados empíricos que permitem perceber a dinâmica em curso da socialização profissional e das identidades sociais. Agradeço vivamente aos colegas que, ao criticarem as sucessivas versões deste manuscrito, me obrigaram a uma maior clareza e rigor na minha escrita: Béatrice Appay, Catherine Cailloux, Catherine Marry, Catherine Paradeise, Pierre Doroy, Heari Mandras, Jean-René Treanton merecem particular destaque nestes agradecimentos. Agradeço também a Martine Laplanche, Violaine Lecerf Véronique Testelin que interpretaram e corrigiram as diferentes versões do texto; a sua paciência e profissionalismo tornaram possível este trabalho.
  • 3. Reportório das Siglas bep -- Brevet d 'Études Professiounelles (niveau V) -- Diploma de Estudos Profissionais (nível V) btp -- Bãtiments et Travaux Publics -- Obras Públicas bts -- Brevet de Technicien Supérieur (nivenu iii) -- Diploma de Técnico Superior (nível iii) cap -- Certificat d'Aptitude Professionnelle (niveau v) -- Certificado de Aptidão Profissional (nível V) cep -- Certificat d'Études Primaires -- Certificado de Estudos Primários cereq -- Centre d'Études et de Recherches sur les Qualifications -- Centro de Estudo e de Investigações sobre as Qualificações CNAM -- Conservatoire National des Arts et Métiers -- Conservatório Nacional das Artes e Ofícios cnrs -- Centre National de la Recherche Scientifique -- Centro Nacional da Investigação Cientifica DEST -- Diplôme d'Études Supérieures Techniques (niveau II) -- Diploma de Estudos Superiores Técnicos (nível II) dut -- Diplôme Universitaire de Techologie (niveau III) -- Diploma Universitário de Tecnologia (nível III) eseu -- Examen Spécial d'Entrée à l'Université (nivenu IV) -- Exame Especial de Entrada na Universidade (nível IV) GLYSI -- Groupe Lyonnais de Socialogie Industrielle (CNRS-Lyon II) -- Grupo de Lyon de Sociologia Industrial (CNRS-Lyon II) LASTREE -- Laboratoire de Sociologie du Travail, de l'Éducation et de l'Emplei (CNRS-Lille I) -- Laboratório de Sociologia do Trabalho, da Educação e do Emprego (CNRS-Lille 1) LEP -- Lycée d'Enseignement Professionnel -- Liceu de Ensino Profissional LERSCO -- Laboratoire d'Études et de Recherches sur la Classe Ouvrière (CNRS-Nantes) -- Laboratório de Estudos e de Investigação sobre a Classe Operária (CNRS-Nantes) LEST -- Laboratoire d'Économie et de Sociologie du Travail (CNRS) -- Laboratório de Economia e de Sociologia do Trabalho (CNRS)
  • 4. MRT -- Ministère de la Recherche et de la Technologie -- Ministério da Investigação e da Tecnologia PIRTTEM -- Programme Interdisciplinaire Technologie-Travail-Emploi-Mode de vie -- Programa Interdisciplinar Tecnologia-Trabalho-Emprego-Modo de Vida PME -- Petites et Moyennes Entreprises -- Pequenas e Médias Empresas OP -- Ouvrier Professiounel -- Operário Profissional os -- Ouvrier Spécialisé -- Operário Especializado Introdução O termo "identidade" reapareceu tanto no vocabulário das ciências sociais como na linguagem corrente. Um pouco por todo o lado. fala-se de "crise das identidades" sem se saber bem o conteúdo desta expressão: dificuldades de inserção profissional dos jovens, aumento da exclusão social, mal-estar face às mudanças, desagregação das categorias que servem para se definir a si próprio e para definir os outros... Como em qualquer período que se segue a uma crise económica de grande dimensão, a incerteza quanto ao futuro domina todos os esforços de reconstrução de novos quadros sociais: os do passado já não são pertinentes e os do futuro ainda não estão estabilizados. A identidade de alguém é, no entanto, aquilo que ele tem de mais precioso: a perda de identidade é sinónimo de alienação, de sofrimento, de angústia e de morte. Ora, a identidade humana não é dada, de uma vez por todas, no acto do nascimento: constrói-se na infância e deve reconstruir-se sempre ao longo da vida. O indivíduo nunca a constrói sozinho: ela depende tanto dos julgamentos dos outros como das suas próprias orientações e autodefinições. A identidade é um produto de sucessivas socializações. Esta noção de socialização apela para um esclarecimento, uma redefinição e mesmo uma reabilitação. Ao longo da história das ciências sociais - história curta se a compararmos com a das ciências da matéria ou da vida --, o termo "socialização" foi utilizado em diversos sentidos, e adquiriu conotações consideradas, por vezes, hoje como negativas ou ultrapassadas: inculcação das crianças, endoutrinamento dos indivíduos, imposição de normas sociais, constrangimentos impostos pelos poderes tanto ameaçadores quanto anónimos... Esta situação levou a que certos sociólogos tentassem banir esta noção do vocabulário científico da sua disciplina. Mas suprimir uma palavra não elimina um problema central: como discernir a dinâmica das identidades sem ter em conta tanto a sua construção individual como social?
  • 5. A primeira parte deste livro, concebida como uma iniciação, é consagrada à apresentação sucinta de algumas grandes teorias centradas, parcial ou totalmente, na análise dos processos de socialização. Ela constitui um convite à (re)leitura de alguns autores e de textos importantes ela é acompanhada pela apresentação esquemática de algumas :, investigações recentes inspiradas nestas grandes correntes teóricas; finalmente, ela culmina com a apresentação de uma problemática daquilo que poderia constituir hoje as bases de uma teoria sociológica operatória da construção das identidades. Entre as múltiplas dimensões da identidade dos indivíduos, a dimensão profissional adquiriu uma importância particular. Porque se tornou um bem raro, o *emprego* condiciona a construção das identidades sociais; porque sofreu importantes mudanças, o trabalho apela a subtis transformações identitárias; porque acompanha intimamente todas as mudanças do trabalho e do emprego, a *formação* intervém nas dinâmicas identitárias muito para além do período escolar. A segunda parte apresenta algumas importantes contribuições das ciências sociais no domínio especifico da socialização profissional. Da sociologia das "profissões" nos EUA à economia dos "mercados do trabalho", passando pelo estudo das "relações profissionais", explora-se alguns dos mais importantes domínios da actual investigação sobre a dinâmica das identidades profissionais. A terceira parte apresenta uma síntese dos resultados empíricos de várias investigações que, ao longo dos últimos vinte e cinco anos, se realizaram em França; apresenta uma tipologia das identidades salariais em fase de reestruturação nas empresas e na sociedade francesas. Ela apoia-se tanto em trabalhos recentes, por vezes acabados de realizar, como sobre inquéritos mais antigos, agora reinterpretados à luz destes trabalhos recentes. Nesta terceira parte, mostramos até que ponto a identidade profissional se tornou num objecto importante da actual sociologia francesa, num objecto que está sempre em construção e em debate. I Socialização e Construção Social da Identidade 1 A socialização da criança na psicologia piagetiana e os seus prolongamentos sociológicos Aplicado à criança, o termo "socialização" designa um dos objectos essenciais da psicologia genética. A literatura consagrada ao desenvolvimento da criança é abundante e constitui um importante acervo de resultados e de análises empíricas imprescindível a qualquer teorização dos processos de socialização (1). Porém, é raro encontrar aí reflexões epistemológicas sobre as condições de uma abordagem científica e sobre os problemas colocados pela confrontação de pontos de vista disciplinares (biologia, psicologia,
  • 6. sociologia). (1) Entre as inúmeras sínteses de investigação sobre a socialização ta criança, citamos, em língua francesa, a já muito antiga mas sempre sugestiva realizada por Daval (1964) e outra mais recente de Doise e Deschamps (1986); em língua inglesa, as de Erikson (1950) e de D. A. Goslin (1979) e, mais recente, a de Bruner (1983). É o caso do texto de J. Piaget, publicado na primeira parte dos *Études sociologiques* e intitulado "L'explication en sociologie" (1965). Ele aborda frontalmente a problemática das relações entre a explicação sociológica e as explicações psicológicas e biológicas e desenvolve, no que diz respeito aos fenómenos da socialização, argumentos sugestivos. Estes argumentos constituem, sem dúvida, a primeira tentativa de superar as oposições entre os pontos de vista psicológico e sociológico -- oposições fundadoras da sociologia, segundo Durkheim -- e a primeira tentativa estimulante de proceder a uma definição de uma abordagem sociológica da socialização que fosse complementar e não antagónica das perspectivas psicogenéticas, nomeadamente daquela que Piaget construiu e aperfeiçoou ao longo da sua obra. Esta (nova) abordagem da socialização foi parcialmente utilizada tanto no campo da sociologia da educação como no da sociologia política. :, 1.1. AAbordagem Piagetiana da Socialização Piaget interessou-se prioritariamente pelo desenvolvimento mental da criança e definiu-o como uma *construção* contínua mas não linear. O desenvolvimento mental da criança realiza-se por etapas sucessivas e constitui aquilo que Piaget designa por processo de equilibração, ou seja, o processo que assegura "a passagem de um estádio de menor equilíbrio a um outro de equilíbrio superior" (1964, p. 10). Este processo activa dois elementos heterogéneos: *estruturas* variáveis, definidas como "formas de organização da actividade mental", que é simultaneamente cognitiva e afectiva; um *funcionamento* constante que provoca a passagem de uma forma a uma outra através de um movimento de desequilíbrio seguido de um restabelecimento do equilíbrio e a passagem a uma nova forma. Este desenvolvimento mental tem sempre uma dupla dimensão individual e social: as estruturas através das quais circulam normalmente todas as crianças são simultaneamente "cognitivas" (internas ao organismo) e "afectivas", quer dizer, relacionais (orientadas para o exterior). Assim, o reflexo de sucção do recém-nascido é simultaneamente a manifestação de uma tendência instintiva e a expressão das primeiras emoções dirigidas para a mãe ou para aquela (ou aquele) que a substitui. Para Piaget, estas *estruturas* evolutivas que lhe servem para definir os estádios do desenvolvimento da criança (cujo número varia de acordo com os escritos do autor...) são indissociáveis das *condutas*, já não definidas em termos *behavioristas* como simples reacções a estímulos externos (o célebre esquema S :o R analisado nomeadamente por Pavlov), mas entendidas como respostas às *necessidades* resultantes da interacção entre o organismo e o seu meio físico e social. Assim, qualquer acção (gesto, sentimento, pensamento...) é concebida como uma tentativa para reduzir uma tensão, um desequilíbrio entre as necessidades do organismo e os recursos
  • 7. do meio: ela é finalizada em torno de um objectivo a atingir (restabelecer o equilíbrio) e definida pelos instrumentos accionados para a realizar. Esta acção consuma-se quando a necessidade é satisfeita, isto é, quando o equilíbrio é (re)encontrado. Este modelo *homeostático* (o movimento definido como restabelecimento de um equilíbrio com o ambiente), muito difundido nesta época nas ciências da vida, conduz Piaget a conceber o desenvolvimento da criança e, portanto, a sua socialização -- que constitui um elemento essencial daquele -- como um processo activo de adaptação descontínua a formas mentaise sociais cada vez mais complexas. Para cada estádio, esta adaptação é descrita por Piaget como a resultante e a articulação de dois movimentos complementares ainda que de natureza diferente: -- a *assimilação* consiste em "incorporar as coisas e as pessoas externas" às estruturas já construídas. Assim, a sucção é prioritariamente, para o recém-nascido, um reflexo de incorporação bucal do mundo (vivido como "realidade a sugar" de acordo com os termos de Piaget) que o conduz a generalizar a conduta (ele chupa o seu polegar, os dedos de outrem, os objectos que lhe são apresentados...) a tudo aquilo que lhe dá :, prazer depois de na prática ter discriminado aquilo que correspondia à sua necessidade vital (o seio da mãe, o biberão...). Da mesma forma, o reflexo do sorriso é, em primeiro lugar, reservado a algumas pessoas (quinta semana) antes de ser generalizado a qualquer rosto humano. Mais tarde, transformar-se-á em expressão voluntária de um sentimento diferenciado. Estas condutas envolvem, assim, formas de assimilação especificas a cada um dos estádios de desenvolvimento da criança: num determinado momento elas constituem uma modalidade de relação com o mundo adaptada a um estádio de maturação biológica da criança. Quando a criança evolui, tornam-se simultaneamente necessárias e possíveis novas formas de assimilação; -- a *acomodação* consiste em "reajustar as estruturas em função das transformações exteriores". Assim, as mudanças do ambiente são fontes perpétuas de ajustamentos: se se passar do seio materno ao biberão, o reflexo de sucção modifica-se; os sorrisos modificam- se também de acordo com as pessoas que se debruçam sobre o bebé... Estas variações contribuem para aquilo a que Piaget denomina por "construção do esquema prático do Objecto", que é uma condição para a descoberta activa da permanência dos objectos (materiais ou humanos) mesmo quando eles estão ausentes. Estas variações permitem, também, as estruturações do espaço e do tempo e a emergência das modalidades sucessivas de reconhecimento das relações de causalidade. Estes quatro elementos (esquemas práticos, espaço, tempo, causalidade) entram na composição das estruturas mentais características de cada um dos estádios significativos do desenvolvimento da criança. Estas estruturas mentais são inseparáveis das formas relacionais pelas quais elas se exprimem em relação ao outro. Assim, a cada um dos estádios definidos por Piaget, podemos fazer corresponder formas típicas de socialização que constituem modalidades de relação da criança com outros seres humanos. Passa-se, deste modo, segundo o autor, do *egocentrismo* inicial do recém-nascido caracterizado por "uma indistinção do Eu e do mundo" à *inserção* terminal do adolescente escolarizado no mundo profissional e na vida social do adulto. Entre estes dois estádios extremos, a criança aprendeu, em primeiro lugar, a exprimir sentimentos diferenciados graças à estruturação de percepções organizadas (e à
  • 8. solicitação do meio envolvente); em segundo lugar, aprendeu a imitar os seus semelhantes, diferenciando nitidamente o pólo interno (o Eu) do pólo externo (o Objecto); em seguida, graças à palavra, aprendeu a praticar trocas interindividuais, descobrindo e respeitando as relações de *constrangimento* exercidas pelo adulto; finalmente, aprendeu a passar do constrangimento à *cooperação*, graças ao domínio conjunto da "reflexão como discussão interiorizada consigo mesmo" e da discussão como "reflexão socializada com o outro", o que lhe permitiu, simultaneamente, adquirir o sentido da justificação lógica e da autonomia moral (cf. quadro 1.1.). :, Quadro 1.1. Desenvolvimento mental e socialização em seis estádios (2) segundo Piaget (1964) (2) A partir dos finais dos anos 60, Piaget passou a referir-se a um desenvolvimento em quatro estádios: sensório-motor (I II e III), pré-operatério (IV), operatório concreto (V) e formal (VI). ::::::: Os estádios de desenvolvimento (versão 1964) -- Dimensão individual: estruturas mentais -- Dimensão social: formas de socialização I. Estádio dos reflexos -- Tendências instintivas - Egocentrismo inicial II. Estádio dos primeiros habitus motores -- Percepções organizadas - Primeiros sentimentos diferenciados III. Estádio da inteligência sensório-motora -- Regulações elementares de ordem prática -- Imitação como primeira "socialização da acção" IV. Estádio da inteligência intuitiva -- Imagens e intuicões representativas "génese do pensamento" -- Submissão aos adultos por *constrangimento* V. Estádio da inteligência concreta -- Passagem às operações: Explicações pelo atomismo -- Sentimentos e práticas de *cooperação* VI. Estádio da inteligência abstracta-formal --- Construção de teorias ; Pensamento hipotético-dedutivo; Categoria do "possível" -- Inserção social e profissional :::::::: Esta passagem do constrangimento à cooperação, isto é, a passagem da submissão à ordem social (parental e escolar) para a autonomia pessoal através da cooperação voluntária (com os adultos e as outras crianças) constitui um ponto essencial na análise piagetiana da socialização. É em torno desta passagem que, desde 1932, na obra *Le Jugement moral chez l'enfant*, Piaget define o núcleo duro da sua concepção de socialização e a diferencia da de Durkheim.
  • 9. Para melhor compreender esta concepção, sigamos o autor na descrição do seu exemplo favorito: o jogo de berlindes. "Um grupo de crianças joga aos berlindes. Quer do ponto de vista da prática das regras, quer do da consciência destas, o comportamento das crianças varia com o nível etário... Pode-se dizer que os mais pequenos não jogam ao berlinde; manipulam as bolas tratando-as segundo esquemas perceptivos e motores muito simples... A criança responde às propriedades do objecto (forma, consistência, tamanho...) segundo alguns esquemas corporais (empurrar, puxar, amontoar, etc.). A criança brinca sozinha mesmo quando está em grupo. Não há cooperação, e não há, :, rigorosamente, o sentimento de que uma ganha e a outra perde. Na realidade, ela não tem consciência de que algumas jogadas são permitidas e outras proibidas... Os maiores, pelo contrário, são totalmente absorvidos pelo seu jogo. Se os interrogarmos sobre as regras, eles respondem: "as regras foram feitas por nós... podemos mudá-las na condição de estarmos de acordo, mas enquanto se mantiverem todos devem respeitá-las." (Piaget, 1932). Nesta obra da sua juventude, Piaget distinguia quatro estádios que correspondiam a quatro concepções da norma: -- o estádio "motor e individual" (antes dos 2 anos). Neste estádio, só se pode falar de norma por referencia às "regras motoras"; -- o estádio "egocêntrico" (dos 2 aos 5 anos) que começa quando a criança recebe do exterior o conjunto das regras codificadas. Neste estádio, mesmo ao brincar em grupo, cada criança brinca para si. A confusão entre o eu e o mundo exterior e a ausência de cooperação constituem um só e mesmo fenómeno: o egocentrismo que só pode ser limitado pelo constrangimento; -- o estádio da cooperação emergente (7 aos 12 anos). Neste estádio, cada jogador procura ganhar aos outros, o que provoca o aparecimento da preocupação com um controlo mútuo e com a unificação das regras, as quais, contudo, permanecem informais apesar de serem parcialmente negociadas (jogada a jogada); -- o estádio da codificação das regras (depois dos 12 anos). Neste estádio, os jogadores tomam consciência da existência e da necessidade de regras formais. No domínio intelectual, eles verificam a coerência dessas regras e, no domínio moral, eles discutem a sua justificação. Poder-se-ia, assim, associar estas quatro formas sucessivas da socialização a quatro maneiras de jogar: uma forma gestual e motora que só é regulada por uma repressão directa que pode ser afectuosa ("seu maroto") ou violenta (um par de bofetadas); uma maneira solitária e egocêntrica que só pode ser regulada pelo constrangimento ("se não vens comer, quando chegares já não há nada..."); uma maneira cooperativa, mas informal, que pode sempre degenerar e deve ser vigiada mais ou menos discretamente ("não, não tens o direito de fazer isso..."; uma maneira cooperativa formalizada e dinâmica que assenta na negociação recíproca e na adaptação comum às situações: a regulamentação inclui neste
  • 10. caso a consciência das regras sociais existentes e a capacidade de jogar colectivamente de acordo com estas regras. O próprio Piaget resume o processo geral da socialização da criança através das quatro transformações seguintes (1964, pp. 71-75): -- a passagem do respeito absoluto (aos pais) para o respeito mútuo (crianças/adultos e crianças/crianças); :, -- a passagem da obediência personalizada ao sentimento da regra: esta torna-se. no último estádio, a expressão de um acordo mútuo, um verdadeiro "contrato"; -- a passagem da heteronomia total à autonomia reciproca, que implica no último estádio a fixação de sentimentos novos como "a honestidade, a camaradagem, o *fair play*, a justiça"; -- a passagem da energia à vontade que constitui uma "regulação activa da energia" (supondo uma hierarquização, nomeadamente uma hierarquização entre dever e prazer). No fim do processo de socialização da criança, "os valores morais organizam-se em sistemas autónomos comparáveis aos agrupamentos lógicos". Reencontramos aqui o "núcleo duro" da concepção piagetiana da socialização: a reciprocidade entre estruturas mentais e estruturas sociais, a correspondência, em cada estádio, entre as operações lógicas e as acções morais, isto é, sociais: "a moral é uma espécie de lógica dos valores e das acções entre indivíduos da mesma forma que a lógica é uma espécie de moral do pensamento" (1964, p. 72). 1.2. Durkheim e Piaget: um debate inacabado Na segunda parte da obra *Jugernent moral*..., Piaget envolve-se num debate construtivo com Durkheim que se insere numa "confrontação das teses essenciais da sociologia e da psicologia genética que dizem respeito precisamente à natureza empírica das regras morais". Este debate faz aparecer, em primeiro lugar, uma série de convergências entre as primeiras análises de Piaget e as presentes, por exemplo, em *L'Éducation morale* (Durkheim, 1902- 1903) ou em *De la Division du travail social* (Durkheim, 1893). Piaget adopta a definição durkheimiana da educação entendida como "socialização metódica da geração jovem" (Durkheim, 1911, ed. 1966, p. 92), precisando -- como, aliás, o faz Durkheim -- que esta socialização não depende somente da geração precedente, mas também dos próprios indivíduos. Cada geração deve socializar-se por si própria, tendo por base os "modelos culturais transmitidos pela geração precedente" (Durkheim, 1902-1903, ed. 1963, p. 4). Para ambos, a socialização é uma "educação moral". Enquanto para Durkheim ela é, basicamente, uma *transmissão* do "espírito de disciplina" assegurada
  • 11. pelo constrangimento, complementada por uma "ligação aos grupos sociais" e interiorizada livremente graças à "autonomia da vontade" (Durkheim, 1902-1903), para Piaget, ela é, fundamentalmente, uma *construção*, sempre activa e até interactiva, de novas "regras do jogo", implicando o desenvolvimento autónomo da "noção de justiça" e a substituição de "regras de constrangimento" pelas "regras de cooperação" (Piaget, 1932, p. 419). Piaget reconhece, aliás tal como Durkheim, que a socialização se baseou historicamente no constrangimento e na conformidade "natural" a modelos exteriores. Ele partilha a teoria do "pecado mortal" desenvolvida por Durkheim (1893): "A existência da moral :, só pode ser assegurada se houver sanções" que reforçam o sentimento moral na medida em que o "pecado mortal" é "aquilo que ofende os estados fortes e definidos do sentimento colectivo". Neste sentido, a socialização contém em si uma dimensão repressiva: aqueles que transgridem abertamente as regras aceites devem ser punidos e é essencial que as sanções exercidas sejam proporcionais à gravidade dos crimes cometidos. Como escreveu Piaget, "a exterioridade inicial das relações sociais desencadeia inevitavelmente um certo realismo moral" (1932, p. 136). Se as regras, tal como as crenças e os valores que as fundamentam, se impõem, fundamentalmente, do exterior (tanto na criança como nas sociedades ditas "primitivas"), é também preciso que as sanções "recaiam" sobre aqueles que as transgridem, contribuindo assim para consolidar o respeito pelas regras pelos outros. Piaget e Durkheim estão também de acordo no reconhecimento da individualização crescente da vida social à medida que as trocas se desenvolvem e se complexificam. A passagem de uma solidariedade mecânica por "imitação exterior" para a solidariedade orgânica através da "cooperação e complementaridade" (Durkheim, 1993) desenvolve a individualização e a diferenciação das relações sociais. Ora, "a vida social, à medida que se individualiza, torna-se mais interiorizada" (Piaget, 1932, p. 138). É necessário, por isso, apelar para a autonomia da vontade mais do que para o medo da repressão. A socialização torna-se, assim, cada vez mais voluntária. Onde Piaget se afasta de Durkheim é quando este estabelece uma equivalência pura e simples entre os objectivos e os efeitos do *constrangimento* externo e os da *cooperação* voluntária. Na realidade, como assinalou Nisbet (1966, trad. 1984, pp. 114 e seguintes), Durkheim, depois de na primeira parte *De la Division du travail social* ter oposto as sociedades ditas "primitivas" apoiadas na solidariedade mecânica às sociedades industriais apoiadas na solidariedade orgânica, relativiza esta posição na segunda parte desta obra. Ele escreveu nomeadamente que "a divisão do trabalho só pode ser consumada entre os membros de uma sociedade já constituída... Embora a divisão do trabalho suponha a vida social, esta pode existir para além daquela... Existem sociedades cuja coesão é assegurada essencialmente pela comunidade de crenças e de sentimentos e... foi destas sociedades que saíram aquelas, cuja unidade é assegurada pela divisão do trabalho" (Durkheim, 1893, 8.a ed. 1967, pp. 259-261). Deste modo, Nisbet realça com pertinência que "no seguimento da obra de Durkheim a sociedade tornou-se um conjunto complexo de elementos sociais e psicológicos que, inicialmente, eram apenas específicos das sociedades primitivas". De facto, "Durkheim considera que os atributos da solidariedade mecânica são a característica permanente de *todos os factos sociais*" (Nisbet, *id.*, p. 116). Sem ir tão longe, Piaget constata e critica também o facto de, para Durkheim, o constrangimento social característico da sociedade mecânica possuir a mesma função e assegurar os mesmos
  • 12. efeitos que a cooperação, que é um atributo da solidariedade orgânica, a saber, o desenvolvimento em cada um de uma "consciência colectiva", simultaneamente, intrínseca e exterior ao indivíduo. É esta assimilação que Piaget rejeita, não por :, "psicologismo", mas porque ele não partilha da mesma concepção que Durkyheim tem da sociedade moderna e não interpreta da mesma forma a passagem das sociedades tradicionais às sociedades industriais: "as nossas sociedades civilizadas contemporâneas tendem cada vez mais a substituir a regra de constrangimento pela regra de cooperação". Faz parte da essência da democracia considerar a lei como um produto da vontade colectiva e não como emanação de uma vontade transcendente ou de uma autoridade de direito divino" (Piaget, 1932, p. 419). Ao contrário de Durkheim, Piaget estabelece, assim, um corte radical e uma oposição efectiva entre as *relações de constrangimento* fundamentadas nos laços de autoridade e no sentimento do sagrado (sociedades tradicionais) e as *relações de cooperação* fundamentadas no respeito mútuo e na autonomia da vontade (sociedades modernas). A passagem das primeiras para as segundas é apresentada por Piaget como a confluência de uma "evolução intelectual" e do "desenvolvimento moral" que torna possível a construção voluntária de novas relações sociais que englobam a evolução e o desenvolvimento das próprias crianças. O que Durkheim não teve em conta é "que existem relações sociais específicas aos próprios grupos infantis: as regras das crianças também são sociais. Elas apoiam-se sobre outros tipos de relação de autoridade... e alguns pedagogos questionam-se mesmo sobre a possibilidade de utilizar estas regras nas aulas" (Piaget, 1932, p. 417). Finalmente, entre Durkheim e Piaget existe uma divergência a propósito da seguinte questão: poder-se-á ainda falar "da" sociedade a propósito das sociedades modernas? DurkLeim pensa que sim e Piaget duvida: "a moral apresentada ao indivíduo pela sociedade não é homogénea porque *a sociedade em si não é única. (3) A sociedade é o conjunto das relações sociais" (Piaget, 1932, id.). Ora, para Piaget os dois tipos de relações precedentes (constrangimento/cooperação) são fundamentalmente diferentes, razão pela qual ele não pode definir a socialização apenas em termos de integração -- mesmo que activa ---numa sociedade unificada. O seu debate com Durkheim deve ser situado na própria concepção do social, de forma a que se possa esclarecer assim as condições de uma abordagem sociológica da socialização. (3) Sublinhado do autor. (4) Isto é, a representação mais geral do que é "o social" na comunidade dos especialistas de ciências sociais. Considera-se geralmente que há dois grandes 'paradigmas" do social: o paradigma "holista" que considera a sociedade como uma totalidade, um "organismo"; e o paradigma "individualista" ou "atomista" que a considera como um conjunto de indivíduos aut6nomos (Boudon, Bourricaud, 1982). De facto, a maioria dos teóricos da sociologia combinam elementos retirados destes dois paradigmas. A concepção paradigmática (4) do social, de Piaget, só será explicitada muito mais tarde, no texto citado no princípio deste capítulo e intitulado "A explicação em sociologia" (1965). Situando-se na polémica estéril que opõe G. Tarde e Durkheim, onde o primeiro f "entendia a sociedade como o resultado da socialização dos indivíduos" assegurada por
  • 13. imitação (1965, p. 28), e o segundo considerava a "consciência colectiva" como uma substancia e uma causa, "um núcleo inconsciente de emanações conscientes" (p. 29), Piaget rejeita esta oposição e qualifica a sua posição de *relativista*, definindo aquilo que ele denomina de "todo social": "nem uma reunião de elementos anteriores, nem uma entidade :, nova, mas um sistema de relações, onde cada uma das relações, enquanto relação, engendra uma transformação dos elementos que relaciona" (p. 29). A posição de Piaget nem individualista-atomista, que define o social como agregação de indivíduos, nem holista- organicista, que considera o social como uma globalidade realista, pode ser qualificada de relacionista-construtivista na medida em que ela considera a sociedade como "um sistema de actividades cujas interacções elementares consistem em acções que se modificam umas às outras de acordo com determinadas leis de organização ou de equilibração" (pp. 29-30). A socialização pode, por isso, ser definida como um processo descontinuo de construção colectiva de condutas sociais que integra três aspectos complementares: -- o aspecto cognitivo representando a estrutura da conduta e traduzindo-se em *regras*; -- o aspecto afectivo representando o energético da conduta e exprimindo-se em *valores*; -- o aspecto expressivo (ou "conativo") representando os significantes da conduta e simbolizando-se em *signos*. Nas suas investigações formais, Piaget não fornece traduções operatórias destes três aspectos da socialização. Encontramos traduções sociológicas diversas ao longo desta obra (cf. quadro 1.3.). Para Piaget, eles constituem os materiais de base com os quais se estrutura o desenvolvimento da criança e se constrói a sua socialização activa. Esta construção assenta na correlação essencial entre estruturas sociais e estruturas mentais, isto é, entre a socialização concebida como construção de formas de organização das actividades e a socialização concebida como modos de desenvolvimento dos indivíduos. Assim, o social pode ser sempre analisado e reconstruído, tanto a partir da análise "objectiva" das formas de organização colectiva e da sua génese, como a partir da análise "subjectiva" dos conteúdos de representações mentais e individuais e do seu aparecimento. A correspondência entre estas duas abordagens baseia-se no paralelismo psicossociológico que postula a reciprocidade entre as representações mentais -- interiorização das estruturas sociais -- e as cooperações sociais - exteriorização das estruturas mentais. Este "paralelismo psicossociológico" explica a razão por que Piaget, nas suas análises do desenvolvimento da criança, nunca pôde separar -- mesmo por uma abstracção metodológica que teria sido legítima -- as formas sociais de cooperação das formas lógicas de construção mental. Piaget não só recusou sempre postular a anterioridade lógica ou cronológica das estruturas sociais relativamente às estruturas mentais, como também nunca realizou nenhuma dissociação metodológica de umas relativamente às outras. "Assim, como ele escreveu, se o progresso lógico acompanha o da socialização, dever-se-á admitir que a criança se torna capaz de operações racionais porque o seu desenvolvimento social a torna apta à cooperação ou dever-se-á admitir, pelo contrário, que são as suas aquisições lógicas individuais que lhe permitiriam compreender os outros e que a conduziriam assim à cooperação? Uma vez que estes dois tipos de progresso se desenvolvem paralelamente,
  • 14. *a :, questão parece não ter solução*, a não ser que eles constituam dois aspectos indissociáveis de uma só e mesma realidade que é simultaneamente social e individual" (1965, p. 158). Compreende-se melhor a dificuldade experimentada pelo autor, quando, na análise dos processos de socialização, procura precisar os objectos da psicologia e da sociologia. Por vezes, ele inclui a primeira na segunda: "a psicologia da criança constitui um sector da sociologia consagrado ao estudo da socialização do indivíduo" (1965, p. 23). Outras vezes, afirma a autonomia da perspectiva sociológica: "a análise sociológica dos factos de socialização pressupõe um método novo incidindo sobre o conjunto do grupo, considerado como sistema de interdependências construtivas" (*id.*, p. 16). Ele chega mesmo a reconhecer, com humor, a superioridade desta abordagem: "a sociologia possui o grande privilégio de situar as suas investigações numa escala superior à da nossa modesta psicologia e, por conseguinte, de dominar os segredos de que dependemos" (Piaget, 1966, p. 248). Mas qual é este "novo método" que permite à sociologia "situar-se numa escala superior"? Piaget nunca o clarifica. Nesta perspectiva, o debate com Durkheim foi sempre inacabado... Os seguidores de Piaget apenas constataram que "Piaget não criou um paradigma psicossociológico do desenvolvimento cognitivo" (Doise, 1982). Se a sua concepção relacionista do social é claramente explicitada do ponto de vista teórico e se demarca da de Durkheim, a verdade é que ela continua sem tradução metodológica: no objecto "socialização da criança" Piaget não realizou a distinção entre um ponto de vista psicológico, centrado nas estruturas mentais, e um ponto de vista sociológico, focalizado nas formas sociais de cooperação. Será que outros o fizeram depois dele? Será possível construir uma abordagem sociológica de inspiração piagetiana? 1.3. Uma aplicação em sociologia da educação Em que medida esta teoria do desenvolvimento psicogenético como equilibração pode servir a análise sociológica? Não será que ela se opõe à abordagem "clássica" da sociologia da educação, que, por exemplo, realça as desigualdades sociais de sucesso escolar e de inserção profissional, as determinações de origem social sobre o nível escolar e a posição social? Não voltaremos com Piaget a cair numa dessas pseudoteorias do "homem médio" já criticadas por Durkheim (1987) na sua polémica com G. Tarde e com as suas explicações através da imitação? Podemos encontrar elementos interessantes de resposta a estas questões numa investigação recente realizada por um investigador em psicologia, que se reclama explicitamente de Piaget e que procura esclarecer alguns mecanismos responsáveis pelas desigualdades sociais de sucesso escolar. Através de uma pesquisa empírica, J. Lautray procurou confirmar a hipótese de que "as condições de vida e de trabalho ligadas ao estatuto socioeconómico dos pais determinam as práticas educativas que, por sua vez, influenciam o :, desenvolvimento intelectual da criança" (Lautray, 1984, p. 18). Para operacionalizar esta hipótese. Lautray, a partir de uma amostra de crianças de escola elementar, identificou três
  • 15. tipos de estruturação do ambiente familiar: uma estruturação fraca, correspondendo à ausência de regras e de previsibilidade que é pouco favorável à reestruturação em caso de desequilíbrio; uma estruturação rígida, constituída por regras fixas e constrangedoras e, por isso, pouco favorável ao desequilíbrio inicial necessário ao desenvolvimento; uma estruturação flexível, correspondendo a regras condicionais favoráveis simultaneamente ao desequilíbrio e à reestruturação. Ele estabelece a seguinte relação: "quanto mais alta for a profissão do pai na hierarquia social, mais flexível é o tipo de estruturação, e quanto mais baixa for a profissão, mais rígido será o tipo de estruturação" (*id.*, p. 115). Ele demonstrou, finalmente, que, "do ponto de vista do estádio atingido no seu desenvolvimento operatório, as crianças educadas num ambiente familiar flexível estão em avanço relativamente aos outros dois grupos" (*id.*, p. 214). Referenciando-se explicitamente ao processo de equilibração das estruturas cognitivas de Piaget, ele procurou estabelecer deste modo uma dupla relação entre, por um lado, o ambiente educativo familiar e o sucesso escolar das crianças e, por outro, entre o ambiente familiar e "o papel dos pais no sistema de produção". Esta tentativa apoia-se numa série de hipóteses causais que se pode explicitar da seguinte forma (cf. esquema 1.2.): -- a verificação de uma relação estatística entre o sucesso escolar das crianças (medida aqui pelo facto de ela estar adiantada ou em atraso na escolaridade primária) e a posição social dos seus pais (medida através do grupo socioprofissional do pai) pode ser decomposta recorrendo a uma variável intermediária: o tipo de estruturação do ambiente familiar (medido através de um questionário que permitiu dividir as famílias em três tipos: fraco/flexível/rígido); -- a relação estatística verificada entre sucesso escolar e tipo de estruturação familiar pode ser interpretada através do esquema teórico de equilibração das estruturas cognitivas (Lautray, p. 237): "um ambiente familiar apresentando em simultâneo perturbações capazes de suscitarem desequilíbrios e regularidades capazes de permitirem reequilibrações (flexíveis) parece mais favorável ao processo de reconstrução de novas estruturas mentais que os ambientes que são ricos em regularidades, mas pobres em perturbações (fracas)". Se os alunos pertencentes a fami1ias em estraturação flexível estão frequentemente mais "adiantados" que os outros, é porque o seu ambiente familiar facilita o desenvolvimento mental que se exprime através do seu sucesso escolar; -- a relação estatística verificada entre o tipo de estruturação familiar e o estatuto social medido pela posição socioprofissional do pai (as famílias "flexíveis" têm muitas vezes um estatuto social elevado) pode ser interpretada recorrendo à hipótese seguinte os pais transferem para o universo familiar os modos de organização e de estruturação das tarefas que regem o seu trabalho profissional. As famílias situadas :, na base da escala social (pais operários ou empregados) adoptam uma estruturação rígida porque as tarefas profissionais dos pais (as do pai pelo menos) são "concebidas por outros e directamente submetidas ao controlo hierárquico" sendo, portanto, rígidas. As famílias situadas no topo da escala (quadros das empresas, patrões ou profissões liberais) adoptam uma estruturação flexível porque as suas tarefas profissionais implicam iniciativas e responsabilidade sendo, portanto, estruturadas de uma forma flexível.
  • 16. Esquema 1.2. Esquema explicativo desenvolvido por J. Lautray (1984) ::::::::: Posição social dos pais * * * Estatuto socioprofissional do pai (CSP) (alto/médio/baixo) :o Causalidade Estruturação das tarefas e dos papéis na divisão do trabalho Ambiente familiar * * * Tipo de estruturação das regras educativas (flexível/rígido/fraco) :o Correlação Desenvolvimento mental como processo de equilibração Sucesso escolar dos filhos * * * Posição ao longo da escola primária (adiantado/na altura certa/atrasado) *** Indicador :::::::::: Considerando as correlações estatísticas postas em evidência, as variáveis intimamente a elas ligadas e a explicação causal de conjunto, verifica-se que, entre elas, surgem hipóteses
  • 17. explicativas complexas que exigem ser traduzidas e testadas empiricamente. A este respeito, podemos interrogar-nos acerca dos pontos seguintes: -- o que é que mede, de facto, o sucesso escolar ou mais concretamente o facto de se estar avançado ou atrasado na escola primária? Será que o sucesso sanciona um nível (estádio?) de desenvolvimento mental na criança ou um grau de adequação entre as regras, os valores e os signos (tipo de linguagem e dependência da linguagem) do universo familiar e dos universos da escola? As pesquisas realizadas a este propósito pelo sociólogo inglês Basil Berustein mostram a grande importância que o código linguístico que rege as comunicações no seio da família (e nomeadamente entre a mãe e as crianças) tem no sucesso escolar das crianças. As crianças de origem popular, que utilizam um "código restrito", encontram-se muito mais frequentemente em situação de insucesso escolar do que aquelas que utilizam, no universo familiar, um "código generalizado" que supõe uma relação com a língua (de tipo :, abstracto, formal, distanciado...) valorizada pela escola (Bernstein, 1971). Sem serem contraditórias com as interpretações de Lautray, estas análises evitam a noção de "desenvolvimento mental" para se centrarem exclusivamente nas *formas de comunicação* interpretadas em termos de cultura e de poder e não em termos cognitivos (cf. capítulos II e III); -- quais são os pressupostos da hipótese de que os universos profissionais dos pais (principalmente as do universo profissional do pai) se transferem para a família e para a educação da criança? Para além de implicar uma representação muito simplificada do funcionamento da divisão do trabalho (de tipo "taylorista"), esta hipótese pressupõe a existência de uma correspondência estreita entre condições de vida (familiar) e condições de trabalho (profissional), não só no plano material (remuneração e nível de vida), mas também no plano social (organização do trabalho/organização doméstica). Ela pressupõe, portanto, uma fraca autonomia da esfera familiar em relação à do trabalho profissional. Não será este pressuposto contraditório com a posição de Piaget que afirma a crescente multiplicidade dos tipos de relações sociais e a ausência de unidade do funcionamento social? Não poderão as normas familiares ser construídas em oposição às do universo profissional (do pai)? Não terão as normas familiares mais relações com as normas que regem as fami1ias dos pais (da mãe) do que com aquelas que estruturam o trabalho profissional (do pai)? As recentes investigações no que se refere à influência do nível de instrução e da origem social das mães sobre o sucesso escolar dos filhos (Establet, 1988) mostram que as mudanças biográficas e culturais de uma geração para a outra influenciam os resultados escolares dos filhos tanto, e até mais, do que as condições económicas dos pais. O inquérito realizado entre 1962 e 1972, sob a direcção de A. Girard, junto de uma *coorte* de alunos que terminaram a escola primária em França, puseram em realce esta influência: para rendimentos iguais, as habilitações dos pais estão nitidamente correlacionadas com o sucesso escolar das crianças, enquanto o inverso não é verdadeiro: para as mesmas habilitações, os rendimentos das fami1ias exercem pouca influência no rendimento escolar das crianças (P. Clerc, 1964). Embora possamos considerar como globalmente verdadeiro, como conclui J. Lautray, que "são as mesmas pessoas as que têm as condições de vida e as condições de trabalho mais constrangentes," (1984, p. 2403 e que "são as crianças cujos pais têm as condições de vida mais constrangentes aquelas que têm menor êxito escolar", não se pode inferir dai que as
  • 18. condições económicas dos pais determinam directamente o desenvolvimento intelectual das crianças. Para além dos mecanismos que, num dado momento, regem a organização familiar, existem outros que influenciam a estruturação cognitiva das crianças. As formas e conteúdos de comunicação entre filhos e pais (nomeadamente as mães) têm tanta influência como as regras da vida em comum. Estas regras não podem também ser deduzidas directamente das tarefas profissionais realizadas pelos pais (nomeadamente o pai): :, elas derivam, também, dos modelos culturais transmitidos de uma geração para a outra, e resultam do tipo de formações seguidas pelos pais (nomeadamente pelas mães). A pesquisa de J. Lautray representa, no entanto, uma tentativa interessante de aplicação dos esquemas piagetianos numa perspectiva sociológica. Ela constitui uma tradução empírica do processo de equilibração enquanto processo de construção de estruturas mentais dependentes das condições sociais: para passar de uma forma de relações para outra, é necessário poder mudar as regras anteriores bem como a relação com estas regras. E necessário, por isso, estar inserido num ambiente "flexível", mas estruturante: a capacidade de construir na família este tipo de "meio" de socialização depende das condições de vida, dos valores e do sistema educativo familiar que constituem, para Lautray, as três dimensões dos seus tipos de estruturação do ambiente familiar. A socialização da criança depende muito das condições sociais -- tanto familiares como escolares -- da sua construção: analisá-las e medir os seus efeitos constitui o objecto tradicional da sociologia da educação (cf. capítulo III). 1.4. Uma transposição para a socialização política No preâmbulo da exposição dos resultados de uma pesquisa sobre o universo político das crianças, A. Percheron (1974) desenvolve a definição de uma "nova" abordagem dos fenómenos da socialização, que se inscreve também na continuidade da problemática piagetiana, e na sua sociologização operatória. Criticando a abordagem da socialização de Durkheim, esta nova abordagem propõe uma definição da socialização entendida como aquisição de um *código simbólico* resultante de "transacções" entre o indivíduo e a sociedade (Percheron, 1974, p. 25). O termo transacção constitui uma transposição directa da equilibração piagetiana: "qualquer socialização é o resultado de dois processos diferentes: processo de assimilação e de acomodação. Pela assimilação, o sujeito procuraria modificar o seu ambiente para o tornar mais conforme aos seus desejos e diminuir os seus sentimentos de ansiedade e de intensidade; pelo contrário, pela acomodação, o sujeito teria tendência a modificar-se para responder às pressões e aos constrangimentos do ambiente". Desta problemática de base, A. Percheron retira um conjunto de consequências que constituem, segundo ele, a problemática da socialização política: 1. A socialização é um processo interactivo e multidirecional: pressupõe uma *transacção* entre o socializado e os socializadores; não sendo adquirida de uma só vez, ela passa por renegociações permanentes no seio de todos os subsistemas de socialização. Como afirma A. Percheron, "a socialização assume a forma de um acontecimento, de um ponto de encontro ou de compromisso entre as necessidades e os desejos do indivíduo e os *valores* dos diferentes grupos com os quais ele se relaciona" (1974, p. 26).
  • 19. 2. A socialização não é apenas, nem fundamentalmente, transmissão de valores, normas e regras, mas "desenvolvimento de uma dada *representação do mundo*", nomeadamente de mundos especializados", neste caso, o mundo político. Esta representação não é imposta de uma forma acabada pela família de origem ou pela escola, mas cada indivíduo "constrói-a lentamente, utilizando imagens retiradas das diferentes representações existentes, que ele reinterpreta para formar um todo original e novo" (*idem*). Certamente que existem sistemas tipificados de "representações automáticas" que permitem "respostas rápidas e estereotipadas" (Moscovici, 1972, p. 282), mas o indivíduo reutiliza-os de acordo com as suas aspirações e experiências. 3. A socialização não é, fundamentalmente, o resultado de aprendizagens formalizadas, mas o produto, constantemente reestruturado, das influências presentes ou passadas dos múltiplos agentes de socialização. Esta "*socialização latente*" é muitas vezes impessoal e mesmo não intencional: se se pode falar de aprendizagem é de uma aprendizagem informal e implícita cujo "papel é de tal forma importante que é ela que alarga a influência do ensino e da maioria das mensagens da sociedade" (*id.*, p. 27). 4. A socialização é essencialmente *uma construção lenta e gradual de um código simbólico* que não constitui, como em Durkheim, um conjunto de crenças e de valores herdados da geração precedente, mas um "sistema de referência e de avaliação do real" que permite "comportar-se de uma certa forma, numa dada situação". Reactualizando a abordagem piagetiana, mobilizando os resultados mais seguros da psicolinguística e aplicando-os ao campo da política, A. Percheron realça "que nunca há uma relação 'objectiva' com o político e que a significação de qualquer conceito e de qualquer noção constrói-se através da sua relação com outras noções, após uma série de mediações e de transformações: não há objecto, lei ou partido político, fora das representações que subjazem a estes conceitos e não há representações fora do conjunto das atitudes que organizam qualquer apreensão do real" e, portanto, nos permitem orientarmo-nos. Assim "socializar-se é aprender a representar um significado (político neste caso) com a ajuda de um dos múltiplos significantes que serve à sua representação" (*id.*, p. 37). 5. A socialização é, enfim, um processo de identificação, de construção de *identidade*, ou seja, de pertença e de relação. Socializar-se é assumir o sentimento de pertença a grupos (de pertença ou de referência), ou seja, "assumir pessoalmente as atitudes do grupo que, sem nos apercebermos, guiam as nossas condutas" (*id.*, p. 32). A. Percheron chama a atenção para uma aquisição essencial da antropologia cultural (cf. capítulo II): o sinal decisivo de pertença ao grupo é a aquisição daquilo que Sapir chamava "saber intuitivo" (1967, t. 1, p. 41) e que Halbwachs designava de acordo com a interessante fórmula "começar a pensar com os outros" (1950, p. 48). Este saber implica assumir-se, pelo menos parcialmente, o passado, o presente e o projecto do grupo "tal como eles se exprimem no código simbólico comum que funda. menta a relação entre os membros" (Percheron, *id.*, p. 32). :, Mas qualquer abordagem empírica de identidade torna-se particularmente complexa pelo facto de "não haver uma identificação única" dos indivíduos (cf. capitulo V). A criança tem de construir a sua própria identidade através de uma integração progressiva das suas
  • 20. diferentes identificações positivas e negativas, quer devido à multiplicidade dos grupos de pertença ou de referência, quer devido à ambivalência das identificações: ambivalência entre o desejo de ser como os outros, aceite pelos grupos de que se faz parte ou aos quais se quer pertencer, e a aprendizagem da diferença ou o desejo de oposição àqueles grupos. Como afirmava Lacan "o eu é um objecto comparável a uma cebola; poderíamos descascá- lo e encontraríamos as sucessivas identificações que o constituem" (1953, 1981, p. 144). Esta integração das identidades depende certamente do "sistema relacional do sujeito" (Percheron, *id.*, p. 34), mas ela só se manifesta através da coerência de uma linguagem, isto é, através da estruturação dos signos e dos símbolos que constitui, no fim de contas, "a modalidade especifica da existência de um conjunto de símbolos que permite à linguagem estar em relação com um dominio de objectos" (Foucault, 1969, p. 125). Eis a razão pela qual, tendo definido a socialização política da criança como um processo de construção de uma identidade, A. Percheron opta por estudar "alguns aspectos dos fenómenos e processos de socialização recorrendo ao estudo da constituição do vocabulário político das crianças, do desenvolvimento das representações que a ele se associam e, sobretudo, recorrendo à organização do vocabulário em dimensões específicas" (*id.*, pp. 37-38). Quadro 1.3. Categorias de análise da socialização de A. Percheron reutilizando J. Pinget ::::::: Categorias de análise da socialização: Processo essencial PIAGET: Equilibração adaptações sucessivas entre o Eu e o Mundo PERCHERON: Transacção Indivíduo/instituições: compromisso entre desejos individuais e valores colectivos Categorias de análise da socialização: Domínios distintos e articulados PIAGET: Cognitivo :o regras Afectivo :o valores Expressivo :o signos PERCHERON: Pertença + Relação Identidade social Categorias de análise da socialização:
  • 21. Resultado PIAGET: Estruturação de uma inteligência formal permitindo a construção de um programa de vida "possível" PERCHERON: Construção/selecção de um código simbólico "especializado" :, :::::::::: A partir do que foi dito, vê-se claramente como é que a tentativa de tornar operatória uma abordagem da socialização, previamente definida de uma forma muito "piagetiana" (cf. quadro 1.3.), conduz a uma forma específica de análise da linguagem aqui análise estatística do vocabulário político em crianças dos 10 aos 15 anos. destinada a discernir as linhas de força, as dimensões essenciais do *campo das representações políticas*. É que a organização das representações -- a estrutura do vocabulário político neste caso -- permite discernir, simultaneamente, a estruturação objectiva do campo político, referenciando os sistemas de palavras às posições no espaço em função dos usos linguisticos das diversas "forças políticas", e as estruturações subjectivas das diferentes categorias de crianças referenciando-as às características sociais (profissão do pai, local de habitação, etc.), psicológicas e biológicas (nível etário) destas crianças. Os resultados empíricos da investigação de A. Percheron confirmam uma hipótese importante: a estruturação do vocabulário político das crianças depende tanto da idade como das características sociopolíticas do meio ambiente. Entre os 10-11 anos e os 13-15 anos produzem-se reorganizações significativas que manifestam uma actividade de reestruturação simbólica por parte das próprias crianças. Tanto as representações como as escolhas políticas não são transmitidas e constituídas de uma vez para sempre; constroem- se como se fossem rearranjos periódicos, resultantes, simultaneamente, de novas assimilações de elementos retirados dos diversos sectores do ambiente (família, escola, pares, área residencial, freguesia, etc.) e de acomodações às evoluções desses sectores, que permitem reorganizar de forma suficientemente coerente os elementos (palavras, fórmulas, posições, símbolos...) de um sistema de representações políticas cada vez mais interiorizado e constitutivo da identidade social a ser construída pela própria criança. Neste sentido, a pesquisa de A. Percheron desenvolve uma abordagem de tipo piagetiana, prolongando-a sociologicamente de forma a que a identidade em construção é encarada como uma componente de pertença social (cf. capitulo V). 1.5. Uma perspectiva "genética" e "restrita" da socialização A teoria piagetiana da socialização da criança, tanto psicológica como sociológica, permite, finalmente, uma dupla ruptura, necessária a qualquer perspectiva operatória dos factos de
  • 22. socialização: -- uma ruptura com uma concepção da "formação" (5) encarada como inculcação de regras, normas ou valores por parte das instituições junto de indivíduos passivos que assim são progressivamente modelados por estes esquemas de pensamento e de :, acção. É esta concepção. anunciada por qualquer perspectiva funcionalista da socialização (cf. capítulo II), que constitui uma espécie de paradigma simplista e redutor -- que Boudon e Bourricaud (1982, p. 483) chamam de socialização-condicionamento -- e que implica, simultaneamente, uma representação substancialista das instituições (aparelhos de socialização) e uma concepção determinista e mecanicista das práticas individuais (comportamentos aprendidos); (5) Utilizaremos, às vezes, o termo "formação" como sinónimo de "socialização" ainda que em França este termo seja muitas vezes associado à ideia de aprendizagem de tipo escolar, de cursos "formalizados" e organizados por instituições para ensinar saberes a indivíduos considerados ignorantes. Mas todas as investigações cientificas sobre a socialização mostram que esta representação está muito afastada dos processos reais de aprendizagem socializada. -- uma ruptura com uma representação linear e unificada da formação entendida como acumulação de conhecimentos ou progressão contínua das competências. As noções de "estádio" e de processo de equilibração reenviam para uma concepção dinâmica da socialização da criança como desestruturação e reestruturação de equilíbrios relativamente coerentes, mas provisórios: a passagem de uma coerência para outra implica uma crise" e a reconstrução de novas formas de transacção (assimilação/acomodação) entre o indivíduo e o seu meio social. Esta passagem de uma forma de equilíbrio para outra implica uma primeira fase de desestruturação que corresponde a uma crise das formas de transacção anterior, uma segunda fase de desequilíbrio que corresponde a uma acomodação sem assimilação (simples adaptação sem reequilibração) ou a uma assimilação sem acomodação (simples crescimento sem reequilibração) e uma última fase de reestruturação que corresponde a um novo equilíbrio dos dois processos. Este "modelo" pode ser considerado como o contributo mais importante de Piaget para a análise dos processos da socialização. No entanto, ele deixa em aberto uma questão fundamental: dever-se-á limitar o processo de socialização assim concebido às crianças e considerar a adolescência como o período biográfico de consumação desse processo? No contexto socioeconómico da época, esta posição era defendida por Piaget pelas razões seguintes: -- o estádio de inteligência formal é considerado como tendo sido atingido, por uma maioria dos adolescentes, no momento em que se inserem na actividade profissional: num contexto em que as competências necessárias para o primeiro emprego apelam essencialmente para as capacidades de raciocínio adquiridas no final da escolaridade, o equilíbrio pode realizar- se na e pela inserção profissional; -- as características sociocognitivas dos adolescentes ao entrar na vida activa estruturam o
  • 23. conjunto do percurso profissional ulterior: as mudanças significativas de situação de actividade são raras e os estatutos adquiridos na entrada valem para o conjunto da vida activa. As relações socioafectivas que se ligam à esfera familiar e à esfera profissional formam um conjunto coerente que assegura aos adolescentes uma integração espontânea no meio social familiar, estruturante para a personalidade que se tornou adulta. O que é que acontecerá quando não se verificam as condições sociais que permitiam a equilibração das actividades durante a adolescência? O que se passará quando as organizações de trabalho modificam as suas exigências, excluem uma fracção dos jovens e :, transformam as suas regras de funcionamento? Como pensar a socialização quando a inserção no primeiro emprego se torna precária ou provisória para inúmeros jovens e quando as mudanças de emprego, de ofício ou de profissão se multiplicam ao longo da vida activa? Quais as consequências da dissociação crescente entre as esferas da actividade social e da não coincidência sistemática dos acontecimentos (saída da escola, entrada numa actividade estável. casamento). que marcam a entrada no "estádio terminal" de Piaget? Poder-se-á responder a estas perguntas de várias formas. que têm incidências diferentes sobre a própria concepção de socialização entendida como processo "genético . A primeira consiste em considerar que estas transformações invalidam o tratamento piagetiano da socialização no seu conjunto. E o sentido, por exemplo, da crítica que um comentador de Piaget (Furth, 1981, pp. 15, e seguintes) levanta quando escreve: as condições de socialização na família, já não se enquadrando funcionalmente com as condições de filiação nas organizações, geram problemas insolúveis aos jovens... a crise da adolescência torna-se aguda e durável devido às disparidades entre competências requeridas, disposições adquiridas e motivações presentes". É por isso que, segundo este autor, os processos descritos por Piaget "já não podem aplicar-se às condições sociais, radicalmente diferentes daquelas que as tinham gerado". Devido à transformação das formas de produzir e das formas sociais anteriores, o processo de socialização ter-se-ia "transformado profundamente" e já não se enquadraria "nos pressupostos da abordagem de Piaget". Em particular, o processo de socialização teria tendência a "envolver a totalidade da vida dos indivíduos", pondo assim em causa "a ideia da existência de um estádio terminal" e "a própria ideia de estádio". A abordagem de Piaget estaria assim historicamente ultrapassada e deveria ser substituída por uma outra problemática. A segunda, mais fecunda, consiste em conservar o "núcleo duro" da teoria piagetiana, ou seja, a sua concepção da forma geral e dos mecanismos de base do processo de socialização: descontínua, actuando por desequilíbrios e reequilíbrios, implicando um duplo movimento de acomodação e de assimilação, ligando estruturas lógicas e formas sociais de cooperação. Este processo deve passar a ser concebido como permanente e mais complexo: permanente, porque a socialização já não acaba com a entrada no mercado do trabalho (acabamento do "adulto médio" segundo Piaget), mas prolonga-se durante toda a vida segundo o mesmo mecanismo de base (equilibração); mais complexo, porque já não se pode falar de "estádio terminal" e porque a noção de estádio deve, em consequência disto, ser relativizada. Segundo o que parece, foi o que Piaget e os seus colaboradores fizeram no último período levando em conta as mudanças socioeconómicas: "os estádios da teoria piagetiana do desenvolvimento são... períodos de estabilidade relativa... que comportam
  • 24. todo o tipo de flutuações que nascem de situações mutáveis com as quais o indivíduo se confronta" (Piaget, Garcia, 1987, p. 157). Na síntese consagrada aos adultos, G. Malglaive, ao comentar este texto, acrescenta: "a referência aos estádios, sendo problemática em relação à criança, torna-se enganadora ou até mesmo nefasta em relação ao adulto" (Malglaive, 1990, p. 157). As conclusões de trabalhos recentes de psicologia cognitiva reintroduzem "o mundo simbólico" como mediação essencial entre as estruturas :, lógicas e as operações concretas, servindo-se, nomeadamente, da noção de "Sistemas de Representação e de Tratamento", de J.-M. Hoc (1987). Estes trabalhos permitiram precisar melhor o funcionamento das estruturas lógicas. Piaget e Garcia escrevem: "cada período ou cada estádio têm problemas específicos que o sujeito é capaz de apreender... Em cada período... o sujeito não utiliza uma única relação lógica mas várias. A linha de construção de cada estrutura lógica segue um caminho complexo que lhe é específico e as linhas do desenvolvimento não coincidem. *Os estádios de desenvolvimento não são determinados pelo desenvolvimento das relações lógicas enquanto tais* (6) (qual deveríamos privilegiar?). Dizer que determinadas estruturas características são activadas em cada estádio não é, contudo, afirmar que o estádio é definido por uma única estrutura lógica" (Piaget, Garcia, *id.*, p. 158). A cronologia dos estádios torna-se, então, muito mais incerta: algumas crianças -- assim como alguns adultos -- podem ter êxito em provas "formais" e falhar em provas "concretas"; podem mobilizar estruturas formais em determinadas situações (escolares, por exemplo) e estruturas concretas noutras (situações de trabalho ou da vida quotidiana). Os exemplos não faltam e mostram que um raciocínio abstracto desenvolvido por um aluno ("criança" ou "adulto") na aula não é transferível para uma situação extra-escolar. Pode estar-se seguro e ter boas notas nas provas teóricas em electricidade e não conseguir mobilizar os conhecimentos num problema prático de montagem eléctrica... (6) Sublinhado dos autores. O facto é que, na análise do desenvolvimento cognitivo, não podemos esquecer as representações sociais através das quais os indivíduos atribuem um sentido às suas situações de aprendizagem. Como afirma G. Vergnaud (M. R. T., 1989, pp. 54 e seguintes), "o que um sujeito aprende numa situação nova depende do que faz nessa situação e da interpretação que lhe dá". Referindo-se ao papel atribuído por Piaget, nas suas últimas obras, à "tomada de consciência" (1974), o autor clarifica as condições de aquisição de um esquema, isto é, dos invariantes lógicos que permitem a generalização ou a transferência de uma competência de uma situação para outra: "para que estes invariantes se tornem objectos, é preciso que a linguagem e as outras formas simbólicas permitam designá-los e identificá-los e, simultaneamente, que outros sujeitos (pares, formadores) possam debater, com o sujeito em formação, a veracidade ou a falsidade dos enunciados produzidos". A relação essencial que Piaget estabelece entre estruturas lógicas e formas sociais é, portanto, sempre mediatizada por representações simbólicas e nomeadamente pela linguagem que tem uma função essencial de "codificação das situações vividas" (Bruner, 1983). Não é, pois, possível isolar a análise "genética" do desenvolvimento cognitivo da análise "cultural" dos sistemas simbólicos e das "representações" que servem para definir e interpretar as situações vividas. O processo individual de socialização não se desenvolve num vazio cultural: activa formas simbólicas e processos culturais. A abordagem "restrita"
  • 25. da psicologia genética reenvia-nos para abordagens "gerais" que fazem da socialização não só um aspecto do processo de desenvolvimento individual, mas também a pedra angular de todo o funcionamento social. Bibliografia do Capítulo I (*) BERNSTEIN, B. (1971), *Class, Codes and Control/, vol. I, London, Routledge and Keagan Paul, trad. française, *Langage et classes sociales, Paris, Éd. de Minuit. 1975. BOUDON. R.; BOURRICAUD. F. (1982), *Dictionnaire critique de la sociologie*, Paris. PUF. BRUNER, J. (1983), *Le développement de l'enfant: savoir-dire, savoire-faire*, Paris, PUF. CLERC. P. (1964), "Nouvelles données sur l'orientation scolaire au moment de l'entrée en sixième", *Population*, octobre-décembre, pp. 864-887. DAVAL. R.: *et alii* (1964). *Traité de psychologie sociale*, tome 2, Recherches en psychologie appliquée, Paris, PUF, pp. 5-89. DOISE. W. (1982), *L explication en psychologie sociale*, Paris, PUF, Coll. Sociologies. DOISE. W.; DESCHAMPS, J.-C.; MUGNY. G. (1986), *psychologie sociale, l'explication*, Paris. A. Colin, Coll. U Sociologie. DURKHEIM, E. (1893), *De la division du travail social*, Paris, PUF. 2.E éd., 1967. DURKHEIM, E. (1897), *Le suicide. Étude de sociologie*, Paris. PUF, 2.e éd., 1967. DURKHEIM, E. (1902-1903), *L'éducation morale*, Nouvelle éd.. Paris. PUF, 1963. DURKHEIM, E. ( 1 91 1). *Éducation et socialogie*, Paris, PUF, Le sociologue, 1966. ERIKSON, E. H. (1950), *Childhood and Society*, New York and C.o, trad. *Enfance et société*, Neufchâtel, 1957. ESTABLET, R. (1988), *L'école est-elle rentable*?, Paris, PUF. FOUCAULT, M. (1969), *Les mots et les choses*, Paris, Gallimard. FURTH H, G. (1981), *Piaget and knowledge*, Chicago Free Press. GOSLIN, D. A. (1969), *Handbook of Socialization. Theory and Researche*, Beverly
  • 26. Hills, Russel Sage. HALBWACHS, M. (1950), *La mémoire collective, Paris, PUF. HOC, J.-M. (1987), *Psychologie cognitive de la planification*, Grenoble, Presses Universitaires. LACAN, J. (1953), *Le séminaire -- Livre III*, Les psychoses, Paris, Seuil, 1981. LAUTRAY, J. (1984), *Classe sociale, milieu familial, intelligence*, Paris, PUF. MALGLAIVE, G. (1989), *Enseigner aux adultes. Travail et pédagogie*, Paris, PUF. M.R.T. (Ministère de la Recherche et de la Technologie) (1989), *Adultes en reconversion*. Faible qualification, insuff~sance de la formation ou difficultés d'apprentissage?, Paris, La Documentation Française. MOSCOVICI, S. (1972), *Introduction à la psychologie sociale*, Paris, Larousse. NISBET, R.-A. (1966), *The sociological tradition*, New York, Basic Books, trad. française, *La tradition sociologique*, Paris, PUF, Soiologies, 1984. PERCHERON, A. (1974), *L'univers politique des enfants*, FNSP, Colin. PIAGET, J. (1932), *Le jugement moral chez l'enfant*, Paris, PUF. PIAGET, J. (1984), *Six études de psychologie*, Paris, Gonthier, coll. Médiation. PIAGET, J. (1965), *Études sociologiques*, Paris, Genève, Droz. PIAGET, J. (1966), Communication au XVIII e Congrès international de psychologie, *Bulletin de psychelogie*, décembre, pp. 246-264. PIAGET, J. (1974), *Réussir et comprendre*, Paris, PUF. PIAGET' J.; GARCIA, R. (1987), *Vers une logique des significations*, Genève, Muriande. SAPIR, E. (1967), *Anthropologie*, Paris, trad. Éditions de Minuit. VERGNAUD, G. (1989), "Les difficultés individuelles d'apprentissage: compétences acquises, processus d'aquisition et déficits cognitifs", in *Adultes en reconversion*, M.R.T., *op. cit.*, pp.51-62. (*) O ano entre parêntesis corresponde geralmente à data da primeira edição das obras.
  • 27. 2 A socialização na antropologia e o funcionalismo A psicologia genética esclarece alguns mecanismos fundamentais que tornam o recém- nascido, egocêntrico e totalmente dependente, num adulto, membro cooperativo e relativamente autónomo da "sociedade". Mas esta abordagem da socialização é "restrita": é unicamente centrada no indivíduo-criança e ignora ou minimiza as enormes variações que se podem observar nos "produtos" da socialização segundo as épocas, os tipos de sociedades, os meios sociais, os grupos ou as classes sociais. Descobrindo e analisando o funcionamento de sociedades diferentes -- designadas ainda, por vezes, de sociedades "primitivas" --, os etnólogos e os antropólogos mostraram a diversidade das formas de socialização. A acumulação de inquéritos, incidindo sobre as sociedades "tradicionais", mostra claramente que os adultos produzidos pelas diferentes sociedades são tão diferentes quanto os procedimentos educativos que lhes eram aplicados quando crianças e que estes procedimentos não podem ser reduzidos a mecanismos universais (7). Como afirma C. Lefort, no prefácio da obra de Kardiner, considerada como uma das obras fundadoras da antropologia cultural: "a interpretação do desenvolvimento da criança está rigorosamente subordinada aos resultados dos inquéritos realizados em diferentes sociedades" (Kardiner, trad. 1969, p. 19). :, (7) Desde a década de sessenta, os trabalhos de antropologia cognitiva (Dougherty, 1985) e de psicologia transcultural (Warren, 1980) renovaram a questão dos "universais cognitivos" e mostraram que comportamentos muito diversos, ligados a formas bastante diferentes de aprendizagem, poderiam remeter para os mesmos processos cognitivos elementares (categorização, generalização, diferenciação, resolução de problemas...). Poder-se-á no entanto, retirar da comparação destes inquéritos um modelo geral do funcionamento da socialização? Veremos que essa foi uma das maiores preocupações de alguns sociólogos teóricos das diversas *correntes funcionalistas* das ciências sociais e que conduziu à construção de uma síntese tão ambiciosa como frágil. Estes esforços de teorização produziram, apesar disso, categorias e modelos de análise que servem, ainda hoje, para analisar factos da socialização. Estes instrumentos permitem simultaneamente, compreender os limites de qualquer teoria "geral" da socialização e discernir os problemas com que se deve confrontar a sociologia empírica para fazer avançar o conhecimento dos mecanismos concretos da produção social das personalidades. 2.1. Cultura e personalidade: uma abordagem culturalista" da socialização Ao apresentar e comparar três sociedades muito diferentes -- os Pueblos do Novo México, os Dobu da Nova Guiné oriental e os Kwakiutls da costa noroeste da América --, Ruth
  • 28. Benedict concluía o seu estudo da seguinte forma: "a maior parte das pessoas estão moldadas à sua cultura, devido à grande maleabilidade da sua natureza original: elas são adaptáveis à forma modelizadora da sociedade onde nasceram" (1935, trad. francesa, p. 336). Ela punha em evidência uma oposição radical -- que se tornou muito célebre entre a personalidade e a organização dos índios Zuñi qualificada de *apolínea* porque "incrivelmente doce", baseada no equilíbrio e na sobriedade e que se exprimia através de um "cerimonialismo interminável", e a personalidade dos Kwakiutls qualificada como dionisíaca porque movida pela rivalidade permanente dos indivíduos e dos grupos, agitada por lutas, concorrências e destruições potlatchianas (8) e manifestando-se por constantes "demonstrações de emoções". R. Benedict esclarecia, por outro lado, que nem todos os indivíduos se sentiam à vontade no interior de cada uma destas sociedades e que só aqueles que ela designava por "bafejados pela sorte" possuíam as "virtualidades que se aproximam dos modelos de comportamento presentes na sua sociedade" (*id.*, p. 337). Os outros procuram escapar e só rara e dificilmente o conseguem. Assim, "cada tribo possui os seus anormais que nela não participam" (*id.*, p. 341), mas os modos de expressão desses anormais e os seus destinos sociais variam igualmente de uma sociedade para a outra: alguns, acusados de feitiçaria, tornam-se feiticeiros (um deles até acaba a vida como governador de Zuñi), enquanto outros são fisicamente eliminados; alguns passam a ser reconhecidos pelo novo papel que assumem na sociedade (como alguns homens-mulheres de Zuñi), :, enquanto outros falham e são rejeitados... (*id.*, pp. 344-349). Para Ruth Benedict, o caso destes indivíduos não é do domínio da psiquiatria mas a sua existência depende do grau de tolerância da sociedade a que pertencem. (8) O "potiatcht" dos índios da costa oeste da América do Norte consiste em dádivas e contradádivas entre as famílias clãs e tribos num espírito fortemente agonístico. Ele releva do "facto social total", segundo Marcel Mauss que o analisou longamente no *Essai sur le don* (Mauss, 1950). R. Benedict considera-o igualmente uma característica da Cultura de Kwakiutis e Lévi-Strauss refere-se-lhe, muitas vezes, ao longo da sua obra, para ligar estas práticas ao conjunto das estruturas de trocas (de bens, de palavras, de mulheres...) desta sociedade (Lévi-Strauss, 1958). A este estudo pioneiro seguiram-se muitos outros, alguns dos quais tinham pretensões mais teóricas. Todos eles se organizaram à volta de uma tese comum: *a personalidade dos indivíduos é o produto da cultura onde nasceram*. Mais precisamente, "as instituições com as quais o indivíduo está em contacto no decurso da sua formação produzem nele um tipo de condicionamento que, a longo prazo, acaba por criar um certo tipo de personalidade" (Lefort, 1969, p. 49). E esta posição, explicitada, matizada e ilustrada por Kardiner, que serve de fio condutor à sua obra intitulada pertinentemente *L'individu et sa société* (1939) e que começa por uma critica argumentada às teses de Freud sobre a universalidade do complexo de Édipo. Retomando, a propósito das ilhas Marquesas (cf. encaixe 2.1.), a ideia aceite, alguns anos antes, por Malinowski a propósito das ilhas Trobriand (9), Kardiner constata que nestas sociedades, não aparece nenhuma manifestação de um qualquer complexo edipiano porque não existe nenhuma instituição susceptível de o engendrar. Mas o que é uma instituição? É um "conjunto de esquemas de conduta, de
  • 29. *modelos* (pattern) de comportamentos fixados pela repetição de acções individuais, uma formalização do comportamento humano" (Lefort, p. 36). O conjunto destas instituições constitui a cultura de uma sociedade que é também, segundo a célebre definição de Linton, "a configuração geral dos comportamentos aprendidos e os seus resultados, cujos elementos são adoptados e transmitidos pelos membros de uma dada sociedade" (1945, p. 13). (9) Foi, sem dúvida, Malinowski, graças às suas notáveis pesquisas sobre os habitantes das ilhas Trobriand, quem, pela primeira vez, criticou empiricamente a universalidade do complexo de édipo, formulado por Freud, enunciando, simultaneamente, os princípios de uma abordagem "científica" funcional da cultura (Malinowski, 1944). Mas, contrariamente a Kardiner e a Linton, ele não atribuiu à socialização a importância que lhe deram, posteriormente, os teóricos da antropologia cultural. Aplicada ao recém-nascido e à criança, a instituição define-se, segundo Kardiner, pelo conjunto das *disciplinas de base* que fornecem os modelos de "gestão do corpo" da criança, ou seja, as respostas, extremamente variáveis de acordo com as culturas, às questões que dizem respeito a) à amamentação e ao alimento do bebé; b) às circunstâncias e modalidades do desmame; c) à relação com a nudez, as roupas, as fraldas...; d) à relação com a limpeza, os excrementos...; e) às atitudes para com a masturbação infantil, etc. É este conjunto de "disciplinas orais, anais e sexuais" que Kardiner refere como "instituições primárias" e que o antropólogo se deve esforçar por observar para compreender as "experiências de base" a partir das quais o indivíduo incorpora na sua personalidade a cultura do seu grupo social. Tal como Freud, Kardiner atribui à primeira infância uma posição privilegiada na formação do Eu, que ele define como sendo "a soma de todos os processos de adaptação subjectivamente percepcionados" (1939, p. 90). Tal como Freud, Kardiner atribui uma importância relevante aos mecanismos de frustração que permitem o "tratamento social do instinto" e a formação das primeiras ligações sociais (por fixação, :, introjecção, deslocamento e transferência de acordo com as categorias de Freud). Mas em oposição a Freud, Kardiner não conclui sobre a existência de *algum mecanismo universal de construção do Eu*, mas constata a existência de uma variabilidade extrema das disciplinas de base que produzem "os traços comuns a todas as personalidades numa dada sociedade" (*id.*, p. 99). Linton, que realizou um longo inquérito nas ilhas Marquesas (cf. encaixe 2.1.), chega à conclusão de que não há "nenhuma ou poucas disciplinas de base". O recém-nascido não é confiado à mãe mas aos maridos secundários daquela, de tal forma que "a criança cresce no meio de vários pais de entre os quais nenhum reivindica prerrogativas nem exerce uma autoridade rígida, não existindo assim uma inflação anormal da imagem parental". A amamentação dura pouco tempo (menos de quatro meses) porque "os habitantes das ilhas Marquesas acreditam que ela torna a criança difícil de educar e menos submissa" e sobretudo, segundo Linton, porque as mulheres têm um grande orgulho na firmeza e na beleza dos seus seios" e estão "convencidas de que um amamento prolongado estraga os seios". A forma de alimentar é brutal: "deita-se o bebé no chão da casa enquanto a mãe fica perto dele com uma mistura de leite de coco e de fruta com pão cozido... ela pega numa mão cheia desta mistura e, mantendo firme o rosto da criança, enfia-lhe a comida na boca". Não se esforçam por obter um controlo anal do bebé antes de ele perfazer um ano de idade: "o homem limita-se a mudar o tecido de casca de árvore no qual a criança está deitada.
  • 30. Mais tarde, a criança é levada em braços pelo homem para perto e posta em posição para fazer as suas necessidades". As crianças passam a maior parte do dia na água e aprendem a nadar antes de aprender a andar. Estão nuas e nunca sozinhas mas são constantemente vigiadas (embora sem muita preocupação, segundo o autor) pelos maridos secundários. Se os adultos estão ocupados, deixa-se a criança chorar. No caso de ela gritar e se tornar muito incómoda, "pode acontecer que um adulto a acalme masturbando-a". Aliás, prossegue Linton, "a masturbação das meninas inicia-se muito cedo: logo que nascem, manipulam-se sistematicamente os lábios para que estes cresçam e se tornem mais longos e, pensava-se, mais bonitos" (Kardiner, *id.*, pp. 226-227). Encaixe 2.1. Os habitantes das ilhas Marquesas segundo Linton (1920-1922) Os habitantes das ilhas Marquesa constituem um povo da Polinésia que vive numa ilha do Pacífico central a mais ou menos dez graus a sul do equador e que são de uma extrema beleza física, sobretudo as mulheres. Foram os últimos habitantes da Polinésia a serem cristianizados e resistiram muito tempo à influência dos brancos, chegando mesmo a escorraçar os missionários. Quando foram submetidos, reagiram não procriando... Ilhas montanhosas, cercadas por falésias abruptas, as Marquesas são formadas por vales estreitos separados uns dos outros por esporões rochosos. :, De vez em quando, estas ilhas são vitimas de secas prolongadas e destruidoras que originam péssimas colheitas e escassez de água. Estas secas. que se prolongavam. por vezes, durante três anos, provocavam verdadeiras fomes, e podiam reduzir a população a um terço, levando, por vezes, os indígenas a praticar o canibalismo. A propriedade agrícola apenas consta de árvores ou jardins dispersos pelos vales. A terra é propriedade colectiva da tribo, administrada pelo chefe, mas as árvores e as colheitas são propriedade individual. Em cada nascimento planta-se uma árvore que será propriedade do recém-nascido. Apesar disso, a base da alimentação é fornecida pela pesca que se organiza numa base comunitária com a ajuda de redes gigantes colocadas entre os barcos. Antigamente, os habitantes das ilhas Marquesas eram robustos canibais e, excepcionalmente, até as mulheres tinham autorização para comer carne humana. Persiste um canibalismo cerimonial destinado a incorporar as qualidades do indivíduo que se come (em geral. de uma outra tribo) com preferência pelas crianças. A instituição dos mestres-artesãos é uma marca saliente da cultura marquesiana. O *tuhunga* (mestre-artesão), personagem importante, trabalha por encomenda e, enquanto trabalha, é alimentado pelo cliente e entoa cânticos sagrados. Ninguém o pode substituir porque ninguém sabe reproduzir a sua maneira de cantar. Deste modo, ele pode acumular grandes riquezas e tornar-se uma personagem poderosa. Em troca de uma retribuição, ele ensina a sua arte aos jovens que lhe pedem. O estatuto social é determinado pela primogenitura, independentemente do sexo. Pratica-se, regularmente, a adopção. Através dos parentes que possuem em cada geração a posição
  • 31. social mais elevada, os habitantes das ilhas Marquesas estabelecem a sua genealogia (que, por vezes, recua até sessenta ou oitenta gerações). Os casamentos são endogâmicos à tribo, verificando-se uma grande mobilidade. Todas as profissões, excepto a de padre cerimonial -- especializada no domínio do além e sem poder económico --, estão abertas às mulheres, mas as mais prestigiosas (*tuhunga*) são reservadas às filhas primogénitas. Há pouca divisão do trabalho entre os sexos. Entre os habitantes das ilhas Marquesas, há duas vezes e meia mais homens do que mulheres. A causa deste fenómeno é desconhecida ou é escondida. Por isso, o lar marquesiano é poliândrico. Há um marido principal e maridos secundários, excepto nos lares mais pobres... Os lares mais abastados podem ter mais de quatro homens para uma mulher e a casa do chefe tem onze ou doze homens para três ou quatro mulheres. Todos os membros do grupo assim formado têm direitos sexuais uns sobre os outros, constituindo-se assim uma espécie de casamento de grupo... Apesar de existirem poucas normas de disciplina entre os habitantes das ilhas Marquesas (Linton notou que não existia qualquer punição para os delitos, nomeadamente para o roubo de alimentos), existe, no entanto, o perigo constante de infringir os tabus, o perigo :, imaginário dos papões (*vehini-hai*, espíritos-papões que se acredita roubarem as criancinhas e comerem-nas), o perigo real dos canibais ("se uma tribo inimiga atacassse uma criança perdida, esta seria, certamente, comida ou sacrificada*). É por isso que, havendo pouca aprendizagem organizada antes da puberdade ("a criança leva uma vida totalmente livre"), se assiste, a partir dos 8 anos, à formação de bandos mistos (mais rapazes do que raparigas, tendo em conta a demografia) que se organizam para se protegerem dos perigos. As crianças podem ficar afastadas das suas casas, dois ou três dias, vivendo da pesca e dos saques, dançando e cantando; entregam-se a jogos sexuais, imitando os pais (mãe e maridos, principal e secundários). "As raparigas são instruídas sobre os problemas sexuais desde a mais tenra infância e ensinam-lhes a mexer as ancas e a tomar atitudes muito enraizadas no comportamento sexual. A técnica erótica era desenvolvida até ao extremo. Os dois sexos orgulhavam-se, com a mesma sinceridade, das suas proezas neste domínio que discutiam sem pudor. Com excepção das crianças pertencentes à mesma família, considerava-se como natural que qualquer encontro entre jovens de sexos diferentes conduzisse ao acto sexual. As meninas começavam as danças totalmente vestidas mas terminavam-nas completamente nuas, produzindo os efeitos que se pode esperar desta situação." (*id.*, pp. 232-233) Entre a idade da puberdade e a do casamento, os jovens formam um grupo conhecido pelo nome de *Kaioi*: vestem-se com roupas complicadas e passam horas a pintar o corpo. Tornam-se os principais animadores da tribo, dançando e cantando nas festas e cerimónias em troca de generosas recompensas. Só então -- talvez por volta dos 14-15 anos -- começa o ensino: os padres ensinam-lhes os cânticos e as genealogias. Raparigas e rapazes aprendem juntos sem regras particulares mas, "durante o ensino da parte mais esotérica deste saber, mestre e aluno são submetidos a tabus muito rígidos" (*id.*, p. 230). É durante este período que intervém a *iniciação* (10) que consistia na feitura de uma tatuagem minuciosa que podia durar várias semanas e era obra de especialistas reputados; as raparigas eram tatuadas individualmente e sem rito particular, excepto as primogénitas do chefe. Os rapazes eram tatuados em grupos e, a seguir, tinham direito a uma festa colectiva
  • 32. no decurso da qual as raparigas dançavam não nuas, mas sim vestidas com saias totalmente entrançadas "que elas levantavam durante o canto final para mostrar as partes genitais". Este gesto "era sinal de que o fim do período *Kaioi* tinha chegado e que era oportuno os jovens escolherem uma parceira e estabelecerem-se". Ao mesmo tempo, o rapaz começava a estudar "para se tornar membro de uma qualquer profissão que tinha escolhido" (*id.*, p. 230). :, (10) Linton assinala que a iniciação não acaba com a cerimónia da tatuagem dos jovens: "quando um homem chega aos 30 anos, sobretudo quando se tratava de um grande guerreiro, ele submetia-se a uma nova operação de tatuagem acompanhada de uma pintura do corpo todo". Existe, portanto, uma relação visível entre a cor dos corpos e o grau de socialização: os "velhos" eram geralmente todos pintados de verde, o que permitia identificá-los muito facilmente (Kardiner, op. cir., p. 232). Percebe-se melhor a razão pela qual Kardiner responde negativamente à pergunta: "Será que o complexo de édipo se manifesta de uma forma qualquer na sociedade marquesiana?" (*id.*, p. 297). O antropólogo não só não recolheu "nenhum relato em que se vê o filho matar o pai e possuir a mãe", mas, se tivermos em conta a organização global da sociedade marquesiana e a natureza particular das disciplinas de base a que são submetidos os seus membros, compreendemos as razões desta ausência. Nas ilhas Marquesas, o rapaz nunca tem ocasião de adoptar uma atitude de dependência referente à união com a mãe; esta mostra-se cruel porque se sente frustrada. Se a dependência se exerce fundamentalmente em relação ao pai e aos maridos secundários, a criança não tem razão para os odiar porque estes não a maltratam nem a enganam. A personalidade marquesiana é, consequentemente, muito diferente da dos adultos ocidentais. Nas ilhas Marquesas pratica-se a poliândria e o casamento de grupo e o ciúme é desconhecido, "salvo quando se bebe". As mulheres desempenham um papel importante na sexualidade, mas a sua potência sexual "depende de preliminares complicados durante os quais lhes é impossível chegar ao orgasmo... talvez por causa de um condicionamento precoce ao jogo prolongado sem orgasmo". Nunca se fala de impotência masculina pois esta é muito rara. O habitante das ilhas Marquesas é "essencialmente um ser muito educado", de "modos doces" e com "uma reduzida capacidade de explorar outrem", sendo o seu único objecto de ódio a pessoa capaz de frustrar as suas necessidades essenciais ou de o humilhar publicamente (o que pode conduzi-lo ao suicídio). A mulher ocupa, "no folclore, uma posição muito próxima da do pai na nossa cultura e é por isso que ela é a vítima habitual dos maus olhados". Em vários domínios, a socialização da criança marquesiana é diferente e mesmo oposta à socialização actual da criança ocidental. As relações da criança marquesiana com a sua mãe estão reduzidas ao mínimo e são os homens que se encarregam de tratar dela; não há constrangimentos nem quanto à limpeza nem quanto a roupas impostas; não existe nenhuma restrição sexual nem exigência de obediência; não há escola nem aprendizagem obrigatória antes da puberdade, mas sim uma grande liberdade colectiva no seio dos grupos de crianças; a sua instrução só começa na altura da iniciação que a transforma num membro de pleno direito da sociedade. Se se pode, com rigor, distinguir alguma fase ligada tanto à maturação biológica quanto às instituições sociais (Linton só delimita claramente o período