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MARCUS, o imortal




Coelho De Moraes     1
MARCUS, o imortal




         Direitos de Cópia para
  Cecília Bacci & Guilherme Giordano
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             FATECmococa
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Coleção BROCHURAS & PDFs & ESPIRAIS
          Revisão e Correções
     Professora Ana Maria Zeferino

      Capa COELHO DE MORAES
    coelhodemoraes@terra.com.br

   Selo Editorial FATECmococa
       Registrado e Catalogado
   na Biblioteca Municipal e Mococa
           Cidade de Mococa
               São Paulo
                 2009




         Coelho De Moraes              2
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UM ENCONTRO COM ALBERTO MAGNUS




                                      Para
                                Rose Braga




           Coelho De Moraes             3
MARCUS, o imortal




OPUS 1
        Sim. Eu tenho mais de 800 anos de idade, mas quem me conhece não pensa
dessa forma. A única coisa que me dá um ar de diferença é a bengala com castão de
prata herdada de meus avós, gente escondida em tempos arcaicos, quando as nuvens da
Idade nublavam ainda mais todo o conhecimento.
        O texto de Alberto Magnus chegou às minhas mãos por uma dessas curiosas
coincidências, apesar de que eu sempre estive a colecionar objetos que montassem uma
memória secreta dos eventos de nossas vidas.
        Sim. Os meus oitocentos e vinte e tantos anos de idade me fizeram remontar ao
século 13, quando conheci Alberto. Abro tais atas com episódios daquele tempo.
        Ele andava pelos campos, escrevendo e pesquisando. Pena e nanquim sempre
fizeram parte de sua vida, da mesma forma que ervas e púcaros de beberagens. Era
incansável.
        Alberto Magnus Lucius, eis o seu nome completo. Não me lembro se era 1.245
ou 48. Encontrei-o quando estava em Paris e o Mestre terminava de anotar um conjunto
de escritos após palestrar para Acadêmicos sobre Secreta Mulierum. Um encontro numa
estalagem que rendeu provas de amizades, mas de grandes inimizades também.
Algumas dessas levaram a assassinatos. Eu era jovem, não mais do que vinte e três
anos, e vinha para estudar as Artes Médicas.
        E aí começará a história.

OPUS 2
         A epístola preliminar de seus trabalhos em França, se bem me lembro, são
considerações acerca dos infortúnios da magia para os fracos.
- Caro Marcus – assim ele me chamava – é necessário aceitar o fato de que toda a ação
recebe uma reação e aqui não vai nada de novo, desde Hermes Trimegistus.
- Sim, Mestre.
- Portanto, toda vez que um mago interferir no equilíbrio, ou no fluxo, ou ainda interferir
na organização da natureza, haverá uma reação. O mago não é onisciente. Muitas vezes
o mago pensa que pode mais do que realmente pode.
- Acredito nisso.
- Daí as concepções errôneas de Mago Branco e Mago Negro. São valores relativos. Pois
bem, caro Marcus, pois bem. Ciente disso, o mago deve se preparar mental e fisicamente
para o embate, que na maior parte das vezes não é espiritual, nem espectral... mas
puramente somático. O mago pode sofrer ações em seu corpo que precisa resistir. Se o
corpo estiver enfraquecido a mente não agüentará o embate.
         Tais eram alguns dos ensinos de Alberto Magnus.
         Caminhávamos pelas alamedas cobertas de lama, tendo Alberto com o braço
amigavelmente em meus ombros, como dois companheiros trovadores e taberneiros. E,
em meio a ensinamentos, ele apontava estradas e montes e dizia de outras lendas
complementares aos nossos estudos e aos tempos de perseguição obstinada... Ele falou
certa vez sobre Calatin, a quem procuravam por todos o portos da Europa, lembrando de
histórias antigas, portanto, postas em dúvida: “- Por aqui passou Calatin, um estranho de
origem cigana, dos eslavos, que conhecia fragmentos do Oculto e os usava para obter
suas vantagens”. E em seguida retornava para as aulas e direcionamentos na senda do
esoterismo. Mas, na verdade, o meu respeito sempre continuava imenso pelo Grande
Alberto.
         Naquela mesma época, um padre originário de Antuérpia, um tal master
Wickerscheimer, negociou com Alberto umas palestras em Erfurt. Era tarde chuvosa e ele
saiu com sua charrete protegida, partindo em viagem. Fiquei no seu cargo para ministrar
aulas fundamentais aos iniciados no estudo da Pedra Filosofal – assunto em que eu era
aprendiz, ainda - seguindo passos do trabalho de Tomás de Aquino. Uma obra dedicada
ao irmão Reinaldo, provavelmente um dos irmãos da Ordem dos Irmãos Predicadores.
         Nessa oportunidade me realizei, permitindo aos alunos um estudo de importância
para suas vidas, com base nas lições de Hermes, O Três Vezes Grande, O Três Vezes
Mestre, O Três Vezes Mago.


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MARCUS, o imortal

         Enquanto Alberto esteve fora, pude visitar outras Escolas e participei de uma
série de reuniões secretas para se decidir, em um nível de oculto, sobre o fingir-se
ignorar a ambivalência do sagrado e do maldito no domínio religioso, apesar das
evidências claras, mesmo no estudo do Genesis Bíblico. Essas palestras e reuniões se
fizeram sob o manto da noite, pois todos estávamos fugindo dos espiões papistas.
         Lembro que uma jovem muito atenta aos estudos – em nosso meio o número de
mulheres sempre foi maior do que o de homens - dizia: “Se a faculdade de crescer e
multiplicar é uma bênção para o homem e a mulher, a primeira maldição só é dada às
mulheres: Multiplicareis o número de partos” e hoje, perto de oitocentos e trinta anos, eu
vejo que a incapacidade da espécie humana para regular sua proliferação é a mais
terrível maldição que paira sobre a humanidade.
- A mãe é um mistério – dizia Sonja, a jovem que estudava conosco.
- É o aspecto sombrio da mãe, isso de sempre dar à luz, sem parar.
- Conseqüências coletivas e materiais... desastres, e falta de alimento... por isso os
homens nos culpam. A blasfêmia recai sobre nós e isso é cômodo.
- Mas, Sonja, as civilizações tradicionais...
- ... por causa da menstruação, a substância da mulher aparece como que ligada ao
mundo por uma magia noturna e os padrecos nos impõem responsabilidades por uma
influência espiritual malévola - ela me toca no queixo, gentilmente – o próprio Alberto é
muito severo com isso. Pergunte a ele.
         Tive que ouvir e calar. Essas mulheres nos dão lições constantes. Apesar de
serem providas de útero e serem loucas, era evidente, a cada dia uma nova diretriz
brotava nas reuniões. Sonja liderava essa turma de jovens.

OPUS 3
         O mensageiro me trás uma correspondência.
         Não fosse o nevoeiro da manhã e ele tertia chegado mais cedo, como me disse,
enquanto bebia água das ânforas bentas.
         Abro-a. É de Alberto . O Lúcius de seu nome é a luz que nos ilumina diariamente.
         Durante todo aquele dia molhado eu estudara o texto e o coloquei na lista de
leituras da noite. Eu escrevera para Alberto no sentido de elucidar umas dúvidas
pendentes, principalmente sobre o assunto das mulheres. Os homens se fingiam de
doutos e pouco perguntavam. Viam que a agilidade das moças era tal que os poria para
os cantos escuros da sala de estudo. Alberto respondeu: “Quanto àqueles que recebem a
mulher na comunhão diária, em nossa opinião, merecem severa censura: pelo uso
demasiado freqüente que possam fazer dela, eles são culpados de que a Santa Eucaristia
perca o respeito que lhe é devido. As mulheres têm outra visão da coisa. De resto o
desejo que as mulheres têm da comunhão é mais resultado da sua superficialidade do
que de uma verdadeira devoção. As mulheres, no culto, se interessam pela devoção à
grande Mãe, ou Deusa. Para elas, a Deusa continua entronizada, enquanto nós, pássaros
de Maria, ficamos a adorar o que é simplesmente Maya, ou a ilusão”.
         Tardezinha.
- Me dá aqui isso – Sonja tomou a carta de minha mão. Fiquei meio constrangido. Ela
percebeu e me deu um beijo no rosto. Sonja sorria.
- Gostou do que vem escrito?
- É magnífico – Sonja correu para a sala e releu a carta. As mulheres exultaram. Os
homens ficaram com certo ar de incredulidade. Nesse momento, as portas laterais se
abriram e, após o ranger de madeiras, vimos o Bispo de Montpellier entrar com um
séqüito de soldados e outros padres. Várias pessoas se ajoelharam. As mulheres não.
Nem eu.
- Quem é responsável pela reunião? Mestre Alberto está aqui? – a voz esganiçada do
soldado ecoou na sala. Eu me aproximei.
- Eu sou responsável pelas aulas e essa é uma classe de medicina, senhor.
- Medicina... – falou Montpellier, enxugando o rosto molhado de suor, apesar do úmido
tempo – o estudo da sabedoria de Galeno e Hipócrates, pois bem. Mas chegamos em um
momento em que uma dessas... mulheres... falava... e... – olhando para mim – ... elas
têm esse direito?
- O senhor Bispo bem sabe que nas classes de Mestre Alberto todos são bem recebidos...
inclusive...
- Até o clero – disse Sonja, que não se continha. Os soldados se moveram em torno do

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MARCUS, o imortal

Bispo que a olhou de cima abaixo.
- E... o que é que liam, se é que posso saber?
- Líamos uma carta de Alberto. Ele está em Antuérpia, para estudos – disse eu, tentando
contornar a situação e evitando qualquer tipo de confronto. Aquela não era uma boa
hora para isso. Os sinos de NotreDame repicaram. O Bispo olhou com estranheza ao
repicar dos sinos. Alguns estudantes se benzeram. O Bispo não se deu por vencido e,
observando os bordados da seda em seu lenço, que dobrava carinhosamente, disse:
- Contem para mim... o que está escrito na carta – parecia um pedido , mas na verdade
era uma ordem. Peguei a carta das mãos de Sonja, fazendo questão de colocar a moça
atrás de mim, querendo torná-la invisível. Abri a voz e repeti todo seu conteúdo e, à
medida que eu lia, o rosto de Montpellier se abria em sorriso.
- Ah! Muito sábio o Mestre Alberto – disse o Bispo – muito sábio em colocar as mulheres
em seu devido lugar. Sempre soube que seguia os ensinamentos paulinos. – Senti que
Sonja se movia atrás de mim. Ela sempre foi inquieta. O Bispo dava continuidade à sua
explanação como se a aula fora dele: - Haveria maior paz na Terra se não fosse a
Mulher, que nos leva para o pecado e para a intolerância...
- Não me parece isso o que diz o texto, se me permite o senhor Bispo.
- Não, não permito nada – e os soldados se moveram novamente e me deu a impressão
que levavam as mãos ao punho das espadas. Senti que Sonja segurou meu braço – Nem
sei por que um jovem como o senhor recebe a permissão para ministrar aulas... Alberto
deve ter se equivocado nesse ponto, ou, quem sabe, trata-se um treino... mas a mim
parece claro o que diz esse texto, seguindo o ensinos de Paulo e colocando a Mulher no
seu devido lugar de mãe e seguidora do pátrio poder. Nada mais!
- Senhor Bispo – eu disse, mas fui tolhido novamente pelas mãos de Sonja, segurando
minha capa.
- Sim...?
- Mais alguma coisa? O senhor gostaria de nos ensinar mais alguma coisa? – Montpellier,
com um travo de orgulho crispado nos lábios olhou-me e repassou o lenço no pescoço. O
seu anel episcopal brilhou suavemente contra a luz de candeeiros que tínhamos. Ele
negou com a cabeça. Segundos de silêncio. Os estudantes estão mudos. Os soldados
esperam.
         O Bispo olha para todos e fixa seu olhar em Sonja.
- Evitem as reuniões noturnas... ler sob a luz do candeeiro faz mal para os olhos... e para
a saúde da mente também.
         Imediatamente virou-se e partiu com seu séqüito barulhento. Quando a porta
bateu, respiramos com intensidade. Sonja me tomou com as mãos segurando meu rosto.
- Pensei que você comentaria o sentido oculto do texto.
- Montpellier nos poria na fogueira.
- Amanhã conversaremos sobre isso – ela disse – com todos. Mestre Alberto enviou uma
carta muito radical. Um parágrafo apenas e o texto é de uma importância revolucionária
sem igual.
- Nem sei se todos aqui aceitarão esse Tratado de Comunhão – eu falei – Acredito que
teremos inimigos entre nós... principalmente os mais enraizados nos dogmas da Fé.
- Os estudantes não foram selecionados em testes e provas intensas? – ela perguntou.
- Foram – eu falei – porém, em determinados momentos o medo aflora e pode haver
desistências. Na verdade, as tais provas e testes nunca são definitivos... enquanto houver
estudantes e enquanto Alberto nos fornecer pérolas e novos ensinamentos... a qualquer
momento pode haver quem resolva sair e...
- Na verdade... as aulas são testes constantes...
- ... e Mestre Alberto testa seus pupilos até o limite máximo do rompimento com os
valores tradicionais... inclusive eu...
- Amanhã debateremos... provavelmente teremos mudanças em nosso grupo de
estudantes. Acredito que todas as mulheres estarão do lado de Mestre Alberto... e de seu
lado também, Marcus. – Sonja disse com convicção expressiva.
         Olhei para ela. As luzes dos candeeiros e de algumas velas piscaram nos seus
olhos. As pessoas se preparavam para sair. Demos os últimos cumprimentos e Sonja
partiu em sua charrete ao lado de mais quatro jovens estudantes. Eu sabia que o Tratado
da Comunhão traria contrariedades e nos colocaria mais visados ainda ante o poder
papal, tendo Montpellier como braço de ferro.


                                   Coelho De Moraes                                      6
MARCUS, o imortal

        Dobrei cuidadosamente os escritos, amarrei-os numa bolsa de couro e olhei a
noite cair.

OPUS 4
         A lua desapareceu. Nada se via, nem nas cidades e nem nas matas. Todos
sabíamos que eram noites de Lilith atingindo seu máximo de atividade. Eu sabia que não
veria Sonja durante a semana toda e, quando a visse novamente, ela estaria um tanto
mudada, levemente mudada e cansada.
         O Sol e a Lua, o macho e a fêmea combatem. Um confronto de opostos onde
cada princípio oponente detém o seu oposto.
         Há necessidade do uso de escudos.
         Durante noites e madrugadas as mulheres debatiam sobre a possibilidade de
instalarem um governo feminino para o mundo. Elas mesmas diziam que o domínio do
dia pertencia aos machos e o domínio da noite pertencia às fêmeas. Dois tipos de clareio:
o de luz e o de fogo.
         Excelentes noites. E eram aquelas, antes do sumiço temporário das mulheres,
excelentes noites onde ainda tivemos tempo para os debates do Tratado da Comunhão.
E isso trouxe o cisma.
- Quanto àqueles que recebem a mulher na comunhão... – falava para a escola, como
debatedora, Sonja, com sua voz contralto bem postada - ... serão os padres ou serão os
que se acoitam com as mulheres?
- Certamente o Tratado de Comunhão nos fala dos aspectos do sacramento – opinou o
estudante Borgausen.
- Nada disso – foi a vez de Tomasina – esse texto é profano e fala da sexualidade.
Àquele que recebe em comunhão... não a comunhão com hóstias, a não ser que
chamemos nosso aparelho genital de animalzinho a ser imolado ao senhor macho –
todos riram. Tomasina sempre teve bom humor. Borgausen fechou o semblante. Sempre
foi o mais intolerante.
- Tomasina está certa. A escrita é cheia de símbolos e de maneira a contentar os
religiosos. Protegendo-nos de alguns insanos. Escapando de uma interpretação que nos
traga problemas. Viram quando Montpellier concordou com Mestre Alberto? – falei.
- E Mestre Alberto passava uma mensagem secreta.
- Mas isso é um sacrilégio duplo. O assunto escrito e a maneira de fazê-los passar por um
tipo de escrito da Igreja Católica – gritou Cantimpré, filho de fidalgos e herdeiro de
fortunas, quase se alterando.
- O que o incomoda, Sr. de Cantimpré? – perguntei.
- O fato de Mestre Alberto ir longe demais.
- Até onde será esse longe demais? O senhor terá uma medida da distância?
- Até onde é permitido ir? – perguntou Tomasina – A distância dos homens será igual à
das mulheres?
- Não vou questionar a doutrina Paulina – resmungou Cantimpré.
- A doutrina Paulina nos manda obedecer ao homem da casa – foi a posição de
Tomasina, cobrindo-se com seu xale azul, que tinha desenhos de luas em suas várias
formas e faces – Estamos propondo um governo de iguais. Excluindo o que chamamos o
“homem da casa”.
- A distância do homem o leva para fora. A distância da mulher adentra o corpo –
replicou Sonja.
- Amigos – falei – o texto é claro. Mestre Alberto não nega que o casal se ame. Ele
apenas sugere que seja todos os dias para que não se perca o valor dessa comunhão.
- Mas ele não pode comparar Santa Eucaristia com sexo – gritou Thorndike.
- É claro que pode. Ele tem todo o direito.
- O sexo como Santa Eucaristia? – foi a vez de Borgausen.
- Sangue, corpo e nossa alma, ou nossa ânima, em função do amor de homem e mulher?
Valorizar esse amor?–questionou Sonja.
- O que os preocupa é a mistura dos temas ou o fato de usar palavras que normalmente
usamos na Igreja para referendar outras idéias? Digo a vocês que as palavras não são
propriedades da Igreja. Sempre usaremos quaisquer palavras para propagar ou explicar
nossas idéias – expliquei.
- E o desejo que as mulheres têm da comunhão é mais resultado de sua superficialidade
do que de uma verdadeira devoção... – Sonja fez uma pausa na sua leitura - ... os

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MARCUS, o imortal

senhores deveriam agradecer pelas sugestões aqui contidas... são sugestões que
permitirão que homens e mulheres tenham uma vida mais saudável...
- É claro que queremos a comunhão... mas não com um fim em si, pois sabemos que o
produto dessa comunhão é uma possível gravidez... – esclareceu Tomasina - ... não
podemos querer a comunhão como devotas, nem como se fosse a nossa condição
obrigatória... queremos a comunhão, sim... mas que não seja nada profundo a ponto de
nos trazer a gravidez e que não seja o tempo todo, desvalorizando o que sentimos e nos
pondo em riscos de concepção...
- Na verdade – opinei – a Igreja as quer grávidas, pois o controle é maior e mais eficaz.
De outra forma, quanto maior o número de crianças, mais os senhores feudais terão
braços para uso em suas terras... isso me parece claro...
- Você está misturando tudo, Marcus, cuidado – foi a opinião de Borgausen – vá com
mais calma. Política é uma cousa. Medicina é outra. Religião...
- O engano é de vocês. Esses temas todos se misturam. O fato é que isso é real – eu
disse e vi Borgausen, Cantinpré e Thorndike conversarem a sós e balançarem suas
cabeças em desaprovação. Por outro lado, as mulheres ampliavam seus discursos e
discutiam ativamente aqueles pontos. Terminamos a noite ali, naquele estado de dúvida
que torna a mente um tanto adoentada, sabendo que o assunto ainda merecia muito
debate e, permitindo o caminho das outras idéias que ainda viriam. A partir de então não
mais veríamos as mulheres, que se preocupavam com seus afazeres da Lua Nova.
         Vimos a charrete de mulheres desaparecer nas brumas. Cães ladravam. Volta e
meia um vulto passava sobre nossas cabeças e nos surpreendíamos pelo tamanho do
pássaro. Adejava com força e desprendimento.
         Seriam As Aves de Aristófanes?
         Daquele dia em diante, os três rapazes que não concordaram com o discurso de
Mestre Alberto Magnus não apareceram mais para as aulas. Não estavam no burgo,
tampouco. Na taberna não se ouviu mais falar deles e da universidade, onde moravam,
soube-se que desapareceram sem deixar vestígios, ou melhor, os únicos vestígios
deixados eram suas roupas e livros que nos pareceram esquecidos nos quartos. A
impressão é que depois daquela noite eles não teriam retornado aos seus aposentos.
         Recebi, um dia, uma outra carta, escrita em papel pardacento, feito em casa,
dizendo que sabiam do paradeiro dos jovens. Carta sem assinatura.
         Especialmente naquela semana os ventos foram mais vigorosos e os animais se
mostravam muito mais irritados. A poeira das ruas era tanta que impedia à pessoa andar
nelas à noitinha.
         Minha opinião é que o mundo estava muito barulhento naqueles dias e o que eu
mais ouvia eram gargalhadas esporádicas, perdidas e soltas, trazidas pelo vento... ecos
de cavernas e murmúrios de árvores.
         Sonhava com Sonja, quase sempre. E eram sonhos cálidos.

OPUS 5
         A semana sem a presença das jovens era sempre um período diferente. Após a
interferência de Montpellier e as idéias expostas, percebemos que Cantimpré e os outros
se mostraram estranhos. Mas, naquela semana, nem a presença deles trouxe a relativa
constância dos encontros. Os jovens haviam desaparecido completamente com uma
certeza que caía como pedra. As notícias não eram claras. Muito boato e conversa solta
dissipavam-se no interior das casas e albergues, junto a lareiras e círculos de pessoas
medrosas.
         Todos, na verdade, sabíamos para onde iam as mulheres, mas notamos que
várias vezes, em datas passadas, os três rapazes se ausentavam, no mesmo período,
na semana negra, preferentemente à noite e saíam com seus cavalos para a floresta.
         Da última vez, segundo a carta que eu recebera, eles saíram e ladearam carroças
de soldados. Ou seja, nessa vez os estudantes pediram reforço policial. A polícia do clero.
Suas manobras de espionagem pareciam bastante claras. Tirando a coincidência de que
se escondiam sob as sombras da Lua Negra, os alunos nunca nos convidavam para essas
investidas.
         Em geral, a semana negra, a semana sem as mulheres, era escolhida por nós,
para experiências em laboratórios. Principalmente as experiências alquímicas, bem como
estudo dos atributos das ervas e substâncias naturais de vários tipos. A busca do poder
oculto que faria uma substancia de se tornar curativa. Era até normal que, após a

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MARCUS, o imortal

semana negra, as mulheres, ao voltarem, nos trouxessem vegetais, minerais e
substâncias orgânicas desconhecidas para novos experimentos e testes variados. Um
grupo complementava o outro, apesar de nunca perguntarmos frontalmente para onde
elas iam. Isso ficava como um segredo entre nós.
         Sabíamos quem eram e o que eram aquelas jovens.
          Aumentava o fascínio e isso nos bastava.
         Recebi outra epístola de Alberto, também. Ele aconselhava, pedia
veementemente, que tivéssemos cuidado com as idéias expostas, com as idéias que
ainda chegarão e com as pessoas que ouvissem tais idéias. Ele nos estimula ao trabalho.
Pede apoio ao trabalho de Sonja. Na carta há um alerta, pois há matéria publicada em
seu nome que não lhe cabe nem em pensamento nem em estilo. Ele cita o “Líber
Aggregationis”, por exemplo, e o “De Marabilibus Mundi” que são falsos flagrantes cujo
estilo não acorda com os outros seus escritos. Na verdade, são os mais miseráveis livros
produzidos pelo obscurantismo e o autor desses textos nem se deu ao trabalho de imitar
Alberto.
         Então, ouvi o barulho de carroças entrando no burgo.
- São os dominicanos – gritou Pietro de Ferrara.
- Esse pessoal é de uma ordem nova e já mostra serviço – declarou Alexandrino, o
menor.
- São de Toulouse. Essa Ordem de Dominicanos apareceu em 15. É nova mesmo – eu
disse – Fundaram a Ordem para a luta contra os albigenses.
- Mas já existiam desde 1206 – exclamava LaCordaire.
- Não! Engano. O que existia era a Ordem Contemplativa das Dominicanas, fundada por
Domingos, o Castelhano.
- Ele foi pessoalmente lutar contra os albigenses? – perguntou Pietro.
 - Sim. Após a confirmação da sua Ordem por Honório III, ele partiu para o Languedoc
com essa missão – eu expliquei, tendo que aumentar um pouco a voz, pois uma fieira de
cavalos e carroças passava sob nossas janelas, levantando poeira e afastando a
população. Alexandrino, o Menor, tinha dezessete anos e uma curiosidade imbatível. Não
tinha família. Desde criança vivia na Universidade e agora estava cursando conosco. Mas
ainda sabia pouco.
- E quem são esses albigenses? - ele perguntou.
- São da cidade Albi, no Sul da França – eu falei.
- São também conhecidos como Cátaros – gritou Pietro, pendurado numa escada e
olhando a rua lá de cima. Desceu rapidamente quando o grupo de cavaleiros se afastou
adentrando o burgo.
- E por que os Dominicanos lutaram contra? – perguntou Alexandrino.
- Porque – prontamente me pus a explicar – eles eram seguidores da seita maniqueísta.
Essas idéias vêem de Maniqueu, de origem persa, e pregam austeridade total e proibição
do casamento. As comunidades de fiéis eram dirigidas pelos considerados puros... ou
cátaros.
- Só isso?
- Os cruzados foram liderados por Simão IV de Monfort... – e um sorriso apareceu no
rosto de Pietro - ... e esse Simão, pio e católico, saqueou Carcassone e Béziers... os
albigenses foram derrotados em Toulouse e Muret.
 - E qual é o problema dessa seita? Era tão nociva assim? – perguntava LaCordaire – Que
tanto mal poderia trazer para nós?
 - Acontece, LaCordaire – retomei a palavra – que Maniqueu explicava a criação do
mundo como que uma luta entre duas forças. A do Bem e a do Mal. Um princípio
essencialmente bom simbolizado pela Luz. O outro princípio essencialmente mal
simbolizado pelas Trevas – refleti um momento – ... e há quem diga que a Luz existe
apenas para iluminar a escuridão... mas, mesmo para um hábil observador domingueiro,
caos estava no princípio das coisas e dos tempos... escuridão ou trevas já existia desde
o começo dos tempos... as trevas vêm na frente.
- Mas... por que se luta contra eles se a Igreja Católica prega o mesma?
- Não. Ela prega que o mundo foi criado pelo princípio essencialmente bom. Os
Maniqueístas afirmam que os dois princípios são as fontes de criação do Universo – falei.
- E você bem sabe como é que funciona a liberdade de pensamento em nossas terras,
não é mesmo LaCordaire? – brincou Pietro de Ferrara, enquanto folheava displicente
alguns livros.

                                  Coelho De Moraes                                     9
MARCUS, o imortal

 - Agora – eu completava – esta seita vem desde o século terceiro depois de Cristo, ou
seja, é tão antiga quanto a Igreja Católica, que nasceu na mesma época. Portanto, há
uma luta por espaço político e por domínio nas searas religiosas.
- E o que os Dominicanos estarão fazendo aqui, hoje?
- Isso eu não sei. Talvez alguma nova missão. Talvez algum foco albigense em Paris.
Talvez... – meu pensamento se levou para Sonja e durante alguns momentos eu me
deixei sonhar com a leveza da jovem - ... talvez.... procuram algum outro tipo de
perturbação da fé...
- É melhor retornarmos aos estudos – declarou LaCordaire, após a fria pausa – tem
muito trabalho pela frente e eu não quero perder minha bolsa.
        Em segundos estávamos debruçados sobre a tábua de experimentos. Era um
bom grupo. Sentimos a falta de Thorndike, Cantimpré e Borgausen, pois eram argutos
estudantes, mas eles já faltaram outras vezes, coincidentemente durante as semanas
negras, como já foi dito. Tínhamos a obrigação de manter o trabalho em andamento,
apesar de tudo. Lição maior era nunca perguntar muito pela vida dos estudantes.
Discrição total.
        Há histórias que não podem ser contadas.
        Há idéias que não podem ser reveladas. E o véu da noite caiu sobre nós.


OPUS 6
          Vento. Gritos. O povo dizia que as almas estavam libertas, mas não falavam
sobre isso muito alto. Então a lua desapareceu. A lua negra se estabeleceu em nossas
noites e, junto ao vento, podíamos ouvir uivos alternados com risadas e rasgos de pavor.
No começo era a Iniciação. A carne nada valendo, mas mantendo seu poder de estímulo
e de poder; a mente nada valendo também, a não ser que valorizássemos ao extremo os
assuntos da memória e da sutileza. Lembrei da fatal história de Calatin, o cigano. Um
estremecimento atingiu meu corpo e por pouco eu não caio, amparando-me nos batentes
da porta de carvalho.
          Mas, tudo aquilo passou. A semana teve fim e pela manhã, um sol cálido abriu o
céu. Muita névoa doce. O aroma da floresta era claro e definido, trazendo valores de
fogueira e carne queimada.
  - Aquilo que é desconhecido, embora firmemente baseado sobre o seu equilíbrio, dá
  vida.
          Virei-me. Era Sonja e as moças. Tomasina, Clara e Beatrix. Cansadas, pálidas,
um tanto alheias, tendo os rostos macilentos, o ar de quem não conseguiu dormir. Havia
certo nervosismo naqueles jovens semblantes.
- Boa dia, moças– vi que sentaram-se nos tamboretes e passaram a brincar com frascos
– parece que vocês trazem novidades.
- Marcus, estamos cansadas.
- Isso eu vejo.
- Então fica um pouco calado – disse rispidamente Clara. Elas se entreolharam. Algo
estava errado. Ou muito certo. Talvez o errado fosse eu. Pietro de Ferrara não se
conteve:
- Calma, jovens. Marcus não acusou ninguém. Só perguntou. Se quiserem que fechemos
nossas bocas, assim o faremos. Façamos de conta que nada ocorreu.
- Marcus – era Sonja – preciso conversar com você. É minha obrigação.
- A hora que desejar.
- Agora, então.
          Fomos para a biblioteca. E o que ouvi foi estarrecedor. Ela começava com um
preâmbulo místico, bem ao sabor das arengas universitárias. Aprendi com Alberto que
deveria ter a máxima paciência. O que podia vir daí era pior do que perder algum tempo
com a introdução.
- Em todos os sistemas de religião deve ser encontrado um sistema de Iniciação, que
pode ser definido como o processo pelo qual se chega a aprender sobre aquela Coroa,
aquela sabedoria, o âmago desconhecido. E nós, mulheres, temos o nosso. Você sabe
que quando nos afastamos na Lua Negra, vamos praticar o nosso sistema religioso...
- Sei... não discuto isso.
- Bom. – ela fez uma pausa contundente como que a refletir e pensar se deveria se abrir
- Embora ninguém possa comunicar o conhecimento ou o poder para realizar isto que

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MARCUS, o imortal

nós podemos chamar a Grande Obra, é, todavia, possível que os iniciados guiem outros,
e nós mulheres temos que ter o maior cuidado com as nossas práticas. Temos que
obedecer aos nossos dogmas e, enfim, proteger a nossa integridade, com todas as
forças. – ela assim falava enquanto deslizava seus dedos sobre a lombada dos livros
inúmeros.
- Todos devem superar seus próprios obstáculos – eu falei.
- Expor suas próprias ilusões. Suas verdades, seus temores. Porém, outras pessoas
podem ajudá-lo a fazer ambos, como você vem fazendo conosco... como o Grande
Alberto faz com todos nós... e os Mestres podem tornar-nos completamente aptos a
evitar muitos dos falsos caminhos que não levam a lugar algum.
- Isso tudo tem a ver com Cantimpré e os rapazes?
- Sim... infelizmente tem – ela disse e um arrepio passou por mim. Imediatamente
lembrei das palavras de Alberto: “Deve-se assegurar que tudo seja devidamente provado
e testado, pois há muitos que pensam serem Mestres, os quais sequer começaram a
trilhar o Caminho do Serviço, que para lá conduz”.
- Estávamos em meio aos trabalhos da nossa Grande Obra. O momento da Iniciação
havia chegado... a semana era importante demais... o clima propício... as mulheres
estavam aptas. - Fiz menção para falar, mas ela tapou minha boca com as mãos e
apertou minha boca, quase chorando que estava por dores e anseios de sua alma.
- Escuta. Ouve, eu e as meninas rogamos, ouve com atenção: pois apenas uma vez a
Grande Ordem bate à porta de alguém. E era o nosso momento. Não podíamos permitir
nenhuma interferência. Nenhuma... Ninguém poderia conhecer qualquer uma de nós e
sair ileso desse encontro. Até mesmo nós, membros da Ordem, jamais poderíamos
conhecer uma a outra, até que também tivéssemos atingido a Maestria.
- Os rapazes seguiram vocês – eu disse. Ela aquiesceu. Escondeu o rosto com as mãos.
Balançou a cabeça como se quisesse afastar os pensamentos.
- Um passo irrevogável – ela completou.

OPUS 7
         Eu e Sonja nos viramos imediatamente por causa do barulho. Carruagens. Fomos
para o salão das aulas. Todos estavam preocupados. Segui para as janelas de vitrais
venezianos e vi um aglomerado entre povo, clérigos e soldados. Traziam carroças e,
sobre elas, corpos. Olhei atônito para meus companheiros. Procurei os olhos de Sonja.
Ela acudia suas amigas. Beatrix tinha desfalecido, pois adivinhava algo. Pietro de Ferrara
disse que iria ver o que estava acontecendo e partiu. Uma garoa leve começou a descer
sobre a terra das ruas, prejudicando o caminho. Vi Pietro se aproximar e percebi que ele
sentia algo como um choque. Conversou com algumas pessoas. Os cavalos relinchavam,
muitos gritavam, ordens eram dadas e os soldados desapareciam pelas vielas. Quando
notei que um dos militares mais autorizados apontava na direção da Universidade, desci
da escada e chamei as mulheres.
- Vocês têm que sair daqui. Já!
- Ir para onde? – Sonja perguntou.
- Agora eu não sei. Mas não podem ficar – rapidamente tomava dos objetos das
mulheres e as impelia para a rua, pela porta traseira.
- Explique-se, Marcus – insistiu Alexandrino, o Menor – assim sem mais nem menos?
- Depois... depois... elas sabem... poucos devem saber...
         Um barulho terrível me pareceu quando a porta se abriu e Pietro entrou
esbaforido. Seus olhos saltavam das órbitas. O cabelo em desalinho. Arfava. Tomou da
água e gritou:
- Estão mortos! Thorndike, Cantimpré e Borgausen, estão mortos. Horrivelmente mortos.
- Do que é que está falando ?– disse LaCordaire.
- Mortos. Catimpré está desfigurado, sem metade da cabeça, sem miolos... Borgausen
tem perfurações em lugar de olhos... parece que a boca foi amarrada com barbante,
costurada... o outro ficou sem os membros, braços, pernas... e sexo...
         Olhei para Sonja. Ela olhou para mim e baixou sua cabeça. O trotar dos cavalos
nos acordou do pasmo e corremos em direção à rua. Saímos, atarantados, sem rumo,
carregando o que podíamos pegar pelo caminho. Empurrei as mulheres para o bosque
que se estendia perto. Elas corriam em desabalada carreira.



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MARCUS, o imortal

          Voltei. Quando entrava de volta na Universidade notei que os cavalos dos
soldados estavam também lá dentro, destruindo tudo em redor, desde mesas a vidros e
papéis.
- Onde estão as bruxas?
- Aqui não há bruxas.
- Vou repetir! Onde estão as mulheres!?
- Elas partiram há uma semana e ainda não voltaram – gritei como resposta. O soldado
ao meu lado deu-me uma bofetada.
- Há alguns anos, um número de manuscritos cifrados foi descoberto e decifrado por
certos estudantes – a voz falava lá do fundo. Era Montpellier. Ele continuou: - Eles
atraíram muita atenção, pois pretendiam derivar de certos outros que se diziam
Rosacruzes. – Um sorriso lhe apareceu aos lábios: - Você prontamente entenderá que a
genuinidade da afirmação nada importa, sendo tal literatura julgada por si só, não pelas
fontes que lhe são reputadas. Da mesma forma que ocorre lá na rua. Os jovens
estudantes, seus colegas, mortos... de maneira audaciosa... e terrível... e me parece,
durante a Semana Negra.
- Não sei do que está falando.
- Claro que não. Deixem-no. O nosso problema é outro. Deixem os outros jovens. O
nosso assunto é com as mulheres. Capitão, vá para as ruas. Eu assinarei um edito em
que pese sobre as cabeças das mulheres a sentença de morte.
          Após partirem eu comecei a procurar. Entre os manuscritos, estava um que dava
o endereço de certa pessoa em terras germânicas, por nós conhecida como Gertrud von
Bingen. Teria parentesco com Hildegard, a sóror musicista? Descobrimos as cifras e
cânones e citações, além de senhas salmodiadas para podermos escrever para Gertrud e,
de acordo com as instruções recebidas, permitir que uma mensagem chegasse a Alberto,
por caminhos alternativos.
- Mas, a regra absoluta dos adeptos é não interferir no julgamento de qualquer outra
pessoa, quem quer que seja – disse Alexandrino, o Menor, enquanto arrumávamos
nossas roupas e nos preparávamos para partir em jornada.
- Não podemos deixar as mulheres sozinhas. Temos de encontrar um meio de auxiliar as
moças em sua fuga.
- Elas fizeram aquilo tudo, Marcus? – perguntou LaCordaire.
- Não sei dizer... Os adeptos que já tenham conhecimento suficiente para capacitar a si
mesmos ou aos seus companheiros, certamente formularão um elo mágico de proteção a
esses mesmos adeptos. Não concorda?
- Só não pensei que tudo se precipitasse.
- Nem eu... talvez nem Alberto... de qualquer forma – falei – corremos perigo
permanecendo aqui.
- Marcus! – Pietro me chamava – devo anunciar que eu formulei um elo mágico... um
elo de proteção... Rituais novos e revisados foram emitidos, e conhecimento fresco
jorrou em correntes... ou delírios e pesadelos sobre nossos... companheiros curiosos...
- O que você quer dizer?
- Eles levaram soldados e a milícia burguesa para a reunião das mulheres... os
beneditinos...
- Temos que ir embora agora! Peguem o que conseguirem...
          Saímos a correr.

OPUS 8
        “Nós devemos passar por cima dos infelizes embustes que caracterizaram o
período seguinte. Epístolas que pediam a prisão das mulheres por práticas ilícitas corriam
por todo o Reino Franco. Já se provou totalmente impossível elucidarem-se esses fatos
complexos. Nós nos contentamos, pois, em observar que a morte dos três colegas, por
inépcia e invasão dos segredos alheios, era questão obrigatória. Os rituais foram
elaborados, na noite anterior, em plena Lua Nova, apesar de bastante eruditos, em
prolixo e pretensioso contra-senso: as mulheres, segundo Pietro de Ferrara, dançavam e
cantavam. Muitas gritavam a olhos vistos, olhos abertos e cabelos soltos.                O
conhecimento se provou sem valor, mesmo onde estava correto. Rodopiavam seus
corpos em torno de fogueiras e tanques onde se fervia algo. O aroma era anormal e
muitas vezes Pietro estava tonto e em estado febril, ma ele tinha sua missão a cumprir.
É em vão que pérolas, mesmo que não tão claras e preciosas, sejam dadas aos porcos,

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MARCUS, o imortal

dizia o manuscrito. Quando os cavaleiros apareceram, as mulheres gritaram mais. Os
cavaleiros apearam e partiram para o círculo traçado no chão. Foi como se explodissem.
As mulheres gargalhavam.
         Ordálios de desprezo latejavam os corpos de todos. Os jovens estudantes
quiseram a todo custo tomar as companheiras e sujeitá-las, sendo impossível que
qualquer um ali falhasse. Candidatos inadequados foram admitidos, por nenhuma razão
melhor do que a de sua prosperidade mundana. Porém, não se contava com as forças
invisíveis que protegeram os corpos nus das mulheres.
         Resumindo. Falharam.
         O escândalo surgiu e, com ele, o cisma. Vieram a público os corpos destroçados
dos jovens. O poder estabelecido se prontificou a sair em perseguição. Uma grande
repulsa contra o estudo se apoderou daquelas cabeças. O povaréu faria o que o poder
religioso mandasse. Deu-se ínicio à caça. Professores foram presos. Não nos quiseram
prender, mas pediam a cabeça de Alberto. Urgia que ele se mantivesse em Erfurt, ou
onde pudesse se esconder. E, para tanto, amiga Gertrud, peço que se afaste um pouco
de suas flores e procure Alberto. Eu envio essa carta, com zelo e cuidados, Marcus”.
- Apesar de ser erudito de alguma habilidade e um magista de notáveis poderes, como
vai a sua iniciação? – perguntou-me curioso Alexandrino, enquanto lavávamos nossas
roupas no rio.
- Eu havia caído de meu posto original quando conheci Mestre Alberto e, então, eu
estava imprudentemente atraindo para mim forças do mal, grandes e terríveis demais
para que eu suportasse – levantei-me para olhar a bússola e observar as condições do
tempo.
- E o que fazer agora?
- Agora comeremos – falou Pietro – peguei raízes e um pouco de vegetal. Há tubérculos
saborosos também.
- É isso. – continuei - Não sendo ainda um adepto perfeito fui, em determinado
momento, eu tinha sua idade, mais ou menos, lançado pelo Espírito no Deserto, fiquei
lá por sete anos, estudando à luz da razão os livros sagrados e os sistemas secretos de
iniciação de outros povos e gentes. Finalmente, foi-me dado certo grau, pelo qual uma
pessoa se torna o mestre do conhecimento e da inteligência, e não mais seu escravo.
- Nesse caso você percebeu a inadequação da ciência, filosofia e religião; e expôs a
natureza auto-contraditória da faculdade do pensamento.
- Sim. Tal era a missão – peguei algumas folhas de alface e mastiguei devagar. - Fui à
Bretanha, depois à terra dos Celtas e fui admitido, fraternalmente, em um templo
pequeno.
- Não está escrito que as tribulações serão encurtadas? – disse Pietro. Rimos, para
desanuviar nossas mentes.
- Daí, seguindo diretrizes de Alberto Magno, resolvi preparar todas os eventos, grandes e
pequenas, para o dia em que a Autoridade fosse recebida por todos, já que ninguém
sabia onde procurar por adeptos mais elevados, mas sabíamos que o verdadeiro caminho
para atrair a atenção das forças era equilibrar os símbolos, as sagas, os rituais e os
estudos. O templo – no caso, a Universidade - seria construído antes que a divindade
pudesse habitá-lo. – Sorvi uma beberagem quente fornecida por LaCordaire. – Daí a
vinda de todos vocês... mesmo aqueles jovens que morreram.
- Correu-se muito risco. Preparar toda ciência e sabedoria arcanas, escolhendo apenas
aqueles símbolos que fossem comuns a todos os sistemas e rigorosamente rejeitando
todos os nomes e palavras que supostamente implicassem em qualquer teoria religiosa
ou espiritual, era avançar demais na sabedoria de nosso tempo, não acham? – perguntou
Alexandrino, o Menor, espantado com o conteúdo das informações que eu passava.
- Mas havia dificuldades maiores. A língua, por exemplo – eu disse - Descobrimos que
toda língua tem uma história e o uso, por exemplo, da palavra “espírito” implica na
Filosofia Escolástica e nas teorias Hindu e Taoísta significados concernente à respiração
do Ser Humano.
- Dessa forma trabalhamos com enigmas, textos crípticos, indefinições, não é ? –
perguntou LaCordaire.
- Exato – eu disse.
- Não, certamente, para velar a verdade ao aprendiz, mas para adverti-lo contra
valorizar o que não é essencial.


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- Então, que ele não assuma precipitadamente o nome de um Deus e que não se refira a
qualquer Deus conhecido, mas somente a um Deus que somente ele mesmo conheça.
- E sobre os rituais? – retornou LaCordaire, me oferecendo raízes secas.
- Que eles pareçam implicar em filosofia Egípcia, Taoísta, Budista, Indiana, Persa, Grega,
Judaica, Cristã ou Mulçumana. Que se reflita que isto é um defeito da linguagem; a
limitação literária e não o preconceito espiritual da humanidade.
         A noite descia e o frio surgia, mormente perto das águas de rios e lagos.
Dormiríamos em breve.
- A nós agora, interessa uma fuga definitiva. Se possível procurarmos por Sonja e
Alberto. Cada um deles se encontra em seu próprio perigo.
- E se nós formos as iscas... já pensou nisso? – perguntou LaCordaire.
- Nós laboramos dedicadamente para que jamais sejamos levado a perecer sobre esses
pontos; muitos homens santos e justos foram dizimados. Ninguém aceita o diferente,
inda mais se são conhecedores de segredos que a natureza esconde em suas fórmulas.
Assim, todos os sistemas visíveis perderam a essência da sabedoria. Para eles, nós
procuramos revelar o desconhecido e, ao mesmo tempo, o profanamos.
- No entanto – disse Pietro, atiçando a pequena fogueira para nos aquecer - há um
tempo certo para o repouso e um tempo certo para as fugas. É hora de descanso.
- Partiremos na madrugada – eu disse. - Já abandonamos lares, posses, mulheres,
filhos, a fim de realizar a Obra. Resta, com tranqüilidade, calma e firmeza, abandonar a
própria Grande Obra, neste momento.
- Tem idéia de para onde vamos? – perguntou LaCordaire.
- Creio que devemos pedir ajuda a Tomás. Tomás de Aquino.
- Mas ele é dominicano. E mora longe...
- Alberto também... ademais Tomás é seu discípulo, como nós...
         Virei para meu lado da floresta e pensei em outras possibilidades para nossa
fuga. Para não levantar maior atenção sobre nós era preciso que nos escondêssemos no
seio dos inimigos. Dormimos.

OPUS 9
         Viajar era uma obra tumultuada.
         Caminhávamos lentamente encontrando chuva, lama, montes e povos que ora
nos eram delicados, ora não nos queriam por perto. Muita vez foi necessário fugir de
beatos que viam o demônio em nós. Às vezes outras éramos tomados como braços
papais atrás de feiticeiros.
         Os Franciscanos nos abrigaram em acampamentos, agradavelmente. Era gente
hospitaleira, que nada perguntava. Pouco se falava entre eles, na maior parte do tempo.
Em outros momentos não paravam de falar, como se fossem crianças, brincando pela
relva, pelos matos, nadando, o dia se tornando em festa.
         A ordem dos Franciscanos era nova, relativamente nova. O seu fundador havia
morrido há pouco mais de vinte anos e fora canonizado em torno de 1229, ou 1230. Mas
o fato é que seu exemplo se espalhou pela Europa e muitos filhos de gente fidalga se
entregaram à ordem, homens e mulheres, em sua maioria jovens, criando cismas e
tormentos para os familiares, portanto, a ordem tinha seus adeptos, mas era perseguida
pelos ricos, principalmente.
         Durante meses vagamos pelas estradas e no fim, olhando para nossa aparência,
já pensávamos que nos havíamos tornado franciscanos também. Nosso aspecto era
terrível, entre maltrapilho e sujo. Sei que não era uma prática normal o banho, mas eu,
LaCordaire, Alexandrino – o Menor, e Pietro de Ferrara sabíamos das benesses da
limpeza e do asseio, que nos livraria de males e doenças. Esses e outros conhecimentos
nos legavam apelidos dos mais extravagantes, desde simples bruxos a doutores e
professores. Era mister alcançar alguma vila hospitaleira e mudarmos nossa imagem.
         A meta era permanecermos instalados e ministrar matérias comezinhas, como
álgebra, filosofia... aulas gerais, assim teríamos dinheiro.
         Era preciso roupas limpas e um ar próspero. Para alcançar as terras de Tomás de
Aquino, aluno do mestre Alberto, ainda havia tempo. Mesmo assim, uma semana
depois, simpósios e debates, algumas conferências nas vizinhanças e visitas a fidalgos
nos foram adequadas. A vila recebeu, então, a visita de cavaleiros. Inúmeros. Eram
cruzados. A poeira levantada e o estrondo das patas dos animais assustaram a todos,
porém os soldados não deram atenção a ninguém, permaneceram quietos, apearam

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MARCUS, o imortal

rapidamente e procuraram apoio para alojamento e alimentação. Por sorte o comandante
daquela tropa também era fidalgo e de boa estirpe. Em princípio, os soldados não
estavam ali para desatender a gente do burgo. Ouvi que o comandante, ou chefe, um
sujeito imenso, apurado, cabelos encaracolados que desciam pelo capacete, passou a
gritar, quando apeou defronte à estalagem:
- Had! Essa noite aqui. Quero que mandem um templário na direção das minhas tropas...
já que elas não podem entrar neste burgo.
- A manifestação de Nuit – disse LaCordaire - O desvelar da companhia do céu. Não sei
se é um cruzado. Mas pode ser um dos cavaleiros da Ordem do Templo.
- Certamente o comandante tem conhecimentos secretos. Mas, ele me parece estranho
com aquele ar cinzento. Provavelmente seus seguidores também. Curioso mesmo era o
aroma pútrido que, repentinamente, se instalou, sutil, no ambiente.
- Esperemos que sim. Pelo menos teremos a oportunidade de conversar com pessoas
que compreendem os mistérios. – LaCordaire se aproximou educadamente do cavaleiro
que retirava o manto com a cruz de malta nele estampada. - Senhor, seja bem vindo.
Posso invadir sua privacidade e perguntar se todo homem e toda mulher é uma estrela?
         O cavaleiro olhou para LaCordaire e notei que tinha olhos fundos, cinzentos,
muito frios. A pele um tanto esfarinhada como se fosse pulverizada. Os outros cavaleiros
pareciam do mesmo recorte e feitio. Mesmo o sorriso dado em seguida não trouxe maior
calor ao semblante dele. Era certo que o cavaleiro entendera a insinuação e, respondeu:
- Todo número é infinito; não há diferença.
         Era a senha, a palavra velada, o sinal, a possibilidade de aliança. Ele voltou-se
para seus comandados e disse, em alta voz: - Senhores. A vila nos será benfazeja. Há
aqui pessoas com as quais poderemos falar e saber mais de alguns mistérios. Pelo
menos, os mistérios que me são permitidos saber.
- Ajuda-me, ó senhor guerreiro da Thebas mística, no meu desvelar ante as crenças dos
homens! – saudou Alexandrino, o Menor. E complementou a saudação com um
movimentar de corpo, à guisa de humildade: - Sê tu Hadit, meu centro secreto, meu
coração e minha língua!
- Entremos – ele disse – falaremos melhor lá dentro. Certamente obteremos pousada por
aqui. E, se nada disso der certo, seguiremos para a primeira caverna das cercanias.
                  A noite caiu lentamente. Era uma fria noite de Setembro. A brisa cresceu
e a mataria uivou arbitrariamente, enquanto os animais encontravam espaço nos currais
para descanso. Em momentos o manto noturno cobriu as ruelas da vila. Cães últimos
corriam desarvorados em busca de outros cães ou cuidados. No interior da estalagem a
lareira aquecia o corpo de comando da soldadesca. Entre eles o cavaleiro Templário que
conhecemos, chamava-se Bernard, de Clairvaux, oriundo de uma família de Toulose. No
entanto Bernardo não me era um nome estranho. Ele se aproximou com um caneco de
vinho quente e sentou-se no tamborete ao lado:
- Há quem acredite que eu não preciso de alimento. – sentou-se pesadamente. Um
aroma estranho nos alcançou. E vocês, jovens... Estão longe da sua terra, então!?
- Em fuga - disse eu – Estamos procurando Tomás de Aquino. Os dominicanos nos darão
algumas explicações. Tomás poderá nos ser útil.
- Vocês falaram de Alberto, o Grande. Ainda vive? Onde ele está agora?
- Não sabemos, na verdade. Tinha partido para Erfurt. Talvez hoje esteja em Colônia...
talvez tenha voltado para Paris, talvez tenha fugido, também, não sei.
- Talvez... talvez... – Bernard levou a taça aos lábios secos, ressequidos... – talvez... É...
a fuga parece o destino de todos. Seu nome é Marcus, não é? Veja, Marcus! Isto foi
revelado por Aiwass, o ministro de Hoor-paar-kraat. Há conhecimentos muito secretos
que nem mesmo o mais sábio dos padres e sacerdotes versados no conhecimento
hebraico poderá resolver. Nós podemos! Nós seremos perseguidos. Nós seremos
execrados. Nós morreremos.
- Sim! Bem o sei.
- Entre nós, Templários, por exemplo, veja a contradição: Há grupos papistas e
antipapistas. Há grupos que desejam a eliminação completa dos semitas. Há outros que
apenas desejam propagar as benesses do Santo Graal – bebeu outro grande gole de
vinho, como se nunca bastasse – e isso tudo nós queremos descobrir. Queremos
debater, buscar, questionar... e esse é o nosso pecado... parece.
- Eu entendo. E para onde cavalgam? Oriente?
- Não. Estamos buscando a Igreja de Planès. Sei que há lá uma imagem de Maria da

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MARCUS, o imortal

Catalunha e sabemos que dela jorra límpida água. É para lá que vamos. Não que isso
signifique algo muito apropriado para mim e em meu estado. Mas, como clérigo, espero
que tais águas me façam voltar adequadamente ao meu formato original.
          Percebi que algumas pessoas, poucas, que andavam pela sala de refeição nos
olhavam com certa curiosidade. Bernard passou a falar mais baixo. Eu e meus amigos de
fuga apenas ouvíamos, embevecidos.
- A Igreja está entre os reinos de França e Espanha. No alto dos Pireneus. Há registros
guardados em Perpignan, registros legais na antiga capital do Reinado de Maiorca que
certo abade – Alberich, se não me engano – recebeu a construção diretamente do Rei,
em 1180.
          Ao pronunciar estas palavras, coincidência ou não, um vento imenso desdobrou
faces de janelas e abriu um par de portas. Bandeiras tremularam. Velas se apagaram e
Bernard riu e disse:
- É sempre assim. Efeitos especiais dos incorpóreos. Eles nos seguem. No começo nos
assustamos um pouco, mas depois, vemos que a algazarra não passa disso. Janelas,
ventos, um pouco de fogo... Pirotecnia. Estou acostumado, agora – e sorveu um pouco
mais de vinho quente – Mas, como eu dizia, é para lá que vou.
- Sei – disse eu – que os mouros estiveram na Europa e foram expulsos por Charles
Martel. Você não está se referindo à Mesquita, está?
- Sim. Estou. Leia isso, Marcus.
          Tomei o papel da mão de Bernard. Enquanto isso ele se preocupou em procurar
lamparinas. Dizia precisar de um pouco mais de luz...
- Luz! Eu quero luz! A minha alma precisa de luz, - afirmou categórico.
          Na carta eu vi escrito: - Adorai então o Khabs, e vede minha luz derramar-se
sobre vós! Que meus servidores sejam poucos e secretos: eles regerão os muitos e os
conhecidos. Estes são tolos que os homens adoram; seus Deuses e seus homens são
tolos. Saí , ó crianças, sob as estrelas, e tomai vossa fartura de amor! Eu estou acima de
vós e em vós. Meu êxtase está no vosso. Minha alegria é ver vossa alegria.
          Olhei para ele e perguntei som evidente ar de espanto e ignorancia: - E daí?
- E dái?! Esse texto tem parecença com a maneira muçulmana de escrever,
principalmente no Alcorão. Alberich, o célebre Alberich, foi quem traduziu no interior
dessa Mesquita ou Igreja transformada. É sabido que os mouros não destruíram as
igrejas e mudavam o interior delas sacralizando-as como Mesquitas. Os cristãos deveriam
ter inveja da sabedoria de fenícios, mouros, persas e asiáticos em geral.
- Sim. Eu sei, no entanto, a construção dos Pireneus é claramente cristã. O formato dela
é trifoliado, querendo propor a trindade cristã, coisa que os muçulmanos não aceitam.
- Claro, mas os muçulmanos são mais inteligentes e sábios... não acha? – Bernard
perguntou, inclinando a cabeça e esboçando o que me pareceu um sorriso maroto –
Creio que Cruzadas e essas lutas sanguinárias só estão acontecendo por que os Mouros
são obrigados a se defenderem...
- A culpa é dos cristãos – esclareceu LaCordaire.
- Cristão vivem de culpas... mas, a culpa é mais óbvia se observarmos as ações do
clero...Mais precisamente do papado – declarou Bernard – enquanto abençoam canhões
e navios endereçando-os à mortandade.
          Acima de nós, o precioso azul celeste. O vento amainava ou era pura impressão.
Cães ladravam e às vezes algo como risadas no ermo.
- É o esplendor nu de Nuit; Ela se curva em êxtase para beijar os ardores secretos de
Hadit. O globo alado, o estrelado azul, são meus, Ó Ankh-af-na-khonsu! – declamou
Bernard, olhando para céu, despejando mais um copázio de vinho, mas, continuou, como
se não houvesse mais ninguém por ali: - De qualquer forma eu quero encontrar o lugar
antes que as tropas do papa nos encontrem. Sei que lá há um túmulo de um rebelde
sarraceno. Esse sujeito ousou tomar uma nobre cristã para esposa. Histórias, eu sei...
- Como sabe disso?
- O nome dele era Othman - El Chemi. Ele e seus soldados estavam em terreno franco.
Ali conheceram a mulher. Ela se chamava Lampagie, filha do Conde Eudes. Othman se
encantou por ela, dizem as histórias, ela retribuiu o interesse. O conde estava perdido
entre a invasão moura e sua própria incapacidade. Permitiu que o desejo de Lampagie
fosse realizado. Morreram por lá. O emir declarou Othman traidor. Lampagie era minha
avó. – Bernard respirou, pelo menos foi um movimento que pareceu um profundo ato de
sorver os ares, - Agora sabem que o sacerdote e apóstolo andam em mim, mas

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MARCUS, o imortal

  também em mim está o curioso, o encarregado, aquele que não recebe ordens, aquele
  que deseja saber se é a parte de sangue mourisco que corre em minhas veias que me dá
  vontade de tirar fora a cabeça do papa. Othman cobrira sua esposa com um manto que
  lhe valeu a alcunha de Mulher Escarlate, tendo todo o poder do seu lado.
  - Lembro que Alberto falou, certa vez, sobre um eremitério catalão onde foram
  encontrados corpos cobertos de ouro e jóias. Disse que uma mulher tinha sido retirada
  do chão e a supunham princesa árabe. Parece que os vilões carregaram a estátua, pois o
  corpo está rígido e negro, e o carregam no verão para uma floresta próxima a uma fonte
  qualquer. Depois é levado de volta para Odeilia ou Lívia, uma antiga construção castelã,
  em princípio de setembro – Pietro de Ferrara nos informou exemplarmente. Bernard
  esboçou aquilo que costumamos chamar de sorriso e falou:
  - É isso. É justamente isso que me faz ir atrás. Estamos em Setembro. Essa é a época.
  Acredito que terei novidades então. Quando entrei para a Ordem ela já estava perdendo
  sua meta original. Proteger os peregrinos que iriam para Jerusalém. Mas, eu acreditava
  ainda nisso. Éramos os Pobres Cavaleiros de Cristo. Eu pessoalmente acompanhei
  aquele maluco do Francisco de Assis em sua investida ingênua com os emires, se bem
  que ele nem atinasse para o fato. Ele não conseguia me enxergar tsnto que estava
  tomado pelas inspirações divinas. Tolices!
  - E após? Os muçulmanos retomaram a Terra Santa, não é?
  - Sim. Retomaram. Aí a sede foi estabelecida em Chipre. Com administração em França.
  Felipe, o Rei de França, invejoso, começou a perseguir o Grão Mestre dos Templários,
  com medo de seu poder crescente e influência. Não queríamos obedecer a nenhum
  senhor Feudal.
  - Mas, por que isso tudo? Que eu saiba os Templários não detêm riquezas, nem bens,
  nem nada... – perguntou Alexandrino. Nisso uma porta bateu ruidosamente e legamos o
  barulho aos restos de vento ou a algum animal perdido.
  - Você tem razão. Agora, estamos sob perseguição constante. Provavelmente seremos
  excomungados. Para mim, tanto faz.
           Vimos que era meia–noite. Ninguém mais na estalagem. Até o dono fora se
  deitar, resmungando. Então uma voz e várias vozes passaram a declamar na rua. Havia
  um canto triste, enfadonho e soturno. Várias pessoas pediram para que viéssemos
  dormir, pois as almas já estavam caminhando nas ruas. Olhamo-nos curiosamente. A
  música em homofonia subia e descia cantando as seguintes frases:
           “Queima sobre suas testas, ó esplêndida serpente! Ó, mulher de pálpebras
  azuis, curva-te sobre eles. Com o Deus e o Adorador eu nada sou; eles não me vêem.
  Eles estão como que sobre a terra; Eu sou o Céu, e não há outro Deus além de mim e
  meu senhor Hadit.”
- Meus soldados caminham pelas ruas, - disse Bernard. – Sairei com eles.
           Os olhos cinzentos de Bernard se apertaram. Ele caminhou para a noite, com
  aquele seu passo pesado, atendendo ao chamado, e acompanhou a multidão de
  pessoas .

 OPUS 10
          Saímos, também nós, curiosos contumazes, atrás da procissão. Subimos
 montes, relvas, caímos em charcos, a escuridão não nos assustava, pois sabíamos de
 seus segredos. Os únicos problemas eram buracos e ribanceiras. O perigo estava ali.
          A procissão seguia com tochas e cantorias. Vislumbrávamos, na claridade de
 archotes, o corpo robusto de Bernard e seus soldados. Havia um aroma pestilento
 crescendo no ar. Eram nossas referências fugidias. O odor era muito ruim. Não se sabia
 de onde procedia. Mas, seguíamos céleres e percebemos que a falange se reunia no
 interior de uma cratera na rocha. Certamente uma gruta. Ninguém a nada nos impedia.
 Era como se fizéssemos parte da procissão desde seus primórdios, mas a sugerir pela
 roupa das pessoas, eles caminhavam há meses. Entramos na gruta e pisamos um riacho.
 Pietro aproveitou para refrescar pés e mentes. De lá de dentro uma voz se fazia ecoar
 entre pedras e flamas ardentes.
 - Agora, portanto, Eu sou conhecida por vós por meu nome Nuit. Para ele, me farei
 conhecer através de um nome secreto que darei oportunamente.
 - Ele quem? – perguntou Alexandrino.
 - Não sei – tive que responder rapidamente sem querer perder nada daquele discurso.
 - Posto que Eu sou o Infinito Espaço e as Infinitas Estrelas de lá, fazei vós também

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MARCUS, o imortal

assim. Que não haja diferença feita em vosso meio entre uma cousa e qualquer outra
cousa; pois é daí que nos vem a dor. Eu sou Nuit, e minha palavra é seis e cinqüenta.
          Então eu vi que alguém se ajoelhou aos seus pés e essa pessoa me parecia
Bernard que foi, imediatamente, tratado de profeta. Ele disse:
- Sou seu o profeta e seu o escravo, mas, quem sou eu, e qual será o sinal?
          Assim ela lhe respondeu, curvando-se, como uma tremeluzente chama de azul,
pois de azul estava vestida, seus cabelos eram ruivos e seus braços tudo-tocante, tudo-
penetrante, suas mãos amáveis, pareciam desprender energia e se enfiaram na terra
úmida, recoberta de lodo, fácil de manipular, penetrou na terra negra, e seu corpo
flexível se pôs arqueado para o amor, e seus pés macios se afastaram. Não machucando
a nada que se aproximasse, ela disse:
- Tu sabes! E o sinal será meu êxtase, a consciência da continuidade da existência, a
onipresença do meu corpo.
          Bernard de Clairvaux, como um sacerdote respondeu àquela tornada em Rainha,
mas antes beijou, respeitosamente, suas sobrancelhas densas, e viu-se que o orvalho da
luz dela banhando seu corpo inteiro num doce perfume de suor exalava para a caverna
inteira:
- Ó, Nuit, fica no Céu, que seja sempre assim; que os homens não falem de Ti como
Uma, mas como Nenhuma; e que eles não falem de ti de modo algum, posto que tu és
contínua!
          Um coro escondido atrás de uma pilastra de pedras exclamou em som único: -
Nada, suspira a luz grácil e encantadora das estrelas, nada e dois.
- Pois eu estou dividida pela graça do amor, para a oportunidade de união – disse a ruiva
- Esta é a criação do mundo, que a dor da divisão é como nada, e a alegria da
dissolução, tudo. Por estes tolos dos homens e suas dores não te importes de modo
algum. Eles sentem pouco; o que é, é balançado por fracas alegrias; mas vós sois meus
escolhidos. – Nisso ela apontou para Bernard. Alguém deu a ela uma espada muito
longa, que brilhava como prata, e ela continuou: - Obedecei ao meu profeta! Persegui os
ordálios do meu conhecimento! buscai-me apenas! Então as alegrias do meu amor vos
redimirão de toda dor. Isto é assim: Eu o juro pela abóbada do meu corpo; pelo meu
coração e língua sagrados; por tudo o que eu posso dar, por tudo o que eu desejo de
todos vós.
          Bernard, sacerdote e profeta, um enigma, caiu em um profundo transe ou
desmaio e disse à Rainha do Céu!: - Escreve para nós os ordálios; escreve para nós os
rituais; escreve para nós a lei!
- Meu escriba, Ankh-af-na-khonsu – ela respondia, brandido levemente espada - o
sacerdote dos príncipes, não mudará em uma letra este livro; mas, para que não haja
tolice, ele o comentará pela sabedoria de Ra-Hoor-Khu-it. Mantras e encantamentos; o
obeah e o wanga; os trabalhos da baqueta e da espada; estes o profeta aprenderá e
ensinará.
          O coro voltou à carga, salmodiando e caminhando. Nesse momento pude ver
que tais corpos eram descarnados, vivos, porém, descarnados, semidotados de alguma
alma transitória. Deles emanava o cheiro fétido. Eles clamavam:
- Quem nos chama Thelemitas. Pois ali há Três Graus, o Eremita, e o Amante, e o
homem da Terra. Faz o que tu queres, há de ser tudo da Lei.
- Deixai esse estado de multiplicidade – ela completou - multiplicidade limitada e
desgosto. Assim com teu todo; tu não tens direito senão fazer tua vontade. Faz isso, e
nenhum outro dirá não. Pois vontade pura, aliviada de propósito, livre da sede de
resultado, é toda senda perfeita.
          Tremenda quantidade de sinos começou a badalar. Em princípio não sabíamos de
onde vinham, mas percebemos depois que outros seguidores, como sacerdotes,
carregavam tais sinos e os badalavam sem cessar.
- Nada é uma chave secreta desta lei. Sessenta e um os Judeus a chamam; Eu a chamo
oito, oitenta, quatrocentos e dezoito – a ruiva clamou em altos brados, olhos abertos,
pernas abertas, a espada girando sobre seus ombros. De repente ela parou e olhou
fixamente para Bernard que estava ajoelhado, banhado em suor: - Meu profeta é um tolo
com seu um, um, um; não são eles o Boi, e nenhum pelo livro? Ab-rogados estão todos
os rituais, todos os ordálios, todas as palavras e sinais. Ra-Hoor-Khuit tomou seu assento
no Leste ao Equinócio dos Deuses.
          Saímos todos. A reunião tinha chegado ao fim. Desligou-se tudo como se nada

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MARCUS, o imortal

ali houvesse. A escuridão tomou forma. Movimento e barulho somente. Lá fora notamos
que os descarnados sumiam nas trevas, nas brumas, entre as folhas, em silêncio e
enquanto tal se fazia Bernard reapareceu, lépido como sempre, com seu tamanho, e sua
roupa de guerra.
- Viram tudo? – perguntou.
- Sim – prontamente respondi.
- É o seguinte: Há quatro portões no palácio que precede a Igreja dos Pireneus; o chão
desse palácio é de prata e ouro; lápis-lazúli e jaspe estão lá; e todos os aromas raros;
jasmim e rosa... mas, também estarão por lá os emblemas da morte. Por enquanto esses
emblemas são o anel episcopal e a coroa de Felipe. Eu devo entrar com minhas hostes
por partes ou de uma só vez, atravessando arrevesados portões. Devo ficar de pé sobre
o chão do palácio. Se não cumprir à risca o ritual – e Bernard deu uma olhada para
dentro da gruta – se não fizer como ela deseja ou espera, então, devo receber os
terríveis julgamentos de Ra Hoor Khuit!
         Concordei em parte com Bernard. Mas tínhamos nosso caminho. Ele seguiria o
dele.
- Não posso me comprometer a esperá-lo nem do Leste nem do Oeste. Todas as
palavras são sagradas e todos os profetas verdadeiros; salvo apenas que eles entendem
pouco; resolvem a primeira metade da equação, deixam a segunda incompleta. Mas, eu
espero, Bernard, que você tenha tudo na clara luz, e algo, apesar de nem tudo, na
escuridão, que sempre é bom reservar algo para depois.
          Multidão de cavalos apareceu. Eram os soldados trazendo seus animais e a
montaria de Bernard. Ele gritou, esporeando o corcel, que se ergueu nas patas traseiras:
- Invocai-me sob minhas estrelas! Vou atrás do Amor, através da história de Othman e
Lampagie, minha ancestral... é a lei, amor sob vontade. Que os tolos não confundam o
amor; pois existem amores diferentes. Existe a pomba, e existe a serpente. Escolha bem,
Marcus!
        A tropa partiu rapidamente. Desapareceram na noite.
- Acendamos incenso – disse eu para os amigos – escolhamos os de madeiras resinosas e
gomas; não haverá presença de sangue ali. Fomos testemunha de uma noite sagrada.
- Você acha que devemos retornar para a estalagem? – perguntou LaCordaire.
- Não. É melhor que continuemos nossa estrada. Ninguém entenderia e não teríamos o
que explicar. Caros amigos, anotemos. Pietro, abre o livro e escreve essas minha
citações. São conclusões. Podem ser manifestações.
         Pietro tomou de folhas dobradas e um carvão que sempre trazia nos bolsos de
algodão.
- Meu número é 11, como todos os números deles que são de nós. A Estrela de Cinco
Pontas, com um Círculo no Meio, e o círculo é Vermelho. Minha cor é preta para o cego,
mas o azul e o dourado são vistos por quem vê. Também eu tenho uma glória secreta
para eles que me amam.
- Ei! – disse Alexandrino, com ar de alegria e atenção positiva – parece aula de Alberto.
Sorri e continuei:
- Mas amar-me é melhor que todas as coisas: se sob as estrelas noturnas no deserto tu
presentemente queimas meu incenso diante de mim, invocando-me com um coração
puro, e a chama da serpente ali, tu virás um pouco a deitar em meu seio. Por um beijo,
tu então há de quer dar tudo; mas quem quer que dê uma partícula de pó, perderá tudo
nessa hora. Vós reunireis bens e provisões de mulheres e especiarias; vós vestireis ricas
jóias; vós excedereis as nações da terra em esplendor e orgulho; mas sempre no amor
de mim, e então vós vireis à minha alegria. Eu vos ordeno seriamente a vir diante de
mim num manto único e coberto com um rico adorno na cabeça. Eu vos amo! Eu anseio
por vós! Pálido ou purpúreo, velado ou voluptuoso, Eu, que sou todo prazer e púrpura, e
embriaguez no sentido mais íntimo, vos desejo. Colocai as asas e elevai o esplendor
enroscado dentro de vós: vinde a mim!
- Esplêndido! Mas que conclusão se pode tirar?
- Se você se prostrar a mim eu darei todo o reino da Terra. E a resposta é...?
- Não!! – todos gritamos em alegria.
- Bernard que me perdoe, mas, a manifestação de Nuit está por um fio – eu disse.
        Arregaçamos nossas mangas. O sol não tardaria. Vimos que os montes se
pintaram de vermelho e pássaros entoaram suas ladainhas matinais. A madrugada
anilada se erguia como um palácio. Lá, bem longe, uma grande poeirada se erguia na

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MARCUS, o imortal

 estrada, atrás dos montes. Eram os soldados de Bernard em desenfreada correria.
        Sem mais demoras reentramos na gruta. Era nossa vez, agora.

 OPUS 11
 Vasculhamos inteiramente os recônditos das cavernas e nada encontramos a não ser
 roupa velha, escudos e tochas apagadas. O cheiro péssimo ainda perdurava por ali.
 - Ouçam, amigos, que são pessoas de visão! – disse eu, enquanto ouvia minha voz ecoar
 nas solidões da gruta – Há, aqui, muita pena de dor e remorso. São eventos para
 mortos e para quem está morrendo.
 - Por que diz isso, Marcus? – perguntava LaCordaire.
 - Estas são mortas, estas pessoas; elas não sentem. Nós não somos nem existimos para
 o pobre e triste: os senhores da terra são nossos parentes. Aquela procissão de mortos
 sinaliza para guerras e combates sem fim. Sinaliza para doenças e desavenças. É de se
 perguntar: Deve um Deus viver num cão? Não! Eles se regozijarão, nossos escolhidos:
 quem se lamenta, infelizmente, não é nosso.
 - O que será nosso, então? – gritou Alexandrino, com um leve tremor na voz, angustiado
 pela expectativa.
- Beleza e força, gargalhada e langor delicioso, força e fogo são nossos– respondi
 prontamente, não sem refletir vagamente sobre as alianças que o mundo visível fazia
 com o mundo invisível.
 - Nós nada temos com o proscrito e com o incapaz – falou Pietro, como que ameaçando
 as entidades espirituais com sua voz estentórea. - Que eles, nossos perseguidores,
 morram em sua miséria. Pois eles não sentem. Compaixão é o vício dos reis: pisa sobre o
 desgraçado e o fraco: Felipe V está se desfazendo em vícios.
 - Mas a lei do forte está conosco, Pietro: esta é a nossa lei e a alegria do mundo. O
 corpo do Rei deve dissolver-se, ele permanecerá em puro êxtase para sempre se for
 possível e terá de morrer. Conclamemos agora. Ajoelhem-se, amigos.
          Todos começamos a ecoar cânticos e novas elegias com as palavras: Nuit! Hadit!
 Ra-Hoor-Khuit! O Sol, Força e Visão, Luz, para os servidores da Estrela e da Serpente.
          Das águas a borbulha se fez presente. A caverna pareceu mergulhar em sombras
 densas para, em segundos, reanimar-se em neblinas doces e a cheiro de malva e
 incensos. Do centro do lago uma cabeça de mulher, como a da ruiva, apareceu e falou,
 se apresentando:
 - Eu sou a Serpente que dá Conhecimento e Deleite e glória brilhante.
          Nossos corações se animaram com embriaguez. Ela continuou:
 - Para me adorar, tomai vinho e drogas estranhas das quais Eu direi ao meu profeta, e
 embebedai-vos deles.
          Nesse momento, lembrei-me de Bernard com sua caneca de vinho quente. Eles
 não se feriram em nada. A mulher estava em êxtase e continuava:
 - A exposição de inocência é uma mentira. Sejam fortes, ó homens! desejem, aproveitem
 todas as cousas de sentido e êxtase: não temais que Deus algum vos negue por isto.
 - Vejam! – gritei - estes são graves mistérios; pois há também amigos meus que são
 eremitas. Agora, será difícil encontrá-los na floresta ou na montanha; certamente o
 faremos em camas de púrpura, acariciados por magníficas bestas de mulheres com
 extensos membros, e fogo e luz em seus olhos, e massas de cabelos em chamas em
 volta delas: é lá que os encontraremos. Encontraremos esses amigos e rebeldes no
 governo, em exércitos vitoriosos, como é o caso de Bernard de Claivaux.
 - Cuidado para que um não force ao outro, Rei contra Rei! – ela disse em alto brado.
 Amai-vos uns aos outros, com corações ardentes; nos homens baixos, pisai no violento
 ardor de vosso orgulho, no dia da vossa ira. Vós sois contra os monarcas, Ó meus
 escolhidos! Eu sou a secreta Serpente enroscada a ponto de saltar. Se eu levanto minha
 cabeça, Eu e minha Nuit somos um. Se eu abaixo minha cabeça e lanço veneno, então
 há êxtase na terra, e eu e a terra somos um. Mas vós, escolhidos, levantai e acordai!
          Das águas surgiram colunas brilhantes. Muita água levantou de seu leito e
 escorreu molhando nossos pés. Harmonias sonoras sempre se prontificaram a ecoar
 pelos ambientes, ornamentando as vontades sacramentais. Muita vez nos entreolhamos
 paralisados pela magnificência dos brilhos purpúreos. Trombetas silenciosas ressoaram,
 sem alarido, mas com magnífica harmonia, com timbres cálidos e tranqüilizantes. Música
 e ardores da alma sempre estiveram juntos.
 - Que os rituais sejam corretamente executados com alegria e beleza! Há rituais dos

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MARCUS, o imortal

elementos e festas das estações. Chamem o povo para uma festa... Uma festa para a
primeira noite do Profeta e sua Noiva! Anotem que eu quero uma festa para os três dias
da escritura do Livro da Lei. Entendam que eu desejo outra festa... uma festa para o
Supremo Ritual, e uma festa para o Equinócio dos Deuses.
         Ouvindo tudo aquilo, Pietro passou a escrever em seus papéis estudantis, rápido,
valendo-se da experiência de escriba. O que ele havia perdido contava lembrar após,
apoiando-se na memória dos amigos.
- Uma festa para o fogo e uma festa para a água; uma festa para a vida e uma festa
maior para a morte! Há morte para os cães. Não te apiedes dos caídos! Eu nunca os
conheci. Eu não sou para eles. Eu não consolo: Eu odeio o consolado e o consolador. Eu
sou única e conquistadora. Eu não sou dos escravos que perecem. Sejam eles danados e
mortos! Amém.
         Repentinamente, um azul resplandeceu sobre ela e contrastou bravamente com
seus cabelos avermelhados, tornados em tijolo vivo, e havia ouro na luz daquela noiva:
mas o fulgor vermelho estava maior em seus olhos; eu via reluzentes lentejoulas, entre
púrpura e verde, coruscando na superfície de sua pele.
- Púrpura além da púrpura: esta é a luz mais alta que a visão – disse eu, embevecido
ante a visão da mulher.
- Há um véu: e esse véu é negro – disse LaCordaire, sempre ressabiado. Mas seguiu em
sua explanação, em sua especulação sobre o que via e ouvia: - É o véu da mulher
modesta; é o véu da lamentação e o pano da morte: nada disto parece ser dela.
- Arranca esse espectro mentiroso dos séculos – gritou Alexandrino: - Não esconda os
vícios do mundo em palavras virtuosas.
- Estes vícios são meu serviço – disse ela, bruscamente saindo do transe, olhando para
Alexandrino - Vós fazeis bem, e Eu vos recompensarei aqui e para o futuro. Atenta pois
receberá a visita de súcubos.
         Então ela se virou para mim e sua conduta se tornou lânguida, porém me
pareceu honesta, gentil e solidária:
- Não temas, ó profeta, quando estas palavras forem ditas, tu não ficarás triste. Tu és
enfaticamente meu escolhido: e abençoados são os olhos sobre os quais tu olhares com
alegria. Mas eu te esconderei sob uma máscara de tristeza: aqueles que te olharem
temerão que tu sejas caído: mas Eu te ergo – ela levantou os braços – Eiu te erguerei
durante séculos.
         De repente, ela ergueu os braços ainda além e pássaros cristalinos voaram pela
abóbada da gruta em gorjeios inusitados. Ela gritava para pessoas que estivessem além,
como se se tratasse de mensagem que devesse atravessar véus: - Ide embora! Todos,
zombadores; apesar de vós rides em minha honra, vós não rireis longamente: então,
quando vós estiverdes tristes, sabei que eu vos abandonei.
         Os pássaros gritavam muito e os ecos retornavam como cachoeira. Enquanto ela
voltava para o seio do lago, imersa em uma labareda que rasgava os espaços, eu e os
companheiros de jornada nos dirigimos, entre as pedras, para a abertura da gruta.
Exaustos nos deitamos na relva coberta de orvalho. Havia muito que pensar sobre a
experiência da manhã. No entanto era fácil concluir que havia uma conspiração que
permeava as dimensões do espaço. Gente normal, vislumbradores, entidades variadas e
seres inadmissíveis ao conceito humano teciam relações para uma ação na superfície da
Terra, na superfície visível da vida.
- Sim! não acredito em mudanças – eu falei, após alguns instantes - Os reis da terra
serão Reis para sempre: os escravos servirão. Tenho para mim que ninguém há que será
derrubado ou levantado. Tudo prevalecerá como sempre foi.
- Porém, há mascarados que serão servidores – LaCordaire disse, entre haustos e
grandes respirações - Pode ser que um mendigo qualquer seja um Rei. Um Rei pode
escolher sua vestimenta como ele quiser: não há teste certo: mas um mendigo não pode
esconder sua pobreza.
- Cuidado – foi a vez de Pietro de Ferrara. Todo o cuidado é pouquíssimo, então. As
relações com as pessoas levarão a cuidados extremos. Quem sabe se, por acaso, não há
um Rei escondido? Quem sabe mesmo entre nós?
- Você fala assim, de brincadeira? - perguntou Alexandrino - Se qualquer um de nós é
um Rei, ninguém poderá feri-lo.
- Portanto, golpeia duro e baixo – LaCordaire afirmou, sem antes limpar o suor do rosto.
- Você está cansado, LaCordaire... estamos todos cansados – falei – e, devo dizer que na

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MARCUS, o imortal

voluptuosa plenitude da inspiração; a expiração é mais doce que a morte, mais rápida e
risonha que uma carícia do próprio verme do Inferno! Pietro! por enquanto escreve... é
melhor escrever palavras doces para os Reis! Seja quem for.
- É! Tem razão – ele respondeu - Há ajuda e esperança em outros encantos. A
Sabedoria de Alberto diz que devemos ser fortes! Podemos agüentar ardores de alegria.
Podemos refinar os êxtases! Mas é preciso exceder! Exceder! O encontro final será
sempre com a Morte.
- Com a Morte?! – perguntei.
- Sim! A Morte! Morte! Você desejará ardentemente a morte. Mas a Morte será proibida
para você.
        Quando ele terminou, olhei e vi que estavam dormindo, ressonando e isso me
deixou em estado de alerta pois acreditava piamente que era a voz de Pietro que dizia as
últimas frases. Ele falara claramrne mas já não estava entre nós. Alguém falara por ele.
Mas eles não estavam presentes. Cansados, dormiam a sono solto. Fui para perto de
Pietro de Ferrara e peguei seus apontamentos. Ali se escrevia claramente: “4 6 3 8 A
B K 2 4 A L G M O R 3 Y X 2 4 8 9 R P S T O V A L” uma sucessão de letras e números.
“O que significa isto?”, perguntei-me e pus-me a folhear as anotações. Encontrei dados
interessantes, mas nada do que a mulher falara no lago. O texto era outro e dizia:
“Levanta-te, pois nenhum há parecido a ti entre os homens ou Deuses! Levanta-te, ó
meu profeta, tua estatura ultrapassará as estrelas. Eles adorarão o teu nome, quadrado,
místico, maravilhoso, o número do homem; e o nome de tua casa 418. O final do
esconder de Hadit; e bênção & adoração ao profeta da amável Estrela!”
        Claro estava que muito daquilo era incompreensível, se bem que eu me lembrava
de que a mulher ruiva chamou Bernard de profeta, também. Todo aquele texto secreto
me parecia digno de observação e terminava com as palavras “Abrahadabra; a
recompensa de Ra Hoor Khut é vossa.”
        Abrahadabra sempre foi uma palavra para destruição.

OPUS 12
    Quatro meses se passavam, entrávamos no novo ano. As primeiras notícias, em
janeiro, que chegavam de longe, contavam histórias de duas hostes de guerreiros
desabalados pelos montes e charnecas. Uma das hostes exalava um pesado fedor por
onde passava e acreditavam os povos que se tratavam de mortos ambulantes, incluindo
suas montarias. A outra trazia em grita absurda pelos vales o nome de Calatin, que
também chamavam irmão do Cão. Víbora. Assassino. Tinha a fama de invadir povoados e
destruir tudo, levando as mulheres para prostituir e os garotos para a escravidão. Com
mensageiros e outros auxílios tivemos a oportunidade de saber que Tomás estava em
Aquino, na casa paterna. Para lá fomos, então. Foi com ânimo redobrado e imensa
alegria que o encontramos a ler, após sermos atendidos por seus serviçais e seus
parentes. Tomás abriu os braços e nos recebeu a todos de uma única vez.
- Que Deus esteja com todos vocês, meus caros. Discípulos de Alberto são meus irmãos.
Como foram de viagem?
         As primeiras palavras transcorreram leves, nos apresentamos, falamos das
últimas experiências; Tomás nos instou ao descanso e na manhã seguinte, após as
orações obrigatórias junto a seus parentes, Tomás nos recebeu na biblioteca. A família
de barões tinha interesse na cultura sagrada e profana e ficamos abismados com as
obras, manuscritas por doutos de todos os tempos, expostas nas fortes armações de
madeira que eram as estantes da sala. Um pequeno fogo aquecia o ambiente.
- Então os senhores não sabem onde o mestre se encontra? – ele perguntou.
- Sim! É correto. Os braços da Santa Inquisição parecem se ampliar a cada dia. Dessa
vez o alvo foi a Universidade de Paris, onde você estudou – respondi.
- Onde tive a oportunidade de conhecer mestre Alberto.
- Mas há notícias de que ele saiu de Erfurt na direção de Colônia. Lá ele ensina e funda
classes.
- Sei que os tempos estão mudados – disse Aquino - quando estudava em Paris o
grande problema era Aristóteles, de cujo ensinamento setores da Igreja tentavam nos
afastar.
- Mas o nobre Tomás – dizia Pietro – também foi vítima de certa perseguição.
- Sim. Os estudos sobre o conhecimento de Gregos e Árabes... um certo confronto com
as posições Cristãs, o pensamento Aristotélico, enfim, trouxeram problemas, mesmo que

                                  Coelho De Moraes                                   22
MARCUS, o imortal

eu fosse contra os averroístas, como realmente sou... Ou, melhor, tenho uma outra
visão sobre os assuntos. Por isso estou aqui, em retiro na casa paterna.
- E os Dominicanos?
- Eles não sabem de nada e nada opinam. É raro ver um dominicano com um livro nas
mãos. E minha idéia é me dedicar ao ensino. Aqui em Roccasecca eu posso ficar
tranqüilo e estudar mais. Alberto me deu graves incumbências e uma delas é destrinchar
as idéias sobre a existência e a bondade de Deus. A antiga contenda entre Fé e Razão.
Estou dando do meu melhor sobre o assunto.
- E você tem ponderado que...
- Que não pode haver conflito algum entre Fé e Razão. – Tomás cortou a fala de
Alexandrino – para Santo Anselmo... – e Tomás tomou fôlego levando o olhar para o céu
que via através da janela imensa – ... para Santo Anselmo, Deus é perfeito e deveria ter
como um de seus perfeitos atributos o da existência. Mas eu discordo. Podemos definir
Deus como ser perfeito, mas isso não implica sua existência.
- Mas é uma definição... – disse Alexandrino.
- Sim... mas uma definição é apenas uma idéia. E nada garante que uma idéia possa
existir na realidade.
- Mas Aristóteles indica dizer que nada se move por si. E o mundo é dotado de
movimento – afirmei.
- Exato caro Marcus, por isso eu afirmo que a causa primeira é Deus. O mesmo raciocínio
vale para a causa em geral, não acham? – respirando profundamente – no entanto eu
ainda estou pensando sobre isso e... também sei que a via de pensamento de vocês é a
linha velada que tanto interessava a mestre Alberto, não é mesmo? E...
- ... você, como Dominicano, aceita isso sem questionar? – foi a impetuosa pergunta de
LaCordaire.
- Eu prefiro me calar. Os dominicanos são os que preservam os cânones e saem em
busca de hereges. Eu não aceito isso. Há interesse de que essas ordens se enfronhem
nas Universidades para que o papado tenha total controle das idéias...
- No entanto nada disso adiantou. Pelo menos por ora... é só ver o próprio Tomás e ver
mestre Alberto Magno... – falei.
- Mais ele… do que eu... com maiores problemas... e sempre perseguido... se mestre
Alberto não fosse dominicano já estaria preso, essa é que é a verdade, caros amigos –
disse Tomás – eu mesmo fui acusado por Boaventura de dialético. Ele dizia que eu e
Alberto e outros prelados éramos do grupo dos dialéticos: “Especular primeiro, devoção
depois” – todos rimos – e tudo por culpa do aristotelismo.
- De acordo com o Boaventura – eu disse – filosofia e razão só se justificam como
itinerário da alma até Deus. À razão compete achar no mundo sensível os vestígios das
idéias perfeitas.
- Quem sabe? Pode ser que esteja certo. Quem sabe?
- Tomás – mudei o curso da conversa – por que os Dominicanos? Por que a vida
religiosa?
- Bem, amigos – e ele nos fez sinal para nos sentarmos nas poltronas de couro – quando
eu tinha cinco anos meus pais me localizaram no Monastério beneditino em Monte
Cassino. Deixei esse Castelo de Roccasecca direto para os braços do meu tio, que era
abade, então.
- Aí veio a guerra...
- Sim... Monte Cassino se tornou palco de batalha entre as tropas imperiais e o exército
papal. Minha família me fez chegar a Nápoles. Lá conheci os dominicanos. Houve um
rompimento com minha família para me tornar frei. Depois disso, Paris.
- E o encontro com Alberto.
- Exato.

OPUS 13
         Passamos muito tempo no castelo de Roccasecca. Estudamos com Tomás e
visitamos os estábulos da região. Tivemos acesso a livros importantes e a toda obra de
Aristóteles, inclusive aos livros proibidos pela Igreja, algumas obras salvas do incêndio
por Guilherme de Baskerville, e descansávamos das lides intelectuais colhendo frutos nos
pomares aldeãos. O período de meditação e confinamento a que nos restamos foi, em
primeiro lugar, em respeito à hospitalidade de Tomás e, em segundo momento, por
opção para que nossas cabeças pudessem repassar os acontecimentos insólitos até

                                  Coelho De Moraes                                    23
MARCUS, o imortal

aquele momento. Foi nesses momentos que a imagem de Sonja retornou ao meu espírito
e minha preocupação natural se avivou.
         Perguntei a Tomás da possibilidade de obter informações sobre ela. Ele prometeu
que entraria em contato com uma série de mensageiros e amigos de outras paragens.
Muita gente passava por Roccasecca, eu bem notei, e através desses viajantes
tentaríamos obter notícias.
- Como eu disse – Aquino afirmava, tentando se esconder do sol daquela manhã sob
uma macieira imponente,– a revelação Cristã e o conhecimento são facetas de uma
verdade única. E não há conflito de uma com a outra.
- Os seres humanos sabem alguma coisa quando a verdade é imediatamente evidente –
eu dizia, argumentando claramente.
- Claro. Mas essa verdade pode se fazer evidente se se apelar, imediatamente, para
verdades evidentes – ele replicava.
- Acreditam em alguma verdade quando aceitam a verdade advinda de autoridades –
dizia LaCordaire – e se esquecem da potencialidade individual de descobertas pessoais.
Não acha?
- Sim. Devo admitir que esse ousado pensamento tem seu valor, porém – fez uma pausa
contundente – ele está excedendo os limites da nossa época.
- Em outras palavras – entrava na conversa Pietro de Ferrara, que até aquele momento
se limitara a comer as maçãs colhidas e tomar suas anotações – o pensamento herético
deve ser impedido imediatamente. Não deve vir a público.
- Sim. Cá entre nós, sim. Principalmente se vier de leigos ou estudiosos de ciências...
digamos... misteriosas, com sabor secreto evidente... – Tomás completou – preocupação
que os amigos devem ter diariamente. A Fé religiosa é a aceitação das verdades advindas
da revelação divina. Esse é o pensamento que vigora... claro é que Alberto terá mil
argumentos para contrapor a tudo isso... mesmo que dominicano. Aliás, o ser
dominicano permite que Alberto fale o que quer, por enquanto...
- É como essa maçã que hoje você come, Pietro. Um dia ela tirou os humanos do Jardim
do Eden, hoje você se alimenta dela, inofensivamente, mas, amanhã, pode dar algum
boa idéia para alguém... – falei.
- Só se atingir a cabeça da pessoa – brincou Tomás.
- A despeito do fato de que isso parece fazer com que o conhecimento e fé sejam dois
reinos completamente diferentes... – Alexandrino retomou, curioso.
- Sei que há coisas nas revelações divinas que podem ser conhecidas em sua essência
pelo vulgo... pelas pessoas comuns... assim, eu diria, serão “preâmbulos da fé”, incluindo
a existência de Deus e de certos atributos seus.
- Entrariam aí a imortalidade da alma humana e princípios morais? – perguntei.
- Creio que sim...
- E os princípios morais não teriam variação de povo para povo ou os cristãos se
outorgam autoridade máxima nessas questões de céu e almas e mensageiros dos céus?
- Creio que sim... a primeira assertiva me parece correta, mas, saibam, eu vou defender
minha batina dominicana até o fim... em termos de idéias... é claro... mas sei que
mouros e muçulmanos são também sábios e detêm uma parcela poderosa da sabedoria
do mundo. No entanto... – Tomás aproveitou para sentar-se sobre um poderoso tronco
caído às margens do riacho. Ao longe camponeses trabalhavam e enviaram um aceno
para nosso grupo, ao que Tomás de Aquino respondeu, amável – ...no entanto, eu dizia,
o resto daquilo tudo que foi revelado e está incompreensível até para nós estudiosos eu
chamarei de... “mistérios da fé”.
- Por exemplo... – Alexandrino perguntou.
- A Trindade, por exemplo. A encarnação de Deus em Jesus Cristo. A ressurreição e
assim por diante.
- Somente com o poder econômico e militar que a Igreja tem ela poderá enfiar isso na
cabeça das pessoas, assim, sem mais nem menos – disse eu – e mesmo assim, levará
muito tempo para que esse tipo de idéias se torne algo natural. Encarnação de Deus em
Jesus? Isso é muito difícil de entender... me parece o velho uso de tomar sabedoria pagã
e transforma-la em sabedoria cristã.
- Claro. Por isso o chamo de “mistério da fé”. Ninguém entende, ninguém compreende...
- Mas serve para que a igreja mantenha seu poder e seu braço forte – completou
LaCordaire.
- Temo dizer que você tem razão.

                                   Coelho De Moraes                                    24
MARCUS, o imortal

        Nisso, nossa atenção se deslocou para um serviçal da casa, como um mensageiro
que se aproximava com cartas. Após os pedidos naturais de licença ele ofereceu a Tomás
os papéis e se retirou. Após ler rapidamente do que se tratava Aquino disse:
- Cartas do Grande Alberto.

OPUS 14
         “Quem é Alberto?
         Ele nascera em torno de 1200. Sua importância é capital, o que o livra de muitos
problemas com as esferas políticas. Tomás de Aquino é seu discípulo. Muita gente entre
a Germânia , Espanha e França recebe ensinamentos de Alberto, o Grande. Eu, Marcus
de Paris, humilde aluno, tenho esse privilégio. Todos nós temos. Pietro de Ferrara, que
deixou a família riquíssima para ganhar os caminhos da escolástica e mergulhar nos
misteriosos domínios do oculto. Alexandrino, o menor, jovem rebelde já muitas vezes
preso pelas autoridades e torturado por defender a opção de liberdade de pensamento,
após sua última fuga foi dominado por uma força surpreendente, até hoje inexplicável,
que derrubou com os ombros as paredes da prisão em que se encontrava. LaCordaire,
tranqüilo pensador, poderoso homem de armas, lutador excepcional que partiu das
milícias parisienses por desobedecer a ordem dada para um massacre contra grupos de
judeus que habitavam a região da Campânia. Todos amigos e discípulos de Alberto
Lúcius.
         Mestre Alberto é autoridade igualada a Aristóteles, conhecido no planeta inteiro
como Doutor do universal, por uns, e por outros como o Médico Universal, graças a seu
trabalho em Ciências Naturais. Títulos que lhe vieram com o tempo.
         Na carta endereçada a Tomás ele relata que não sairá de Colônia. A questão dos
estudos e dos ensinamentos ocultos está estimulando uma revolta por parte de
segmentos da Igreja e lá ele se encontra em certa segurança. Ele sugere cuidados a
Tomás de Aquino e o convida para ir a Colônia. Alberto conta que desde seus estudos de
Arte em Pádua, quando se prontificou a entrar para a ordem dos Dominicanos nunca
tinha sido objeto de tanta preocupação por parte das autoridades. Soube ele, sem atinar
se a informação procedia, que grupamentos de clérigos incitaram camponeses à delação
de pessoas que estivessem em contato com o sobrenatural. Queimaram gente nas praças
públicas. As milícias de segurança nada fizeram. Um medo se espalha pelas cidades da
Germânia e isso já se torna um modelo. Uma noite desce sobre a Europa, diz ele.
         Alberto relata que em Colônia o respeitam com total propriedade. Tanto é que
está abrindo um centro de estudos e pede para que seus mais diletos alunos o
acompanhem. Tomás de Aquino diz que Alberto fala em meu nome. Gostaria que eu
estivesse por perto. Diz que há um futuro alvissareiro para mim, se me mantiver no
estudo das artes profundas. Ele ressente da falta de mentes abertas para que ele
argumente e discuta sobre as mais recentes interpretações dos escritos Aristotélicos.
Quer fazer isso antes que a Igreja proíba a leitura do mestre grego. Sabe que alguns
prelados se movem e já proibiram a leitura de Platão e outros. Um obscurantismo
proposital parece descer sobre todos”.
- É isso – disse Tomás. - Parece que nosso mestre está com muito trabalho e precisa de
ajuda. Convido a que os senhores, nesta semana que entra, meditem amplamente sobre
o que fazer. Eu tomei minha decisão e vou para Colônia. Os dias de descanso e
contemplação se foram. Preciso beber na sabedoria do mestre Alberto, novamente, e
para lá irei.
- Faremos isso, Tomás – disse-o em nome dos amigos – Tomaremos esses últimos dias
para conversarmos sobre o assunto.
- É claro que se quiserem permanecer aqui o castelo de Roccassecca ficará à disposição.
         Mas, não. Partimos todos. Tomás em direção da Germânia, levando cartas
minhas a Alberto e eu, com os amigos, de volta a Paris, procurando Sonja e Bernard de
Clairvaux. Nas cartas que enviei para Alberto pedia explicação e luz sobre todos os
eventos pelos quais passamos, mesmo que parecessem extraordinários e inacreditáveis.
Pedia para que enviasse correspondência de reposta na direção de NotreDame, a igreja.

OPUS 15
       Em acordo com Burckhardt, as mulheres estavam em perfeita igualdade com os
homens. Nada mais equivocado. A desigualdade entre os sexos começava no
nascimento. A maioria das crianças que eram abandonadas era do sexo feminino. Se não

                                  Coelho De Moraes                                    25
MARCUS, O IMORTAL - UM ENCONTRO COM ALBERTO AMGNUS
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MARCUS, O IMORTAL - UM ENCONTRO COM ALBERTO AMGNUS

  • 2. MARCUS, o imortal Direitos de Cópia para Cecília Bacci & Guilherme Giordano ceciliabaccibscm@yahoo.com.br menuraiz@hotmail.com FATECmococa produtoresindependentes@yahoo.com.br Coleção BROCHURAS & PDFs & ESPIRAIS Revisão e Correções Professora Ana Maria Zeferino Capa COELHO DE MORAES coelhodemoraes@terra.com.br Selo Editorial FATECmococa Registrado e Catalogado na Biblioteca Municipal e Mococa Cidade de Mococa São Paulo 2009 Coelho De Moraes 2
  • 3. MARCUS, o imortal UM ENCONTRO COM ALBERTO MAGNUS Para Rose Braga Coelho De Moraes 3
  • 4. MARCUS, o imortal OPUS 1 Sim. Eu tenho mais de 800 anos de idade, mas quem me conhece não pensa dessa forma. A única coisa que me dá um ar de diferença é a bengala com castão de prata herdada de meus avós, gente escondida em tempos arcaicos, quando as nuvens da Idade nublavam ainda mais todo o conhecimento. O texto de Alberto Magnus chegou às minhas mãos por uma dessas curiosas coincidências, apesar de que eu sempre estive a colecionar objetos que montassem uma memória secreta dos eventos de nossas vidas. Sim. Os meus oitocentos e vinte e tantos anos de idade me fizeram remontar ao século 13, quando conheci Alberto. Abro tais atas com episódios daquele tempo. Ele andava pelos campos, escrevendo e pesquisando. Pena e nanquim sempre fizeram parte de sua vida, da mesma forma que ervas e púcaros de beberagens. Era incansável. Alberto Magnus Lucius, eis o seu nome completo. Não me lembro se era 1.245 ou 48. Encontrei-o quando estava em Paris e o Mestre terminava de anotar um conjunto de escritos após palestrar para Acadêmicos sobre Secreta Mulierum. Um encontro numa estalagem que rendeu provas de amizades, mas de grandes inimizades também. Algumas dessas levaram a assassinatos. Eu era jovem, não mais do que vinte e três anos, e vinha para estudar as Artes Médicas. E aí começará a história. OPUS 2 A epístola preliminar de seus trabalhos em França, se bem me lembro, são considerações acerca dos infortúnios da magia para os fracos. - Caro Marcus – assim ele me chamava – é necessário aceitar o fato de que toda a ação recebe uma reação e aqui não vai nada de novo, desde Hermes Trimegistus. - Sim, Mestre. - Portanto, toda vez que um mago interferir no equilíbrio, ou no fluxo, ou ainda interferir na organização da natureza, haverá uma reação. O mago não é onisciente. Muitas vezes o mago pensa que pode mais do que realmente pode. - Acredito nisso. - Daí as concepções errôneas de Mago Branco e Mago Negro. São valores relativos. Pois bem, caro Marcus, pois bem. Ciente disso, o mago deve se preparar mental e fisicamente para o embate, que na maior parte das vezes não é espiritual, nem espectral... mas puramente somático. O mago pode sofrer ações em seu corpo que precisa resistir. Se o corpo estiver enfraquecido a mente não agüentará o embate. Tais eram alguns dos ensinos de Alberto Magnus. Caminhávamos pelas alamedas cobertas de lama, tendo Alberto com o braço amigavelmente em meus ombros, como dois companheiros trovadores e taberneiros. E, em meio a ensinamentos, ele apontava estradas e montes e dizia de outras lendas complementares aos nossos estudos e aos tempos de perseguição obstinada... Ele falou certa vez sobre Calatin, a quem procuravam por todos o portos da Europa, lembrando de histórias antigas, portanto, postas em dúvida: “- Por aqui passou Calatin, um estranho de origem cigana, dos eslavos, que conhecia fragmentos do Oculto e os usava para obter suas vantagens”. E em seguida retornava para as aulas e direcionamentos na senda do esoterismo. Mas, na verdade, o meu respeito sempre continuava imenso pelo Grande Alberto. Naquela mesma época, um padre originário de Antuérpia, um tal master Wickerscheimer, negociou com Alberto umas palestras em Erfurt. Era tarde chuvosa e ele saiu com sua charrete protegida, partindo em viagem. Fiquei no seu cargo para ministrar aulas fundamentais aos iniciados no estudo da Pedra Filosofal – assunto em que eu era aprendiz, ainda - seguindo passos do trabalho de Tomás de Aquino. Uma obra dedicada ao irmão Reinaldo, provavelmente um dos irmãos da Ordem dos Irmãos Predicadores. Nessa oportunidade me realizei, permitindo aos alunos um estudo de importância para suas vidas, com base nas lições de Hermes, O Três Vezes Grande, O Três Vezes Mestre, O Três Vezes Mago. Coelho De Moraes 4
  • 5. MARCUS, o imortal Enquanto Alberto esteve fora, pude visitar outras Escolas e participei de uma série de reuniões secretas para se decidir, em um nível de oculto, sobre o fingir-se ignorar a ambivalência do sagrado e do maldito no domínio religioso, apesar das evidências claras, mesmo no estudo do Genesis Bíblico. Essas palestras e reuniões se fizeram sob o manto da noite, pois todos estávamos fugindo dos espiões papistas. Lembro que uma jovem muito atenta aos estudos – em nosso meio o número de mulheres sempre foi maior do que o de homens - dizia: “Se a faculdade de crescer e multiplicar é uma bênção para o homem e a mulher, a primeira maldição só é dada às mulheres: Multiplicareis o número de partos” e hoje, perto de oitocentos e trinta anos, eu vejo que a incapacidade da espécie humana para regular sua proliferação é a mais terrível maldição que paira sobre a humanidade. - A mãe é um mistério – dizia Sonja, a jovem que estudava conosco. - É o aspecto sombrio da mãe, isso de sempre dar à luz, sem parar. - Conseqüências coletivas e materiais... desastres, e falta de alimento... por isso os homens nos culpam. A blasfêmia recai sobre nós e isso é cômodo. - Mas, Sonja, as civilizações tradicionais... - ... por causa da menstruação, a substância da mulher aparece como que ligada ao mundo por uma magia noturna e os padrecos nos impõem responsabilidades por uma influência espiritual malévola - ela me toca no queixo, gentilmente – o próprio Alberto é muito severo com isso. Pergunte a ele. Tive que ouvir e calar. Essas mulheres nos dão lições constantes. Apesar de serem providas de útero e serem loucas, era evidente, a cada dia uma nova diretriz brotava nas reuniões. Sonja liderava essa turma de jovens. OPUS 3 O mensageiro me trás uma correspondência. Não fosse o nevoeiro da manhã e ele tertia chegado mais cedo, como me disse, enquanto bebia água das ânforas bentas. Abro-a. É de Alberto . O Lúcius de seu nome é a luz que nos ilumina diariamente. Durante todo aquele dia molhado eu estudara o texto e o coloquei na lista de leituras da noite. Eu escrevera para Alberto no sentido de elucidar umas dúvidas pendentes, principalmente sobre o assunto das mulheres. Os homens se fingiam de doutos e pouco perguntavam. Viam que a agilidade das moças era tal que os poria para os cantos escuros da sala de estudo. Alberto respondeu: “Quanto àqueles que recebem a mulher na comunhão diária, em nossa opinião, merecem severa censura: pelo uso demasiado freqüente que possam fazer dela, eles são culpados de que a Santa Eucaristia perca o respeito que lhe é devido. As mulheres têm outra visão da coisa. De resto o desejo que as mulheres têm da comunhão é mais resultado da sua superficialidade do que de uma verdadeira devoção. As mulheres, no culto, se interessam pela devoção à grande Mãe, ou Deusa. Para elas, a Deusa continua entronizada, enquanto nós, pássaros de Maria, ficamos a adorar o que é simplesmente Maya, ou a ilusão”. Tardezinha. - Me dá aqui isso – Sonja tomou a carta de minha mão. Fiquei meio constrangido. Ela percebeu e me deu um beijo no rosto. Sonja sorria. - Gostou do que vem escrito? - É magnífico – Sonja correu para a sala e releu a carta. As mulheres exultaram. Os homens ficaram com certo ar de incredulidade. Nesse momento, as portas laterais se abriram e, após o ranger de madeiras, vimos o Bispo de Montpellier entrar com um séqüito de soldados e outros padres. Várias pessoas se ajoelharam. As mulheres não. Nem eu. - Quem é responsável pela reunião? Mestre Alberto está aqui? – a voz esganiçada do soldado ecoou na sala. Eu me aproximei. - Eu sou responsável pelas aulas e essa é uma classe de medicina, senhor. - Medicina... – falou Montpellier, enxugando o rosto molhado de suor, apesar do úmido tempo – o estudo da sabedoria de Galeno e Hipócrates, pois bem. Mas chegamos em um momento em que uma dessas... mulheres... falava... e... – olhando para mim – ... elas têm esse direito? - O senhor Bispo bem sabe que nas classes de Mestre Alberto todos são bem recebidos... inclusive... - Até o clero – disse Sonja, que não se continha. Os soldados se moveram em torno do Coelho De Moraes 5
  • 6. MARCUS, o imortal Bispo que a olhou de cima abaixo. - E... o que é que liam, se é que posso saber? - Líamos uma carta de Alberto. Ele está em Antuérpia, para estudos – disse eu, tentando contornar a situação e evitando qualquer tipo de confronto. Aquela não era uma boa hora para isso. Os sinos de NotreDame repicaram. O Bispo olhou com estranheza ao repicar dos sinos. Alguns estudantes se benzeram. O Bispo não se deu por vencido e, observando os bordados da seda em seu lenço, que dobrava carinhosamente, disse: - Contem para mim... o que está escrito na carta – parecia um pedido , mas na verdade era uma ordem. Peguei a carta das mãos de Sonja, fazendo questão de colocar a moça atrás de mim, querendo torná-la invisível. Abri a voz e repeti todo seu conteúdo e, à medida que eu lia, o rosto de Montpellier se abria em sorriso. - Ah! Muito sábio o Mestre Alberto – disse o Bispo – muito sábio em colocar as mulheres em seu devido lugar. Sempre soube que seguia os ensinamentos paulinos. – Senti que Sonja se movia atrás de mim. Ela sempre foi inquieta. O Bispo dava continuidade à sua explanação como se a aula fora dele: - Haveria maior paz na Terra se não fosse a Mulher, que nos leva para o pecado e para a intolerância... - Não me parece isso o que diz o texto, se me permite o senhor Bispo. - Não, não permito nada – e os soldados se moveram novamente e me deu a impressão que levavam as mãos ao punho das espadas. Senti que Sonja segurou meu braço – Nem sei por que um jovem como o senhor recebe a permissão para ministrar aulas... Alberto deve ter se equivocado nesse ponto, ou, quem sabe, trata-se um treino... mas a mim parece claro o que diz esse texto, seguindo o ensinos de Paulo e colocando a Mulher no seu devido lugar de mãe e seguidora do pátrio poder. Nada mais! - Senhor Bispo – eu disse, mas fui tolhido novamente pelas mãos de Sonja, segurando minha capa. - Sim...? - Mais alguma coisa? O senhor gostaria de nos ensinar mais alguma coisa? – Montpellier, com um travo de orgulho crispado nos lábios olhou-me e repassou o lenço no pescoço. O seu anel episcopal brilhou suavemente contra a luz de candeeiros que tínhamos. Ele negou com a cabeça. Segundos de silêncio. Os estudantes estão mudos. Os soldados esperam. O Bispo olha para todos e fixa seu olhar em Sonja. - Evitem as reuniões noturnas... ler sob a luz do candeeiro faz mal para os olhos... e para a saúde da mente também. Imediatamente virou-se e partiu com seu séqüito barulhento. Quando a porta bateu, respiramos com intensidade. Sonja me tomou com as mãos segurando meu rosto. - Pensei que você comentaria o sentido oculto do texto. - Montpellier nos poria na fogueira. - Amanhã conversaremos sobre isso – ela disse – com todos. Mestre Alberto enviou uma carta muito radical. Um parágrafo apenas e o texto é de uma importância revolucionária sem igual. - Nem sei se todos aqui aceitarão esse Tratado de Comunhão – eu falei – Acredito que teremos inimigos entre nós... principalmente os mais enraizados nos dogmas da Fé. - Os estudantes não foram selecionados em testes e provas intensas? – ela perguntou. - Foram – eu falei – porém, em determinados momentos o medo aflora e pode haver desistências. Na verdade, as tais provas e testes nunca são definitivos... enquanto houver estudantes e enquanto Alberto nos fornecer pérolas e novos ensinamentos... a qualquer momento pode haver quem resolva sair e... - Na verdade... as aulas são testes constantes... - ... e Mestre Alberto testa seus pupilos até o limite máximo do rompimento com os valores tradicionais... inclusive eu... - Amanhã debateremos... provavelmente teremos mudanças em nosso grupo de estudantes. Acredito que todas as mulheres estarão do lado de Mestre Alberto... e de seu lado também, Marcus. – Sonja disse com convicção expressiva. Olhei para ela. As luzes dos candeeiros e de algumas velas piscaram nos seus olhos. As pessoas se preparavam para sair. Demos os últimos cumprimentos e Sonja partiu em sua charrete ao lado de mais quatro jovens estudantes. Eu sabia que o Tratado da Comunhão traria contrariedades e nos colocaria mais visados ainda ante o poder papal, tendo Montpellier como braço de ferro. Coelho De Moraes 6
  • 7. MARCUS, o imortal Dobrei cuidadosamente os escritos, amarrei-os numa bolsa de couro e olhei a noite cair. OPUS 4 A lua desapareceu. Nada se via, nem nas cidades e nem nas matas. Todos sabíamos que eram noites de Lilith atingindo seu máximo de atividade. Eu sabia que não veria Sonja durante a semana toda e, quando a visse novamente, ela estaria um tanto mudada, levemente mudada e cansada. O Sol e a Lua, o macho e a fêmea combatem. Um confronto de opostos onde cada princípio oponente detém o seu oposto. Há necessidade do uso de escudos. Durante noites e madrugadas as mulheres debatiam sobre a possibilidade de instalarem um governo feminino para o mundo. Elas mesmas diziam que o domínio do dia pertencia aos machos e o domínio da noite pertencia às fêmeas. Dois tipos de clareio: o de luz e o de fogo. Excelentes noites. E eram aquelas, antes do sumiço temporário das mulheres, excelentes noites onde ainda tivemos tempo para os debates do Tratado da Comunhão. E isso trouxe o cisma. - Quanto àqueles que recebem a mulher na comunhão... – falava para a escola, como debatedora, Sonja, com sua voz contralto bem postada - ... serão os padres ou serão os que se acoitam com as mulheres? - Certamente o Tratado de Comunhão nos fala dos aspectos do sacramento – opinou o estudante Borgausen. - Nada disso – foi a vez de Tomasina – esse texto é profano e fala da sexualidade. Àquele que recebe em comunhão... não a comunhão com hóstias, a não ser que chamemos nosso aparelho genital de animalzinho a ser imolado ao senhor macho – todos riram. Tomasina sempre teve bom humor. Borgausen fechou o semblante. Sempre foi o mais intolerante. - Tomasina está certa. A escrita é cheia de símbolos e de maneira a contentar os religiosos. Protegendo-nos de alguns insanos. Escapando de uma interpretação que nos traga problemas. Viram quando Montpellier concordou com Mestre Alberto? – falei. - E Mestre Alberto passava uma mensagem secreta. - Mas isso é um sacrilégio duplo. O assunto escrito e a maneira de fazê-los passar por um tipo de escrito da Igreja Católica – gritou Cantimpré, filho de fidalgos e herdeiro de fortunas, quase se alterando. - O que o incomoda, Sr. de Cantimpré? – perguntei. - O fato de Mestre Alberto ir longe demais. - Até onde será esse longe demais? O senhor terá uma medida da distância? - Até onde é permitido ir? – perguntou Tomasina – A distância dos homens será igual à das mulheres? - Não vou questionar a doutrina Paulina – resmungou Cantimpré. - A doutrina Paulina nos manda obedecer ao homem da casa – foi a posição de Tomasina, cobrindo-se com seu xale azul, que tinha desenhos de luas em suas várias formas e faces – Estamos propondo um governo de iguais. Excluindo o que chamamos o “homem da casa”. - A distância do homem o leva para fora. A distância da mulher adentra o corpo – replicou Sonja. - Amigos – falei – o texto é claro. Mestre Alberto não nega que o casal se ame. Ele apenas sugere que seja todos os dias para que não se perca o valor dessa comunhão. - Mas ele não pode comparar Santa Eucaristia com sexo – gritou Thorndike. - É claro que pode. Ele tem todo o direito. - O sexo como Santa Eucaristia? – foi a vez de Borgausen. - Sangue, corpo e nossa alma, ou nossa ânima, em função do amor de homem e mulher? Valorizar esse amor?–questionou Sonja. - O que os preocupa é a mistura dos temas ou o fato de usar palavras que normalmente usamos na Igreja para referendar outras idéias? Digo a vocês que as palavras não são propriedades da Igreja. Sempre usaremos quaisquer palavras para propagar ou explicar nossas idéias – expliquei. - E o desejo que as mulheres têm da comunhão é mais resultado de sua superficialidade do que de uma verdadeira devoção... – Sonja fez uma pausa na sua leitura - ... os Coelho De Moraes 7
  • 8. MARCUS, o imortal senhores deveriam agradecer pelas sugestões aqui contidas... são sugestões que permitirão que homens e mulheres tenham uma vida mais saudável... - É claro que queremos a comunhão... mas não com um fim em si, pois sabemos que o produto dessa comunhão é uma possível gravidez... – esclareceu Tomasina - ... não podemos querer a comunhão como devotas, nem como se fosse a nossa condição obrigatória... queremos a comunhão, sim... mas que não seja nada profundo a ponto de nos trazer a gravidez e que não seja o tempo todo, desvalorizando o que sentimos e nos pondo em riscos de concepção... - Na verdade – opinei – a Igreja as quer grávidas, pois o controle é maior e mais eficaz. De outra forma, quanto maior o número de crianças, mais os senhores feudais terão braços para uso em suas terras... isso me parece claro... - Você está misturando tudo, Marcus, cuidado – foi a opinião de Borgausen – vá com mais calma. Política é uma cousa. Medicina é outra. Religião... - O engano é de vocês. Esses temas todos se misturam. O fato é que isso é real – eu disse e vi Borgausen, Cantinpré e Thorndike conversarem a sós e balançarem suas cabeças em desaprovação. Por outro lado, as mulheres ampliavam seus discursos e discutiam ativamente aqueles pontos. Terminamos a noite ali, naquele estado de dúvida que torna a mente um tanto adoentada, sabendo que o assunto ainda merecia muito debate e, permitindo o caminho das outras idéias que ainda viriam. A partir de então não mais veríamos as mulheres, que se preocupavam com seus afazeres da Lua Nova. Vimos a charrete de mulheres desaparecer nas brumas. Cães ladravam. Volta e meia um vulto passava sobre nossas cabeças e nos surpreendíamos pelo tamanho do pássaro. Adejava com força e desprendimento. Seriam As Aves de Aristófanes? Daquele dia em diante, os três rapazes que não concordaram com o discurso de Mestre Alberto Magnus não apareceram mais para as aulas. Não estavam no burgo, tampouco. Na taberna não se ouviu mais falar deles e da universidade, onde moravam, soube-se que desapareceram sem deixar vestígios, ou melhor, os únicos vestígios deixados eram suas roupas e livros que nos pareceram esquecidos nos quartos. A impressão é que depois daquela noite eles não teriam retornado aos seus aposentos. Recebi, um dia, uma outra carta, escrita em papel pardacento, feito em casa, dizendo que sabiam do paradeiro dos jovens. Carta sem assinatura. Especialmente naquela semana os ventos foram mais vigorosos e os animais se mostravam muito mais irritados. A poeira das ruas era tanta que impedia à pessoa andar nelas à noitinha. Minha opinião é que o mundo estava muito barulhento naqueles dias e o que eu mais ouvia eram gargalhadas esporádicas, perdidas e soltas, trazidas pelo vento... ecos de cavernas e murmúrios de árvores. Sonhava com Sonja, quase sempre. E eram sonhos cálidos. OPUS 5 A semana sem a presença das jovens era sempre um período diferente. Após a interferência de Montpellier e as idéias expostas, percebemos que Cantimpré e os outros se mostraram estranhos. Mas, naquela semana, nem a presença deles trouxe a relativa constância dos encontros. Os jovens haviam desaparecido completamente com uma certeza que caía como pedra. As notícias não eram claras. Muito boato e conversa solta dissipavam-se no interior das casas e albergues, junto a lareiras e círculos de pessoas medrosas. Todos, na verdade, sabíamos para onde iam as mulheres, mas notamos que várias vezes, em datas passadas, os três rapazes se ausentavam, no mesmo período, na semana negra, preferentemente à noite e saíam com seus cavalos para a floresta. Da última vez, segundo a carta que eu recebera, eles saíram e ladearam carroças de soldados. Ou seja, nessa vez os estudantes pediram reforço policial. A polícia do clero. Suas manobras de espionagem pareciam bastante claras. Tirando a coincidência de que se escondiam sob as sombras da Lua Negra, os alunos nunca nos convidavam para essas investidas. Em geral, a semana negra, a semana sem as mulheres, era escolhida por nós, para experiências em laboratórios. Principalmente as experiências alquímicas, bem como estudo dos atributos das ervas e substâncias naturais de vários tipos. A busca do poder oculto que faria uma substancia de se tornar curativa. Era até normal que, após a Coelho De Moraes 8
  • 9. MARCUS, o imortal semana negra, as mulheres, ao voltarem, nos trouxessem vegetais, minerais e substâncias orgânicas desconhecidas para novos experimentos e testes variados. Um grupo complementava o outro, apesar de nunca perguntarmos frontalmente para onde elas iam. Isso ficava como um segredo entre nós. Sabíamos quem eram e o que eram aquelas jovens. Aumentava o fascínio e isso nos bastava. Recebi outra epístola de Alberto, também. Ele aconselhava, pedia veementemente, que tivéssemos cuidado com as idéias expostas, com as idéias que ainda chegarão e com as pessoas que ouvissem tais idéias. Ele nos estimula ao trabalho. Pede apoio ao trabalho de Sonja. Na carta há um alerta, pois há matéria publicada em seu nome que não lhe cabe nem em pensamento nem em estilo. Ele cita o “Líber Aggregationis”, por exemplo, e o “De Marabilibus Mundi” que são falsos flagrantes cujo estilo não acorda com os outros seus escritos. Na verdade, são os mais miseráveis livros produzidos pelo obscurantismo e o autor desses textos nem se deu ao trabalho de imitar Alberto. Então, ouvi o barulho de carroças entrando no burgo. - São os dominicanos – gritou Pietro de Ferrara. - Esse pessoal é de uma ordem nova e já mostra serviço – declarou Alexandrino, o menor. - São de Toulouse. Essa Ordem de Dominicanos apareceu em 15. É nova mesmo – eu disse – Fundaram a Ordem para a luta contra os albigenses. - Mas já existiam desde 1206 – exclamava LaCordaire. - Não! Engano. O que existia era a Ordem Contemplativa das Dominicanas, fundada por Domingos, o Castelhano. - Ele foi pessoalmente lutar contra os albigenses? – perguntou Pietro. - Sim. Após a confirmação da sua Ordem por Honório III, ele partiu para o Languedoc com essa missão – eu expliquei, tendo que aumentar um pouco a voz, pois uma fieira de cavalos e carroças passava sob nossas janelas, levantando poeira e afastando a população. Alexandrino, o Menor, tinha dezessete anos e uma curiosidade imbatível. Não tinha família. Desde criança vivia na Universidade e agora estava cursando conosco. Mas ainda sabia pouco. - E quem são esses albigenses? - ele perguntou. - São da cidade Albi, no Sul da França – eu falei. - São também conhecidos como Cátaros – gritou Pietro, pendurado numa escada e olhando a rua lá de cima. Desceu rapidamente quando o grupo de cavaleiros se afastou adentrando o burgo. - E por que os Dominicanos lutaram contra? – perguntou Alexandrino. - Porque – prontamente me pus a explicar – eles eram seguidores da seita maniqueísta. Essas idéias vêem de Maniqueu, de origem persa, e pregam austeridade total e proibição do casamento. As comunidades de fiéis eram dirigidas pelos considerados puros... ou cátaros. - Só isso? - Os cruzados foram liderados por Simão IV de Monfort... – e um sorriso apareceu no rosto de Pietro - ... e esse Simão, pio e católico, saqueou Carcassone e Béziers... os albigenses foram derrotados em Toulouse e Muret. - E qual é o problema dessa seita? Era tão nociva assim? – perguntava LaCordaire – Que tanto mal poderia trazer para nós? - Acontece, LaCordaire – retomei a palavra – que Maniqueu explicava a criação do mundo como que uma luta entre duas forças. A do Bem e a do Mal. Um princípio essencialmente bom simbolizado pela Luz. O outro princípio essencialmente mal simbolizado pelas Trevas – refleti um momento – ... e há quem diga que a Luz existe apenas para iluminar a escuridão... mas, mesmo para um hábil observador domingueiro, caos estava no princípio das coisas e dos tempos... escuridão ou trevas já existia desde o começo dos tempos... as trevas vêm na frente. - Mas... por que se luta contra eles se a Igreja Católica prega o mesma? - Não. Ela prega que o mundo foi criado pelo princípio essencialmente bom. Os Maniqueístas afirmam que os dois princípios são as fontes de criação do Universo – falei. - E você bem sabe como é que funciona a liberdade de pensamento em nossas terras, não é mesmo LaCordaire? – brincou Pietro de Ferrara, enquanto folheava displicente alguns livros. Coelho De Moraes 9
  • 10. MARCUS, o imortal - Agora – eu completava – esta seita vem desde o século terceiro depois de Cristo, ou seja, é tão antiga quanto a Igreja Católica, que nasceu na mesma época. Portanto, há uma luta por espaço político e por domínio nas searas religiosas. - E o que os Dominicanos estarão fazendo aqui, hoje? - Isso eu não sei. Talvez alguma nova missão. Talvez algum foco albigense em Paris. Talvez... – meu pensamento se levou para Sonja e durante alguns momentos eu me deixei sonhar com a leveza da jovem - ... talvez.... procuram algum outro tipo de perturbação da fé... - É melhor retornarmos aos estudos – declarou LaCordaire, após a fria pausa – tem muito trabalho pela frente e eu não quero perder minha bolsa. Em segundos estávamos debruçados sobre a tábua de experimentos. Era um bom grupo. Sentimos a falta de Thorndike, Cantimpré e Borgausen, pois eram argutos estudantes, mas eles já faltaram outras vezes, coincidentemente durante as semanas negras, como já foi dito. Tínhamos a obrigação de manter o trabalho em andamento, apesar de tudo. Lição maior era nunca perguntar muito pela vida dos estudantes. Discrição total. Há histórias que não podem ser contadas. Há idéias que não podem ser reveladas. E o véu da noite caiu sobre nós. OPUS 6 Vento. Gritos. O povo dizia que as almas estavam libertas, mas não falavam sobre isso muito alto. Então a lua desapareceu. A lua negra se estabeleceu em nossas noites e, junto ao vento, podíamos ouvir uivos alternados com risadas e rasgos de pavor. No começo era a Iniciação. A carne nada valendo, mas mantendo seu poder de estímulo e de poder; a mente nada valendo também, a não ser que valorizássemos ao extremo os assuntos da memória e da sutileza. Lembrei da fatal história de Calatin, o cigano. Um estremecimento atingiu meu corpo e por pouco eu não caio, amparando-me nos batentes da porta de carvalho. Mas, tudo aquilo passou. A semana teve fim e pela manhã, um sol cálido abriu o céu. Muita névoa doce. O aroma da floresta era claro e definido, trazendo valores de fogueira e carne queimada. - Aquilo que é desconhecido, embora firmemente baseado sobre o seu equilíbrio, dá vida. Virei-me. Era Sonja e as moças. Tomasina, Clara e Beatrix. Cansadas, pálidas, um tanto alheias, tendo os rostos macilentos, o ar de quem não conseguiu dormir. Havia certo nervosismo naqueles jovens semblantes. - Boa dia, moças– vi que sentaram-se nos tamboretes e passaram a brincar com frascos – parece que vocês trazem novidades. - Marcus, estamos cansadas. - Isso eu vejo. - Então fica um pouco calado – disse rispidamente Clara. Elas se entreolharam. Algo estava errado. Ou muito certo. Talvez o errado fosse eu. Pietro de Ferrara não se conteve: - Calma, jovens. Marcus não acusou ninguém. Só perguntou. Se quiserem que fechemos nossas bocas, assim o faremos. Façamos de conta que nada ocorreu. - Marcus – era Sonja – preciso conversar com você. É minha obrigação. - A hora que desejar. - Agora, então. Fomos para a biblioteca. E o que ouvi foi estarrecedor. Ela começava com um preâmbulo místico, bem ao sabor das arengas universitárias. Aprendi com Alberto que deveria ter a máxima paciência. O que podia vir daí era pior do que perder algum tempo com a introdução. - Em todos os sistemas de religião deve ser encontrado um sistema de Iniciação, que pode ser definido como o processo pelo qual se chega a aprender sobre aquela Coroa, aquela sabedoria, o âmago desconhecido. E nós, mulheres, temos o nosso. Você sabe que quando nos afastamos na Lua Negra, vamos praticar o nosso sistema religioso... - Sei... não discuto isso. - Bom. – ela fez uma pausa contundente como que a refletir e pensar se deveria se abrir - Embora ninguém possa comunicar o conhecimento ou o poder para realizar isto que Coelho De Moraes 10
  • 11. MARCUS, o imortal nós podemos chamar a Grande Obra, é, todavia, possível que os iniciados guiem outros, e nós mulheres temos que ter o maior cuidado com as nossas práticas. Temos que obedecer aos nossos dogmas e, enfim, proteger a nossa integridade, com todas as forças. – ela assim falava enquanto deslizava seus dedos sobre a lombada dos livros inúmeros. - Todos devem superar seus próprios obstáculos – eu falei. - Expor suas próprias ilusões. Suas verdades, seus temores. Porém, outras pessoas podem ajudá-lo a fazer ambos, como você vem fazendo conosco... como o Grande Alberto faz com todos nós... e os Mestres podem tornar-nos completamente aptos a evitar muitos dos falsos caminhos que não levam a lugar algum. - Isso tudo tem a ver com Cantimpré e os rapazes? - Sim... infelizmente tem – ela disse e um arrepio passou por mim. Imediatamente lembrei das palavras de Alberto: “Deve-se assegurar que tudo seja devidamente provado e testado, pois há muitos que pensam serem Mestres, os quais sequer começaram a trilhar o Caminho do Serviço, que para lá conduz”. - Estávamos em meio aos trabalhos da nossa Grande Obra. O momento da Iniciação havia chegado... a semana era importante demais... o clima propício... as mulheres estavam aptas. - Fiz menção para falar, mas ela tapou minha boca com as mãos e apertou minha boca, quase chorando que estava por dores e anseios de sua alma. - Escuta. Ouve, eu e as meninas rogamos, ouve com atenção: pois apenas uma vez a Grande Ordem bate à porta de alguém. E era o nosso momento. Não podíamos permitir nenhuma interferência. Nenhuma... Ninguém poderia conhecer qualquer uma de nós e sair ileso desse encontro. Até mesmo nós, membros da Ordem, jamais poderíamos conhecer uma a outra, até que também tivéssemos atingido a Maestria. - Os rapazes seguiram vocês – eu disse. Ela aquiesceu. Escondeu o rosto com as mãos. Balançou a cabeça como se quisesse afastar os pensamentos. - Um passo irrevogável – ela completou. OPUS 7 Eu e Sonja nos viramos imediatamente por causa do barulho. Carruagens. Fomos para o salão das aulas. Todos estavam preocupados. Segui para as janelas de vitrais venezianos e vi um aglomerado entre povo, clérigos e soldados. Traziam carroças e, sobre elas, corpos. Olhei atônito para meus companheiros. Procurei os olhos de Sonja. Ela acudia suas amigas. Beatrix tinha desfalecido, pois adivinhava algo. Pietro de Ferrara disse que iria ver o que estava acontecendo e partiu. Uma garoa leve começou a descer sobre a terra das ruas, prejudicando o caminho. Vi Pietro se aproximar e percebi que ele sentia algo como um choque. Conversou com algumas pessoas. Os cavalos relinchavam, muitos gritavam, ordens eram dadas e os soldados desapareciam pelas vielas. Quando notei que um dos militares mais autorizados apontava na direção da Universidade, desci da escada e chamei as mulheres. - Vocês têm que sair daqui. Já! - Ir para onde? – Sonja perguntou. - Agora eu não sei. Mas não podem ficar – rapidamente tomava dos objetos das mulheres e as impelia para a rua, pela porta traseira. - Explique-se, Marcus – insistiu Alexandrino, o Menor – assim sem mais nem menos? - Depois... depois... elas sabem... poucos devem saber... Um barulho terrível me pareceu quando a porta se abriu e Pietro entrou esbaforido. Seus olhos saltavam das órbitas. O cabelo em desalinho. Arfava. Tomou da água e gritou: - Estão mortos! Thorndike, Cantimpré e Borgausen, estão mortos. Horrivelmente mortos. - Do que é que está falando ?– disse LaCordaire. - Mortos. Catimpré está desfigurado, sem metade da cabeça, sem miolos... Borgausen tem perfurações em lugar de olhos... parece que a boca foi amarrada com barbante, costurada... o outro ficou sem os membros, braços, pernas... e sexo... Olhei para Sonja. Ela olhou para mim e baixou sua cabeça. O trotar dos cavalos nos acordou do pasmo e corremos em direção à rua. Saímos, atarantados, sem rumo, carregando o que podíamos pegar pelo caminho. Empurrei as mulheres para o bosque que se estendia perto. Elas corriam em desabalada carreira. Coelho De Moraes 11
  • 12. MARCUS, o imortal Voltei. Quando entrava de volta na Universidade notei que os cavalos dos soldados estavam também lá dentro, destruindo tudo em redor, desde mesas a vidros e papéis. - Onde estão as bruxas? - Aqui não há bruxas. - Vou repetir! Onde estão as mulheres!? - Elas partiram há uma semana e ainda não voltaram – gritei como resposta. O soldado ao meu lado deu-me uma bofetada. - Há alguns anos, um número de manuscritos cifrados foi descoberto e decifrado por certos estudantes – a voz falava lá do fundo. Era Montpellier. Ele continuou: - Eles atraíram muita atenção, pois pretendiam derivar de certos outros que se diziam Rosacruzes. – Um sorriso lhe apareceu aos lábios: - Você prontamente entenderá que a genuinidade da afirmação nada importa, sendo tal literatura julgada por si só, não pelas fontes que lhe são reputadas. Da mesma forma que ocorre lá na rua. Os jovens estudantes, seus colegas, mortos... de maneira audaciosa... e terrível... e me parece, durante a Semana Negra. - Não sei do que está falando. - Claro que não. Deixem-no. O nosso problema é outro. Deixem os outros jovens. O nosso assunto é com as mulheres. Capitão, vá para as ruas. Eu assinarei um edito em que pese sobre as cabeças das mulheres a sentença de morte. Após partirem eu comecei a procurar. Entre os manuscritos, estava um que dava o endereço de certa pessoa em terras germânicas, por nós conhecida como Gertrud von Bingen. Teria parentesco com Hildegard, a sóror musicista? Descobrimos as cifras e cânones e citações, além de senhas salmodiadas para podermos escrever para Gertrud e, de acordo com as instruções recebidas, permitir que uma mensagem chegasse a Alberto, por caminhos alternativos. - Mas, a regra absoluta dos adeptos é não interferir no julgamento de qualquer outra pessoa, quem quer que seja – disse Alexandrino, o Menor, enquanto arrumávamos nossas roupas e nos preparávamos para partir em jornada. - Não podemos deixar as mulheres sozinhas. Temos de encontrar um meio de auxiliar as moças em sua fuga. - Elas fizeram aquilo tudo, Marcus? – perguntou LaCordaire. - Não sei dizer... Os adeptos que já tenham conhecimento suficiente para capacitar a si mesmos ou aos seus companheiros, certamente formularão um elo mágico de proteção a esses mesmos adeptos. Não concorda? - Só não pensei que tudo se precipitasse. - Nem eu... talvez nem Alberto... de qualquer forma – falei – corremos perigo permanecendo aqui. - Marcus! – Pietro me chamava – devo anunciar que eu formulei um elo mágico... um elo de proteção... Rituais novos e revisados foram emitidos, e conhecimento fresco jorrou em correntes... ou delírios e pesadelos sobre nossos... companheiros curiosos... - O que você quer dizer? - Eles levaram soldados e a milícia burguesa para a reunião das mulheres... os beneditinos... - Temos que ir embora agora! Peguem o que conseguirem... Saímos a correr. OPUS 8 “Nós devemos passar por cima dos infelizes embustes que caracterizaram o período seguinte. Epístolas que pediam a prisão das mulheres por práticas ilícitas corriam por todo o Reino Franco. Já se provou totalmente impossível elucidarem-se esses fatos complexos. Nós nos contentamos, pois, em observar que a morte dos três colegas, por inépcia e invasão dos segredos alheios, era questão obrigatória. Os rituais foram elaborados, na noite anterior, em plena Lua Nova, apesar de bastante eruditos, em prolixo e pretensioso contra-senso: as mulheres, segundo Pietro de Ferrara, dançavam e cantavam. Muitas gritavam a olhos vistos, olhos abertos e cabelos soltos. O conhecimento se provou sem valor, mesmo onde estava correto. Rodopiavam seus corpos em torno de fogueiras e tanques onde se fervia algo. O aroma era anormal e muitas vezes Pietro estava tonto e em estado febril, ma ele tinha sua missão a cumprir. É em vão que pérolas, mesmo que não tão claras e preciosas, sejam dadas aos porcos, Coelho De Moraes 12
  • 13. MARCUS, o imortal dizia o manuscrito. Quando os cavaleiros apareceram, as mulheres gritaram mais. Os cavaleiros apearam e partiram para o círculo traçado no chão. Foi como se explodissem. As mulheres gargalhavam. Ordálios de desprezo latejavam os corpos de todos. Os jovens estudantes quiseram a todo custo tomar as companheiras e sujeitá-las, sendo impossível que qualquer um ali falhasse. Candidatos inadequados foram admitidos, por nenhuma razão melhor do que a de sua prosperidade mundana. Porém, não se contava com as forças invisíveis que protegeram os corpos nus das mulheres. Resumindo. Falharam. O escândalo surgiu e, com ele, o cisma. Vieram a público os corpos destroçados dos jovens. O poder estabelecido se prontificou a sair em perseguição. Uma grande repulsa contra o estudo se apoderou daquelas cabeças. O povaréu faria o que o poder religioso mandasse. Deu-se ínicio à caça. Professores foram presos. Não nos quiseram prender, mas pediam a cabeça de Alberto. Urgia que ele se mantivesse em Erfurt, ou onde pudesse se esconder. E, para tanto, amiga Gertrud, peço que se afaste um pouco de suas flores e procure Alberto. Eu envio essa carta, com zelo e cuidados, Marcus”. - Apesar de ser erudito de alguma habilidade e um magista de notáveis poderes, como vai a sua iniciação? – perguntou-me curioso Alexandrino, enquanto lavávamos nossas roupas no rio. - Eu havia caído de meu posto original quando conheci Mestre Alberto e, então, eu estava imprudentemente atraindo para mim forças do mal, grandes e terríveis demais para que eu suportasse – levantei-me para olhar a bússola e observar as condições do tempo. - E o que fazer agora? - Agora comeremos – falou Pietro – peguei raízes e um pouco de vegetal. Há tubérculos saborosos também. - É isso. – continuei - Não sendo ainda um adepto perfeito fui, em determinado momento, eu tinha sua idade, mais ou menos, lançado pelo Espírito no Deserto, fiquei lá por sete anos, estudando à luz da razão os livros sagrados e os sistemas secretos de iniciação de outros povos e gentes. Finalmente, foi-me dado certo grau, pelo qual uma pessoa se torna o mestre do conhecimento e da inteligência, e não mais seu escravo. - Nesse caso você percebeu a inadequação da ciência, filosofia e religião; e expôs a natureza auto-contraditória da faculdade do pensamento. - Sim. Tal era a missão – peguei algumas folhas de alface e mastiguei devagar. - Fui à Bretanha, depois à terra dos Celtas e fui admitido, fraternalmente, em um templo pequeno. - Não está escrito que as tribulações serão encurtadas? – disse Pietro. Rimos, para desanuviar nossas mentes. - Daí, seguindo diretrizes de Alberto Magno, resolvi preparar todas os eventos, grandes e pequenas, para o dia em que a Autoridade fosse recebida por todos, já que ninguém sabia onde procurar por adeptos mais elevados, mas sabíamos que o verdadeiro caminho para atrair a atenção das forças era equilibrar os símbolos, as sagas, os rituais e os estudos. O templo – no caso, a Universidade - seria construído antes que a divindade pudesse habitá-lo. – Sorvi uma beberagem quente fornecida por LaCordaire. – Daí a vinda de todos vocês... mesmo aqueles jovens que morreram. - Correu-se muito risco. Preparar toda ciência e sabedoria arcanas, escolhendo apenas aqueles símbolos que fossem comuns a todos os sistemas e rigorosamente rejeitando todos os nomes e palavras que supostamente implicassem em qualquer teoria religiosa ou espiritual, era avançar demais na sabedoria de nosso tempo, não acham? – perguntou Alexandrino, o Menor, espantado com o conteúdo das informações que eu passava. - Mas havia dificuldades maiores. A língua, por exemplo – eu disse - Descobrimos que toda língua tem uma história e o uso, por exemplo, da palavra “espírito” implica na Filosofia Escolástica e nas teorias Hindu e Taoísta significados concernente à respiração do Ser Humano. - Dessa forma trabalhamos com enigmas, textos crípticos, indefinições, não é ? – perguntou LaCordaire. - Exato – eu disse. - Não, certamente, para velar a verdade ao aprendiz, mas para adverti-lo contra valorizar o que não é essencial. Coelho De Moraes 13
  • 14. MARCUS, o imortal - Então, que ele não assuma precipitadamente o nome de um Deus e que não se refira a qualquer Deus conhecido, mas somente a um Deus que somente ele mesmo conheça. - E sobre os rituais? – retornou LaCordaire, me oferecendo raízes secas. - Que eles pareçam implicar em filosofia Egípcia, Taoísta, Budista, Indiana, Persa, Grega, Judaica, Cristã ou Mulçumana. Que se reflita que isto é um defeito da linguagem; a limitação literária e não o preconceito espiritual da humanidade. A noite descia e o frio surgia, mormente perto das águas de rios e lagos. Dormiríamos em breve. - A nós agora, interessa uma fuga definitiva. Se possível procurarmos por Sonja e Alberto. Cada um deles se encontra em seu próprio perigo. - E se nós formos as iscas... já pensou nisso? – perguntou LaCordaire. - Nós laboramos dedicadamente para que jamais sejamos levado a perecer sobre esses pontos; muitos homens santos e justos foram dizimados. Ninguém aceita o diferente, inda mais se são conhecedores de segredos que a natureza esconde em suas fórmulas. Assim, todos os sistemas visíveis perderam a essência da sabedoria. Para eles, nós procuramos revelar o desconhecido e, ao mesmo tempo, o profanamos. - No entanto – disse Pietro, atiçando a pequena fogueira para nos aquecer - há um tempo certo para o repouso e um tempo certo para as fugas. É hora de descanso. - Partiremos na madrugada – eu disse. - Já abandonamos lares, posses, mulheres, filhos, a fim de realizar a Obra. Resta, com tranqüilidade, calma e firmeza, abandonar a própria Grande Obra, neste momento. - Tem idéia de para onde vamos? – perguntou LaCordaire. - Creio que devemos pedir ajuda a Tomás. Tomás de Aquino. - Mas ele é dominicano. E mora longe... - Alberto também... ademais Tomás é seu discípulo, como nós... Virei para meu lado da floresta e pensei em outras possibilidades para nossa fuga. Para não levantar maior atenção sobre nós era preciso que nos escondêssemos no seio dos inimigos. Dormimos. OPUS 9 Viajar era uma obra tumultuada. Caminhávamos lentamente encontrando chuva, lama, montes e povos que ora nos eram delicados, ora não nos queriam por perto. Muita vez foi necessário fugir de beatos que viam o demônio em nós. Às vezes outras éramos tomados como braços papais atrás de feiticeiros. Os Franciscanos nos abrigaram em acampamentos, agradavelmente. Era gente hospitaleira, que nada perguntava. Pouco se falava entre eles, na maior parte do tempo. Em outros momentos não paravam de falar, como se fossem crianças, brincando pela relva, pelos matos, nadando, o dia se tornando em festa. A ordem dos Franciscanos era nova, relativamente nova. O seu fundador havia morrido há pouco mais de vinte anos e fora canonizado em torno de 1229, ou 1230. Mas o fato é que seu exemplo se espalhou pela Europa e muitos filhos de gente fidalga se entregaram à ordem, homens e mulheres, em sua maioria jovens, criando cismas e tormentos para os familiares, portanto, a ordem tinha seus adeptos, mas era perseguida pelos ricos, principalmente. Durante meses vagamos pelas estradas e no fim, olhando para nossa aparência, já pensávamos que nos havíamos tornado franciscanos também. Nosso aspecto era terrível, entre maltrapilho e sujo. Sei que não era uma prática normal o banho, mas eu, LaCordaire, Alexandrino – o Menor, e Pietro de Ferrara sabíamos das benesses da limpeza e do asseio, que nos livraria de males e doenças. Esses e outros conhecimentos nos legavam apelidos dos mais extravagantes, desde simples bruxos a doutores e professores. Era mister alcançar alguma vila hospitaleira e mudarmos nossa imagem. A meta era permanecermos instalados e ministrar matérias comezinhas, como álgebra, filosofia... aulas gerais, assim teríamos dinheiro. Era preciso roupas limpas e um ar próspero. Para alcançar as terras de Tomás de Aquino, aluno do mestre Alberto, ainda havia tempo. Mesmo assim, uma semana depois, simpósios e debates, algumas conferências nas vizinhanças e visitas a fidalgos nos foram adequadas. A vila recebeu, então, a visita de cavaleiros. Inúmeros. Eram cruzados. A poeira levantada e o estrondo das patas dos animais assustaram a todos, porém os soldados não deram atenção a ninguém, permaneceram quietos, apearam Coelho De Moraes 14
  • 15. MARCUS, o imortal rapidamente e procuraram apoio para alojamento e alimentação. Por sorte o comandante daquela tropa também era fidalgo e de boa estirpe. Em princípio, os soldados não estavam ali para desatender a gente do burgo. Ouvi que o comandante, ou chefe, um sujeito imenso, apurado, cabelos encaracolados que desciam pelo capacete, passou a gritar, quando apeou defronte à estalagem: - Had! Essa noite aqui. Quero que mandem um templário na direção das minhas tropas... já que elas não podem entrar neste burgo. - A manifestação de Nuit – disse LaCordaire - O desvelar da companhia do céu. Não sei se é um cruzado. Mas pode ser um dos cavaleiros da Ordem do Templo. - Certamente o comandante tem conhecimentos secretos. Mas, ele me parece estranho com aquele ar cinzento. Provavelmente seus seguidores também. Curioso mesmo era o aroma pútrido que, repentinamente, se instalou, sutil, no ambiente. - Esperemos que sim. Pelo menos teremos a oportunidade de conversar com pessoas que compreendem os mistérios. – LaCordaire se aproximou educadamente do cavaleiro que retirava o manto com a cruz de malta nele estampada. - Senhor, seja bem vindo. Posso invadir sua privacidade e perguntar se todo homem e toda mulher é uma estrela? O cavaleiro olhou para LaCordaire e notei que tinha olhos fundos, cinzentos, muito frios. A pele um tanto esfarinhada como se fosse pulverizada. Os outros cavaleiros pareciam do mesmo recorte e feitio. Mesmo o sorriso dado em seguida não trouxe maior calor ao semblante dele. Era certo que o cavaleiro entendera a insinuação e, respondeu: - Todo número é infinito; não há diferença. Era a senha, a palavra velada, o sinal, a possibilidade de aliança. Ele voltou-se para seus comandados e disse, em alta voz: - Senhores. A vila nos será benfazeja. Há aqui pessoas com as quais poderemos falar e saber mais de alguns mistérios. Pelo menos, os mistérios que me são permitidos saber. - Ajuda-me, ó senhor guerreiro da Thebas mística, no meu desvelar ante as crenças dos homens! – saudou Alexandrino, o Menor. E complementou a saudação com um movimentar de corpo, à guisa de humildade: - Sê tu Hadit, meu centro secreto, meu coração e minha língua! - Entremos – ele disse – falaremos melhor lá dentro. Certamente obteremos pousada por aqui. E, se nada disso der certo, seguiremos para a primeira caverna das cercanias. A noite caiu lentamente. Era uma fria noite de Setembro. A brisa cresceu e a mataria uivou arbitrariamente, enquanto os animais encontravam espaço nos currais para descanso. Em momentos o manto noturno cobriu as ruelas da vila. Cães últimos corriam desarvorados em busca de outros cães ou cuidados. No interior da estalagem a lareira aquecia o corpo de comando da soldadesca. Entre eles o cavaleiro Templário que conhecemos, chamava-se Bernard, de Clairvaux, oriundo de uma família de Toulose. No entanto Bernardo não me era um nome estranho. Ele se aproximou com um caneco de vinho quente e sentou-se no tamborete ao lado: - Há quem acredite que eu não preciso de alimento. – sentou-se pesadamente. Um aroma estranho nos alcançou. E vocês, jovens... Estão longe da sua terra, então!? - Em fuga - disse eu – Estamos procurando Tomás de Aquino. Os dominicanos nos darão algumas explicações. Tomás poderá nos ser útil. - Vocês falaram de Alberto, o Grande. Ainda vive? Onde ele está agora? - Não sabemos, na verdade. Tinha partido para Erfurt. Talvez hoje esteja em Colônia... talvez tenha voltado para Paris, talvez tenha fugido, também, não sei. - Talvez... talvez... – Bernard levou a taça aos lábios secos, ressequidos... – talvez... É... a fuga parece o destino de todos. Seu nome é Marcus, não é? Veja, Marcus! Isto foi revelado por Aiwass, o ministro de Hoor-paar-kraat. Há conhecimentos muito secretos que nem mesmo o mais sábio dos padres e sacerdotes versados no conhecimento hebraico poderá resolver. Nós podemos! Nós seremos perseguidos. Nós seremos execrados. Nós morreremos. - Sim! Bem o sei. - Entre nós, Templários, por exemplo, veja a contradição: Há grupos papistas e antipapistas. Há grupos que desejam a eliminação completa dos semitas. Há outros que apenas desejam propagar as benesses do Santo Graal – bebeu outro grande gole de vinho, como se nunca bastasse – e isso tudo nós queremos descobrir. Queremos debater, buscar, questionar... e esse é o nosso pecado... parece. - Eu entendo. E para onde cavalgam? Oriente? - Não. Estamos buscando a Igreja de Planès. Sei que há lá uma imagem de Maria da Coelho De Moraes 15
  • 16. MARCUS, o imortal Catalunha e sabemos que dela jorra límpida água. É para lá que vamos. Não que isso signifique algo muito apropriado para mim e em meu estado. Mas, como clérigo, espero que tais águas me façam voltar adequadamente ao meu formato original. Percebi que algumas pessoas, poucas, que andavam pela sala de refeição nos olhavam com certa curiosidade. Bernard passou a falar mais baixo. Eu e meus amigos de fuga apenas ouvíamos, embevecidos. - A Igreja está entre os reinos de França e Espanha. No alto dos Pireneus. Há registros guardados em Perpignan, registros legais na antiga capital do Reinado de Maiorca que certo abade – Alberich, se não me engano – recebeu a construção diretamente do Rei, em 1180. Ao pronunciar estas palavras, coincidência ou não, um vento imenso desdobrou faces de janelas e abriu um par de portas. Bandeiras tremularam. Velas se apagaram e Bernard riu e disse: - É sempre assim. Efeitos especiais dos incorpóreos. Eles nos seguem. No começo nos assustamos um pouco, mas depois, vemos que a algazarra não passa disso. Janelas, ventos, um pouco de fogo... Pirotecnia. Estou acostumado, agora – e sorveu um pouco mais de vinho quente – Mas, como eu dizia, é para lá que vou. - Sei – disse eu – que os mouros estiveram na Europa e foram expulsos por Charles Martel. Você não está se referindo à Mesquita, está? - Sim. Estou. Leia isso, Marcus. Tomei o papel da mão de Bernard. Enquanto isso ele se preocupou em procurar lamparinas. Dizia precisar de um pouco mais de luz... - Luz! Eu quero luz! A minha alma precisa de luz, - afirmou categórico. Na carta eu vi escrito: - Adorai então o Khabs, e vede minha luz derramar-se sobre vós! Que meus servidores sejam poucos e secretos: eles regerão os muitos e os conhecidos. Estes são tolos que os homens adoram; seus Deuses e seus homens são tolos. Saí , ó crianças, sob as estrelas, e tomai vossa fartura de amor! Eu estou acima de vós e em vós. Meu êxtase está no vosso. Minha alegria é ver vossa alegria. Olhei para ele e perguntei som evidente ar de espanto e ignorancia: - E daí? - E dái?! Esse texto tem parecença com a maneira muçulmana de escrever, principalmente no Alcorão. Alberich, o célebre Alberich, foi quem traduziu no interior dessa Mesquita ou Igreja transformada. É sabido que os mouros não destruíram as igrejas e mudavam o interior delas sacralizando-as como Mesquitas. Os cristãos deveriam ter inveja da sabedoria de fenícios, mouros, persas e asiáticos em geral. - Sim. Eu sei, no entanto, a construção dos Pireneus é claramente cristã. O formato dela é trifoliado, querendo propor a trindade cristã, coisa que os muçulmanos não aceitam. - Claro, mas os muçulmanos são mais inteligentes e sábios... não acha? – Bernard perguntou, inclinando a cabeça e esboçando o que me pareceu um sorriso maroto – Creio que Cruzadas e essas lutas sanguinárias só estão acontecendo por que os Mouros são obrigados a se defenderem... - A culpa é dos cristãos – esclareceu LaCordaire. - Cristão vivem de culpas... mas, a culpa é mais óbvia se observarmos as ações do clero...Mais precisamente do papado – declarou Bernard – enquanto abençoam canhões e navios endereçando-os à mortandade. Acima de nós, o precioso azul celeste. O vento amainava ou era pura impressão. Cães ladravam e às vezes algo como risadas no ermo. - É o esplendor nu de Nuit; Ela se curva em êxtase para beijar os ardores secretos de Hadit. O globo alado, o estrelado azul, são meus, Ó Ankh-af-na-khonsu! – declamou Bernard, olhando para céu, despejando mais um copázio de vinho, mas, continuou, como se não houvesse mais ninguém por ali: - De qualquer forma eu quero encontrar o lugar antes que as tropas do papa nos encontrem. Sei que lá há um túmulo de um rebelde sarraceno. Esse sujeito ousou tomar uma nobre cristã para esposa. Histórias, eu sei... - Como sabe disso? - O nome dele era Othman - El Chemi. Ele e seus soldados estavam em terreno franco. Ali conheceram a mulher. Ela se chamava Lampagie, filha do Conde Eudes. Othman se encantou por ela, dizem as histórias, ela retribuiu o interesse. O conde estava perdido entre a invasão moura e sua própria incapacidade. Permitiu que o desejo de Lampagie fosse realizado. Morreram por lá. O emir declarou Othman traidor. Lampagie era minha avó. – Bernard respirou, pelo menos foi um movimento que pareceu um profundo ato de sorver os ares, - Agora sabem que o sacerdote e apóstolo andam em mim, mas Coelho De Moraes 16
  • 17. MARCUS, o imortal também em mim está o curioso, o encarregado, aquele que não recebe ordens, aquele que deseja saber se é a parte de sangue mourisco que corre em minhas veias que me dá vontade de tirar fora a cabeça do papa. Othman cobrira sua esposa com um manto que lhe valeu a alcunha de Mulher Escarlate, tendo todo o poder do seu lado. - Lembro que Alberto falou, certa vez, sobre um eremitério catalão onde foram encontrados corpos cobertos de ouro e jóias. Disse que uma mulher tinha sido retirada do chão e a supunham princesa árabe. Parece que os vilões carregaram a estátua, pois o corpo está rígido e negro, e o carregam no verão para uma floresta próxima a uma fonte qualquer. Depois é levado de volta para Odeilia ou Lívia, uma antiga construção castelã, em princípio de setembro – Pietro de Ferrara nos informou exemplarmente. Bernard esboçou aquilo que costumamos chamar de sorriso e falou: - É isso. É justamente isso que me faz ir atrás. Estamos em Setembro. Essa é a época. Acredito que terei novidades então. Quando entrei para a Ordem ela já estava perdendo sua meta original. Proteger os peregrinos que iriam para Jerusalém. Mas, eu acreditava ainda nisso. Éramos os Pobres Cavaleiros de Cristo. Eu pessoalmente acompanhei aquele maluco do Francisco de Assis em sua investida ingênua com os emires, se bem que ele nem atinasse para o fato. Ele não conseguia me enxergar tsnto que estava tomado pelas inspirações divinas. Tolices! - E após? Os muçulmanos retomaram a Terra Santa, não é? - Sim. Retomaram. Aí a sede foi estabelecida em Chipre. Com administração em França. Felipe, o Rei de França, invejoso, começou a perseguir o Grão Mestre dos Templários, com medo de seu poder crescente e influência. Não queríamos obedecer a nenhum senhor Feudal. - Mas, por que isso tudo? Que eu saiba os Templários não detêm riquezas, nem bens, nem nada... – perguntou Alexandrino. Nisso uma porta bateu ruidosamente e legamos o barulho aos restos de vento ou a algum animal perdido. - Você tem razão. Agora, estamos sob perseguição constante. Provavelmente seremos excomungados. Para mim, tanto faz. Vimos que era meia–noite. Ninguém mais na estalagem. Até o dono fora se deitar, resmungando. Então uma voz e várias vozes passaram a declamar na rua. Havia um canto triste, enfadonho e soturno. Várias pessoas pediram para que viéssemos dormir, pois as almas já estavam caminhando nas ruas. Olhamo-nos curiosamente. A música em homofonia subia e descia cantando as seguintes frases: “Queima sobre suas testas, ó esplêndida serpente! Ó, mulher de pálpebras azuis, curva-te sobre eles. Com o Deus e o Adorador eu nada sou; eles não me vêem. Eles estão como que sobre a terra; Eu sou o Céu, e não há outro Deus além de mim e meu senhor Hadit.” - Meus soldados caminham pelas ruas, - disse Bernard. – Sairei com eles. Os olhos cinzentos de Bernard se apertaram. Ele caminhou para a noite, com aquele seu passo pesado, atendendo ao chamado, e acompanhou a multidão de pessoas . OPUS 10 Saímos, também nós, curiosos contumazes, atrás da procissão. Subimos montes, relvas, caímos em charcos, a escuridão não nos assustava, pois sabíamos de seus segredos. Os únicos problemas eram buracos e ribanceiras. O perigo estava ali. A procissão seguia com tochas e cantorias. Vislumbrávamos, na claridade de archotes, o corpo robusto de Bernard e seus soldados. Havia um aroma pestilento crescendo no ar. Eram nossas referências fugidias. O odor era muito ruim. Não se sabia de onde procedia. Mas, seguíamos céleres e percebemos que a falange se reunia no interior de uma cratera na rocha. Certamente uma gruta. Ninguém a nada nos impedia. Era como se fizéssemos parte da procissão desde seus primórdios, mas a sugerir pela roupa das pessoas, eles caminhavam há meses. Entramos na gruta e pisamos um riacho. Pietro aproveitou para refrescar pés e mentes. De lá de dentro uma voz se fazia ecoar entre pedras e flamas ardentes. - Agora, portanto, Eu sou conhecida por vós por meu nome Nuit. Para ele, me farei conhecer através de um nome secreto que darei oportunamente. - Ele quem? – perguntou Alexandrino. - Não sei – tive que responder rapidamente sem querer perder nada daquele discurso. - Posto que Eu sou o Infinito Espaço e as Infinitas Estrelas de lá, fazei vós também Coelho De Moraes 17
  • 18. MARCUS, o imortal assim. Que não haja diferença feita em vosso meio entre uma cousa e qualquer outra cousa; pois é daí que nos vem a dor. Eu sou Nuit, e minha palavra é seis e cinqüenta. Então eu vi que alguém se ajoelhou aos seus pés e essa pessoa me parecia Bernard que foi, imediatamente, tratado de profeta. Ele disse: - Sou seu o profeta e seu o escravo, mas, quem sou eu, e qual será o sinal? Assim ela lhe respondeu, curvando-se, como uma tremeluzente chama de azul, pois de azul estava vestida, seus cabelos eram ruivos e seus braços tudo-tocante, tudo- penetrante, suas mãos amáveis, pareciam desprender energia e se enfiaram na terra úmida, recoberta de lodo, fácil de manipular, penetrou na terra negra, e seu corpo flexível se pôs arqueado para o amor, e seus pés macios se afastaram. Não machucando a nada que se aproximasse, ela disse: - Tu sabes! E o sinal será meu êxtase, a consciência da continuidade da existência, a onipresença do meu corpo. Bernard de Clairvaux, como um sacerdote respondeu àquela tornada em Rainha, mas antes beijou, respeitosamente, suas sobrancelhas densas, e viu-se que o orvalho da luz dela banhando seu corpo inteiro num doce perfume de suor exalava para a caverna inteira: - Ó, Nuit, fica no Céu, que seja sempre assim; que os homens não falem de Ti como Uma, mas como Nenhuma; e que eles não falem de ti de modo algum, posto que tu és contínua! Um coro escondido atrás de uma pilastra de pedras exclamou em som único: - Nada, suspira a luz grácil e encantadora das estrelas, nada e dois. - Pois eu estou dividida pela graça do amor, para a oportunidade de união – disse a ruiva - Esta é a criação do mundo, que a dor da divisão é como nada, e a alegria da dissolução, tudo. Por estes tolos dos homens e suas dores não te importes de modo algum. Eles sentem pouco; o que é, é balançado por fracas alegrias; mas vós sois meus escolhidos. – Nisso ela apontou para Bernard. Alguém deu a ela uma espada muito longa, que brilhava como prata, e ela continuou: - Obedecei ao meu profeta! Persegui os ordálios do meu conhecimento! buscai-me apenas! Então as alegrias do meu amor vos redimirão de toda dor. Isto é assim: Eu o juro pela abóbada do meu corpo; pelo meu coração e língua sagrados; por tudo o que eu posso dar, por tudo o que eu desejo de todos vós. Bernard, sacerdote e profeta, um enigma, caiu em um profundo transe ou desmaio e disse à Rainha do Céu!: - Escreve para nós os ordálios; escreve para nós os rituais; escreve para nós a lei! - Meu escriba, Ankh-af-na-khonsu – ela respondia, brandido levemente espada - o sacerdote dos príncipes, não mudará em uma letra este livro; mas, para que não haja tolice, ele o comentará pela sabedoria de Ra-Hoor-Khu-it. Mantras e encantamentos; o obeah e o wanga; os trabalhos da baqueta e da espada; estes o profeta aprenderá e ensinará. O coro voltou à carga, salmodiando e caminhando. Nesse momento pude ver que tais corpos eram descarnados, vivos, porém, descarnados, semidotados de alguma alma transitória. Deles emanava o cheiro fétido. Eles clamavam: - Quem nos chama Thelemitas. Pois ali há Três Graus, o Eremita, e o Amante, e o homem da Terra. Faz o que tu queres, há de ser tudo da Lei. - Deixai esse estado de multiplicidade – ela completou - multiplicidade limitada e desgosto. Assim com teu todo; tu não tens direito senão fazer tua vontade. Faz isso, e nenhum outro dirá não. Pois vontade pura, aliviada de propósito, livre da sede de resultado, é toda senda perfeita. Tremenda quantidade de sinos começou a badalar. Em princípio não sabíamos de onde vinham, mas percebemos depois que outros seguidores, como sacerdotes, carregavam tais sinos e os badalavam sem cessar. - Nada é uma chave secreta desta lei. Sessenta e um os Judeus a chamam; Eu a chamo oito, oitenta, quatrocentos e dezoito – a ruiva clamou em altos brados, olhos abertos, pernas abertas, a espada girando sobre seus ombros. De repente ela parou e olhou fixamente para Bernard que estava ajoelhado, banhado em suor: - Meu profeta é um tolo com seu um, um, um; não são eles o Boi, e nenhum pelo livro? Ab-rogados estão todos os rituais, todos os ordálios, todas as palavras e sinais. Ra-Hoor-Khuit tomou seu assento no Leste ao Equinócio dos Deuses. Saímos todos. A reunião tinha chegado ao fim. Desligou-se tudo como se nada Coelho De Moraes 18
  • 19. MARCUS, o imortal ali houvesse. A escuridão tomou forma. Movimento e barulho somente. Lá fora notamos que os descarnados sumiam nas trevas, nas brumas, entre as folhas, em silêncio e enquanto tal se fazia Bernard reapareceu, lépido como sempre, com seu tamanho, e sua roupa de guerra. - Viram tudo? – perguntou. - Sim – prontamente respondi. - É o seguinte: Há quatro portões no palácio que precede a Igreja dos Pireneus; o chão desse palácio é de prata e ouro; lápis-lazúli e jaspe estão lá; e todos os aromas raros; jasmim e rosa... mas, também estarão por lá os emblemas da morte. Por enquanto esses emblemas são o anel episcopal e a coroa de Felipe. Eu devo entrar com minhas hostes por partes ou de uma só vez, atravessando arrevesados portões. Devo ficar de pé sobre o chão do palácio. Se não cumprir à risca o ritual – e Bernard deu uma olhada para dentro da gruta – se não fizer como ela deseja ou espera, então, devo receber os terríveis julgamentos de Ra Hoor Khuit! Concordei em parte com Bernard. Mas tínhamos nosso caminho. Ele seguiria o dele. - Não posso me comprometer a esperá-lo nem do Leste nem do Oeste. Todas as palavras são sagradas e todos os profetas verdadeiros; salvo apenas que eles entendem pouco; resolvem a primeira metade da equação, deixam a segunda incompleta. Mas, eu espero, Bernard, que você tenha tudo na clara luz, e algo, apesar de nem tudo, na escuridão, que sempre é bom reservar algo para depois. Multidão de cavalos apareceu. Eram os soldados trazendo seus animais e a montaria de Bernard. Ele gritou, esporeando o corcel, que se ergueu nas patas traseiras: - Invocai-me sob minhas estrelas! Vou atrás do Amor, através da história de Othman e Lampagie, minha ancestral... é a lei, amor sob vontade. Que os tolos não confundam o amor; pois existem amores diferentes. Existe a pomba, e existe a serpente. Escolha bem, Marcus! A tropa partiu rapidamente. Desapareceram na noite. - Acendamos incenso – disse eu para os amigos – escolhamos os de madeiras resinosas e gomas; não haverá presença de sangue ali. Fomos testemunha de uma noite sagrada. - Você acha que devemos retornar para a estalagem? – perguntou LaCordaire. - Não. É melhor que continuemos nossa estrada. Ninguém entenderia e não teríamos o que explicar. Caros amigos, anotemos. Pietro, abre o livro e escreve essas minha citações. São conclusões. Podem ser manifestações. Pietro tomou de folhas dobradas e um carvão que sempre trazia nos bolsos de algodão. - Meu número é 11, como todos os números deles que são de nós. A Estrela de Cinco Pontas, com um Círculo no Meio, e o círculo é Vermelho. Minha cor é preta para o cego, mas o azul e o dourado são vistos por quem vê. Também eu tenho uma glória secreta para eles que me amam. - Ei! – disse Alexandrino, com ar de alegria e atenção positiva – parece aula de Alberto. Sorri e continuei: - Mas amar-me é melhor que todas as coisas: se sob as estrelas noturnas no deserto tu presentemente queimas meu incenso diante de mim, invocando-me com um coração puro, e a chama da serpente ali, tu virás um pouco a deitar em meu seio. Por um beijo, tu então há de quer dar tudo; mas quem quer que dê uma partícula de pó, perderá tudo nessa hora. Vós reunireis bens e provisões de mulheres e especiarias; vós vestireis ricas jóias; vós excedereis as nações da terra em esplendor e orgulho; mas sempre no amor de mim, e então vós vireis à minha alegria. Eu vos ordeno seriamente a vir diante de mim num manto único e coberto com um rico adorno na cabeça. Eu vos amo! Eu anseio por vós! Pálido ou purpúreo, velado ou voluptuoso, Eu, que sou todo prazer e púrpura, e embriaguez no sentido mais íntimo, vos desejo. Colocai as asas e elevai o esplendor enroscado dentro de vós: vinde a mim! - Esplêndido! Mas que conclusão se pode tirar? - Se você se prostrar a mim eu darei todo o reino da Terra. E a resposta é...? - Não!! – todos gritamos em alegria. - Bernard que me perdoe, mas, a manifestação de Nuit está por um fio – eu disse. Arregaçamos nossas mangas. O sol não tardaria. Vimos que os montes se pintaram de vermelho e pássaros entoaram suas ladainhas matinais. A madrugada anilada se erguia como um palácio. Lá, bem longe, uma grande poeirada se erguia na Coelho De Moraes 19
  • 20. MARCUS, o imortal estrada, atrás dos montes. Eram os soldados de Bernard em desenfreada correria. Sem mais demoras reentramos na gruta. Era nossa vez, agora. OPUS 11 Vasculhamos inteiramente os recônditos das cavernas e nada encontramos a não ser roupa velha, escudos e tochas apagadas. O cheiro péssimo ainda perdurava por ali. - Ouçam, amigos, que são pessoas de visão! – disse eu, enquanto ouvia minha voz ecoar nas solidões da gruta – Há, aqui, muita pena de dor e remorso. São eventos para mortos e para quem está morrendo. - Por que diz isso, Marcus? – perguntava LaCordaire. - Estas são mortas, estas pessoas; elas não sentem. Nós não somos nem existimos para o pobre e triste: os senhores da terra são nossos parentes. Aquela procissão de mortos sinaliza para guerras e combates sem fim. Sinaliza para doenças e desavenças. É de se perguntar: Deve um Deus viver num cão? Não! Eles se regozijarão, nossos escolhidos: quem se lamenta, infelizmente, não é nosso. - O que será nosso, então? – gritou Alexandrino, com um leve tremor na voz, angustiado pela expectativa. - Beleza e força, gargalhada e langor delicioso, força e fogo são nossos– respondi prontamente, não sem refletir vagamente sobre as alianças que o mundo visível fazia com o mundo invisível. - Nós nada temos com o proscrito e com o incapaz – falou Pietro, como que ameaçando as entidades espirituais com sua voz estentórea. - Que eles, nossos perseguidores, morram em sua miséria. Pois eles não sentem. Compaixão é o vício dos reis: pisa sobre o desgraçado e o fraco: Felipe V está se desfazendo em vícios. - Mas a lei do forte está conosco, Pietro: esta é a nossa lei e a alegria do mundo. O corpo do Rei deve dissolver-se, ele permanecerá em puro êxtase para sempre se for possível e terá de morrer. Conclamemos agora. Ajoelhem-se, amigos. Todos começamos a ecoar cânticos e novas elegias com as palavras: Nuit! Hadit! Ra-Hoor-Khuit! O Sol, Força e Visão, Luz, para os servidores da Estrela e da Serpente. Das águas a borbulha se fez presente. A caverna pareceu mergulhar em sombras densas para, em segundos, reanimar-se em neblinas doces e a cheiro de malva e incensos. Do centro do lago uma cabeça de mulher, como a da ruiva, apareceu e falou, se apresentando: - Eu sou a Serpente que dá Conhecimento e Deleite e glória brilhante. Nossos corações se animaram com embriaguez. Ela continuou: - Para me adorar, tomai vinho e drogas estranhas das quais Eu direi ao meu profeta, e embebedai-vos deles. Nesse momento, lembrei-me de Bernard com sua caneca de vinho quente. Eles não se feriram em nada. A mulher estava em êxtase e continuava: - A exposição de inocência é uma mentira. Sejam fortes, ó homens! desejem, aproveitem todas as cousas de sentido e êxtase: não temais que Deus algum vos negue por isto. - Vejam! – gritei - estes são graves mistérios; pois há também amigos meus que são eremitas. Agora, será difícil encontrá-los na floresta ou na montanha; certamente o faremos em camas de púrpura, acariciados por magníficas bestas de mulheres com extensos membros, e fogo e luz em seus olhos, e massas de cabelos em chamas em volta delas: é lá que os encontraremos. Encontraremos esses amigos e rebeldes no governo, em exércitos vitoriosos, como é o caso de Bernard de Claivaux. - Cuidado para que um não force ao outro, Rei contra Rei! – ela disse em alto brado. Amai-vos uns aos outros, com corações ardentes; nos homens baixos, pisai no violento ardor de vosso orgulho, no dia da vossa ira. Vós sois contra os monarcas, Ó meus escolhidos! Eu sou a secreta Serpente enroscada a ponto de saltar. Se eu levanto minha cabeça, Eu e minha Nuit somos um. Se eu abaixo minha cabeça e lanço veneno, então há êxtase na terra, e eu e a terra somos um. Mas vós, escolhidos, levantai e acordai! Das águas surgiram colunas brilhantes. Muita água levantou de seu leito e escorreu molhando nossos pés. Harmonias sonoras sempre se prontificaram a ecoar pelos ambientes, ornamentando as vontades sacramentais. Muita vez nos entreolhamos paralisados pela magnificência dos brilhos purpúreos. Trombetas silenciosas ressoaram, sem alarido, mas com magnífica harmonia, com timbres cálidos e tranqüilizantes. Música e ardores da alma sempre estiveram juntos. - Que os rituais sejam corretamente executados com alegria e beleza! Há rituais dos Coelho De Moraes 20
  • 21. MARCUS, o imortal elementos e festas das estações. Chamem o povo para uma festa... Uma festa para a primeira noite do Profeta e sua Noiva! Anotem que eu quero uma festa para os três dias da escritura do Livro da Lei. Entendam que eu desejo outra festa... uma festa para o Supremo Ritual, e uma festa para o Equinócio dos Deuses. Ouvindo tudo aquilo, Pietro passou a escrever em seus papéis estudantis, rápido, valendo-se da experiência de escriba. O que ele havia perdido contava lembrar após, apoiando-se na memória dos amigos. - Uma festa para o fogo e uma festa para a água; uma festa para a vida e uma festa maior para a morte! Há morte para os cães. Não te apiedes dos caídos! Eu nunca os conheci. Eu não sou para eles. Eu não consolo: Eu odeio o consolado e o consolador. Eu sou única e conquistadora. Eu não sou dos escravos que perecem. Sejam eles danados e mortos! Amém. Repentinamente, um azul resplandeceu sobre ela e contrastou bravamente com seus cabelos avermelhados, tornados em tijolo vivo, e havia ouro na luz daquela noiva: mas o fulgor vermelho estava maior em seus olhos; eu via reluzentes lentejoulas, entre púrpura e verde, coruscando na superfície de sua pele. - Púrpura além da púrpura: esta é a luz mais alta que a visão – disse eu, embevecido ante a visão da mulher. - Há um véu: e esse véu é negro – disse LaCordaire, sempre ressabiado. Mas seguiu em sua explanação, em sua especulação sobre o que via e ouvia: - É o véu da mulher modesta; é o véu da lamentação e o pano da morte: nada disto parece ser dela. - Arranca esse espectro mentiroso dos séculos – gritou Alexandrino: - Não esconda os vícios do mundo em palavras virtuosas. - Estes vícios são meu serviço – disse ela, bruscamente saindo do transe, olhando para Alexandrino - Vós fazeis bem, e Eu vos recompensarei aqui e para o futuro. Atenta pois receberá a visita de súcubos. Então ela se virou para mim e sua conduta se tornou lânguida, porém me pareceu honesta, gentil e solidária: - Não temas, ó profeta, quando estas palavras forem ditas, tu não ficarás triste. Tu és enfaticamente meu escolhido: e abençoados são os olhos sobre os quais tu olhares com alegria. Mas eu te esconderei sob uma máscara de tristeza: aqueles que te olharem temerão que tu sejas caído: mas Eu te ergo – ela levantou os braços – Eiu te erguerei durante séculos. De repente, ela ergueu os braços ainda além e pássaros cristalinos voaram pela abóbada da gruta em gorjeios inusitados. Ela gritava para pessoas que estivessem além, como se se tratasse de mensagem que devesse atravessar véus: - Ide embora! Todos, zombadores; apesar de vós rides em minha honra, vós não rireis longamente: então, quando vós estiverdes tristes, sabei que eu vos abandonei. Os pássaros gritavam muito e os ecos retornavam como cachoeira. Enquanto ela voltava para o seio do lago, imersa em uma labareda que rasgava os espaços, eu e os companheiros de jornada nos dirigimos, entre as pedras, para a abertura da gruta. Exaustos nos deitamos na relva coberta de orvalho. Havia muito que pensar sobre a experiência da manhã. No entanto era fácil concluir que havia uma conspiração que permeava as dimensões do espaço. Gente normal, vislumbradores, entidades variadas e seres inadmissíveis ao conceito humano teciam relações para uma ação na superfície da Terra, na superfície visível da vida. - Sim! não acredito em mudanças – eu falei, após alguns instantes - Os reis da terra serão Reis para sempre: os escravos servirão. Tenho para mim que ninguém há que será derrubado ou levantado. Tudo prevalecerá como sempre foi. - Porém, há mascarados que serão servidores – LaCordaire disse, entre haustos e grandes respirações - Pode ser que um mendigo qualquer seja um Rei. Um Rei pode escolher sua vestimenta como ele quiser: não há teste certo: mas um mendigo não pode esconder sua pobreza. - Cuidado – foi a vez de Pietro de Ferrara. Todo o cuidado é pouquíssimo, então. As relações com as pessoas levarão a cuidados extremos. Quem sabe se, por acaso, não há um Rei escondido? Quem sabe mesmo entre nós? - Você fala assim, de brincadeira? - perguntou Alexandrino - Se qualquer um de nós é um Rei, ninguém poderá feri-lo. - Portanto, golpeia duro e baixo – LaCordaire afirmou, sem antes limpar o suor do rosto. - Você está cansado, LaCordaire... estamos todos cansados – falei – e, devo dizer que na Coelho De Moraes 21
  • 22. MARCUS, o imortal voluptuosa plenitude da inspiração; a expiração é mais doce que a morte, mais rápida e risonha que uma carícia do próprio verme do Inferno! Pietro! por enquanto escreve... é melhor escrever palavras doces para os Reis! Seja quem for. - É! Tem razão – ele respondeu - Há ajuda e esperança em outros encantos. A Sabedoria de Alberto diz que devemos ser fortes! Podemos agüentar ardores de alegria. Podemos refinar os êxtases! Mas é preciso exceder! Exceder! O encontro final será sempre com a Morte. - Com a Morte?! – perguntei. - Sim! A Morte! Morte! Você desejará ardentemente a morte. Mas a Morte será proibida para você. Quando ele terminou, olhei e vi que estavam dormindo, ressonando e isso me deixou em estado de alerta pois acreditava piamente que era a voz de Pietro que dizia as últimas frases. Ele falara claramrne mas já não estava entre nós. Alguém falara por ele. Mas eles não estavam presentes. Cansados, dormiam a sono solto. Fui para perto de Pietro de Ferrara e peguei seus apontamentos. Ali se escrevia claramente: “4 6 3 8 A B K 2 4 A L G M O R 3 Y X 2 4 8 9 R P S T O V A L” uma sucessão de letras e números. “O que significa isto?”, perguntei-me e pus-me a folhear as anotações. Encontrei dados interessantes, mas nada do que a mulher falara no lago. O texto era outro e dizia: “Levanta-te, pois nenhum há parecido a ti entre os homens ou Deuses! Levanta-te, ó meu profeta, tua estatura ultrapassará as estrelas. Eles adorarão o teu nome, quadrado, místico, maravilhoso, o número do homem; e o nome de tua casa 418. O final do esconder de Hadit; e bênção & adoração ao profeta da amável Estrela!” Claro estava que muito daquilo era incompreensível, se bem que eu me lembrava de que a mulher ruiva chamou Bernard de profeta, também. Todo aquele texto secreto me parecia digno de observação e terminava com as palavras “Abrahadabra; a recompensa de Ra Hoor Khut é vossa.” Abrahadabra sempre foi uma palavra para destruição. OPUS 12 Quatro meses se passavam, entrávamos no novo ano. As primeiras notícias, em janeiro, que chegavam de longe, contavam histórias de duas hostes de guerreiros desabalados pelos montes e charnecas. Uma das hostes exalava um pesado fedor por onde passava e acreditavam os povos que se tratavam de mortos ambulantes, incluindo suas montarias. A outra trazia em grita absurda pelos vales o nome de Calatin, que também chamavam irmão do Cão. Víbora. Assassino. Tinha a fama de invadir povoados e destruir tudo, levando as mulheres para prostituir e os garotos para a escravidão. Com mensageiros e outros auxílios tivemos a oportunidade de saber que Tomás estava em Aquino, na casa paterna. Para lá fomos, então. Foi com ânimo redobrado e imensa alegria que o encontramos a ler, após sermos atendidos por seus serviçais e seus parentes. Tomás abriu os braços e nos recebeu a todos de uma única vez. - Que Deus esteja com todos vocês, meus caros. Discípulos de Alberto são meus irmãos. Como foram de viagem? As primeiras palavras transcorreram leves, nos apresentamos, falamos das últimas experiências; Tomás nos instou ao descanso e na manhã seguinte, após as orações obrigatórias junto a seus parentes, Tomás nos recebeu na biblioteca. A família de barões tinha interesse na cultura sagrada e profana e ficamos abismados com as obras, manuscritas por doutos de todos os tempos, expostas nas fortes armações de madeira que eram as estantes da sala. Um pequeno fogo aquecia o ambiente. - Então os senhores não sabem onde o mestre se encontra? – ele perguntou. - Sim! É correto. Os braços da Santa Inquisição parecem se ampliar a cada dia. Dessa vez o alvo foi a Universidade de Paris, onde você estudou – respondi. - Onde tive a oportunidade de conhecer mestre Alberto. - Mas há notícias de que ele saiu de Erfurt na direção de Colônia. Lá ele ensina e funda classes. - Sei que os tempos estão mudados – disse Aquino - quando estudava em Paris o grande problema era Aristóteles, de cujo ensinamento setores da Igreja tentavam nos afastar. - Mas o nobre Tomás – dizia Pietro – também foi vítima de certa perseguição. - Sim. Os estudos sobre o conhecimento de Gregos e Árabes... um certo confronto com as posições Cristãs, o pensamento Aristotélico, enfim, trouxeram problemas, mesmo que Coelho De Moraes 22
  • 23. MARCUS, o imortal eu fosse contra os averroístas, como realmente sou... Ou, melhor, tenho uma outra visão sobre os assuntos. Por isso estou aqui, em retiro na casa paterna. - E os Dominicanos? - Eles não sabem de nada e nada opinam. É raro ver um dominicano com um livro nas mãos. E minha idéia é me dedicar ao ensino. Aqui em Roccasecca eu posso ficar tranqüilo e estudar mais. Alberto me deu graves incumbências e uma delas é destrinchar as idéias sobre a existência e a bondade de Deus. A antiga contenda entre Fé e Razão. Estou dando do meu melhor sobre o assunto. - E você tem ponderado que... - Que não pode haver conflito algum entre Fé e Razão. – Tomás cortou a fala de Alexandrino – para Santo Anselmo... – e Tomás tomou fôlego levando o olhar para o céu que via através da janela imensa – ... para Santo Anselmo, Deus é perfeito e deveria ter como um de seus perfeitos atributos o da existência. Mas eu discordo. Podemos definir Deus como ser perfeito, mas isso não implica sua existência. - Mas é uma definição... – disse Alexandrino. - Sim... mas uma definição é apenas uma idéia. E nada garante que uma idéia possa existir na realidade. - Mas Aristóteles indica dizer que nada se move por si. E o mundo é dotado de movimento – afirmei. - Exato caro Marcus, por isso eu afirmo que a causa primeira é Deus. O mesmo raciocínio vale para a causa em geral, não acham? – respirando profundamente – no entanto eu ainda estou pensando sobre isso e... também sei que a via de pensamento de vocês é a linha velada que tanto interessava a mestre Alberto, não é mesmo? E... - ... você, como Dominicano, aceita isso sem questionar? – foi a impetuosa pergunta de LaCordaire. - Eu prefiro me calar. Os dominicanos são os que preservam os cânones e saem em busca de hereges. Eu não aceito isso. Há interesse de que essas ordens se enfronhem nas Universidades para que o papado tenha total controle das idéias... - No entanto nada disso adiantou. Pelo menos por ora... é só ver o próprio Tomás e ver mestre Alberto Magno... – falei. - Mais ele… do que eu... com maiores problemas... e sempre perseguido... se mestre Alberto não fosse dominicano já estaria preso, essa é que é a verdade, caros amigos – disse Tomás – eu mesmo fui acusado por Boaventura de dialético. Ele dizia que eu e Alberto e outros prelados éramos do grupo dos dialéticos: “Especular primeiro, devoção depois” – todos rimos – e tudo por culpa do aristotelismo. - De acordo com o Boaventura – eu disse – filosofia e razão só se justificam como itinerário da alma até Deus. À razão compete achar no mundo sensível os vestígios das idéias perfeitas. - Quem sabe? Pode ser que esteja certo. Quem sabe? - Tomás – mudei o curso da conversa – por que os Dominicanos? Por que a vida religiosa? - Bem, amigos – e ele nos fez sinal para nos sentarmos nas poltronas de couro – quando eu tinha cinco anos meus pais me localizaram no Monastério beneditino em Monte Cassino. Deixei esse Castelo de Roccasecca direto para os braços do meu tio, que era abade, então. - Aí veio a guerra... - Sim... Monte Cassino se tornou palco de batalha entre as tropas imperiais e o exército papal. Minha família me fez chegar a Nápoles. Lá conheci os dominicanos. Houve um rompimento com minha família para me tornar frei. Depois disso, Paris. - E o encontro com Alberto. - Exato. OPUS 13 Passamos muito tempo no castelo de Roccasecca. Estudamos com Tomás e visitamos os estábulos da região. Tivemos acesso a livros importantes e a toda obra de Aristóteles, inclusive aos livros proibidos pela Igreja, algumas obras salvas do incêndio por Guilherme de Baskerville, e descansávamos das lides intelectuais colhendo frutos nos pomares aldeãos. O período de meditação e confinamento a que nos restamos foi, em primeiro lugar, em respeito à hospitalidade de Tomás e, em segundo momento, por opção para que nossas cabeças pudessem repassar os acontecimentos insólitos até Coelho De Moraes 23
  • 24. MARCUS, o imortal aquele momento. Foi nesses momentos que a imagem de Sonja retornou ao meu espírito e minha preocupação natural se avivou. Perguntei a Tomás da possibilidade de obter informações sobre ela. Ele prometeu que entraria em contato com uma série de mensageiros e amigos de outras paragens. Muita gente passava por Roccasecca, eu bem notei, e através desses viajantes tentaríamos obter notícias. - Como eu disse – Aquino afirmava, tentando se esconder do sol daquela manhã sob uma macieira imponente,– a revelação Cristã e o conhecimento são facetas de uma verdade única. E não há conflito de uma com a outra. - Os seres humanos sabem alguma coisa quando a verdade é imediatamente evidente – eu dizia, argumentando claramente. - Claro. Mas essa verdade pode se fazer evidente se se apelar, imediatamente, para verdades evidentes – ele replicava. - Acreditam em alguma verdade quando aceitam a verdade advinda de autoridades – dizia LaCordaire – e se esquecem da potencialidade individual de descobertas pessoais. Não acha? - Sim. Devo admitir que esse ousado pensamento tem seu valor, porém – fez uma pausa contundente – ele está excedendo os limites da nossa época. - Em outras palavras – entrava na conversa Pietro de Ferrara, que até aquele momento se limitara a comer as maçãs colhidas e tomar suas anotações – o pensamento herético deve ser impedido imediatamente. Não deve vir a público. - Sim. Cá entre nós, sim. Principalmente se vier de leigos ou estudiosos de ciências... digamos... misteriosas, com sabor secreto evidente... – Tomás completou – preocupação que os amigos devem ter diariamente. A Fé religiosa é a aceitação das verdades advindas da revelação divina. Esse é o pensamento que vigora... claro é que Alberto terá mil argumentos para contrapor a tudo isso... mesmo que dominicano. Aliás, o ser dominicano permite que Alberto fale o que quer, por enquanto... - É como essa maçã que hoje você come, Pietro. Um dia ela tirou os humanos do Jardim do Eden, hoje você se alimenta dela, inofensivamente, mas, amanhã, pode dar algum boa idéia para alguém... – falei. - Só se atingir a cabeça da pessoa – brincou Tomás. - A despeito do fato de que isso parece fazer com que o conhecimento e fé sejam dois reinos completamente diferentes... – Alexandrino retomou, curioso. - Sei que há coisas nas revelações divinas que podem ser conhecidas em sua essência pelo vulgo... pelas pessoas comuns... assim, eu diria, serão “preâmbulos da fé”, incluindo a existência de Deus e de certos atributos seus. - Entrariam aí a imortalidade da alma humana e princípios morais? – perguntei. - Creio que sim... - E os princípios morais não teriam variação de povo para povo ou os cristãos se outorgam autoridade máxima nessas questões de céu e almas e mensageiros dos céus? - Creio que sim... a primeira assertiva me parece correta, mas, saibam, eu vou defender minha batina dominicana até o fim... em termos de idéias... é claro... mas sei que mouros e muçulmanos são também sábios e detêm uma parcela poderosa da sabedoria do mundo. No entanto... – Tomás aproveitou para sentar-se sobre um poderoso tronco caído às margens do riacho. Ao longe camponeses trabalhavam e enviaram um aceno para nosso grupo, ao que Tomás de Aquino respondeu, amável – ...no entanto, eu dizia, o resto daquilo tudo que foi revelado e está incompreensível até para nós estudiosos eu chamarei de... “mistérios da fé”. - Por exemplo... – Alexandrino perguntou. - A Trindade, por exemplo. A encarnação de Deus em Jesus Cristo. A ressurreição e assim por diante. - Somente com o poder econômico e militar que a Igreja tem ela poderá enfiar isso na cabeça das pessoas, assim, sem mais nem menos – disse eu – e mesmo assim, levará muito tempo para que esse tipo de idéias se torne algo natural. Encarnação de Deus em Jesus? Isso é muito difícil de entender... me parece o velho uso de tomar sabedoria pagã e transforma-la em sabedoria cristã. - Claro. Por isso o chamo de “mistério da fé”. Ninguém entende, ninguém compreende... - Mas serve para que a igreja mantenha seu poder e seu braço forte – completou LaCordaire. - Temo dizer que você tem razão. Coelho De Moraes 24
  • 25. MARCUS, o imortal Nisso, nossa atenção se deslocou para um serviçal da casa, como um mensageiro que se aproximava com cartas. Após os pedidos naturais de licença ele ofereceu a Tomás os papéis e se retirou. Após ler rapidamente do que se tratava Aquino disse: - Cartas do Grande Alberto. OPUS 14 “Quem é Alberto? Ele nascera em torno de 1200. Sua importância é capital, o que o livra de muitos problemas com as esferas políticas. Tomás de Aquino é seu discípulo. Muita gente entre a Germânia , Espanha e França recebe ensinamentos de Alberto, o Grande. Eu, Marcus de Paris, humilde aluno, tenho esse privilégio. Todos nós temos. Pietro de Ferrara, que deixou a família riquíssima para ganhar os caminhos da escolástica e mergulhar nos misteriosos domínios do oculto. Alexandrino, o menor, jovem rebelde já muitas vezes preso pelas autoridades e torturado por defender a opção de liberdade de pensamento, após sua última fuga foi dominado por uma força surpreendente, até hoje inexplicável, que derrubou com os ombros as paredes da prisão em que se encontrava. LaCordaire, tranqüilo pensador, poderoso homem de armas, lutador excepcional que partiu das milícias parisienses por desobedecer a ordem dada para um massacre contra grupos de judeus que habitavam a região da Campânia. Todos amigos e discípulos de Alberto Lúcius. Mestre Alberto é autoridade igualada a Aristóteles, conhecido no planeta inteiro como Doutor do universal, por uns, e por outros como o Médico Universal, graças a seu trabalho em Ciências Naturais. Títulos que lhe vieram com o tempo. Na carta endereçada a Tomás ele relata que não sairá de Colônia. A questão dos estudos e dos ensinamentos ocultos está estimulando uma revolta por parte de segmentos da Igreja e lá ele se encontra em certa segurança. Ele sugere cuidados a Tomás de Aquino e o convida para ir a Colônia. Alberto conta que desde seus estudos de Arte em Pádua, quando se prontificou a entrar para a ordem dos Dominicanos nunca tinha sido objeto de tanta preocupação por parte das autoridades. Soube ele, sem atinar se a informação procedia, que grupamentos de clérigos incitaram camponeses à delação de pessoas que estivessem em contato com o sobrenatural. Queimaram gente nas praças públicas. As milícias de segurança nada fizeram. Um medo se espalha pelas cidades da Germânia e isso já se torna um modelo. Uma noite desce sobre a Europa, diz ele. Alberto relata que em Colônia o respeitam com total propriedade. Tanto é que está abrindo um centro de estudos e pede para que seus mais diletos alunos o acompanhem. Tomás de Aquino diz que Alberto fala em meu nome. Gostaria que eu estivesse por perto. Diz que há um futuro alvissareiro para mim, se me mantiver no estudo das artes profundas. Ele ressente da falta de mentes abertas para que ele argumente e discuta sobre as mais recentes interpretações dos escritos Aristotélicos. Quer fazer isso antes que a Igreja proíba a leitura do mestre grego. Sabe que alguns prelados se movem e já proibiram a leitura de Platão e outros. Um obscurantismo proposital parece descer sobre todos”. - É isso – disse Tomás. - Parece que nosso mestre está com muito trabalho e precisa de ajuda. Convido a que os senhores, nesta semana que entra, meditem amplamente sobre o que fazer. Eu tomei minha decisão e vou para Colônia. Os dias de descanso e contemplação se foram. Preciso beber na sabedoria do mestre Alberto, novamente, e para lá irei. - Faremos isso, Tomás – disse-o em nome dos amigos – Tomaremos esses últimos dias para conversarmos sobre o assunto. - É claro que se quiserem permanecer aqui o castelo de Roccassecca ficará à disposição. Mas, não. Partimos todos. Tomás em direção da Germânia, levando cartas minhas a Alberto e eu, com os amigos, de volta a Paris, procurando Sonja e Bernard de Clairvaux. Nas cartas que enviei para Alberto pedia explicação e luz sobre todos os eventos pelos quais passamos, mesmo que parecessem extraordinários e inacreditáveis. Pedia para que enviasse correspondência de reposta na direção de NotreDame, a igreja. OPUS 15 Em acordo com Burckhardt, as mulheres estavam em perfeita igualdade com os homens. Nada mais equivocado. A desigualdade entre os sexos começava no nascimento. A maioria das crianças que eram abandonadas era do sexo feminino. Se não Coelho De Moraes 25