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DIAS, Marcia Tosta. A grande indústria fonográfica em xeque. Margem Esquerda, n. 8,
novembro de 2006. SP: Boitempo Editorial, p.177-191). Publicado também como Anexo na segunda
edição de DIAS, Marcia Tosta. Os donos da voz. Indústria fonográfica Brasileira e mundialização da
cultura. SP: Boitempo Editorial, 2008.

         Constituído como um dos setores mais lucrativos e de maior alcance da indústria cultural,
a grande indústria fonográfica passa por uma crise sem precedentes em sua história. O que
parecia ser apenas mais uma sofisticação técnica dos produtos, o emprego da tecnologia
digital na área de gravação e reprodução de discos promoveu grande turbulência no cenário da
difusão musical, extremamente concentrado em torno de quatro empresas transnacionais
responsáveis por 80% da produção mundial de música gravada. Depois de usufruir, nos anos
1990, das benesses trazidas pelo novo suporte, o Compact Disc (CD), a indústria fonográfica
foi vendo diminuir seus patamares de lucratividade. A tecnologia digital interferiu no núcleo
da manutenção do seu poder: o desenvolvimento e a produção do hardware, ou seja, dos
equipamentos tocadores de música, bem como os do software, os programas que contém a
informação musical a ser reproduzida, os discos ou similares. Até então, todas as iniciativas
de gravação musical tinham de se submeter, de alguma forma, ao oligopólio das
transnacionais, pagando-lhes direitos e usando suas formas estéticas como modelo.
         Com o desenvolvimento da rede mundial de computadores, as gravações musicais
digitais se transformaram em dados e arquivos e, com formatos adequadamente
desenvolvidos, passaram a circular amplamente na internet, espaço em que a informação é de
todo mundo e, ao mesmo tempo, não é de ninguém. A expansão desse processo coincide com
a queda das vendas e do faturamento da indústria fonográfica de maneira nunca antes vista.
         Este artigo tem o objetivo de apresentar alguns aspectos dessa crise, das mudanças que
dela decorrem e suas implicações para os rumos da produção fonográfica. Pretende discutir a
situação atual das empresas que produzem música gravada, suas formas e estratégias de
produção e difusão, além da participação de outros agentes no cenário, como a chamada
pirataria. Nesse sentido, retoma algumas questões anteriormente levantadas1, procurando
atualizá-las.
         Em Os donos da voz: indústria fonográfica brasileira e mundialização da cultura,
analisei a reestruturação da produção na grande indústria fonográfica, tomando o caso
brasileiro como exemplo. O processo se assemelha às mudanças observadas em toda a

1
    DIAS, M. T. Os donos da voz. Indústria fonográfica brasileira e mundialização da cultura. SP: Boitempo Editorial, 2000, 183p.



                                                                                                                                    1
produção capitalista nos últimos quinze anos. O advento das tecnologias digitais e a
sofisticação trazida ao aparato técnico impulsionaram a fragmentação da “linha de produção”,
levando as empresas a autonomizar as áreas de gravação (estúdio e fábrica) e distribuição
física, transformando-se em escritórios de gerenciamento e marketing de produtos
fonográficos. Em alguns casos, a terceirização atinge a área de Artistas & Repertório (A&R),
o coração das companhias fonográficas, que buscam em gravadoras independentes, discos
prontos para serem lançados ou artistas com repertório à espera da gravação. Há, portanto,
fragmentação da produção, terceirização de serviços, segmentação do mercado2.
      O quadro de empresas que dominam a produção mundial de música gravada assimilou as
mudanças trazidas pela tecnologia digital3. Mesmo que sua composição interna varie, pode-se
afirmar que um grupo de cinco empresas tem tido presença hegemônica nos negócios da
música, desde as suas origens. As fusões são sua marca constitutiva e se processam entre
companhias fonográficas, entre estas e indústrias de produtos eletro-eletrônicos e mais
recentemente, empresas de tecnologias da informação. O chamado Big-Five, grupo formado
pelas companhias EMI, PolyGram, BMG-Ariola, Sony Music e Warner Music hegemônico
desde o início da década de 1990, passou por mudança significativa em 1998 quando a Philips
vendeu a PolyGram para o Grupo Seagram-Universal, fazendo surgir a Universal Music. O
movimento revelou a opção da Philips pela produção de hardware, por considerar que ao
produzir gravadores de CDs estaria trabalhando contra o seu próprio negócio fonográfico.
Essa quebra na interação entre hardware e software expressa a profundidade das mudanças,
pois altera de maneira radical o núcleo que historicamente sustentou o poder das empresas.
      A mesma lógica parece ter animado a fusão, em novembro de 2003, da BMG com a Sony
Music4, originando a Sony & BMG Music Entertainment. Somente a Sony ainda aliava a
produção de hardware e software fonográficos. As empresas justificaram a operação como
união de esforços contra a crise. Pouco tempo atrás, a fusão foi questionada judicialmente por
autoridade anti-truste da União Européia, a partir de processo impetrado por associação de
gravadoras independentes, mas sua anulação é improvável5. A ação judicial desestimulou as

2
  HESMONDHALGH. D. Flexibility, post-Fordism and the music industries. Media, Culture & Society, 1996. Londres: SAGE Publications,
Vol. 18: 469-488.
3
  Cf. GUEIROS JR., N. “Retrospectiva 2004 – Indústria fonográfica recorre a fusões e aquisições”. Revista Consultor Jurídico, 16 de
dezembro de 2004. Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/31892,1. Acesso em 30/07/06.
4
  A BMG era o braço fonográfico do grupo alemão Bertelsmann (área editorial e televisiva). Sua entrada no ramo fonográfico se deu em
1987 pela aquisição da RCA, que incluiu o acervo da RCA-Victor. A Sony Music trouxe a atividade fonográfica para o conglomerado
japonês Sony (produtos eletro-eletrônicos) por meio da compra da CBS, também em 1987.
5
  “Tribunal europeu rejeita fusão da Sony com a Bertelsmann”. SP: A Gazeta Mercantil, Caderno A, 14/07/2006, p. 8.



                                                                                                                                  2
negociações entre a EMI e a Warner, que trocavam desde 2000 propostas mútuas de
aquisição; em julho último desistiram da fusão. Portanto, integram o ora Big Four: EMI,
Universal/Vivendi, Sony/BMG e AOL-Time Warner.
      Além desses rearranjos, as majors têm realizado algumas mudanças nos tipos de
conteúdo musical e segmentos trabalhados. A expansão dessas transnacionais pelo mundo,
realizada em todo o século XX, tomou como base uma dupla estratégia: difusão de artistas e
discos ligados a estilos e repertório internacionais6 e a prospecção de artistas e estilos locais.
O trabalho se organizava também em duas frentes: artistas/discos que demandavam produção
cuidadosa (artistas de “qualidade”, segundo os executivos) cujos resultados comporiam o
catálogo das gravadoras com discos de vendagem regular ao longo do tempo (os artistas de
catálogo). A outra frente alimentava área de grande rotatividade composta de discos/artistas
de produção pouco dispendiosa, gerando produtos de fácil assimilação e vendagens
explosivas (artista de sucesso).
      As transformações nas condições técnicas da produção têm favorecido a participação de
pequenas gravadoras e selos independentes (indies), a ponto de atraírem atualmente – como se
verifica no caso brasileiro – artistas que preferem trocar o conforto contratual das majors, pela
possibilidade de realizar trabalhos menos comprometidos com questões de mercado. O
movimento, que tem desfalcado o segmento de artistas de catálogo das grandes empresas,
parece tender à construção de um catálogo de sucessos, uma síntese dos anteriores. Além de
as majors não demonstrarem interesse na manutenção ativa de seu acervo de gravações (das
quais detém os direitos de reprodução) a migração de tais artistas, deixa as majors livres de
seu “compromisso” mais propriamente cultural. Das estratégias em uso destaca-se o exaustivo
de lançamento de coletâneas - produtos lucrativos de custos praticamente amortizados. As
coletâneas são organizadas com base na seleção de sucessos realizada no conjunto da obra de
determinados artistas (O Melhor de ...), por temas, ou por cruzamentos curiosos como a série
Novelas, que traz as opções Novelas – Temas Italianos; Novelas - Sambas; Novelas – Gal
Costa; Novelas – Caetano Veloso e assim sucessivamente7. Outras séries como Sem Limites
(Universal Music) e Mais do Mesmo (EMI) tem títulos sugestivos, se não auto-irônicos. Em


6
  Música erudita, “romântica”, “jovem”, etc. O impacto da mundialização dessa produção é imensurável, considerando a expansão do acesso
a um catálogo de produções substanciosas ligadas ao segmentos “jovem” e “erudito” produzidos nos anos 60 e 70.
7
  A série Novelas é da gravadora Som Livre, que não integra o Big Four. No entanto, além de ter atuação bastante próxima das majors, o
exemplo é muito representativo do formato.



                                                                                                                                     3
seu conjunto, o catálogo de sucessos envolve estilos musicais dirigidos a diferentes
segmentos de mercado.
      Além do trabalho com Artistas & Repertório, distingue a atividade das grandes
companhias a maneira especial como realizam o marketing e a distribuição dos produtos. Em
geral, as operações envolvem uma rede de parceiros e interesses que garantem exposição em
espaços privilegiados da grande mídia (programas de rádio, televisão, novelas, publicidade,
etc). O pagamento desse tipo de divulgação dos produtos é tema controverso, considerando
sobretudo os problemas que traz à diversificação da oferta. Conhecido desde os primórdios do
rádio como jabá (jabaculê, sinônimo de propina; payolla, nos EUA), a prática tem adquirido
ares de venda legal de serviços de divulgação de produtos musicais. Os altos valores
envolvidos elevam significativamente o preço final dos produtos e alimentam o circuito
endógeno, auto-referente da indústria cultural.
      De acordo com as companhias fonográficas, a causa principal da crise que enfrentam é a
pirataria, entendida como a venda ilegal de CDs e DVDs no mercado informal (pirataria
física) e na troca par-a-par (peer-to-peer/P2P, realizada entre computadores pessoais) operada
via internet (pirataria on line). Só recentemente passaram a considerar elemento da crise, além
dos períodos de recessão econômica, a crescente competição de outras mídias e formas de
entretenimento (jogos eletrônicos, celulares e outros tocadores de música móveis como os
ipods, bem como as atividades oferecidas pela internet), como elementos da crise. O estímulo
que os altos preços praticados oferecem à pirataria, não é computado.
      As inovações tecnológicas sempre trouxeram ritmo diferente ao mercado. Das mais
recentes, vale lembrar que a fita cassete só se popularizou no início dos anos 70
diversificando vendas antes concentradas em LPs e compactos. Somente no final dos anos 80
o CD impulsiona as vendas, mas o crescimento foi vertiginoso: o mercado passou de 11
bilhões de dólares e faturamento, em 1986, para 41 bilhões de dólares, em 1996. Grande parte
do salto foi garantida pela reedição de discos já gravados em CD. Em 1999, começa o
declínio8.




8
 LEYSHON, A . et alli. On the reproduction of the musical economy after the Internet. Media, Culture & Society, 2005. Londres: SAGE
Publications, Vol. 27 (2): 177-209.



                                                                                                                                 4
I - Crescimento do mercado de discos no mundo
                                               ANO        Em unidades      Em valores
                                               2000         - 1.2%           -1.3%
                                               2001         - 6.5%           -5.0%
                                               2002         - 8.4%           -7.2%
                                               2003         - 6.5%           -7.6%
                                               2004*        - 0,4%           -1.3%
                                   Fonte: International Federation of Phonographic Industries.- IFPI9
                                           *compreende vendas de música em suporte digital

      O mercado brasileiro acompanhou com regularidade o movimento do mercado mundial:

                              II - Venda de produtos da indústria fonográfica – Brasil
                                        (em milhões de reais e de unidades)
                                                 ANO       Vendas (R$)      Unidades*
                                                 2000         891               94
                                                 2001         677               72
                                                 2002         726               75
                                                 2003         601               56
                                                 2004         706               66
                                                 2005        615,2             52,5
                                    Fonte: Associação Brasileira de Produtores de Discos - ABPD10
                                                       *CDs, DVDs e VHSs.


      O ano de 2003 concentrou os índices mais baixos já alcançados. No Brasil, a recuperação
verificada em 2004, contou com um aumento de 100% nas vendas de DVDs, além de pequena
elevação 2,9% nas vendas de CDs. Houve uma tentativa de repetir com esse novo
suporte/formato o mesmo feito alcançado pelo CD nos anos 90; apesar do interesse
despertado pela junção da imagem ao som, o hardware ainda não estava economicamente
acessível a ponto de permitir a popularização do DVD.11 No mercado brasileiro ainda é forte a
presença do repertório nacional (76% dos produtos comercializados); a queda de 12,9% nas
vendas, aferida em 2005 tem suas razões nos motivos já apontados. O país figura no quadro
dos dez maiores mercados mundiais (10º colocado) o que, segundo a ABPD, responde mais a
questões de ordem cambial do que à elevação real da participação do mercado local nas
vendas globais.
      Com relação à pirataria, dados relativos a 2004 apontam que 34% do mercado mundial de
CDs eram de cópias piratas, cerca de 1,2 bilhões de unidades. Os maiores mercados ilegais

9
   Disposível em http:// www.ifpi.org. Music market statistics- word sales. Acesso em 05/07/06, quadro montado a partir dos Relatórios
específicos de cada ano citado.
10
   Disponível http://www.abpd.org.br/estatisticas_mercado_brasil.asp. Acesso em 04/07/06.



                                                                                                                                    5
são a China (85%), a Rússia (66%), o México (60%), a Índia (56%) e o Brasil (52%), segundo
a IFPI. A pirataria física começou atuando no mercado de discos de sucesso, mas se
especializou e segmentou; a pirataria digital contempla originalmente a mais variada gama de
interesses e seu impacto na história da indústria fonográfica é de fato muito grande, um
verdadeiro divisor de águas.
      O controle da pirataria digital é difícil, diferentemente da física cujas mercadorias e
fábricas podem ser rastreadas e destruídas. A atividade de sites, provedores e programas
especializados na oferta gratuita de canções dos mais variados tipos surgiu como prática
inédita, que questiona frontalmente o monopólio exercido pelas majors, muitas vezes com o
propósito explícito de abalar as estruturas de um confortável exercício do poder. A fluidez do
espaço digital dificulta a localização das ações e, em questão de minutos chega-se à produção
de uma cópia material via informação “baixada” do arquivo digital (download) e gravada em
CD.
      A questão é explorada por Cooper & Harrison, segundo quem as facilidades tecnológicas
e seu rápido avanço, permitiram a formação de uma subcultura ligada à pesquisa e ao
desenvolvimento das potencialidades oferecidas pela internet e pelo conjunto vasto e
complexo de atividades nela envolvidas. O MP3, o nome curto da sigla MPEG-1, um dos
formatos de arquivos mais eficazes no registro, armazenamento e transmissão de dados
musicais, foi desenvolvido por um consórcio de profissionais reunidos sob o nome de Motion
Picture Experts Group. Suas qualidades técnicas aliadas à facilidade de obtenção do software
na rede, potencializaram enormemente a troca de arquivos musicais nas relações P2P12.

      Em 2003 foram realizadas 449 milhões de downloads dos provedores Kazaa, Morpheus,
iMesh, Grokster, eDonkey e BitTorrent, de acordo com dados de Leyshon at alli13. Estima-se
que, só no Brasil, em 2005, tenham sido realizados um bilhão de downloads. Os provedores
são, em geral, mantidos pela venda de espaço para publicidade em seus sites, e três dos
citados estavam àquela altura sendo processados pela associação das gravadoras e dos
produtores cinematográficos dos EUA (RIAA e MPAA). Como a perseguição e as tentativas
de punição e bloqueio da atividade têm se aperfeiçoado a cada dia, as empresas/provedores
bem aproveitam a sua localização no espaço virtual – em que é possível estar em muitos

 FLICHY, P. L‟historien et le sociologue face à la technique. Le cas des machines sonores. Reseaux, n. 46-47. Paris: CNET, 1991, p. 47-58.
11
12
  COOPER, J. & HARRISON, D. M. The social organization of audio piracy on the Internet. Media, Culture & Society, 2001. Londres:
SAGE Publications, Vol. 23: 71-89.



                                                                                                                                        6
lugares e também em lugar nenhum - para dificultar as ações repressoras; é a
desterritorialização levada às últimas conseqüências. Os mesmos autores citam o exemplo do
provedor Kazaa cujos servidores estão localizados na Dinamarca, o software é programado na
Estônia, a marca é registrada na Austrália e o nome fantasia da empresa proprietária da rede, a
Sharman Networks, estava registrada em Vanuatu, um paraíso fiscal do Pacífico.
      Para lidar com a situação, áreas profissionais e científicas têm operado uma revisão em
seus cânones, como acontece, por exemplo, com o direito. Mas de maneira geral, uma nova
agenda de pesquisa está em formação sobretudo no âmbito das ciências sociais. Se, por um
lado, os esforços inter-disciplinares se mostraram necessários nos últimos tempos, por outro, a
recuperação de alguns enfoques específicos talvez possa produzir importantes resultados14.
      Num amplo debate sobre as formas de trabalho das grandes empresas, músicos e
pequenos produtores expõem outra dimensão da crise da indústria fonográfica. Em 2000,
como conseqüência das denúncias de pirataria, artistas brasileiros da área musical trouxeram à
tona a questão da necessidade de numeração dos discos como forma de controle da produção
e do pagamento dos direitos autorais. O procedimento também identificaria cópias não
certificadas. Apesar da resistência das gravadoras em acatar a demanda a discussão chegou
surpreendentemente até o Congresso Nacional e a lei que obriga a numeração das cópias de
discos está em vigor desde abril de 200315.
      A conquista animou os músicos a proporem outra polêmica discussão: a criminalização
do jabá, que também foi proposta como projeto de Lei em 2003, e passou recentemente por
várias comissões assessoras do Congresso, com chances de aprovação. A proposta prevê a
detenção dos responsáveis por emissoras de rádio e TV que aceitarem dinheiro ou outras
vantagens em troca de veiculação de música. Para além dos benefícios trazidos pelo debate,
resta a expectativa de que a criminalização possa coibir uma prática que constitui um dos
centros vitais da indústria cultural16.



13
   Leyshon at alli, op. cit., p. 189.
14
   GUEIROS Jr., N. Questão jurídica na Internet precisa de uma abordagem nova. Revista Consultor Jurídico, 05/01/04. Disponível em
http://conjur.estadao.com.br/static/text/1571,1- Acesso em 16/05/06. SARTI, O. M. Internet, MP3 e os direitos autorais. FAPESP/ SP:
Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 10/2002. Uma proposta de nova agenda de pesquisa encontramos em JONES, S. Music
and the Internet. Popular Music (2000) Volume 19/2. Londres: Cambridge University Press, p.217-230, bem como se pode depreender outra
a partir de ORTIZ, R. “O senso comum planetário”. Mundialização: saberes e crenças. SP: Brasiliense, 2006, p. 49-83.
15
   Rebeldia, Militância e Pirataria. Entrevista com Lobão concedida a Á. Comin/ D. Fernandes. Novos Estudos. SP: CEBRAP, nº 71, março
de 2005, p. 183-195.
16
   “Jabá deixa de ser tabu e projeto criminaliza prática em rádio e TV”. Agência Carta Maior, 14/06/06. Disponível em
http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materia_id=11425. Acesso em 20/06/06.



                                                                                                                                   7
De qualquer modo, a mobilização no meio musical continua crescendo. Em abril de 2005,
músicos brasileiros reunidos a partir de iniciativa do Ministério da Cultura, criaram o Fórum
Nacional de Música, que tem como base os Fóruns Permanentes existentes em todos os
Estados, com o objetivo propor mudanças na situação da categoria. Um dos primeiros
questionamentos diz respeito à Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), órgão responsável pela
regulamentação da atividade profissional dos músicos. Vários outros temas estão em debate,
como a proposta de inclusão de aulas de música no ensino básico e a tentativa de estipular
legalmente cotas para difusão de músicas nacionais/ regionais nos meios de comunicação,
sobretudo no rádio.17
      O crescimento da atividade dos selos e gravadoras independentes, constitui um outro
elemento desse panorama. A relação entre majors e indies constitui um tema clássico dos
estudos sobre a produção de música gravada. Por mais que as primeiras tenham estado na
linha de frente, as segundas exerceram sempre o trabalho de prospectar possibilidades de
ampliação do panorama musical. Alguns autores vêem nas indies agentes da diversidade e
inovação dado o seu descompromisso original com grandes esquemas econômicos. Parte
dessa produção tem sido absorvida de modo variável e irregular pelas grandes companhias,
dependendo de seus interesses e necessidades. Sobretudo até o final dos anos 80, as
independentes de vários cantos do mundo foram responsáveis por uma produção musical
histórica que muito provavelmente não conseguiria registro longe de seus auspícios,
considerando inclusive as limitações técnicas vigentes 18.
      Foram exatamente as transformações técnicas e estruturais apontadas que têm permitido
às pequenas companhias incrementar sua atividade com autonomia e melhores condições de
produção. Dados de 2003 apontam que as indies respondiam a 25% do movimento do
mercado fonográfico mundial. No Brasil, o incremento da atividade de tais empresas permitiu
que em 2002 fosse criada a ABMI – Associação Brasileira de Música Independente. Os
objetivos principais são os de buscar melhores condições de produção e distribuição de
“música independente brasileira”, valorizar a diversidade cultural e artística, garantir o “seu
devido patamar de importância econômica” e capacitar profissionais para o mercado


17
   “Músicos estão próximos de conseguir mudanças na OMB.” Agência Carta Maior, 05/05/06. Disponível em
http://cartamaior.uol.com.br/templates/materia_id=10791. Acesso em 18/05/06.
18
   CHRISTIANEN, M. Cycles in simbol production? A new model to explain concentration, diversity and innovation in the music industry.
Popular Music, volume 14/1, 1995, Londres: Cambridge University Press, apresenta uma proposta de análise a partir de revisão bibliográfica
sobre o tema.



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fonográfico. Em 2003, contava com 120 associados. Mas a própria entidade estimava que,
naquele ano, 400 gravadoras independentes estivessem em atividade no país, 90% de micro e
pequeno portes, responsáveis pela comercialização de 13 milhões de CDs, 80% de produções
de artistas nacionais.19 Algumas indies contam com infra estrutura e organização sofisticada,
bem como uma carteira de investidores. Formas alternativas de divulgação, produções de
pouco requinte no suporte físico, permitem a prática de preços mais acessíveis e do marketing
dirigido. Apesar de algumas estações de rádio abrirem espaço à essa produção, subsiste um
grande gargalo na área da difusão limitando o acesso à grande mídia, sobretudo o rádio e a
televisão aberta que tem grande inserção no interior do país.


      Gostaria de reunir algumas informações finais, buscando identificar possíveis tendências
contidas nesse cenário. Do discurso e das ações dos executivos depreende-se que mesmo na
turbulência da crise sustentam relativa segurança sobre a volta da situação à normalidade. Um
notável grau de ironia distingue suas atitudes. A demanda da ação dos governos no combate à
pirataria, por exemplo, aparece acompanhada de ameaças de fim do investimento nessa
preciosa fatia da cultura nacional, a música popular brasileira, que por sua vez só teria vindo a
público pela ação da indústria cultural20. O discurso, aliado às posições apresentadas por
outros agentes, conferem intrigante clareza ao panorama. É como se um amplo e franco
debate estivesse enfim constituído, tornando inclusive dispensável o trabalho do analista, dado
que as situações parecem como que auto-explicadas, justificadas.

      Vladimir Safatle21, recorrendo à contribuição de Theodor Adorno, considera essa
“transparência” como constitutiva das formas contemporâneas de manifestação da ideologia,
distintas daquelas que a tomavam como falsa consciência. Para Adorno, em trecho citado por
Safatle, “a ideologia não é mais uma capa (Hülle), mas a ameaçadora aceitação (Antlitz) do
mundo”(p.136). Essa explicitude, gerada pela própria dinâmica que o capitalismo vai
adquirindo, traria problemas de eficácia aos “processos de crítica pensados a partir da
dinâmica do desvelamento de contradições performativas. Ou seja, poderíamos todos tomar

19
   Música no caixa. Pequenas empresas grandes negócios. SP: Ed. Globo, n.173, junho/ 2003. Disponível em
http://empresas.globo.com/Empresasenegocios/0,19125,ERA547238-2481,00.html. Acesso em 15/06/06.
20
   Indústria fonográfica reclama da pirataria . Entrevista realizada por Pedro Alexandre Sanches, citado.
21
    Não aproveito devidamente aqui o subsídio que o autor oferece, utilizando-o apenas pontualmente. Mas as aproximações entre os
procedimentos característicos da indústria cultural e o exercício da ironia e do cinismo tal como são abordados em seu artigo, constitui
programa de trabalho a ser enfrentado. SAFATLE, V. Sobre o riso que não reconcilia: ironia e certos modos de funcionamento da ideologia.
Margem Esquerda. SP: Boitempo Editorial, número 5: maio de 2005, p. 131-145.



                                                                                                                                      9
distância dos conteúdos normativos do universo ideológico capitalista porque o próprio
discurso do poder já ri de si mesmo”(p.132), pelo exercício de uma racionalidade cínica. Daí
a necessidade de atentarmos para a capacidade que a ideologia adquire atualmente de “colocar
em marcha um processo de ironização da efetividade que responde, de maneira peculiar, às
exigências de justificação que seriam constitutivas de seu próprio conceito”(p.136).

    Enquanto pressiona os governos nacionais para que reprimam a ação da pirataria, a
indústria fonográfica mundial tem agido ininterruptamente e de maneira implacável contra a
pirataria on line, conseguindo desde punições exemplares de jovens adolescentes americanos
praticantes de downloads gratuitos até o bloqueio da atividade desses mesmos provedores.
Casos emblemáticos tiveram desfechos parecidos: o MP3.com, o Napster, a Grokster, a
Streamcast Networks e mais recentemente, o Kazaa foram sofrendo processos judiciais por
lesarem os direitos de autor e os direitos conexos (os das gravadoras) até interromperem suas
atividades. Além de paralisar o exercício da atividade ilícita, a indústria surpreendentemente
assimila, incorpora um conjunto de iniciativas fortes, dinâmicas e inovadoras de distribuição
de música via internet, como no caso dos dois primeiros provedores citados.
    Em 2001, as majors inauguraram dois sites de venda de produtos fonográficos. O
PressPlay, operado pelos grupos Sony e Vivendi-Universal, era subsidiado pela tecnologia da
Microsoft. Sua concorrente, a RealNetworks ancorava o MusicNet, dos conglomerados AOL
Time Warner, EMI e BMG (que comprou o Napster)22. Com a fusão Sony/BMG, as duas
redes foram reestruturadas, passando a servir às quatro grandes companhias, e o Napster, ora
domado e incorporado ao PressPlay, trouxe dividendos às majors. Nos dois sites é possível
comprar faixas de discos, CDs já gravados ou ainda associar-se como no esquema da TV por
assinatura: a mensalidade dá direito a um número definido de downloads ou acesso à musica
em streaming (para ouvir direto do site sem ter que “baixá-la” no computador).
    Tais iniciativas apontam para uma tendência que encontra apoio nos números: na Europa,
EUA e Japão cresce o volume de vendas de música antes compartilhada na relação P2P, ou
seja, no suporte digital, a ponto desse volume já interferir no movimento global do negócio,
que mostra sinais de franca recuperação (ver quadro I). O próprio termo disco tem sido
substituído nas informações oficiais pela expressão música gravada. Aos poucos, além de ir
conquistando condições técnicas e infra estruturais, as grandes companhias buscam




                                                                                           10
diversificar seus negócios, na medida em que a venda de faixas avulsas ou mesmo a sua
divulgação gratuita pode levar à compra do disco todo (o álbum). Completa o quadro de
opções os aparatos para consumo de música por telefonia celular: além dos downloads via
internet sem fio, temos os ringtones, realtones, dentre outros23. A grande indústria fonográfica
parece enfim atentar para a necessidade de considerar seus clientes/ consumidores. Esse tardio
despertar revela um outro traço do negócio: quem sempre trabalhou com a força do plugging
nunca precisou dispensar atenção especial aos clientes.
      Tais tendências aliadas aos desdobramentos da questão da pirataria remetem ao citado
artigo de Safatle, na altura em que explora o alcance que certas manifestações culturais teriam
de afrontar as regras vigentes em determinadas formações sociais, ou se ao evidenciá-las, pela
via do humor ou da ironização, não conseguiriam mais que reforçá-las. Lembrando a
contribuição trazida por Giorgio Agamben quando discute uma perspectiva da questão, aponta
que “a suspensão da lei não significaria necessariamente a sua abolição e a zona de anomia
por ela instaurada não é desprovida de relações com a ordem jurídica. Como se um certo
ordenamento jurídico „socialmente pressuposto‟ reconhecesse que a suspensão da lei é um
fenômeno interno ao próprio processo de efetivação da lei e que a alternância entre ordem e
desordem não coloca em xeque a coesão do poder. Tal como se a lei ironizasse sua própria
aplicabilidade.”24 As relações que envolvem a pirataria e a indústria fonográfica e sobretudo o
movimento de assimilação que essa última faz dos instrumentos desenvolvidos e executados
pela primeira, conferindo-lhes uma dimensão de legalidade, talvez não pudessem ser mais
bem explicadas. A pirataria ironicamente ri do poderio das grandes companhias, como em
uma brincadeira. Sua atividade não existiria longe das práticas e saberes acumulados pelas
majors e assim, buscando quebrá-la, valoriza a norma, oferecendo ainda idéias brilhantes para
o seu funcionamento. Por sua vez, as majors ironicamente riem da atividade da pirataria,
deixando-a brincar com seus brinquedos, enquanto planejam uma forma de tomá-los de volta,
melhorados. Entre jogos de guerra e brincadeiras infantis, o que parece distinguir o panorama
é capacidade que tem a “racionalidade cínica” do capitalismo, de “estabilizar uma situação
que em outras circunstâncias, seria uma típica e insustentável situação de crise”, nas palavras

22
   REBELO, P. O golpe da indústria fonográfica. Portal da Informática. 08/08/2001. Disponível em
http://www.portaldeinformatica.com.br/colunas_rebelo_o_golpe.htm. Acesso em 16/03/2006.
23
   Os ringtones são toques sonoros de telefones celulares que utilizam canções na forma de melodias eletrônicas e os realtones, trechos de
suas versões originais. Os dois tipos geram royalties aos titulares dos direitos; estima-se que só no primeiro semestre de 2004, a modalidade
tenha gerado a receita de US$ 500 milhões de dólares nos Estados Unidos. GUEIROS JR., Retrospectiva 2004, citado.
24
   SAFATLE, V. op. cit., p.142. A obra de Agamben referida pelo autor é Estado de exceção. SP: Boitempo Editorial, 2004, p. 109.



                                                                                                                                         11
de Safatle (p. 132). Assim, a turbulência parece acalmar, com a diferença de que um grande
precedente foi instituído e outros agentes ora figuram no cenário.
     O enquadramento legal das atividades antes consideradas pirataria, no entanto, tem alto
custo e a tendência, tanto de expansão e consolidação das trocas digitais de música, quanto de
concentração em torno dos computadores pessoais de um conjunto de serviços, informações,
ferramentas de trabalho, entretenimento, etc., leva autores como Burkart & McCourt a
considerarem a infra estrutura necessária para o funcionamento de uma verdadeira “Celestial
Jukebox” que já opera na “pay-per society”. Tratam os autores de um conjunto de direitos
autorais, de uso e de gestão, vinculados à operação de equipamentos e programas necessários
para o funcionamento da internet e seus serviços, especialmente a difusão musical. Ao
utilizarmos a internet estamos necessariamente pagando, de alguma forma, os direitos de uso
desses programas. Analisam o impacto econômico que têm componentes como os softwares
CRM (Customer Relationship Management) e o DRM (Digital Rights Management), cujas
taxas cobradas pelo uso compõem os preços finais dos produtos. Tal como as plataformas de
software livre, existem outros programas que escapam do DRM ou da imposição do consumo
de determinados produtos tecnológicos em detrimento de outros. De qualquer forma, são os
mesmos direitos autorais, ora cobrados por quem desenvolveu o conjunto de ferramentas, que
torna possível o funcionamento da rede e dos serviços25. Surpreendente é observar as
companhias fonográficas oferecerem na internet faixas de música mais baratas por não
incluírem o DRM, alegando que “o DRM não acrescenta valor algum para o artista, para o
selo [...] ou para o consumidor. As únicas pessoas que lucram com ele são as companhias de
tecnologia interessadas em atrelar o consumidor a uma plataforma tecnológica específica”26.
     Mas e a música, será que tem conseguido sobreviver nesse contexto? Vamos escapar da
pergunta pensando na música, como é chamada a forma universalizada de vendas no suporte
digital, a canção/faixa isolada, autonomizada; um pedaço daquilo que um dia pode ter
integrado um todo orgânico, o álbum, com tema, cuidados na edição fonográfica, capa,
encarte com letras, ficha técnica, etc27. Considerando que essa unidade adquiriu um preço
próprio28 e mesmo uma identidade, poderíamos dizer que estamos diante do fim do álbum

25
   BURKART, P. & McCOURT, T. Infrastructure for the Celestial Jukebox. Popular Music, 2004, Volume 23/3. Londres: Cambridge
University Press, p. 349-362.
26
   Opinião de executivo da Sony BMG citado em “Da confrontação à experimentação: a indústria da música testa novos modelos no
mercado”, 09/08/2006. Disponível em http://wharton.universia.net/index.cfmArticle=1210. Acesso em 15/08/2006.
27
   Não se pode esquecer que as coletâneas, formato utilizado desde os anos 70, já operavam essa separação.
28
   No Brasil, as faixas tem o preço médio e emblemático de R$ 1,99.



                                                                                                                          12
como formato por excelência das produções fonográficas desde o advento do LP?29 Há quem
afirme que o CD de 15 faixas só sobrevive para justificar os altos preços cobrados pelas
gravadoras, pois ao consumidor não interessaria mais do que duas músicas30. Além de
surpreender por decretar sim a morte do álbum, a opinião aponta para uma séria questão dado
o perfil das produções lançadas atualmente pelas majors. Mas o álbum sobrevive, num nicho
de mercado diferente, em que sobrevive um ouvinte interessado e informado, que procura
produtos diferenciados, produzidos cuidadosamente por outros tantos sobreviventes. Com
relação à música, urge refletir a respeito de sobre qual música estamos falando.




29
   A consolidação do suporte digital tem promovido interessante debate sobre as relações entre suportes e formatos fonográficos, como
podemos ver em DANTAS, D. F. MP3, a morte do álbum e o sonho de liberdade da canção. Texto em formato eletrônico, disponível em
http://www.gepicc.ufba.br/enlepicc/pdf/danilofragadantas. Acesso em 07/05/2006.
30
   GODES, P. La crisis de la industria del disco y sus causas. La Dinamo, 12/03/2003. Disponível em http://www.nodo50.org/lahaine/musica
/crisis_causas.htm. Acesso em 30/07/2006.



                                                                                                                                     13

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A grande Industria Fonografica em xeque - por Marcia Tosta Dias

  • 1. DIAS, Marcia Tosta. A grande indústria fonográfica em xeque. Margem Esquerda, n. 8, novembro de 2006. SP: Boitempo Editorial, p.177-191). Publicado também como Anexo na segunda edição de DIAS, Marcia Tosta. Os donos da voz. Indústria fonográfica Brasileira e mundialização da cultura. SP: Boitempo Editorial, 2008. Constituído como um dos setores mais lucrativos e de maior alcance da indústria cultural, a grande indústria fonográfica passa por uma crise sem precedentes em sua história. O que parecia ser apenas mais uma sofisticação técnica dos produtos, o emprego da tecnologia digital na área de gravação e reprodução de discos promoveu grande turbulência no cenário da difusão musical, extremamente concentrado em torno de quatro empresas transnacionais responsáveis por 80% da produção mundial de música gravada. Depois de usufruir, nos anos 1990, das benesses trazidas pelo novo suporte, o Compact Disc (CD), a indústria fonográfica foi vendo diminuir seus patamares de lucratividade. A tecnologia digital interferiu no núcleo da manutenção do seu poder: o desenvolvimento e a produção do hardware, ou seja, dos equipamentos tocadores de música, bem como os do software, os programas que contém a informação musical a ser reproduzida, os discos ou similares. Até então, todas as iniciativas de gravação musical tinham de se submeter, de alguma forma, ao oligopólio das transnacionais, pagando-lhes direitos e usando suas formas estéticas como modelo. Com o desenvolvimento da rede mundial de computadores, as gravações musicais digitais se transformaram em dados e arquivos e, com formatos adequadamente desenvolvidos, passaram a circular amplamente na internet, espaço em que a informação é de todo mundo e, ao mesmo tempo, não é de ninguém. A expansão desse processo coincide com a queda das vendas e do faturamento da indústria fonográfica de maneira nunca antes vista. Este artigo tem o objetivo de apresentar alguns aspectos dessa crise, das mudanças que dela decorrem e suas implicações para os rumos da produção fonográfica. Pretende discutir a situação atual das empresas que produzem música gravada, suas formas e estratégias de produção e difusão, além da participação de outros agentes no cenário, como a chamada pirataria. Nesse sentido, retoma algumas questões anteriormente levantadas1, procurando atualizá-las. Em Os donos da voz: indústria fonográfica brasileira e mundialização da cultura, analisei a reestruturação da produção na grande indústria fonográfica, tomando o caso brasileiro como exemplo. O processo se assemelha às mudanças observadas em toda a 1 DIAS, M. T. Os donos da voz. Indústria fonográfica brasileira e mundialização da cultura. SP: Boitempo Editorial, 2000, 183p. 1
  • 2. produção capitalista nos últimos quinze anos. O advento das tecnologias digitais e a sofisticação trazida ao aparato técnico impulsionaram a fragmentação da “linha de produção”, levando as empresas a autonomizar as áreas de gravação (estúdio e fábrica) e distribuição física, transformando-se em escritórios de gerenciamento e marketing de produtos fonográficos. Em alguns casos, a terceirização atinge a área de Artistas & Repertório (A&R), o coração das companhias fonográficas, que buscam em gravadoras independentes, discos prontos para serem lançados ou artistas com repertório à espera da gravação. Há, portanto, fragmentação da produção, terceirização de serviços, segmentação do mercado2. O quadro de empresas que dominam a produção mundial de música gravada assimilou as mudanças trazidas pela tecnologia digital3. Mesmo que sua composição interna varie, pode-se afirmar que um grupo de cinco empresas tem tido presença hegemônica nos negócios da música, desde as suas origens. As fusões são sua marca constitutiva e se processam entre companhias fonográficas, entre estas e indústrias de produtos eletro-eletrônicos e mais recentemente, empresas de tecnologias da informação. O chamado Big-Five, grupo formado pelas companhias EMI, PolyGram, BMG-Ariola, Sony Music e Warner Music hegemônico desde o início da década de 1990, passou por mudança significativa em 1998 quando a Philips vendeu a PolyGram para o Grupo Seagram-Universal, fazendo surgir a Universal Music. O movimento revelou a opção da Philips pela produção de hardware, por considerar que ao produzir gravadores de CDs estaria trabalhando contra o seu próprio negócio fonográfico. Essa quebra na interação entre hardware e software expressa a profundidade das mudanças, pois altera de maneira radical o núcleo que historicamente sustentou o poder das empresas. A mesma lógica parece ter animado a fusão, em novembro de 2003, da BMG com a Sony Music4, originando a Sony & BMG Music Entertainment. Somente a Sony ainda aliava a produção de hardware e software fonográficos. As empresas justificaram a operação como união de esforços contra a crise. Pouco tempo atrás, a fusão foi questionada judicialmente por autoridade anti-truste da União Européia, a partir de processo impetrado por associação de gravadoras independentes, mas sua anulação é improvável5. A ação judicial desestimulou as 2 HESMONDHALGH. D. Flexibility, post-Fordism and the music industries. Media, Culture & Society, 1996. Londres: SAGE Publications, Vol. 18: 469-488. 3 Cf. GUEIROS JR., N. “Retrospectiva 2004 – Indústria fonográfica recorre a fusões e aquisições”. Revista Consultor Jurídico, 16 de dezembro de 2004. Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/31892,1. Acesso em 30/07/06. 4 A BMG era o braço fonográfico do grupo alemão Bertelsmann (área editorial e televisiva). Sua entrada no ramo fonográfico se deu em 1987 pela aquisição da RCA, que incluiu o acervo da RCA-Victor. A Sony Music trouxe a atividade fonográfica para o conglomerado japonês Sony (produtos eletro-eletrônicos) por meio da compra da CBS, também em 1987. 5 “Tribunal europeu rejeita fusão da Sony com a Bertelsmann”. SP: A Gazeta Mercantil, Caderno A, 14/07/2006, p. 8. 2
  • 3. negociações entre a EMI e a Warner, que trocavam desde 2000 propostas mútuas de aquisição; em julho último desistiram da fusão. Portanto, integram o ora Big Four: EMI, Universal/Vivendi, Sony/BMG e AOL-Time Warner. Além desses rearranjos, as majors têm realizado algumas mudanças nos tipos de conteúdo musical e segmentos trabalhados. A expansão dessas transnacionais pelo mundo, realizada em todo o século XX, tomou como base uma dupla estratégia: difusão de artistas e discos ligados a estilos e repertório internacionais6 e a prospecção de artistas e estilos locais. O trabalho se organizava também em duas frentes: artistas/discos que demandavam produção cuidadosa (artistas de “qualidade”, segundo os executivos) cujos resultados comporiam o catálogo das gravadoras com discos de vendagem regular ao longo do tempo (os artistas de catálogo). A outra frente alimentava área de grande rotatividade composta de discos/artistas de produção pouco dispendiosa, gerando produtos de fácil assimilação e vendagens explosivas (artista de sucesso). As transformações nas condições técnicas da produção têm favorecido a participação de pequenas gravadoras e selos independentes (indies), a ponto de atraírem atualmente – como se verifica no caso brasileiro – artistas que preferem trocar o conforto contratual das majors, pela possibilidade de realizar trabalhos menos comprometidos com questões de mercado. O movimento, que tem desfalcado o segmento de artistas de catálogo das grandes empresas, parece tender à construção de um catálogo de sucessos, uma síntese dos anteriores. Além de as majors não demonstrarem interesse na manutenção ativa de seu acervo de gravações (das quais detém os direitos de reprodução) a migração de tais artistas, deixa as majors livres de seu “compromisso” mais propriamente cultural. Das estratégias em uso destaca-se o exaustivo de lançamento de coletâneas - produtos lucrativos de custos praticamente amortizados. As coletâneas são organizadas com base na seleção de sucessos realizada no conjunto da obra de determinados artistas (O Melhor de ...), por temas, ou por cruzamentos curiosos como a série Novelas, que traz as opções Novelas – Temas Italianos; Novelas - Sambas; Novelas – Gal Costa; Novelas – Caetano Veloso e assim sucessivamente7. Outras séries como Sem Limites (Universal Music) e Mais do Mesmo (EMI) tem títulos sugestivos, se não auto-irônicos. Em 6 Música erudita, “romântica”, “jovem”, etc. O impacto da mundialização dessa produção é imensurável, considerando a expansão do acesso a um catálogo de produções substanciosas ligadas ao segmentos “jovem” e “erudito” produzidos nos anos 60 e 70. 7 A série Novelas é da gravadora Som Livre, que não integra o Big Four. No entanto, além de ter atuação bastante próxima das majors, o exemplo é muito representativo do formato. 3
  • 4. seu conjunto, o catálogo de sucessos envolve estilos musicais dirigidos a diferentes segmentos de mercado. Além do trabalho com Artistas & Repertório, distingue a atividade das grandes companhias a maneira especial como realizam o marketing e a distribuição dos produtos. Em geral, as operações envolvem uma rede de parceiros e interesses que garantem exposição em espaços privilegiados da grande mídia (programas de rádio, televisão, novelas, publicidade, etc). O pagamento desse tipo de divulgação dos produtos é tema controverso, considerando sobretudo os problemas que traz à diversificação da oferta. Conhecido desde os primórdios do rádio como jabá (jabaculê, sinônimo de propina; payolla, nos EUA), a prática tem adquirido ares de venda legal de serviços de divulgação de produtos musicais. Os altos valores envolvidos elevam significativamente o preço final dos produtos e alimentam o circuito endógeno, auto-referente da indústria cultural. De acordo com as companhias fonográficas, a causa principal da crise que enfrentam é a pirataria, entendida como a venda ilegal de CDs e DVDs no mercado informal (pirataria física) e na troca par-a-par (peer-to-peer/P2P, realizada entre computadores pessoais) operada via internet (pirataria on line). Só recentemente passaram a considerar elemento da crise, além dos períodos de recessão econômica, a crescente competição de outras mídias e formas de entretenimento (jogos eletrônicos, celulares e outros tocadores de música móveis como os ipods, bem como as atividades oferecidas pela internet), como elementos da crise. O estímulo que os altos preços praticados oferecem à pirataria, não é computado. As inovações tecnológicas sempre trouxeram ritmo diferente ao mercado. Das mais recentes, vale lembrar que a fita cassete só se popularizou no início dos anos 70 diversificando vendas antes concentradas em LPs e compactos. Somente no final dos anos 80 o CD impulsiona as vendas, mas o crescimento foi vertiginoso: o mercado passou de 11 bilhões de dólares e faturamento, em 1986, para 41 bilhões de dólares, em 1996. Grande parte do salto foi garantida pela reedição de discos já gravados em CD. Em 1999, começa o declínio8. 8 LEYSHON, A . et alli. On the reproduction of the musical economy after the Internet. Media, Culture & Society, 2005. Londres: SAGE Publications, Vol. 27 (2): 177-209. 4
  • 5. I - Crescimento do mercado de discos no mundo ANO Em unidades Em valores 2000 - 1.2% -1.3% 2001 - 6.5% -5.0% 2002 - 8.4% -7.2% 2003 - 6.5% -7.6% 2004* - 0,4% -1.3% Fonte: International Federation of Phonographic Industries.- IFPI9 *compreende vendas de música em suporte digital O mercado brasileiro acompanhou com regularidade o movimento do mercado mundial: II - Venda de produtos da indústria fonográfica – Brasil (em milhões de reais e de unidades) ANO Vendas (R$) Unidades* 2000 891 94 2001 677 72 2002 726 75 2003 601 56 2004 706 66 2005 615,2 52,5 Fonte: Associação Brasileira de Produtores de Discos - ABPD10 *CDs, DVDs e VHSs. O ano de 2003 concentrou os índices mais baixos já alcançados. No Brasil, a recuperação verificada em 2004, contou com um aumento de 100% nas vendas de DVDs, além de pequena elevação 2,9% nas vendas de CDs. Houve uma tentativa de repetir com esse novo suporte/formato o mesmo feito alcançado pelo CD nos anos 90; apesar do interesse despertado pela junção da imagem ao som, o hardware ainda não estava economicamente acessível a ponto de permitir a popularização do DVD.11 No mercado brasileiro ainda é forte a presença do repertório nacional (76% dos produtos comercializados); a queda de 12,9% nas vendas, aferida em 2005 tem suas razões nos motivos já apontados. O país figura no quadro dos dez maiores mercados mundiais (10º colocado) o que, segundo a ABPD, responde mais a questões de ordem cambial do que à elevação real da participação do mercado local nas vendas globais. Com relação à pirataria, dados relativos a 2004 apontam que 34% do mercado mundial de CDs eram de cópias piratas, cerca de 1,2 bilhões de unidades. Os maiores mercados ilegais 9 Disposível em http:// www.ifpi.org. Music market statistics- word sales. Acesso em 05/07/06, quadro montado a partir dos Relatórios específicos de cada ano citado. 10 Disponível http://www.abpd.org.br/estatisticas_mercado_brasil.asp. Acesso em 04/07/06. 5
  • 6. são a China (85%), a Rússia (66%), o México (60%), a Índia (56%) e o Brasil (52%), segundo a IFPI. A pirataria física começou atuando no mercado de discos de sucesso, mas se especializou e segmentou; a pirataria digital contempla originalmente a mais variada gama de interesses e seu impacto na história da indústria fonográfica é de fato muito grande, um verdadeiro divisor de águas. O controle da pirataria digital é difícil, diferentemente da física cujas mercadorias e fábricas podem ser rastreadas e destruídas. A atividade de sites, provedores e programas especializados na oferta gratuita de canções dos mais variados tipos surgiu como prática inédita, que questiona frontalmente o monopólio exercido pelas majors, muitas vezes com o propósito explícito de abalar as estruturas de um confortável exercício do poder. A fluidez do espaço digital dificulta a localização das ações e, em questão de minutos chega-se à produção de uma cópia material via informação “baixada” do arquivo digital (download) e gravada em CD. A questão é explorada por Cooper & Harrison, segundo quem as facilidades tecnológicas e seu rápido avanço, permitiram a formação de uma subcultura ligada à pesquisa e ao desenvolvimento das potencialidades oferecidas pela internet e pelo conjunto vasto e complexo de atividades nela envolvidas. O MP3, o nome curto da sigla MPEG-1, um dos formatos de arquivos mais eficazes no registro, armazenamento e transmissão de dados musicais, foi desenvolvido por um consórcio de profissionais reunidos sob o nome de Motion Picture Experts Group. Suas qualidades técnicas aliadas à facilidade de obtenção do software na rede, potencializaram enormemente a troca de arquivos musicais nas relações P2P12. Em 2003 foram realizadas 449 milhões de downloads dos provedores Kazaa, Morpheus, iMesh, Grokster, eDonkey e BitTorrent, de acordo com dados de Leyshon at alli13. Estima-se que, só no Brasil, em 2005, tenham sido realizados um bilhão de downloads. Os provedores são, em geral, mantidos pela venda de espaço para publicidade em seus sites, e três dos citados estavam àquela altura sendo processados pela associação das gravadoras e dos produtores cinematográficos dos EUA (RIAA e MPAA). Como a perseguição e as tentativas de punição e bloqueio da atividade têm se aperfeiçoado a cada dia, as empresas/provedores bem aproveitam a sua localização no espaço virtual – em que é possível estar em muitos FLICHY, P. L‟historien et le sociologue face à la technique. Le cas des machines sonores. Reseaux, n. 46-47. Paris: CNET, 1991, p. 47-58. 11 12 COOPER, J. & HARRISON, D. M. The social organization of audio piracy on the Internet. Media, Culture & Society, 2001. Londres: SAGE Publications, Vol. 23: 71-89. 6
  • 7. lugares e também em lugar nenhum - para dificultar as ações repressoras; é a desterritorialização levada às últimas conseqüências. Os mesmos autores citam o exemplo do provedor Kazaa cujos servidores estão localizados na Dinamarca, o software é programado na Estônia, a marca é registrada na Austrália e o nome fantasia da empresa proprietária da rede, a Sharman Networks, estava registrada em Vanuatu, um paraíso fiscal do Pacífico. Para lidar com a situação, áreas profissionais e científicas têm operado uma revisão em seus cânones, como acontece, por exemplo, com o direito. Mas de maneira geral, uma nova agenda de pesquisa está em formação sobretudo no âmbito das ciências sociais. Se, por um lado, os esforços inter-disciplinares se mostraram necessários nos últimos tempos, por outro, a recuperação de alguns enfoques específicos talvez possa produzir importantes resultados14. Num amplo debate sobre as formas de trabalho das grandes empresas, músicos e pequenos produtores expõem outra dimensão da crise da indústria fonográfica. Em 2000, como conseqüência das denúncias de pirataria, artistas brasileiros da área musical trouxeram à tona a questão da necessidade de numeração dos discos como forma de controle da produção e do pagamento dos direitos autorais. O procedimento também identificaria cópias não certificadas. Apesar da resistência das gravadoras em acatar a demanda a discussão chegou surpreendentemente até o Congresso Nacional e a lei que obriga a numeração das cópias de discos está em vigor desde abril de 200315. A conquista animou os músicos a proporem outra polêmica discussão: a criminalização do jabá, que também foi proposta como projeto de Lei em 2003, e passou recentemente por várias comissões assessoras do Congresso, com chances de aprovação. A proposta prevê a detenção dos responsáveis por emissoras de rádio e TV que aceitarem dinheiro ou outras vantagens em troca de veiculação de música. Para além dos benefícios trazidos pelo debate, resta a expectativa de que a criminalização possa coibir uma prática que constitui um dos centros vitais da indústria cultural16. 13 Leyshon at alli, op. cit., p. 189. 14 GUEIROS Jr., N. Questão jurídica na Internet precisa de uma abordagem nova. Revista Consultor Jurídico, 05/01/04. Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/1571,1- Acesso em 16/05/06. SARTI, O. M. Internet, MP3 e os direitos autorais. FAPESP/ SP: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 10/2002. Uma proposta de nova agenda de pesquisa encontramos em JONES, S. Music and the Internet. Popular Music (2000) Volume 19/2. Londres: Cambridge University Press, p.217-230, bem como se pode depreender outra a partir de ORTIZ, R. “O senso comum planetário”. Mundialização: saberes e crenças. SP: Brasiliense, 2006, p. 49-83. 15 Rebeldia, Militância e Pirataria. Entrevista com Lobão concedida a Á. Comin/ D. Fernandes. Novos Estudos. SP: CEBRAP, nº 71, março de 2005, p. 183-195. 16 “Jabá deixa de ser tabu e projeto criminaliza prática em rádio e TV”. Agência Carta Maior, 14/06/06. Disponível em http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materia_id=11425. Acesso em 20/06/06. 7
  • 8. De qualquer modo, a mobilização no meio musical continua crescendo. Em abril de 2005, músicos brasileiros reunidos a partir de iniciativa do Ministério da Cultura, criaram o Fórum Nacional de Música, que tem como base os Fóruns Permanentes existentes em todos os Estados, com o objetivo propor mudanças na situação da categoria. Um dos primeiros questionamentos diz respeito à Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), órgão responsável pela regulamentação da atividade profissional dos músicos. Vários outros temas estão em debate, como a proposta de inclusão de aulas de música no ensino básico e a tentativa de estipular legalmente cotas para difusão de músicas nacionais/ regionais nos meios de comunicação, sobretudo no rádio.17 O crescimento da atividade dos selos e gravadoras independentes, constitui um outro elemento desse panorama. A relação entre majors e indies constitui um tema clássico dos estudos sobre a produção de música gravada. Por mais que as primeiras tenham estado na linha de frente, as segundas exerceram sempre o trabalho de prospectar possibilidades de ampliação do panorama musical. Alguns autores vêem nas indies agentes da diversidade e inovação dado o seu descompromisso original com grandes esquemas econômicos. Parte dessa produção tem sido absorvida de modo variável e irregular pelas grandes companhias, dependendo de seus interesses e necessidades. Sobretudo até o final dos anos 80, as independentes de vários cantos do mundo foram responsáveis por uma produção musical histórica que muito provavelmente não conseguiria registro longe de seus auspícios, considerando inclusive as limitações técnicas vigentes 18. Foram exatamente as transformações técnicas e estruturais apontadas que têm permitido às pequenas companhias incrementar sua atividade com autonomia e melhores condições de produção. Dados de 2003 apontam que as indies respondiam a 25% do movimento do mercado fonográfico mundial. No Brasil, o incremento da atividade de tais empresas permitiu que em 2002 fosse criada a ABMI – Associação Brasileira de Música Independente. Os objetivos principais são os de buscar melhores condições de produção e distribuição de “música independente brasileira”, valorizar a diversidade cultural e artística, garantir o “seu devido patamar de importância econômica” e capacitar profissionais para o mercado 17 “Músicos estão próximos de conseguir mudanças na OMB.” Agência Carta Maior, 05/05/06. Disponível em http://cartamaior.uol.com.br/templates/materia_id=10791. Acesso em 18/05/06. 18 CHRISTIANEN, M. Cycles in simbol production? A new model to explain concentration, diversity and innovation in the music industry. Popular Music, volume 14/1, 1995, Londres: Cambridge University Press, apresenta uma proposta de análise a partir de revisão bibliográfica sobre o tema. 8
  • 9. fonográfico. Em 2003, contava com 120 associados. Mas a própria entidade estimava que, naquele ano, 400 gravadoras independentes estivessem em atividade no país, 90% de micro e pequeno portes, responsáveis pela comercialização de 13 milhões de CDs, 80% de produções de artistas nacionais.19 Algumas indies contam com infra estrutura e organização sofisticada, bem como uma carteira de investidores. Formas alternativas de divulgação, produções de pouco requinte no suporte físico, permitem a prática de preços mais acessíveis e do marketing dirigido. Apesar de algumas estações de rádio abrirem espaço à essa produção, subsiste um grande gargalo na área da difusão limitando o acesso à grande mídia, sobretudo o rádio e a televisão aberta que tem grande inserção no interior do país. Gostaria de reunir algumas informações finais, buscando identificar possíveis tendências contidas nesse cenário. Do discurso e das ações dos executivos depreende-se que mesmo na turbulência da crise sustentam relativa segurança sobre a volta da situação à normalidade. Um notável grau de ironia distingue suas atitudes. A demanda da ação dos governos no combate à pirataria, por exemplo, aparece acompanhada de ameaças de fim do investimento nessa preciosa fatia da cultura nacional, a música popular brasileira, que por sua vez só teria vindo a público pela ação da indústria cultural20. O discurso, aliado às posições apresentadas por outros agentes, conferem intrigante clareza ao panorama. É como se um amplo e franco debate estivesse enfim constituído, tornando inclusive dispensável o trabalho do analista, dado que as situações parecem como que auto-explicadas, justificadas. Vladimir Safatle21, recorrendo à contribuição de Theodor Adorno, considera essa “transparência” como constitutiva das formas contemporâneas de manifestação da ideologia, distintas daquelas que a tomavam como falsa consciência. Para Adorno, em trecho citado por Safatle, “a ideologia não é mais uma capa (Hülle), mas a ameaçadora aceitação (Antlitz) do mundo”(p.136). Essa explicitude, gerada pela própria dinâmica que o capitalismo vai adquirindo, traria problemas de eficácia aos “processos de crítica pensados a partir da dinâmica do desvelamento de contradições performativas. Ou seja, poderíamos todos tomar 19 Música no caixa. Pequenas empresas grandes negócios. SP: Ed. Globo, n.173, junho/ 2003. Disponível em http://empresas.globo.com/Empresasenegocios/0,19125,ERA547238-2481,00.html. Acesso em 15/06/06. 20 Indústria fonográfica reclama da pirataria . Entrevista realizada por Pedro Alexandre Sanches, citado. 21 Não aproveito devidamente aqui o subsídio que o autor oferece, utilizando-o apenas pontualmente. Mas as aproximações entre os procedimentos característicos da indústria cultural e o exercício da ironia e do cinismo tal como são abordados em seu artigo, constitui programa de trabalho a ser enfrentado. SAFATLE, V. Sobre o riso que não reconcilia: ironia e certos modos de funcionamento da ideologia. Margem Esquerda. SP: Boitempo Editorial, número 5: maio de 2005, p. 131-145. 9
  • 10. distância dos conteúdos normativos do universo ideológico capitalista porque o próprio discurso do poder já ri de si mesmo”(p.132), pelo exercício de uma racionalidade cínica. Daí a necessidade de atentarmos para a capacidade que a ideologia adquire atualmente de “colocar em marcha um processo de ironização da efetividade que responde, de maneira peculiar, às exigências de justificação que seriam constitutivas de seu próprio conceito”(p.136). Enquanto pressiona os governos nacionais para que reprimam a ação da pirataria, a indústria fonográfica mundial tem agido ininterruptamente e de maneira implacável contra a pirataria on line, conseguindo desde punições exemplares de jovens adolescentes americanos praticantes de downloads gratuitos até o bloqueio da atividade desses mesmos provedores. Casos emblemáticos tiveram desfechos parecidos: o MP3.com, o Napster, a Grokster, a Streamcast Networks e mais recentemente, o Kazaa foram sofrendo processos judiciais por lesarem os direitos de autor e os direitos conexos (os das gravadoras) até interromperem suas atividades. Além de paralisar o exercício da atividade ilícita, a indústria surpreendentemente assimila, incorpora um conjunto de iniciativas fortes, dinâmicas e inovadoras de distribuição de música via internet, como no caso dos dois primeiros provedores citados. Em 2001, as majors inauguraram dois sites de venda de produtos fonográficos. O PressPlay, operado pelos grupos Sony e Vivendi-Universal, era subsidiado pela tecnologia da Microsoft. Sua concorrente, a RealNetworks ancorava o MusicNet, dos conglomerados AOL Time Warner, EMI e BMG (que comprou o Napster)22. Com a fusão Sony/BMG, as duas redes foram reestruturadas, passando a servir às quatro grandes companhias, e o Napster, ora domado e incorporado ao PressPlay, trouxe dividendos às majors. Nos dois sites é possível comprar faixas de discos, CDs já gravados ou ainda associar-se como no esquema da TV por assinatura: a mensalidade dá direito a um número definido de downloads ou acesso à musica em streaming (para ouvir direto do site sem ter que “baixá-la” no computador). Tais iniciativas apontam para uma tendência que encontra apoio nos números: na Europa, EUA e Japão cresce o volume de vendas de música antes compartilhada na relação P2P, ou seja, no suporte digital, a ponto desse volume já interferir no movimento global do negócio, que mostra sinais de franca recuperação (ver quadro I). O próprio termo disco tem sido substituído nas informações oficiais pela expressão música gravada. Aos poucos, além de ir conquistando condições técnicas e infra estruturais, as grandes companhias buscam 10
  • 11. diversificar seus negócios, na medida em que a venda de faixas avulsas ou mesmo a sua divulgação gratuita pode levar à compra do disco todo (o álbum). Completa o quadro de opções os aparatos para consumo de música por telefonia celular: além dos downloads via internet sem fio, temos os ringtones, realtones, dentre outros23. A grande indústria fonográfica parece enfim atentar para a necessidade de considerar seus clientes/ consumidores. Esse tardio despertar revela um outro traço do negócio: quem sempre trabalhou com a força do plugging nunca precisou dispensar atenção especial aos clientes. Tais tendências aliadas aos desdobramentos da questão da pirataria remetem ao citado artigo de Safatle, na altura em que explora o alcance que certas manifestações culturais teriam de afrontar as regras vigentes em determinadas formações sociais, ou se ao evidenciá-las, pela via do humor ou da ironização, não conseguiriam mais que reforçá-las. Lembrando a contribuição trazida por Giorgio Agamben quando discute uma perspectiva da questão, aponta que “a suspensão da lei não significaria necessariamente a sua abolição e a zona de anomia por ela instaurada não é desprovida de relações com a ordem jurídica. Como se um certo ordenamento jurídico „socialmente pressuposto‟ reconhecesse que a suspensão da lei é um fenômeno interno ao próprio processo de efetivação da lei e que a alternância entre ordem e desordem não coloca em xeque a coesão do poder. Tal como se a lei ironizasse sua própria aplicabilidade.”24 As relações que envolvem a pirataria e a indústria fonográfica e sobretudo o movimento de assimilação que essa última faz dos instrumentos desenvolvidos e executados pela primeira, conferindo-lhes uma dimensão de legalidade, talvez não pudessem ser mais bem explicadas. A pirataria ironicamente ri do poderio das grandes companhias, como em uma brincadeira. Sua atividade não existiria longe das práticas e saberes acumulados pelas majors e assim, buscando quebrá-la, valoriza a norma, oferecendo ainda idéias brilhantes para o seu funcionamento. Por sua vez, as majors ironicamente riem da atividade da pirataria, deixando-a brincar com seus brinquedos, enquanto planejam uma forma de tomá-los de volta, melhorados. Entre jogos de guerra e brincadeiras infantis, o que parece distinguir o panorama é capacidade que tem a “racionalidade cínica” do capitalismo, de “estabilizar uma situação que em outras circunstâncias, seria uma típica e insustentável situação de crise”, nas palavras 22 REBELO, P. O golpe da indústria fonográfica. Portal da Informática. 08/08/2001. Disponível em http://www.portaldeinformatica.com.br/colunas_rebelo_o_golpe.htm. Acesso em 16/03/2006. 23 Os ringtones são toques sonoros de telefones celulares que utilizam canções na forma de melodias eletrônicas e os realtones, trechos de suas versões originais. Os dois tipos geram royalties aos titulares dos direitos; estima-se que só no primeiro semestre de 2004, a modalidade tenha gerado a receita de US$ 500 milhões de dólares nos Estados Unidos. GUEIROS JR., Retrospectiva 2004, citado. 24 SAFATLE, V. op. cit., p.142. A obra de Agamben referida pelo autor é Estado de exceção. SP: Boitempo Editorial, 2004, p. 109. 11
  • 12. de Safatle (p. 132). Assim, a turbulência parece acalmar, com a diferença de que um grande precedente foi instituído e outros agentes ora figuram no cenário. O enquadramento legal das atividades antes consideradas pirataria, no entanto, tem alto custo e a tendência, tanto de expansão e consolidação das trocas digitais de música, quanto de concentração em torno dos computadores pessoais de um conjunto de serviços, informações, ferramentas de trabalho, entretenimento, etc., leva autores como Burkart & McCourt a considerarem a infra estrutura necessária para o funcionamento de uma verdadeira “Celestial Jukebox” que já opera na “pay-per society”. Tratam os autores de um conjunto de direitos autorais, de uso e de gestão, vinculados à operação de equipamentos e programas necessários para o funcionamento da internet e seus serviços, especialmente a difusão musical. Ao utilizarmos a internet estamos necessariamente pagando, de alguma forma, os direitos de uso desses programas. Analisam o impacto econômico que têm componentes como os softwares CRM (Customer Relationship Management) e o DRM (Digital Rights Management), cujas taxas cobradas pelo uso compõem os preços finais dos produtos. Tal como as plataformas de software livre, existem outros programas que escapam do DRM ou da imposição do consumo de determinados produtos tecnológicos em detrimento de outros. De qualquer forma, são os mesmos direitos autorais, ora cobrados por quem desenvolveu o conjunto de ferramentas, que torna possível o funcionamento da rede e dos serviços25. Surpreendente é observar as companhias fonográficas oferecerem na internet faixas de música mais baratas por não incluírem o DRM, alegando que “o DRM não acrescenta valor algum para o artista, para o selo [...] ou para o consumidor. As únicas pessoas que lucram com ele são as companhias de tecnologia interessadas em atrelar o consumidor a uma plataforma tecnológica específica”26. Mas e a música, será que tem conseguido sobreviver nesse contexto? Vamos escapar da pergunta pensando na música, como é chamada a forma universalizada de vendas no suporte digital, a canção/faixa isolada, autonomizada; um pedaço daquilo que um dia pode ter integrado um todo orgânico, o álbum, com tema, cuidados na edição fonográfica, capa, encarte com letras, ficha técnica, etc27. Considerando que essa unidade adquiriu um preço próprio28 e mesmo uma identidade, poderíamos dizer que estamos diante do fim do álbum 25 BURKART, P. & McCOURT, T. Infrastructure for the Celestial Jukebox. Popular Music, 2004, Volume 23/3. Londres: Cambridge University Press, p. 349-362. 26 Opinião de executivo da Sony BMG citado em “Da confrontação à experimentação: a indústria da música testa novos modelos no mercado”, 09/08/2006. Disponível em http://wharton.universia.net/index.cfmArticle=1210. Acesso em 15/08/2006. 27 Não se pode esquecer que as coletâneas, formato utilizado desde os anos 70, já operavam essa separação. 28 No Brasil, as faixas tem o preço médio e emblemático de R$ 1,99. 12
  • 13. como formato por excelência das produções fonográficas desde o advento do LP?29 Há quem afirme que o CD de 15 faixas só sobrevive para justificar os altos preços cobrados pelas gravadoras, pois ao consumidor não interessaria mais do que duas músicas30. Além de surpreender por decretar sim a morte do álbum, a opinião aponta para uma séria questão dado o perfil das produções lançadas atualmente pelas majors. Mas o álbum sobrevive, num nicho de mercado diferente, em que sobrevive um ouvinte interessado e informado, que procura produtos diferenciados, produzidos cuidadosamente por outros tantos sobreviventes. Com relação à música, urge refletir a respeito de sobre qual música estamos falando. 29 A consolidação do suporte digital tem promovido interessante debate sobre as relações entre suportes e formatos fonográficos, como podemos ver em DANTAS, D. F. MP3, a morte do álbum e o sonho de liberdade da canção. Texto em formato eletrônico, disponível em http://www.gepicc.ufba.br/enlepicc/pdf/danilofragadantas. Acesso em 07/05/2006. 30 GODES, P. La crisis de la industria del disco y sus causas. La Dinamo, 12/03/2003. Disponível em http://www.nodo50.org/lahaine/musica /crisis_causas.htm. Acesso em 30/07/2006. 13