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BRASIL 500 ANOS: DO "DESCOBRIMENTO" AO "ENCOBRIMENTO" DA
                               ALTERIDADE DO OUTRO

                                                                         Dejalma Cremonese

I - BRASIL: 500 ANOS DE QUÊ?

         Ao celebrar os 500 anos do "descobrimento" do Brasil, chegada do homem
europeu ao "novo" mundo, julga-se oportuno refletir sobre o que foi considerado o "mito"
da modernidade, ou seja: a supremacia da razão instrumental moderna (européia), sobre o
"outro", atrasado, diferente, desconhecido e por isso considerado bárbaro (índio, nativo).

         Pretende-se, a seguir, apresentar algumas idéias sobre a temática "Brasil 500
anos", onde a dominação cultural (histórica e filosófica), religiosa e política aparecerão
implícitas. Tais argumentos seguem a fundamentação teórica de Beozzo, Dussel, Las
Casas, Leon-Portilla e Todorov. Celebração significa festejar, comemorar; quem festeja e
comemora ao mesmo tempo recorda, recordar é trazer à memória. Por isso pergunta-se:
vamos celebrar (trazer à memória) 500 anos de que?



         1.1. O encobrimento do outro

         A História Oficial brasileira sempre foi contada pelos vencedores, nunca pelos
derrotados. Preocupou-se com heróis da classe poderosa, nomes importantes da mesma
classe, datas a decorar, fatos que não refletiram e não refletem a verdadeira realidade do
povo que foi, e ainda é, massacrado. Frente a isso, é possível celebrar e festejar os 500 anos
do "descobrimento" do Brasil?

         A História brasileira é uma farsa que deve ser desvelada, porque omite a verdade
dos fatos. Além do mais, compactuar com o "descobrimento" do Brasil é aceitar e justificar
a dominação do homem europeu, que chegou por estas terras com a intenção de dominar e
enriquecer, e omitir que, antes de 1500, já existia uma civilização milenar vivendo por aqui,
com quarenta mil anos de história dos povos indígenas. Abordar os 500 anos, nada mais é
do que seguir um caminho que nos leva até à Europa, à história medieval, ao direito
romano, à filosofia grega e à Bíblia.
O encontro das duas culturas (européia x nativa das américas) foi o confronto
trágico de duas forças em que uma pereceu necessariamente, um encontro nada amigável de
duas civilizações: uma considerada "desenvolvida" (a européia), por conhecer certas
tecnologias (a irrigação, o ferro e o cavalo) versus a nativa (desconhecida, por isso
"bárbara"), ensimesmada com a natureza, com uma religião diferente (divindades da
natureza: panteísta, a Lua, o Sol, as estrelas...), com uma organização política (império
maia, asteca, inca), uma filosofia e uma cultura milenar. "Índio" foi o nome dado pelos
europeus ao se confrontarem com o "outro" (habitantes das terras meridionais), e quem deu
o nome acabou se apossando, ficando dono.

         Bartolomeu de Las Casas nos relata as atrocidades cometidas pelos
conquistadores europeus contra os habitantes destas terras, seguindo, assim, a lógica da
mentalidade renascentista sustentada na supremacia da razão instrumental: "Os espanhóis,
com seus cavalos, suas espadas e lanças, começaram a praticar crueldades estranhas;
entravam nas vilas, burgos e aldeias, não poupando nem as crianças e os homens velhos,
nem as mulheres grávidas e parturientes e lhes abriam o ventre e as faziam em pedaços
como se estivessem golpeando cordeiros fechados em seu redil. Faziam apostas sobre
quem, de um só golpe de espada, fenderia e abriria um homem pela metade, ou quem, mais
habilmente e mais destramente, de um só golpe lhe cortaria a cabeça, ou ainda sobre quem
abriria melhor as entranhas de um homem de um só golpe". A violência era uma prática
comum: atiravam crianças contra os rochedos, esfacelando suas cabeças, jogavam outras
nos rios, faziam forcas baixas na medida que os índios quase tocassem com os pés no chão,
passavam a fio de espada crianças e mulheres, queimavam as pessoas vivas, cortavam as
mãos de outras, colocavam o indivíduo em grades sobre garfos e, na parte de baixo ateavam
fogo, lentamente, e, enquanto o indivíduo, aos berros, sob queimaduras, encontrava a
morte, roubavam e saqueavam. Os espanhóis treinavam cães carniceiros, próprios para
matar índios: "(...) despojados de qualquer piedade, ensinavam cães a fazer em pedaços um
índio à primeira vista. Esses cães faziam grandes matanças e como, por vezes, os índios
matavam algum (cão), os espanhóis fizeram uma lei entre eles, segundo a qual por um
espanhol morto faziam morrer cem índios".

         Milhões de vidas humanas foram ceifadas pela ganância do homem europeu
"civilizado". Tzvetan Todorov relata que "em 1500 a população mundial devia ser da
ordem de 400 milhões de pessoas, dos quais 80 habitavam as Américas", sendo que, no
século seguinte "restavam apenas 10 milhões". Já no Brasil, segundo Oscar Beozzo, antes
de 1500, a população indígena era estimada em torno de 4 a 6 milhões de pessoas vivendo
com suas culturas, religiões, com mais de 2.200 línguas diferentes; hoje, não passam de 230
mil pessoas.

         Diante de tais fatos, pergunta-se: Quem sabe não seria oportuno, pela passagem
dos 500 anos do "descobrimento" do Brasil, refletir sobre os milhões de índios mortos pela
ganância do homem branco? E também este não seria o momento de nos redimir pela
vergonha de ser o último país que aboliu a escravidão? E, por fim, questionar pela
exploração das riquezas que foram extraídas de nossas terras nos famosos ciclos
econômicos (ou exploratórios) para o enriquecimento da Europa?

         Penso que haveria motivo de festividade se a situação do índio, do negro e da
maioria do povo brasileiro fosse de dignidade. Enquanto existir a dívida externa (eterna), o
desemprego, as chacinas (Candelária, Carandiru, Vigário Geral, Caruaru, Favela Naval,
Carajás, Corumbiara, Pontal do Paranapanema, o massacre dos Yanomamis, a morte do
índio Pataxó), o racismo, o individualismo, a corrupção, o trabalho escravo, o salário
mínimo (mísero), a morte prematura de nossas crianças, a violência explícita e implícita, o
fracasso da saúde, da educação, da moradia, do saneamento, as festividades dos 500 anos
serão uma grande falácia.



         1.2. A dominação européia: "Em nome de Deus"

         A modernidade emergiu sob o mito da criação de uma racionalidade instrumental,
que levou o homem europeu a confrontar-se com o outro, que habitava o "novo mundo".
Cristóvão Colombo, representante máximo da mentalidade "moderna" européia, deixou
registrado em seu diário que o objetivo final de suas viagens era o enriquecimento e a
expansão do cristianismo; porém, logo se percebeu de que o Deus dos espanhóis era o ouro:
"Estava atento e tratava de saber se havia ouro... Não quero parar, para ir mais longe, visitar
muitas ilhas e descobrir ouro". Colombo pedia, em suas orações, que Deus o ajudasse a
encontrar o referido metal: "Que nosso Senhor nos ajude, em sua misericórdia, a descobrir
este ouro..." . A segunda intenção de Colombo era a de expandir o cristianismo aos povos
"bárbaros", com o apoio dos Bispos e do Papa, juntamente com toda a Igreja, com o
objetivo final de obter maior financiamento para tal empreendimento: as viagens às
Américas. A sua próxima viagem será "para a glória da Santíssima Trindade e da Santa
religião cristã" e, para isso, Colombo "espera a vitória do eterno Deus, como ela sempre me
foi dada no passado" e sintetiza: "Espero em Nosso Senhor poder propagar seu Santo nome
e seu Evangelho no universo". Todos sabiam que Colombo era um fervoroso cristão,
inclusive que não viajava aos domingos, respeitando, assim, os mandamentos de Deus,
seguindo os ensinamentos da Igreja.

         O conquistador Gonzalo Fernandes Oviedo pregava, igualmente, aos nativos das
"Índias", a existência de um Deus, de um Papa e de um Rei que deveriam ser adorados,
caso contrário, sofreriam penas duríssimas: "Caciques e índios desta terra firme do lugar
tal: Nós vos fazemos saber que existe um Deus, um Papa e um Rei de Castela que é o
Senhor destas terras: vinde incontinenti render-lhe homenagens,... porque se não o fizerdes,
sabei que nós vos faremos guerra e vos mataremos e vos escravizaremos".

         Bartolomeu de Las Casas, um dos poucos bispos europeus que defenderam a
causa indígena, relata-nos que Colombo, quando era recepcionado com festas pelos
americanos, recebendo presentes como ouro e objetos preciosos, logo acorria para seu
oratório, seguindo os rituais da tradição cristã e dizia: "Agradecemos ao Nosso Senhor que
nos tornou dignos de descobrir tantos bens".

         A primeira referência feita por Colombo, em relação à população que aqui vivia,
não deixa de ser significante, especialmente se relacionada ao aspecto "natural" em que
vivia, mas a análise foi feita apenas quanto ao aspecto físico: "então viram gentes nuas",
logo relacionaram como sendo povos selvagens, sem moral: "Vão completamente nus,
homens e mulheres, como suas mães os pariram" , até mesmo os reis, as mulheres e as
crianças, tudo dentro da maior naturalidade. Colombo, ao descrever o aspecto físico dos
habitantes americanos (estatura, cor da pele...), chega à conclusão de que são selvagens e
que, pelo menos, tendem a parecer-se mais com os humanos do que com os animais.

         Os índios foram considerados, inicialmente, como seres dóceis, generosos, "gente
boa"; mas, com o passar do tempo, o europeu passou a considerá-los como ladrões,
aplicando-lhes castigos por seus atos.
Bem antes de o homem branco europeu chegar por estas terras, o índio tinha suas
normas morais e seus ritos religiosos. Ele respeitava a si próprio e aos demais, à mãe Terra,
à água, à Lua, às estrelas, ao Sol. Os espanhóis chegaram e impuseram a sua religião: em
uma das mãos, a cruz do Cristo europeu, simbolizando o poder da Igreja, na outra, a espada
para a conquista.

         Colombo não descarta a possibilidade de os espanhóis serem considerados de
"origem divina" pelos nativos, o que daria uma boa explicação para o medo inicial e seu
desaparecimento diante do comportamento indubitavelmente humano dos conquistadores.
Os espanhóis foram considerados deuses: os índios associaram-nos com a paruzia dos
deuses (vinda dos deuses sobre a terra) e, por isso, aceitaram pacificamente a dominação
dos espanhóis. Colombo assim se expressou ao se referir à religião do índio: "São crédulos,
sabem que há um Deus no céu, e estão convencidos que viemos de lá....Um dos índios que
vinham com o almirante falou com o Rei dizendo-lhe que os cristãos vinham do céu e
andavam à procura de ouro".

         E foi assim, por essas e outras, que o grau de despudoramento do espírito do
homem europeu não se furtou a lançar mão do álibi de Deus para sacramentar e justificar o
início do massacre da cultura indígena nas Américas, cuja vileza dos atos só ironicamente
pode receber o nome de "descobrimento".



         1.3. O mito do "ego" moderno

         A modernidade emergiu sob o mito da criação da racionalidade, que levou o
homem europeu, "civilizado", a confrontar-se com o outro, "desconhecido", "bárbaro", que
devia ser "dominado", "evangelizado" e "humanizado". A partir da teorização do "penso,
logo existo" de Descartes, da ciência de Newton e do idealismo hegeliano, cria-se a
racionalidade moderna. Na Filosofia da História de Hegel, transparece a dominação
ontológica da totalidade cultural e filosófica em que o europeu via-se em relação aos povos
do "Novo Mundo" (as Américas): "Os americanos (índios) vivem como filhos, que se
limitam a existir, longe de tudo o que signifique pensamentos e fins elevados". O mito da
modernidade é uma gigantesca invenção: a vítima inocente é transformada em culpada, o
vitimário culpado é considerado inocente.
Diante desta situação de conquista violenta da alteridade americana, surgem vozes
que se levantam na defesa dos povos nativos. É o caso de Bartolomeu de Las Casas, frei
franciscano, que se colocou contra todo tipo de exploração e "evangelização" colocado em
prática pelos europeus em nosso continente. Bartolomeu alcançou o "máximo da
consciência crítica possível". Colocou-se do lado do Outro, dos oprimidos, e questionou as
premissas da modernidade como violência civilizadora. Diz ele: "Se a Europa cristã é mais
desenvolvida, deve mostrar pelo "modo" como desenvolve outros povos sua pretensa
superioridade. Mas, deveria fazer isso levando em conta a cultura do Outro, respeitando sua
alteridade, contando com sua livre colaboração criadora. Todas estas exigências não foram
respeitadas".

          Os tempos passaram, novas situações surgiram. O processo de "colonização" que
os povos americanos sofreram foi marcado pela exploração, por uma práxis guerreira e
violenta. Nos dias atuais, a violência dar-se-á em outros níveis: através de uma práxis
dominante da erótica, da pedagógica, da cultural, da política e da econômica, quer dizer: do
domínio dos corpos pelo machismo sexual, da cultura de tipos de trabalho explorado ou
pela falta de trabalho, por uma nova burocracia política submissa a instituições
internacionais que se perpetuam até hoje. O "eu colonizado", o outro, a mulher, o homem
vencido, numa erótica alienante, numa economia capitalista mercantil, continua a
caminhada do "eu conquisto", para a edificação do "ego cogito" moderno.

          Como vimos, o encontro das duas culturas, a européia (civilizada) versus a
americana, foi um encontro trágico onde uma pereceu necessariamente. Este "encontro"
pouco amigável culminou no século XVI, usando as palavras de Todorov, como "o maior
genocídio da história da humanidade".

          O objetivo final, ou a força motora que impeliu o homem europeu para a
"descoberta" e a "conquista" de novas terras no Ocidente foi, única e exclusivamente, o
enriquecimento, a busca do ouro. A razão instrumental renascentista justificou
ideologicamente tal prática e a conseqüente efetivação do "ego" moderno às expensas do
"outro incivil".
1.4. 500 anos de exploração

         Há 500 anos vivemos sob o domínio estrangeiro e hoje conseguimos achar
motivos para comemorações?

         No dia 22 de abril de 1500, Pedro Álvares Cabral chegou a uma terra habitada por
pessoas que viviam na tranqüilidade cultural de sua sociedade; estruturou um novo modo
de vida à moda da fina flor européia por pura imposição, massacrando, desrespeitando, não
aceitando e não entendendo uma cultura diferente da sua.

         Não podemos culpar somente Cabral, mas também toda a corte portuguesa,
espanhola, inglesa, francesa..., que sempre viu no Brasil fonte de matéria-prima e mercado
consumidor. Situação que nos parece não ter mudado ainda.

         A mentalidade opressiva que se consolidou e se cultivou até os dias atuais está
impregnada na sociedade brasileira, não possibilitando uma visão crítica e suficiente a
ponto de perceber que não temos muito a comemorar.

         Poderíamos mudar o estado das coisas, se mudássemos a estrutura econômico-
social e política do país, e seria um bom começo não ficarmos de braços cruzados somente
comentando, tendo idéias e não as colocando em prática.

         Vivemos uma guerra civil não declarada, lutando pela nossa sobrevivência.
Talvez sejamos um pouco egoístas, mas queremos somente é um lugar para trabalhar por
um salário justo, poder ser chamado de nação séria. Seriedade esta que não temos desde a
chegada portuguesa, pois nos roubaram não só nossas riquezas, mas também nossa
identidade.

         Seria fácil festejar, comemorar, como várias pessoas, os 500 anos do Brasil, se
alegrar por um povo, dito pela elite "mais desenvolvido", ter aportado por aqui e nos
dominar, explorar e nos mostrar quão maravilhoso é conhecer e saber das tecnologias
existentes no mundo lá fora, uma cultura diferente, rica. Porém, não nos disseram o preço
desse maravilhoso "mundo da fantasia" o qual pagamos caro por conhecer.

         Nossas reservas naturais quase se exterminaram por completo, nosso povo morre
aos poucos vitimado pelas doenças trazidas pelos europeus e, pior, também aqui se morre
de fome. Os índios foram exterminados aos milhões em sua própria terra. O que temos e
adquirimos de tecnologia são produtos de outras nações, para as quais trabalhamos,
exportamos as nossas matérias- primas e, ainda, servimos de mão-de-obra.

         Essas questões talvez justifiquem a impressão de sermos vistos como povo
pacífico, quieto, mas já está na hora de escrevermos a história dos outros 500, estes que
ainda ousaremos construir.

         Numa visão histórica sobre o suposto "descobrimento do Brasil", desde o período
entendido como Colonial, vimos nossas riquezas "irem embora", desde as propiciadas por
nossa natureza até o genocídio indígena, tudo em benefício de uma metrópole interessada
apenas em extrair daqui tudo o que pudesse ser fonte de lucro para manter o nível de vida
de sua nobreza, esquecendo de investir no seu próprio setor produtivo, o que seria, mais
tarde, a principal causa de sua decadência econômica.

         A distribuição territorial foi, igualmente, equivocada, colocou nas mãos de poucos
uma grande quantidade de terras, ocasionando, assim, o surgimento de uma classe elitizada
que detinha todo o poder e prestígio decorrentes da monopolização do solo. Mais tarde,
essa mesma classe apoderou-se das indústrias e, conseqüentemente, colocou o Estado a
serviço de seus interesses.

         Portanto, são quinhentos anos de espoliação social, em que o povo nunca teve vez
e viu esmagada qualquer forma de resistência diante de manobras de um Estado burocrático
e elitista, para o qual o mais importante sempre foi a manutenção de um sistema desigual:
com uma pequena parcela da população detendo grande porcentagem do capital, enquanto a
massa sofre necessidades primárias e seus conseqüentes males.

         A grande mídia, formadora de opiniões, anunciou com fervor a necessidade de se
comemorar os quinhentos anos da chegada dos portugueses ao Brasil, chegando a construir
relógios para que contássemos os dias do grande feito lusitano. A destruição de um desses
relógios ocasionou, para nós gaúchos, uma série de debates sob enfoques diferenciados e
ideologias antagônicas. A mídia aponta esse ato como obra de vândalos violentos que só
querem chamar a atenção, deixando óbvia a sua posição a favor das comemorações,
legitimando os interesses burgueses.

         Mas será que a pior violência não é aquela que vemos e sentimos em nosso
cotidiano? A fome, a miséria, a subnutrição de nossas crianças, as chacinas..., tudo isso
proporcionado por uma política econômica voltada mais para interesses internacionais do
que para o próprio povo brasileiro, que ainda anseia por mudanças substanciais nessa
conjuntura, para que possamos construir nossa dignidade e fazer valer a nossa cidadania?

          A destruição desse símbolo (o relógio dos 500 anos) representou uma afronta à
classe burguesa, por isso a taxação de movimento violento. Tal ato mostrou o
descontentamento popular em relação às comemorações, que, desde o início, foram
planejadas para a elite. Nelas o povo, mais uma vez, ficou de fora, passivo em sua grande
maioria. Os que tomaram a iniciativa de se manifestar acabaram sendo relegados à
condição de marginais, vândalos ou algum outro adjetivo do gênero.

          Diante desse contexto, seria desapropriado comemorarmos quinhentos anos e,
sim, refletirmos sobre todo um passado de exploração, de massacre dos povos indígenas, o
qual os portugueses nos legaram, e do qual sentimos, até hoje, seus efeitos tanto no plano
social como no político-econômico da nacional. Caberia então a pergunta: Quinhentos anos
de quê?



          1.5. A continuidade do colonialismo

          Tem-se assistido nas últimas décadas as transformações pelas quais o Estado
ocidental tem passado e, conseqüentemente, o sistema democrático dos mesmos. O que
vem imperando é o poder das instituições internacionais, Fundo Monetário Internacional e
Banco Mundial, que atuam "discretamente" nos bastidores dos governos locais, impondo as
chamadas "reformas econômicas" com o objetivo de "reduzir os déficits públicos",
"combater a inflação" e "deter a economia que está superaquecida". Em nome de tais
"programas", fenecem as políticas públicas do Estado, que tem seu poder diminuído. Em
suma, tem-se o Estado máximo para servir aos interesses de grandes grupos econômicos e o
Estado mínimo para as questões sociais.

          Os mais altos cargos desses governos na área econômica, como presidente de
Bancos Centrais, ministros da Fazenda e secretários de tesouros, são, comumente,
executivos de grandes empresas privadas. Por exemplo: o secretário do Tesouro norte-
americano no governo Clinton, Robert Rubin, foi um alto executivo banqueiro da Goldam
Saches, da mesma forma que o antigo presidente do Banco Mundial, Lewis Preston, foi
diretor presidente da J. P. Morgan. No Brasil não é diferente, basta analisar a procedência
do presidente do Banco Central para evidenciar tal afirmação.

         Tem-se um Estado monopartidário onde o que é determinante são as preocupações
econômicas e financeiras privadas, um Estado distante dos interesses do povo, sem falar da
negação e controle dos direitos democráticos de seus cidadãos. A economia mundial passa
hoje por uma crise globalizada. O que fazem então os países desenvolvidos? Qual é a saída
mais eficaz? Não fazem nada mais do que apertarem o cerco em torno de suas antigas
colônias, o que traz como conseqüência imediata a falência das instituições e a diminuição
do padrão de vida.

         Sob o slogam "privatização dos lucros e socialização das despesas", a
globalização econômica ou a economia de mercado tem favorecido para a concentração da
riqueza nas mãos de poucos, enquanto que a maioria tem apenas a globalização da pobreza.

         Acusar os governos locais e as instituições internacionais não é suficiente, pois
administradores burocratas e credores estão unidos. É preciso avançar mais e perceber que
os agentes financeiros, bancos e corporações transnacionais são inimigos do povo e por isso
devem ser atacados. É preciso reconhecer o fracasso do modelo econômico neoliberal em
âmbito global, assim como cancelar imediatamente a dívida externa dos países em
desenvolvimento, e, para isso, é preciso estruturar mecanismos financeiros alternativos e
concretos.

         Se existe uma globalização do mercado que gera fome, exclusão e desemprego, é
urgente que se organize uma globalização solidária que una toda a sociedade do mundo.
Nada vai mudar sem uma persistente luta social, ampla e democrática. Todos que estão
sofrendo na carne deverão se mobilizar para tal emprendimento: trabalhadores, agricultores,
produtores independentes, profissionais liberais, artistas, funcionários públicos, membros
do clero, estudantes e intelectuais. Tais movimentos de pressão contra as políticas
econômicas do FMI e Banco Mundial já estão acontecendo nos EUA. Não seria o momento
de começarmos tais mobilizações por aqui?
BIBLIOGRAFIA

         CHOMSKY, N. & HERMAN,. A trilateral. Petrópolis: Vozes, 1978.

         ______. O que o Tio Sam realmente quer. Brasília: Edunb, 1999.

         DUSSEL, E. O Encobrimento do Outro: A origem do mito da modernidade.
Petrópolis: Vozes, 1993.

         HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Lecciones sobre la Filosofia de la Historia
Universal. (Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte). Trad. José Gaos. Madrid:
Alianza Editorial, 1975.

         HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Livros Técnicos
e Científicos Editora S.A., 1986.

         LAS CASAS, Bartolomeu. O paraíso destruído: brevíssima relação da destruição
das Índias. Porto Alegre: L&PM, 1984, p. 32.

         LEÓN-PORTILLA, Miguel. A conquista da América vista pelos índios.
Petrópolis: Vozes, 1984.

         OLIVEIRA, Adélia Engracia de. Esta terra tem dono. Ciência Hoje, Rio de
Janeiro, SBPC, v. 2, n.º 10, jan./ fev., 1984).

         TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a questão do outro. São Paulo:
Martins Fontes, 1999, p. 9.

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O encobrimento do outro: a dominação européia no Brasil

  • 1. BRASIL 500 ANOS: DO "DESCOBRIMENTO" AO "ENCOBRIMENTO" DA ALTERIDADE DO OUTRO Dejalma Cremonese I - BRASIL: 500 ANOS DE QUÊ? Ao celebrar os 500 anos do "descobrimento" do Brasil, chegada do homem europeu ao "novo" mundo, julga-se oportuno refletir sobre o que foi considerado o "mito" da modernidade, ou seja: a supremacia da razão instrumental moderna (européia), sobre o "outro", atrasado, diferente, desconhecido e por isso considerado bárbaro (índio, nativo). Pretende-se, a seguir, apresentar algumas idéias sobre a temática "Brasil 500 anos", onde a dominação cultural (histórica e filosófica), religiosa e política aparecerão implícitas. Tais argumentos seguem a fundamentação teórica de Beozzo, Dussel, Las Casas, Leon-Portilla e Todorov. Celebração significa festejar, comemorar; quem festeja e comemora ao mesmo tempo recorda, recordar é trazer à memória. Por isso pergunta-se: vamos celebrar (trazer à memória) 500 anos de que? 1.1. O encobrimento do outro A História Oficial brasileira sempre foi contada pelos vencedores, nunca pelos derrotados. Preocupou-se com heróis da classe poderosa, nomes importantes da mesma classe, datas a decorar, fatos que não refletiram e não refletem a verdadeira realidade do povo que foi, e ainda é, massacrado. Frente a isso, é possível celebrar e festejar os 500 anos do "descobrimento" do Brasil? A História brasileira é uma farsa que deve ser desvelada, porque omite a verdade dos fatos. Além do mais, compactuar com o "descobrimento" do Brasil é aceitar e justificar a dominação do homem europeu, que chegou por estas terras com a intenção de dominar e enriquecer, e omitir que, antes de 1500, já existia uma civilização milenar vivendo por aqui, com quarenta mil anos de história dos povos indígenas. Abordar os 500 anos, nada mais é do que seguir um caminho que nos leva até à Europa, à história medieval, ao direito romano, à filosofia grega e à Bíblia.
  • 2. O encontro das duas culturas (européia x nativa das américas) foi o confronto trágico de duas forças em que uma pereceu necessariamente, um encontro nada amigável de duas civilizações: uma considerada "desenvolvida" (a européia), por conhecer certas tecnologias (a irrigação, o ferro e o cavalo) versus a nativa (desconhecida, por isso "bárbara"), ensimesmada com a natureza, com uma religião diferente (divindades da natureza: panteísta, a Lua, o Sol, as estrelas...), com uma organização política (império maia, asteca, inca), uma filosofia e uma cultura milenar. "Índio" foi o nome dado pelos europeus ao se confrontarem com o "outro" (habitantes das terras meridionais), e quem deu o nome acabou se apossando, ficando dono. Bartolomeu de Las Casas nos relata as atrocidades cometidas pelos conquistadores europeus contra os habitantes destas terras, seguindo, assim, a lógica da mentalidade renascentista sustentada na supremacia da razão instrumental: "Os espanhóis, com seus cavalos, suas espadas e lanças, começaram a praticar crueldades estranhas; entravam nas vilas, burgos e aldeias, não poupando nem as crianças e os homens velhos, nem as mulheres grávidas e parturientes e lhes abriam o ventre e as faziam em pedaços como se estivessem golpeando cordeiros fechados em seu redil. Faziam apostas sobre quem, de um só golpe de espada, fenderia e abriria um homem pela metade, ou quem, mais habilmente e mais destramente, de um só golpe lhe cortaria a cabeça, ou ainda sobre quem abriria melhor as entranhas de um homem de um só golpe". A violência era uma prática comum: atiravam crianças contra os rochedos, esfacelando suas cabeças, jogavam outras nos rios, faziam forcas baixas na medida que os índios quase tocassem com os pés no chão, passavam a fio de espada crianças e mulheres, queimavam as pessoas vivas, cortavam as mãos de outras, colocavam o indivíduo em grades sobre garfos e, na parte de baixo ateavam fogo, lentamente, e, enquanto o indivíduo, aos berros, sob queimaduras, encontrava a morte, roubavam e saqueavam. Os espanhóis treinavam cães carniceiros, próprios para matar índios: "(...) despojados de qualquer piedade, ensinavam cães a fazer em pedaços um índio à primeira vista. Esses cães faziam grandes matanças e como, por vezes, os índios matavam algum (cão), os espanhóis fizeram uma lei entre eles, segundo a qual por um espanhol morto faziam morrer cem índios". Milhões de vidas humanas foram ceifadas pela ganância do homem europeu "civilizado". Tzvetan Todorov relata que "em 1500 a população mundial devia ser da
  • 3. ordem de 400 milhões de pessoas, dos quais 80 habitavam as Américas", sendo que, no século seguinte "restavam apenas 10 milhões". Já no Brasil, segundo Oscar Beozzo, antes de 1500, a população indígena era estimada em torno de 4 a 6 milhões de pessoas vivendo com suas culturas, religiões, com mais de 2.200 línguas diferentes; hoje, não passam de 230 mil pessoas. Diante de tais fatos, pergunta-se: Quem sabe não seria oportuno, pela passagem dos 500 anos do "descobrimento" do Brasil, refletir sobre os milhões de índios mortos pela ganância do homem branco? E também este não seria o momento de nos redimir pela vergonha de ser o último país que aboliu a escravidão? E, por fim, questionar pela exploração das riquezas que foram extraídas de nossas terras nos famosos ciclos econômicos (ou exploratórios) para o enriquecimento da Europa? Penso que haveria motivo de festividade se a situação do índio, do negro e da maioria do povo brasileiro fosse de dignidade. Enquanto existir a dívida externa (eterna), o desemprego, as chacinas (Candelária, Carandiru, Vigário Geral, Caruaru, Favela Naval, Carajás, Corumbiara, Pontal do Paranapanema, o massacre dos Yanomamis, a morte do índio Pataxó), o racismo, o individualismo, a corrupção, o trabalho escravo, o salário mínimo (mísero), a morte prematura de nossas crianças, a violência explícita e implícita, o fracasso da saúde, da educação, da moradia, do saneamento, as festividades dos 500 anos serão uma grande falácia. 1.2. A dominação européia: "Em nome de Deus" A modernidade emergiu sob o mito da criação de uma racionalidade instrumental, que levou o homem europeu a confrontar-se com o outro, que habitava o "novo mundo". Cristóvão Colombo, representante máximo da mentalidade "moderna" européia, deixou registrado em seu diário que o objetivo final de suas viagens era o enriquecimento e a expansão do cristianismo; porém, logo se percebeu de que o Deus dos espanhóis era o ouro: "Estava atento e tratava de saber se havia ouro... Não quero parar, para ir mais longe, visitar muitas ilhas e descobrir ouro". Colombo pedia, em suas orações, que Deus o ajudasse a encontrar o referido metal: "Que nosso Senhor nos ajude, em sua misericórdia, a descobrir este ouro..." . A segunda intenção de Colombo era a de expandir o cristianismo aos povos
  • 4. "bárbaros", com o apoio dos Bispos e do Papa, juntamente com toda a Igreja, com o objetivo final de obter maior financiamento para tal empreendimento: as viagens às Américas. A sua próxima viagem será "para a glória da Santíssima Trindade e da Santa religião cristã" e, para isso, Colombo "espera a vitória do eterno Deus, como ela sempre me foi dada no passado" e sintetiza: "Espero em Nosso Senhor poder propagar seu Santo nome e seu Evangelho no universo". Todos sabiam que Colombo era um fervoroso cristão, inclusive que não viajava aos domingos, respeitando, assim, os mandamentos de Deus, seguindo os ensinamentos da Igreja. O conquistador Gonzalo Fernandes Oviedo pregava, igualmente, aos nativos das "Índias", a existência de um Deus, de um Papa e de um Rei que deveriam ser adorados, caso contrário, sofreriam penas duríssimas: "Caciques e índios desta terra firme do lugar tal: Nós vos fazemos saber que existe um Deus, um Papa e um Rei de Castela que é o Senhor destas terras: vinde incontinenti render-lhe homenagens,... porque se não o fizerdes, sabei que nós vos faremos guerra e vos mataremos e vos escravizaremos". Bartolomeu de Las Casas, um dos poucos bispos europeus que defenderam a causa indígena, relata-nos que Colombo, quando era recepcionado com festas pelos americanos, recebendo presentes como ouro e objetos preciosos, logo acorria para seu oratório, seguindo os rituais da tradição cristã e dizia: "Agradecemos ao Nosso Senhor que nos tornou dignos de descobrir tantos bens". A primeira referência feita por Colombo, em relação à população que aqui vivia, não deixa de ser significante, especialmente se relacionada ao aspecto "natural" em que vivia, mas a análise foi feita apenas quanto ao aspecto físico: "então viram gentes nuas", logo relacionaram como sendo povos selvagens, sem moral: "Vão completamente nus, homens e mulheres, como suas mães os pariram" , até mesmo os reis, as mulheres e as crianças, tudo dentro da maior naturalidade. Colombo, ao descrever o aspecto físico dos habitantes americanos (estatura, cor da pele...), chega à conclusão de que são selvagens e que, pelo menos, tendem a parecer-se mais com os humanos do que com os animais. Os índios foram considerados, inicialmente, como seres dóceis, generosos, "gente boa"; mas, com o passar do tempo, o europeu passou a considerá-los como ladrões, aplicando-lhes castigos por seus atos.
  • 5. Bem antes de o homem branco europeu chegar por estas terras, o índio tinha suas normas morais e seus ritos religiosos. Ele respeitava a si próprio e aos demais, à mãe Terra, à água, à Lua, às estrelas, ao Sol. Os espanhóis chegaram e impuseram a sua religião: em uma das mãos, a cruz do Cristo europeu, simbolizando o poder da Igreja, na outra, a espada para a conquista. Colombo não descarta a possibilidade de os espanhóis serem considerados de "origem divina" pelos nativos, o que daria uma boa explicação para o medo inicial e seu desaparecimento diante do comportamento indubitavelmente humano dos conquistadores. Os espanhóis foram considerados deuses: os índios associaram-nos com a paruzia dos deuses (vinda dos deuses sobre a terra) e, por isso, aceitaram pacificamente a dominação dos espanhóis. Colombo assim se expressou ao se referir à religião do índio: "São crédulos, sabem que há um Deus no céu, e estão convencidos que viemos de lá....Um dos índios que vinham com o almirante falou com o Rei dizendo-lhe que os cristãos vinham do céu e andavam à procura de ouro". E foi assim, por essas e outras, que o grau de despudoramento do espírito do homem europeu não se furtou a lançar mão do álibi de Deus para sacramentar e justificar o início do massacre da cultura indígena nas Américas, cuja vileza dos atos só ironicamente pode receber o nome de "descobrimento". 1.3. O mito do "ego" moderno A modernidade emergiu sob o mito da criação da racionalidade, que levou o homem europeu, "civilizado", a confrontar-se com o outro, "desconhecido", "bárbaro", que devia ser "dominado", "evangelizado" e "humanizado". A partir da teorização do "penso, logo existo" de Descartes, da ciência de Newton e do idealismo hegeliano, cria-se a racionalidade moderna. Na Filosofia da História de Hegel, transparece a dominação ontológica da totalidade cultural e filosófica em que o europeu via-se em relação aos povos do "Novo Mundo" (as Américas): "Os americanos (índios) vivem como filhos, que se limitam a existir, longe de tudo o que signifique pensamentos e fins elevados". O mito da modernidade é uma gigantesca invenção: a vítima inocente é transformada em culpada, o vitimário culpado é considerado inocente.
  • 6. Diante desta situação de conquista violenta da alteridade americana, surgem vozes que se levantam na defesa dos povos nativos. É o caso de Bartolomeu de Las Casas, frei franciscano, que se colocou contra todo tipo de exploração e "evangelização" colocado em prática pelos europeus em nosso continente. Bartolomeu alcançou o "máximo da consciência crítica possível". Colocou-se do lado do Outro, dos oprimidos, e questionou as premissas da modernidade como violência civilizadora. Diz ele: "Se a Europa cristã é mais desenvolvida, deve mostrar pelo "modo" como desenvolve outros povos sua pretensa superioridade. Mas, deveria fazer isso levando em conta a cultura do Outro, respeitando sua alteridade, contando com sua livre colaboração criadora. Todas estas exigências não foram respeitadas". Os tempos passaram, novas situações surgiram. O processo de "colonização" que os povos americanos sofreram foi marcado pela exploração, por uma práxis guerreira e violenta. Nos dias atuais, a violência dar-se-á em outros níveis: através de uma práxis dominante da erótica, da pedagógica, da cultural, da política e da econômica, quer dizer: do domínio dos corpos pelo machismo sexual, da cultura de tipos de trabalho explorado ou pela falta de trabalho, por uma nova burocracia política submissa a instituições internacionais que se perpetuam até hoje. O "eu colonizado", o outro, a mulher, o homem vencido, numa erótica alienante, numa economia capitalista mercantil, continua a caminhada do "eu conquisto", para a edificação do "ego cogito" moderno. Como vimos, o encontro das duas culturas, a européia (civilizada) versus a americana, foi um encontro trágico onde uma pereceu necessariamente. Este "encontro" pouco amigável culminou no século XVI, usando as palavras de Todorov, como "o maior genocídio da história da humanidade". O objetivo final, ou a força motora que impeliu o homem europeu para a "descoberta" e a "conquista" de novas terras no Ocidente foi, única e exclusivamente, o enriquecimento, a busca do ouro. A razão instrumental renascentista justificou ideologicamente tal prática e a conseqüente efetivação do "ego" moderno às expensas do "outro incivil".
  • 7. 1.4. 500 anos de exploração Há 500 anos vivemos sob o domínio estrangeiro e hoje conseguimos achar motivos para comemorações? No dia 22 de abril de 1500, Pedro Álvares Cabral chegou a uma terra habitada por pessoas que viviam na tranqüilidade cultural de sua sociedade; estruturou um novo modo de vida à moda da fina flor européia por pura imposição, massacrando, desrespeitando, não aceitando e não entendendo uma cultura diferente da sua. Não podemos culpar somente Cabral, mas também toda a corte portuguesa, espanhola, inglesa, francesa..., que sempre viu no Brasil fonte de matéria-prima e mercado consumidor. Situação que nos parece não ter mudado ainda. A mentalidade opressiva que se consolidou e se cultivou até os dias atuais está impregnada na sociedade brasileira, não possibilitando uma visão crítica e suficiente a ponto de perceber que não temos muito a comemorar. Poderíamos mudar o estado das coisas, se mudássemos a estrutura econômico- social e política do país, e seria um bom começo não ficarmos de braços cruzados somente comentando, tendo idéias e não as colocando em prática. Vivemos uma guerra civil não declarada, lutando pela nossa sobrevivência. Talvez sejamos um pouco egoístas, mas queremos somente é um lugar para trabalhar por um salário justo, poder ser chamado de nação séria. Seriedade esta que não temos desde a chegada portuguesa, pois nos roubaram não só nossas riquezas, mas também nossa identidade. Seria fácil festejar, comemorar, como várias pessoas, os 500 anos do Brasil, se alegrar por um povo, dito pela elite "mais desenvolvido", ter aportado por aqui e nos dominar, explorar e nos mostrar quão maravilhoso é conhecer e saber das tecnologias existentes no mundo lá fora, uma cultura diferente, rica. Porém, não nos disseram o preço desse maravilhoso "mundo da fantasia" o qual pagamos caro por conhecer. Nossas reservas naturais quase se exterminaram por completo, nosso povo morre aos poucos vitimado pelas doenças trazidas pelos europeus e, pior, também aqui se morre de fome. Os índios foram exterminados aos milhões em sua própria terra. O que temos e
  • 8. adquirimos de tecnologia são produtos de outras nações, para as quais trabalhamos, exportamos as nossas matérias- primas e, ainda, servimos de mão-de-obra. Essas questões talvez justifiquem a impressão de sermos vistos como povo pacífico, quieto, mas já está na hora de escrevermos a história dos outros 500, estes que ainda ousaremos construir. Numa visão histórica sobre o suposto "descobrimento do Brasil", desde o período entendido como Colonial, vimos nossas riquezas "irem embora", desde as propiciadas por nossa natureza até o genocídio indígena, tudo em benefício de uma metrópole interessada apenas em extrair daqui tudo o que pudesse ser fonte de lucro para manter o nível de vida de sua nobreza, esquecendo de investir no seu próprio setor produtivo, o que seria, mais tarde, a principal causa de sua decadência econômica. A distribuição territorial foi, igualmente, equivocada, colocou nas mãos de poucos uma grande quantidade de terras, ocasionando, assim, o surgimento de uma classe elitizada que detinha todo o poder e prestígio decorrentes da monopolização do solo. Mais tarde, essa mesma classe apoderou-se das indústrias e, conseqüentemente, colocou o Estado a serviço de seus interesses. Portanto, são quinhentos anos de espoliação social, em que o povo nunca teve vez e viu esmagada qualquer forma de resistência diante de manobras de um Estado burocrático e elitista, para o qual o mais importante sempre foi a manutenção de um sistema desigual: com uma pequena parcela da população detendo grande porcentagem do capital, enquanto a massa sofre necessidades primárias e seus conseqüentes males. A grande mídia, formadora de opiniões, anunciou com fervor a necessidade de se comemorar os quinhentos anos da chegada dos portugueses ao Brasil, chegando a construir relógios para que contássemos os dias do grande feito lusitano. A destruição de um desses relógios ocasionou, para nós gaúchos, uma série de debates sob enfoques diferenciados e ideologias antagônicas. A mídia aponta esse ato como obra de vândalos violentos que só querem chamar a atenção, deixando óbvia a sua posição a favor das comemorações, legitimando os interesses burgueses. Mas será que a pior violência não é aquela que vemos e sentimos em nosso cotidiano? A fome, a miséria, a subnutrição de nossas crianças, as chacinas..., tudo isso
  • 9. proporcionado por uma política econômica voltada mais para interesses internacionais do que para o próprio povo brasileiro, que ainda anseia por mudanças substanciais nessa conjuntura, para que possamos construir nossa dignidade e fazer valer a nossa cidadania? A destruição desse símbolo (o relógio dos 500 anos) representou uma afronta à classe burguesa, por isso a taxação de movimento violento. Tal ato mostrou o descontentamento popular em relação às comemorações, que, desde o início, foram planejadas para a elite. Nelas o povo, mais uma vez, ficou de fora, passivo em sua grande maioria. Os que tomaram a iniciativa de se manifestar acabaram sendo relegados à condição de marginais, vândalos ou algum outro adjetivo do gênero. Diante desse contexto, seria desapropriado comemorarmos quinhentos anos e, sim, refletirmos sobre todo um passado de exploração, de massacre dos povos indígenas, o qual os portugueses nos legaram, e do qual sentimos, até hoje, seus efeitos tanto no plano social como no político-econômico da nacional. Caberia então a pergunta: Quinhentos anos de quê? 1.5. A continuidade do colonialismo Tem-se assistido nas últimas décadas as transformações pelas quais o Estado ocidental tem passado e, conseqüentemente, o sistema democrático dos mesmos. O que vem imperando é o poder das instituições internacionais, Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial, que atuam "discretamente" nos bastidores dos governos locais, impondo as chamadas "reformas econômicas" com o objetivo de "reduzir os déficits públicos", "combater a inflação" e "deter a economia que está superaquecida". Em nome de tais "programas", fenecem as políticas públicas do Estado, que tem seu poder diminuído. Em suma, tem-se o Estado máximo para servir aos interesses de grandes grupos econômicos e o Estado mínimo para as questões sociais. Os mais altos cargos desses governos na área econômica, como presidente de Bancos Centrais, ministros da Fazenda e secretários de tesouros, são, comumente, executivos de grandes empresas privadas. Por exemplo: o secretário do Tesouro norte- americano no governo Clinton, Robert Rubin, foi um alto executivo banqueiro da Goldam Saches, da mesma forma que o antigo presidente do Banco Mundial, Lewis Preston, foi
  • 10. diretor presidente da J. P. Morgan. No Brasil não é diferente, basta analisar a procedência do presidente do Banco Central para evidenciar tal afirmação. Tem-se um Estado monopartidário onde o que é determinante são as preocupações econômicas e financeiras privadas, um Estado distante dos interesses do povo, sem falar da negação e controle dos direitos democráticos de seus cidadãos. A economia mundial passa hoje por uma crise globalizada. O que fazem então os países desenvolvidos? Qual é a saída mais eficaz? Não fazem nada mais do que apertarem o cerco em torno de suas antigas colônias, o que traz como conseqüência imediata a falência das instituições e a diminuição do padrão de vida. Sob o slogam "privatização dos lucros e socialização das despesas", a globalização econômica ou a economia de mercado tem favorecido para a concentração da riqueza nas mãos de poucos, enquanto que a maioria tem apenas a globalização da pobreza. Acusar os governos locais e as instituições internacionais não é suficiente, pois administradores burocratas e credores estão unidos. É preciso avançar mais e perceber que os agentes financeiros, bancos e corporações transnacionais são inimigos do povo e por isso devem ser atacados. É preciso reconhecer o fracasso do modelo econômico neoliberal em âmbito global, assim como cancelar imediatamente a dívida externa dos países em desenvolvimento, e, para isso, é preciso estruturar mecanismos financeiros alternativos e concretos. Se existe uma globalização do mercado que gera fome, exclusão e desemprego, é urgente que se organize uma globalização solidária que una toda a sociedade do mundo. Nada vai mudar sem uma persistente luta social, ampla e democrática. Todos que estão sofrendo na carne deverão se mobilizar para tal emprendimento: trabalhadores, agricultores, produtores independentes, profissionais liberais, artistas, funcionários públicos, membros do clero, estudantes e intelectuais. Tais movimentos de pressão contra as políticas econômicas do FMI e Banco Mundial já estão acontecendo nos EUA. Não seria o momento de começarmos tais mobilizações por aqui?
  • 11. BIBLIOGRAFIA CHOMSKY, N. & HERMAN,. A trilateral. Petrópolis: Vozes, 1978. ______. O que o Tio Sam realmente quer. Brasília: Edunb, 1999. DUSSEL, E. O Encobrimento do Outro: A origem do mito da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1993. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Lecciones sobre la Filosofia de la Historia Universal. (Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte). Trad. José Gaos. Madrid: Alianza Editorial, 1975. HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 1986. LAS CASAS, Bartolomeu. O paraíso destruído: brevíssima relação da destruição das Índias. Porto Alegre: L&PM, 1984, p. 32. LEÓN-PORTILLA, Miguel. A conquista da América vista pelos índios. Petrópolis: Vozes, 1984. OLIVEIRA, Adélia Engracia de. Esta terra tem dono. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, SBPC, v. 2, n.º 10, jan./ fev., 1984). TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América: a questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 9.