Este documento apresenta uma monografia sobre autismo e educação. A monografia discute a falta de informações sobre autismo e os mitos existentes, e enfatiza a importância de educadores entenderem melhor esta condição para poderem apoiar crianças autistas. A autora também reflete sobre a falta de abordagem sistemática do tema nos cursos de pedagogia e sobre como a escola e o sistema educacional raramente conseguem ajudar e desenvolver o potencial destes alunos.
1. DANIELE PACHECO DO
NASCIMENTO MOURA
Cabo Frio – RJ
2005
UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ
2. 9
DANIELE PACHECO DO NASCIMENTO MOURA
Somos todos iguais, somos todos diferentes:
autismo, pedagogia da esperança e prática da liberdade.
Cabo Frio
2005
3. 10
DANIELE PACHECO DO NASCIMENTO MOURA
Somos todos iguais, somos todos diferentes:
autismo, pedagogia da esperança e prática da liberdade.
Monografia apresentada à Universidade
Estácio de Sá como requisito parcial para
a obtenção do grau no Curso de
Pedagogia.
Orientadora Professora Mariana Tavares
Ferreira.
Cabo Frio
2005
4. 11
M929
Moura, Daniele Pacheco do Nascimento.
Somos todos iguais, somos todos diferentes: autismo,
pedagogia da esperança e prática da liberdade. / Daniele
Pacheco do Nascimento. – Cabo Frio: [S. n.], 2005.
109p.
Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em
Pedagogia) - Universidade Estácio de Sá, 2005.
1. AUTISMO - CRIANÇAS 2. PSICOTERAPIA
INFANTIL I. Título.
CDD
616.8982
5. 12
DANIELE PACHECO DO NASCIMENTO MOURA
Somos todos iguais, somos todos diferentes:
autismo, pedagogia da esperança e prática da liberdade.
Monografia apresentada à Universidade
Estácio de Sá como requisito parcial para
a obtenção do grau no Curso de
Pedagogia.
Orientadora Professora Mariana Tavares
Ferreira.
Aprovada em 01 de dezembro de 2005.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________
Profª. Ms. Mariana Tavares Ferreira
Universidade Estácio de Sá
________________________________________________________
Profª. Ms. Adriana dos Santos Fernandes
Universidade Estácio de Sá
________________________________________________________
Profª. Ms. Ana Maria Inocêncio Matos
Universidade Estácio de Sá
6. 13
À minha mãe
que me faz avistar a luz
quando me percebo
tão longe dela.
A todas as crianças autistas
e suas famílias.
Aos que têm consciência dos
momentos em que nos
comportamos “autisticamente” e
vêem além dos muros
dessa palavra.
Aos que sabem que
mesmo nos mistérios que
existem em cada ser,
somos todos iguais,
somos todos diferentes...
7. 14
AGRADECIMENTOS
A Deus, por permitir que eu continuasse a caminhada.
A minha mãe pela torcida e pelas orações. Amo você...
A Daniel, por ouvir incessantemente quando eu falava apenas
sobre o mesmo assunto e me escutar lendo várias vezes o mesmo
texto como se fosse a primeira vez.
A Dona Maria do Socorro por ter ajudado tanto, nós sabemos o
quanto...
A minha orientadora, Mariana Tavares Ferreira, por ficar até
tarde me ouvindo falar sobre autismo e por sua ajuda.
Ao meu amigo e sempre professor José Roberto por me
incentivar a todo instante, acreditando tanto em mim que acabou
fazendo com que eu acreditasse também.
À professora Adriana que sempre me faz perceber como é
possível saber MUITO e mesmo assim ser uma pessoa simples,
amiga e divertida.
Ao coordenador Marcos Antonio e todos os meus professores e
professoras que colaboraram no desenvolvimento e superação dos
meus conhecimentos e das minhas limitações.
Às Instituições por onde passei e/ou busquei informações,
especialmente à Associação mão amiga, a AMA, a AUMA, ao
CRADD e ao Centro Ann Sullivan do Brasil.
A todas as pessoas que direta ou indiretamente colaboraram
com o presente trabalho e a caminhada percorrida durante a
pesquisa.
8. 15
Enfim, o autismo é uma síndrome intrigante porque desafia nosso
conhecimento sobre a natureza humana. Compreender o autismo é
abrir caminhos para o entendimento do nosso próprio
desenvolvimento. Estudar autismo é ter nas mãos um “laboratório
natural” de onde se vislumbra o impacto da privação das relações
recíprocas desde cedo na vida. Conviver com o autismo é abdicar de
uma só forma de ver o mundo – aquela que nos foi oportunizada desde
a infância. É pensar de formas múltiplas e alternativas sem, contudo,
perder o compromisso com a ciência (e a consciência!) – com a ética.
É percorrer caminhos nem sempre equipados com um mapa nas mãos,
é falar e ouvir uma outra linguagem, é criar oportunidades de troca e
espaço para os nossos saberes e ignorância. Se a definição de autismo
passa pela dificuldade de se colocar no ponto de vista afetivo do outro
(um comprometimento da capacidade empática, como diz Gillberg,
1990) é, no mínimo curioso, pertencer a uma sociedade em que raros
são os espaços na rua para cadeiras de roda, poucas são as cadeiras
escolares destinadas aos “canhotos” e bibliotecas equipadas para quem
não pode usar os olhos para ler. Torna-se então difícil identificar quem
é ou não “autista”. (BOSA. In: BAPTISTA; BOSA, 2002:37).
9. 16
RESUMO
Neste momento a inclusão vem sendo, a todo instante,
mencionada pala mídia e meios acadêmicos, em função das leis
vigentes, principalmente a Declaração de Salamanca. Considerando
esse contexto, e vale dizer, apesar dele, torna-se urgente o
conhecimento e a aceitação de indivíduos portadores do espectro
autista e o que esta condição significa. Hoje, sabe-se que o número
de portadores da síndrome do autismo é maior que o de pessoas com
problemas como o câncer, a síndrome de down, dentre outros. O
presente trabalho aborda conhecimentos dos profissionais da área
sobre o autismo, as intervenções pedagógicas, relatos de autistas e
principalmente, uma reflexão crítica e humana sobre o conceito de
normalidade da sociedade, considerando nossas diferenças e
semelhanças, nesse contexto onde através da educação é possível a
“prática da liberdade”.
Palavras-chave: autismo, educação, inclusão, intervenção
pedagógica.
10. 17
ABSTRACT
The moment we live in is one in which inclusion is being, all the
time, mentioned in media and mainly in academy, because of laws in
vigour, especially Salamanca Declaration. Considering this context, and
daring to say, despite it, it becomes urgent to develop some knowledge and
an acceptance of individuals by the autistic specter, as well as of what this
condition means. Today it is known that the number of individuals with
the autistic syndrome is greater then that of people with problems like
cancer, down syndrome, amongst others. We approach in the present work
what professionals of the area already know about autism, the pedagogical
interventions, some stories of autists and mainly, a critical and human
reflection about the concept of normality in our society, considering our
differences and similarities, in this context where through education a
"practical of freedom" is possible.
Key-words: autism, education, inclusion, pedagogical intervention.
11. 18
SUMÁRIO
DANIELE PACHECO DO NASCIMENTO MOURA .................... 10
DANIELE PACHECO DO NASCIMENTO MOURA .................... 12
AGRADECIMENTOS ........................................................................ 14
1. COMO É SER AUTISTA?.............................................................. 26
2. ATÉ ONDE PODE CAMINHAR O APRENDIZADO DE UMA
CRIANÇA AUTISTA? ........................................................................ 37
3. PONTES ENTRE NÓS... ............................................................... 58
Gostaria da sua visão como médico sobre: ........................................ 81
A questão do diagnóstico:.................................................................... 81
REFERÊNCIAS................................................................................... 91
ANEXO – Entrevista elaborada para os professores ....................... 96
13. 20
INTRODUÇÃO
O abandono não mata o jardim, o que mata o
jardim é o olhar indiferente de quem por ele passa1.
“AUTISMO” – Quantas vezes você já ouviu essa palavra?
Muito utilizada nos tempos atuais, é comum ler, até mesmo
em blogs de adolescentes, frases do tipo: “Estou totalmente autista!”
ou “Se você se sente como um autista, junte-se a nós!”. Há casos
mais divulgados como o do colunista de jornalismo político do
Jornal O Povo, Fábio Campos, que em matéria de 12/02/2005,
intitulada “Lula e o que diz respeito ao Estado do Ceará”, usou a
seguinte frase “Embora presente no discurso do presidente, a Sudene
está claramente fora da pauta política nacional. Percebe-se um certo
„autismo‟ de Lula quando fala do órgão”. Bem como o caso do ex-
ministro da fazenda Gustavo Krause que em 27/02/2005 no Jornal
do Brasil escreveu o artigo “PT, autismo e autoritarismo”. Podemos
notar que a palavra „autismo‟ está sendo utilizada, também, como
uma forma de crítica ou “estado de espírito”.
Será que essas pessoas têm consciência das conseqüências
que a condição de “autista” reserva à vida de um indivíduo e sabem
realmente o que significa ser autista?
Uma revisão rápida da literatura permite-nos
encontrar a palavra “autismo” escrita de diferentes
formas – com “a” maiúsculo e minúsculo, com e sem o
artigo antecedendo a palavra (o Autismo? Ou o
autismo?), como síndrome comportamental, síndrome
neuropsiquiátrica/neuropsicológica, como transtorno
invasivo do desenvolvimento, transtorno global do
desenvolvimento, transtorno abrangente do
desenvolvimento, transtorno pervasivo do
desenvolvimento (essa palavra nem consta no Aurélio!),
psicose infantil, precoce, simbiótica, etc. Ouve-se falar
em pré-autismo, pseudo-autismo e pós-autismo. E está
instaurada a confusão!2
A falta de informações sobre o autismo, ainda, é a
responsável por mitos existentes a anos. Não é raro quando alguém
se refere ao indivíduo autista com questões como: “os autistas vivem
em seu próprio mundo”, “autistas nunca interagem ou olham nos
olhos”, etc. Em função da preocupação a respeito de toda essa falta
de informação, principalmente na área pedagógica, surgiu a
inquietação para abordar o tema “autismo e educação”.
1
QUINTANA, M. In: TOGNETTA, L. R. P. A construção da
solidariedade e a educação do sentimento na escola: uma proposta de
trabalho com as virtudes numa visão construtivista. Campinas, SP:
Mercado de Letras; São Paulo: Fapesp, 2003. p. 20.
2
BOSA, C. Autismo: atuais interpretações para antigas observações. In:
BAPTISTA, C. R.; BOSA, C. (ORGs). Autismo e educação: reflexões e
propostas de intervenção. Porto Alegre: ARTMED, 2002. p. 22.
14. 21
Hoje, segundo “Os diferentes graus do autismo” (CD-ROM
cujo falaremos a respeito ao longo do presente trabalho), existem
mais crianças autistas que com síndrome de Down e até mesmo
câncer. Os números são assustadores. Bosa3 afirma que somente “no
Brasil calcula-se que existam, aproximadamente, 600 mil pessoas
afetadas pela síndrome do autismo (Associação Brasileira de
Autismo, 1997), se considerarmos somente a forma típica da
síndrome”. Ora, se em 1997 a numeração era esta, certamente o
número não ficou estagnado, e já se passaram oito anos.
É justamente neste contexto, que nós, educadores,
precisamos nos focar. Com um número que nos indica dimensões
consideráveis, não será nenhuma grande surpresa se nos depararmos
com uma criança diagnosticada como autista (e às vezes, até mesmo,
sem diagnóstico) em sala de aula. Além disso, é exatamente na
escola onde essas crianças não podem deixar de estar!
É lamentável que a grade curricular dos cursos de
pedagogia ainda não aborde de forma sistemática questões como a
síndrome do autismo, hiperatividade, dislexia, educação de cegos,
surdos, etc. Mesmo quando há essa abordagem acontece de forma
muito rápida, não sendo suficiente para o entendimento de assuntos
extremamente complicados.
Como pedagoga e, pior, como ser humano, não tinha a
menor noção de como uma pessoa autista se comportava, quais eram
suas estereotipias, enfim, como seria uma pessoa autista. Quando me
deparei com uma criança que apresentava características autistas não
fazia a menor idéia do que poderia estar acontecendo com ela.
Primeiro veio o choque, depois a busca por informações.
No presente trabalho, o tema será abordado pelo aspecto
educacional. Vale ressaltar que em função da complexidade do
assunto foram feitas, também, pesquisas em relação à área médica,
psicológica, neurológica, dentre outras, mas o objetivo, no
momento, é tratar das questões educacionais essenciais na vida
desses indivíduos, vistos, não raro, como incapacitados. Uma das
questões principais é mostrar além de medidas possíveis para
uma vida melhor e mais digna do portador da síndrome, que
mitos existentes e a falta de tratamentos e educação adequados,
acabam ocasionando falta de oportunidades e negligência.
A comunidade escolar e o sistema educacional
raramente conseguem atuar de forma coerente, no sentido de
ajudar, nortear e desenvolver as potencialidades dessas pessoas.
Mas a negligência também é notada na área médica, que muitas
vezes não fornece um diagnóstico correto, impossibilitando que
a família procure o quanto antes intervenções necessárias para
um desenvolvimento significativo, bem como melhores
alternativas e oportunidades para o indivíduo em questão.
O autismo é uma desordem descrita como
persistente e duradoura. São raros os relatos de
mudanças no diagnóstico: crianças diagnosticadas
3
Ibid., p. 31.
15. 22
como autistas mantém-se autistas durante a
adolescência e vida adulta. No entanto, ao longo do
tempo, o indivíduo com autismo muda seu
comportamento e as atipias respectivas podem se
atenuar com a idade e o nível de desenvolvimento,
dependendo das intervenções educacionais e
terapêuticas que receba.4
O professor não raro, se encontra sem estrutura necessária
para deparar-se com um aluno autista. Muitos se preocupam com o
fracasso do aluno e a frustração da falta de reconhecimento de sua
prática que pode ocorrer nesse processo. Assim se afastam quando
poderiam colaborar na aplicação dos rumos que serão capazes de
despertar o desenvolvimento desses alunos.
A globalização da
informação pode assustar o profissional não
atualizado, e é bom que seja assim, pois educa o
cliente/consumidor a não ser “paciente” com a
falta de informação e obriga a todos buscar
novas e inovadoras soluções e alternativas.
Obriga a nós todos sermos criativos, ousados,
corajosos e humildes nas buscas e muito loucos
no nosso ousar.5
Motivar, incluir e desenvolver essas crianças é, também,
motivo para a elaboração do presente trabalho, buscando tirá-las de
seu mundo interior, tornando-as capazes de olharem nos olhos, de
interagir, enfim de desabrocharem. A partir de então, incluí-las,
dependerá de nossa sociedade que sim, é autista em relação às
diferenças e problemas alheios. “Mesmo que o autismo não tenha
cura as crianças que sofrem deste distúrbio deveriam ter a mesma
chance de aprender que as outras crianças6”.
Neste sentido, acredito que, pesquisas somente em
materiais teóricos não são suficientes para a abordagem do tema.
Sendo assim, dentre as formas de pesquisa estão a observação de
filmes como “Uma mente brilhante”, “Código para o inferno”,
dentre outros e o CD-ROM já mencionado, distribuído pela
fundação Verônica Bird – elaborado para pediatras, mas válido para
o conhecimento a respeito do autismo de uma forma geral,
abordando, também, a questão pedagógica. Foram fontes de
4
PERISSINOTO, J. Histórico do autismo. In: ______. (Org.).
Conhecimentos essenciais para atender bem as crianças com autismo.
São José dos Campos: Pulso, 2003. p. 20.
5
GAUDERER, C. Autismo: democratização do agir. In: LOPES, E. R. B.
Autismo: trabalhando com a criança e com a família. São Paulo:
EDICON: AUMA, 1997. p. 17.
6
LOTTER, M.; WING, L.; GOULD, K. Os efeitos da educação numa
população de crianças autistas. In: GAUDERER, C. Autismo e outros
atrasos do desenvolvimento: guia prático para pais e profissionais. 2. ed.
Rio de Janeiro: Revinter, 1997. p. 258.
16. 23
pesquisa, também, depoimentos de pais de crianças autistas, do autor
Nilton Salvador, do Dr. Walter Camargos Jr., entrevistas com
professores de classes regulares de forma geral e de profissionais
que trabalham diretamente com crianças autistas. Dentre as fontes
pesquisadas cito:
“Autismo e educação”, onde profissionais discorrem sobre
o tema expondo os problemas que a síndrome causa ao indivíduo e
mostrando formas adequadas para a questão educacional dos
autistas, respeitando suas semelhanças e diferenças em busca de
melhorias e transformações.7
“Uma menina estranha” mostra esperanças para todos os
envolvidos com a questão do autismo. Diagnosticada muito cedo
como autista, em sua autobiografia comenta sobre acontecimentos
da sua vida desde as brincadeiras de massinha às dificuldades
escolares ocorridas da infância, até sua formação PHD. Aborda suas
necessidades, fixações, os problemas ocorridos ao longo de sua vida
e como superou a todos eles.8
“Autismo: trabalhando com a criança e a família” escrito
por Eliana Rodrigues Boralli Lopes cuja formação é de assistente
social formada pela Faculdade Paulista de Serviço Social e formada,
também, em Psicodrama Pedagógico, fundadora e presidente da
Associação dos Amigos da Criança Autista – AUMA. Eliana sempre
se preocupou em ajudar as crianças e famílias ligadas ao autismo,
coordena e criou vários projetos para a educação de crianças
autistas, realiza palestras e dá orientação à pais, estudantes e
profissionais, além de cuidar de seu grande orgulho, Nathália. Sua
filha diagnosticada como autista, hoje, já está totalmente
alfabetizada.9
A autora do “guia prático sobre autismo” utiliza seus
conhecimentos, bem como as publicações em outras línguas como
embasamento teórico e o disponibiliza para a AMA. Oferece na
publicação informações claras sobre a vida diária da criança autista,
suas necessidades e peculiaridades.10
Sendo assim, o presente trabalho vem mostrar a
importância da área educativa para o indivíduo autista de forma que
desenvolva suas potencialidades e adquira possibilidades para estar
aprendendo. Ampliando sua visão de vida e de mundo, buscamos
minimizar e extinguir estereotipias, enfim, a intenção é de que com
métodos específicos para cada criança esta se desenvolva ao
7
BAPTISTA, C. R.; BOSA, C. (Orgs.). Autismo e educação: reflexões e
propostas de intervenção. Porto Alegre: ARTMED, 2002.
8
GRANDIN, T. Uma menina estranha. Tradução Sergio Flaksman. São
Paulo: Companhia das Letras, 1999.
9
LOPES, E. R. B. Autismo: trabalhando com a criança e com a família.
São Paulo: EDICON: AUMA, 1997.
10
MELLO, A. M. S. R. Autismo: guia prático. 4. ed. São Paulo: AMA;
Brasília: CORDE, 2004.
17. 24
máximo e este “máximo” nenhum de nós pode saber até onde
chegará.
O diferencial nesse trabalho está no fator referente à busca
pela liberdade, tendo como pilar principal a visão Freiriana. Estar às
“sombras dos outros” vai bem mais além que não saber ler e
escrever. Imagine um indivíduo que não consegue sequer utilizar o
toalete, desenvolver-se a tal ponto de conseguir cuidar-se sozinho
(tomar banho, preparar seu alimento, se comunicar mesmo que não
seja através da fala, etc). Aqui está a verdadeira Pedagogia da
Esperança, quando imaginamos que alguém impossibilitado perante
as ações mais triviais da vida supera a si mesmo. Aqui está a idéia
principal do presente trabalho: A liberdade pela esperança, pela
Pedagogia da Esperança!
Essa questão ficou muito clara durante as visitas realizadas
a diferentes instituições onde foram observadas atividades e
intervenções, bem como realizada co-participação em algumas
delas. Quando se acredita no indivíduo ele pode realmente atingir
níveis surpreendentes em seu desenvolvimento.
Dessa forma a abordagem discorrerá nos capítulos de
seguinte forma:
No capítulo I (Como é ser autista?) falaremos, de forma
resumida, sobre o se trata o autismo, características da síndrome, a
importância do diagnóstico precoce e as conseqüências deste não
diagnóstico, a questão dos profissionais da saúde e dos tratamentos
específicos, a importância da participação familiar desde muito antes
do diagnóstico, a aceitação da família em relação à criança e não ao
espectro – a inclusão começa em casa.
Seguimos no capítulo II (Até onde pode caminhar o
aprendizado de uma criança autista?) onde abordaremos sobre a
inclusão, o amparo legal, falaremos sobre os profissionais da área
educativa, as intervenções e os métodos mais utilizados e
significativos. Discorreremos, como o próprio título já diz, sobre os
limites da aprendizagem de uma criança autista (existe tal limite?).
Trataremos no capítulo III (Pontes entre nós...) sobre as
questões relacionadas aos depoimentos, resultados das entrevistas e
exemplos de vida de algumas pessoas diagnosticadas como autistas.
Seguiremos com as considerações finais refletindo e discorrendo
sobre questões pertinentes em relação ao presente trabalho.
Gostaria de chamar atenção para os termos que utilizamos
até o presente momento e serão utilizados no trabalho. Observamos
e observaremos colocações do tipo: “pessoas portadoras do
autismo”, “pessoas autistas”, “crianças autistas”, “portadores da
síndrome do autismo ou portadores da síndrome”. Cientes dos
pensamentos contraditórios a termos para fazer menção a quem tem
foco neste trabalho – seres humanos com necessidades de receber,
também, atenções especiais para o âmbito educacional – torna-se
importante esclarecer que não estaremos presos a colocações, a
termos.
Buscaremos tratar o presente assunto com respeito por
essas pessoas (autistas) e amor para realizar tal trabalho, amor este
18. 25
que “como ato de valentia, não pode ser piegas; como ato de
liberdade, não pode ser pretexto para a manipulação, senão gerador
de outros atos de liberdade. A não ser assim, não é amor”.11
Aqui está um convite para entrarmos no que muitos
chamam de um mundo estranho. O melhor neste contexto é perceber
que mesmo com tantas diferenças, autistas ou não, somos todos
absolutamente iguais e poderemos juntos reafirmar nesta leitura as
nossas semelhanças.
11
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 39. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p.
80.
19. 26
1. COMO É SER AUTISTA?
Traga dúvidas e incertezas, doses de ansiedade, construa e desconstrua
hipóteses, pois aí reside a base do pensamento científico do novo século.
Um século cansado de verdades, mas sedento de caminhos.12
Descrito pela primeira vez por Leo Kanner em 1943, no
artigo chamado “Distúrbios autísticos do contato afetivo”, o autismo
gera muitas perguntas e grande parte, ainda, sem respostas.
No material teórico existente sobre o tema podemos
encontrar uma série de definições do autismo. Há definições muito
fortes como a da “THE NATIONAL SOCIETY FOR AUTISTIC
CHILDREN” – USA – 197813 que explica ser o autismo “[...] uma
inadequacidade manifestada de maneira grave no desenvolvimento
[...]” tendo como agravante ser “[...] Incapacitante [...]”.
A definição na íntegra se encontra da seguinte forma:
Autismo é uma inadequacidade no desenvolvimento que se
manifesta de maneira grave, durante toda a vida. É incapacitante, e aparece
tipicamente nos três primeiros anos de vida. Acomete cerca de cinco entre
cada dez mil nascidos e é quatro vezes mais comum entre meninos do que
em meninas.
É uma enfermidade encontrada em todo o mundo e em famílias de toda
configuração racial, étnica e social. Não se conseguiu provar nenhuma
causa psicológica no meio ambiente dessas crianças que possa causar
autismo.14
Sendo essas palavras motivadoras apenas de estagnação,
trabalharemos aqui com a definição de que o autismo é um distúrbio
do desenvolvimento com base em vários autores dentre estes Mello15
e Schwartzman16. De forma mais clara e explicativa podemos dizer
que esse distúrbio tem base neurológica – questão que Schwartzman
complementa em sua fala na referência supracitada – apresenta-se
das formas mais moderadas às mais severas afetando independente
da forma como se apresenta a tríade:
Desenvolvimento social;
Desenvolvimento da comunicação – focando que a comunicação está
relacionada não apenas à fala como, também, à comunicação gestual;
12
WERNECK, C. In: FERREIRA, M. E. C.; GUIMARÃES, M.
Educação inclusiva. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 121.
13
A definição da “THE NATIONAL SOCIETY FOR AUTISTIC
CHILDREN” – USA – 1978 está presente em algumas obras que tratam do
tema autismo, como LOPES (1997) e GAUDERER (1997).
14
THE NATIONAL Society For Autistic Children. In: LOPES, E. R. B.
Autismo: trabalhando com a criança e com a família. São Paulo:
EDICON: AUMA, 1997. p. 19.
15
MELLO, A. M. S. R. Autismo: guia prático. 4. ed. São Paulo: AMA;
Brasília: CORDE, 2004. p. 08.
16
SCHWARTZMAN, J. S. Autismo infantil. São Paulo: Memnom, 2003.
p. 03.
20. 27
Desenvolvimento comportamental (considerando neste fator os
comportamentos ou interesses repetitivos e estereotipados).
No CD-ROM17 “Os diferentes graus do autismo”, o neuropediatra Dr.
Stephen H. Mott define o grupo dos cinco transtornos sobre o qual o
autismo faz parte que são:
Autismo / Distúrbio autista: O comprometimento da linguagem é extenso,
havendo mais prejuízo que apenas a linguagem comunicativa ou linguagem
pragmática;
Síndrome Asperger: Quando o envolvimento é apenas na linguagem
pragmática;
Síndrome de Rett: Trata-se de um transtorno invasivo do desenvolvimento
bastante clássico quando a criança tem um desenvolvimento normal até a
primeira infância e nesse período há uma regressão na linguagem, na interação,
nas brincadeiras, bem como na habilidade intelectual e cognitiva. Neste caso a
estatística mostra que 98% dos casos são meninas.
Síndrome desintegradora da infância: muito rara, a criança tem um
desenvolvimento normal dos 2 anos aos 2 anos e meio de vida.
Transtorno invasivo do desenvolvimento não especificado: Quando alguns
desses sintomas embora presentes não possuem a dimensão que possam se
qualificar para qualquer um dos quatro distúrbios acima.
Como cita Schwmartzman:
No que se refere ao AI18 e à Síndrome de Asperger, a maioria dos autores
considera que os dois quadros apresentam a mesma condição, diferindo tão
somente no que diz respeito ao grau de severidade. A Síndrome de
Asperger seria, deste ponto de vista, uma forma atenuada, menos severa,
do quadro AI. Esta é a visão que temos no momento, mas que começa a ser
posta em dúvida por alguns autores, segundo os quais estaríamos frente a
duas condições similares, porém, na verdade, diferentes não somente com
relação ao quadro clínico, mas também ao prognóstico.19
O que está sendo chamado por AI na citação acima é
chamado, também, por muitos autores de autismo clássico, no caso,
o que foi citado por Kanner – os autistas parecem que não escutam e
não interagem. Em geral não há linguagem, a fala é limitada,
acontece com repetições (ecolalia), há pouca fala produtiva, é
comum o uso da fala na terceira pessoa, por exemplo: Quando a
criança quer água diz: "Ele quer água".
Em contra partida, na síndrome de Asperger muitas vezes a
fala é – de certa forma –pedante, acontece com o uso de palavras
pouco usuais para a idade da criança. Essa fala existente é estranha e
se apresenta com limitações pragmáticas, há peculiaridades
prosódicas e na forma de sua melodia ou em sua ausência. Os
“asperger” possuem inteligência e interesses por questões
extremamente restritas.
17
OS DIFERENTES GRAUS DO AUTISMO: Exame e diagnóstico dos
distúrbios do espectro autista. Fundação filantrópica Veronica Bird. CD-
ROM.
18
AI (Autismo Infantil).
19
SCHWARTZMAN, J. S. Autismo infantil. São Paulo: Memnom, 2003.
p. 16-17.
21. 28
Quanto a Síndrome de Rett, segundo Rivière20:
Situa-se no extremo da síndrome de Asperger. [...] Se trata de um
transtorno sempre acompanhado de um nível grave ou profundo de atraso
mental. Trata-se de uma alteração evolutiva que ocorre sempre após um
período de 5 ou 6 meses de evolução normal no começo da vida e que se
acredita (embora haja alguma discussão a respeito) que se dá apenas em
meninas (por haver mutação genética em cromossomo X, que daria lugar à
inviabilidade dos embriões masculinos). Manifesta-se pela ausência de
atividade funcional com as mãos, dedicadas de forma repetida a
estereótipos de “lavar” ou “recortar”, isolamento, atraso importante no
desenvolvimento da capacidade de andar (com ambulação rígida e pouca
coordenada, quando se adquire, e posteriormente sua perda na
adolescência), perda de capacidade de relação, ausência de competências
simbólicas e de linguagem, microcefalia progressiva (pois a cabeça cresce
em ritmo menor que o resto do corpo), alteração de padrões respiratórios,
com hiperventilação e hipoventilação freqüentes, ausência de relação com
objetos e prognóstico pobre a longo prazo.21
No caso da síndrome desintegradora da infância, segundo a
autoria supracitada22:
[...] é um quadro pouco conhecido e que implica uma perda de funções e
capacidades previamente adquiridas pela criança (isto é, uma clara
regressão). Para diagnosticar tal transtorno, a perda tem de ocorrer depois
de 2 anos e antes dos 10, e tem de estabelecer-se com garantias de que
antes da regressão havia um desenvolvimento claramente normal de
competências de linguagem, comunicação não-verbal, jogo, relações
sociais e condutas adaptativas. O critério diagnóstico básico é que deve
haver perdas pelo menos em duas destas cinco áreas:
1. Linguagem expressiva e receptiva.
2. Competências sociais e adaptativas.
3. Controle de esfíncteres vesicais e/ou anais.
4. Jogo.
5. Destrezas Motoras.
É importante que sejam observadas questões como a
associação do autismo com atraso mental moderado ou severo, a
gravidade que o transtorno se apresenta, a idade, o sexo – As
mulheres são afetadas com menos freqüência que os homens, mas de
forma mais severa – adequação e eficiência dos tratamentos e
experiências de aprendizagem, compromisso e apoio familiar.23
O quadro relativo aos sintomas vai estar diretamente ligado
aos indícios que o indivíduo apresenta em relação a esses fatores,
sendo fundamental que aconteça um trabalho integrado com uma
equipe com profissionais da saúde, educação e família, todos
20
COLL, C.; MARCHESI, A.; PALACIOS, J. (Org.). Desenvolvimento
psicológico e educação: Transtornos do desenvolvimento e necessidades
educativas especiais. Tradução Fátima Murad. 2. ed. Porto Alegre:
ARTMED, v. 3, 2004. p. 234-254.
21
Ibid. p. 239
22
Ibidem., p. 239-240.
23
RIVIÈRE, op. cit., p. 241.
22. 29
buscando atuar de forma que se façam compreender uns pelos
outros, ou seja, o Pedagogo deve buscar uma linguagem que o
médico e a família compreenda e os profissionais participantes da
educação e da saúde, bem como a família, precisam agir da mesma
forma, visando melhorias para a vida do indivíduo autista. O mais
importante é que ele seja beneficiado.
Em função da existência desses transtornos relacionados ao
autismo, surgiu a idéia do chamado “espectro autista” que se
originou da pesquisa realizada por Lorna Wing E Judith Gould
(1979). Com o resultado dessa pesquisa foi descoberto que “a
prevalência de déficits sociais graves era mais de quatro vezes
superior ao do transtorno autista, e também que em todas as crianças
com esses déficits concorriam os principais sintomas do espectro
autista”.24
Conforme citamos na introdução deste trabalho, podemos
observar na literatura existente sobre autismo que há uma série de
definições a respeito.
Conforme Schwartzman:
Este panorama começou a se modificar a partir do surgimento de
critérios diagnósticos descritivos, tais como o Manual de Diagnóstico e
Estatística da Associação Americana de Psiquiatria (DSM), publicado em
1989 em sua versão revisada (DSM-R) e, posteriormente, em 1991 em sua
versão atualizada DSM-IV, e a Classificação Internacional das Doenças,
editada pela Organização Mundial de Saúde na sua 10ª edição em 1993
(CID-10).
No DSM-IV, o AI foi incluído dentro de uma categoria mais ampla
de desordens denominada de Distúrbios Globais do Desenvolvimento,
enquanto na CID-10 foi criado o grupo dos Transtornos Invasivos do
Desenvolvimento, entre os quais estava o AI.25
Considerando esses fatores, muitos acreditam que o
crescente número de diagnóstico em relação ao autismo ocorra em
virtude dos critérios de inclusão terem se tornado mais abrangentes,
conforme comenta Schwartzman26, e é inegável que o número dos
casos de autismo vem crescendo assustadoramente.
É intrigante que muitas pessoas ainda desconheçam
completamente o que é o autismo ou nunca tenham ouvido falar a
respeito. Em geral, as pessoas desconhecem as características de um
autista ou tem uma idéia fantasiosa a respeito em função do que se
mostra na mídia como o caso do filme Rainman em que Dustin
Hoffman interpretou a vida de um menino autista com fixação por
números e extrema habilidade com os mesmos. Quando se fala em
autismo as pessoas pensam que se trata de pessoas extremamente
inteligentes ou desprovidas de inteligência. A idéia é a de que eles
“vivem em seu próprio mundo”, não olham nos olhos, não entendem
24
COLL, C.; MARCHESI, A.; PALACIOS, J. (Org.). Desenvolvimento
psicológico e educação: Transtornos do desenvolvimento e necessidades
educativas especiais. Tradução Fátima Murad. 2. ed. Porto Alegre:
ARTMED, v. 3, 2004. p. 241-242.
25
SCHWARTZMAN, J. S. Autismo infantil. São Paulo: Memnom, 2003.
p. 09-10.
26
Ibid.
23. 30
o que acontece ao seu redor, etc. A verdade é que podemos ter um
autista próximo de nós e desconhecermos por não sabermos sobre o
que se trata.
Autismo afeta mais meninos que meninas, em números são
04 (quatro) meninos afetados para 01 (uma) menina. No caso das
meninas, porém, são afetadas de forma mais severa, “embora isso
possa ser explicado pela tendência de as meninas com autismo
apresentarem QI mais baixo do que os meninos” conforme Lord e
Schopler.27
Hoje, a questão do autismo vem sendo muito mais
pesquisada. Quando Kanner pesquisou o autismo percebeu que
irmãos e pais de crianças com autismo apresentavam dificuldades
sociais. Houve momentos em que foi discutida ser a causa do
autismo a ausência de proximidade, carinho, atenção por parte dos
pais para com a criança.
Os pais destas crianças eram vistos como frios, extremamente
intelectualizados, muito verbais, rígidos, e emocionalmente muito
comprometidos. A partir destas idéias originais, criaram-se muitos mitos e
verdadeiras fábulas que vêem sendo repetidos, apesar da total ausência de
evidências que os provem. 28
Hoje, está claro que se tratava de uma inverdade, mas que
ainda é alvo de credibilidade para muitas pessoas que acreditam,
injustamente, estar, principalmente, nas mães a causa para o autismo
da criança, essa questão foi tema inclusive do filme “Refrigerator
Mothers”.
Esse fator foi fruto do estudo de Kanner onde era apontado
por ele, que os pais de crianças autistas eram pessoas dotadas de
grande capacidade intelectual e grande distanciamento em relação
aos filhos. Através de pesquisas recentes está imperando cada vez
mais o parecer de que o autismo tem uma base genética, mesmo que
outras causas sejam discutidas como os fatores ambientais.
Sobre o trabalho que o próprio Kanner escreveu em 1943,
Schwartzman comenta:
Kanner levantou a hipótese relacional da etiologia do AI, no final do texto,
ele observou que em algumas crianças os defeitos comportamentais eram
tão precoces e severos que seria pouco provável que algo externo à criança
pudesse comprometê-la deste modo em tão pouco tempo. Uma alternativa
que ele sugeriu sem muito entusiasmo, é verdade, seria a de uma causa
biológica.29
Fazendo um estudo mais aprofundado das famílias de um
indivíduo portador da síndrome do autismo, freqüentemente, são
observados em alguns de seus membros fatores como dificuldade de
27
BOSA, C. Autismo: atuais interpretações para antigas observações. In:
BAPTISTA, C. R.; BOSA, C. (ORGs). Autismo e educação: reflexões e
propostas de intervenção. Porto Alegre: ARTMED, 2002. p. 31.
28
SCHWARTZMAN, J. S. Autismo infantil. São Paulo: Memnom,
2003. p. 06.
29
SCHWARTZMAN, J. S. Autismo infantil. São Paulo: Memnom, 2003.
p. 07.
24. 31
aprendizagem, interação social, retardo mental, depressão, dentre
outros.
Sobre as causas do autismo, em entrevista à revista ÉPOCA
de 27/09/2004 o cientista sueco Christopher Gillberg afirma que o
autismo pode, também, se dar por questões pré-natais, por exemplo.
Alguns casos são atribuídos a drogas teratogênicas (como a
talidomida) consumidas pela mulher grávida ou ao excesso de bebida
alcoólica na gestação. Metais pesados como chumbo, mercúrio e outros
materiais também parecem danificar o cérebro e levar ao autismo. Mas
fatores genéticos determinam a maioria dos casos. Um dos pais carrega
dois genes envolvidos numa maior suscetibilidade ao distúrbio. O outro
cônjuge carrega outros três. O autismo pode ser fruto da combinação
infeliz desses genes.
Dentre algumas descobertas podemos citar, conforme
explica o neuropediatra Andrew Zimmerman em “Os diferentes
graus do autismo30” que este:
[...] pode ser compreendido como um transtorno no qual várias das
complexas redes neurais do cérebro não conseguem interagir, as redes
existentes podem estar funcionando cada uma num nível separado, mas
não existe interligação necessária entre elas.
O autismo causa vários déficits. Por se tratar de uma
síndrome não encontraremos um autista igual ao outro, cada um
apresenta uma estereotipia, um sintoma, um comportamento
diferente. Não há remédios para o autismo. O autismo não é uma
doença. Sendo assim os medicamentos para os portadores da
síndrome são recomendados para a diminuição de sintomas e
quando houver condições deve ser retirado.
A Drª Carla Gikovate em programação realizada no
31
IBAM a respeito do tema afirma que os medicamentos devem ser
usados em casos como Impulsividade (que muitas vezes é guiada
pela falta de comunicação), dificuldade no sono, alteração no humor
(existe o transtorno do humor + autismo), irritabilidade, tics,
sintomas obsessivos, agressividade, etc.
Mesmo com as pesquisas que vêm sendo desenvolvidas a
causa ainda não foi encontrada e não há cura conhecida em se
tratando de autismo, mas há uma série de cuidados e atitudes que
quando realizados melhoram a vida do indivíduo autista e muitas
vezes os levam a ter uma vida muito próxima ao normal. Para tanto
há fatores decisivos na vida de um indivíduo autista, como o
diagnóstico precoce, uma das primeiras e grandes dificuldades na
vida dessas pessoas.
Uma das dificuldades nesse sentido está relacionada aos
próprios familiares. Embora não aconteça em todos os casos,
existem famílias que se recusam a perceber o atraso ou
comportamento diferenciado da criança. Esta é uma questão
30
O já mencionado CD-ROM distribuído pela Fundação
filantrópica Veronica Bird “Os diferentes graus do autismo: Exame e
diagnóstico dos distúrbios do espectro autista”.
31
IBAM (Instituto Brasileiro de Administração Municipal) – na cidade do
Rio de Janeiro. O evento ocorreu no dia 14 de julho de 2005, contando com a
presença da Drª Carlo Gikovate e da Srª Verônica Bird.
25. 32
complexa, porém, perfeitamente compreensível uma vez que os
familiares possuem em relação ao filho tão esperado uma série de
expectativas e sonhos. Ora, imagine pensar na possibilidade do filho
ser portador de alguma limitação ou deficiência? – Digo limitação
ou deficiência porque uma grande parte da população não sabe
sequer o que é o autismo e, talvez, essa seja uma das últimas
possibilidades a serem mencionadas pela família. Os que sabem, em
certos casos, preferem não pensar nessa possibilidade: A
possibilidade do AUTISMO. Essa palavra repleta de mistérios e
preconceitos...
Essa questão se agrava com a procura por um médico que
venha informar à família a respeito do “problema” da criança.
Pediatras, em geral, não sabem diagnosticar o autismo. O CD-ROM
“Os diferentes graus do autismo” foi elaborado com destino aos
médicos pediatras por desconhecimento da síndrome. Um
neurologista também nem sempre sabe diagnosticá-lo.
O fato é que não existe nenhum exame que acuse a
existência do autismo no indivíduo. O diagnóstico baseia-se no
conhecimento da síndrome e no histórico de vida da criança, seu
comportamento, socialização, como brinca, etc. Quanto maior o
tempo sem diagnóstico o maior prejudicado é o próprio indivíduo.
Quando diagnosticado desde cedo, principalmente quando criança,
até os três anos de idade, melhores serão os resultados futuros para
essa criança.
Essa questão não é problemática apenas em nosso país,
países desenvolvidos também passam por problemáticas dessa
ordem, conforme afirmou Veronica Bird na palestra que ocorreu no
IBAM. Nos países mais desenvolvidos, como nos Estados Unidos, o
que há de melhor são as abordagens pedagógicas, inclusive
fornecidas pelo governo, para pessoas diagnosticadas como autistas.
No Brasil o que precisamos é de conscientização por parte
da medicina e da política educacional e social. Nossa sociedade é
excludente em demasia. Um bom exemplo é quando temerosos com
a reação da sociedade, muitas famílias preferem não sair com o filho
autista. Ficam preocupados com o comportamento dos outros e do
próprio filho. Ocorre que esse indivíduo acaba sendo excluído pouco
a pouco da sociedade. Independente da deficiência, da síndrome, do
problema de qualquer pessoa, estar junto aos outros é essencial.
Cabe comentarmos algumas questões a esse respeito e
iniciaremos citando Mello:
[...] a criança com autismo, quando pequena, raramente imita outras
crianças, passando a fazer isto apenas após começar a desenvolver a
consciência dela mesma, isto é, quando começa a perceber relações de
causa e efeito do ambiente em relação a suas próprias ações e vice-versa.32
Fica muito clara a fala de Mello em relação a como, em
muitos casos, a criança autista se comporta perante outras pessoas. E
não apenas crianças, mas há adolescentes e adultos que também não
32
MELLO, A. M. S. R. Autismo: guia prático. 4. ed. São Paulo: AMA;
Brasília: CORDE, 2004. p. 42.
26. 33
possuem essa consciência e Mello33 ainda alerta que algumas
crianças autistas “[...] podem demorar muito neste processo de
aquisição da consciência sobre si próprio, e outras podem jamais vir
a desenvolvê-la”.
Schwartzman também esclarece tal questão afirmando que
“na verdade, o impedimento ao relacionamento com o meio exterior
está no modo de funcionamento anormal do SNC34, e não em algum
fator externo ao paciente”.35
Rivière enfatiza também que:
Na maioria das explicações do autismo, a “solidão”, a incapacidade ou a
dificuldade de relação, é considerada a raiz essencial do transtorno ou,
como dizia Kanner (1943, p.33), “o traço patognomônico e fundamental”,
Em todos os casos, esse traço parece remeter a uma “limitação da
cumplicidade interna” nas relações [...].36
Por outro lado, uma autista chamada Donna37 afirma em um
de seus relatos que levou toda a sua infância para compreender que
todo nome estava ligado a sensação de ser uma pessoa. É importante
nos questionarmos se Donna chegaria a esse nível de compreensão
reclusa, sem acesso a outras pessoas que, certamente a partir do
movimento natural das relações humanas a fez chegar a esta
percepção.
Não desconsiderando todo o estudo realizado e comprovado
cientificamente no que diz respeito a interação de pessoas com
autismo, com o trabalho de campo realizado pela presente autora nas
três Instituições que não terão seus nomes divulgados, ficou muito
claro que um trabalho realizado de forma séria e estruturada pode
transpor barreiras.
Citaremos o caso de uma menina com um grau de retardo
mental significativo. Ao chegar na Instituição ela não conseguia
andar sozinha, todos acreditavam que fosse não-verbal e era
dependente de apoio para tudo. Com a intervenção dessa Instituição
e um trabalho realizado de forma sistemática, após alguns meses
participando da proposta – que neste caso é TOTALMENTE
pedagógica – essa menina se movimenta sozinha (embora necessite
segurar-se nas paredes ou ter algo próximo que lhe sirva de apoio)
vai ao toalete, toma banho e se alimenta sozinha, está aprendendo a
ler e escrever, e é uma das alunas mais falantes da Instituição.
Aprendeu a agir e interagir efetivamente.
33
Idem.
34
SNC (Sistema Nervoso Central)
35
SCHWARTZMAN, J. S. Autismo infantil. São Paulo: Memnom, 2003.
p. 102.
36
COLL, C.; MARCHESI, A.; PALACIOS, J. (Org.). Desenvolvimento
psicológico e educação: Transtornos do desenvolvimento e necessidades
educativas especiais. Tradução Fátima Murad. 2. ed. Porto Alegre:
ARTMED, v. 3, 2004. p. 242-243.
37
WILLIAMS, D. Texto extraído do site da autora. In: "Nobody
Nowhere", "Somebody Somewhere" e outros livros autobiográficos.
Tradução de ACCIOLY, M. Disponível em: http//www.maoamiga.org.
Acesso em: 20 Junho 2005.
27. 34
Acreditamos ser interessante citar a filosofia da existência
de Martin Buber38, que embora pouco conhecido no campo
educacional, vem sendo mais comentada – principalmente em se
tratando da Educação Inclusiva. Obviamente a filosofia da
existência de Buber possui e propõe bem mais a refletirmos que a
pequena citação que faremos, porém de extrema significância nesse
contexto.
Diz Buber:
A vida do ser humano não se restringe apenas ao âmbito dos verbos
transitivos. Ela não se limita somente às atividades que têm algo por
objeto. Eu percebo alguma coisa. Eu experimento alguma coisa, ou
represento alguma coisa, eu quero alguma coisa, ou sinto alguma coisa, eu
penso em alguma coisa. A vida do ser humano não consiste unicamente
nisto ou em algo semelhante.
Tudo isso e o que se assemelha a isso fundam o domínio do Isso.
O reino do Tu tem, porém, outro fundamento. 39
No Seminário Nacional sobre Preconceito, Inclusão e
Deficiência40 o Dr. Roberto Bartholo, ao falar sobre “Alteridade e
Preconceito”, comentou bastante sobre Buber. Nesse momento que
se tratava da abertura do evento Bartholo nos fez refletir: “Como
vemos o outro? (Como “o” outro ou como “um” outro?)”. Citou
Buber, por exemplo, ao falar das relações entre Eu – Tu e Eu – Isso.
O Isso é “aquilo”, “aquela coisa”. O ser humano tem uma
tendência a tratar assim os “diferentes”, mas alertou: “O preconceito
bloqueia, elimina, anula, nega”. Comentou, ainda que “ficamos
preocupados com que as coisas dêem certo. Dar certo não é verdade.
A questão é: onde colocamos os nossos vínculos, os nossos valores?
– A verdade não é só um discurso sobre o ser, primordialmente é
preciso ver a luz para depois falarmos dela”.
De forma crítica citou que “hoje temos nações inteiras
excluídas”, ou seja, “o outro que é absolutamente desnecessário”.
Nos relatos de autistas que se desenvolveram o bastante de
forma que hoje podem relatar seus sentimentos há sempre uma
inquietação perante o “não conseguir” compreender a forma como
os ditos “normais” vivem, tudo lhes parece muito confuso. Mas até
chegarem a essa consciência crítica, eles precisaram tomar
consciência do próprio eu. Podemos observar essa inquietação por
parte de Jim Sinclair:
38
O texto de Buber original é do ano de 1974, chama-se Ich und Du.
BUBER, M. Eu e tu. Tradução Newton Aquiles Von Zuben. 8. ed. São Paulo:
Centauro, 2004.
39
Ibid., p. 54.
40
SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE PRECONCEITO, INCLUSÃO E
DEFICIÊNCIA, 1., 2005, Palestras.Rio de Janeiro: UFRJ, 2005.
28. 35
Ser autista não significa não ser humano, mas pode significar ser um
alienígena.
Isto quer dizer que o que é normal para mim não é para os outros e o
que é normal para os outros não é para mim. De alguma forma eu sou
terrivelmente mal-equipado para sobreviver neste mundo.
Trabalhe comigo para construir pontes entre nós.41
Mesmo que uma pessoa autista se recuse à socialização,
independente do fator tempo, é fundamental que tenha o direito de
estar com pessoas “normais”, crianças com outras crianças,
adolescentes com outros adolescentes, enfim, que ocorra uma
inclusão social. Não importa se a idade mental do adolescente é de
uma criança. Ele precisa estar em contato com pessoas da sua idade.
A reação da sociedade em relação às diferenças, o preconceito é algo
a ser trabalhado por todos nós. Esconder as diferenças não é uma
forma de luta contra a marginalização, a exclusão. Não permitir o
contato de um autista com outras pessoas é uma forma excludente de
vida para ele. A inclusão precisa começar dentro de casa.
Se você nunca viu (ou ao menos acredita não ter visto) uma
pessoa autista deve estar se perguntando: “Tudo bem, mas como é
um autista?”
Quando observamos um autista, apenas de longe diremos
que se trata de uma pessoa como outra qualquer. A aparência de uma
criança autista é como a de qualquer criança, em caso de adolescente
e adultos, também. Suas peculiaridades são observadas quando nos
dispomos a chegar mais perto deles. Como já foi exposto nenhum
indivíduo autista é igual ao outro, sendo assim suas peculiaridades
podem variar de pessoa para pessoa. Partindo da observação
realizada na pesquisa de campo (três Instituições diferentes que,
como já mencionado, não terão seus nomes revelados), participação
em reuniões da Associação Mão Amiga e leitura de obras como
Schwartzman, podemos ressaltar que algumas das características de
pessoas autistas são, por exemplo:
Quando bebê:
Não se aninhar no colo,
Não estranhar pessoas que nunca viu ou estranhar todas as pessoas,
Ser muito quieto,
Chorar demais,
Ter dificuldade para dormir,
Preferir ficar sozinho,
Relatos de pais de crianças autistas dizem que as vezes pareciam que não
tinham uma criança em casa,
Não demonstrar nenhuma reação quando chamam o nome dele,
Não se interessar por objetos (brinquedos, etc) mostrados a ele,
Não olhar nos olhos.
41
SINCLAIR, J. In: LOPES, E. R. B. Autismo: trabalhando com a criança e
com a família. São Paulo: EDICON: AUMA, 1997. p. 43.
29. 36
Ao longo do crescimento:
Não olha para onde você aponta,
Não olha nos olhos,
Não se interessa por brinquedos e objetos interessantes,
Não aponta,
Não olha quando é chamado (parece surdo),
Não se aproximar de outras crianças / se aproximar, mas ficar somente em
volta de outras crianças / somente permitir a aproximação delas,
Apresentar agressividade,
Atraso da fala (Ou aprender algumas palavras e progressivamente ir
deixando de falar),
Não brincar “adequadamente” (Por exemplo, somente girar as rodas de um
carrinho),
Não imitar modelos,
Fazer movimentos repetitivos com o corpo,
Usar outras pessoas para conseguir algo, por exemplo, usar as mãos de
outra pessoa para abrir a porta,
Gostar de brinquedos de encaixar (aprender muito cedo a encaixar esse
tipo de brinquedos),
Não tem a capacidade de imaginação, não consegue, por exemplo, brincar
de faz-de-conta,
Balançar objetos,
Ter grande sensibilidade em relação a determinados cheiros e cores,
Girar em torno de si mesmo,
Ser resistente a mudanças de rotina (como um caminho diferente para ir a
escola, um móvel trocado de lugar em casa, etc.),
Acentuada hiperatividade física,
Rir ou chorar em momentos inapropriados,
Movimentos inapropriados,
Ser destrutivo,
Ter forte atração por água,
Mostrar-se insensível a ferimentos,
Ser resistente ao aprendizado,
Não demonstrar medo de perigos,
Apavorar-se com pequenos barulhos do dia-a-dia como o som de um
eletrodoméstico.
É importante dizer que, segundo Schwartzman “muito
embora pacientes com autismo possam funcionar com todos os
níveis de inteligência, até mesmo com inteligência acima da média,
cerca de 70% - 85% apresentam algum grau de deficiência
mental”.42
Muitos autistas sofrem, também, com fatores como
epilepsia, dificuldades motoras e hiperatividade.43
A família necessita ter uma atenção especial com
determinados fatores do desenvolvimento infantil uma vez que há,
42
SCHWARTZMAN, J. S. Autismo infantil. São Paulo: Memnom,
2003. p. 71.
43
Idem.
30. 37
ainda, o autismo regressivo, onde a criança tem seu
desenvolvimento normal até determinado período de vida e depois,
como o próprio nome já diz, regride significativamente.
Alertamos que a intenção aqui, não é mostrar as inovações
científicas sobre a causa ou desenvolvimento do autismo, mas
mostrar aos que desconhecem a síndrome um pouco do que se trata.
Nossa abordagem pretende ser de âmbito pedagógico, onde
pretendemos aprofundar comentários, provocar reflexões e
motivação por parte do educador. Este capítulo, no entanto, é
fundamental para o profissional da área educativa que, em grande
maioria, não recebe a devida instrução, as devidas informações
sobre o que é a síndrome do autismo.
Para além de todas as definições que encontramos aqui – e
não são todas, a literatura sobre autismo é repleta de definições a
respeito – o importante é ter consciência das peculiaridades e de que
embora os mitos, os grandes mistérios existentes a respeito, os
(PRE)conceitos, a inércia, o AUTISMO é nada mais que uma
palavra que leva consigo a angústia do desconhecido.
Apesar de muitos acreditarem que não há nada a se fazer
por uma pessoa autista, as pesquisas realizadas mostram o contrário.
Com a tríade família, saúde (tratamentos específicos) e educação as
vidas dessas pessoas podem ser absolutamente transformadas. Não
nos ateremos a uma palavra (AUTISMO) iremos além fazendo da
utopia a realização de vida dessas pessoas, nosso trabalho é mostrar
ao profissional da área educativa que a ação pedagógica para o
autista é literalmente a “educação como prática da liberdade”.44
2. ATÉ ONDE PODE CAMINHAR O APRENDIZADO DE
UMA CRIANÇA AUTISTA?
Nós somos culpados de muitos erros e de muitas faltas, mas nosso
maior crime é abandonar as crianças, negligenciando a fonte da vida.
Muitas coisas de que nós precisamos podem esperar: A criança não
pode. Exatamente agora é o tempo em que seus ossos estão sendo
44
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 11. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1980.
31. 38
formados, seu sangue está sendo feito e seus sentidos estão sendo
desenvolvidos.
Para ela, não podemos responder “amanhã”. Seu nome é hoje. 45
É muito improvável que ocorra qualquer desenvolvimento
na vida de um indivíduo, seja este considerado “normal” ou não,
quando os que estão a sua volta não acreditam no mesmo, não crêem
na possibilidade de crescimento social, intelectual, moral, enfim em
seu desenvolvimento como um ser humano pleno, independente das
dificuldades que surjam ao longo de seu caminho.
A criança autista, embora muitos não saibam ou não
acreditem, consegue reagir e agir quando são motivadas. Esta, com
certeza, foi a experiência mais gratificante do presente trabalho:
Observar o quanto o desejo de ser reconhecido pode fazer qualquer
pessoa reagir, fazer o que consideramos impossível.
Autistas precisam aprender a aprender. É, em suma,
como se precisassem aprender cada passo da vida que um
indivíduo “normal” passa a realizar no decorrer do tempo com a
observação, a aprendizagem espontânea. A simples atitude de
sentar-se à mesa no momento de se alimentar é complexa,
confusa para ser realizada sozinha por eles. Ir ao toalete, olhar
nos olhos quando falamos com eles, abrir a porta e não apenas
utilizar as nossas mãos para fazer por eles, são questões
complicadas que precisam ser ensinadas a eles. Precisam
aprender cada situação que consideramos corriqueiras, para
tanto necessitam de ajuda nesse sentido.
Autistas necessitam de apoio visual. Não raro, é
complicada a compreensão do que dizemos a eles, tudo parece
confuso. Necessitam, então de serem norteados por desenhos,
fotografias para que consigam ter uma maior compreensão do
que precisam fazer. Essas questões serão explicitadas de melhor
forma quando comentarmos sobre as intervenções e métodos
educacionais.
Para que haja bons resultados no processo de educação
do autista é fundamental considerar as coisas que ele mais gosta
de fazer, seus objetos favoritos. Se, por exemplo, o que ele mais
gosta é de ouvir música, ou ver figuras em revistas, será
partindo dessas preferências que conseguiremos a atenção desses
alunos para as atividades que estaremos propondo.
Srs. Pedagogos e profissionais da educação, este não é um
grande exemplo de como trabalhar a realidade do aluno?
Simples não é, com certeza. Mas é uma tarefa
grandiosamente gratificante. Estamos negligenciando a possibilidade
de desenvolvimento dessas pessoas, quando cabe a nós ajudá-las!
Lamentavelmente, profissionais da educação não estão
preparados para um trabalho como este. Nos cursos de pedagogia, a
grade curricular é estreita e o tempo não é suficiente para abordar
45
MISTRAL, G. In: MITTLER, P. Educação inclusiva: contextos
sociais. Tradução Windyz Brazão Ferreira. Porto Alegre: ARTMED, 2003.
p. 39.
32. 39
questões como as diversas necessidades especiais existentes e causar
reflexões capazes de envolver os profissionais. Isso é preocupante,
uma vez que muito vem se falando sobre a inclusão nas redes
regulares de ensino.
Como citam Ferreira & Ferreira46, na década de 80,
precisamente na Constituição de 1988 foram agregados na mesma os
direitos da pessoa com deficiência e no âmbito educacional foi
registrado o direito público dessas pessoas, junto a todos os outros
brasileiros com favoritismo à rede regular de ensino.
Já na lei 7.853 que foi assinada pelo presidente da
República no ano de 1989 é reafirmado ser obrigatória a educação
especial na rede pública de ensino, bem como a recusa, sem justa
causa, em função de qualquer deficiência que tenha o aluno, ser
considerada como crime, valendo para estabelecimentos públicos ou
privados.
Regulamentando a lei dez anos depois, o decreto-lei
número 3298 de 1999 diz que as escolas públicas ou privadas
quando a educação das mesmas não satisfizer as necessidades
sociais e educacionais do aluno ou quando para favorecer o bem
estar do próprio e exclusivamente nesses casos, deverão oferecer
programas de apoio que está integrado no sistema regular de ensino
e em escolas especializadas.
Na LDB 9394/9647, no Capítulo V, no que diz respeito à
Educação Especial, consta:
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a
modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede
regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais.
§ 1º. Haverá, quando necessário, serviços de apoio
especializado, na escola regular para atender às peculiaridades da clientela
de educação especial.
§ 2º. O atendimento educacional será feito em classes,
escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições
específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes
comuns de ensino regular.
§ 3º. A oferta de educação especial, dever
constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos,
durante a educação infantil.
Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com
necessidades especiais:
Lei 7.853/89 – Sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência.
I. currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização
específicos, para atender às suas necessidades;
46
FERREIRA, M. C. C.; FERREIRA, J. R. Sobre inclusão, políticas
públicas e práticas pedagógicas. In: GÓES, M. C. R.; LAPLANE, A. L. F.
(Orgs.). Políticas e práticas de educação inclusiva. Campinas, SP:
Autores Associados, 2004. p. 21-48.
47
BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional 9394/96.
Apresentação Carlos Roberto Jamil Cury. 9. ed. Rio de Janeiro: DP&A,
2005. (O sublinhado é nosso).
33. 40
II. terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível
exigido para a conclusão do ensino fundamental, em virtude de suas
deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar
para os superdotados;
III. profissionais com especialização adequada em nível médio ou superior,
para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular
capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;
IV. educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na
vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem
capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os
órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade
superior nas áreas artísticas, intelectual ou psicomotora;
V. acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares
disponíveis para o respectivo nível do ensino regular.
Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão
critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos,
especializadas e com atualização exclusiva em educação especial, para fins
de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público.
Dec. 3.276/99 – Sobre a formação em nível superior de professor para a
educação básica.
Parágrafo Único. O Poder Público adotará, como alternativa preferencial,
a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na
própria rede pública de ensino, independente do apoio às instituições
previstas neste artigo.
A Lei é bastante clara. O portador de necessidades
especiais, no que diz respeito a educação escolar, segundo a LDB
tem direito a estudar preferencialmente na rede regular de ensino,
quando necessário, terão apoio especializado visando atender as
peculiaridades desse alunado.
A educação desses alunos acontecerá em escolas, classes ou
serviços especializados quando não for possível a sua integração na
classe regular devido às especificidades dos mesmos.
A oferta de educação especial é dever constitucional do
Estado, a mesma se inicia durante a educação infantil e os sistemas
de ensino precisam ter métodos, técnicas, recursos educativos, etc.
para garantir o atendimento considerando as necessidades desses
alunos.
A escola deve visar a integração efetiva dessas pessoas na
sociedade e os mesmos têm direitos iguais frente aos benefícios de
programas sociais suplementares disponíveis para o nível de ensino
regular respectivo.
Vamos citar alguns trechos da Declaração de Salamanca de
1994 que reafirma o compromisso de educação para todos48:
Acreditamos e Proclamamos que:
• toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a
oportunidade de atingir e manter o nível adequado de aprendizagem,
• toda criança possui características, interesses, habilidades e necessidades
de aprendizagem que são únicas,
48
O sublinhado é nosso.
34. 41
• sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais
deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta
diversidade de tais características e necessidades,
• aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à
escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada
na criança, capaz de satisfazer a tais necessidades,
• escolas regulares que possuam tal orientação inclusiva constituem os
meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se
comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e
alcançando educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma
educação efetiva à maioria das crianças e aprimoram a eficiência e, em
última instância, o custo da eficácia de todo o sistema educacional.
Diz a Declaração: Quanto a todos os governos foi requerido
que:
• atribuam a mais alta prioridade política e financeira ao aprimoramento de
seus sistemas educacionais no sentido de se tornarem aptos a incluírem
todas as crianças, independentemente de suas diferenças ou dificuldades
individuais.
• adotem o princípio de educação inclusiva em forma de lei ou de política,
matriculando todas as crianças em escolas regulares, a menos que existam
fortes razões para agir de outra forma.
• desenvolvam projetos de demonstração e encorajem intercâmbios em
países que possuam experiências de escolarização inclusiva.
• estabeleçam mecanismos participatórios e descentralizados para
planejamento, revisão e avaliação de provisão educacional para crianças e
adultos com necessidades educacionais especiais.
• encorajem e facilitem a participação de pais, comunidades e organizações
de pessoas portadoras de deficiências nos processos de planejamento e
tomada de decisão concernentes à provisão de serviços para necessidades
educacionais especiais.
• invistam maiores esforços em estratégias de identificação e intervenção
precoces, bem como nos aspectos vocacionais da educação inclusiva.
• garantam que, no contexto de uma mudança sistêmica, programas de
treinamento de professores, tanto em serviço como durante a formação,
incluam a provisão de educação especial dentro das escolas inclusivas.
Quanto aos congregados no que diz respeito à Declaração
de Salamanca consta na mesma as agências financiadoras
internacionais, “especialmente as responsáveis pela Conferência
Mundial em Educação para Todos, UNESCO, UNICEF, UNDP e o
Banco Mundial”.49
A Declaração diz, ainda, que as “escolas devem buscar
formas de educar tais crianças bem-sucedidamente, incluindo
aquelas que possuam desvantagens severas”.
Por este prisma, os autistas possuem uma legislação forte
que os amparam no que diz respeito à educação e à vida. Analisando
a LDB 9394/96 e a Declaração de Salamanca podemos observar
uma série de cuidados, de pensamentos para que essas pessoas
consigam viver e aprender com qualidade.
49
DECLARAÇÃO de Salamanca. Disponível em: <www.mec.gov.br>.
Acesso em: 01 julho 2005.
35. 42
Infelizmente a situação é bastante diferente uma vez que as
crianças, jovens e adultos autistas se deparam desamparados pelo
governo, as Instituições que trabalham efetivamente para a melhoria
no desenvolvimento e vida dessas pessoas têm um custo bastante
elevado, o que torna elevado, também, o valor a ser pago pela
família para manter esse autista na instituição.
Há muitas ONGs criadas por familiares e amigos das
pessoas autistas que fartas pela ausência governamental buscaram a
realização para que as mesmas possam obter os cuidados que
necessitam. Contam com doações de valores, venda de materiais
elaborados por eles, enfim tentam de todas as formas arcar com os
custos dessa educação que deveria estar sendo financiada pelo
governo.
Um dado importante a ser refletido é o fator que Ferreira &
Ferreira citam:
[...] Deve-se considerar que, ao assumir sua adesão à Declaração de
Salamanca, o Brasil o faz numa perspectiva de compromisso internacional
junto à Organização das Nações Unidas (ONU)/ Organização das Nações
Unidas para a Educação, a ciência e a Cultura (UNESCO) e ao Banco
Mundial (BM), que promoveram o encontro. Esses compromissos apontam
mais para a necessidade de se melhorar os indicadores nacionais da
educação básica, priorizando os aspectos quantitativos do acesso.50
Vale dizer que quanto à inclusão, de acordo com a página
oficial do MEC51 , a Educação Especial conta com a cooperação de
âmbito internacional do Programa das Nações Unidas – PNUD,
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura – UNESCO, Fundo das Nações Unidas para a Infância –
UNICEF, Projeto SENDDD AMÉRICA, sendo este último – a título
de informação – segundo o site oficial supracitado informa:
Coordenado pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico - OCDE, para desenvolver a temática “Estatísticas e
Indicadores de Necessidades Educativas Especiais, incluindo Deficiência,
Dificuldades de Aprendizagem e População em Desvantagem Social nos
Países do Continente Americano”.
Mesmo com toda a cooperação internacional que se
propõe a colaborar na tarefa de inclusão em nosso país, parece
que o governo brasileiro esqueceu-se da situação econômica
desfavorável de seu povo, e principalmente, o custo de uma
educação, para portadores de necessidades especiais, de
qualidade. Esqueceu-se, também, do despreparo dos
profissionais da área educacional, esqueceu que nem todos os
50
FERREIRA, M. C. C.; FERREIRA, J. R. Sobre inclusão,
políticas públicas e práticas pedagógicas. In: GÓES, M. C. R.;
LAPLANE, A. L. F. (Orgs.). Políticas e práticas de educação inclusiva.
Campinas, SP: Autores Associados, 2004. p. 24.
51
MINISTÉRIO da Educação e da Cultura. Cooperação
Internacional. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/seesp/index.php?option=content&task=vi
ew&id=61&Itemid=190>. Acesso em: 31 Outubro 2005.
36. 43
docentes existentes desejam a condição de trabalhar com um
indivíduo portador de necessidades especiais frente aos
preconceitos existentes nesse contexto.
Muito pouco ainda vem sendo feito para melhorias
efetivas para os que necessitam de uma educação metódica, que
requer mais esforços, gastos e cuidados. Quanto aos educadores,
poucas são as capacitações sistemáticas para atender a tamanhas
necessidades.
Não basta uma escola inclusiva, sem uma sociedade
inclusiva os preconceitos continuam, a valorização pelo perfeito está
cada vez mais acentuada, somos um país de diferentes que não
respeitamos as diferenças como se alguns de nós fossemos perfeitos.
Preferimos não olhar os marginalizados na rua, preferimos não
enxergar uma pessoa com um andar “desengonçado”, com uma fala
diferente. Temos medo?
Discriminamos nossos alunos que não têm um bom
comportamento, um boletim azul. Discriminamos o outro por causa
da cor, da religião, da fala diferente (mesmo que seja só um sotaque
carregado), mas discriminamos, marginalizamos e somos o país das
diferenças!
No Seminário Nacional sobre Preconceito, Inclusão e
Deficiência, já mencionado neste trabalho, o Dr. Roberto Bartholo
mencionou que existem os marginalizados e os excluídos. Os
excluídos não são nada, já os marginalizados lutam para não
chegarem à condição de excluídos.
Nesse sentido vale citar a luta de autistas norte-americanos
que criaram “o dia do orgulho autista”. Autistas e suas famílias se
reuniram em várias localidades do Brasil e do mundo para pedir
“Aceitação. Cura, não”.
[...] Mas eu sou mais que uma autista. Eu sou Donna (levei toda a
minha infância para fazer a conexão de que todo nome está ligado à
sensação de ser uma pessoa). Sou selvagem e confusa, com uma veia
incrivelmente travessa, propensa a fobias e a compulsões, fortemente
determinada a lutar pelo meu equilíbrio e independência, com um grande
amor pela possibilidade da interação e descoberta. (Williams)52.
Nos relatos de autistas que chegaram a ter condições de
transmitirem seus sentimentos, eles não se envergonham por serem
autistas. Em nenhum momento da presente pesquisa em nenhum
relato que foi lido de autistas eles mencionavam ou reclamavam suas
condições de autistas. Eles relatam – sempre – que por serem
autistas eles têm uma forma diferente de viver.
Uma questão essencial na vida de uma pessoa autista está
no apoio familiar. Nesse âmbito temos dois extremos: pessoas que se
52
WILLIAMS, D. Texto extraído do site da autora de sua obra “ Nobody
Nowhere”, “Somebody Somewhere” e outros livros
autobiográficos.Tradução de Accioly, M. Disponível em:
<http://www.maoamiga.org>. Acesso em: 20 outubro 2005.
37. 44
sentem angustiadas pela condição de ter no seio da família uma
pessoa tão “diferente” e familiares que fazem de tudo para ajudarem
e estarem presentes na vida de seu filho, lhe dando atenção a tal
ponto de consumirem as próprias energias. As mães reclamam, em
geral, que os pais deixam a parte mais pesada para elas, que suas
famílias algumas vezes as culpam por ter um filho autista.
A questão é que embora um grande número de familiares
venha se organizando ao longo do tempo com associações e grupos,
por exemplo, lutando para a melhoria na qualidade de vida dos
filhos autistas, as famílias necessitam de intenso apoio tanto dos
membros da própria família quanto de profissionais.
Consideramos interessante citar um fator sério que vem
ocorrendo ao longo dos anos. O Dr. Jairo Werner, também
palestrante do Seminário mencionado, ocorrido na UFRJ, falou
sobre “A medicalização da vida do deficiente como barreira para a
inclusão social”, mencionou que em função do indivíduo não se
entender ou se encontrar em uma filiação de identidade, este passa a
utilizar a medicalização para se filiar a uma categoria biológica (Isso
se chama BIOSOCIABILIDADE). Temos hoje muitos se definindo
a partir de categorias médicas, como citou Dr. Werner, muitos já se
identificam: “- Sou hiperativo!” ou “- Sou do Rett!”.
A exclusão é uma questão perversa que nesse caso acaba
levando o indivíduo a querer estar em qualquer categoria existente
para se sentir incluso.
Levaremos em conta, no presente trabalho, os indivíduos já
diagnosticados como autistas e os que por um comportamento
diferenciado merecem receber uma parcela maior de atenção.
Se na sala de aula, por exemplo, temos um aluno muito
calado ou que se recusa a todo o momento perante uma atividade
proposta a realizar, e principalmente, que logo podemos perceber se
encaixar na tríade mencionada no primeiro capítulo
(comprometimento no desenvolvimento social; no desenvolvimento
da comunicação – não apenas relacionada à fala como, também, à
comunicação gestual e no desenvolvimento comportamental –
comportamentos ou interesses repetitivos e estereotipados)
precisamos observá-lo com cautela. Muitas vezes outras pessoas
podem sinalizar à família fatores que estes não observaram ou
preferem não observar.
Há casos em que mesmo quando a criança não foi
diagnosticada fica muito claro uma diferenciação em seu
comportamento, principalmente se o profissional conhece as fases
do desenvolvimento infantil. Mas o educador necessita de
sensibilidade para detectar certas questões, por exemplo, nem
sempre quando a criança é chamada e não responde quer dizer que
ela tem algum problema relacionado à audição, são fatores
minuciosos que nos alertam para a questão do autismo.
Como, no entanto, por exemplo, em uma escola com 40
alunos em uma turma – como temos nos casos de escolas públicas e
particulares – um profissional pode estar atento a essas minúcias?
Ou como uma criança autista que não sabe ainda ir ao toalete
38. 45
sozinha pode estar numa classe de 1ª série, por exemplo, em meio a
outras crianças, e ao não ter controle dos esfíncteres, não acabar
ocorrendo na sala de aula uma situação complexa para todos?
Necessitamos de uma sociedade inclusiva para que os
diferentes sejam inclusos. Mas é evidente que isso não ocorrerá de
forma repentina. Precisamos começar em nós a questão da inclusão.
Uma vez que nos é possível vermos a nós mesmos como sujeitos a
favor da inclusão iniciamos nossa luta.
Na escola precisamos trabalhar a inclusão “em parcelas”,
com os alunos, com os pais, mas para tanto é essencial que a escola
tenha uma equipe pedagógica inclusiva, que apóie os profissionais
em busca de alcançar objetivos.
Mas então nos perguntamos como educadores e seres
humanos: “É possível a inclusão de pessoas com problemas de
ordem auditiva, mental, física, visual, autistas, problemas como o
TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), etc?”
É possível que um educador se especialize em métodos e
intervenções, de modo geral, para a educação favorecendo a todos os
envolvidos na indagação anterior?
Os métodos e intervenções para trabalho com uma criança
autista não são simples e nem tem um custo pequeno. Aprender
libras não é tão simples assim, nem mesmo o braile...
É interessante ler que o governo vai fornecer livros em
braile para os alunos com deficiência visual, mas e o professor?
Entende o braile?
Com a inclusão é parecido. O governo vem “capacitando”
os professores das redes públicas. Mas esses educadores aprendem
de forma efetiva os métodos e intervenções para trabalhar de forma
eficaz com esses alunos?
Deixamos tais reflexões e abordaremos sobre os métodos e
intervenções (mais conhecidos e utilizados) para o atendimento
pedagógico de crianças autistas. São eles: ABA, TEACCH, PECS,
Floor Time, Currículo Funcional Natural. Esclarecemos que é
bastante complexa a compreensão da maioria sem que seja
visualizada a aplicação dos mesmos, mas traremos uma síntese para
que seja possível saber um pouco a respeito de cada um.
Iniciaremos com o ABA (Applied Behavior Analysis), em
português: Análise aplicada do comportamento. Trata-se de um
trabalho sistemático baseado, como o próprio nome já diz, no
behaviorismo.
A quem possa interessar, de forma extremamente resumida,
na proposta behaviorista o foco é o comportamento – considerando
os estímulos externos, a proposta é que a educação ocorra de forma
programada visando obter as respostas desejadas e dessa forma
moldar o indivíduo.
Skinner, psicólogo norte-americano, é um dos principais
pensadores em se tratando do behaviorismo e a base do conceito
dele está no condicionamento operante que é o hábito gerado por
uma ação do sujeito. Este pensador agregou este conceito à fórmula
39. 46
de Pavlov chamada de reflexo condicionado, que se trata da resposta
causada a um estímulo puramente externo.
A resposta acontece como resultado do comportamento
respondente proposto por Pavlov a um estímulo. Na proposta de
Skinner – o comportamento operante – “o ambiente é modificado e
produz conseqüências que agem de novo sobre ele, alterando a
probabilidade de ocorrência futura semelhante”. 53
O condicionamento operante é um mecanismo de aprendizagem de novo
comportamento – um processo que Skinner chamou de modelagem. O
instrumento fundamental é o reforço – a conseqüência de uma ação
quando percebida por quem a pratica. Para o behaviorismo em geral, o
reforço pode ser positivo (uma recompensa) ou negativo (ação que evita
uma conseqüência indesejada). 54
De início Skinner defendia o reforço positivo, tendo uma
visão oposta em relação a punições e repressões.
Agora que já falamos de forma resumida sobre o
behaviorismo e Skinner, continuaremos a tratar a respeito das
questões referentes ao ABA.
A análise aplicada do comportamento trata-se de um estudo
a nível científico relacionado ao comportamento, conforme já
mencionamos, que visa promover o aumento, diminuição, criação,
eliminação e/ou melhora de comportamentos através de habilidades
que são ensinadas por etapas.
Essas habilidades são trabalhadas inicialmente de forma
individual, onde o indivíduo recebe instruções, indicações e apoio –
se necessário – para a realização das mesmas. Assim que possível,
quando o indivíduo avança, essas instruções, indicações e apoio são
retirados gradativamente.
É fundamental que as atividades sejam planejadas de forma
a favorecer uma resposta correta, reforçando as condutas positivas
do indivíduo e buscando-se, dependendo da situação, quando se
tratar de uma conduta negativa, o (re) direcionamento da mesma ou
a correção e até mesmo atuar de forma a demonstrar estar ignorando
essa conduta incorreta.
As atividades são repetidas muitas vezes até que as
habilidades sejam realizadas sem erros em diversos lugares e
situações e registradas metodicamente em relação a todas as
tentativas de realização da tarefa e resultados. Esses registros são
analisados sistematicamente e é fundamental que tudo seja
registrado no exato momento em que acontece.
A resposta desejável tem como conseqüência uma
recompensa para a criança – dependendo de quem aplica o ABA
53
NOVA escola. Grandes Pensadores: B. F. Skinner: O cientista do
comportamento e do aprendizado.
Disponível em:
<http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0176/aberto/pensadores.shtml>.
Acesso em: 13 outubro 2005.
54
Idem.
40. 47
pode ser uma guloseima, um brinquedo ou um elogio. Quando a
resposta é negativa, tenta-se detectar, por meio das análises que são
feitas, atividades que tenham por conseqüência um reforço ou
recompensa, buscando eliminar os comportamentos negativos.
[...] A principal característica do tratamento ABA é o uso de
conseqüências favoráveis ou positivas (reforçadoras). Inicialmente, essas
conseqüências são extrínsecas (ex., uma guloseima, um brinquedo, ou uma
atividade preferida). Entretanto o objetivo é que, com o tempo,
conseqüências naturais (Intrínsecas) produzidas pelo próprio
comportamento sejam suficientemente poderosas para manter a criança
aprendendo. Durante o ensino, cada comportamento apresentado pela
criança é registrado de forma precisa para que se possa avaliar seu
progresso.55
Para tudo o que é realizado com o ABA existe uma tabela a
ser preenchida, afinal como já mencionado, são por esses registros
que há a possibilidade de uma análise em busca de melhores
resultados. O ABA é sempre trabalhado com atividades que têm
alguma intenção em relação, por exemplo, ao comportamento do
indivíduo, pré-requisitos para a leitura e escrita, a matemática,
atividades da vida diária, enfim todas as questões essenciais para o
desenvolvimento da independência e qualidade de vida.
Tudo é pensado com base em questões como o benefício da
proposta para a vida do indivíduo, a idade, o tempo que um
determinado comportamento existe, se a proposta é realmente
funcional, se uma habilidade é pré-requisito para o aprendizado de
outras, dentre várias questões que focam a vida do sujeito.
O ABA é muito criticado por muitos pedagogos e
profissionais diversos porque faz supor que “robotize” o indivíduo,
como comenta Mello56. Mas, apesar das críticas, o ABA é
comprovadamente o tratamento que mais funciona e de forma mais
rápida em relação às melhoras na vida dos autistas.
De acordo com o Departamento de Saúde do Estado de Nova Iorque
procedimentos derivados da análise do comportamento são essenciais em
qualquer programa desenvolvido para o tratamento de indivíduos
diagnosticados com autismo. A Academia Nacional de Ciências dos EUA,
por exemplo, concluiu que o maior número de estudos bem documentados
utilizaram-se de métodos comportamentais. Além disso, a Associação para
a Ciência no Tratamento do Autismo dos Estados Unidos afirma que ABA
é o único tratamento que possui evidência científica suficiente para ser
considerado eficaz.57
Vamos agora falar de forma breve sobre o TEACCH
(Treatment and Education of Autistic and related Communication
55
PORTALMED. Autismo Brasil. Análise aplicada do comportamento
(Applied Behavior Analysis – ABA).[2005].Disponível
em:<https://www.portalmed.com.br/adCmsDocumentoShow.aspx?documento=534
&Area=0&Area=792;>. Acesso em: 22 outubro 2005.
56
MELLO, A. M. S. R. Autismo: guia prático. 4. ed. São Paulo:
AMA; Brasília: CORDE, 2004.
57
PORTALMED, op. cit.
41. 48
handicapped CHildren), em português: Tratamento e educação de
crianças autistas e com desvantagens na comunicação.
O TEACCH é, provavelmente a intervenção mais
conhecida em se tratando do autismo. Desenvolvido pelo
Departamento de Psiquiatria da Carolina do Norte – Estados Unidos,
nos anos 60, trata-se de uma proposta educacional baseada nas
peculiaridades do autismo.
Tem base na estruturação do ambiente físico, de modo que
uma sala TEACCH é toda organizada com quadros, painéis ou
agendas nas quais constam a rotina diária do indivíduo. Isso é feito
em virtude das necessidades do próprio autista que, geralmente, tem
extrema necessidade de estar em um ambiente estruturado de forma
que consiga saber o que acontecerá no seu dia.
Se o indivíduo não for verbal esses quadros, painéis ou
agendas são organizados com fotografias ou figuras em que constam
cada atividade que será realizada, e a ordem das mesmas, bem como
as fotos a quem estão destinadas as atividades. Por exemplo, se a
pessoa precisa naquele dia cumprimentar ao chegar, realizar uma
atividade individual, uma atividade em grupo, lavar as mãos,
lanchar, escovar os dentes, ir para a aula de música, ir para o lazer, ir
para o canto livre (onde pode fazer qualquer atividade, ou brincar,
por exemplo), colocar a mochila e se despedir. Terá no painel uma
foto ou figura de cada uma dessas etapas.
Se o indivíduo está aprendendo a ler, nesse painel vai ter a
foto ou figura e a atividade escrita e se ele já desenvolveu a leitura,
apenas seu nome e a atividade escrita.
A questão é que autistas são extremamente visuais, eles
aprendem mais facilmente visualizando. Então quando a sua rotina,
atividades e ambientes estão apresentados a ele de forma que
visualize a sua seqüência do dia, isso faz com que ele se tranqüilize
e se estruture por sentir segurança. Com esse painel é fácil que o
indivíduo compreenda o que se espera dele.
As atividades no TEACCH são planejadas cuidadosamente,
cada canto da sala é destinada a um “tipo de ambiente” – canto livre,
individual, etc.
A avaliação acontece durante todo o processo, o que é
aprendido também é sistematicamente planejado em relação à ordem
na seqüência do dia. Nas atividades são consideradas questões como
o material a ser utilizado, o tempo de realização da atividade, a
duração prevista.
Na avaliação – chamada PEP-R (Perfil Psicoeducacional
Revisado) considera-se os pontos fortes do indivíduo, bem como as
suas maiores dificuldades, o que possibilita um programa individual.
Vale ressaltar que o PEP-R está adaptado aos fatores culturais
brasileiros.
O TEACCH não é um método.
É um serviço estadual implicando um projeto que tenta responder às
necessidades individuais da pessoa com autismo se valendo das melhores
abordagens, técnicas, estratégias e métodos disponíveis até o momento
42. 49
para educá-los e para oferecer o nível máximo de autonomia e inserção
social que elas possam conseguir. 58
Quando o indivíduo é não verbal faz-se interessante a
aplicação de comunicações alternativas, como o PECS que
falaremos a seguir.
Tanto adultos como crianças se favorecem com o TEACCH
que visa tornar o indivíduo cada vez mais independente. Com as
possibilidades que são fornecidas pelo TEACCH (ambiente
estruturado, adaptação, avaliação visando melhorias ou ajustes no
projeto terapêutico, a estruturação do próprio ensino, trabalho
voltado para as necessidades do aluno, pesquisas voltadas para o
motivo de determinados comportamentos como birras e um modelo
generalista – que acredita que o profissional está capacitado para
atuar mediante a quaisquer eventualidades ou problemas que
aconteçam no contexto da aprendizagem) é possível aprender as
habilidades necessárias para a vida diária como, por exemplo, a
alfabetização.
Alguns exemplos de atividades estruturadas são: seriação,
emparelhamento, montagem seleção, tarefas acadêmicas funcionais.
É interessante começar o trabalho com pedidos simples, com
objetivos pequenos e ir aumentando os mesmos gradativamente.
A atitude do profissional deve ser sempre motivadora, é
importante que este adote uma postura alegre e que o ambiente seja
agradável para a aprendizagem, bem como tudo o que for proposto
ao aluno.
Todos os dias o profissional deve montar o painel com
novas atividades. Embora a rotina seja de extrema importância para
o autista, vivemos num ambiente em que não podemos prever os
acontecimentos a todo instante, então quebrar algumas rotinas em
determinados momentos, em dias em que o aluno demonstra estar
bem pode ser favorável para o mesmo nesse sentido.
As atividades devem ser planejadas considerando as
necessidades do indivíduo, sua idade, habilidades importantes a
serem desenvolvidas e que sejam funcionais.
Acima comentamos sobre formas alternativas de
comunicação. Uma das mais utilizadas se chama PECS (Picture
Exchange Communication System), em português: Sistema de
comunicação por troca de figuras.
O PECS é uma forma de comunicação para pessoas não
verbais. Sabemos que no caso do autismo a comunicação é um fator
muito afetado e foi pensando em tal questão que o mesmo foi
desenvolvido nos Estados Unidos, em 1985, por Andrew Bondy
(Psicólogo) e Lori Frost (Fonoaudióloga).
O trabalho com o PECS é feito em muitos lugares do
mundo por ser simples e barato, além de funcional para quem não é
58
PORTALMED. Autismo Brasil. Possibilidades - TEACCH.[2005].Disponível
em:
<https://www.portalmed.com.br/adCmsDocumentoShow.aspx?documento=534&
Area=0&Area=792;>. Acesso em: 22 outubro 2005.