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Modulo 13 historia
Apresentação do módulo
Neste módulo faremos uma discussão das relações entre história, identidade e cultura. Nele faremos uma
problematização dos aspectos culturais e identitários da sociedade brasileira, a partir do entrecruzamento da
cultura europeia, ameríndia e negra africana. Os temas aqui tratados permitirão aprofundar nossas reflexões
sobre o ensino de História. Esses temas tratam de aspectos da cultura renascentista e da visão de mundo do
explorador/colonizador europeu na América, da cultura ameríndia, africana e afro-brasileira.
Para começar a história
Pergunta de verdade...
Você já refletiu sobre as perguntas que fazemos em sala de aula?
Na maior parte das vezes, essas perguntas fazem parte de um jogo de cartas marcadas. Perguntamos para
descobrir se os alunos sabem ou não aquilo que queremos que eles saibam. Essa é uma maneira muito
corrente de se avaliar; vestibulares e concursos também se baseiam em questões em que o avaliador já sabe a
resposta.
Mas há outra possibilidade?
Sim, há. Ao trabalharmos o tema da identidade, navegaremos por esses mares. A identidade oferece tantas
possibilidades de abordagem que não conseguimos confiná-la a uma definição precisa.
Da identidade individual, que me confere CPF, RG e passaporte e me faz único no mundo, ao pertencimento
a espécie humana, em que me solidarizo e me identifico com todos do mundo, passando pela identidade
familiar e pela identidade nacional, muitas questões são possíveis, algumas de resposta precisa e imediata,
outras de possibilidades mediatas e respostas fugidias.
Quem sou eu? Quem somos nós? Quem são eles? Podem ser algumas questões de verdade para as quais
elaboraremos respostas provisórias, às vezes construídas com os alunos, às vezes para testarmos o que eles
sabem.
Alguns temas
Vamos enveredar por esses caminhos da identidade e da cultura, percorrendo alguns temas e propondo
algumas atividades.
Você pode seguir a sequência abaixo ou enveredar por outros caminhos, mas viaje por todos os slides e vá
configurando suas respostas para nossas perguntas.
Renascimento
Ao pensarmos o tema da identidade cultural a partir do Renascimento e da expansão marítima europeia, nos
colocamos diante de um leque de possibilidades. Vamos iniciar essa discussão propondo o estudo de uma
gravura do século XVI feita por um artista
conhecido como Jan van der Straet (1523-
1605).
Gravura de Jan van der Straet
Observe atentamente a gravura antes de
avançar para a próxima página.
Renascimento e expansão marítima
Segundo o historiador Nicolau Sevcenko, a gravura de Jan van der Straet é uma alegoria que simboliza o
encontro do explorador Colombo com a América, na figura de uma mulher que desperta da rede
(SEVCENKO, Nicolau. “As alegorias da experiência marítima e a construção do europocentrismo”. In:
SCHWARCZ, M. L.; QUEIROZ, R. Raça e diversidade. São Paulo: Edusp/Estação Ciência, 1996. p. 113-
145.). O roteiro proposto é possível de ser trabalhado com os alunos. Você pode, por exemplo, além de
solicitar a descrição e a composição de um diálogo entre os personagens, propor uma animação para a
imagem, o que exigirá uma investigação mais apurada da gravura. Vejamos a análise feita pela historiadora
Janice Theodoro sobre o imaginário a cerca da chegada dos
europeus à América.
Gravura de Jan van der Straet
Leitura: Theodoro, Janice. América Barroca:
temas e variações. São Paulo: Edusp; Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1992. São Paulo, EDUSP. (Capítulo
2. Colombo: entre a experiência e a imaginação)
COLOMBO: ENTRE A EXPERIÊNCIA E A IMAGINAÇÃO(1)
O problema não é inventar. É ser inventado.
Carlos Drummond de Andrade
Os escritos de Colombo e sobre Colombo abrem uma porta para a reflexão sobre o significado da
experiência e da imaginação nos séculos XV e XVI. Este grande navegador elaborou uma hipótese, a de que
a terra era redonda, e a partir dela experimentou navegar para o Ocidente, querendo chegar ao Oriente. Um
grande gesto, fruto da imaginação e da experiência, o imortalizou, especialmente quando sua hipótese foi
comprovada através de uma viagem de circunavegação(2). Embora a América não fosse as Índias, a Terra é,
de fato, redonda. Portanto, Colombo tinha razão ao propor, para todos aqueles que estavam interessados em
realizar o comércio com o Oriente, esta viagem.
Este é um lado da história bastante conhecido e que podemos comprovar, fornecendo informações seguras
para todos aqueles que desejam analisar a empresa colonial. A montagem de uma economia mundial(3)
realizada em grande parte por Portugal e Espanha, financiada por capitais muitas vezes oriundos de outros
reinos ou cidades, transformou profundamente as formas de vida na América. Caminhando por esta vertente
historiográfica, tenderemos a construir a nossa personagem Colombo como um homem moderno. Mas,
teriam sido o reconhecimento e a colonização da América marcados basicamente pelo pensamento moderno
?
Experiência e Imaginação
Todas estas proposições, descritas e interpretadas em seqüência, são verdadeiras, e representam, de fato,
parte do que ocorreu. Mas, ao mesmo tempo, embora sejam colocações claras e objetivas, não dão conta
nem da personagem nem da natureza das transformações ocorridas tanto na América como na Europa.
Análises marcadas pelo pensamento moderno excluem partes da história, não aquelas partes que se referem
às experiências comprovadas mas, aquelas outras que compõem o imaginário cristão e pagão que foram o
instrumento básico no convívio entre os indígenas e os europeus na Idade Média. A comunicação entre
indígenas e europeus, realizada através de gestos, língua, ou ainda, da fabricação de objetos de cultura,
cristalizaram o universo cultural americano, à medida em que ambos eram fragmentados.
Nesse sentido, deveremos percorrer tanto o universo marcado pela imaginação quanto aquele outro que
sábios e filósofos da época denominaram, as razões das descobertas. Assim, procuraremos analisar as
formas de convívio interculturais estabelecidas na América. Ao abandonarmos, portanto, a convenção da
veracidade, como único objeto de estudo do historiador, poderemos fundir relato histórico e relato literário.
Tomemos um exemplo, para esclarecer esta proposta:
Dom Hernando se refere com muita clareza em seu livro, a Vida Del Almirante, às razões que moveram
Colombo crer que poderia descobrir as Índias:
Viniendo, pues, a decir las razones que movieron al Almirante al
descubrimiento de las Índias, diré que fueron tres a saber: los fundamentos
naturales, la autoridad de los escritores y los indicios de los navegantes. En
cuanto a lo primeiro, que es razón natural, digo que él consideró que, como
toda el agua y la tierra del mundo constituyan una esfera, era posible
rodearse de Oriente a Occidente, andando por ella los hombres, hasta estar
pies con pies los unos con los otros, en cualquiera parte que en opósito se
hallasen. En segundo lugar y conoció por autoridad de autores aprobados
que gran parte de esta esfera había sido navegada y que no quedaba, para ser
toda descubierta, sino aquel espacio que había desde el fin oriental de la
índia, de que Ptolomeu y Marino tuvieron noticia, hasta que, prosiguiendo la
via del Oriente, tornasen por nuestro Occidente a las islas de Cabo Verde y de
los Azores, que era la tierra más occidental que entonces estaba descobierta.
En tercer lugar, entendía que aquel dicho espacio que había entre el fin
oriental, sabido por Marino, y las dichas islas de Cabo Verde, no podía ser
más que la tercera parte del círculo mayor de la esfera, pues que ya el dito
Marino había descrito por el Oriente quince horas o partes de veinticuarto
que hay en la redondez del mundo, y hasta llegar a las dichas islas de Cabo
Verde no faltaba cuasi ocho, porque aún el dicho Marino no comenzó su
descripción tan al Poniente.(4)
A utilização das palavras razão e crença é extremamente significativa para se compreender a personagem,
Colombo, e sua época. Indicam a presença do vínculo entre o pensamento medieval e o pensamento
renascentista. Por um lado, Colombo é levado a observar a realidade e, a partir dessas observações, chegar a
determinadas conclusões. Por outro lado, Colombo crê em algumas profecias e preserva, de maneira
admirável, os ideais da cavalaria que o distanciavam da realidade e da experiência da qual ele era o artífice.
Colombo, ao mesmo tempo que descobre ser a terra redonda, procura encontrar o caminho do Paraíso
terrestre. Este paradoxo (realidade e sonho) presente em Colombo será elemento constitutivo das formas de
apreensão do universo indígena, parte também integrante da nossa ancestralidade cultural.
Do imaginário à realidade
Como fundir o relato histórico com o relato literário ?
Talvez a melhor maneira para se trabalhar o documento histórico seja analisar as formas de narração
presentes nos documentos de um determinado período histórico, sem preocupação em separar, a priori, o
que poderia ser ciência do que poderia ser imaginação.
Evidentemente, ao aceitarmos esta proposição estamos descartando aqueles estudos que concebem a história
como disciplina mais próxima das ciências naturais do que da literatura, opondo, portanto, história e
literatura.
Ao analisar relatos históricos, partiremos do pressuposto, tão bem fundamentado por Walter D. Mignolo(5)
para quem: "veracidad y ficcionalidad se conciben, en mi sistema conceptual, como convenciones que
regulan el empleo del lenguaje, literatura e historia se conciben como normas que regulan el empleo del
lenguaje en una práctica discursiva disciplinaria".
Portanto, o nosso enfoque, ao analisar um documento, muito se parece com aquele que preside a análise
literária. Veracidade e imaginação são elementos constitutivos do texto histórico. A presença alternada,
combinada e espelhada torna muitas vezes difícil, ao historiador, separar o fato propriamente dito, do que é
imaginação, ou o que se transformou de imaginação em fato documentado (descobrimento da América), ou
ainda, o que foi um fato distorcido, apenas um pouquinho, pelo olhar do narrador, daquele que foi muito
distorcido.
O diário de Colombo
Existem polêmicas notáveis quanto à autenticidade dos diários de Colombo e também com relação à Vida
del Almirante escrita por seu filho, Hernando. Henry Harrisse (1830-1910), por exemplo, chegou mesmo a
sugerir um autor como o responsável pelos escritos: o humanista Hérnan Pérez de Oliva(6). Mascarenhas
Barreto(7) publicou em 1988 um livro no qual Cristóvão Colombo ganha a nacionalidade portuguesa e é
apresentado como agente secreto de Dom João II. Estas polêmicas demonstram, antes de mais nada, um
gosto pelo suspense, pelo desejo de decifrar o indecifrável, de descobrir indícios(8) em meio a filigranas só
perceptíveis a historiadores-detetives que atuam munidos de lupa. Nos casos, em que muitas vezes se torna
impossível descobrir a verdade, e que são os mais freqüentes, o mais interessante é analisar a relação do
detetive-historiador com o documento. Afinal, quando surgem esses cronistas e historiadores preocupados
em reconstruir a verdade e qual o caminho que seguem para alcançá-la ? Teria Colombo intenção em ser
objetivo? Saberia o homem medieval enfrentar o seu destino, a fortuna, armado da razão? Ou preferiria
experimentar as suas hipóteses armado da fé ?
Um documento histórico, a Vida del Almirante Don Cristobal Colón, escrita por seu filho, Don Hernando,
ainda que tenha sido escrito por outro Hernán Pérez de Oliva, ou ainda outro, cujo nome desconhecemos, tal
documento, ou tais documentos, estão de acordo com outros escritos do Almirante. Esses antigos
manuscritos trazem as marcas da mentalidade medieval e renascentista, expressa em um modo de ser. Ou
seja, a forma da narração de Colombo e de seus contemporâneos nos permite reconhecer,
concomitantemente, a convenção da veracidade e da fantasia ou imaginação. Ou seja, as verdades e sonhos
produzidos por Colombo ou por seu filho, ou ainda, por outros companheiros, fazem parte, igualmente, do
mesmo sistema conceitual. Empregam convenções em nível da linguagem que nos abrem as portas tanto
para a compreensão histórica de uma época quanto para a fruição literária de um texto de época.
O Diário de Colombo e a Vida del Almirante nos mostram como a América foi inventada antes de ser
descoberta. A invenção, palavra escolhida por O`Gorman(9) para contrapor-se à criação (que supõe produzir
algo "ex nihilo, portanto com sentido apenas dentro do âmbito da fé cristã"), carrega no seu bojo uma
reflexão que ultrapassa em muito o descobrimento propriamente geográfico da América.
A américa através do imaginário europeu
A descoberta da América, realizada por Colombo, é um tema que deu origem a muita polêmica. A mais
conhecida e difundida nestes anos que precedem as comemorações dizem respeito ao fato de que a América
não necessitava dos europeus para existir. E, nesse sentido, nada se tem a comemorar. A América
encontrada, achada por Colombo, em meio a "mares nunca dantes navegados"(10), incorporou-se ao
imaginário europeu com uma série de atributos que já haviam sido delegados a ela muito antes de ser
descoberta. Ou seja, a América já fazia parte do imaginário europeu, representando para Colombo apenas a
comprovação de tudo o que havia sido produzido pela sua imaginação e pela imaginação de seus
contemporâneos.
Nesse sentido, todos os documentos que se cruzam em torno do nome Cristóvão Colombo representam a
possibilidade de navegarmos em um universo plural do qual fazem parte, igualmente, os sonhos irrealizados
de Colombo e as façanhas que ele desempenhou, e que, por contingências histórico-institucionais,
mantiveram-se na memória por terem sido registradas por escrito.
A América surgiu primeiro pelo gosto, pelo prazer de narrar, de expor os fatos com sutis matizes, capazes de
restaurar o imaginário do interlocutor, despertando nele o interesse pela aventura, pelo maravilhoso, pelo
conhecimento do desconhecido.
A primeira roupa com que a América se travestiu, aos olhos do europeu, foi dada por Colombo através da
palavra Índias. Colombo pensou ter chegado às Índias, e, portanto, tudo o que viu correspondia a um indício
capaz de comprovar sua hipótese. A. Gerbi nos lembra como Colombo se esquiva de analisar a flora
americana, pois não podia identificá-la com a flora das Índias ou das Molucas. Sem se preocupar com as
diferenças, Colombo se utiliza deste mesmo espaço criado por elas (pelas diferenças) para se lançar à
recriação de tudo aquilo que ele pretendia encontrar. O seu imaginário era regido por inúmeras informações,
trazidas por viajantes (como Marco Polo, por exemplo) que gostavam de contar suas façanhas, sem que os
interlocutores estivessem interessados em pedir provas. O prazer de produzir uma narração de acordo com as
suas expectativas, construídas bem antes da viagem, era superior à sua capacidade de descrever um
continente desconhecido. Nesse sentido, Colombo vai estruturar em seu diário não apenas o seu sonho mas,
principalmente, um sonho italiano, um sonho europeu intercalado de informações retiradas de cartas
elaboradas por navegadores experientes e observações astronômicas recolhidas em viagens. A realidade e a
fantasia se entrelaçam. A. Gerbi nos fala de forma muito sensível sobre os sentimentos de Colombo capazes
de demarcar a natureza com a sua sensação:
Frente a tanta exuberancia, Colón se nos muestra dominado por tres
sentimientos: entusiasmo por la novedad de la flora antillana, admiración por
su excepcional hermosura, y angustia de no estar en posibilidad (por escasez
de tiempo y de conocimientos botánicos) de apreciar sus virtudes medicinales
y su valor nutritivo. En el plano cognoscitivo, la natureza americana es
diversa y sorprendente, de otra forma: "disforme". En el plano estético-
hedonista, es hermosa y placentera, eufórica. En el plano prático, tiene que
ser utilísima y buenísima, pero esto Colón no lo sabe. Antes que nada, tiene
prisa de encontrar oro: "puede haber muchas cosas que yo no sé, porque no
me quiero detener por calar y andar muchas islas para fallar oro".(11)
Na verdade são alguns sentimentos e percepções poéticas, construídas a partir da natureza européia, que
aproximam os dois continentes. A incapacidade de Colombo de ver a América corresponde, ao mesmo
tempo, a uma grande capacidade de criar afinidades(12). Para Colombo, os objetos são semelhantes ou
diferentes "dos nossos", ou seja, sempre são organizados de forma a aproximar cultura européia da cultura
indígena, criando uma unidade capaz de abranger todas as variáveis por ele observadas.
O compromisso de Colombo com a fé cristã ativa sua imaginação, obrigando-o a interpretações adequadas à
espiritualidade cristã. E, ao fazê-lo, Colombo inicia um longo trajeto de visualização da Europa na América.
Colombo vê mais com a imaginação do que com a vista. E, quando se encanta com uma natureza que escapa
aos modelos já conhecidos, ele mesmo diz não saber como expressar-se:
Es este país, Príncipes Serenísimos, en tanta maravilha hermoso, que
soprepuja a los dem s en amenidad y belleza, como el día en luz a la noche.
Por lo cual solía yo decir a mi gente muchas veces, que por mucho que me
esforzase en dar entera relación de él a Vuestras Altezas, no podría mi lengua
decir toda la verdad, ni mi mano describirla. Y en verdad, quedé tan
asombrado viendo tanta hermosura, que no sé cómo expressarme.(13)
Este é um momento excepcional no texto, quando o narrador, por não conseguir comparar, prefere não se
expressar. O mesmo não ocorre quando Colombo necessita explicar aos indígenas quem eram os Reis
Católicos e a quem deveriam prestar serviços. Os contatos parecem sempre resultar em um bom
entendimento entre as partes. Ou seja, a comunicação se realiza através de gestos, palavras ininteligíveis, um
verdadeiro ritual que se transforma em forma de comunicação. Na perspectiva do europeu, a prosa corre
solta, independentemente do entendimento do indígena.
Da imaginação à aproximação
A narrativa, assim constituída, supondo ser muitas vezes desnecessária a presença do tradutor, é um
elemento de aproximação. Colombo, como seus contemporâneos, ao dar um sentido visual a tudo o que
narra e escreve e ao apresentar, à sua moda, a América aos europeus, mantém o mesmo eixo narrativo e a
mesma forma com que sabia apreender os objetos na Europa.
Assim, ele criou uma América, ao mesmo tempo, rica e inverossímil, que agradava ao leitor acostumado ao
luxo e à riqueza presentes nas descrições de um Oriente exótico. Essas características típicas de sua narração
fazem parte tanto do romance de cavalaria como das tapeçarias e pinturas do século XIV. Cervantes, por
exemplo, trata em seu livro Dom Quixote de la Mancha da relação entre o sonho e a realidade, e seu herói,
que às vezes nos faz lembrar Colombo é um grande leitor dos romances de cavalaria(14).
Colombo guarda a mesma ambigüidade sem dela rir. Quanto à pintura, se quisermos citar um exemplo que
nos lembra o gosto pelo trato constante com o inverossímil, basta lembrar a obra de Bernardo Martorel, São
Jorge matando o Dragão. Um dragão que dificilmente meteria medo, mas cuja existência ajudava a
imaginação a florescer. O relato de Colombo em seu diário, de 9 de janeiro de 1493, nos faz ver a
importância do inverossímil para o re-conhecimento do mar oceano:
Nessa terra toda há muitas tartarugas, que os marinheiros capturaram em
Monte Cristi, quando vinham desovar em terra, e eram enormes, feito grandes
escudos de madeira. Ontem, quando o Almirante ia ao Rio del Oro, diz que
viu três sereias que saltaram bem alto, acima do mar, mas não eram tão bonitas
como pintam, e que, de certo modo, tinham cara de homem.(15)
A narrativa de viagem de Colombo compõe-se através de uma rede de inter-relações, na qual o conceito
organizador, contido na memória do narrador, define o espaço no qual a América passa a fazer parte da
cultura européia. Observem:
Asimismo digo que también debemos estimar mucho su honestidad y
vergüenza, porque si al entrar en la nave ocurría que les quitasen alguno de
los panos con que cubrían sus vergüenzas, en seguida el indio, para cubrirlas,
ponía delante las manos y no las levantaba nunca: y las mujeres se tapaban la
cara y el cuerpo, como tenemos dicho que hacen las moras en Granada. Esto
movió al Almirante a tratarlos bien, a restituirles la canoa, y a darles algunas
cosas a cambio de aquellas que los nuestros les habían tomado para muestra.
Y no retuvo de ellos consigo sino a un viejo, llamado Yumbé, el cual parecía
de mayor autoridad y prudencia, para informarse de las cosas de la tierra, y
para que animase a los otros a platicar con los cristanos; lo que hizo pronta y
fielmente todo el tiempo que anduvimos por donde se entendía su lengua. Por
lo que en premio y recompensa de esto, cuando llegamos a donde no podía ser
entendido, el Almirante le dió algumas cosas y lo envió a su tierra muy
contento. Esto sucedió antes de llegar al cabo de Gracias a Dios, en la costa
de la Oreja.(16)
Este texto nos deixa antever uma trama que encaminha o receptor da mensagem a uma determinada
percepção dos objetos. A disposição das palavras honestidade e vergonha, autoridade e prudência, ou ainda,
prêmio e recompensa estrutura o conteúdo da informação. Ou, melhor dizendo, estas palavras, retiradas
muitas vezes da épica, conformaram o reconhecimento da América através de seu protagonista: o narrador.
Palavras como honestidade ou autoridade definem os contornos da narração, sendo estas palavras, mais que
os verbos, responsáveis pelo significado do texto. A harmonia criada pelos substantivos e adjetivos ao se
descrever a viagem aproxima os dois continentes, deixando, por vezes, transparecer pedaços de informações
que dizem respeito à cultura indígena. Colombo constrói sua narrativa da mesma forma que o construtor
renascentista dispunha pedras em camadas, compondo uma parede sem esconder os desenhos. A conquista e
a destruição da América estão presente na narrativa (não se omite nem se disfarça a violência), ao mesmo
tempo em que ele transforma em obediência e quietude a ação do indígena, comprovando-se, assim, a
superioridade do cristianismo.
Con la prisión de estos y con la victoria obtenida, sucedieron las cosas de los
cristianos tan prósperamente, que no siendo entonces más de seiscientos
treinta, y la maior parte enfermos, y muchas mujeres y muchachos, en el
espacio de un año que el Almirante recorrió la isla, sin tener que volver a
desenvainar la espada, la redujo a tal obediencia y quietud que todos
prometieron pagar tributo a los Reyes Católicos cada tres meses, a saber: de
los que habitan en Cibao, donde estaban las minas de oro, pagaría toda
persona mayor de catorce anos un cascabel grande lleno de oro en polvo; y
todos los demás, veinticinco libras de algodón cada uno.(17)
Colombo é o avalista da paz organizada e esperada por ele sob a égide do cristianismo; o organizador de um
governo marcado pela vontade de Deus e pela sabedoria dos Reis Católicos; introdutor na América da
figura, tão poderosa quanto imaginária, dos Reis Católicos, personificação de um princípio de poder;
virtuoso e cortês, ele é capaz de deixar inscrito no seu diário, não o que ele viu na América, mas o seu ideal,
do qual pretendia ser porta-voz.
Os biógrafos e companheiros de Colombo na descrição da América interpretam o que vêem invocando um
universo mental marcado pelo pensamento cristão. Ao cronista cabe a missão primeira de integrar a história
da América na obra de criação(18). Colombo inicia com seu diário um longo trajeto, que será percorrido por
inúmeros cronistas, procurando ordenar sua explicação de forma a que cada palavra encontrasse suas
correspondências. A América, o Novo Mundo, é exótica, apenas, na sua aparência, pois faz parte da grande
obra de criação, contendo, em essência, a mesma verdade contida no relato bíblico.
Das analogias às afinidades
Colombo é o primeiro artesão a enunciar informações colhidas além-mar de acordo com elementos do
imaginário europeu, aproximando, pela narrativa, povos que até então estavam isolados geográfica e
culturalmente. A aproximação muitas vezes deixava visível, num primeiro momento, a diferença, mas, logo
a seguir, por analogia, a aproximação realizava-se através de afinidades. Resgatavam-se antigas
sobrevivências pagãs presentes na história européia, que passavam a ser referenciais para a compreensão do
que se supunha ser a nossa história indígena.
A pena, a tinta e o papel nos indicam de que forma é feita a aproximação entre dois acervos culturais através
de uma história provavelmente narrada por Colombo.
Y al día siguiente, bajando a tierra el Adelantado para tener información de
aquellas gentes, se acercaron dos de los principales a la barca donde él
estaba, y tomándolo por los brazos en medio de ellos, lo sentaron en la hierba
de la orilla; y preguntandoles el Aldelantado algunas cosas, mandó a los
escribanos de la nave que anotasen lo que respondían. Pero viendo el papel y
la pluma se alborotaron de tal forma que la mayor parte de ellos se dieron a
la fuga. Lo cual, según se pudo conjeturar, fué por el miedo que tuvieron a ser
hechizados con palavras o signos aunque en realidad eran ellos quienes nos
parecían a nosostros grandes hechiceros, y con razón.(19)
Qual "razão" estariam os europeus invocando ?
A narrativa, embora separe as personagens da cena, o indígena do europeu, inaugura um diálogo que
pressupõe elementos semelhantes na aparência. A aparência é o espaço de comunicação que inaugura a
possibilidade de convívio intercultural. Colombo não sente necessidade de compreender a língua indígena,
nem anseia por um tradutor, o que lhe favorece a comunicação. A aproximação se realiza por uma suposição
prévia de que ele conhecia o outro. Para o europeu, o desconhecido sempre sugere magia, um universo
marcado pela idolatria, sendo estes os elementos de distinção entre bárbaros e civilizados.
A conjectura de que os indígenas teriam fugido com medo de serem encantados com pena, tinta, papel e
escrita era igualmente proporcional ao medo que eles sentiam ao observar o indígena. Contudo, jamais
somos informados da presença de algum objeto indígena que pudesse despertar temor confesso, por escrito,
entre os europeus. A possibilidade do sortilégio, a princípio, se apresenta como elemento de correlação entre
ambos para logo a seguir hierarquizar as personagens em cena. O espanto, o medo e a fuga caracterizam a
conduta do indígena, figurante na cena protagonizada pelo europeu. Este não se espanta com a cultura do
outro(20), porque a seus olhos, ela não tem valor próprio, diverso do seu, portanto o indígena não é, nem
nunca foi, um desconhecido. E, nesse sentido, a razão, assim denominada no texto, é depositada nas mãos
dos cristãos.
Essas observações poderiam, num primeiro momento, nos fazer pensar que uma parte da "verdade histórica"
está sendo encoberta nesses relatos, constituídos dentro da perspectiva do europeu. Este tipo de formulação
deu origem a uma historiografia que contrapôs a "visão do vencedor" à "visão do vencido".
Colombo e seus contemporâneos não estavam preocupados, ao escrever diários, cartas ou crônicas, em
reproduzir, apenas, o que seus olhos poderiam ver. Estavam preocupados em simbolizar algum conceito
moral ou doutrinal, tendo como suporte um universo desconhecido. O que era desconhecido representava
um desafio à interpretação que já estava elaborada desde há muito.
É importante observar que a nossa personagem sabe decompor os elementos para, em seguida, reorganizá-
los dentro da sua óptica. Colombo não elabora uma "distinção histórica" das culturas em questão, ele apenas
separa aqueles elementos que sabe como agregar. Seu texto não envolve hostilidade, embora nos informe
sobre a violência. A sua superficialidade ao descrever fauna, flora e homem corresponde ao desejo de
harmonizar através da aparência.
Freqüentemente a historiografia busca caracterizar, nesses primeiros documentos que contam a história da
América, a destruição dos indígenas e de sua cultura. Isto é parte da história. A história da América, em seu
período colonial, é marcada pela presença de uma população com ascendência índia, espanhola e negra. Os
primeiros cronistas das Índias, ao narrarem a conquista, estão profundamente marcados por uma epopéia
heróica medieval. Nela a aproximação com a realidade não constituía a questão mais importante. O
elemento central destas narrativas era tornar a história vivida por Colombo expressão do ideal cavalheiresco,
e este processo envolve a montagem de um caráter fictício para o herói e para as ações por ele
desenvolvidas.
A beleza da personagem, Colombo, constituiu-se à medida que conseguimos percebê-lo com um homem
afastado do real. E. Auerbach definiu com precisão o que a cultura cortesã deixou de herança na Europa:
[...] o nobre, o grande e o importante nada têm a procurar na realidade comum
- uma convicção muito mais patética e arrebatadora do que as antigas formas
de afastamento do real tais como as oferece a ética estóica.(21)
Este é Colombo, um homem a quem nós, como historiadores, não devemos cobrar um compromisso com a
verdade ou com a destruição. Esses fatos e a violência no contato intercultural são apenas parte da verdade.
As relações interculturais freqüentemente são conflitivas. Ao constituir um universo, marcado também pelo
seu imaginário, Colombo aproxima as personagens com quem se confronta, tornando-se o primeiro artesão
das relações interculturais na América.
Colombo as aproxima ao tornar sublime a história que vive. Ele não procura uma motivação prática,
caminha em direção inversa à experiência ao procurar o rio que emana do Paraíso. Diz ele:
Volto ao meu assunto da terra de Gracia, do rio e do lago que ali encontrei, tão
grande que seria mais justo considerá-lo mar, pois lago é lugar de água e,
sendo grande, se diz "mar", como se chamou ao mar da Galiléia e ao mar
Morto, e eu afirmo que este rio emana do Paraíso terrestre e de terra infinita,
pois do Austro até agora não se teve notícia, mas a minha convicção é bem
forte de que ali, onde indiquei, fica o Paraíso terrestre, e em meus ditos e
afirmações me apóio nas razões e autoridades supracitadas.(22)
Quando lemos a Bíblia (Gênesis, cap.2, vers.8 a 20), reconhecemos o espaço que originou as reflexões
descritivas de Colombo. É interessante retomar o texto original, até mesmo pelo tônus da narração:
Ora, o Senhor Deus tinha plantado um jardim no Éden, do lado do Oriente, e
colocou nele o homem que havia criado. O Senhor Deus fez brotar da terra
toda sorte de árvores, de aspecto agradável, e de frutos bons para comer; e a
árvore da vida no meio do jardim, e a árvore da ciência do bem e do mal. Um
rio saía do Éden para regar o jardim, e dividia-se em seguida em quatro
braços. O nome do primeiro é Fison, e é aquele que contorna toda a região de
Evilat, onde se encontra o ouro. (O ouro desta região é puro; encontra-se ali
tambem o bdélio e a pedra ônix). O nome do segundo rio é Geon, e é aquele
que contorna toda a região de Cusch. O nome do terceiro rio é Tigre, que corre
ao Oriente da Assíria. O quarto rio é o Eufrates. [...]
O Senhor Deus disse: "Não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma
ajuda que lhe seja adequada". Tendo, pois, o Senhor Deus formado a terra,
todos os animais dos campos, e todas as aves dos céus, levou-os ao homem,
para ver como ele os havia de chamar; e todo o nome que o homem pôs aos
animais vivos, esse é o seu verdadeiro nome. O homem pôs nomes em todos
os animais, a todas as aves dos céus e a todos os animais dos campos; mas não
se achava para ele uma ajuda que lhe fosse adequada.
Ao considerar-se apto para esta missão, encontrar o caminho do Paraíso, Colombo concebe-se eleito para
uma tarefa grandiosa, que, apesar de alguns percalços, resultará na formação de uma comunidade ordenada.
Essa comunidade, através de um convívio cotidiano intercultural, impôs ao indígena a criação de uma
unidade lingüística. A implementação da língua espanhola na América não representou o desaparecimento
das línguas indígenas. Mas a criação desta língua comum, o espanhol, representou capacidade de
aproximação, de incorporação do acervo cultural europeu em toda a América. Apesar de tanta violência,
criaram-se formas de convívio sem que se tornasse necessária a negação da cultura européia implementada e
difundida na América. O primeiro artífice desse nosso patrimônio, dessa nossa capacidade de convívio
intercultural, foi Cristóvão Colombo, ao transformar um mundo desconhecido em um universo de
semelhanças.
1) Conferência realizada na inauguração da mostra "Cristoforo Colombo, il Genovese" em 20 de agosto de
1990, no Departamento de História da Universidade de São Paulo.
2) Convém lembrar os relatos de Antonio Pigafetta. Primer Viaje Alredor del Globo. Barcelona, Ediciones
Orbis, 1986. A obra original foi escrita em italiano e teve sua primeira edição em 1800 com o título: Primo
Viaggio in torno al globo terracqueo. Este livro não é o diário de viagem mas uma correspondência
elaborada a pedido de Clemente VII, da qual faz parte informações sobre a primeira viagem de
circunavegação. Fernão de Magalhães foi um de seus artífices cuja meta maior era fazer investigações sobre
o cálculo de longitudes. A viagem durou três anos contando com a participação de duzentos e trinta e sete
homens distribuídos em cinco embarcações, dos quais sobreviveram apenas dezoito em um navio. Fernão de
Magalhães perde a vida nesta viagem.
3) Vitorino Magalhães Godinho. Os descobrimentos e a economia mundial. Lisboa, Editorial Presença,
1981.
4) O capítulo VI caracteriza bem o lado moderno do pensamento de Colombo construído pela narrativa de
seu filho, don Hernando Colón. Vida Del Almirante Don Cristóbal Colón. México, Fondo de Cultura
Económica, 1984, p.42. O título do capítulo é bastante sugestivo: "De la Rázon Principal que Movió al
Almirante a Creer que Podía Descubrir las Indias."
5) Considero os trabalhos de Walter D. Mignolo extremamente esclarecedores das questões conceituais que
atordoam os historiadores que navegam em meio à convenção da veracidade. Vale a pena ressaltar o artigo,
"Dominios Borrosos y Dominios Teóricos: Ensayo de Elucidación Conceitual", in Filología, Buenos Aires,
Faculdad de Filosofia y Letras, ano XX, 1985, pp. 21-40.
6) Hernando Colón. Op. cit., p. 15-16.
7) Mascarenhas Barreto, O português Cristóvão Colombo. Agente secreto do rei Dom João II. Lisboa,
Referendo, 1988.
8) Carlo Ginzburg. Mitos, Emblemas e Sinais: morfologia e história. São Paulo, Companhia das Letras,
1989. O capítulo, "Sinais: Raízes de um Paradigma Indiciário", aborda uma série de questões que nos levam
a questionar a oposição "racionalismo" e "irracionalismo", a qual muitas vezes nos impede de penetrar,
como homens modernos que somos, no universo da narrativa histórica.
9) Edmundo O´Gorman. Op. cit., p.9.
10) Utilizo como metáfora a frase bastante conhecida de Luís de Camões, posto que os "mares nunca dantes
navegados" em seu sentido original referem-se ao Oceano Índico. Os Lusíadas. São Paulo, Abril Cultural,
1979, p. 29. Canto Primeiro: "As armas e os barões assinalados,/ Que da ocidental praia lusitana,/ Por mares
nunca dantes navegados,/ Passaram ainda além da Taprobana,/ E em perigos e guerras esforçados/ Mais do
que prometia a força humana,/ E entre gente remota edificaram/ Novo Reino, que tanto sublimaram;"
11) Antonello Gerbi. La Naturaleza de las Indias Nuevas. De Cristóbal Colón a Gonzalo Fernández de
Oviedo. México, Fondo de Cultura Económica, 1978, p.29 (Grifo nosso).
12) Michel Foucault. As Palavras e as Coisas. São Paulo, Martins Fontes, 1987, p.33-58. Diz o Autor ao
analisar a mentalidade até o final do século XVI: "Até o final do século XVI, a semelhança desempenhou
um papel construtor no saber da cultura ocidental. Foi ela que, em grande parte, conduziu a exegese e a
interpretação dos textos; foi ela que organizou o jogo dos símbolos, permitiu o conhecimento das coisas
visíveis e invisíveis, guiou a arte de representá-las. O mundo enrolava-se sobre si mesmo: a terra repetindo o
céu, os rostos mirando-se nas estrelas e a erva envolvendo nas suas hastes os segredos que serviam ao
homem. A pintura imitava o espaço. E a representação - fosse ela festa ou saber - se dava como repetição:
teatro da vida ou espelho do mundo, tal era o título de toda linguagem, sua maneira de anunciar-se e de
formular seu direito de falar." (p.33.)
13) Hernando Colón. Op. cit., p.105.
14) Eric Auerbach. Op. cit., p.292-314. Ao escrever, sobre a doidice de Quixote, Auerbach nos mostra o
sentido da ironia romântica e de uma loucura sábia. A beleza do texto de Cervantes ao conjugar ironia,
loucura e sabedoria nos auxilia no sentido de compreender melhor Colombo sem querer privilegiar a parte
moderna de seu perfil de navegador.
15) Cristóvão Colombo. Diários da descoberta da América. Porto Alegre, L&PM Ed., 1984, p.87.
16) Hernando Colón. Op. cit., p.275 (grifo nosso).
17) Idem, p.182-183 (grifo nosso).
18) Joseph de Acosta. Historia natural y moral de las Indias. En que se tratan de las Cosas Notables del
Cielo, metales, plantas y animales dellas y los ritos y ceremonias, leyes y gobierno de los indios. México,
Fondo de Cultura Económica, 1979. É interessante observar no capítulo I, do livro I, "De la Opinión que
Algunos Autores Tuvieron que el Cielo no se Extendía al Nuevo Mundo", a importância para o pensamento
cristão, concluir, através, da experiência, que "en este gran edificio del mundo, todo el cielo estará a una
parte encima, y toda la tierra a otra diferente debajo"(p.15), porque, sendo o céu um só, os filósofos, em
nome da Divina Sabedoria, saberão glorificar, em conjunto, toda a obra da criação.
19) Hernando Colón. Op. cit., p.281 (grifo nosso).
20) Freqüentemente, encontramos a citação retirada das cartas de Cortés, em que ele admira Tenochtitlán.
Contudo, este momento representa uma exceção tanto nas cartas de Cortés quanto em outros documentos da
época. Como nos lembra Manuel Alcalá ao nos introduzir no Corpus Cortesianum "a admiração e o amor
pela nova terra, que é a tônica das duas primeiras cartas, deixa (a partir da terceira) o lugar para o ódio e a
violência." A cultura indígena não pode ser apreciada porque representa a barbárie, o contraponto à
civilização. Laura de Mello e Souza, em seu livro O Diabo e Terra de Santa Cruz. São Paulo, Companhia
das Letras, 1986, nos lembra o intrincado processo de demonização da cultura indígena.
21) Eric Auerbach. Op. cit., p.119.
22) Cristóvão Colombo. Op. cit., p.147.
Renascimento – significados
A alegoria de van der Straet remete ao período final do Renascimento (século XVI). Esse período do
Renascimento é marcado por vários acontecimento importantes.
Vamos montar um organograma sobre esse período. Para tanto, é importante levar em consideração o
contexto vivido por Jan van der Straet, o cinquecento (século XVI). Segundo o historiador Nicolau
Sevcenko, esse período é marcado pelo ápice de sofisticação artística do Renascimento italiano. Ao mesmo
tempo, tem-se o declínio econômico enfrentado pelas cidades italianas com a descoberta de novas rotas
comerciais (rompimento do monopólio comercial turco-italiano). É o período marcado também pela força
política do papado romano, pela Reforma e Contrarreforma religiosa.
Apesar de muitos o entenderem como um movimento contrário à igreja católica, em grande medida o
Renascimento foi um movimento desenvolvido e fomentado por homens da hierarquia católica, como
mostra alguns dos nomes importantes do período:
Giordano Bruno, dominicano (1548-1600)
Giovanni Domenico Campanella, dominicano (1568-1639)
Nicolau Copérnico, cônego (1473–1543)
Tais nomes, ligados à tradição religiosa, tinham como predecessores, outros religiosos, como o franciscano
Roger Bacon (1214-1294).
Comentários para: webfacens@facens.br Atualizado em 08/05/03
Renascimento – significados – atividade
Em uma passagem de seu texto Marina de Mello e Souza afirma:
Elementos africanos estão na base da maioria das nossas manifestações culturais populares. Assim, quando
falamos em mestiçagem do povo brasileiro, estamos nos referindo basicamente às misturas entre os
africanos e os povos que eles encontraram aqui, principalmente portugueses e indígenas. Foi essa a
mestiçagem que, apesar de atormentar as elites brasileiras que tentaram diluí-la com outras misturas, se
impôs como consequência da importação de cerca de 5 milhões de africanos ao longo de mais de trezentos
anos.
Colombo e o legado renascentista
Um ponto importante da cultura renascentista é o legado que chega ao Novo Mundo com a expansão
marítima comercial. A gravura de Jan van der Straet é rica por sugerir como o universo mental e científico
renascentista, mesclado às concepções religiosas, marcou a visão de mundo do homem europeu que
desembarcou no Novo Mundo.
Retomemos aqui a representação de Colombo construída por Jan van der Straet, somando a ela outras duas:
A de Ridley Scott, no filme 1492 – a conquista do paraíso (Inglaterra/França/Espanha, 1992), que
conta a história da chegada do europeu à América, desde as preparações e captações de recursos na
Europa até a interação com os nativos americanos.
E o excerto abaixo:
Já disse que para a execução do empreendimento das Índias, a
razão, a matemática e o mapa-múndi não me foram de
nenhuma utilidade (...), trata-se apenas da realização do que
Isaías havia predito (...) (Cristóvão Colombo – O livro das
profecias, escrito entre 1502/1504).
“O povo brasileiro”: relatos indígenas
Aproveitando a discussão presente na obra de Darcy Ribeiro e as alegorias apresentadas por Nicolau
Sevcenko, leia os relatos a seguir. Eles mostram como duas culturas indígenas diferentes entenderam o
contato com o homem branco.
Relato 1
Éramos uma só nação, nós e vós; mas Deus, tempos após o dilúvio, enviou seus profetas de barbas para
instruir-nos na lei de Deus. Apresentaram esses profetas ao nosso pai, do qual descendemos, duas
espadas, uma de madeira e outra de ferro, e lhe permitiram escolher. Ele achou que a espada de ferro era
pesada demais e preferiu a de pau. Diante disso, o pai de quem descendestes, mais arguto, tomou a de
ferro. Desde então fomos miseráveis, pois os profetas, vendo que os de nossa nação não queriam acreditar
neles, subiram para o céu, deixando as marcas dos seus pés cravadas com cruzes no rochedo próximo de
Potiú (ABBEVILLE, Claude d’, O. F. M. Cap, 1975 [1614]. História da missão dos padres capuchinhos na
Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas, trad. S. Milliet, São Paulo e Belo Horizonte: Edusp/Itatiaia
(Coleção Reconquista do Brasil 19).
Relato 2
Antigamente não havia civilizados, mas apenas índios. Uma mulher indígena ficou grávida. Toda vez que
ela ia tomar banho no ribeirão próximo da aldeia, seu filho, que ainda não havia nascido, saía de seu ventre
e se transformava em animais, brincando à beira d’água. Depois voltava outra vez ao ventre materno. A
mãe não dizia nada a ninguém. Um dia o menino nasceu. Era Aukê. Ainda recém-nascido, transforma-se
em rapaz, em homem adulto, em velho. Os habitantes da aldeia temiam os poderes sobrenaturais de Aukê
e, de acordo com seu avô materno, resolvem matá-lo. As primeiras tentativas de liquidá-lo não tiveram
sucesso. Uma vez, por exemplo, o avô o levou ao alto de um morro e empurrou-o de lá no abismo. O
menino, porém, virou folha seca e foi caindo devagarinho, voltando são e salvo para a aldeia. Até que o
avô resolveu fazer uma grande fogueira e nela atirá-lo, o que realmente fez. Dias depois, quando o avô foi
ao local do assassinato para recolher as cinzas do menino, achou lá uma grande casa de fazenda, com bois
e outros animais domésticos à porta: Aukê não havia morrido, mas sim transformara-se no primeiro
homem civilizado. Aukê ordenou, então, ao avô que fosse buscar os outros habitantes da aldeia. E eles
vieram. Quando Aukê fê-los escolher entre a espingarda e o arco, os índios ficaram com medo de usar a
primeira, preferindo o segundo. Por terem preferido o arco, os índios permaneceram como índios. Se
tivessem escolhido a espingarda, teriam se transformado em civilizados. Aukê chorou com pena dos índios
não terem escolhido a civilização. (MELATTI, Júlio César. Índios do Brasil. Distrito Federal: Ed. Brasília,
1970, p. 27-8).
Vamos explorar suas possibilidades didáticas? Monte um plano de aula usando esses relatos. Delineie
objetivos, competências e habilidades que problematizem o tema da cultura e identidade. Procure construir
uma proposta didática que some aos relatos o uso da imagem, da escrita e de sonoridades.
Proposta de plano de aula
Pronto? Após discutir e avaliar sua proposta, veja a seguir uma sugestão de plano de aula.
O que é ser brasileiro?
Brasileiro: lus. pop. Português que, tendo morado no Brasil, retorna à pátria, levando bens. 3. Lus. Pop.
Indivíduo muito rico.
Brasileiro de Mão Furada, s.m. Lus. Gir. Diz-se do português que regressa do Brasil à pátria sem levar bens.
(FREIRE, L. Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa. José Olympio Editora: Rio de Janeiro,
São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre. 2. ed., vol. II, 1954, p. 1090.)
Esses são alguns dos significados dados para brasileiro. De certo, significados pouco conhecidos por nós,
brasileiros. Mas voltamos à questão proposta por Darcy Ribeiro: ser brasileiro tem a ver com nossa
identidade como povo. Vejamos a seguir o que outro estudioso nos fala sobre a formação dessa identidade.
Seu nome: Gilberto Freyre. Sua obra: Casa-Grande & Senzala.
Para saber mais sobre Gilberto Freyre
Para saber mais sobre a obra de Gilberto Freyre, acesse:
http://www.tvcultura.com.br/aloescola/estudosbrasileiros/casagrande/index.htm
Ao acessar o endereço acima, você encontrará, ao final da discussão da obra e do pensamento de Gilberto
Freire, algumas propostas pedagógicas em Ensinar e aprender. Vejamos duas delas:
“4. Após o estudo do livro Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, ouvir a música instrumental
Suíte nordestina, que Lourenço Barbosa (Capiba) compôs tendo como tema esse livro. Fazer um
desenho e expô-lo em classe”.
“6. Analisar o texto relativo aos escravos negros: ‘As crias nascidas eram logo batizadas e ainda
assim consideradas gente sem alma. A igreja, esteio dos poderosos, agia da mesma forma no
tratamento dado ao negro’. (...)”.
A partir do que conseguiu observar da obra de Gilberto Freyre, trabalhe as duas propostas acima. Para
auxiliar, ouça no site UOL , a Suíte nordestina e estabeleça relações com o pensamento de Gilberto
Freyre.
" Todo brasileiro traz na alma e no corpo a sombra do indígena ou do negro."
Mestre Gilberto Freyre... Escritor pernambucano, morador de Apipucos, no Recife. Era
descendente de senhores de engenho. Conhecia bem os casarões...
Em 1933, após exaustiva pesquisa em arquivos nacionais e estrangeiros, Gilberto Freyre publica Casa-Grande & Senzala, um
livro que revoluciona os estudos no Brasil, tanto pela novidade dos conceitos quanto pela qualidade literária.
Gilberto Freyre foi buscar nos diários dos senhores de engenho e na vida pessoal de seus próprios antepassados a história do
homem brasileiro. As plantações de cana em Pernambuco eram o cenário das relações íntimas e do cruzamento das três raças:
índios, africanos e portugueses.
Em Casa-Grande & Senzala, o escritor exprime claramente o seu pensamento. Ele diz: "o que houve no Brasil foi a
degradação das raças atrasadas pelo domínio da adiantada" . Os índios foram submetidos ao cativeiro e à prostituição. A
relação entre brancos e mulheres de cor foi a de vencedores e vencidos.
"Casa-Grande & Senzala foi a resposta à seguinte indagação que eu fazia a mim próprio: o que é ser brasileiro? E
a minha principal fonte de informação fui eu próprio, o que eu era como brasileiro, como eu respondia a certos
estímulos."
Havia tempos Gilberto Freyre procurava escrever sobre o ser brasileiro. Pressões políticas e familiares o levaram, entre 1930 e
1932, a viver o que chamou de "a aventura do exílio". Partiu para a Bahia e pesquisou as coleções do Museu Afro-Brasileiro
Nina Rodrigues e a arte das negras quituteiras na decoração de bolos e tabuleiros. Observou que a culinária baiana era neta da
velha cozinha das casas-grandes.
Depois da Bahia partiu para a África e Portugal. Iniciou em Lisboa as pesquisas e estudos que sedimentariam o livro Casa-
Grande & Senzala. De Portugal foi, como professor visitante, para a Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, onde
viajou pelo Sul e pôde constatar a existência, durante a colonização americana, do mesmo tipo de regime patriarcal encontrado
no nordeste brasileiro.
"Eu venho procurando redescobrir o Brasil. Eu sou rival de Pedro Álvares Cabral. Pedro Álvares Cabral, a caminho
das Índias, desviou-se dessa rota, parece já baseado em estudos portugueses, e identificou uma terra que ficou
sendo conhecida como Brasil. Mas essa terra não foi imediatamente auto-conhecida. Vinham sendo acumulados
estudos sobre ela... mas faltava um estudo convergente, que além de ser histórico, geográfico, geológico, fosse...
um estudo social, psicológico, uma interpretação. Creio que a primeira grande tentativa nesse sentido representou
um serviço de minha parte ao Brasil."
Durante o período de estudos na universidade americana, o escritor elaborou uma linha de pensamento que diferenciava raça e
cultura, separava herança cultural de herança étnica; trabalhou o conceito antropológico de cultura como o conjunto dos
costumes, hábitos e crenças do povo brasileiro.
"Gilberto Freyre diz que Franz Boas foi a figura de mestre que nele ficou maior impressão, porque foi com Franz Boas que ele
aprendeu a distinguir raça de cultura, e nessa distinção ele se baseou para escrever Casa-Grande & Senzala. Agora, o
conceito de antropologia de Freyre era muito mais amplo, ele partiu para uma interpretação global do povo brasileiro. É uma
história ao mesmo tempo econômica, religiosa, folclórica, sociológica."
Édson Nery da Fonseca, historiador (Olinda, PE)
"Quando, em 1532, se organizou econômica e civilmente a sociedade brasileira, já foi depois de um século inteiro
de contato dos portugueses com os trópicos; de demonstrada na Índia e na África sua aptidão para a vida tropical.
Formou-se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica de exploração
econômica, híbrida de índio, e mais tarde de negro, na composição."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.
Portugal, um país largamente marítimo, recebia sempre povos de todos os lugares do mundo. Seus
portos eram rota de comércio e de migrações. O contato com estrangeiros estimulava, no povo
português, tendências cosmopolitas, imperialistas e comerciais. Na Península Ibérica as raças se
misturavam havia milênios. O encontro das culturas árabes e romana impregnava a moral, a arte, a
economia e a vida do português. Os árabes - excelentes técnicos navais - e os judeus - financistas e
com altos cargos de administração, no conselho real -, emprestavam conhecimento e dinheiro para o
empreendimento das navegações e dos descobrimentos. A burguesia comercial ganhava mais poder
que a aristocracia territorial portuguesa e buscava no além-mar terras e riquezas nunca exploradas.
Além da mobilidade, o português tinha a capacidade de se misturar facilmente com outras raças. Os homens vinham sem
família, sozinhos. Chegavam carentes de contato humano e começavam a se reproduzir primeiro com as índias e depois com
as negras escravas. Era preciso povoar o território. No momento em que embarcou na aventura ultramarina, Portugal tinha três
milhões de habitantes. O Brasil era imenso; então, como povoar esse território?
"Durante quase todo o século XVI a colônia esteve escancarada a estrangeiros, só importando às autoridades que
fossem de fé católica. Temia-se no adventício acatólico o inimigo político capaz de quebrar aquela solidariedade
que em Portugal se desenvolvera junto com a religião católica. Essa solidariedade manteve-se entre nós
esplendidamente através de toda a nossa formação colonial."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.
Foi aqui que chegou...dia 02 de março de 1535...um português chamado Duarte Coelho Pereira, viu
essa bela vista e deu uma exclamação:Oh! linda situação para se construir uma vila. Por isso que a
cidade se chama Olinda. Antigamente chamava Marino Caetês, habitada pelos índios. Em
Pernambuco e no Recôncavo baiano, a colonização se desenvolvia à sombra das grandes plantações
de cana-de-açúcar e das casas-grandes de taipa ou de pedra e cal, longe das cabanas de
aventureiros e do extrativismo predatório.
"A casa-grande do engenho que o colonizador começou, ainda no século XVI, a
levantar no Brasil - grossas paredes de taipa ou de pedra e cal, telhados caídos num
máximo de proteção contra o sol forte e as chuvas tropicais - não foi nenhuma
reprodução das casas portuguesas, mas expressão nova do imperialismo português.
A casa-grande é brasileirinha da silva."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.
Num processo de equilíbrio de antagonismos, o branco e o negro se misturavam no interior da casa-grande e alteravam as
relações sociais e culturais, criando um novo modo de vida no século XVI. As relações de poder, a vida doméstica e sexual, os
negócios e a religiosidade forjavam, no dia-a-dia, a base da sociedade brasileira.
A casa-grande abrigava uma rotina comandada pelo senhor de engenho, cuja estabilidade patriarcal estava apoiada no açúcar
e no escravo. O suor do negro ajudava a dar aos alicerces da casa-grande sua consistência quase de fortaleza. Ela servia de
cofre e de cemitério. Sob seu teto viviam os filhos, o capelão e as mulheres, que fundamentariam a colonização portuguesa no
Brasil. Embora diretamente associada ao engenho de cana e ao patriarcalismo nortista, a casa-grande não era exclusiva dos
senhores de engenho. Podia ser encontrada na paisagem do sul do país, nas plantações de café, como uma característica da
cultura escravocrata e latifundiária do Brasil.
O clima tropical e as formas agressivas de vida vegetal e animal impossibilitavam a implantação de uma cultura agrícola, nos
moldes do costume europeu. O português teve então de mudar seus hábitos alimentares. A mandioca substituía o trigo; no
lugar das verduras, o milho; e as frutas davam um colorido novo à mesa do colonizador. Mas sua dieta ficava empobrecida,
devido à ausência de leite, ovos e carne, que só apareciam em datas especiais, festas e comemorações. A terra foi usada para
o cultivo da cana em detrimento da pecuária e da cultura de alimentos, o que provocou a apatia, a falta de robustez e a
incapacidade para o trabalho. Males geralmente atribuídos à mestiçagem. Os portugueses não traziam para o Brasil nem
separatismos político, nem divergências religiosas, e não se preocupavam com a pureza da raça. Assim o país se formava. E a
unidade dessa grande extensão territorial com profundas diferenças regionais, garantida muitas vezes com o uso da força,
aconteceu devido à uniformidade da língua e da religião.
A Igreja desenvolvia planos ambiciosos de evangelização da América Latina, toda ocupada por países
de tradição católica. Nessa quase cruzada no Novo Mundo, os padres jesuítas desempenhavam um
papel importante na tentativa de implantar uma sociedade estruturada com base na fé católica. Para
catequizar os índios, os jesuítas decidiram vesti-los e tirá-los de seu hábitat. Já o senhor de engenho
tentava escravizá-los. Nos dois casos, o resultado era o extermínio e a fuga dos primitivos habitantes
da terra para o interior.
"Os portugueses, além de menos ardentes na ortodoxia que os espanhóis e menos estritos que os ingleses nos
preconceitos de cor e de moral cristã, vieram defrontar-se na América com uma das populações mais rasteiras do
continente... Uma cultura verde e incipiente, sem o desenvolvimento nem a resistência das grandes
semicivilizações americanas, como os Incas e os Astecas."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.
"O ambiente em que começou a vida brasileira foi de grande intoxicação sexual. O europeu saltava em terra
escorregando em índia nua. Os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado, se não atolavam
o pé em carne."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.
A sociedade brasileira, entre todas da América, era a que se formava com maior troca de valores culturais. Havia um
aproveitamento de experiências dos indígenas pelos colonizadores. Mesmo quando inimigo, o índio não provocava no branco
uma reação que levasse a uma política deliberada de extermínio, como a que ocorria no México e Peru. A reação dos índios ao
domínio do colonizador era quase contemplativa. O português usava o homem para o trabalho e a guerra, principalmente na
conquista de novos territórios, e a mulher para a geração e formação da família. Esse contato provocava o desequilíbrio das
relações do índio com o seu meio ambiente.
"Eu sou índio da tribo pataxó. Eu aprendi com meus pais a fazer artesanato. A gente faz cocares..., a
gente vive só disso, de artesanato, a não ser no inverno, quando a gente tem que pescar mucussu.
Mucussu é peixe. A gente planta mandioca para fazer cuiúna, feijão e arroz. A gente fala em pataxó:
jocana baixu significa mulher bonita e jocana baixa é mulher feia."
Paturi, índio pataxó (Coroa Vermelha, BA)
"A grande presença índia no Brasil não foi a do macho, foi a da fêmea. Esta foi uma presença decisiva, a mulher
índia tomou-se de amores pelo português, talvez até por motivos fisiológicos, porque, segundo pude apurar
quando escrevi Casa Grande & Senzala, as sociedades ameríndias ou índias, inclusive a brasileira, eram
sociedades que precisavam de festivais como que orgiásticos para provocar nos homens, nos machos, desejos
sexuais. O que há de acentuar é o grande papel da índia fêmea na formação brasileira, essa índia fêmea não só
através do relacionamento mencionado sexual, mas através do papel social que ela começou a desempenhar
magnificamente, tornou-se uma figura capital na formação brasileira."
"Da cunhã é que nos veio o melhor da cultura indígena. O asseio pessoal. A higiene do corpo. O milho. O caju. O
mingau. O brasileiro de hoje, amante do banho e sempre de pente no bolso, o cabelo brilhante de loção ou de óleo
de coco, reflete a influência de tão remotas avós. Ela nos deu, ainda, a rede em que se embalaria o sono ou a
volúpia do brasileiro."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.
A união do português com a índia havia gerado os mamelucos que atuavam como bandeirantes e, junto com os índios,
formavam a muralha movediça da fronteira colonial. O mameluco e o índio, que excediam o português em mobilidade,
atrevimento e ardor guerreiro; que defendiam o patrimônio do senhor de engenho contra o ataque de piratas estrangeiros,
nunca firmaram as mãos na enxada. Os pés de nômades não se fixavam na plantação da cana-de-açúcar.
"Essa arte é descendência dos índios, né! Aí nós somos seguidores já dos índios. A gente ficou fazendo as panelas de barro,
que eu aprendi com meu pai. Meu pai já trabalhava, aí eu fiquei trabalhando. Agora meus filhos também trabalham na mesma
arte."
Zé Galego, artesão (Caruaru, PE).
Dos costumes dos primitivos habitantes da terra eram as relações sexuais e de família, a magia e a mítica que marcavam a vida
do colonizador. A poligamia e a sexualidade da índia iam ao encontro da voracidade do português, ainda que a vida sexual dos
indígenas não se processasse tão à solta quanto o relatado pelos viajantes que aqui estiveram. Para as tribos mais primitivas, a
união do macho com a fêmea tinha época; o costume de oferecer mulheres aos hóspedes era prática de hospitalidade, quase
um ritual. A mulher nativa resgatava o sonho da ninfa, que se banhava no rio e penteava os longos cabelos negros. Uma
imagem deixada pela invasão moura na Península Ibérica e adormecida no inconsciente do português.
"Figura vaga, falta-lhe o contorno ou a cor que a individualize entre os imperialistas modernos. Assemelha-se nuns
à do inglês; noutros, à do espanhol. Um espanhol sem a flama guerreira nem a ortodoxia dramática do
conquistador do México e do Peru; um inglês sem as duras linhas puritanas. O tipo do contemporizador. Nem
idéias absolutas, nem preconceitos inflexíveis. ...Um rio que vai correndo muito calmo e de repente se precipita em
quedas de água..."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.
Os portugueses davam uma contribuição criativa ao novo mundo através da produção de açúcar. E
implantavam um sistema econômico que aprenderam com os mouros durante a ocupação da
Península Ibérica. Os mouros, de grande tradição agrícola, introduziram a laranjeira, o limoeiro e a
tangerina e implantaram a tecnologia do fabrico do açúcar em Portugal. O engenho mouro é avô do
engenho pernambucano.
Essa contribuição criativa é que diferenciava o português do holandês e do francês, que para cá
traziam apenas aperfeiçoamentos tecnocráticos. O choque das duas culturas, a européia e a
ameríndia, no Brasil colônia, se dava mais lentamente, não por meio da guerra, mas nas relações entre homem e mulher,
mestre e discípulo. A Igreja ganhava no Brasil capelas simples dentro do complexo arquitetônico da casa-grande. Lá morava o
capelão, que dela tirava seu sustento. E essa mesma Igreja, através dos jesuítas, partia maciça e indiscriminadamente para a
catequização dos índios.
O animalismo e a magia impregnavam a vida dos índios: desde o berço, quando a mãe entoava cantigas de ninar e, já meninos,
nas brincadeiras de imitar animais. Entre os jogos infantis dos curumins, o jogo de cabeçada com a bola de borracha ficava
como contribuição da cultura indígena. Apesar de crescerem livres de castigos corporais e de disciplina paterna, os meninos
estavam sempre em contato com rituais da vida primitiva. Na puberdade eram levados para o baíto, a casa secreta dos
homens, onde passavam por provas de iniciação à fase adulta. Para os padres da Companhia de Jesus, os índios acreditavam
em tudo e aprendiam e desaprendiam os ensinamentos rapidamente. Havia uma enorme quantidade de aldeias espalhadas
pela floresta, que falavam diferentes línguas. Era preciso unificar as tribos para poder pregar a doutrina católica. O menino
indígena servia de intérprete aos jesuítas, que aprendiam com ele as primeiras palavras em tupi. Os padres puderam então
escrever uma gramática, unificando a língua dos Brasis. Estava criando o tupi-guarani.
Tanto a Igreja quanto o senhor de engenho fracassavam nos esforços de enquadrar o índio no sistema de colonização que iria
criar a economia brasileira. Fora de seu hábitat natural, o índio não se adaptava como escravo: morria de infecções, fome e
tristeza. Para suprir a deficiência da mão-de-obra escrava, os senhores de engenho de Pernambuco e do Recôncavo baiano
começavam a importar negros caçados na África. Agora, as escravas negras substituíam as cunhãs tanto na cozinha como na
cama do senhor. Na agricultura, a presença do negro elevava a produção de açúcar e o preço do produto no mercado
internacional. O Brasil, esquecido por quase duzentos anos, despertava finalmente o interesse do
Reino de Portugal.
Entre os africanos que vinham para o Brasil, eram os negros muçulmanos, de cultura superior não só
à dos índios como também à da maioria de colonos brancos, que aqui chegavam e viviam quase sem
nenhuma instrução, que para escrever uma carta necessitava da ajuda do padre-mestre. O
movimento malê da Bahia, em 1835, foi considerado um desabafo da cultura adiantada, que era
oprimida por outra menos nobre. Contava-se que os revoltosos sabiam ler e escrever em alfabeto
desconhecido. Eram negros que liam e escreviam em árabe.
"Pode-se juntar à superioridade técnica e de cultura dos negros sua predisposição como que biológica e psíquica
para a vida nos trópicos. Sua maior fertilidade nas regiões quentes. Seu gosto pelo sol. Sua energia sempre fresca
e nova quando em contato com a floresta tropical."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.
O Brasil importava da África não somente o animal de tração que fecundou os canaviais, mas também
técnicos para as minas, donas de casa para os colonos, criadores de gado e comerciantes de panos e
sabão.Os negros vindos das áreas de cultura africana mais adiantada eram um elemento ativo,
criador e pode-se dizer nobre na colonização do Brasil, degradados apenas pela condição de
escravos. O negro escravo e a cana-de-açúcar fundamentavam a colonização aristocrática e a
estrutura básica do mundo dos coronéis se repetiria nos ciclos do ouro e do café, em Minas Gerais,
Rio de Janeiro e São Paulo, com o mesmo fundamento: a ocupação da terra.
Na sociedade escravocrata e latifundiária que se formava, os valores culturais e sociais se misturavam à revelia de brancos e
negros. Sua convivência diária favorecia o intercâmbio de culturas e gerava sadismos e vícios, que influenciavam a formação
do caráter do brasileiro. A escravatura degradava senhores e escravos.
"Na verdade, senhores, se a moralidade e a justiça de qualquer povo se fundam, parte nas sua instituições
religiosas e políticas, e parte na filosofia, por assim dizer doméstica de cada família, que quadro pode apresentar o
Brasil quando o consideramos debaixo desses dois pontos de vista?"
Trecho de Casa-Grande & Senzala.
O senhor de engenho, um homem extremamente rico e poderoso, passava a maior parte do tempo
deitado na rede, cochilando e copulando. Quando saía, a passeio ou em viagem, o negro era seus
pés e mãos. O sinhô não precisava levantar-se da rede para dar ordens aos negros, bastava gritar.
Os negros veteranos, os ladinos, iniciavam os recém-chegados na moral e nos costumes dos brancos.
Ensinavam a língua e orientavam nos cultos religiosos sincretizados. Eram ainda os ladinos que
ensinavam aos boçais a técnica e a rotina na plantação da cana e no fabrico do açúcar.
A escravidão desenraizava o negro de seu meio social e desfazia seus laços familiares. Além dos trabalhos forçados, ele era
usado como reprodutor de escravos: era preciso aumentar o rebanho humano do senhor de engenho. As crias nascidas eram
logo batizadas e ainda assim consideradas gente sem alma. A Igreja, esteio dos poderosos, agia da mesma forma no
tratamento dado ao negro. A mulher escrava fazia a ponte entre a senzala e o interior da casa-grande e representava o ventre
gerador. As negras mais bonitas eram escolhidas pelo sinhô para serem concubinas e domésticas. Objeto dos desejos sádicos
dos homens, do senhor de engenho ao menino adolescente, a negra sofria por parte da mulher branca os castigos mais
variados. Se a beleza dos seus dentes incomodava a desdentada sinhá, esta mandava arrancá-los. A escrava adoçava a boca
do senhor e recebia chicotadas à mando da senhora, mas cumpria as tarefas que normalmente estariam destinadas à mãe de
família. As damas da sociedade se casavam entre os doze e os quinze anos com homens muito mais velhos. O conhecimento
que tinham da vida de casada, os acontecimentos de fora do engenho e outras histórias - nem sempre românticas - elas ouviam
da boca das mucamas. As sinhazinhas sentadas à mourisca, tecendo renda ou deitadas na rede e as escravas a lhes catar
piolho ou fazendo cafuné. Cedo se casavam e cedo morriam por causa de sucessivos partos ou se tornavam matronas aos
dezoito anos. O ócio e a vida reclusa faziam das sinhás mulheres amarguradas. E ignorantes: era raro encontrar uma que
soubesse ler e escrever. A presença da negra na vida do menino vinha desde o berço, quando ela o amamentava e acalentava
o seu sono. A ama de leite ensinava as primeiras palavras num português errado, o primeiro "pai nosso", o primeiro "oxente", e
amaciava com a própria boca a comida do menino de engenho. Os sofrimentos da primeira infância - castigos por mijar na
cama e purgante uma vez por mês os meninos descontariam tornando-se pequenos diabos. O moleque, o pequeno escravo,
companheiro do sinhozinho em brincadeiras e aventuras, servia também de saco de pancadas. Tornava-se objeto do prazer
mórbido de tratar mal os inferiores e os animais, prazer de todo menino brasileiro filho do sistema escravocrata. Criança
mimada e educada para ser o herdeiro todo-poderoso, o menino desde o início da adolescência era entregue aos cuidados
eróticos da fulô.
"Costuma dizer-se que a civilização e a sifilização andam juntas. O Brasil, entretanto, parece ter-se sifilizado antes
de se haver civilizado. A contaminação da sífilis em massa ocorreria nas senzalas, mas não que o negro já viesse
contaminado. Foram os senhores das casas-grandes que contaminaram as negras das senzalas. Por muito tempo
dominou no Brasil a crença de que para um sifilítico não há melhor depurativo que uma negrinha virgem."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.
Os senhores de engenho casavam-se sucessivas vezes, sempre preferindo as jovens sobrinhas; exagerava-se, então, o
sentimento da propriedade privada. As heranças eram disputadas por filhos legítimos e parentes próximos. Aos filhos
bastardos, gerados nas casa-grande e paridos na senzala, restava a tolerância do senhor, que ao morrer os libertava. Nomes e
sobrenomes se confundiam: os escravos mais próximos, que ganhavam a simpatia do senhor, conseguiam adotar o sobrenome
dos brancos. Na tentativa de ascensão social, os negros imitavam dos senhores as formas exteriores de superioridade. Mas
muitos nomes ilustres de senhores brancos vinham dos apelidos indígenas e africanos das
propriedades rurais - a terra recriava os nomes dos proprietários à sua imagem e semelhança.
A música, o canto e a dança dos escravos tornavam a casa-grande mais alegre. A risada do negro
quebrava a melancolia e o silêncio infinito do senhor de engenho. As mães negras e as mucamas,
aliadas aos meninos, às moças das casas-grandes e aos moleques, corrompiam o português arcaico
ensinado pelos jesuítas aos filhos do senhor. A nova fala brasileira não se conservava fechada nas
salas de aula das casas-grandes, nem se entregava de todo à maior espontaneidade de expressão da
senzala. Mas o modo carinhoso do brasileiro colocar os pronomes: me diga, me espere... vem do
africano. Também do seu modo de falar ficaram as formas diminutivas: benzinho, nézinho, inhozinho.
Era um novo jeito de falar, um novo jeito de andar, um novo jeito de comer... A culinária da senzala aproveitava as sobras de
carnes da casa-grande, usava o aipim indígena e as verduras, misturava aos temperos africanos, principalmente o dendê e a
pimenta malagueta. Surgiam a feijoada, a farofa, o quibebe, o vatapá. Alimentos que combinavam com a dureza do trabalho no
cativeiro. As crenças e magias trazidas pelos portugueses eram transformadas em feitiçaria nas mãos dos africanos. Aos
negros feiticeiros recorriam os senhores brancos idosos a procura de afrodisíacos; as jovens sinhás, que não conseguiam
engravidar; e as belas mucamas, que aprendiam a receita do café mandingueiro, um filtro amoroso feito com café bem forte,
muito açúcar e sangue de mulata.
Na religião conviviam a cultura do senhor e a do negro. O catolicismo praticado aqui era uma religião
doce, doméstica, de intimidade com os santos. Os padres se vangloriavam de conceder aos negros
certas vantagens, como o direito de manifestar suas tradições nas festas do terreiro. Nasciam então
as religiões afro-brasileiras: São Jorge é o orixá Ogum e Nossa Senhora é Iemanjá.
"Esse terreiro tem 110 anos. A minha avó era descendente de escravos. Tinha uma aldeia que se
chamava Catongo. Nessa aldeia ela também cultivava os orixás, quando chegavam assim os escravos chicoteados de outros
lugares, fazendas, engenhos, essas coisas. Aí ela curava com aquelas difusões de ervas, né, aqueles remédios das folhas, e
curava esses escravos, que ficavam gratos e acabavam ficando com ela. Quer dizer, ela era assim uma espécie de protetora
desses escravos. E a minha mãe falava que era uma senzala, onde ela abrigava esses escravos."
Ilza R.P. Santos, mãe-de-santo (Ilhéus, BA) (??)
"Não foi só de alegria a vida dos negros escravos dos ioiôs e das iaiás brancas. Houve os que se suicidaram
comendo terra, enforcando-se, envenenando-se com ervas e potagens dos mandingueiros. O banzo deu cabo de
muitos. O banzo - a saudade da África. Houve os que de tão banzeiros ficaram lesos, idiotas. Não morreram, mas
ficaram penando."
Trecho de Casa-Grande & Senzala.
Os negros, muitos agora, libertos pela alforria, pela revolta ou pelas fugas, unidos nos quilombos, lutavam pelo fim da
escravidão. Aliavam-se aos ideais libertários os filhos de poderosos senhores de engenho que se tornavam abolicionistas por
motivos econômicos, humanitários ou, simplesmente, pelo apego que tinham às suas mães de leite.
" Os brancos diziam que em nenhum país do mundo essa nefanda instituição foi tão doce como no
Brasil. Agora não me passa pela cabeça - não deve passar pela cabeça de ninguém - que essa
nefanda instituição, como os próprios brancos chamavam a escravidão, que ela pudesse ser doce em
algum lugar. Ela só pode ser doce da perspectiva de quem estivesse na casa-grande e não na
perspectiva de quem estivesse na senzala."
Florestan Fernandes, cientista social.
Em 1984, numa de suas últimas entrevistas, o escritor Gilberto Freyre resumia o seu pensamento sobre a situação presente do
negro, lembrando o abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco:
"O problema é que a abolição da escravatura, embora tenha sido fato notável na história da formação brasileira, foi
muito incompleta."
Com a abolição, os problemas do negro estariam apenas começando. Mas quem se interessou por isso? Ninguém se
interessou. O negro livre deixou as fazendas e os engenhos e foi inchar as periferias das cidades. Abandonado, constituiu-se
num sub-brasileiro.
"Todo mundo... não quer se encontrar com os pretos,
não quer, só quer se ligar aos brancos. Mas isso naquela época a Princesa Isabel libertou!
Cabou-se, né! esse negócio de não querer se encontrar com o negro.
Porque tristes dos brancos se não fosse o sangue do negro."
Maria Madalena Correia, cantora (Ilha de Itamaracá, PE).
Ficha T�cnica:
Casa Grande & Senzala, baseado na obra de Gilberto Freyre
Realiza��o: TV Cultura - 1995
Dire��o e Roteiro: Marya In�s Landgraf
Produ��o: Tha�s Carrapatoso
Pesquisa Iconogr�fica: Nerci Ferrari
Imagens: Elizeu Ferreira
�udio: Alcides Almeida
Auxiliar de C�mera: Sidney Andrade
Edi��o: Manoel Vi�des
P�s-Produ��o: Dario de Oliveira
Arte: Aida Cassiano, Paulo C�sar Dias, Aimber� Santos e Wesllen da Silva Silv�rio
Cenografia: Luciene Grecco
Trilha Sonora: David Tygel
Narra��o: Irineu Toledo
Dire��o de Fotografia/Est�dio: Maur�cio Valim
Participa��o Especial: Ant�nio N�brega
Departamento de Document�rios: Teresa Otondo
Ensinar e Aprender
1. Com base no desenho da capa do livro "Casa Grande & Senzala", de Gilberto Freyre, fazer uma maquete da casa grande e
da senzala. Discutir suas características (cômodos, hierarquia etc.).
2. Pesquisar doenças trazidas pelos portugueses (sífilis, por exemplo) durante a colonização brasileira. Discutir e redigir uma
conclusão em grupo.
3. Propor uma pesquisa sobre o vestuário, religião, culinária etc. dos povos que participaram no processo de formação cultural
brasileira (portugueses, africanos e indígenas).
4. Após o estudo do livro "Casa Grande & Senzala", de Gilberto Freyre, ouvir a música instrumental "Suíte Nordestina", que
Lourenço Barbosa (Capiba) compôs tendo como tema esse livro. Fazer um desenho e expô-lo em classe.
5. Elaborar um painel (com recortes de jornais, revistas) que ilustrem a forma de vida das pessoas no Brasil, na época da
colônia.
6. Analisar o texto relativo aos escravos negros: "As crias nascidas eram logo batizadas e ainda assim consideradas gente sem
alma. A igreja, esteio dos poderosos, agia da mesma forma no tratamento dado ao negro". Em grupos discutir o texto e expor as
conclusões para os colegas.
7. Propor um estudo sobre a educação jesuítica no Brasil, no período colonial. Discutir suas características e suas influências
na educação brasileira.
Visitas para complementar estudos:
Museu de Arte Sacra
Av. Tiradentes, 676 - Luz São Paulo - SP - Brasil
Agendar visitas: 3ª/dom., das 13h às 18h. (visitas monitoradas)
Museu Paulista
Av. Nazaré s/n - Prq. da Independência - Ipiranga São Paulo - SP - Brasil
Agendar visitas: 3ª/dom., das 9h às 16h45min.
Museu do Folclore
Prq. Ibirapuera - Pavilhão Lucas Nogueira Garcez São Paulo - SP - Brasil
Agendar visitas: 3ª/6ª, das 14h às 17h dom/feriado, das 10h às17h.
Museu do Sertanista (INDÍGENA) Pça. Dr. Enio Barbato - Caxingui São Paulo - SP - Brasil
Agendar visitas: 3ª/dom., das 10h30min às 17h.
Museu do Folclore Edison Carneiro
R. do Catete,181 - Catete Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP 22220-000
Agendar visitas: 3ª/6ª, das 11h às 18h sáb/dom e feriado, das 15h às 18h.
Casa do Pontal
Estrada do Pontal, 3295 - Recreio dos Bandeirantes Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP 22785-560
Agendar visitas: sáb/dom., das 14h às 18h.
Museu do Índio
R. das Palmeiras, 55 - Botafogo Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP 22270-070
Agendar visitas: 2ª/6ª, das 10h às 17h.
Museu do Índio
Av. Dq. de Caxias Av. Sete de Setembro - Patronato Sta. Terezinha Manaus- AM - Brasil
Agendar visitas: 2ª/6ª, das 8h às 11h e das 14h às 16h30min.
Mina de Ouro do Chico-Rei
R. D.Silvério, 108 - Antônio Dias Ouro Preto - MG - Brasil
Agendar visitas: 2ª/dom., das 8h às 17h.
Museu Dom Bosco
R. Mário Pinto Peixoto, 52 Campo Grande - MS - Brasil CEP 79000-217
Agendar visitas: 2ª/dom., das 7h às 11h e das 13h às 17h.
Museu de Arte e Cultura Populares
Av. Sen. Pompeu, 350 - Centro Fortaleza - CE - Brasil
Agendar visitas: 2ª/6ª, das 8h às 18h sáb., das 8h às 14h.
Museu do Homem do Nordeste
Av. 17 de Agosto, 2187 - Casa Forte Recife - PE - Brasil
Agendar visitas: 3ª/4ª e 6ª, das 11h às 17h 5ª, das 8h às 17h sáb/dom.e feriados, das 13h às 17h.
Engenho São João
Estrada do Igarassu 7km - Várzea Itamaracá - PE - Brasil
Agendar visitas: 2ª/5ª, das 8h às 17h 6ª, das 8h às 16h.
Fundação Gilberto Freyre
R. Dois Irmãos, 320 - Apipucos - Solar de Sto. Antônio Recife - PE - Brasil CEP 52071-440
Museu do Estado de Pernanbuco Av. Rui Barbosa, 960 - Graças Recife - PE - Brasil
Agendar visitas: 3ª/6ª, das 9h às 17h sáb/dom e feriados, das 14h às 17h.
Bibliografia
ARINOS, Afonso. Lendas e tradições brasileiras. São Paulo:
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Europa Americana, 1988.
BELO, Júlio.Memórias de um senhor de engenho. Rio de Janeiro:
COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à colônia. São Paulo: Difel, 1980.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Cultrix, 1985.
DAVIDOFF, Carlos Henrique. Bandeirantismo: verso e reverso. São Paulo: Brasiliense, 1984.
(Tudo É História)
FREYRE, Gilberto. Org. Livro do nordeste. Pernambuco: s.e, s.d .(LIVRO do Nordeste, comemorativo do centenário do Diário
de Pernambuco: 1825-1925. Recife: Off. do diário de Pernambuco, 1925.)
HOLANDA, Sérgio Buarque de & SOUZA, Octávio Tarquínio de. História do Brasil. Rio de Janeiro:
IONE, Maria Artigas de Sierra. coord. Contos, mitos e lendas para crianças na América Latina. São Paulo: Ática, 1997.
MACEDO, Gilberto de. Casa-Grande & Senzala, obra didática? Rio de Janeiro: Cátedra/INL-MEC, 1979.
PEREIRA, Arthur Ramos de Araujo. O Folclore negro no Brasil. Rio de Janeiro: Global, 1985.
PINSKY, Jaime. A Escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 1988 (Repensando A História).
REGO, José Lins. O Menino de engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978
RIBEIRO, Darcy. O Povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia Das Letras, 1996.
SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz E Terra,
1989.
Filmografia
Casa-Grande & Senzala. (doc., Brasil, )
Direção: Geraldo Sarno.
O Povo Brasileiro. (60', doc., Brasil, )
TV Cultura
O Sociólogo de Apipucos. (doc., Brasil,)
Direção: Joaquim Pedro de Andrade.
Quilombo (119', doc., Brasil, 1984)
Direção: Carlos Diegues.
Elenco: Antônio Pompeu, Zezé Motta, Toni Tornado. FDE nº 90
Região, Tradição e Modernidade. (doc., BRA)
Direção: Luís Miranda Correa.
Xica da Silva. (117', Brasil, 1976)
Direção: Carlos Diegues.
Elenco: ZeZé Motta, Walmor Chagas, José Wilker.
Discografia
SUÍTE NORDESTINA 4º MOVIMENTO CASA-GRANDE & SENZALA
Compositor: Lourenço Barbosa. (Capiba)
Em uma passagem de seu texto, Marina de Mello e Souza afirma:
"Elementos africanos estão na base da maioria das nossas manifestações culturais populares. Assim, quando
falamos em mestiçagem do povo brasileiro, estamos nos referindo basicamente às misturas entre os africanos e os
povos que eles encontraram aqui, principalmente portugueses e indígenas. Foi essa a mestiçagem que, apesar de
atormentar as elites brasileiras que tentaram diluí-la com outras misturas, se impôs como consequência da
importação de cerca de 5 milhões de africanos ao longo de mais de trezentos anos."
Em que sentido a mestiçagem tornou-se uma tormenta para as elites brasileiras?
Imigração japonesa no Brasil
Outro componente da formação nacional é a cultura dos diferentes povos que chegaram ao Brasil a partir de
meados do século XIX. As culturas imigrantes são aspectos relevantes para entendermos a formação da
cultura brasileira e daquilo que se convencionou chamar de “povo brasileiro”.
Nas escolas, a temática da imigração oferece muitas possibilidades de
abordagem nas aulas de História. Veja-se, por exemplo, a abordagem
desenvolvida no Caderno do Professor da Secretaria Estadual de Educação
para o Ensino Fundamental (7ª série – 8º ano, vol. 4, 2009 p. 9-14). A
abordagem relaciona a imigração, a cafeicultura e a lei de terras, de 1850.
Ao final do capítulo, o Caderno do Professor indica diferentes recursos dos
quais o professor pode fazer uso e ampliar as perspectivas que a temática
oferece. Entre esses recursos é citado o filme Gaijin, os caminhos da
liberdade de Tizuka Yamasaki.
Que tal aproveitar essa indicação para pensar uma atividade didática?
Caderno do Professor, 7ª série (8º ano), vol. 4, 2009
Filme: Gaijin
Vejamos a ficha técnica do filme:
Brasil, 1980; duração: 112 min.
Direção: Tizuka Yamasaki
Roteiro: Tizuka Yamasaki e Jorge Duran
Produção: Carlos Alberto Diniz
Música: John Neschling
Fotografia: Edgar Moura
Direção de Arte: Yurika Yamasaki
Edição: Lael Rodrigues e Vera Freire
Sinopse: Conta a história dos imigrantes japoneses que vieram para o Brasil no início do século XX,
em busca de uma vida melhor e uma nova realidade.
Procure ver o filme e pense em um roteiro didático a partir dele, em que a discussão sobre identidade,
presente neste módulo, esteja contemplada.
Depois disso clique no botão a seguir para acessar uma proposta para uso do filme.
Retomando essa história:
Entre dois mundos e duas culturas: Gaijin — sugestão de roteiro
Gaijin: somos todos estrangeiros?
I. Roteiro para compreensão e análise
Tema central do filme:_____________________________________________
A. principal atividade econômica para a qual vieram trabalhar os imigrantes:
Atividade açucareira ( )
Extrativismo de metais preciosos ( )
Cultura de algodão ( )
Criação de gado ( )
Economia cafeeira ( )
Cultura da uva ( )
B. Características dessa atividade no Brasil:
C. Nome da fazenda na qual se passam os principais acontecimentos:
_______________________________________________________________
D. Mencione duas formas de exploração da mão de obra japonesa na fazenda retratada no filme:
1ª. _____________________________________________________________
2ª. _____________________________________________________________
E. Relação dos imigrantes japoneses com o dono da fazenda:
F. Relação dos imigrantes japoneses com o capataz da fazenda:
G. Relação dos imigrantes japoneses com o contador da fazenda:
H. Com que outro grupo de imigrantes convivem os japoneses:
_______________________________________________________________
I. Posição política desse outro grupo de imigrantes diante das condições de
trabalho:________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
______________________________________________________
J. Contexto histórico:
Final do século XVI ( )
Período colonial ( )
Início do século XX ( )
K. Justifique sua resposta indicando elementos presentes no filme:
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
______________________________
L. Segundo o apresentado no filme, o grupo de imigrantes retratado tinha a intenção:
( ) De voltar para a terra natal
( ) De permanecer no Brasil em definitivo
II. Problematização
2.1. Situação interna do Japão que motivou a vinda de imigrantes para o Brasil.
2.2. Situação do Brasil que motivou a atração de imigrantes japoneses.
2.3. Interesse do governo brasileiro e fazendeiros pela mão de obra japonesa. 2.4. Condições de trabalho
encontradas pelos imigrantes no Brasil.
2.5. Hoje o Brasil continua sendo polo de atração de imigrantes? Justifique a resposta.
Imigrações
Para obter mais informações sobre os diferentes povos que chegaram ao
Brasil em meados do século XIX e início do século XX, acesse o site da TV
Cultura:
http://www.tvcultura.com.br/aloescola/estudosbrasileiros/
entredoismundos/
Nesse site, você poderá ver o depoimento da Sra. Mitsuko Kawai sobre as
dificuldades enfrentadas pelos imigrantes japoneses para chegar ao Brasil e
se adaptar à nova realidade. Procure fazer uso desse depoimento para
compor o seu roteiro.
No item Ensinar e aprender, você encontrará diferentes propostas para
trabalhar a cultura imigrante com os alunos e uma extensa indicação de
roteiros e leituras para auxiliar no trabalho.
Movimentos migratórios são uma constante na história da humanidade. No século XIX, a partir da
Revolução Industrial, e no século XX, com as guerras e as grandes modificações econômicas no
mundo, Europa e Ásia passaram por uma fase de intensa emigração; milhares de homens e
mulheres abandonaram casas, bens e até famílias em busca de melhores condições de vida.
O Brasil, junto com Argentina e Estados Unidos, tornou-se ponto de chegada dos migrantes da
era moderna, trabalhadores livres que vieram substituir o trabalho escravo na lavoura de café.
Esses pioneiros, como aqueles que os seguiram, enfrentaram preconceitos e dificuldades
materiais na nova terra; mas com a esperança, a vontade de vencer e a bagagem cultural que
traziam, aos poucos tornaram-se parte da paisagem brasileira.
Já integrados, sua presença se fez sentir nas artes, na arquitetura, na culinária e no modo de
vida. Concretizaram seus sonhos e mudaram a cara do Brasil.
Na terra acostumada ao colonizador português, a chegada de novas etnias, com seus
diferentes hábitos e costumes, provocou profundas alterações na sociedade brasileira.
"Nasci em Duisburg, na Alemanha. Eu tinha doze anos, cinco meses
e três dias quando vim para o Brasil. Meu pai trabalhava demais,
ele era diretor de banco e... tinha um sonho em mente. Largar a
civilização e entrar, depois de uma longa viagem de navio, num país
totalmente diferente, estranho, mas muito promissor". Depoimento de
Mathilde Hoster, a Nanuk.
O "Galera Maria", que aportava em Santos, trouxe os
primeiros imigrantes para São Paulo. Eram alemães, na maioria camponeses. Num
primeiro momento, alguns encontraram ocupação nos trapiches, onde foram conhecendo
as particularidades da exportação de café. Depois de subir a Serra do Mar a pé, seguiram
para a vila de Santo Amaro e foram distribuídos em sítios doados pelo governo imperial
brasileiro. Na bagagem traziam sementes, ferramentas e técnicas agrícolas que pouco
ajudavam no desconhecido solo tropical.
"Os alemães vieram muito cedo para o Brasil, vieram muito antes da grande imigração em massa.
Depois eles se incorporaram à imigração em massa. Um pouco antes da independência, os alemães
começaram a vir... fazendo algumas experiências de cultivo, vivendo uma vida comunitária,
seguindo em alguns casos uma tradição religiosa própria".
Depoimento de Bóris Fausto.
Permanecer significava criar condições de sobrevivência e adaptação, através da
construção de casas, escolas, templos e cemitérios. Os alemães protestantes, que não
podiam enterrar seus mortos junto aos católicos brasileiros, fundaram a Sociedade de
Cemitérios, num local conservado e conhecido como Colônia Velha, até hoje um marco da
imigração alemã em São Paulo. Os alemães de Santo Amaro são lembrados como os
"caboclos loiros".
"A mulher teve um papel fundamental na manutenção de um quadro
doméstico, de uma vida familiar, não só fornecendo alimento, mas
inaugurando uma certa ordem doméstica, uma certa idéia, a
realização de um lar imigrante que era muito importante para as
pessoas que tinham de se inserir numa sociedade desconhecida".
Depoimento de Bóris Fausto
O estado de São Paulo contava 840 mil habitantes. As
cidades apareciam ao longo das ferrovias, impulsionadas pela
realidade do café. Bancos estrangeiros surgiam. O comércio se intensificava. E a cidade
de São Paulo entrava no roteiro das companhias teatrais estrangeiras. Despertava de um
sono colonial e acolhia novos imigrantes. Agora, italianos.Um acordo entre os governos do
Brasil e da Itália trouxe milhares de italianos para a lavoura de café. Eles desembarcavam
em Santos com suas arcas e baús, subiam a serra na Maria Fumaça e ficavam alojados
por alguns dias na Hospedaria dos Imigrantes. E então partiam para as fazendas.
"Eu deixei na Itália toda a amizade da escola primária, as amigas a
quem fazia confidências, os primeiros amores, tudo. Deixei na Itália
parentes, deixei o sonho de poder continuar o estudo artístico.
Quando você chega num país novo, num mundo novo, porque o
Brasil fazia parte do mundo novo, é tudo muito diferente".
Depoimento de Vittorina Salvi Szili, a Victoria.
Logo na chegada, o ambiente era estranho: as plantas eram exuberantes e exóticas; as
espécies animais, diferentes; no céu, constelações desconhecidas; ninguém a quem fazer
confidências, lugar algum que os fizesse recordar o passado. Um permanente tatear,
procurar. Começar do zero.
Alguns fazendeiros sentiam a necessidade de um local para
abrigar e organizar a distribuição da mão-de-obra imigrante pelas
fazendas. Em 1886, Antonio de Queiroz Telles, o Visconde de
Parnaíba, fundou no bairro do Brás, em São Paulo, a Hospedaria
dos Imigrantes. Os imigrantes podiam permanecer ali, sem
despesas, até oito dias à espera de um contrato de trabalho. Ao
longo de várias décadas, homens, mulheres e crianças de mundos
estranhos passaram por ela.
Rapidamente os produtores rurais perceberam o valor da mão-de-obra imigrante. Ela era
mais produtiva, gerava bons lucros e os produtores não precisavam gastar mais com a
compra de escravos. A São Paulo do começo do século XX recebia boa parte desses
lucros. Muitos fazendeiros faziam da cidade sua principal morada. Construíam belos
palacetes que até hoje enfeitam a metrópole, enquanto investiam no comércio e na
indústria. Os italianos formavam São Paulo. A presença deles tocava fundo na maneira
paulista de falar, na culinária, arquitetura e música. Revolucionaram hábitos e costumes.
"Começamos a olhar em volta para ver o que podia fazer e começávamos a trabalhar. A gente tinha
de trabalhar, porque não se vive de ar, e como sempre com este grande nó na garganta da
saudade. A saudade é uma coisa enorme".
Depoimento de Victoria.
O trabalho nas fazendas não era fácil. A família imigrante era responsável
por uma gleba do cafezal, que exigia, além da colheita, cinco ou seis
limpezas anuais.
Eles recebiam salários e faziam suas compras na venda do patrão, o que
quase sempre gerava uma relação de dependência. Muitos, desencantados,
retornavam para a Itália. Outros seguiam de fazenda em fazenda na
esperança de melhor sorte, que alguns alcançavam comprando pequenas propriedades.
Outros ainda, ex-operários e artesãos na Itália, se estabeleciam na cidade. Porém, perpetuando a
mentalidade de donos de escravos, alguns patrões chamavam seus colonos de "escravos
brancos".
"O mau tratamento que os italianos recebiam nas fazendas em São Paulo levou a uma crise entre o governo
do estado de São Paulo e o governo da Itália. A imigração japonesa nasceu da crise havida com a
imigração italiana".
Depoimento de Bóris Fausto.
E mais uma vez Santos recebeu imigrantes, agora vindos da longínqua Ásia. Eram os japoneses,
que desembarcavam do navio "Kasato Maru" já contratados para a lavoura de café. Famílias sem
crianças pequenas eram as mais procuradas, pois o interesse maior era no trabalho de um braço
adulto.
"A primeira viagem longa de navio do Japão para o Brasil levou 62 dias no
mar, sem ver a terra... Para vir trabalhar na roça era preciso formar uma
família, e para isso muitas pessoas arranjavam casamentos sem considerar
o gosto da moça. Tinha uma moça que não conseguiu gostar do seu noivo,
acabou se suicidando. Isso foi uma grande tragédia na viagem. A outra foi o
sarampo que assolou os passageiros. Mil e duzentas pessoas num navio ...
Quando dá sarampo não há criança que escape".
Depoimento de Mitsuko Kawai.
Desde o início, fazendeiros e capatazes duvidavam da capacidade de adaptação dos japoneses a
terra tão estranha. No entanto, eles se adaptaram rapidamente à vida nos cafezais e
permaneceram por mais tempo no campo. Os japoneses, atualmente, são responsáveis pela
maior parte da produção de legumes e verduras do estado de São Paulo.
"A vida no casamento começou com enxada e a lata d'água que a gente tirava do poço. A gente partia
lenha... e aconteciam muitos acidentes, até machucando crianças. Eu tinha de puxar enxada junto com o
marido o dia inteiro, e à tarde voltava para a casa um pouquinho mais cedo para fazer comida, dar banho
nas crianças. Uma dureza que só imigrante sabe".
Depoimento de Mitsuko.
Derrotados, marcados pelo desencanto, 40% dos imigrantes italianos retornaram à Europa. Os
que ficaram criaram raízes. Na cidade, alguns se tornaram grandes comerciantes e industriais, e
outros foram ser operários da nascente indústria paulista.
O Brasil de 1910 contava 24 milhões de habitantes, dos quais dez
por cento eram imigrantes. A indústria paulista contava com o
empenho de produtores rurais e imigrantes italianos. Famílias como
os Prado e Penteado nela investiram os lucros do café. Italianos,
como os Crepi e Matarazzo, chegaram com algum dinheiro e
corajosamente instalaram suas fábricas.
O Brasil de 1910 contava 24 milhões de habitantes, dos quais dez
por cento eram imigrantes. A indústria paulista contava com o
empenho de produtores rurais e imigrantes italianos. Famílias como os Prado e Penteado nela
investiram os lucros do café. Italianos, como os Crepi e Matarazzo, chegaram com algum dinheiro
e corajosamente instalaram suas fábricas.
A relação do imigrante com a cidade se intensificava. Não tinha mais jeito, eles precisavam se
integrar ao novo mundo. Tornaram-se os artistas, sapateiros, jornaleiros, tintureiros, alfaiates...
Agruparam-se em bairros e vilas operárias e reproduziam manifestações culturais de seu povo
para matar a saudade e preservar as tradições.
"Eu, sabendo que vinha de um país estrangeiro, tinha de saber esta língua. Então antes de sair, parece
incrível, eu comecei a estudar o português. Mesmo assim, como dizem meus filhos, eu falo um português
macarrônico".
Depoimento de Victoria.
Nos bondes, ruas, comércio e indústrias, dialetos italianos eram tão ouvidos quanto o próprio
português. São Paulo era Zan Paolo. Queijo tornou-se formaggio. E trabalho era lavoro.
"Houve um jornalista brasileiro, Alexandre Marcondes Machado, com nome tradicional, que criou um
personagem, Juó Bananere. Ele era um ítalo-brasileiro que escrevia nos jornais uma fala ítalo-brasileira.
Alguns romancistas, o mais conhecido Alcântara Machado, introduziram nos bairros do Brás, Bexiga e
Barra Funda a figura do italianinho, o imigrante falando o que se considerava o português macarrônico".
Depoimento de Bóris Fausto.
Mas não bastava apenas ficar e sobreviver, era necessário conviver e se relacionar. Era preciso
aprender o português. Se para os italianos a conversa era mais fácil, alemães e japoneses tinham
dificuldades por causa da própria origem da língua. As crianças, que aprendiam com facilidade,
tornavam-se intérpretes dos adultos.
"Quando a minha filha cresceu, eu não podia ajudá-la a fazer a lição. Foi aí
que eu senti necessidade de aprender português. Naquela época, a cartilha
trazia "pato pá", "macaco má", e foi desse jeito que eu fazia: colocava meus
cinco filhos na cama e estudava com a cartilha de minha filha".
Depoimento de Mitsuko
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  • 1. Modulo 13 historia Apresentação do módulo Neste módulo faremos uma discussão das relações entre história, identidade e cultura. Nele faremos uma problematização dos aspectos culturais e identitários da sociedade brasileira, a partir do entrecruzamento da cultura europeia, ameríndia e negra africana. Os temas aqui tratados permitirão aprofundar nossas reflexões sobre o ensino de História. Esses temas tratam de aspectos da cultura renascentista e da visão de mundo do explorador/colonizador europeu na América, da cultura ameríndia, africana e afro-brasileira. Para começar a história Pergunta de verdade... Você já refletiu sobre as perguntas que fazemos em sala de aula? Na maior parte das vezes, essas perguntas fazem parte de um jogo de cartas marcadas. Perguntamos para descobrir se os alunos sabem ou não aquilo que queremos que eles saibam. Essa é uma maneira muito corrente de se avaliar; vestibulares e concursos também se baseiam em questões em que o avaliador já sabe a resposta. Mas há outra possibilidade? Sim, há. Ao trabalharmos o tema da identidade, navegaremos por esses mares. A identidade oferece tantas possibilidades de abordagem que não conseguimos confiná-la a uma definição precisa. Da identidade individual, que me confere CPF, RG e passaporte e me faz único no mundo, ao pertencimento a espécie humana, em que me solidarizo e me identifico com todos do mundo, passando pela identidade familiar e pela identidade nacional, muitas questões são possíveis, algumas de resposta precisa e imediata, outras de possibilidades mediatas e respostas fugidias. Quem sou eu? Quem somos nós? Quem são eles? Podem ser algumas questões de verdade para as quais elaboraremos respostas provisórias, às vezes construídas com os alunos, às vezes para testarmos o que eles sabem. Alguns temas Vamos enveredar por esses caminhos da identidade e da cultura, percorrendo alguns temas e propondo algumas atividades. Você pode seguir a sequência abaixo ou enveredar por outros caminhos, mas viaje por todos os slides e vá configurando suas respostas para nossas perguntas.
  • 2. Renascimento Ao pensarmos o tema da identidade cultural a partir do Renascimento e da expansão marítima europeia, nos colocamos diante de um leque de possibilidades. Vamos iniciar essa discussão propondo o estudo de uma gravura do século XVI feita por um artista conhecido como Jan van der Straet (1523- 1605). Gravura de Jan van der Straet Observe atentamente a gravura antes de avançar para a próxima página.
  • 3. Renascimento e expansão marítima Segundo o historiador Nicolau Sevcenko, a gravura de Jan van der Straet é uma alegoria que simboliza o encontro do explorador Colombo com a América, na figura de uma mulher que desperta da rede (SEVCENKO, Nicolau. “As alegorias da experiência marítima e a construção do europocentrismo”. In: SCHWARCZ, M. L.; QUEIROZ, R. Raça e diversidade. São Paulo: Edusp/Estação Ciência, 1996. p. 113-
  • 4. 145.). O roteiro proposto é possível de ser trabalhado com os alunos. Você pode, por exemplo, além de solicitar a descrição e a composição de um diálogo entre os personagens, propor uma animação para a imagem, o que exigirá uma investigação mais apurada da gravura. Vejamos a análise feita pela historiadora Janice Theodoro sobre o imaginário a cerca da chegada dos europeus à América. Gravura de Jan van der Straet Leitura: Theodoro, Janice. América Barroca: temas e variações. São Paulo: Edusp; Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992. São Paulo, EDUSP. (Capítulo 2. Colombo: entre a experiência e a imaginação) COLOMBO: ENTRE A EXPERIÊNCIA E A IMAGINAÇÃO(1) O problema não é inventar. É ser inventado. Carlos Drummond de Andrade Os escritos de Colombo e sobre Colombo abrem uma porta para a reflexão sobre o significado da experiência e da imaginação nos séculos XV e XVI. Este grande navegador elaborou uma hipótese, a de que a terra era redonda, e a partir dela experimentou navegar para o Ocidente, querendo chegar ao Oriente. Um grande gesto, fruto da imaginação e da experiência, o imortalizou, especialmente quando sua hipótese foi comprovada através de uma viagem de circunavegação(2). Embora a América não fosse as Índias, a Terra é, de fato, redonda. Portanto, Colombo tinha razão ao propor, para todos aqueles que estavam interessados em realizar o comércio com o Oriente, esta viagem. Este é um lado da história bastante conhecido e que podemos comprovar, fornecendo informações seguras para todos aqueles que desejam analisar a empresa colonial. A montagem de uma economia mundial(3) realizada em grande parte por Portugal e Espanha, financiada por capitais muitas vezes oriundos de outros reinos ou cidades, transformou profundamente as formas de vida na América. Caminhando por esta vertente historiográfica, tenderemos a construir a nossa personagem Colombo como um homem moderno. Mas, teriam sido o reconhecimento e a colonização da América marcados basicamente pelo pensamento moderno ? Experiência e Imaginação Todas estas proposições, descritas e interpretadas em seqüência, são verdadeiras, e representam, de fato, parte do que ocorreu. Mas, ao mesmo tempo, embora sejam colocações claras e objetivas, não dão conta nem da personagem nem da natureza das transformações ocorridas tanto na América como na Europa. Análises marcadas pelo pensamento moderno excluem partes da história, não aquelas partes que se referem às experiências comprovadas mas, aquelas outras que compõem o imaginário cristão e pagão que foram o instrumento básico no convívio entre os indígenas e os europeus na Idade Média. A comunicação entre indígenas e europeus, realizada através de gestos, língua, ou ainda, da fabricação de objetos de cultura, cristalizaram o universo cultural americano, à medida em que ambos eram fragmentados. Nesse sentido, deveremos percorrer tanto o universo marcado pela imaginação quanto aquele outro que sábios e filósofos da época denominaram, as razões das descobertas. Assim, procuraremos analisar as formas de convívio interculturais estabelecidas na América. Ao abandonarmos, portanto, a convenção da veracidade, como único objeto de estudo do historiador, poderemos fundir relato histórico e relato literário. Tomemos um exemplo, para esclarecer esta proposta: Dom Hernando se refere com muita clareza em seu livro, a Vida Del Almirante, às razões que moveram Colombo crer que poderia descobrir as Índias:
  • 5. Viniendo, pues, a decir las razones que movieron al Almirante al descubrimiento de las Índias, diré que fueron tres a saber: los fundamentos naturales, la autoridad de los escritores y los indicios de los navegantes. En cuanto a lo primeiro, que es razón natural, digo que él consideró que, como toda el agua y la tierra del mundo constituyan una esfera, era posible rodearse de Oriente a Occidente, andando por ella los hombres, hasta estar pies con pies los unos con los otros, en cualquiera parte que en opósito se hallasen. En segundo lugar y conoció por autoridad de autores aprobados que gran parte de esta esfera había sido navegada y que no quedaba, para ser toda descubierta, sino aquel espacio que había desde el fin oriental de la índia, de que Ptolomeu y Marino tuvieron noticia, hasta que, prosiguiendo la via del Oriente, tornasen por nuestro Occidente a las islas de Cabo Verde y de los Azores, que era la tierra más occidental que entonces estaba descobierta. En tercer lugar, entendía que aquel dicho espacio que había entre el fin oriental, sabido por Marino, y las dichas islas de Cabo Verde, no podía ser más que la tercera parte del círculo mayor de la esfera, pues que ya el dito Marino había descrito por el Oriente quince horas o partes de veinticuarto que hay en la redondez del mundo, y hasta llegar a las dichas islas de Cabo Verde no faltaba cuasi ocho, porque aún el dicho Marino no comenzó su descripción tan al Poniente.(4) A utilização das palavras razão e crença é extremamente significativa para se compreender a personagem, Colombo, e sua época. Indicam a presença do vínculo entre o pensamento medieval e o pensamento renascentista. Por um lado, Colombo é levado a observar a realidade e, a partir dessas observações, chegar a determinadas conclusões. Por outro lado, Colombo crê em algumas profecias e preserva, de maneira admirável, os ideais da cavalaria que o distanciavam da realidade e da experiência da qual ele era o artífice. Colombo, ao mesmo tempo que descobre ser a terra redonda, procura encontrar o caminho do Paraíso terrestre. Este paradoxo (realidade e sonho) presente em Colombo será elemento constitutivo das formas de apreensão do universo indígena, parte também integrante da nossa ancestralidade cultural. Do imaginário à realidade Como fundir o relato histórico com o relato literário ? Talvez a melhor maneira para se trabalhar o documento histórico seja analisar as formas de narração presentes nos documentos de um determinado período histórico, sem preocupação em separar, a priori, o que poderia ser ciência do que poderia ser imaginação. Evidentemente, ao aceitarmos esta proposição estamos descartando aqueles estudos que concebem a história como disciplina mais próxima das ciências naturais do que da literatura, opondo, portanto, história e literatura. Ao analisar relatos históricos, partiremos do pressuposto, tão bem fundamentado por Walter D. Mignolo(5) para quem: "veracidad y ficcionalidad se conciben, en mi sistema conceptual, como convenciones que regulan el empleo del lenguaje, literatura e historia se conciben como normas que regulan el empleo del lenguaje en una práctica discursiva disciplinaria". Portanto, o nosso enfoque, ao analisar um documento, muito se parece com aquele que preside a análise literária. Veracidade e imaginação são elementos constitutivos do texto histórico. A presença alternada, combinada e espelhada torna muitas vezes difícil, ao historiador, separar o fato propriamente dito, do que é imaginação, ou o que se transformou de imaginação em fato documentado (descobrimento da América), ou ainda, o que foi um fato distorcido, apenas um pouquinho, pelo olhar do narrador, daquele que foi muito distorcido. O diário de Colombo Existem polêmicas notáveis quanto à autenticidade dos diários de Colombo e também com relação à Vida del Almirante escrita por seu filho, Hernando. Henry Harrisse (1830-1910), por exemplo, chegou mesmo a sugerir um autor como o responsável pelos escritos: o humanista Hérnan Pérez de Oliva(6). Mascarenhas Barreto(7) publicou em 1988 um livro no qual Cristóvão Colombo ganha a nacionalidade portuguesa e é apresentado como agente secreto de Dom João II. Estas polêmicas demonstram, antes de mais nada, um gosto pelo suspense, pelo desejo de decifrar o indecifrável, de descobrir indícios(8) em meio a filigranas só perceptíveis a historiadores-detetives que atuam munidos de lupa. Nos casos, em que muitas vezes se torna
  • 6. impossível descobrir a verdade, e que são os mais freqüentes, o mais interessante é analisar a relação do detetive-historiador com o documento. Afinal, quando surgem esses cronistas e historiadores preocupados em reconstruir a verdade e qual o caminho que seguem para alcançá-la ? Teria Colombo intenção em ser objetivo? Saberia o homem medieval enfrentar o seu destino, a fortuna, armado da razão? Ou preferiria experimentar as suas hipóteses armado da fé ? Um documento histórico, a Vida del Almirante Don Cristobal Colón, escrita por seu filho, Don Hernando, ainda que tenha sido escrito por outro Hernán Pérez de Oliva, ou ainda outro, cujo nome desconhecemos, tal documento, ou tais documentos, estão de acordo com outros escritos do Almirante. Esses antigos manuscritos trazem as marcas da mentalidade medieval e renascentista, expressa em um modo de ser. Ou seja, a forma da narração de Colombo e de seus contemporâneos nos permite reconhecer, concomitantemente, a convenção da veracidade e da fantasia ou imaginação. Ou seja, as verdades e sonhos produzidos por Colombo ou por seu filho, ou ainda, por outros companheiros, fazem parte, igualmente, do mesmo sistema conceitual. Empregam convenções em nível da linguagem que nos abrem as portas tanto para a compreensão histórica de uma época quanto para a fruição literária de um texto de época. O Diário de Colombo e a Vida del Almirante nos mostram como a América foi inventada antes de ser descoberta. A invenção, palavra escolhida por O`Gorman(9) para contrapor-se à criação (que supõe produzir algo "ex nihilo, portanto com sentido apenas dentro do âmbito da fé cristã"), carrega no seu bojo uma reflexão que ultrapassa em muito o descobrimento propriamente geográfico da América. A américa através do imaginário europeu A descoberta da América, realizada por Colombo, é um tema que deu origem a muita polêmica. A mais conhecida e difundida nestes anos que precedem as comemorações dizem respeito ao fato de que a América não necessitava dos europeus para existir. E, nesse sentido, nada se tem a comemorar. A América encontrada, achada por Colombo, em meio a "mares nunca dantes navegados"(10), incorporou-se ao imaginário europeu com uma série de atributos que já haviam sido delegados a ela muito antes de ser descoberta. Ou seja, a América já fazia parte do imaginário europeu, representando para Colombo apenas a comprovação de tudo o que havia sido produzido pela sua imaginação e pela imaginação de seus contemporâneos. Nesse sentido, todos os documentos que se cruzam em torno do nome Cristóvão Colombo representam a possibilidade de navegarmos em um universo plural do qual fazem parte, igualmente, os sonhos irrealizados de Colombo e as façanhas que ele desempenhou, e que, por contingências histórico-institucionais, mantiveram-se na memória por terem sido registradas por escrito. A América surgiu primeiro pelo gosto, pelo prazer de narrar, de expor os fatos com sutis matizes, capazes de restaurar o imaginário do interlocutor, despertando nele o interesse pela aventura, pelo maravilhoso, pelo conhecimento do desconhecido. A primeira roupa com que a América se travestiu, aos olhos do europeu, foi dada por Colombo através da palavra Índias. Colombo pensou ter chegado às Índias, e, portanto, tudo o que viu correspondia a um indício capaz de comprovar sua hipótese. A. Gerbi nos lembra como Colombo se esquiva de analisar a flora americana, pois não podia identificá-la com a flora das Índias ou das Molucas. Sem se preocupar com as diferenças, Colombo se utiliza deste mesmo espaço criado por elas (pelas diferenças) para se lançar à recriação de tudo aquilo que ele pretendia encontrar. O seu imaginário era regido por inúmeras informações, trazidas por viajantes (como Marco Polo, por exemplo) que gostavam de contar suas façanhas, sem que os interlocutores estivessem interessados em pedir provas. O prazer de produzir uma narração de acordo com as suas expectativas, construídas bem antes da viagem, era superior à sua capacidade de descrever um continente desconhecido. Nesse sentido, Colombo vai estruturar em seu diário não apenas o seu sonho mas, principalmente, um sonho italiano, um sonho europeu intercalado de informações retiradas de cartas elaboradas por navegadores experientes e observações astronômicas recolhidas em viagens. A realidade e a fantasia se entrelaçam. A. Gerbi nos fala de forma muito sensível sobre os sentimentos de Colombo capazes de demarcar a natureza com a sua sensação: Frente a tanta exuberancia, Colón se nos muestra dominado por tres sentimientos: entusiasmo por la novedad de la flora antillana, admiración por su excepcional hermosura, y angustia de no estar en posibilidad (por escasez de tiempo y de conocimientos botánicos) de apreciar sus virtudes medicinales y su valor nutritivo. En el plano cognoscitivo, la natureza americana es diversa y sorprendente, de otra forma: "disforme". En el plano estético-
  • 7. hedonista, es hermosa y placentera, eufórica. En el plano prático, tiene que ser utilísima y buenísima, pero esto Colón no lo sabe. Antes que nada, tiene prisa de encontrar oro: "puede haber muchas cosas que yo no sé, porque no me quiero detener por calar y andar muchas islas para fallar oro".(11) Na verdade são alguns sentimentos e percepções poéticas, construídas a partir da natureza européia, que aproximam os dois continentes. A incapacidade de Colombo de ver a América corresponde, ao mesmo tempo, a uma grande capacidade de criar afinidades(12). Para Colombo, os objetos são semelhantes ou diferentes "dos nossos", ou seja, sempre são organizados de forma a aproximar cultura européia da cultura indígena, criando uma unidade capaz de abranger todas as variáveis por ele observadas. O compromisso de Colombo com a fé cristã ativa sua imaginação, obrigando-o a interpretações adequadas à espiritualidade cristã. E, ao fazê-lo, Colombo inicia um longo trajeto de visualização da Europa na América. Colombo vê mais com a imaginação do que com a vista. E, quando se encanta com uma natureza que escapa aos modelos já conhecidos, ele mesmo diz não saber como expressar-se: Es este país, Príncipes Serenísimos, en tanta maravilha hermoso, que soprepuja a los dem s en amenidad y belleza, como el día en luz a la noche. Por lo cual solía yo decir a mi gente muchas veces, que por mucho que me esforzase en dar entera relación de él a Vuestras Altezas, no podría mi lengua decir toda la verdad, ni mi mano describirla. Y en verdad, quedé tan asombrado viendo tanta hermosura, que no sé cómo expressarme.(13) Este é um momento excepcional no texto, quando o narrador, por não conseguir comparar, prefere não se expressar. O mesmo não ocorre quando Colombo necessita explicar aos indígenas quem eram os Reis Católicos e a quem deveriam prestar serviços. Os contatos parecem sempre resultar em um bom entendimento entre as partes. Ou seja, a comunicação se realiza através de gestos, palavras ininteligíveis, um verdadeiro ritual que se transforma em forma de comunicação. Na perspectiva do europeu, a prosa corre solta, independentemente do entendimento do indígena. Da imaginação à aproximação A narrativa, assim constituída, supondo ser muitas vezes desnecessária a presença do tradutor, é um elemento de aproximação. Colombo, como seus contemporâneos, ao dar um sentido visual a tudo o que narra e escreve e ao apresentar, à sua moda, a América aos europeus, mantém o mesmo eixo narrativo e a mesma forma com que sabia apreender os objetos na Europa. Assim, ele criou uma América, ao mesmo tempo, rica e inverossímil, que agradava ao leitor acostumado ao luxo e à riqueza presentes nas descrições de um Oriente exótico. Essas características típicas de sua narração fazem parte tanto do romance de cavalaria como das tapeçarias e pinturas do século XIV. Cervantes, por exemplo, trata em seu livro Dom Quixote de la Mancha da relação entre o sonho e a realidade, e seu herói, que às vezes nos faz lembrar Colombo é um grande leitor dos romances de cavalaria(14). Colombo guarda a mesma ambigüidade sem dela rir. Quanto à pintura, se quisermos citar um exemplo que nos lembra o gosto pelo trato constante com o inverossímil, basta lembrar a obra de Bernardo Martorel, São Jorge matando o Dragão. Um dragão que dificilmente meteria medo, mas cuja existência ajudava a imaginação a florescer. O relato de Colombo em seu diário, de 9 de janeiro de 1493, nos faz ver a importância do inverossímil para o re-conhecimento do mar oceano: Nessa terra toda há muitas tartarugas, que os marinheiros capturaram em Monte Cristi, quando vinham desovar em terra, e eram enormes, feito grandes escudos de madeira. Ontem, quando o Almirante ia ao Rio del Oro, diz que viu três sereias que saltaram bem alto, acima do mar, mas não eram tão bonitas como pintam, e que, de certo modo, tinham cara de homem.(15) A narrativa de viagem de Colombo compõe-se através de uma rede de inter-relações, na qual o conceito organizador, contido na memória do narrador, define o espaço no qual a América passa a fazer parte da cultura européia. Observem: Asimismo digo que también debemos estimar mucho su honestidad y vergüenza, porque si al entrar en la nave ocurría que les quitasen alguno de los panos con que cubrían sus vergüenzas, en seguida el indio, para cubrirlas, ponía delante las manos y no las levantaba nunca: y las mujeres se tapaban la cara y el cuerpo, como tenemos dicho que hacen las moras en Granada. Esto movió al Almirante a tratarlos bien, a restituirles la canoa, y a darles algunas
  • 8. cosas a cambio de aquellas que los nuestros les habían tomado para muestra. Y no retuvo de ellos consigo sino a un viejo, llamado Yumbé, el cual parecía de mayor autoridad y prudencia, para informarse de las cosas de la tierra, y para que animase a los otros a platicar con los cristanos; lo que hizo pronta y fielmente todo el tiempo que anduvimos por donde se entendía su lengua. Por lo que en premio y recompensa de esto, cuando llegamos a donde no podía ser entendido, el Almirante le dió algumas cosas y lo envió a su tierra muy contento. Esto sucedió antes de llegar al cabo de Gracias a Dios, en la costa de la Oreja.(16) Este texto nos deixa antever uma trama que encaminha o receptor da mensagem a uma determinada percepção dos objetos. A disposição das palavras honestidade e vergonha, autoridade e prudência, ou ainda, prêmio e recompensa estrutura o conteúdo da informação. Ou, melhor dizendo, estas palavras, retiradas muitas vezes da épica, conformaram o reconhecimento da América através de seu protagonista: o narrador. Palavras como honestidade ou autoridade definem os contornos da narração, sendo estas palavras, mais que os verbos, responsáveis pelo significado do texto. A harmonia criada pelos substantivos e adjetivos ao se descrever a viagem aproxima os dois continentes, deixando, por vezes, transparecer pedaços de informações que dizem respeito à cultura indígena. Colombo constrói sua narrativa da mesma forma que o construtor renascentista dispunha pedras em camadas, compondo uma parede sem esconder os desenhos. A conquista e a destruição da América estão presente na narrativa (não se omite nem se disfarça a violência), ao mesmo tempo em que ele transforma em obediência e quietude a ação do indígena, comprovando-se, assim, a superioridade do cristianismo. Con la prisión de estos y con la victoria obtenida, sucedieron las cosas de los cristianos tan prósperamente, que no siendo entonces más de seiscientos treinta, y la maior parte enfermos, y muchas mujeres y muchachos, en el espacio de un año que el Almirante recorrió la isla, sin tener que volver a desenvainar la espada, la redujo a tal obediencia y quietud que todos prometieron pagar tributo a los Reyes Católicos cada tres meses, a saber: de los que habitan en Cibao, donde estaban las minas de oro, pagaría toda persona mayor de catorce anos un cascabel grande lleno de oro en polvo; y todos los demás, veinticinco libras de algodón cada uno.(17) Colombo é o avalista da paz organizada e esperada por ele sob a égide do cristianismo; o organizador de um governo marcado pela vontade de Deus e pela sabedoria dos Reis Católicos; introdutor na América da figura, tão poderosa quanto imaginária, dos Reis Católicos, personificação de um princípio de poder; virtuoso e cortês, ele é capaz de deixar inscrito no seu diário, não o que ele viu na América, mas o seu ideal, do qual pretendia ser porta-voz. Os biógrafos e companheiros de Colombo na descrição da América interpretam o que vêem invocando um universo mental marcado pelo pensamento cristão. Ao cronista cabe a missão primeira de integrar a história da América na obra de criação(18). Colombo inicia com seu diário um longo trajeto, que será percorrido por inúmeros cronistas, procurando ordenar sua explicação de forma a que cada palavra encontrasse suas correspondências. A América, o Novo Mundo, é exótica, apenas, na sua aparência, pois faz parte da grande obra de criação, contendo, em essência, a mesma verdade contida no relato bíblico. Das analogias às afinidades Colombo é o primeiro artesão a enunciar informações colhidas além-mar de acordo com elementos do imaginário europeu, aproximando, pela narrativa, povos que até então estavam isolados geográfica e culturalmente. A aproximação muitas vezes deixava visível, num primeiro momento, a diferença, mas, logo a seguir, por analogia, a aproximação realizava-se através de afinidades. Resgatavam-se antigas sobrevivências pagãs presentes na história européia, que passavam a ser referenciais para a compreensão do que se supunha ser a nossa história indígena. A pena, a tinta e o papel nos indicam de que forma é feita a aproximação entre dois acervos culturais através de uma história provavelmente narrada por Colombo. Y al día siguiente, bajando a tierra el Adelantado para tener información de aquellas gentes, se acercaron dos de los principales a la barca donde él estaba, y tomándolo por los brazos en medio de ellos, lo sentaron en la hierba de la orilla; y preguntandoles el Aldelantado algunas cosas, mandó a los
  • 9. escribanos de la nave que anotasen lo que respondían. Pero viendo el papel y la pluma se alborotaron de tal forma que la mayor parte de ellos se dieron a la fuga. Lo cual, según se pudo conjeturar, fué por el miedo que tuvieron a ser hechizados con palavras o signos aunque en realidad eran ellos quienes nos parecían a nosostros grandes hechiceros, y con razón.(19) Qual "razão" estariam os europeus invocando ? A narrativa, embora separe as personagens da cena, o indígena do europeu, inaugura um diálogo que pressupõe elementos semelhantes na aparência. A aparência é o espaço de comunicação que inaugura a possibilidade de convívio intercultural. Colombo não sente necessidade de compreender a língua indígena, nem anseia por um tradutor, o que lhe favorece a comunicação. A aproximação se realiza por uma suposição prévia de que ele conhecia o outro. Para o europeu, o desconhecido sempre sugere magia, um universo marcado pela idolatria, sendo estes os elementos de distinção entre bárbaros e civilizados. A conjectura de que os indígenas teriam fugido com medo de serem encantados com pena, tinta, papel e escrita era igualmente proporcional ao medo que eles sentiam ao observar o indígena. Contudo, jamais somos informados da presença de algum objeto indígena que pudesse despertar temor confesso, por escrito, entre os europeus. A possibilidade do sortilégio, a princípio, se apresenta como elemento de correlação entre ambos para logo a seguir hierarquizar as personagens em cena. O espanto, o medo e a fuga caracterizam a conduta do indígena, figurante na cena protagonizada pelo europeu. Este não se espanta com a cultura do outro(20), porque a seus olhos, ela não tem valor próprio, diverso do seu, portanto o indígena não é, nem nunca foi, um desconhecido. E, nesse sentido, a razão, assim denominada no texto, é depositada nas mãos dos cristãos. Essas observações poderiam, num primeiro momento, nos fazer pensar que uma parte da "verdade histórica" está sendo encoberta nesses relatos, constituídos dentro da perspectiva do europeu. Este tipo de formulação deu origem a uma historiografia que contrapôs a "visão do vencedor" à "visão do vencido". Colombo e seus contemporâneos não estavam preocupados, ao escrever diários, cartas ou crônicas, em reproduzir, apenas, o que seus olhos poderiam ver. Estavam preocupados em simbolizar algum conceito moral ou doutrinal, tendo como suporte um universo desconhecido. O que era desconhecido representava um desafio à interpretação que já estava elaborada desde há muito. É importante observar que a nossa personagem sabe decompor os elementos para, em seguida, reorganizá- los dentro da sua óptica. Colombo não elabora uma "distinção histórica" das culturas em questão, ele apenas separa aqueles elementos que sabe como agregar. Seu texto não envolve hostilidade, embora nos informe sobre a violência. A sua superficialidade ao descrever fauna, flora e homem corresponde ao desejo de harmonizar através da aparência. Freqüentemente a historiografia busca caracterizar, nesses primeiros documentos que contam a história da América, a destruição dos indígenas e de sua cultura. Isto é parte da história. A história da América, em seu período colonial, é marcada pela presença de uma população com ascendência índia, espanhola e negra. Os primeiros cronistas das Índias, ao narrarem a conquista, estão profundamente marcados por uma epopéia heróica medieval. Nela a aproximação com a realidade não constituía a questão mais importante. O elemento central destas narrativas era tornar a história vivida por Colombo expressão do ideal cavalheiresco, e este processo envolve a montagem de um caráter fictício para o herói e para as ações por ele desenvolvidas. A beleza da personagem, Colombo, constituiu-se à medida que conseguimos percebê-lo com um homem afastado do real. E. Auerbach definiu com precisão o que a cultura cortesã deixou de herança na Europa: [...] o nobre, o grande e o importante nada têm a procurar na realidade comum - uma convicção muito mais patética e arrebatadora do que as antigas formas de afastamento do real tais como as oferece a ética estóica.(21) Este é Colombo, um homem a quem nós, como historiadores, não devemos cobrar um compromisso com a verdade ou com a destruição. Esses fatos e a violência no contato intercultural são apenas parte da verdade. As relações interculturais freqüentemente são conflitivas. Ao constituir um universo, marcado também pelo seu imaginário, Colombo aproxima as personagens com quem se confronta, tornando-se o primeiro artesão das relações interculturais na América. Colombo as aproxima ao tornar sublime a história que vive. Ele não procura uma motivação prática, caminha em direção inversa à experiência ao procurar o rio que emana do Paraíso. Diz ele:
  • 10. Volto ao meu assunto da terra de Gracia, do rio e do lago que ali encontrei, tão grande que seria mais justo considerá-lo mar, pois lago é lugar de água e, sendo grande, se diz "mar", como se chamou ao mar da Galiléia e ao mar Morto, e eu afirmo que este rio emana do Paraíso terrestre e de terra infinita, pois do Austro até agora não se teve notícia, mas a minha convicção é bem forte de que ali, onde indiquei, fica o Paraíso terrestre, e em meus ditos e afirmações me apóio nas razões e autoridades supracitadas.(22) Quando lemos a Bíblia (Gênesis, cap.2, vers.8 a 20), reconhecemos o espaço que originou as reflexões descritivas de Colombo. É interessante retomar o texto original, até mesmo pelo tônus da narração: Ora, o Senhor Deus tinha plantado um jardim no Éden, do lado do Oriente, e colocou nele o homem que havia criado. O Senhor Deus fez brotar da terra toda sorte de árvores, de aspecto agradável, e de frutos bons para comer; e a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore da ciência do bem e do mal. Um rio saía do Éden para regar o jardim, e dividia-se em seguida em quatro braços. O nome do primeiro é Fison, e é aquele que contorna toda a região de Evilat, onde se encontra o ouro. (O ouro desta região é puro; encontra-se ali tambem o bdélio e a pedra ônix). O nome do segundo rio é Geon, e é aquele que contorna toda a região de Cusch. O nome do terceiro rio é Tigre, que corre ao Oriente da Assíria. O quarto rio é o Eufrates. [...] O Senhor Deus disse: "Não é bom que o homem esteja só; vou dar-lhe uma ajuda que lhe seja adequada". Tendo, pois, o Senhor Deus formado a terra, todos os animais dos campos, e todas as aves dos céus, levou-os ao homem, para ver como ele os havia de chamar; e todo o nome que o homem pôs aos animais vivos, esse é o seu verdadeiro nome. O homem pôs nomes em todos os animais, a todas as aves dos céus e a todos os animais dos campos; mas não se achava para ele uma ajuda que lhe fosse adequada. Ao considerar-se apto para esta missão, encontrar o caminho do Paraíso, Colombo concebe-se eleito para uma tarefa grandiosa, que, apesar de alguns percalços, resultará na formação de uma comunidade ordenada. Essa comunidade, através de um convívio cotidiano intercultural, impôs ao indígena a criação de uma unidade lingüística. A implementação da língua espanhola na América não representou o desaparecimento das línguas indígenas. Mas a criação desta língua comum, o espanhol, representou capacidade de aproximação, de incorporação do acervo cultural europeu em toda a América. Apesar de tanta violência, criaram-se formas de convívio sem que se tornasse necessária a negação da cultura européia implementada e difundida na América. O primeiro artífice desse nosso patrimônio, dessa nossa capacidade de convívio intercultural, foi Cristóvão Colombo, ao transformar um mundo desconhecido em um universo de semelhanças. 1) Conferência realizada na inauguração da mostra "Cristoforo Colombo, il Genovese" em 20 de agosto de 1990, no Departamento de História da Universidade de São Paulo. 2) Convém lembrar os relatos de Antonio Pigafetta. Primer Viaje Alredor del Globo. Barcelona, Ediciones Orbis, 1986. A obra original foi escrita em italiano e teve sua primeira edição em 1800 com o título: Primo Viaggio in torno al globo terracqueo. Este livro não é o diário de viagem mas uma correspondência elaborada a pedido de Clemente VII, da qual faz parte informações sobre a primeira viagem de circunavegação. Fernão de Magalhães foi um de seus artífices cuja meta maior era fazer investigações sobre o cálculo de longitudes. A viagem durou três anos contando com a participação de duzentos e trinta e sete homens distribuídos em cinco embarcações, dos quais sobreviveram apenas dezoito em um navio. Fernão de Magalhães perde a vida nesta viagem. 3) Vitorino Magalhães Godinho. Os descobrimentos e a economia mundial. Lisboa, Editorial Presença, 1981. 4) O capítulo VI caracteriza bem o lado moderno do pensamento de Colombo construído pela narrativa de seu filho, don Hernando Colón. Vida Del Almirante Don Cristóbal Colón. México, Fondo de Cultura Económica, 1984, p.42. O título do capítulo é bastante sugestivo: "De la Rázon Principal que Movió al Almirante a Creer que Podía Descubrir las Indias."
  • 11. 5) Considero os trabalhos de Walter D. Mignolo extremamente esclarecedores das questões conceituais que atordoam os historiadores que navegam em meio à convenção da veracidade. Vale a pena ressaltar o artigo, "Dominios Borrosos y Dominios Teóricos: Ensayo de Elucidación Conceitual", in Filología, Buenos Aires, Faculdad de Filosofia y Letras, ano XX, 1985, pp. 21-40. 6) Hernando Colón. Op. cit., p. 15-16. 7) Mascarenhas Barreto, O português Cristóvão Colombo. Agente secreto do rei Dom João II. Lisboa, Referendo, 1988. 8) Carlo Ginzburg. Mitos, Emblemas e Sinais: morfologia e história. São Paulo, Companhia das Letras, 1989. O capítulo, "Sinais: Raízes de um Paradigma Indiciário", aborda uma série de questões que nos levam a questionar a oposição "racionalismo" e "irracionalismo", a qual muitas vezes nos impede de penetrar, como homens modernos que somos, no universo da narrativa histórica. 9) Edmundo O´Gorman. Op. cit., p.9. 10) Utilizo como metáfora a frase bastante conhecida de Luís de Camões, posto que os "mares nunca dantes navegados" em seu sentido original referem-se ao Oceano Índico. Os Lusíadas. São Paulo, Abril Cultural, 1979, p. 29. Canto Primeiro: "As armas e os barões assinalados,/ Que da ocidental praia lusitana,/ Por mares nunca dantes navegados,/ Passaram ainda além da Taprobana,/ E em perigos e guerras esforçados/ Mais do que prometia a força humana,/ E entre gente remota edificaram/ Novo Reino, que tanto sublimaram;" 11) Antonello Gerbi. La Naturaleza de las Indias Nuevas. De Cristóbal Colón a Gonzalo Fernández de Oviedo. México, Fondo de Cultura Económica, 1978, p.29 (Grifo nosso). 12) Michel Foucault. As Palavras e as Coisas. São Paulo, Martins Fontes, 1987, p.33-58. Diz o Autor ao analisar a mentalidade até o final do século XVI: "Até o final do século XVI, a semelhança desempenhou um papel construtor no saber da cultura ocidental. Foi ela que, em grande parte, conduziu a exegese e a interpretação dos textos; foi ela que organizou o jogo dos símbolos, permitiu o conhecimento das coisas visíveis e invisíveis, guiou a arte de representá-las. O mundo enrolava-se sobre si mesmo: a terra repetindo o céu, os rostos mirando-se nas estrelas e a erva envolvendo nas suas hastes os segredos que serviam ao homem. A pintura imitava o espaço. E a representação - fosse ela festa ou saber - se dava como repetição: teatro da vida ou espelho do mundo, tal era o título de toda linguagem, sua maneira de anunciar-se e de formular seu direito de falar." (p.33.) 13) Hernando Colón. Op. cit., p.105. 14) Eric Auerbach. Op. cit., p.292-314. Ao escrever, sobre a doidice de Quixote, Auerbach nos mostra o sentido da ironia romântica e de uma loucura sábia. A beleza do texto de Cervantes ao conjugar ironia, loucura e sabedoria nos auxilia no sentido de compreender melhor Colombo sem querer privilegiar a parte moderna de seu perfil de navegador. 15) Cristóvão Colombo. Diários da descoberta da América. Porto Alegre, L&PM Ed., 1984, p.87. 16) Hernando Colón. Op. cit., p.275 (grifo nosso). 17) Idem, p.182-183 (grifo nosso). 18) Joseph de Acosta. Historia natural y moral de las Indias. En que se tratan de las Cosas Notables del Cielo, metales, plantas y animales dellas y los ritos y ceremonias, leyes y gobierno de los indios. México, Fondo de Cultura Económica, 1979. É interessante observar no capítulo I, do livro I, "De la Opinión que Algunos Autores Tuvieron que el Cielo no se Extendía al Nuevo Mundo", a importância para o pensamento cristão, concluir, através, da experiência, que "en este gran edificio del mundo, todo el cielo estará a una parte encima, y toda la tierra a otra diferente debajo"(p.15), porque, sendo o céu um só, os filósofos, em nome da Divina Sabedoria, saberão glorificar, em conjunto, toda a obra da criação. 19) Hernando Colón. Op. cit., p.281 (grifo nosso). 20) Freqüentemente, encontramos a citação retirada das cartas de Cortés, em que ele admira Tenochtitlán. Contudo, este momento representa uma exceção tanto nas cartas de Cortés quanto em outros documentos da época. Como nos lembra Manuel Alcalá ao nos introduzir no Corpus Cortesianum "a admiração e o amor pela nova terra, que é a tônica das duas primeiras cartas, deixa (a partir da terceira) o lugar para o ódio e a violência." A cultura indígena não pode ser apreciada porque representa a barbárie, o contraponto à civilização. Laura de Mello e Souza, em seu livro O Diabo e Terra de Santa Cruz. São Paulo, Companhia das Letras, 1986, nos lembra o intrincado processo de demonização da cultura indígena. 21) Eric Auerbach. Op. cit., p.119. 22) Cristóvão Colombo. Op. cit., p.147. Renascimento – significados
  • 12. A alegoria de van der Straet remete ao período final do Renascimento (século XVI). Esse período do Renascimento é marcado por vários acontecimento importantes. Vamos montar um organograma sobre esse período. Para tanto, é importante levar em consideração o contexto vivido por Jan van der Straet, o cinquecento (século XVI). Segundo o historiador Nicolau Sevcenko, esse período é marcado pelo ápice de sofisticação artística do Renascimento italiano. Ao mesmo tempo, tem-se o declínio econômico enfrentado pelas cidades italianas com a descoberta de novas rotas comerciais (rompimento do monopólio comercial turco-italiano). É o período marcado também pela força política do papado romano, pela Reforma e Contrarreforma religiosa. Apesar de muitos o entenderem como um movimento contrário à igreja católica, em grande medida o Renascimento foi um movimento desenvolvido e fomentado por homens da hierarquia católica, como mostra alguns dos nomes importantes do período: Giordano Bruno, dominicano (1548-1600) Giovanni Domenico Campanella, dominicano (1568-1639) Nicolau Copérnico, cônego (1473–1543) Tais nomes, ligados à tradição religiosa, tinham como predecessores, outros religiosos, como o franciscano Roger Bacon (1214-1294). Comentários para: webfacens@facens.br Atualizado em 08/05/03
  • 13. Renascimento – significados – atividade Em uma passagem de seu texto Marina de Mello e Souza afirma: Elementos africanos estão na base da maioria das nossas manifestações culturais populares. Assim, quando falamos em mestiçagem do povo brasileiro, estamos nos referindo basicamente às misturas entre os africanos e os povos que eles encontraram aqui, principalmente portugueses e indígenas. Foi essa a mestiçagem que, apesar de atormentar as elites brasileiras que tentaram diluí-la com outras misturas, se impôs como consequência da importação de cerca de 5 milhões de africanos ao longo de mais de trezentos anos.
  • 14. Colombo e o legado renascentista Um ponto importante da cultura renascentista é o legado que chega ao Novo Mundo com a expansão marítima comercial. A gravura de Jan van der Straet é rica por sugerir como o universo mental e científico renascentista, mesclado às concepções religiosas, marcou a visão de mundo do homem europeu que desembarcou no Novo Mundo. Retomemos aqui a representação de Colombo construída por Jan van der Straet, somando a ela outras duas: A de Ridley Scott, no filme 1492 – a conquista do paraíso (Inglaterra/França/Espanha, 1992), que conta a história da chegada do europeu à América, desde as preparações e captações de recursos na Europa até a interação com os nativos americanos. E o excerto abaixo: Já disse que para a execução do empreendimento das Índias, a razão, a matemática e o mapa-múndi não me foram de nenhuma utilidade (...), trata-se apenas da realização do que Isaías havia predito (...) (Cristóvão Colombo – O livro das profecias, escrito entre 1502/1504).
  • 15. “O povo brasileiro”: relatos indígenas Aproveitando a discussão presente na obra de Darcy Ribeiro e as alegorias apresentadas por Nicolau Sevcenko, leia os relatos a seguir. Eles mostram como duas culturas indígenas diferentes entenderam o contato com o homem branco. Relato 1 Éramos uma só nação, nós e vós; mas Deus, tempos após o dilúvio, enviou seus profetas de barbas para instruir-nos na lei de Deus. Apresentaram esses profetas ao nosso pai, do qual descendemos, duas espadas, uma de madeira e outra de ferro, e lhe permitiram escolher. Ele achou que a espada de ferro era pesada demais e preferiu a de pau. Diante disso, o pai de quem descendestes, mais arguto, tomou a de ferro. Desde então fomos miseráveis, pois os profetas, vendo que os de nossa nação não queriam acreditar neles, subiram para o céu, deixando as marcas dos seus pés cravadas com cruzes no rochedo próximo de Potiú (ABBEVILLE, Claude d’, O. F. M. Cap, 1975 [1614]. História da missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas, trad. S. Milliet, São Paulo e Belo Horizonte: Edusp/Itatiaia (Coleção Reconquista do Brasil 19). Relato 2 Antigamente não havia civilizados, mas apenas índios. Uma mulher indígena ficou grávida. Toda vez que ela ia tomar banho no ribeirão próximo da aldeia, seu filho, que ainda não havia nascido, saía de seu ventre e se transformava em animais, brincando à beira d’água. Depois voltava outra vez ao ventre materno. A mãe não dizia nada a ninguém. Um dia o menino nasceu. Era Aukê. Ainda recém-nascido, transforma-se em rapaz, em homem adulto, em velho. Os habitantes da aldeia temiam os poderes sobrenaturais de Aukê e, de acordo com seu avô materno, resolvem matá-lo. As primeiras tentativas de liquidá-lo não tiveram sucesso. Uma vez, por exemplo, o avô o levou ao alto de um morro e empurrou-o de lá no abismo. O menino, porém, virou folha seca e foi caindo devagarinho, voltando são e salvo para a aldeia. Até que o avô resolveu fazer uma grande fogueira e nela atirá-lo, o que realmente fez. Dias depois, quando o avô foi ao local do assassinato para recolher as cinzas do menino, achou lá uma grande casa de fazenda, com bois e outros animais domésticos à porta: Aukê não havia morrido, mas sim transformara-se no primeiro homem civilizado. Aukê ordenou, então, ao avô que fosse buscar os outros habitantes da aldeia. E eles vieram. Quando Aukê fê-los escolher entre a espingarda e o arco, os índios ficaram com medo de usar a primeira, preferindo o segundo. Por terem preferido o arco, os índios permaneceram como índios. Se tivessem escolhido a espingarda, teriam se transformado em civilizados. Aukê chorou com pena dos índios não terem escolhido a civilização. (MELATTI, Júlio César. Índios do Brasil. Distrito Federal: Ed. Brasília, 1970, p. 27-8). Vamos explorar suas possibilidades didáticas? Monte um plano de aula usando esses relatos. Delineie objetivos, competências e habilidades que problematizem o tema da cultura e identidade. Procure construir uma proposta didática que some aos relatos o uso da imagem, da escrita e de sonoridades.
  • 16. Proposta de plano de aula Pronto? Após discutir e avaliar sua proposta, veja a seguir uma sugestão de plano de aula.
  • 17. O que é ser brasileiro? Brasileiro: lus. pop. Português que, tendo morado no Brasil, retorna à pátria, levando bens. 3. Lus. Pop. Indivíduo muito rico. Brasileiro de Mão Furada, s.m. Lus. Gir. Diz-se do português que regressa do Brasil à pátria sem levar bens. (FREIRE, L. Grande e novíssimo dicionário da língua portuguesa. José Olympio Editora: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre. 2. ed., vol. II, 1954, p. 1090.) Esses são alguns dos significados dados para brasileiro. De certo, significados pouco conhecidos por nós, brasileiros. Mas voltamos à questão proposta por Darcy Ribeiro: ser brasileiro tem a ver com nossa identidade como povo. Vejamos a seguir o que outro estudioso nos fala sobre a formação dessa identidade. Seu nome: Gilberto Freyre. Sua obra: Casa-Grande & Senzala.
  • 18. Para saber mais sobre Gilberto Freyre Para saber mais sobre a obra de Gilberto Freyre, acesse: http://www.tvcultura.com.br/aloescola/estudosbrasileiros/casagrande/index.htm Ao acessar o endereço acima, você encontrará, ao final da discussão da obra e do pensamento de Gilberto Freire, algumas propostas pedagógicas em Ensinar e aprender. Vejamos duas delas: “4. Após o estudo do livro Casa-Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, ouvir a música instrumental Suíte nordestina, que Lourenço Barbosa (Capiba) compôs tendo como tema esse livro. Fazer um desenho e expô-lo em classe”. “6. Analisar o texto relativo aos escravos negros: ‘As crias nascidas eram logo batizadas e ainda assim consideradas gente sem alma. A igreja, esteio dos poderosos, agia da mesma forma no tratamento dado ao negro’. (...)”. A partir do que conseguiu observar da obra de Gilberto Freyre, trabalhe as duas propostas acima. Para auxiliar, ouça no site UOL , a Suíte nordestina e estabeleça relações com o pensamento de Gilberto Freyre. " Todo brasileiro traz na alma e no corpo a sombra do indígena ou do negro." Mestre Gilberto Freyre... Escritor pernambucano, morador de Apipucos, no Recife. Era descendente de senhores de engenho. Conhecia bem os casarões... Em 1933, após exaustiva pesquisa em arquivos nacionais e estrangeiros, Gilberto Freyre publica Casa-Grande & Senzala, um livro que revoluciona os estudos no Brasil, tanto pela novidade dos conceitos quanto pela qualidade literária. Gilberto Freyre foi buscar nos diários dos senhores de engenho e na vida pessoal de seus próprios antepassados a história do homem brasileiro. As plantações de cana em Pernambuco eram o cenário das relações íntimas e do cruzamento das três raças: índios, africanos e portugueses. Em Casa-Grande & Senzala, o escritor exprime claramente o seu pensamento. Ele diz: "o que houve no Brasil foi a degradação das raças atrasadas pelo domínio da adiantada" . Os índios foram submetidos ao cativeiro e à prostituição. A relação entre brancos e mulheres de cor foi a de vencedores e vencidos. "Casa-Grande & Senzala foi a resposta à seguinte indagação que eu fazia a mim próprio: o que é ser brasileiro? E a minha principal fonte de informação fui eu próprio, o que eu era como brasileiro, como eu respondia a certos estímulos." Havia tempos Gilberto Freyre procurava escrever sobre o ser brasileiro. Pressões políticas e familiares o levaram, entre 1930 e 1932, a viver o que chamou de "a aventura do exílio". Partiu para a Bahia e pesquisou as coleções do Museu Afro-Brasileiro Nina Rodrigues e a arte das negras quituteiras na decoração de bolos e tabuleiros. Observou que a culinária baiana era neta da velha cozinha das casas-grandes. Depois da Bahia partiu para a África e Portugal. Iniciou em Lisboa as pesquisas e estudos que sedimentariam o livro Casa- Grande & Senzala. De Portugal foi, como professor visitante, para a Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, onde
  • 19. viajou pelo Sul e pôde constatar a existência, durante a colonização americana, do mesmo tipo de regime patriarcal encontrado no nordeste brasileiro. "Eu venho procurando redescobrir o Brasil. Eu sou rival de Pedro Álvares Cabral. Pedro Álvares Cabral, a caminho das Índias, desviou-se dessa rota, parece já baseado em estudos portugueses, e identificou uma terra que ficou sendo conhecida como Brasil. Mas essa terra não foi imediatamente auto-conhecida. Vinham sendo acumulados estudos sobre ela... mas faltava um estudo convergente, que além de ser histórico, geográfico, geológico, fosse... um estudo social, psicológico, uma interpretação. Creio que a primeira grande tentativa nesse sentido representou um serviço de minha parte ao Brasil." Durante o período de estudos na universidade americana, o escritor elaborou uma linha de pensamento que diferenciava raça e cultura, separava herança cultural de herança étnica; trabalhou o conceito antropológico de cultura como o conjunto dos costumes, hábitos e crenças do povo brasileiro. "Gilberto Freyre diz que Franz Boas foi a figura de mestre que nele ficou maior impressão, porque foi com Franz Boas que ele aprendeu a distinguir raça de cultura, e nessa distinção ele se baseou para escrever Casa-Grande & Senzala. Agora, o conceito de antropologia de Freyre era muito mais amplo, ele partiu para uma interpretação global do povo brasileiro. É uma história ao mesmo tempo econômica, religiosa, folclórica, sociológica." Édson Nery da Fonseca, historiador (Olinda, PE) "Quando, em 1532, se organizou econômica e civilmente a sociedade brasileira, já foi depois de um século inteiro de contato dos portugueses com os trópicos; de demonstrada na Índia e na África sua aptidão para a vida tropical. Formou-se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índio, e mais tarde de negro, na composição." Trecho de Casa-Grande & Senzala. Portugal, um país largamente marítimo, recebia sempre povos de todos os lugares do mundo. Seus portos eram rota de comércio e de migrações. O contato com estrangeiros estimulava, no povo português, tendências cosmopolitas, imperialistas e comerciais. Na Península Ibérica as raças se misturavam havia milênios. O encontro das culturas árabes e romana impregnava a moral, a arte, a economia e a vida do português. Os árabes - excelentes técnicos navais - e os judeus - financistas e com altos cargos de administração, no conselho real -, emprestavam conhecimento e dinheiro para o empreendimento das navegações e dos descobrimentos. A burguesia comercial ganhava mais poder que a aristocracia territorial portuguesa e buscava no além-mar terras e riquezas nunca exploradas. Além da mobilidade, o português tinha a capacidade de se misturar facilmente com outras raças. Os homens vinham sem família, sozinhos. Chegavam carentes de contato humano e começavam a se reproduzir primeiro com as índias e depois com as negras escravas. Era preciso povoar o território. No momento em que embarcou na aventura ultramarina, Portugal tinha três milhões de habitantes. O Brasil era imenso; então, como povoar esse território? "Durante quase todo o século XVI a colônia esteve escancarada a estrangeiros, só importando às autoridades que fossem de fé católica. Temia-se no adventício acatólico o inimigo político capaz de quebrar aquela solidariedade que em Portugal se desenvolvera junto com a religião católica. Essa solidariedade manteve-se entre nós esplendidamente através de toda a nossa formação colonial." Trecho de Casa-Grande & Senzala. Foi aqui que chegou...dia 02 de março de 1535...um português chamado Duarte Coelho Pereira, viu essa bela vista e deu uma exclamação:Oh! linda situação para se construir uma vila. Por isso que a cidade se chama Olinda. Antigamente chamava Marino Caetês, habitada pelos índios. Em Pernambuco e no Recôncavo baiano, a colonização se desenvolvia à sombra das grandes plantações de cana-de-açúcar e das casas-grandes de taipa ou de pedra e cal, longe das cabanas de aventureiros e do extrativismo predatório.
  • 20. "A casa-grande do engenho que o colonizador começou, ainda no século XVI, a levantar no Brasil - grossas paredes de taipa ou de pedra e cal, telhados caídos num máximo de proteção contra o sol forte e as chuvas tropicais - não foi nenhuma reprodução das casas portuguesas, mas expressão nova do imperialismo português. A casa-grande é brasileirinha da silva." Trecho de Casa-Grande & Senzala. Num processo de equilíbrio de antagonismos, o branco e o negro se misturavam no interior da casa-grande e alteravam as relações sociais e culturais, criando um novo modo de vida no século XVI. As relações de poder, a vida doméstica e sexual, os negócios e a religiosidade forjavam, no dia-a-dia, a base da sociedade brasileira. A casa-grande abrigava uma rotina comandada pelo senhor de engenho, cuja estabilidade patriarcal estava apoiada no açúcar e no escravo. O suor do negro ajudava a dar aos alicerces da casa-grande sua consistência quase de fortaleza. Ela servia de cofre e de cemitério. Sob seu teto viviam os filhos, o capelão e as mulheres, que fundamentariam a colonização portuguesa no Brasil. Embora diretamente associada ao engenho de cana e ao patriarcalismo nortista, a casa-grande não era exclusiva dos senhores de engenho. Podia ser encontrada na paisagem do sul do país, nas plantações de café, como uma característica da cultura escravocrata e latifundiária do Brasil. O clima tropical e as formas agressivas de vida vegetal e animal impossibilitavam a implantação de uma cultura agrícola, nos moldes do costume europeu. O português teve então de mudar seus hábitos alimentares. A mandioca substituía o trigo; no lugar das verduras, o milho; e as frutas davam um colorido novo à mesa do colonizador. Mas sua dieta ficava empobrecida, devido à ausência de leite, ovos e carne, que só apareciam em datas especiais, festas e comemorações. A terra foi usada para o cultivo da cana em detrimento da pecuária e da cultura de alimentos, o que provocou a apatia, a falta de robustez e a incapacidade para o trabalho. Males geralmente atribuídos à mestiçagem. Os portugueses não traziam para o Brasil nem separatismos político, nem divergências religiosas, e não se preocupavam com a pureza da raça. Assim o país se formava. E a unidade dessa grande extensão territorial com profundas diferenças regionais, garantida muitas vezes com o uso da força, aconteceu devido à uniformidade da língua e da religião. A Igreja desenvolvia planos ambiciosos de evangelização da América Latina, toda ocupada por países de tradição católica. Nessa quase cruzada no Novo Mundo, os padres jesuítas desempenhavam um papel importante na tentativa de implantar uma sociedade estruturada com base na fé católica. Para catequizar os índios, os jesuítas decidiram vesti-los e tirá-los de seu hábitat. Já o senhor de engenho tentava escravizá-los. Nos dois casos, o resultado era o extermínio e a fuga dos primitivos habitantes da terra para o interior. "Os portugueses, além de menos ardentes na ortodoxia que os espanhóis e menos estritos que os ingleses nos preconceitos de cor e de moral cristã, vieram defrontar-se na América com uma das populações mais rasteiras do continente... Uma cultura verde e incipiente, sem o desenvolvimento nem a resistência das grandes semicivilizações americanas, como os Incas e os Astecas." Trecho de Casa-Grande & Senzala. "O ambiente em que começou a vida brasileira foi de grande intoxicação sexual. O europeu saltava em terra escorregando em índia nua. Os próprios padres da Companhia precisavam descer com cuidado, se não atolavam o pé em carne." Trecho de Casa-Grande & Senzala. A sociedade brasileira, entre todas da América, era a que se formava com maior troca de valores culturais. Havia um aproveitamento de experiências dos indígenas pelos colonizadores. Mesmo quando inimigo, o índio não provocava no branco uma reação que levasse a uma política deliberada de extermínio, como a que ocorria no México e Peru. A reação dos índios ao domínio do colonizador era quase contemplativa. O português usava o homem para o trabalho e a guerra, principalmente na conquista de novos territórios, e a mulher para a geração e formação da família. Esse contato provocava o desequilíbrio das relações do índio com o seu meio ambiente.
  • 21. "Eu sou índio da tribo pataxó. Eu aprendi com meus pais a fazer artesanato. A gente faz cocares..., a gente vive só disso, de artesanato, a não ser no inverno, quando a gente tem que pescar mucussu. Mucussu é peixe. A gente planta mandioca para fazer cuiúna, feijão e arroz. A gente fala em pataxó: jocana baixu significa mulher bonita e jocana baixa é mulher feia." Paturi, índio pataxó (Coroa Vermelha, BA) "A grande presença índia no Brasil não foi a do macho, foi a da fêmea. Esta foi uma presença decisiva, a mulher índia tomou-se de amores pelo português, talvez até por motivos fisiológicos, porque, segundo pude apurar quando escrevi Casa Grande & Senzala, as sociedades ameríndias ou índias, inclusive a brasileira, eram sociedades que precisavam de festivais como que orgiásticos para provocar nos homens, nos machos, desejos sexuais. O que há de acentuar é o grande papel da índia fêmea na formação brasileira, essa índia fêmea não só através do relacionamento mencionado sexual, mas através do papel social que ela começou a desempenhar magnificamente, tornou-se uma figura capital na formação brasileira." "Da cunhã é que nos veio o melhor da cultura indígena. O asseio pessoal. A higiene do corpo. O milho. O caju. O mingau. O brasileiro de hoje, amante do banho e sempre de pente no bolso, o cabelo brilhante de loção ou de óleo de coco, reflete a influência de tão remotas avós. Ela nos deu, ainda, a rede em que se embalaria o sono ou a volúpia do brasileiro." Trecho de Casa-Grande & Senzala. A união do português com a índia havia gerado os mamelucos que atuavam como bandeirantes e, junto com os índios, formavam a muralha movediça da fronteira colonial. O mameluco e o índio, que excediam o português em mobilidade, atrevimento e ardor guerreiro; que defendiam o patrimônio do senhor de engenho contra o ataque de piratas estrangeiros, nunca firmaram as mãos na enxada. Os pés de nômades não se fixavam na plantação da cana-de-açúcar. "Essa arte é descendência dos índios, né! Aí nós somos seguidores já dos índios. A gente ficou fazendo as panelas de barro, que eu aprendi com meu pai. Meu pai já trabalhava, aí eu fiquei trabalhando. Agora meus filhos também trabalham na mesma arte." Zé Galego, artesão (Caruaru, PE). Dos costumes dos primitivos habitantes da terra eram as relações sexuais e de família, a magia e a mítica que marcavam a vida do colonizador. A poligamia e a sexualidade da índia iam ao encontro da voracidade do português, ainda que a vida sexual dos indígenas não se processasse tão à solta quanto o relatado pelos viajantes que aqui estiveram. Para as tribos mais primitivas, a união do macho com a fêmea tinha época; o costume de oferecer mulheres aos hóspedes era prática de hospitalidade, quase um ritual. A mulher nativa resgatava o sonho da ninfa, que se banhava no rio e penteava os longos cabelos negros. Uma imagem deixada pela invasão moura na Península Ibérica e adormecida no inconsciente do português. "Figura vaga, falta-lhe o contorno ou a cor que a individualize entre os imperialistas modernos. Assemelha-se nuns à do inglês; noutros, à do espanhol. Um espanhol sem a flama guerreira nem a ortodoxia dramática do conquistador do México e do Peru; um inglês sem as duras linhas puritanas. O tipo do contemporizador. Nem idéias absolutas, nem preconceitos inflexíveis. ...Um rio que vai correndo muito calmo e de repente se precipita em quedas de água..." Trecho de Casa-Grande & Senzala.
  • 22. Os portugueses davam uma contribuição criativa ao novo mundo através da produção de açúcar. E implantavam um sistema econômico que aprenderam com os mouros durante a ocupação da Península Ibérica. Os mouros, de grande tradição agrícola, introduziram a laranjeira, o limoeiro e a tangerina e implantaram a tecnologia do fabrico do açúcar em Portugal. O engenho mouro é avô do engenho pernambucano. Essa contribuição criativa é que diferenciava o português do holandês e do francês, que para cá traziam apenas aperfeiçoamentos tecnocráticos. O choque das duas culturas, a européia e a ameríndia, no Brasil colônia, se dava mais lentamente, não por meio da guerra, mas nas relações entre homem e mulher, mestre e discípulo. A Igreja ganhava no Brasil capelas simples dentro do complexo arquitetônico da casa-grande. Lá morava o capelão, que dela tirava seu sustento. E essa mesma Igreja, através dos jesuítas, partia maciça e indiscriminadamente para a catequização dos índios. O animalismo e a magia impregnavam a vida dos índios: desde o berço, quando a mãe entoava cantigas de ninar e, já meninos, nas brincadeiras de imitar animais. Entre os jogos infantis dos curumins, o jogo de cabeçada com a bola de borracha ficava como contribuição da cultura indígena. Apesar de crescerem livres de castigos corporais e de disciplina paterna, os meninos estavam sempre em contato com rituais da vida primitiva. Na puberdade eram levados para o baíto, a casa secreta dos homens, onde passavam por provas de iniciação à fase adulta. Para os padres da Companhia de Jesus, os índios acreditavam em tudo e aprendiam e desaprendiam os ensinamentos rapidamente. Havia uma enorme quantidade de aldeias espalhadas pela floresta, que falavam diferentes línguas. Era preciso unificar as tribos para poder pregar a doutrina católica. O menino indígena servia de intérprete aos jesuítas, que aprendiam com ele as primeiras palavras em tupi. Os padres puderam então escrever uma gramática, unificando a língua dos Brasis. Estava criando o tupi-guarani. Tanto a Igreja quanto o senhor de engenho fracassavam nos esforços de enquadrar o índio no sistema de colonização que iria criar a economia brasileira. Fora de seu hábitat natural, o índio não se adaptava como escravo: morria de infecções, fome e tristeza. Para suprir a deficiência da mão-de-obra escrava, os senhores de engenho de Pernambuco e do Recôncavo baiano começavam a importar negros caçados na África. Agora, as escravas negras substituíam as cunhãs tanto na cozinha como na cama do senhor. Na agricultura, a presença do negro elevava a produção de açúcar e o preço do produto no mercado internacional. O Brasil, esquecido por quase duzentos anos, despertava finalmente o interesse do Reino de Portugal. Entre os africanos que vinham para o Brasil, eram os negros muçulmanos, de cultura superior não só à dos índios como também à da maioria de colonos brancos, que aqui chegavam e viviam quase sem nenhuma instrução, que para escrever uma carta necessitava da ajuda do padre-mestre. O movimento malê da Bahia, em 1835, foi considerado um desabafo da cultura adiantada, que era oprimida por outra menos nobre. Contava-se que os revoltosos sabiam ler e escrever em alfabeto desconhecido. Eram negros que liam e escreviam em árabe. "Pode-se juntar à superioridade técnica e de cultura dos negros sua predisposição como que biológica e psíquica para a vida nos trópicos. Sua maior fertilidade nas regiões quentes. Seu gosto pelo sol. Sua energia sempre fresca e nova quando em contato com a floresta tropical." Trecho de Casa-Grande & Senzala. O Brasil importava da África não somente o animal de tração que fecundou os canaviais, mas também técnicos para as minas, donas de casa para os colonos, criadores de gado e comerciantes de panos e sabão.Os negros vindos das áreas de cultura africana mais adiantada eram um elemento ativo, criador e pode-se dizer nobre na colonização do Brasil, degradados apenas pela condição de escravos. O negro escravo e a cana-de-açúcar fundamentavam a colonização aristocrática e a estrutura básica do mundo dos coronéis se repetiria nos ciclos do ouro e do café, em Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, com o mesmo fundamento: a ocupação da terra. Na sociedade escravocrata e latifundiária que se formava, os valores culturais e sociais se misturavam à revelia de brancos e negros. Sua convivência diária favorecia o intercâmbio de culturas e gerava sadismos e vícios, que influenciavam a formação do caráter do brasileiro. A escravatura degradava senhores e escravos. "Na verdade, senhores, se a moralidade e a justiça de qualquer povo se fundam, parte nas sua instituições religiosas e políticas, e parte na filosofia, por assim dizer doméstica de cada família, que quadro pode apresentar o
  • 23. Brasil quando o consideramos debaixo desses dois pontos de vista?" Trecho de Casa-Grande & Senzala. O senhor de engenho, um homem extremamente rico e poderoso, passava a maior parte do tempo deitado na rede, cochilando e copulando. Quando saía, a passeio ou em viagem, o negro era seus pés e mãos. O sinhô não precisava levantar-se da rede para dar ordens aos negros, bastava gritar. Os negros veteranos, os ladinos, iniciavam os recém-chegados na moral e nos costumes dos brancos. Ensinavam a língua e orientavam nos cultos religiosos sincretizados. Eram ainda os ladinos que ensinavam aos boçais a técnica e a rotina na plantação da cana e no fabrico do açúcar. A escravidão desenraizava o negro de seu meio social e desfazia seus laços familiares. Além dos trabalhos forçados, ele era usado como reprodutor de escravos: era preciso aumentar o rebanho humano do senhor de engenho. As crias nascidas eram logo batizadas e ainda assim consideradas gente sem alma. A Igreja, esteio dos poderosos, agia da mesma forma no tratamento dado ao negro. A mulher escrava fazia a ponte entre a senzala e o interior da casa-grande e representava o ventre gerador. As negras mais bonitas eram escolhidas pelo sinhô para serem concubinas e domésticas. Objeto dos desejos sádicos dos homens, do senhor de engenho ao menino adolescente, a negra sofria por parte da mulher branca os castigos mais variados. Se a beleza dos seus dentes incomodava a desdentada sinhá, esta mandava arrancá-los. A escrava adoçava a boca do senhor e recebia chicotadas à mando da senhora, mas cumpria as tarefas que normalmente estariam destinadas à mãe de família. As damas da sociedade se casavam entre os doze e os quinze anos com homens muito mais velhos. O conhecimento que tinham da vida de casada, os acontecimentos de fora do engenho e outras histórias - nem sempre românticas - elas ouviam da boca das mucamas. As sinhazinhas sentadas à mourisca, tecendo renda ou deitadas na rede e as escravas a lhes catar piolho ou fazendo cafuné. Cedo se casavam e cedo morriam por causa de sucessivos partos ou se tornavam matronas aos dezoito anos. O ócio e a vida reclusa faziam das sinhás mulheres amarguradas. E ignorantes: era raro encontrar uma que soubesse ler e escrever. A presença da negra na vida do menino vinha desde o berço, quando ela o amamentava e acalentava o seu sono. A ama de leite ensinava as primeiras palavras num português errado, o primeiro "pai nosso", o primeiro "oxente", e amaciava com a própria boca a comida do menino de engenho. Os sofrimentos da primeira infância - castigos por mijar na cama e purgante uma vez por mês os meninos descontariam tornando-se pequenos diabos. O moleque, o pequeno escravo, companheiro do sinhozinho em brincadeiras e aventuras, servia também de saco de pancadas. Tornava-se objeto do prazer mórbido de tratar mal os inferiores e os animais, prazer de todo menino brasileiro filho do sistema escravocrata. Criança mimada e educada para ser o herdeiro todo-poderoso, o menino desde o início da adolescência era entregue aos cuidados eróticos da fulô. "Costuma dizer-se que a civilização e a sifilização andam juntas. O Brasil, entretanto, parece ter-se sifilizado antes de se haver civilizado. A contaminação da sífilis em massa ocorreria nas senzalas, mas não que o negro já viesse contaminado. Foram os senhores das casas-grandes que contaminaram as negras das senzalas. Por muito tempo dominou no Brasil a crença de que para um sifilítico não há melhor depurativo que uma negrinha virgem." Trecho de Casa-Grande & Senzala. Os senhores de engenho casavam-se sucessivas vezes, sempre preferindo as jovens sobrinhas; exagerava-se, então, o sentimento da propriedade privada. As heranças eram disputadas por filhos legítimos e parentes próximos. Aos filhos bastardos, gerados nas casa-grande e paridos na senzala, restava a tolerância do senhor, que ao morrer os libertava. Nomes e sobrenomes se confundiam: os escravos mais próximos, que ganhavam a simpatia do senhor, conseguiam adotar o sobrenome dos brancos. Na tentativa de ascensão social, os negros imitavam dos senhores as formas exteriores de superioridade. Mas muitos nomes ilustres de senhores brancos vinham dos apelidos indígenas e africanos das propriedades rurais - a terra recriava os nomes dos proprietários à sua imagem e semelhança. A música, o canto e a dança dos escravos tornavam a casa-grande mais alegre. A risada do negro quebrava a melancolia e o silêncio infinito do senhor de engenho. As mães negras e as mucamas, aliadas aos meninos, às moças das casas-grandes e aos moleques, corrompiam o português arcaico ensinado pelos jesuítas aos filhos do senhor. A nova fala brasileira não se conservava fechada nas salas de aula das casas-grandes, nem se entregava de todo à maior espontaneidade de expressão da senzala. Mas o modo carinhoso do brasileiro colocar os pronomes: me diga, me espere... vem do africano. Também do seu modo de falar ficaram as formas diminutivas: benzinho, nézinho, inhozinho. Era um novo jeito de falar, um novo jeito de andar, um novo jeito de comer... A culinária da senzala aproveitava as sobras de carnes da casa-grande, usava o aipim indígena e as verduras, misturava aos temperos africanos, principalmente o dendê e a pimenta malagueta. Surgiam a feijoada, a farofa, o quibebe, o vatapá. Alimentos que combinavam com a dureza do trabalho no cativeiro. As crenças e magias trazidas pelos portugueses eram transformadas em feitiçaria nas mãos dos africanos. Aos
  • 24. negros feiticeiros recorriam os senhores brancos idosos a procura de afrodisíacos; as jovens sinhás, que não conseguiam engravidar; e as belas mucamas, que aprendiam a receita do café mandingueiro, um filtro amoroso feito com café bem forte, muito açúcar e sangue de mulata. Na religião conviviam a cultura do senhor e a do negro. O catolicismo praticado aqui era uma religião doce, doméstica, de intimidade com os santos. Os padres se vangloriavam de conceder aos negros certas vantagens, como o direito de manifestar suas tradições nas festas do terreiro. Nasciam então as religiões afro-brasileiras: São Jorge é o orixá Ogum e Nossa Senhora é Iemanjá. "Esse terreiro tem 110 anos. A minha avó era descendente de escravos. Tinha uma aldeia que se chamava Catongo. Nessa aldeia ela também cultivava os orixás, quando chegavam assim os escravos chicoteados de outros lugares, fazendas, engenhos, essas coisas. Aí ela curava com aquelas difusões de ervas, né, aqueles remédios das folhas, e curava esses escravos, que ficavam gratos e acabavam ficando com ela. Quer dizer, ela era assim uma espécie de protetora desses escravos. E a minha mãe falava que era uma senzala, onde ela abrigava esses escravos." Ilza R.P. Santos, mãe-de-santo (Ilhéus, BA) (??) "Não foi só de alegria a vida dos negros escravos dos ioiôs e das iaiás brancas. Houve os que se suicidaram comendo terra, enforcando-se, envenenando-se com ervas e potagens dos mandingueiros. O banzo deu cabo de muitos. O banzo - a saudade da África. Houve os que de tão banzeiros ficaram lesos, idiotas. Não morreram, mas ficaram penando." Trecho de Casa-Grande & Senzala. Os negros, muitos agora, libertos pela alforria, pela revolta ou pelas fugas, unidos nos quilombos, lutavam pelo fim da escravidão. Aliavam-se aos ideais libertários os filhos de poderosos senhores de engenho que se tornavam abolicionistas por motivos econômicos, humanitários ou, simplesmente, pelo apego que tinham às suas mães de leite. " Os brancos diziam que em nenhum país do mundo essa nefanda instituição foi tão doce como no Brasil. Agora não me passa pela cabeça - não deve passar pela cabeça de ninguém - que essa nefanda instituição, como os próprios brancos chamavam a escravidão, que ela pudesse ser doce em algum lugar. Ela só pode ser doce da perspectiva de quem estivesse na casa-grande e não na perspectiva de quem estivesse na senzala." Florestan Fernandes, cientista social. Em 1984, numa de suas últimas entrevistas, o escritor Gilberto Freyre resumia o seu pensamento sobre a situação presente do negro, lembrando o abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco: "O problema é que a abolição da escravatura, embora tenha sido fato notável na história da formação brasileira, foi muito incompleta." Com a abolição, os problemas do negro estariam apenas começando. Mas quem se interessou por isso? Ninguém se interessou. O negro livre deixou as fazendas e os engenhos e foi inchar as periferias das cidades. Abandonado, constituiu-se num sub-brasileiro. "Todo mundo... não quer se encontrar com os pretos, não quer, só quer se ligar aos brancos. Mas isso naquela época a Princesa Isabel libertou! Cabou-se, né! esse negócio de não querer se encontrar com o negro. Porque tristes dos brancos se não fosse o sangue do negro." Maria Madalena Correia, cantora (Ilha de Itamaracá, PE). Ficha T�cnica: Casa Grande & Senzala, baseado na obra de Gilberto Freyre Realiza��o: TV Cultura - 1995
  • 25. Dire��o e Roteiro: Marya In�s Landgraf Produ��o: Tha�s Carrapatoso Pesquisa Iconogr�fica: Nerci Ferrari Imagens: Elizeu Ferreira �udio: Alcides Almeida Auxiliar de C�mera: Sidney Andrade Edi��o: Manoel Vi�des P�s-Produ��o: Dario de Oliveira Arte: Aida Cassiano, Paulo C�sar Dias, Aimber� Santos e Wesllen da Silva Silv�rio Cenografia: Luciene Grecco Trilha Sonora: David Tygel Narra��o: Irineu Toledo Dire��o de Fotografia/Est�dio: Maur�cio Valim Participa��o Especial: Ant�nio N�brega Departamento de Document�rios: Teresa Otondo Ensinar e Aprender 1. Com base no desenho da capa do livro "Casa Grande & Senzala", de Gilberto Freyre, fazer uma maquete da casa grande e da senzala. Discutir suas características (cômodos, hierarquia etc.). 2. Pesquisar doenças trazidas pelos portugueses (sífilis, por exemplo) durante a colonização brasileira. Discutir e redigir uma conclusão em grupo. 3. Propor uma pesquisa sobre o vestuário, religião, culinária etc. dos povos que participaram no processo de formação cultural brasileira (portugueses, africanos e indígenas). 4. Após o estudo do livro "Casa Grande & Senzala", de Gilberto Freyre, ouvir a música instrumental "Suíte Nordestina", que Lourenço Barbosa (Capiba) compôs tendo como tema esse livro. Fazer um desenho e expô-lo em classe. 5. Elaborar um painel (com recortes de jornais, revistas) que ilustrem a forma de vida das pessoas no Brasil, na época da colônia. 6. Analisar o texto relativo aos escravos negros: "As crias nascidas eram logo batizadas e ainda assim consideradas gente sem alma. A igreja, esteio dos poderosos, agia da mesma forma no tratamento dado ao negro". Em grupos discutir o texto e expor as conclusões para os colegas. 7. Propor um estudo sobre a educação jesuítica no Brasil, no período colonial. Discutir suas características e suas influências na educação brasileira. Visitas para complementar estudos: Museu de Arte Sacra Av. Tiradentes, 676 - Luz São Paulo - SP - Brasil Agendar visitas: 3ª/dom., das 13h às 18h. (visitas monitoradas) Museu Paulista Av. Nazaré s/n - Prq. da Independência - Ipiranga São Paulo - SP - Brasil Agendar visitas: 3ª/dom., das 9h às 16h45min. Museu do Folclore Prq. Ibirapuera - Pavilhão Lucas Nogueira Garcez São Paulo - SP - Brasil Agendar visitas: 3ª/6ª, das 14h às 17h dom/feriado, das 10h às17h. Museu do Sertanista (INDÍGENA) Pça. Dr. Enio Barbato - Caxingui São Paulo - SP - Brasil Agendar visitas: 3ª/dom., das 10h30min às 17h. Museu do Folclore Edison Carneiro
  • 26. R. do Catete,181 - Catete Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP 22220-000 Agendar visitas: 3ª/6ª, das 11h às 18h sáb/dom e feriado, das 15h às 18h. Casa do Pontal Estrada do Pontal, 3295 - Recreio dos Bandeirantes Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP 22785-560 Agendar visitas: sáb/dom., das 14h às 18h. Museu do Índio R. das Palmeiras, 55 - Botafogo Rio de Janeiro - RJ - Brasil CEP 22270-070 Agendar visitas: 2ª/6ª, das 10h às 17h. Museu do Índio Av. Dq. de Caxias Av. Sete de Setembro - Patronato Sta. Terezinha Manaus- AM - Brasil Agendar visitas: 2ª/6ª, das 8h às 11h e das 14h às 16h30min. Mina de Ouro do Chico-Rei R. D.Silvério, 108 - Antônio Dias Ouro Preto - MG - Brasil Agendar visitas: 2ª/dom., das 8h às 17h. Museu Dom Bosco R. Mário Pinto Peixoto, 52 Campo Grande - MS - Brasil CEP 79000-217 Agendar visitas: 2ª/dom., das 7h às 11h e das 13h às 17h. Museu de Arte e Cultura Populares Av. Sen. Pompeu, 350 - Centro Fortaleza - CE - Brasil Agendar visitas: 2ª/6ª, das 8h às 18h sáb., das 8h às 14h. Museu do Homem do Nordeste Av. 17 de Agosto, 2187 - Casa Forte Recife - PE - Brasil Agendar visitas: 3ª/4ª e 6ª, das 11h às 17h 5ª, das 8h às 17h sáb/dom.e feriados, das 13h às 17h. Engenho São João Estrada do Igarassu 7km - Várzea Itamaracá - PE - Brasil Agendar visitas: 2ª/5ª, das 8h às 17h 6ª, das 8h às 16h. Fundação Gilberto Freyre R. Dois Irmãos, 320 - Apipucos - Solar de Sto. Antônio Recife - PE - Brasil CEP 52071-440 Museu do Estado de Pernanbuco Av. Rui Barbosa, 960 - Graças Recife - PE - Brasil Agendar visitas: 3ª/6ª, das 9h às 17h sáb/dom e feriados, das 14h às 17h. Bibliografia ARINOS, Afonso. Lendas e tradições brasileiras. São Paulo: ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Europa Americana, 1988. BELO, Júlio.Memórias de um senhor de engenho. Rio de Janeiro: COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à colônia. São Paulo: Difel, 1980. CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Cultrix, 1985. DAVIDOFF, Carlos Henrique. Bandeirantismo: verso e reverso. São Paulo: Brasiliense, 1984. (Tudo É História) FREYRE, Gilberto. Org. Livro do nordeste. Pernambuco: s.e, s.d .(LIVRO do Nordeste, comemorativo do centenário do Diário de Pernambuco: 1825-1925. Recife: Off. do diário de Pernambuco, 1925.) HOLANDA, Sérgio Buarque de & SOUZA, Octávio Tarquínio de. História do Brasil. Rio de Janeiro: IONE, Maria Artigas de Sierra. coord. Contos, mitos e lendas para crianças na América Latina. São Paulo: Ática, 1997. MACEDO, Gilberto de. Casa-Grande & Senzala, obra didática? Rio de Janeiro: Cátedra/INL-MEC, 1979.
  • 27. PEREIRA, Arthur Ramos de Araujo. O Folclore negro no Brasil. Rio de Janeiro: Global, 1985. PINSKY, Jaime. A Escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 1988 (Repensando A História). REGO, José Lins. O Menino de engenho. Rio de Janeiro: José Olympio, 1978 RIBEIRO, Darcy. O Povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia Das Letras, 1996. SKIDMORE, Thomas E. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz E Terra, 1989. Filmografia Casa-Grande & Senzala. (doc., Brasil, ) Direção: Geraldo Sarno. O Povo Brasileiro. (60', doc., Brasil, ) TV Cultura O Sociólogo de Apipucos. (doc., Brasil,) Direção: Joaquim Pedro de Andrade. Quilombo (119', doc., Brasil, 1984) Direção: Carlos Diegues. Elenco: Antônio Pompeu, Zezé Motta, Toni Tornado. FDE nº 90 Região, Tradição e Modernidade. (doc., BRA) Direção: Luís Miranda Correa. Xica da Silva. (117', Brasil, 1976) Direção: Carlos Diegues. Elenco: ZeZé Motta, Walmor Chagas, José Wilker. Discografia SUÍTE NORDESTINA 4º MOVIMENTO CASA-GRANDE & SENZALA Compositor: Lourenço Barbosa. (Capiba)
  • 28. Em uma passagem de seu texto, Marina de Mello e Souza afirma: "Elementos africanos estão na base da maioria das nossas manifestações culturais populares. Assim, quando falamos em mestiçagem do povo brasileiro, estamos nos referindo basicamente às misturas entre os africanos e os povos que eles encontraram aqui, principalmente portugueses e indígenas. Foi essa a mestiçagem que, apesar de atormentar as elites brasileiras que tentaram diluí-la com outras misturas, se impôs como consequência da importação de cerca de 5 milhões de africanos ao longo de mais de trezentos anos." Em que sentido a mestiçagem tornou-se uma tormenta para as elites brasileiras? Imigração japonesa no Brasil Outro componente da formação nacional é a cultura dos diferentes povos que chegaram ao Brasil a partir de meados do século XIX. As culturas imigrantes são aspectos relevantes para entendermos a formação da cultura brasileira e daquilo que se convencionou chamar de “povo brasileiro”. Nas escolas, a temática da imigração oferece muitas possibilidades de abordagem nas aulas de História. Veja-se, por exemplo, a abordagem desenvolvida no Caderno do Professor da Secretaria Estadual de Educação para o Ensino Fundamental (7ª série – 8º ano, vol. 4, 2009 p. 9-14). A abordagem relaciona a imigração, a cafeicultura e a lei de terras, de 1850. Ao final do capítulo, o Caderno do Professor indica diferentes recursos dos quais o professor pode fazer uso e ampliar as perspectivas que a temática oferece. Entre esses recursos é citado o filme Gaijin, os caminhos da liberdade de Tizuka Yamasaki. Que tal aproveitar essa indicação para pensar uma atividade didática? Caderno do Professor, 7ª série (8º ano), vol. 4, 2009
  • 29. Filme: Gaijin Vejamos a ficha técnica do filme: Brasil, 1980; duração: 112 min. Direção: Tizuka Yamasaki Roteiro: Tizuka Yamasaki e Jorge Duran Produção: Carlos Alberto Diniz Música: John Neschling Fotografia: Edgar Moura Direção de Arte: Yurika Yamasaki Edição: Lael Rodrigues e Vera Freire Sinopse: Conta a história dos imigrantes japoneses que vieram para o Brasil no início do século XX, em busca de uma vida melhor e uma nova realidade. Procure ver o filme e pense em um roteiro didático a partir dele, em que a discussão sobre identidade, presente neste módulo, esteja contemplada. Depois disso clique no botão a seguir para acessar uma proposta para uso do filme. Retomando essa história: Entre dois mundos e duas culturas: Gaijin — sugestão de roteiro Gaijin: somos todos estrangeiros? I. Roteiro para compreensão e análise Tema central do filme:_____________________________________________ A. principal atividade econômica para a qual vieram trabalhar os imigrantes: Atividade açucareira ( ) Extrativismo de metais preciosos ( ) Cultura de algodão ( ) Criação de gado ( ) Economia cafeeira ( ) Cultura da uva ( ) B. Características dessa atividade no Brasil: C. Nome da fazenda na qual se passam os principais acontecimentos: _______________________________________________________________ D. Mencione duas formas de exploração da mão de obra japonesa na fazenda retratada no filme: 1ª. _____________________________________________________________ 2ª. _____________________________________________________________ E. Relação dos imigrantes japoneses com o dono da fazenda: F. Relação dos imigrantes japoneses com o capataz da fazenda: G. Relação dos imigrantes japoneses com o contador da fazenda: H. Com que outro grupo de imigrantes convivem os japoneses: _______________________________________________________________ I. Posição política desse outro grupo de imigrantes diante das condições de trabalho:________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________
  • 30. _______________________________________________________________________________________ ______________________________________________________ J. Contexto histórico: Final do século XVI ( ) Período colonial ( ) Início do século XX ( ) K. Justifique sua resposta indicando elementos presentes no filme: _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________________ ______________________________ L. Segundo o apresentado no filme, o grupo de imigrantes retratado tinha a intenção: ( ) De voltar para a terra natal ( ) De permanecer no Brasil em definitivo II. Problematização 2.1. Situação interna do Japão que motivou a vinda de imigrantes para o Brasil. 2.2. Situação do Brasil que motivou a atração de imigrantes japoneses. 2.3. Interesse do governo brasileiro e fazendeiros pela mão de obra japonesa. 2.4. Condições de trabalho encontradas pelos imigrantes no Brasil. 2.5. Hoje o Brasil continua sendo polo de atração de imigrantes? Justifique a resposta. Imigrações Para obter mais informações sobre os diferentes povos que chegaram ao Brasil em meados do século XIX e início do século XX, acesse o site da TV Cultura: http://www.tvcultura.com.br/aloescola/estudosbrasileiros/ entredoismundos/ Nesse site, você poderá ver o depoimento da Sra. Mitsuko Kawai sobre as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes japoneses para chegar ao Brasil e se adaptar à nova realidade. Procure fazer uso desse depoimento para compor o seu roteiro. No item Ensinar e aprender, você encontrará diferentes propostas para trabalhar a cultura imigrante com os alunos e uma extensa indicação de roteiros e leituras para auxiliar no trabalho. Movimentos migratórios são uma constante na história da humanidade. No século XIX, a partir da Revolução Industrial, e no século XX, com as guerras e as grandes modificações econômicas no mundo, Europa e Ásia passaram por uma fase de intensa emigração; milhares de homens e mulheres abandonaram casas, bens e até famílias em busca de melhores condições de vida. O Brasil, junto com Argentina e Estados Unidos, tornou-se ponto de chegada dos migrantes da era moderna, trabalhadores livres que vieram substituir o trabalho escravo na lavoura de café.
  • 31. Esses pioneiros, como aqueles que os seguiram, enfrentaram preconceitos e dificuldades materiais na nova terra; mas com a esperança, a vontade de vencer e a bagagem cultural que traziam, aos poucos tornaram-se parte da paisagem brasileira. Já integrados, sua presença se fez sentir nas artes, na arquitetura, na culinária e no modo de vida. Concretizaram seus sonhos e mudaram a cara do Brasil. Na terra acostumada ao colonizador português, a chegada de novas etnias, com seus diferentes hábitos e costumes, provocou profundas alterações na sociedade brasileira. "Nasci em Duisburg, na Alemanha. Eu tinha doze anos, cinco meses e três dias quando vim para o Brasil. Meu pai trabalhava demais, ele era diretor de banco e... tinha um sonho em mente. Largar a civilização e entrar, depois de uma longa viagem de navio, num país totalmente diferente, estranho, mas muito promissor". Depoimento de Mathilde Hoster, a Nanuk. O "Galera Maria", que aportava em Santos, trouxe os primeiros imigrantes para São Paulo. Eram alemães, na maioria camponeses. Num primeiro momento, alguns encontraram ocupação nos trapiches, onde foram conhecendo as particularidades da exportação de café. Depois de subir a Serra do Mar a pé, seguiram para a vila de Santo Amaro e foram distribuídos em sítios doados pelo governo imperial brasileiro. Na bagagem traziam sementes, ferramentas e técnicas agrícolas que pouco ajudavam no desconhecido solo tropical. "Os alemães vieram muito cedo para o Brasil, vieram muito antes da grande imigração em massa. Depois eles se incorporaram à imigração em massa. Um pouco antes da independência, os alemães começaram a vir... fazendo algumas experiências de cultivo, vivendo uma vida comunitária, seguindo em alguns casos uma tradição religiosa própria". Depoimento de Bóris Fausto. Permanecer significava criar condições de sobrevivência e adaptação, através da construção de casas, escolas, templos e cemitérios. Os alemães protestantes, que não podiam enterrar seus mortos junto aos católicos brasileiros, fundaram a Sociedade de Cemitérios, num local conservado e conhecido como Colônia Velha, até hoje um marco da imigração alemã em São Paulo. Os alemães de Santo Amaro são lembrados como os "caboclos loiros". "A mulher teve um papel fundamental na manutenção de um quadro doméstico, de uma vida familiar, não só fornecendo alimento, mas inaugurando uma certa ordem doméstica, uma certa idéia, a realização de um lar imigrante que era muito importante para as pessoas que tinham de se inserir numa sociedade desconhecida". Depoimento de Bóris Fausto O estado de São Paulo contava 840 mil habitantes. As cidades apareciam ao longo das ferrovias, impulsionadas pela
  • 32. realidade do café. Bancos estrangeiros surgiam. O comércio se intensificava. E a cidade de São Paulo entrava no roteiro das companhias teatrais estrangeiras. Despertava de um sono colonial e acolhia novos imigrantes. Agora, italianos.Um acordo entre os governos do Brasil e da Itália trouxe milhares de italianos para a lavoura de café. Eles desembarcavam em Santos com suas arcas e baús, subiam a serra na Maria Fumaça e ficavam alojados por alguns dias na Hospedaria dos Imigrantes. E então partiam para as fazendas. "Eu deixei na Itália toda a amizade da escola primária, as amigas a quem fazia confidências, os primeiros amores, tudo. Deixei na Itália parentes, deixei o sonho de poder continuar o estudo artístico. Quando você chega num país novo, num mundo novo, porque o Brasil fazia parte do mundo novo, é tudo muito diferente". Depoimento de Vittorina Salvi Szili, a Victoria. Logo na chegada, o ambiente era estranho: as plantas eram exuberantes e exóticas; as espécies animais, diferentes; no céu, constelações desconhecidas; ninguém a quem fazer confidências, lugar algum que os fizesse recordar o passado. Um permanente tatear, procurar. Começar do zero. Alguns fazendeiros sentiam a necessidade de um local para abrigar e organizar a distribuição da mão-de-obra imigrante pelas fazendas. Em 1886, Antonio de Queiroz Telles, o Visconde de Parnaíba, fundou no bairro do Brás, em São Paulo, a Hospedaria dos Imigrantes. Os imigrantes podiam permanecer ali, sem despesas, até oito dias à espera de um contrato de trabalho. Ao longo de várias décadas, homens, mulheres e crianças de mundos estranhos passaram por ela. Rapidamente os produtores rurais perceberam o valor da mão-de-obra imigrante. Ela era mais produtiva, gerava bons lucros e os produtores não precisavam gastar mais com a compra de escravos. A São Paulo do começo do século XX recebia boa parte desses lucros. Muitos fazendeiros faziam da cidade sua principal morada. Construíam belos palacetes que até hoje enfeitam a metrópole, enquanto investiam no comércio e na indústria. Os italianos formavam São Paulo. A presença deles tocava fundo na maneira paulista de falar, na culinária, arquitetura e música. Revolucionaram hábitos e costumes. "Começamos a olhar em volta para ver o que podia fazer e começávamos a trabalhar. A gente tinha de trabalhar, porque não se vive de ar, e como sempre com este grande nó na garganta da saudade. A saudade é uma coisa enorme". Depoimento de Victoria.
  • 33. O trabalho nas fazendas não era fácil. A família imigrante era responsável por uma gleba do cafezal, que exigia, além da colheita, cinco ou seis limpezas anuais. Eles recebiam salários e faziam suas compras na venda do patrão, o que quase sempre gerava uma relação de dependência. Muitos, desencantados, retornavam para a Itália. Outros seguiam de fazenda em fazenda na esperança de melhor sorte, que alguns alcançavam comprando pequenas propriedades. Outros ainda, ex-operários e artesãos na Itália, se estabeleciam na cidade. Porém, perpetuando a mentalidade de donos de escravos, alguns patrões chamavam seus colonos de "escravos brancos". "O mau tratamento que os italianos recebiam nas fazendas em São Paulo levou a uma crise entre o governo do estado de São Paulo e o governo da Itália. A imigração japonesa nasceu da crise havida com a imigração italiana". Depoimento de Bóris Fausto. E mais uma vez Santos recebeu imigrantes, agora vindos da longínqua Ásia. Eram os japoneses, que desembarcavam do navio "Kasato Maru" já contratados para a lavoura de café. Famílias sem crianças pequenas eram as mais procuradas, pois o interesse maior era no trabalho de um braço adulto. "A primeira viagem longa de navio do Japão para o Brasil levou 62 dias no mar, sem ver a terra... Para vir trabalhar na roça era preciso formar uma família, e para isso muitas pessoas arranjavam casamentos sem considerar o gosto da moça. Tinha uma moça que não conseguiu gostar do seu noivo, acabou se suicidando. Isso foi uma grande tragédia na viagem. A outra foi o sarampo que assolou os passageiros. Mil e duzentas pessoas num navio ... Quando dá sarampo não há criança que escape". Depoimento de Mitsuko Kawai. Desde o início, fazendeiros e capatazes duvidavam da capacidade de adaptação dos japoneses a terra tão estranha. No entanto, eles se adaptaram rapidamente à vida nos cafezais e permaneceram por mais tempo no campo. Os japoneses, atualmente, são responsáveis pela maior parte da produção de legumes e verduras do estado de São Paulo. "A vida no casamento começou com enxada e a lata d'água que a gente tirava do poço. A gente partia lenha... e aconteciam muitos acidentes, até machucando crianças. Eu tinha de puxar enxada junto com o marido o dia inteiro, e à tarde voltava para a casa um pouquinho mais cedo para fazer comida, dar banho nas crianças. Uma dureza que só imigrante sabe". Depoimento de Mitsuko.
  • 34. Derrotados, marcados pelo desencanto, 40% dos imigrantes italianos retornaram à Europa. Os que ficaram criaram raízes. Na cidade, alguns se tornaram grandes comerciantes e industriais, e outros foram ser operários da nascente indústria paulista. O Brasil de 1910 contava 24 milhões de habitantes, dos quais dez por cento eram imigrantes. A indústria paulista contava com o empenho de produtores rurais e imigrantes italianos. Famílias como os Prado e Penteado nela investiram os lucros do café. Italianos, como os Crepi e Matarazzo, chegaram com algum dinheiro e corajosamente instalaram suas fábricas. O Brasil de 1910 contava 24 milhões de habitantes, dos quais dez por cento eram imigrantes. A indústria paulista contava com o empenho de produtores rurais e imigrantes italianos. Famílias como os Prado e Penteado nela investiram os lucros do café. Italianos, como os Crepi e Matarazzo, chegaram com algum dinheiro e corajosamente instalaram suas fábricas. A relação do imigrante com a cidade se intensificava. Não tinha mais jeito, eles precisavam se integrar ao novo mundo. Tornaram-se os artistas, sapateiros, jornaleiros, tintureiros, alfaiates... Agruparam-se em bairros e vilas operárias e reproduziam manifestações culturais de seu povo para matar a saudade e preservar as tradições. "Eu, sabendo que vinha de um país estrangeiro, tinha de saber esta língua. Então antes de sair, parece incrível, eu comecei a estudar o português. Mesmo assim, como dizem meus filhos, eu falo um português macarrônico". Depoimento de Victoria. Nos bondes, ruas, comércio e indústrias, dialetos italianos eram tão ouvidos quanto o próprio português. São Paulo era Zan Paolo. Queijo tornou-se formaggio. E trabalho era lavoro. "Houve um jornalista brasileiro, Alexandre Marcondes Machado, com nome tradicional, que criou um personagem, Juó Bananere. Ele era um ítalo-brasileiro que escrevia nos jornais uma fala ítalo-brasileira. Alguns romancistas, o mais conhecido Alcântara Machado, introduziram nos bairros do Brás, Bexiga e Barra Funda a figura do italianinho, o imigrante falando o que se considerava o português macarrônico". Depoimento de Bóris Fausto. Mas não bastava apenas ficar e sobreviver, era necessário conviver e se relacionar. Era preciso aprender o português. Se para os italianos a conversa era mais fácil, alemães e japoneses tinham dificuldades por causa da própria origem da língua. As crianças, que aprendiam com facilidade, tornavam-se intérpretes dos adultos. "Quando a minha filha cresceu, eu não podia ajudá-la a fazer a lição. Foi aí que eu senti necessidade de aprender português. Naquela época, a cartilha trazia "pato pá", "macaco má", e foi desse jeito que eu fazia: colocava meus cinco filhos na cama e estudava com a cartilha de minha filha". Depoimento de Mitsuko