O documento discute as desigualdades regionais no Brasil e como o desenvolvimento do Nordeste está subordinado ao Centro-Sul. A industrialização do Nordeste integrada à do Centro-Sul concentra renda na região e favorece padrões de consumo das classes mais altas em detrimento das necessidades básicas da população. Isso mantém o Nordeste em situação de dependência e pobreza.
PROJETO DE EXTENSÃO I - TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO Relatório Final de Atividade...
Politica Des Nordeste Celso Furtado
1.
2. mais perversos do desenvolvimento de-
pendente aqui se apresentem agravados;
na região mais pobre do País é maior a
O significado real proporção de pessoas relegadas à condição
de miséria.
do Nordeste no atual Por que é tão lenta a ascensão social das
populações de origem africana entre nós
quadro do País — o que pressagia para o futuro deste
País problemas raciais que poderão ser
tanto mais graves quanto nos habituamos
a suprimi-los de nosso horizonte de refle-
Não é possível entender nem o xões? Simplesmente porque as popula-
Nordeste nem o Brasil sem levar ções de origem africana são proporcional-
em conta que o primeiro sintetiza mente mais numerosas nas regiões em
as contradições do segundo, em que se acumula o atraso relativo.
grau elevadamente dramático. É Por que é tão lento o nosso desenvolvi-
esse o panorama que o Autor mento social, a despeito do forte processo
de acumulação e da relativa mobilidade
traça nesta primeira parte do que caracteriza nossa sociedade? Porque
presente artigo. os fluxos migratórios que se originam nas
áreas de atraso relativo operam no sentido
Nordeste não é um simples de frear, ou paralisar, os movimentos so-
problema regional e tam- ciais reivindicatórios nas regiões em que a
pouco um problema nacio- produtividade cresce fortemente.
nal entre outros, cuja abor- Queiramos ou não, os grandes proble-
dagem pudesse ser deixada mas do Brasil somente podem ser diag-
nosticados se se tem do País uma visão
para amanhã, como se a solução dos demais
que leve em conta a fratura fundamental
pudesse avançar enquanto a desse espera. dessa desigualdade regional. Portanto,
O Nordeste é, na verdade, a face do Brasil uma política adequada para o Nordeste
em que transparece com brutal nitidez o significa renunciar à ilusão de que essa re-
sofrimento de seu povo. Aí se mostram sem gião é tão-somente um apêndice, algo
disfarces as malformações maiores de que pode ser relegado a segundo plano,
nosso desenvolvimento. Se não existe que pode esperar um amanhã incerto em
política adequada para o Nordeste, pode-se que quot;o bolo a distribuirquot; seja maior.
dar por certo que os problemas maiores do Pensar que o Nordeste é um problema
País se estão agravando, que nos iludimos entre outros não significa apenas renun-
com miragens quando pensamos legar aos ciar a entender o nosso País; também sig-
nossos filhos uma sociedade mais justa e um nifica condenar uma enorme massa de
país menos dependente. população — que não dispõe de autono-
Com efeito: se continuamos a negli- mia para decidir do próprio destino — à
genciar o fundamental, dificilmente po- frustração e à miséria. Não esqueçamos
derá o Brasil superar o subdesenvolvimen- que aí se reproduz o estilo de desenvolvi-
to, vale dizer, assumir formas superiores mento que prevalece no Centro-Sul do
de organização social em que o conjunto País, caracterizado por elevados padrões
da coletividade se beneficie dos frutos do de consumo das classes de rendas médias
próprio trabalho. Os problemas mais difí- e altas. Sendo a renda por habitante muito
ceis que nos afligem na fase atual, quan- mais baixa na região, a reprodução desses
do completamos um século de esforços padrões de consumo requer maior
pelos caminhos da industrialização, refle- concentração de renda, o que implica em
tem de uma ou de outra forma essa racha- condenar a grande maioria da população
dura criada pelas dessimetrias entre as à condição de pobreza e miséria.
duas regiões que são as matrizes de nossa Concentração de renda é eufemismo que
nacionalidade. usamos para não falar em concentração
Assinalemos alguns pontos. Por que a dos gastos de consumo. Se o estilo de
renda no Brasil aparece como sendo mais desenvolvimento é o mesmo, na região
concentrada do que em qualquer outro onde a penúria é maior também relativa-
país de nível de produtividade similar ao mente maior é o desperdício, a margem
nosso? Simplesmente porque as dispari- de gastos supérfluos ou suntuários.
dades regionais fazem que os aspectos E não se trata apenas de consumo pri-
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3. UMA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO PARA O NORDESTE
vado. A coletividade também deve arcar no em face das exigências da tecnologia
com formidáveis investimentos infra-es- moderna — na região do Nordeste são
truturais destinados a assegurar esses pa- contornados graças à integração industrial
drões de consumo. Sem embargo de sua com o Centro-Sul.
pobreza, o Nordeste instalou-se na civili-
zação do automóvel, à qual corresponde A autonomia perdida
um estilo de urbanização que por si só ab-
sorve ingente esforço de investimento im-. Em fase anterior do processo de indus-
produtivo. Como pode uma região de trialização de nosso País, a dependência
baixo nível de renda modernizar-se — na do Nordeste com respeito ao Centro-Sul
escala e com a rapidez do ocorrido no manifestava-se principalmente sob a for-
Nordeste nos últimos dois decênios — ma de um saldo positivo nas relações co-
sem esterilizar, em bens duráveis de con- merciais da região com o Exterior, saldo
sumo (com seu suporte infra-estrutural), que era despendido no Centro-Sul a um
grande parte dos magros recursos de que nível de preços relativos tanto mais alto
dispõe para satisfazer as necessidades bá- quanto maior era a proteção que rece-
sicas de seu povo? Ora, a rapidez desse biam as indústrias que então se instala-
processo de modernização não se explica vam no País. Ademais, parte dos capitais
sem ter em conta a integração econômica que se formavam no Nordeste eram dre-
da região com o Centro-Sul do País, que nados para o Centro-Sul, onde as oportu-
já alcançou um grau de acumulação bem nidades de investimento se afiguravam
mais alto e onde veio a prevalecer um esti- mais interessantes. A economia nordesti-
lo de desenvolvimento baseado na con- na comportava-se como um subsistema
centração da renda e na exacerbação do cuja dependência era essencialmente co-
consumo de bens duráveis. mercial; o seu sistema produtivo operava
Dependesse o Nordeste do desenvolvi- com certo grau de autonomia.
mento da própria produção industrial e A forma assumida pela industrialização
de importações do Exterior para abastecer recente, ao favorecer certo tipo de inte-
o mercado local, tudo leva a crer que o gração com o Centro-Sul — as indústrias
processo de modernização teria sido mui- modernas do Nordeste produzem insu-
to mais lento. A civilização do automóvel mos para as do Centro-Sul e destas rece-
e da televisão em cores aí não teria conhe- bem equipamentos e outros insumos —,
cido a explosão que conduziu ao quadro apagou progressivamente a referida auto-
atual de extrema polarização social. A en- nomia. Sempre existe um certo grau de
trada líquida de recursos, que aparece na dependência comercial, pois a região con-
contabilidade social da região, tem como tinua a manter um saldo positivo com o
contrapartida um elevado nível de inves- Exterior e, além disso, os produtos indus-
timentos estéreis destinados a modelar o triais do Centro-Sul são subsidiados
mercado regional às exigências da estrutu- quando exportados para o Exterior mas
ra industrial do Centro-Sul, na qual pre- não quando o são para o Nordeste. Con-
dominam as indústrias de bens duráveis tudo, este já não é o problema principal.
de consumo. Somente assim se explica a Mesmo que se admita que a produção
baixa relação produto-capital, ou seja, o industrial do Centro-Sul seja competitiva
baixo rendimento médio dos investimen- internacionalmente e que a drenagem de
tos que aí se realizam. recursos financeiros para fora da região já
As relações estruturais que vieram a não tenha expressão (o sistema fiscal pode
prevalecer fazem que a industrialização operar como vetor de recursos compensa-
nordestina seja, no essencial, uma prolon- tórios), a dependência permance de for-
gação do desenvolvimento industrial do ma insidiosa. Com efeito, ao transformar-
Centro-Sul, e só secundariamente uma se num espaço em que se localizam ativi-
resposta aos requerimentos da população dades industriais complementares da eco-
local. Por outro lado, a oferta no mercado nomia do Centro-Sul, o mercado de bens
local, alimentada pela indústria do Cen- de consumo nordestino teve de adaptar-se
tro-Sul, alcança um elevado grau de sofis- à estrutura da oferta de produtos indus-
ticação, comparativamente ao nível mé- triais que se origina na região de maior
dio de renda da população. Os obstáculos desenvolvimento relativo. A nova depen-
que em outras partes do mundo limitam dência reside exatamente na subordina-
o processo de modernização — e que se ção à lógica de uma industrialização que
originam na balança de pagamentos e na abarca o conjunto do País e é comandada
insuficiente dimensão do mercado inter- do Centro-Sul, transformando-se o Nor-
NOVOS ESTUDOS N.° 1
4. deste em simples apêndice de um merca- última aparecem ampliadas na região
do dominado por uma clientela de nível mais pobre. O excedente a que a indus-
de renda mais alto e onde se exacerbam as trialização dá origem no Nordeste finan-
tendências consumistas. cia uma modernização dos padrões de
A concentração de renda dentro da consumo de uma minoria privilegiada.
própria região a que deu origem essa for- Ademais, a integração das estruturas
ma de dependência tem projeções no se- industriais gera pressões no sentido de
tor agropecuário, o qual permanece pra- equiparar os salários dos quadros técnicos
ticamente fora do processo de integração e administrativos com os do Centro-Sul,
nacional. Assim, a demanda de produtos não só nas empresas em que é efetivo o
da pecuária é favorecida pela concentra- aumento de produtividade mas também
ção da renda; a necessidade de mobilizar no setor público e no terciário em geral.
recursos para responder com oferta inter- Como os setores dinâmicos da demanda
na repercute negativamente no setor agrí- são os que se ligam aos grupos de rendas
cola produtor de alimentos de consumo médias e altas, as atividades produtivas
geral. Em conseqüência, a capitalização com eles integradas absorvem o essencial
no agro, sob a forma de modernização da do investimento privado local. Desem-
infra-estrutura e de investimentos para a prego e miséria se espraiam em torno a
satisfação dos setores mais dinâmicos da pequenas ilhas do espaço social em que
demanda, repercute negativamente no uma minoria se empenha em ascender a
emprego rural. A população se desloca formas cada vez mais sofisticadas de con-
para as zonas urbanas sem maiores pers- sumo.
pectivas de melhoria das condições de vi- Em face da escassez de emprego na re-
da, pois a industrialização integrada com gião mantém-se a corrente migratória,
a do Centro-Sul tampouco favorece a cria- principalmente na direção dos grandes
ção de emprego. centros urbanos do Centro-Sul, nos quais
se definiu uma estrutura social que com-
O setor agropecuário porta todo um estrato inferior de nordes-
tinos, subsistema cultural em parte sub-
O setor agrícola produtor de alimentos merso e com precária proteção social. A
para a massa da população tende a acu- hipótese de intensificação desse fluxo mi-
mular atraso, declinando sua produtivi- gratório, que não seria solução para o
dade tanto com respeito ao setor indus- Nordeste, aumentaria a pressão no merca-
trial como relativamente à agricultura de do de trabalho do Centro-Sul, onde os sa-
lários reais tenderiam a crescer ainda mais
exportação e à pecuária. Se se compara o
lentamente e os problemas sociais não po-
Nordeste com o Centro-Sul vê-se que o deriam deixar de agravar-se. Basta obser-
diferencial nos níveis de produtividade var a insuficiência das infra-estruturas ur-
tende a reduzir-se no setor industrial e a banas e a massa de menores abandonados
aumentar na agricultura ligada ao merca- para convencer-se de que nos subúrbios
do interno, particularmente na produção das grandes cidades do Centro-Sul não
de gêneros alimentícios de consumo ge- existe solução para os problemas que afli-
ral. Assim, a reprodução da população gem as massas destituídas do Nordeste.
continua a realizar-se independentemente
do processo de integração industrial com Medidas tímidas não resolvem
o Centro-Sul. Mais precisamente: essa
integração, ao intensificar a concentração Uma situação como a que vimos de es-
da renda, reforça as formas tradicionais de boçar em seus traços mais característicos
dominação social que prevalecem nas dificilmente poderá ser modificada com
zonas rurais. medidas homeopáticas ou tímidas. O
Em síntese, o quadro estrutural das re- problema é similar, e possivelmente mais
lações inter-regionais que emergiu da in- complexo, ao com que se confronta hoje
dustrialização recente opera no sentido de em dia a humanidade, dividida entre paí-
aprofundar a dependência do Nordeste ses ricos e pobres num processo de difícil
(1): o mercado da região é cada vez mais reversibilidade.
um complemento do mercado do Centro- É quase unânime a opinião de que, na
Sul e os investimentos industriais que aí ausência de uma ação internacional deli-
se realizam subordinam-se à lógica da berada e vigorosa, que se desdobre em vá-
economia do Centro-Sul; destarte, as rios planos visando a modificar a estrutura
malformações do desenvolvimento desta do sistema global, tenderão a prevalecer
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5. UMA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO PARA O NORDESTE,
as forças que agravam a polarização atual. grandes massas de população; no Centro-
Se sobram razões para que nas instâncias Sul freia-se o progresso social e cresce a
mais altas haja crescente preocupação com marginalidade urbana.
o problema das desigualdades em escala Se hoje se discute amplamente a ordem
mundial e da ampliação de cinturão de econômica internacional é porque os po-
pobreza em torno aos países ricos, como vos em torno de cujas economias se estru-
admirar-se de que entre nós se denuncie a
turou o sistema de divisão internacional
existência de problema idêntico em âmbi-
to nacional? Certo: no caso do Brasil não do trabalho sentem o seu futuro ameaça-
se trata apenas de uma divisão entre be- do. Felizmente, no nosso caso, algo mais
neficiários e vítimas de um intercâmbio do que medo pode induzir-nos à ação,
desigual, fundado em uma visão dicotô- pois existem bases objetivas de autêntica
mica do valor do trabalho humano. A fra- solidariedade entre forças sociais que no
tura que nos alquebra tem projeções ne- Nordeste e no Centro-Sul lutem para que
gativas num como no outro lado do País. o desenvolvimento beneficie efetivamente
No Nordeste perpetua-se a miséria de a grande maioria da população do País.
As diretrizes para Ator político ativo
uma nova política de Esses três planos de ação se reforçam e
base objetiva completam. Comecemos pelo segundo,
que é, certamente, o de mais difícil reali-
zação. O objetivo central, nesse caso, seria
Nesta segunda parte de seu artigo, incorporar as massas rurais do Nordeste ao
o Autor aponta os três eixos esforço de desenvolvimento, o que so-
mente pode ser alcançado se esse desen-
principais e simultâneos de ação volvimento beneficiar de forma imediata-
transformadora no Nordeste: mente perceptível para eles uma parcela
transferência de cursos, maior importante dos trabalhadores rurais.
participação industrial e No quadro da atual estrutura agrária, a
modificações estruturais visando o penetração dos recursos financeiros e da
E
ser humano. técnica moderna tende a fazer-se de for-
fundado na convicção de ma a aumentar a distância entre uma ínfi-
que existem essas bases ob- ma minoria beneficiada e a imensa maio-
jetivas, sobre as quais fun- ria esquecida.
O atual esforço de capitalização, parti-
dar uma política visando a
cularmente quando favorece a pecuária,
abordar de frente e com os engendra a marginalização de muitos que
meios adequados o que nos parece ser são atirados à beira da estrada. Concomi-
o maior problema do País, que nos tantemente, o minifundismo, de que de-
permitiremos avançar algumas reflexões pende em boa parte a produção de gêne-
sobre o que poderiam ser as diretrizes ros de consumo geral, avança em terras de
básicas dessa política. inferior qualidade contra a barreira dos
A ação teria que ser conduzida simulta- rendimentos decrescentes.
neamente em torno a três eixos princi- O trabalho de reconstrução estrutural a
pais. O primeiro assumiria a forma de realizar é considerável, e somente condu-
transferência maciça de recursos para a re- zirá a bom porto se contar com a efetiva
gião pelo menos por um decênio; o se- participação da população rural. Em uma
gundo teria por objetivo introduzir modi- primeira fase, tratar-se-ia de liberar o pe-
ficações estruturais que produzam melho- queno produtor da exploração escorchan-
ras sensíveis nas condições de vida e na ca- te fundada na parceria ou no pagamento
pacidade de iniciativa da massa trabalha- de foro ou renda da terra. Como justificar
dora rural; e o terceiro visaria a aumentar que o trabalhador pague aluguel pela ter-
de forma substancial a participação do ra que utiliza quando, mobilizando a to-
Nordeste na atividade industrial do País, talidade da força de trabalho da família,
numa forma de complementação com o não consegue tirar dessa terra o correspon-
Centro-Sul que não crie dependência e dente a um salário mínimo? Em uma se-
sim tenha em conta as particularidades gunda fase se criariam as condições, me-
sociais e ecológicas da região mais pobre. diante a liquidação do minifúndio, para
NOVOS ESTUDOS N.° 1
6. que a unidade familiar utilize plenamen- Nordeste na atividade industrial do País.
te sua capacidade de trabalho e se torne O estilo centralizador da industrialização
apta para incorporar novas técnicas e capi- brasileira, que tudo subordinou ao pólo
talizar. paulista, abriu poucas opções ao. Nordes-
Em outra ordem de providências, ter- te, fora do aproveitamento das matérias-
se-iam de criar facilidades para que o ho- primas locais em conexão com a energia
mem do campo aplique sua capacidade elétrica relativamente barata do sistema da
de trabalho subutilizada, quando esta CHESF. A integração com o Centro-Sul
exista, na melhora de suas condições de fez-se, portanto, com base em indústrias de
habitação. Para que isso ocorra, é necessá- alta capitalização e pouco emprego. Esse
rio que os pequenos produtores se asso- processo é de reversão difícil e, na ausência
ciem em cooperativas, que os defendam de um esforço deliberado para contê-lo,
contra a voracidade dos intermediários co- deverá aprofundar-se.
merciais e financeiros, e que se organizem Mas como ignorar que essa quot;ajudaquot; à
para atuar no plano político. A assistência industrialização levou à destruição de
médica e escolar — tendo em conta que múltiplas atividades produtivas locais e
os adolescentes são no campo uma força inibiu a criação de outras, pois tendeu a
produtiva auxiliar — teria que ser sufi- tudo subordinar à lógica da integração
cientemente eficaz para que em um decê- com o Centro-Sul? O essencial do esforço
nio o homem do campo chegue a ser algo financeiro foi realizado em indústrias que
distinto do semi-enfermo analfabeto que se destinam a economizar divisas, utiliza-
é o rurícola nordestino de hoje. das principalmente pelo Centro-Sul, ou a
O objetivo estratégico seria eliminar si- produzir insumos para serem enviados à
multaneamente o latifúndio predatório e região mais desenvolvida. Esse tipo de in-
o minifúndio asfixiante que, conjugados, dustrialização reproduz as características
formam um sistema brutal de exploração da economia primário-exportadora basea-
do homem. A produção de gêneros ali- da na exploração de recursos minerais.
mentícios destinados à massa da popula- Assim como a industrialização do Cen-
ção faz-se no Nordeste principalmente tro-Sul requereu a ação deliberada do Es-
em pequenas parcelas de exploração indi- tado — supletiva, complementar e corre-
vidual, dentro dos latifúndios ou em ter- tiva das forças do mercado —, a correção
ras marginais. das distorções a que conduziu a excessiva
Se se pretende reconstruir a sociedade concentração geográfica da atividade in-
de forma a liberar a capacidade de inicia- dustrial exige um esforço estatal de consi-
tiva do trabalhador, é pelo desmantela- derável amplitude. Uma planificação
mento dessa estrutura que se deve come- atenta às dimensões continentais do País e
çar. A atual estrutura agrária do Nordeste aos desníveis regionais de desenvolvimen-
é um meio de dominação sem ser um ins- to deveria orientar a localização das ativi-
trumento de progresso econômico. Por- dades industriais.
tanto, economia e sociedade devem ser Independentemente das atividades in-
transformadas conjuntamente. Daí a ne- dustriais que são uma projeção do Cen-
cessidade de considerar o homem do cam- tro-Sul, uma série de outras atividades
po como ator político ativo, e não apenas manufatureiras poderão desenvolver-se
como força de trabalho. na região, sob a forma de pequenas e mé-
O enfoque tecnocrático, que com seu dias empresas, se adequadamente ampa-
misto de medo e desprezo do povo pre- radas. Atividades fronteiriças entre o arte-
tende cobrir-se contra todo risco, é obtuso sanato e a manufatura não somente criam
em face de problemas dessa ordem. Uma emprego mas são a única forma de abaste-
sociedade não ascende a formas mais cer mercados locais de modesto poder de
complexas de organização pela simples compra. A utilização de novas fontes de
graça do Príncipe. Mas desgaste e perda energia, particularmente a biomassa, con-
de tempo podem ser evitados quando a tribuirá para viabilizar essa descentraliza-
ação política é capaz de canalizar e orien- ção das atividades manufatureiras.
tar as forças sociais que a mesma política Se é possível que o Estado, entre nós,
contribui para ativar. tenha ido demasiado longe ao assumir
responsabilidades diretas no investimento
Atividades industriais e na gestão da economia, pouca dúvida
pode haver de que esse mesmo Estado
Passemos agora ao terceiro plano de tem ignorado que o desenvolvimento de-
ação visando a aumentar a participação do ve abranger o conjunto do País, e que é
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7. UMA POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO PARA O NORDESTE
exatamente no que se refere à localização ráter compensatório ou são absorvidas por
da atividade econômica que mais falham investimentos improdutivos.
as forças do mercado. Um exemplo numérico aproximativo
A localização da atividade produtiva nos permite ter uma idéia do volume dos
deveria ser preocupação maior em um recursos envolvidos. Admitamos que o
País com as dimensões e características produto interno do País seja atualmente
ecológicas do Brasil. A atual concentração de cerca de 200 bilhões de dólares; o
industrial não tem justificativa econômica montante dos recursos a transferir alcan-
clara e são profundas as conseqüências so- çaria no primeiro ano 2 bilhões. Se se
ciais negativas que engendra. mantém a taxa histórica de crescimento
Se nos capacitamos disso, mais facil- do produto (7% ao ano), no final do de-
mente poderá realizar-se o esforço visan- cênio esse produto alcançaria 400 bilhões
do a criar condições no Nordeste para aí de dólares aos preços atuais, devendo a
fixar uma parcela maior dos futuros inves- transferência por essa época ser da ordem
timentos industriais. de 4 bilhões. O montante total transferi-
Um dos objetivos poderia ser o de du- do atingiria, portanto, 30 bilhões.
plicar, até o fim do século, a participação Prosseguindo o exercício com base em
do Nordeste na atividade manufatureira dados aproximativos, admitiremos que o
nacional, a qual se reduz atualmente a produto interno do Nordeste constitui
cerca de 7% . Isso significaria para a região um décimo do nacional e que a taxa de
alcançar uma taxa de crescimento anual investimento (excluídos os ligados a ativi-
da produção manufatureira entre 15 e dades estritamente suntuárias) seja de
20%, admitindo-se que se mantenha a 20% do produto. Nesse caso, a transfe-
taxa histórica para o conjunto do País. rência de recursos permitiria aumentar o
Como por essa época a população nordes- potencial de investimento efetivamente
tina muito provavelmente não será infe- reprodutivo em 50% , ou seja, elevar a ta-
rior a um quarto da nacional, a meta refe- xa a 30%.
rida — que poderá parecer ambiciosa — Longe de mim a idéia de fazer proje-
deixaria a região com um grau de indus- ções macroeconômicas no ar, postulando
trialização ainda bem inferior ao da re- que o aumento da acumulação seria causa
gião Centro-Sul. suficiente para intensificar o crescimento
A descentralização industrial poderá econômico. Menos ainda cometeria o pe-
ser o caminho para corrigir a tendência ao cado de imaginar que crescimento econô-
gigantismo, que prevaleceu nos anos re- mico se traduz necessariamente em de-
centes e é tão do gosto das empresas trans- senvolvimento ao nível do conjunto da
nacionais; viria, assim, favorecer as empre- sociedade. Ainda assim, convém lembrar
sas médias e pequenas, devolvendo aos que, na hipótese favorável de que a trans-
empresários nacionais parte da iniciativa ferência de recursos se traduza em intensi-
que perderam nos últimos decênios. ficação proporcional do crescimento e
admitindo que as taxas de crescimento
Transferência maciça de recursos são atualmente idênticas no Nordeste e
no Centro-Sul (7%) e que a renda média
Voltemos agora ao primeiro ponto, cuja do nordestino corresponde a um terço da
realização é condição necessária ao êxito média nacional — no final do século essa
das outras iniciativas teferidas. Tratar-se- renda ainda seria em uma terça parte in-
ia de provocar uma transferência maciça ferior à média.
de recursos financeiros e técnicos para a Esse não é o problema. Desigualdades
região. Somente se nos convencemos de de níveis de renda por habitante existem
que o que está em jogo é o futuro de todo por toda parte. O que se deve buscar não
o País — de nossas aspirações como Nação é tanto eliminar as diferenças de nível de,
— esse esforço poderá ser realizado, pois renda, se bem que isso seja em certa me-
ele depende da mobilização de forças so- dida necessário, e sim transformar a socie-
ciais e políticas de grande magnitude. Al- dade nordestina a fim de que o desenvol-
go como um por cento do produto inter- vimento beneficie efetivamente a massa
no deveria ser transferido para a região, da população.
sob a forma de recursos a serem aplicados Se não se eleva deliberadamente o nível
dentro de programação rigorosa, durante de vida do homem rural nordestino, se es-
um período não inferior a dez anos. Esses te permanece prisioneiro da fome e da
recursos deveriam suplementar as transfe- ignorância, a estrutura social do conjunto
rências que já se realizam e que são de ca- do País tenderá a permanecer semi-imo-
NOVOS ESTUDOS N.° 1
8. bilizada, reproduzindo, agravadas, as ex- assuma a liderança dessa luta, despertan-
tremas desigualdades que a caracterizam do da letargia a que foi reduzido pelo
no momento presente. O objetivo estraté- centralismo autoritário que se implantou
gico deveria ser abrir espaço para que os no País a partir de 1964. A mobilização
que estão realmente embaixo na escala nordestina apressará a restauração de um
social se transfigurem em agentes ativos autêntico federalismo, sem o que a vonta-
do desenvolvimento. Esse primeiro im- de política da região não se poderá mani-
pulso, visando a romper as estruturas que festar no plano nacional.
aprisionam os que estão mais embaixo, Acima de tudo é indispensável não per-
somente virá à luz como fruto de uma de- der de vista que, se temos a pretensão de
cidida vontade política. construir uma Nação que assuma plena-
A transferência de recursos teria como mente o seu destino, a omissão não é al-
objetivo central transformar as estruturas ternativa.
rurais, melhorar as condições de saúde e Se a História nos pedir conta, algum
educação, particularmente nas áreas pro- dia futuro, a todos nós brasileiros, das
dutoras de alimentos de consumo geral, oportunidades que aproveitamos ou per-
criar as condições de acolhimento das no- demos na luta para edificar a pátria com
vas implantações industriais e dar vitali- que sonhamos, será para o Nordeste que
dade às pequenas e médias empresas dire- se voltará nosso pensamento. Lá ter-se-á
tamente ligadas à satisfação das necessida- consumado a nossa derrota, ou vitória.
des da população de renda modesta. Uma
visão a longo prazo é absolutamente ne-
cessária se se pretende romper as velhas NOTAS
estruturas responsáveis pela passividade e O presente artigo consta também do livro de Celso Furta-
pelo fatalismo que imobilizam atualmen- do O Brasil pós-milagre. (N. da R.)
te grande parte da população nordestina.
(1) Constitui hoje em dia um problema de interesse apenas
histórico saber se a industrialização do Nordeste podia haver
As duas condições assumido forma diversa, orientando-se de preferência para o
mercado da região e contribuindo mais amplamente para
criar emprego e elevar o nível de vida da massa da popula-
Um esforço dessa natureza, exaltante co- ção. É fora de dúvida que os incentivos criados pela Sudene
mo pode parecer, somente poderá ser le- estão na origem do surto industrial dos anos 60, durante os
vado adiante com êxito se se dão duas quais a produção manufatureira da região cresceu mais rapi-
damente do que a do Centro-Sul. E também é verdade que
condições. a partir de 1964 esse órgão limitou-se a criar facilidades, fa-
A primeira é uma mobilização de for- vorecendo os grandes grupos e punindo as pequenas empre-
sas. Contudo, não se pode afirmar que, sem a participação
ças sociais em todo o País, o que pressu- da Sudene, a industrialização houvesse tomado outro rumo
põe a tomada de consciência de que, se o na região. O máximo que se pode dizer é que essa agência se
Brasil persiste pelo atual caminho das omitiu em face das tendências perversas que se iam definin-
do, quando sua tarefa precípua era orientar os investimentos
crescentes desigualdades sociais e regio- subsidiados pelo Governo em função dos interesses da po-
nais, o nosso futuro como Nação poderá pulação nordestina. Para uma análise de comportamento da
ser posto em xeque. Somente essa ativa- Sudene nesse período, veja-se Raimundo Moreira, O Nor-
deste Brasileiro, uma política regional de industrialização,
ção de forças sociais amplas poderá gerar a Rio, 1979.
vontade política necessária para romper as
inércias que em nosso País se opõem a to-
da mudança no plano social. Novos Estudos Cebrap, São Paulo,
v. 1, 1, p. 12-19, dez. 81
A segunda condição é que o Nordeste
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