Uma parte da história das corporações de ofício e as comparações que Jean-Claude Flornoy fez com estas e o Tarô. este texto trata da questão das corporações de ofício, como elas funcionavam, seus objetivos e a possível relação delas com o Tarô.
O Tarô e as Guildas Medievais das Corporações de Ofício
1. A motivação principal para a criação deste ensaio deveu-se à tradução que realizei dos
folhetos que acompanham os baralhos de Jean Noblet e de Jean Dodal restaurados por
Jean-Claude Flornoy. Em ambos os textos, me deparava com a história das corporações de
ofício e as comparações que Jean-Claude fazia com estas e o Tarô e fui percebendo que
meu entendimento era praticamente nulo... Aos poucos com a ajuda de Roxanne Flornoy, a
tradução de outros textos e as leituras de diferentes fontes, a questão das corporações de
ofício, como elas funcionavam, seus objetivos e a possível relação delas com o Tarô tornou-
se mais clara. Talvez as mesmas dificuldades que enfrentei outros leitores brasileiros
também tenham. Desta forma, divido os passos que trilhei com a esperança que este
ensaio ajude na compreensão daqueles que se interessam pelo Tarô, seus símbolos e sua
história.
O Tarô e as Guildas Medievais das Corporações de Ofício
Daison da Paz
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Para desenvolver sua abordagem sobre o Tarô Jean-Claude Flornoy centrou-se sobre a
estrutura dos Companheiros do Dever (Compagnons du Devoir) e a espiritualidade medieval
intrínseca neles.
Os Compagnons eram pessoas que passavam por um rigoroso treinamento na estrutura da
Compagnonnage, com o intuito de serem reconhecidos como especialistas na sua área de
atuação. Na França, a organização dos ofícios sob o Antigo Regime estava construída em
torno de corporações com três estágios: aprendiz, companheiro e mestre. Estas
organizações darão origem mais tarde às agremiações maçônicas (DOUCET, 2001).
Esses graus de ascenção que um Companheiro/Compagnon passa durante seu período de
aprendizado e aperfeiçoamento, J-C Flornoy utiliza-os na sua proposta de estrutura dos
trunfos do Tarô, por ele chamado de Caminho de Vida. Ou seja, são parte das cinco fases da
peregrinação da alma: infância, aprendizagem, companheirismo, mestria e sabedoria.
2. Parte da espiritualidade dos Compagnons que chegou até nós refere-se ao trabalho dos
entalhadores de pedra, que estavam envolvidos nas construções das catedrais. Suas
construções tinham a função de sintonizar as energias telúricas da Terra e beneficiar as
pessoas que frequentassem estes lugares.
“O conhecimento oculto está, por assim dizer, imbuído arquitetonicamente na
pedra, [...] nas esculturas, na estrutura geral e na magia dos vitrais. Toda
catedral transpira mensagens sagradas e ocultas em pedra e vidro. O
conhecimento está sempre presente, visível e ao mesmo tempo oculto.” Sonja
Klug in Catedral de Chartres, Ed. Madras, 2002.
Além deste aspecto, em termos de religiosidade, havia também a criação de imagens, que
não só os entalhadores de pedras nos deixaram suas obras, mas os xilogravuristas
(entalhadores da madeira) e os ilustradores em papel. As formas de encarar o divino e os
ensinamentos morais e/ou teológicos eram transmitidos através da sucessão de imagens.
Fulcanelli em As Moradas dos Filósofos também desenvolve essa ideia.
Flornoy constrói sua hipótese para a
origem do tarô através da relação entre
as imagens dos 22 trunfos do Tarô, com
as imagens criadas para as catedrais e
com a cultura trovadoresca da Idade
Média.
Os Companheiros de Ofício eram
divididos através da atividade que cada
segmento realizava. Primeiramente, os
entalhadores de madeira faziam parte
da corporação dos carpinteiros; os escultores (joias, armaduras e metais) – considerados de
classe mais elevada – pertenciam à associação dos ourives ou prateiros. Já os ilustradores
não podiam participar da associação dos ourives e também estavam em uma posição mais
elevada que os entalhadores. Com a ascenção do papel, através dos árabes, há a união das
habilidades do ilustrador com a do gravador/entalhador. A partir de 1400, novas
corporações de impressores são criadas. O ilustrador, no topo, dirigia a corporação e fazia
3. os desenhos. O entalhador/gravador que cortava moldava os blocos e os trabalhadores que
imprimiam e coloriam as gravuras por último (HIND, Arthur. An introduction to a History of
Woodcut. Vol. 1, 1963 (pg. 79-89). Como visto em: Tarô dos Santos de Robert Place, 2003
(pg. 32 e 33)).
Considerando-se os fatos acima, pode-se afirmar que, possivelmente, o conhecimento mais
profundo e tradicional (se ele existiu realmente) fosse gestado e transmitido no seio destes
profissionais, também conhecidos como imagineiros ou santeiros medievais.
Dependiam de associar-se com um mestre cartier (feitor de cartas) – um editor responsável
pela produção e distribuição das cartas. O primeiro passo para se ter um conjunto de cartas
que transmitisse uma mensagem mais sutil (ou oculta) dependia da sensibilidade deste
cartier.
Conclusão
A proposta de organização dos trunfos baseada na evolução de um compagnon, apesar de
seus méritos, não é tão importante, pois é mais uma forma de organização lógica dos
trunfos. Existem tantas dessas organizações quanto existem comentaristas do Tarô. Aqui
não há erros, nem exageros, só interpretações.
Porém, o mais importante reside na hipótese da origem ou da evolução do Tarô. Mesmo
que as imagens do Tarô não tenham surgido através das guildas de companheiros, talvez
tenha sido no seio destas corporações que a simbologia e a ordem do Tarô tenha se
solidificado, ganhando a forma dos Tarôs clássicos que chegaram até nós, onde o Tarô de
Marselha se destaca. Lembrando que entre os baralhos mais antigos que conhecemos
(pintados à mão) e a tradicional iconicidade dos Tarôs ditos de Marselha há uma diferença
de mais ou menos 200 anos. Neste período, o número de cartas, a ordem das mesmas e os
seus símbolos mudaram diversas vezes.
É uma hipótese honesta, pois trabalha com evidências históricas documentadas e mais
próximas da nossa cultura e do nosso modo de encarar o mundo. As teorias que empurram
o surgimento do Tarô para tempos e culturas mais distantes que a Europa cristã e medieval
(apesar de não serem possibilidades totalmente descartáveis) estão, como diz Friedrich
Doucet, transferindo um problema.
A peculiar espiritualidade destas corporações provavelmente foi desenvolvida em conjunto
com sua prática profissional. A busca pela excelência e pelo reconhecimento do bom
trabalho era, provavelmente, acompanhada pelo direcionamento espiritual do trabalhador.
4. Bibliografia
David, JM. Reading the Marseille Tarot. Ed. ATS, 2009.
Doucet, Friedrich W. O Livro de Ouro das Ciências Ocultas – Magia, Alquimia e Ocultismo.
Ediouro, 2001.
Flornoy, JC. Le Pélegrinage de l’Âme. Ed. Atelier Press, 1999.
Fulcanelli. As Moradas dos Filósofos. Ed. Madras, 2006.
Klug, Sonja. Catedral de Chartres – A Geometria Sagrada do Cosmos. Ed. Madras, 2002.
Place, Robert. Tarô dos Santos. Agir, 2003.
Sugestões de leitura
A simbólica dos arcanos - http://www.clubedotaro.com.br/site/m33_flornoy_quadri.asp
O que foi a compagnonage - http://tarot-historico.com.br/?p=562
A greve das catedrais - http://tarot-historico.com.br/?p=580
Folhetos de Jean Dodal e Jean Noblet - http://tarot-historico.com.br/?wpsc-product=tarot-
de-marseille-jean-noblet
http://tarot-historico.com.br/?wpsc-product=tarot-de-marseille-jean-dodal