O documento discute os desafios para o crescimento econômico sustentável no Brasil. A educação é apontada como um dos principais gargalos, já que explica 35% da diferença de renda entre Brasil e EUA. Além disso, o sistema previdenciário brasileiro desestimula a poupança interna, essencial para investimentos que impulsionem o crescimento. Mudanças estruturais profundas são necessárias, como reforma previdenciária e melhoria do ambiente de negócios, para que o país possa
O árduo caminho para o crescimento sustentável no Brasil
1. CARTA DO IBRE
O árduo caminho
para o crescimento
O
crescimento tornou- com intervenções rápidas e indo- custas do básico continua inaba-
se a palavra de ordem lores. Se há um risco na pregação lável como cláusula pétrea não-
da agenda econômica impetuosa do presidente sobre a escrita do setor público brasileiro,
neste período pós-elei- necessidade de o país acelerar seu prolongando-se um erro que já vem
toral, em parte como conseqüência ritmo para 5%, sustentável, já em sendo cometido há décadas.
das ações e dos discursos do pró- 2007, é a de passar a impressão Regras confusas — A lém da
prio presidente reeleito, Luiz Inácio para a sociedade de que este é um educação, existem outras questões
Lula da Silva. Consciente de que o objetivo facilmente conquistável. O institucionais que afetam o proces-
desempenho pífio da economia foi Brasil tem, na verdade, uma longa so de crescimento econômico que
um ponto fraco durante os emba- e penosa agenda. merecem serem citadas. Dentre
tes da campanha, o Presidente da Existem, em nosso país, fa- estas, seria importante destacar
República parece decidido a fechar lhas estruturais no arcabouço as responsáveis por estimular os
esta lacuna e colocar o Brasil num institucional que dificultam a tão investimentos e incentivar o au-
ritmo de expansão anual de 5%, sonhada trajetória de crescimento mento da produtividade, uma vez
como tantas vezes tem anunciado. vigoroso. A primeira e mais bá- que, no Brasil, as regras do jogo
Para tanto, vem participando de sica delas é a educação. Estudos e o ambiente de negócios para o
uma maratona de reuniões com os econômicos indicam que 35% da setor privado permanecem con-
seus principais auxiliares, mani- diferença de renda per capita en- fusos e distorcidos. Um exemplo
festando seu apoio a medidas que tre o Brasil e os Estados Unidos1 emblemático é o das agências re-
levem à desoneração tributária possa ser explicada apenas pelas guladoras e o do marco regulatório
ou ao aumento do investimento diferenças quantitativas de educa- para setores como energia, comu-
público. Nas palavras do próprio ção, isto é, pela escolaridade média nicações e saneamento. Em outras
presidente, é preciso “destravar” da força de trabalho. É importante palavras, não existe um desenho
o país. frisar que este cálculo não leva em claro do que se pretende fazer pa-
A nosso ver, a identificação do consideração as óbvias diferenças ra viabilizar novos investimentos
problema está correta. Em Cartas de qualidade da educação pública nestas áreas.
do Ibre anteriores, já manifesta- nos dois países que, se computa- O curioso é que fora as isenções
mos, diversas vezes, a preocupação da, explicaria uma parcela ainda tributárias — preocupantemente
com a anemia econômica do Brasil maior do diferencial de renda. desacompanhadas de planos para a
nas últimas décadas, e aventamos E há estimativas indicando que necessária adequação das despesas
a hipótese de que o país seja preso o investimento em educação no — não parece haver uma discussão
de uma armadilha de distribuição Brasil equivale a uma aplicação fi- mais aprofundada sobre como criar
sem crescimento. nanceira com rendimento de 15% um ambiente regulatório e institu-
O problema, porém, é que as ao ano2 , uma taxa de retorno que cional propício ao investimento
amarras que “travam” o cresci- provavelmente não se encontra em privado. Tem-se falado, é claro, em
mento brasileiro infelizmente não quase nenhuma outra atividade do aumentar o investimento público,
são meia dúzia de regras e proce- setor público. Ademais, aparente- o que é um objetivo válido. Mas, é
dimentos incorretos, que uma ação mente, a aberração histórica de uma ilusão imaginar que apenas o
expedita do governo possa resolver privilegiar o ensino superior às setor público possa suprir os cinco
Dezembro de 20 06 CONJU NTUR A ECONÔMICA 8
2. Na verdade,
pontos percentuais de PIB que fa-
ria a nossa taxa de investimentos
infelizmente, que sistemas muito generosos de
Previdência condicionam níveis
chegar ao nível de 25%, patamar
mínimo para que o país possa ele-
não há mágica. menores de poupança doméstica,
o que não é difícil de compreender
var de forma significativa o ritmo
de crescimento potencial.
O crescimento intuitivamente: as pessoas não pre-
cisam poupar tanto para a velhice,
Uma questão um pouco mais
complexa relacionada ao tema
sustentável no porque o Estado provê os meios de
existência a partir de uma determi-
do crescimento é a taxa nacional
de poupança. A teoria econômica
Brasil depende hoje nada idade, com benefícios que se
prolongam até o falecimento do be-
sugere que, em um mundo de eco-
nomias inteiramente abertas, com
de uma extensa, neficiário. Ademais, a maior carga
tributária necessária para financiar
mercados completos, não existe a
necessidade de poupança interna
profunda, e difícil o sistema previdenciário, também,
desestimula a poupança. Em outras
para o financiamento do cresci-
mento. Se existem oportunidades
agenda palavras, com uma renda líquida
de impostos menor, naturalmente,
econômicas em países menos de- poupa-se menos.
senvolvidos, condicionadas pelos do mundo, mas há, de certa forma, O sistema previdenciário bra-
retornos decrescentes do capital, elementos dela no funcionamento sileiro parece desenhado para de-
elas necessariamente seriam ex- de grande parte das nações em sestimular a poupança, com gastos
ploradas por recursos externos, desenvolvimento. Nestes países, de, aproximadamente, 12% do PIB
num processo que levaria à con- ainda que as economias sejam em um país com uma parcela da
vergência de níveis de renda e, relativamente abertas, a taxa de população acima de 65 anos de
conseqüentemente, de padrões de retorno mais alta que atrairia de 5% a 6%. Nações com pirâmide
vida. No mundo real, condições forma regular e segura os capitais etária semelhante costumam gastar
parecidas com estas chegaram a é comprometida por problemas de a metade ou menos do que o Brasil
ocorrer em países que se formaram regulação, direitos de propriedade, desembolsa para seus aposentados
como desdobramentos do mundo corrupção e canais obstruídos de e pensionistas. A generosidade da
anglo-saxão, ou em nações euro- crédito para pessoas e empresas. Previdência brasileira se dá pelo
péias fortemente ligadas por laços Em trabalho de 2006, Prasad, relativamente elevado valor dos
culturais e históricos ao núcleo de Rajan e Subramaniam 4 indicam benefícios ou pela precocidade da
potências do continente. Nestes que, efetivamente, a relação entre sua concessão.
casos, longos períodos de déficits poupança e crescimento não afeta Por outro lado, uma mudança
em conta corrente, sem correções os países de forma simétrica. Ao institucional que propicie um me-
abruptas e violentas, permitiram contrário das nações ricas, que lhor funcionamento dos mercados
a absorção maciça de poupança utilizam capitais externos, e on- de capitais expandiria a poupan-
externa e a conseqüente conver- de tipicamente as empresas são ça doméstica, como apontam
gência para os padrões de vida do movidas a recursos de terceiros, Edwards, em 1996 e Paiva e Jahan,
mundo rico. as economias emergentes caracte- em 2003.7 O mesmo pode ser dito
A realidade, porém, é que, na rizam-se por firmas que investem sobre o aumento do esforço fiscal
maior parte do mundo emergente, capital próprio, o que representa o do governo, tal como verificado por
este funcionamento invejável dos componente micro mais saliente do Loyaza, Schimidt-Hebbel e Servén,
fluxos de capitais não se repete, co- fato macroeconômico de que estes em 2000.8 Em suma, existem ações
mo o prêmio Nobel Robert Lucas3 países precisam de poupança inter- com o potencial de conduzir o Brasil
já observara em 1990. Em termos na para crescer. a um patamar de poupança interna
teóricos, um país inteiramente Desestímulo à poupança — Se mais compatível com o crescimen-
fechado teria, por definição, uma a poupança interna é necessária, to acelerado de longo prazo. Esta
taxa de poupança igual à taxa de é preciso agir nas variáveis que agenda, porém, não é fácil de ser
investimento, com este ajuste sendo são capazes de influenciar este implantada, pois, por exemplo,
garantido permanentemente, gros- componente fugidio do meta- no caso de uma reforma ampla da
so modo, pelo nível da taxa de juro. bolismo econômico. Sebastian previdência, boa parte da sociedade
É claro que esta situação extrema Edwards, em 19965, e Samwick, brasileira tem dado sinais claros de
não se reproduz em nenhum país em 20006, apontam evidências de não estar disposta a promovê-la.
9 Dezembro de 20 06 CONJ U N T U R A ECONÔM ICA
3. O que é
Apesar da existência de todos
os nós estruturais mencionados
incompatível brasileira acredita que o maior e
mais perverso dos ônus fiscais são
acima, a discussão sobre cresci-
mento econômico no Brasil tende
com um ritmo oriundos da carga de juros. Assim,
quando os dispêndios relativos a
a se prender aos fatores mais ime-
diatistas, como o alto nível real da
de crescimento esta conta começarem a declinar
substancialmente, aquele grupo
taxa básica de juros. Indiferentes
à evolução da teoria econômica
acelerado e de pessoas perceberá que o grande
vilão que operava contra o cresci-
nas últimas décadas, que indica
a neut ral idade da moeda, há
sustentável no longo mento não era a taxa de juro. Neste
novo contexto, poderá ser mais fá-
uma corrente de pensamento na
sociedade que propõe um pouco
prazo é o atual cil convencer a sociedade que, na
verdade, o que é incompatível com
mais de inflação para acelerar o
crescimento.
contrato social e não um ritmo de crescimento acelerado
e sustentável no longo prazo é o
Na verdade, infelizmente, não
há mágica. O crescimento sustentá-
a taxa de juros atual contrato social.
vel no Brasil depende hoje de uma
extensa, profunda, e difícil agenda. segmentos que não estão no piso
Uma indagação pertinente é por da pirâmide de renda, incluindo 1
Pessoa, Samuel de Abreu. Perspectivas de
que, considerando-se a ansiedade até os que se situam bem no topo, Crescimento no Longo Prazo para o Brasil:
de parte significativa da sociedade no caso notório dos chamados Questões em Aberto. Ensaios Econômicos,
em “destravar” o crescimento, supersalários e aposentadorias do EPGE, 2006.
aquele conjunto de medidas passa setor público que de tempos em 2
Barbosa Filho, Fernando de H. e Samuel
freqüentemente ao largo do deba- tempos voltam ao noticiário. Por de Abreu Pessoa. Retornos da Educação no
te? Uma possível explicação, que mais que uma liderança política se Brasil. IBRE/FGV(2006).
pode ser derivada de trabalhos de esforce sinceramente, como parece 3
Lucas, Robert. “Why Does Capital Not
economia política como o de Béna- ser o caso do presidente Lula para Flow from Rich to Poor Countries?” Ameri-
bou 9, é de que a maioria da popu- liberar as forças do crescimento, can Economic Review 80 (1990), 92–96.
lação brasileira, no atual momento existe uma dificuldade quase insu- 4
Eswar Prasad, Raghuram Rajan, and Arvind
histórico, demanda mais igualdade perável em se arbitrar as mudanças Subramanian. “Foreign Capital and Econo-
do que crescimento. naquele contrato social que freia o mic Growth.” Research Department. IMF,
O contrato social em vigência país. Os interesses nele investidos 2006.
no Brasil, que emana em parte são poderosos, e o governo e o 5
Edwards, Sebastian. “Why are Latin
considerável — mas não apenas Congresso parecem impotentes America’s savings rates so low? An inter-
— da Constituição de 1988, con- para implementar um roteiro de national comparative analysis.” Journal of
diciona a existência de um Estado perdas e compensações que permi- Development Economics, v. 51 (1996), p.
grande, cujo papel de redistribuir ta superar o atual impasse. 5-44.
renda vem sendo ampliado por A curto prazo, portanto, é difí- 6
Samwick, Andrew A. “Is Pension Reform
pressões sociais de apelo político cil ser otimista a ponto de prever Conductive to Higher Saving?” Review of
irresistível. A forma que o país en- que o país eleve seu nível de cresci- Economics and Statistics, v. 82 (2000), p.
controu para financiar o sistema mento sustentável substancialmen- 264-272.
foi um aumento rápido, intenso e te acima de 3% ao ano, que parece 7
Paiva, Claudio, and Jahan, Sarwat. “An
com distorções da carga tributá- ser o ritmo potencial presente. Não Empirical Study of Private Saving in Brazil.”
ria. Um fator agravante é que as se vê no horizonte político, social Brazilian Journal of Political Economy, v. 23
transferências de renda entre os e econômico os sinais de que serão (2003), p. 121-132.
cidadãos, mediadas pelo poder desatados os nós de interesses que 8
Loyaza, Norman, Schmidt-Hebbel, Klaus,
público, estão longe de ser racio- travam as reformas fiscal, previ- and Servén, Luis. “What Drives Private
nalmente progressivas. É verdade denciária, tributária e a agenda Saving Across the World?” Review of
que programas altamente focali- microeconômica. Economics and Statistics, v. 82 (2000), p.
zados, como o Bolsa-Família, vêm Todavia, em função do processo 165-181.
ganhando importância. Mas, por de redução da taxa de juro, surge 9
Benabou, Roland. “Inequality, Technology,
outro lado, parte considerável do um sinal de esperança. Como se sa- and the Social Contract.” NBER Working
bolo redistribuído ainda vai para be, parte significativa da sociedade Paper No. 10371, 2004.
Dezembro de 20 06 CONJU NTUR A ECONÔMICA 10