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ASSIM CAMINHA A INSENSATEZ

 A maconha, suas marchas, contramarchas
             e marchas à ré




                                          -1
0
Denilson Cardoso de Araújo




ASSIM CAMINHA A INSENSATEZ

 A maconha, suas marchas, contramarchas
             e marchas à ré




                Brasília




                 2008


                                          1
Copyright© 2008 por Denilson Cardoso de Araújo



Título Original: Assim Caminha a Insensatez – A maconha,
Título Original: suas marchas, contramarchas e marchas à ré

Editor-chefe: Tomaz Adour
Revisão: Thereza Franco
Editoração Eletrônica: Bernardo Franco
Capa: Denilson Cardoso de Araújo




Usina de Letras
SCS Quadra 01 Bloco E – Ed. Ceará sala 809 – Brasília – DF
CEP: 70303-900
www.usinadeletras.com.br




2
Para Mariana, porque amanhecerá.




                              3
4
Agradeço a Deus, que me concedeu sábios pais.
 A meus pais que, nas pedras, mostraram caminhos.
      Aos caminhos, cujas pedras acharam Chardeli.
Agradeço à minha amada, que me empresta sua luz.
A essa luz, meu obrigado, porque me retorna a Deus.




                                                 5
6
Há caminho que parece direito ao homem,
     mas o seu fim são os caminhos da morte.

                                  Provérbios de Salomão, 16:25.




     Hoje tô cheirando pra roubá
     e roubando pra cheirá.
     Quero ser internado, senão vô morrê.

    Menino de 15 anos, apreendido várias vezes por roubo.
           Internado para tratamento, fugiu no dia seguinte,
em crise de abstinência. Começou nas drogas pela maconha.




     Possivelmente será criticado como exemplo notável de vaidade ou
     insolência de minha parte pretender instruir a nossa sábia época;
     esta crítica é, no entanto, menos significativa quando concordo
     com a publicação deste Ensaio com o fito de que seja útil a
     outrem.

                                John Locke, na abertura de seu
                              Ensaio acerca do entendimento humano




                                                                    7
8
SUMÁRIO


PREFÁCIO                                                          11
APERTANDO A POLÊMICA, MAS SEM ACENDER AGORA.
                                                                  15
Uma introdução
ENTRE O BANDIDO SÓBRIO E O MACONHEIRO
BANDIDO, O MACONHEIRO INOCENTE É MARISCO.                         21
Nova postura legal no trato com a questão do consumo de drogas
BRASIL 2008 – MARIA JOANA EM DESFILE
                                                                  37
E LIMINARES EM MARCHA
TODA MARCHA É GRITO, TODO GRITO PROPAGA,
                                                                  45
TODA PROPAGANDA INCITA
CHEGOU A HORA DA “MACONHABRÁS”?
                                                                  53
A Marcha da Maconha no contexto brasileiro
SANTA CANNABIS: MAIS FORTES SÃO
                                                                  65
OS MILAGRES DO CRISTO MACONHEIRO!
PAPO DOIDÃO: MACONHA “FREE” QUANDO SE BUSCA
                                                                  91
REDUZIR O CONSUMO DE ÁLCOOL E TABACO
O “BARATO” QUE SAI CARO
                                                                 111
Maconha liberada para uns, grana mais curta para todos
SE É BOM PARA HOLANDA É BOM PARA O BRASIL?
                                                                 117
A experiência de outros países
DO BICHO-GRILO AO BICHO GRILADO.
                                                                 139
Maconha nos anos 60 e hoje: diferenças
MACONHA LIBERADA REDUZ O TRÁFICO
DE ENTORPECENTES E A CRIMINALIDADE?                              181
É ruim, hem!
DIREITO DE EXPRESSÃO E MANIFESTAÇÃO:
                                                                 193
Tem regras nesse jogo!
BASEADO EM TUDO O QUE FOI DITO, CONCLUSÃO
                                                                 233
E APELO: NÃO AO BASEADO!
BIBLIOGRAFIA                                                     241



                                                                  9
10
PREFÁCIO

         Vivemos numa época de interpretação permissiva das
leis e de pedagogia muitas vezes inconseqüente. Há uma crise
de valores nas escolas, que enfrentam violência e indisciplina,
sendo crescente o número de infrações praticadas por adoles-
centes. Esse quadro conduz a sociedade brasileira a uma série
de equívocos, como, por exemplo, aos clamores pela redução
da idade para a maioridade penal. Nessa trepidação social,
poucos conseguem analisar a lei de causa e efeito. Muito do
que fazemos como integrantes da sociedade, do que permiti-
mos que a mídia promova, do que praticamos como família,
resulta no desnorteio em que está mergulhada grande parte da
nossa juventude.
         Forjamos, hoje, o delinqüente do futuro. Nossos des-
cuidos acabam preparando, hoje, o adulto depressivo ou desa-
justado de amanhã. Algumas de nossas posturas muito contri-
buem para isso, sendo uma delas a de se cogitar da liberalidade
maior no uso de drogas. Como se não bastassem as desgraças
decorrentes do uso de drogas lícitas e socialmente aceitas!
Muitos pretendem seja ampliado este leque, com a liberação de
outras substâncias entorpecentes, sendo a maconha a principal
delas. Inúmeras as manifestações, hoje, em prol de tal libera-
ção, ainda que sob gradações diversas. Cogita-se da descrimi-
nalização plena da droga – ainda não acatada pelos nossos Le-
gisladores – e até da aceitação total do novo produto, que seria
integrado no mercado sob controle fiscal e administrativo.
         Honrada com o convite para prefaciar este trabalho, de
leitura agradável, temos a esperança de que provocará momen-
tos analíticos em profissionais da educação, em pais de família

                                                             11
e nos que militam na esfera jurídica. Atuando como Magis-
trada na área da Infância e da Juventude há mais de trinta anos,
adotamos, necessariamente, o entendimento aqui defendido
por seu autor. Vivenciamos de perto o atoleiro emocional de
crianças e adolescentes que, para matar a dor, deixam-se sedu-
zir pelo álcool, pelo tabaco e, principalmente, pela maconha.
Em audiências, somos atingida pela visão das fisionomias de
pais, impotentes e perplexos, conseguindo enxergar suas lágri-
mas, às vezes não derramadas. A opção de liberar a venda de
drogas para minorar o seu tráfico, decididamente, não nos
convence. Embora conhecendo os perigos de os traficantes
continuarem dominando nossas comunidades carentes, não
podemos correr o risco de corrigir um erro – como diz o autor
– cometendo outro erro!
        Necessário um parêntese em nosso prefácio. Impossí-
vel apresentar um livro sem admirar seu autor. Denilson Car-
doso de Araújo é um auxiliar importante na Vara da Infância,
da Juventude e do Idoso da Comarca de Teresópolis. Nesse
mundo de poucas léguas, em que muitos se dedicam à tenta-
tiva de resgate de adolescentes infratores e em risco social, é
um Serventuário de Justiça especial. Vem realizando, nas esco-
las, um programa de palestras para estudantes, professores e
pais, semeando lucidez em seus caminhos e realizando verda-
deiras cirurgias morais em suas relações. Sem distintivo acadê-
mico e sem a proteção de qualquer título notável, passa pela
vida de seus educandos como um caminhante comum. Traba-
lhando com determinação, foge ao estereótipo de um mero
servidor da Justiça, o que reduziria sua dimensão humana. Ta-
refeiro do bem, ao invés de tornar-se simples máquina de ativi-
dades cartorárias, alcançou um nível de sensibilidade que lhe
permite perceber o vácuo espiritual que existe na história dos
jovens orientados pela Vara da Infância e da Juventude. Apren-
deu a cultivar a arte de observar o trabalho ali desenvolvido,
criticando-o construtivamente e colaborando em sua organiza-
ção. É autodidata e possui a ousadia do líder. É sensível, gene-


12
roso, altruísta, disciplinado, solidário e bom companheiro de
trabalho. Possui valores espirituais e um passado de militância
política. Sua visão de futuro não é pequena, suas metas não
são limitadas e sua auto-estima é sólida. Quando realiza pes-
quisas, busca atingir a excelência, demonstrando criatividade e
coragem na defesa de suas idéias. Nem sempre consegue sor-
ver, com naturalidade, o cálice da indignação frente aos desa-
justes dos jovens que, levados à infração, muitas vezes são víti-
mas da moldura social em que nasceram.
        Para escrever este livro, o autor informa ter sido impul-
sionado por experiência familiar, fazendo a utilização inteli-
gente de sua dor e preocupando-se com o crescente discurso
em prol da liberação de entorpecentes. Em sua ampla pes-
quisa, disserta sobre os vários aspectos que a matéria encerra.
Não se posiciona timidamente. Posiciona-se contra os que de-
fendem a liberação das drogas, trazendo ao leitor informações
enraizadas, fundamentadas nos registros de experiências em
outros países e, acima de tudo, focalizando o complexo tema à
luz do Estatuto da Criança e do Adolescente.
        Que a leitura de seu trabalho seja fonte de insônia para
os que ainda dormem o sono da inconsciência e da ingenui-
dade. O autor, sem dúvida, merecerá um sono sereno, constru-
ído com o conforto moral dos que têm interesse em contribuir
para o bem estar da sociedade.

                             Inês Joaquina Sant’Ana Santos Coutinho
         Juíza de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso
                                               Comarca de Teresópolis




                                                                   13
14
APERTANDO A POLÊMICA,
        MAS SEM ACENDER AGORA
             Uma introdução

         Maio de 2008. Enquanto noivas e mães ajeitavam os
véus no seu mês mais risonho, assistiu-se, em algumas impor-
tantes cidades do Brasil, cercadas por um véu de maresia e po-
lêmica, as escaramuças da última “Marcha da Maconha”. Limina-
res, juízes que proibiram, juízes que criticaram a interdição,
embaraços policiais, marchas com pseudônimo (“pela liberdade
de expressão”), gritos libertários (“às baganas, cidadãos!”), contra-
marchas... concederam à iniciativa a polêmica desejada. Bob
Marley espreitou a confusão. “Everything is gonna be al right”, né?
         Fomentou-se, na aba do debate sobre o que se pode ou
não dizer (e como), o debate pretendido, em torno da descri-
minalização da droga. Dos “contras”, alguém poderá dizer: – O
tiro saiu pela culatra, melhor não proibir, passava despercebido e não se
sofria a acusação de democracia arranhada. Do lado dos ca-nabiseiros
(como Içami Tiba gosta de adocicar a designação), ecoarão os
gritos de: “– Absurdo! País retrógrado! Bando de hipócritas!”... Será?
Já está no ar o sítio na internet1, preparativo da próxima Mar-
cha, prevista para ocorrer em 02 de maio de 2009. Enquanto
seu lobo não vem, pus-me a pensar sobre o assunto. Pode al-
guém ir pra rua marchar sob a bandeira “da maconha”, ou “da
cocaína”, ou “da heroína”? E concluí: não, não pode! Melhor


1.    www.marchadamaconha.org – OBS. IMPORTANTE – EXCETO NAS QUE TROUXE-
REM INDICAÇÕES DIFERENTES, TODAS AS CITAÇÕES DO PRESENTE ESTUDO,
ORIUNDAS DA INTERNET, REPRESENTAM ACESSOS EFETUADOS PELO AUTOR AOS
SÍTIOS CORRESPONDENTES, NO PERÍODO ENTRE 01/09 E 02/11/2008.


                                                                      15
proibir, sim. Aos que ficarem incomodados com tanta asserti-
vidade logo ao começo, peço caridosa paciência para os argu-
mentos que seguirão.
        Essa versão tupiniquim da canabiseira caminhada adere
a um esforço internacional articulado e significativo. A Marcha
2008 ocorreria em 265 cidades espalhadas pelo mundo. E o
pessoal, embora suas fileiras contem com tais “espécies”, não
é bobo, ou doidão varrido, não. São muitos e fortes os argu-
mentos que levam os organizadores à suposição da falência
das estratégias de repressão, proibição e “tolerância zero” no
trato com a questão do consumo de entorpecentes. Tudo in-
dica que a própria ONU, pelo seu Escritório Contra as Drogas e o
Crime (UNODC), deverá rever tópicos da diretriz, na Assem-
bléia prevista para março de 2009. Os participantes do movi-
mento, em geral, além de reforçar a necessidade do trato dife-
renciado entre o usuário e o traficante, reivindicam que a
droga pode ser usada, para fins recreativos, sem maiores da-
nos, desde que haja uma política educativa. Defendem, ainda,
o valor terapêutico, e para alguns casos até indispensável, de al-
gumas substâncias presentes na maconha. Acusam que a proi-
bição do consumo de maconha atenderia a interesses políticos
e de corporações internacionais, principalmente da indústria
de cigarros, afora, mais remotamente, das indústrias de tecela-
gem.2 Aduzem que a proibição apenas alimenta a criminali-
dade e produz corrupção, o que é parcialmente verdade. Não
deixam de tratar o tema também sob a ótica da saúde pública,
eis que a proibição e a obtenção da droga apenas junto a trafi-
cantes, levariam à queda da qualidade do produto, dadas as no-
civas misturas efetivadas para obtenção de maior rendimento.
Disso tudo resultaria a necessidade de liberar-se o uso da ma-
conha, em gradativas concessões, a começar pela descriminali-


2.      Os defensores do consumo da maconha sempre se valem do argumento de que o câ-
nhamo, de mesma origem vegetal, seria o material em que costuradas as velas das caravelas
dos descobrimentos ibéricos. Só teria sido abandonado o seu uso por conta das pressões das
indústrias têxteis inglesas.


16
zação do consumo, pela autorização para uso medicinal e plan-
tio para uso próprio.
        Neste ano, provocado pelo Ministério Público, o Poder
Judiciário pronunciou-se liminarmente pelo impedimento à re-
alização da Marcha em diversas capitais. Mesmo assim, algumas
caminhadas se realizaram, havendo casos de sua transforma-
ção em “marchas pela liberdade de expressão”. Aliás, por este viés
avançaram todas as críticas à proibição do evento. O Presi-
dente da Seccional-Rio da Ordem dos Advogados do Brasil,
Wadih Damous, capitaneou manifestação na sede da entidade.
Na ocasião, o Procurador da República e professor universitá-
rio, Daniel Sarmento, apresentou sugestão, prontamente aco-
lhida pelo Deputado Federal Chico Alencar, do PSOL, de in-
gresso de ação no Supremo Tribunal Federal, visando a
declarar a inconstitucionalidade das interpretações dos juízes
que consideraram a Marcha da Maconha apologia criminosa. Es-
tiveram presentes ao ato da OAB, a União Nacional dos Estu-
dantes, a Associação Brasileira de Imprensa e a Associação
Nacional de Jornais.3
        Nas passeatas que foram tentadas, ocorreram inciden-
tes em alguns locais, inclusive com prisões, seja pela exacerba-
ção dos ânimos de alguns manifestantes, seja pela agressivi-
dade, aqui e ali, da força policial. Pretendo apresentar, da
forma mais breve possível, várias informações e dados sobre o
tema, um pouco da conjuntura do debate e ao final, refletir so-
bre os valores constitucionais que foram reivindicados pelas
posições em conflito.
        Alguns entenderam que, no concernente à manifesta-
ção, deveria prevalecer o direito de liberdade de expressão,
conforme prevista no Artigo 5º, IV, da Constituição Federal.
Somaram a esta defesa, os direitos de reunião em locais públi-
cos (XVI) e de associação para fins lícitos (XVII do mesmo ar-
tigo). Quanto ao consumo de maconha propriamente dito, o

3.   Cfe. “OAB-RJ abre as portas pela liberdade de expressão”, em http://www.marchada-
maconha.org/blog/oab-rj-abre-as-portas-pela-liberdade-de-expressao_192.


                                                                                  17
raciocínio caminhava pelo direito da inviolabilidade da pessoa,
à sua intimidade e vida privada (inciso X). Foi freqüente o ar-
gumento do “direito ao uso do próprio corpo”, sendo, portanto, as
substâncias ingeridas pelo cidadão, assunto exclusivo da esfera
privada. Em síntese, o raciocínio todo seria assim: o corpo é
meu, faço dele o que eu quero, o cérebro é meu, penso o que
der na telha, expresso meus pensamentos a quem quiser, reu-
nindo-me com quem quiser, em qualquer lugar, pra dizer o
que quiser, e ninguém tem nada com isso.
        Do lado contrário, postaram-se aqueles que, à luz do
artigo 5º, XLIII, da Carta Magna, entendendo como crime he-
diondo o tráfico de entorpecentes e drogas afins, fazem a lei-
tura da manifestação sob a ótica do art. 33 §2º da Lei nº.
11.343/06, que prevê pena de detenção de 01 (um) a 03 (três)
anos para todo aquele que “induzir, instigar ou auxiliar alguém ao
uso indevido de droga”. Por tal razão, se curvaria o direito de livre
manifestação, frente ao valor que mais alto se ergue, o bem pú-
blico maior, de preservação da saúde pública. Ainda que se
possa fazer o que quiser com o próprio corpo e pensar sem
amarras, não se pode promover reunião em qualquer lugar,
nem dizer o que quiser a qualquer público.
        Fiquei um bom tempo dando tratos à bola. Não é as-
sunto fácil.
        Quem sou eu para pretender palavra final sobre qual-
quer coisa. Mas, mesmo que eu quisesse, descobri não haver
algo assim como a “palavra final sobre a maconha”. Aliás, me
incomodam muito os trabalhos que são publicados por aí com
suposta neutralidade científica, ou com reportagens que assu-
mem posições parciais, mas que se intitulam “a verdade” sobre a
maconha. Não há “a” verdade sobre a maconha. Existem ver-
dades. Existem mentiras. Existem dúvidas. Existem estratégias
pedagógicas, política criminal e precauções necessárias. E exis-
tem (ah, como existem!) interesses, alguns não confessados.
Existem adjetivações enganosas, como o usual tratamento de
“hipócritas” ou “estúpidos” com que os partidários da liberação


18
de drogas carimbam os que deles discordam, provocando o re-
bate de agressões verbais aos maconheiros “doidões”. Mas,
acima de tudo, existe uma circunstância histórica, geográfica e
social. Parafraseando Ortega y Gasset, “a maconha é a maconha e
sua circunstância”.
         Na medida do possível, tentando ser pouco chato, me
esforcei para oferecer a cooperação mais densa que pude ao
debate, buscando ser fiel às argumentações de ambos os lados
e produzindo algumas próprias, para melhor definir minha po-
sição. E rejeitando qualquer pecha, dispensando os xingamen-
tos, repito: embora concordando com o fim da pena prisional
para o usuário, sou contra a liberação da maconha e contra a
possibilidade de realização da Marcha. Explicarei tudo melhor.
Leia mais se tiver paciência, amigo.
         Este trabalho possivelmente desagradará tanto aos que
são contra quanto aos que são a favor, o que não deixa de ser
uma qualidade, convenhamos. Todo mundo poderá, democra-
ticamente, meter-lhe o malho, queimá-lo, ou ignorá-lo. Aos
que querem ciência, incomodará porque científico não é. Aos
que pretendem reportagem, esta trará lacunas e barrigas. Aos
que imaginam libelos, oferecerei dúvidas. Não sou um acadê-
mico, nem um jornalista e muito menos um fanático. Mas tam-
bém não sou um ingênuo. Apenas uma pessoa precariamente
formada, que passou seus sustos com a questão das drogas,
viu famílias sofrendo seus sustos, algumas se destruindo, e per-
cebeu o crescimento da nefasta ocorrência em volume e em
velocidade, nos últimos tempos. Esforço-me para compreen-
der melhor o mundo. Se você pertence a essa irmandade, seja
bem vindo ao portal das perguntas.
         Mas mesmo aos cientistas, repórteres, acadêmicos e xi-
ítas (que, de ambos os lados, os há), que derem o azar de terem
este trabalho em suas mãos, peço a tolerância de que daqui res-
gatem, ao menos, a pesquisa apresentada. Para os mais afeitos
ao tema, será primária, sem novidades. Para muitos, se despi-
rem preconceitos, proveitosa será. Afinal, é um trabalho


                                                             19
“multi-indisciplinar”, porque bebe, fragmentariamente, em várias
fontes, sem exaurir-se em nenhuma. Por isso, certa confusão
metodológica. Notei, mas deixei assim mesmo. Quem olha da
montanha só vê mesmo o panorama geral. Acho que torna a
leitura mais interessante e não linear. Mas juro que não fumo
maconha.
        Um esclarecimento. No texto que você lerá, por vezes
me refiro à descriminalização e por vezes à liberação de dro-
gas. São propostas diferentes, mas para a maioria dos que de-
fendem maior tolerância às drogas a primeira é passo tático
para a segunda. Na verdade, aqui combato as duas propostas,
por isso, as referências podem se misturar, não estranhe.
        Por fim, digo que não sei fazer textos sem preces. Afi-
nal, Deus é Logos. E esta é minha prece: Que dEle sejam as pa-
lavras que lhe sirvam, caro leitor. Que sejam úteis. E que o se-
jam a jovens, pais, educadores, quem sabe, a juízes, e a
maconheiros também.




20
ENTRE O BANDIDO SÓBRIO
        E O MACONHEIRO BANDIDO,
               O MACONHEIRO
           INOCENTE É MARISCO
        Nova postura legal no trato com
        a questão do consumo de drogas

         Rubem Alves tem um artigo em que saiu defendendo a
liberação da maconha. 4 Estranhei um pouco a posição do
grande pedagogo e teólogo, afinal, homem afeito aos ofícios
da edificação, como poderia consentir com caminhos de des-
truição? Mas lá estava o agudo argumento, que movia o ho-
mem de grande coração: a via-crúcis de pequenos maconhei-
ros presos, meninos humilhados, mulatos escorraçados e
pobres extorquidos por forças policiais corruptas. Li outros
depoimentos similares. Zuenir Ventura, por exemplo, procla-
mou suas dúvidas sobre o tema: liberar ou não? Se só um país
libera, dá certo? “Não sei o que fazer”, confessou.5 O escritor era
movido pela mesma realidade da “cidade partida”, para usar o tí-
tulo com que nomeou em livro o drama do Rio de Janeiro. A
destruição social, já presente a destruição econômica, preo-
cupa esses autores. E este é o grande drama da droga. Mas a li-
beração seria a resposta? Creio que não. A realidade social in-
justa, a opressão ao pobre, não nasceram da proibição de


4.      ALVES, Rubem. Entre o ruim e o horrendo Os males da liberalização das drogas são
menores que os da sua proibição. Jornal Folha de São Paulo. 28/11/1999. Em. http://www.ge-
ocities.com/sociedadecultura/drogasrubemalves.html
5.      VENTURA, Zuenir. O confuso planeta maconha. Jornal O Globo. 28/7/ 2001.


                                                                                      21
drogas, não será a liberação que fará mais fraterno o mundo.
Vejamos.
        A proibição internacional da maconha tem sua gênese
remota nas Conferências do Ópio. A primeira realizou-se em
Xangai, em 1909. A pauta visava inibir a indecente ação in-
glesa, remanescente das Guerras do Ópio, que seguia ven-
dendo aos chineses a droga produzida na Índia. Era uma com-
modity importante na formação da riqueza britânica. Apoiando
a China, os Estados Unidos puseram-se à frente do com-
bate. A ausência inglesa em Xangai não impediu a aprovação
de um documento de recomendação. A Inglaterra ficou ex-
posta mundialmente, pelo lucro obtido de forma considerada
desumana.
        Na Conferência seguinte (Haia, 1911), por razões polí-
ticase econômicas, e para não posar de vilã solitária na histó-
ria,a Inglaterra condicionou sua adesão. Queria aproibição
tambémda morfina e da cocaína, grandes produtos de exporta-
ção daeterna adversária, a Alemanha. Disso surgiu a Primeira
Convenção do Ópio, no ano seguinte. Em 1925, novo encon-
tro internacional, patrocinado pela Liga das Nações, provocou
a inclusão da maconha na lista de substâncias combatidas, a
pedido do Egito e com apoio decisivo do Brasil, vejam só. O
delegado brasileiro, Pernambuco Filho, é muito criticado hoje
em dia pelos defensores da liberação, por supostamente ter
agido de forma inconseqüente, desprovido de fundamentos e
contra o que teria sido seu próprio entendimento, já que teria
antes se manifestado pela irrelevância da maconha.6
        No Brasil, a maconha chegara cedo, trazida nas franjas
do que havia de roupa entre os negros. Em texto sobre a histó-


6.      Sobre a evolução dos tratados internacionais, ver o apêndice “Estabelecendo o con-
trole sobre a cocaína (1910-1920)”, de SCHEERER, Sebastian, em BASTOS, Francisco Iná-
cio e GONÇALVES, Odair Dias. “Drogas: é legal? Um debate autorizado” (Imago, 1993 pp.
169 e seguintes). Utilíssimo também “Convenções internacionais sobre drogas”, não credi-
tado, disponível em http://www.imesc.sp.gov.br/infodrogas/convenc.htm e, “A história da ma-
conha no Brasil”, de CARLINI, Elisaldo Araújo, em http://www.scielo.br/scielo.php?script=
sci_arttext&pid=S0047-20852006000400008&lng=pt.


22
ria da maconha, Carlini cita estudo de A. Dias, onde consta o
seguinte:

                          Lenitivo das rudezas da servidão, bálsamo da cruciante saudade da terra
                          longínqua onde ficara a liberdade, o negro trouxe consigo, ocultas nos far-
                          rapos que lhe envolviam o corpo de ébano, as sementes que frutificariam e
                          propiciariam a continuação do vício7

        Por isso, chamou-se no início “fumo-de-Angola”. Mas os
navios de Cabral, como os de Colombo, já tinham cordames e
velas de cânhamo, o nome da planta. Aliás, o mesmo Elisaldo
Araújo Carlini, expert no tema, em texto chamado “A história da
maconha no Brasil” adverte para o fato de que “maconha” é um
anagrama de “cânhamo”.8 Esses usos produtivos e alternativos
da maconha, como fibras para vestuário, tênis, papelaria, até
material para carros, são hoje muito usados para reivindicar a
liberação. Não parece uma reivindicação exatamente pela me-
lhor qualidade produtiva. Parece mais com uma salvaguarda.
Como se fosse a maconha uma juta inocente, um alvo algodão.
Mas com vantagens. No aperto, o sujeito enrola a própria ca-
miseta, acende e fuma: “– Melhor sem camisa que na fissura”, dirá.
        O fato é que a maconha tem suas muitas estórias e vá-
rias histórias, dentro da História. A atenção recebida de estu-
diosos de renome, sempre é reivindicada como se isso confe-
risse alguma legitimidade à droga. Câmara Cascudo estudou a
maconha, registrando sua popularidade entre os escravos ne-
gros e o povo pobre do Nordeste brasileiro, bem como o uso
em rituais das religiões afro-brasileiras.9 Cada orixá teria erva


7.      DIAS, A. “Algumas plantas e fibras têxteis indígenas e alienígenas”. Bahia, 1927.
Apud: MAMEDE, EB. “Maconha: ópio do pobre”. Neurobiologia, 8: 71-93, 1945. cfe CARLINI,
trabalho indicado.
8.      Texto citado na nota 4.
9.      Segue o verbete elaborado por CÂMARA CASCUDO: “Maconha: Diamba, liamba, ri-
amba, marijuana, rafi, fininho, baseado, morrão, cheio, fumo brabo, gongo, malva, fêmea, ma-
ricas – Canabis sativa –, cânhamo, herbácea de origem asiática, vinda para o Brasil com os
escravos negros africanos, segundo a maioria dos estudiosos. Ópio do pobre, fumam as fo-
lhas secas como cigarros, morrão, com dois gramas, baseado com um e setenta, fininho com
#######################




                                                                                                 23
própria ao seu culto, e a maconha seria a favorita de Exu, nos
rituais do candomblé.10
         Gilberto Freyre a menciona, em nota ao seu monu-
mental “Casa Grande & Senzala”,11 assumindo inclusive ter
consumido a erva, descrevendo-lhe os efeitos como “um voltar
para casa cansado do baile, mas ainda com a música nos ouvidos”. Cita
as virtudes atribuídas pelo povo à “macumba”, como a erva
era chamada na Bahia: desde supostas qualidades afrodisíacas a
poderes místicos.
         O fato é que a droga disseminou-se dos negros aos ín-
dios, passando a predominar, naqueles começos, entre popula-
ções carentes brasileiras. Isso não afasta seu consumo es-
porádico em classes altas. Supõe-se que a encrenqueira e
ninfomaníaca Rainha Carlota Joaquina regava suas conspira-
ções e romances a chazinhos de maconha.12 Sobre este trecho,
um maconheiro me disse: “Tá vendo, só muita erva na idéia pra
güentar esse país!”.

9.


um grama. Há também o maricas, que no Maranhão chamam boi, cachimbo feito com uma
garrafa, um cabaço – lagenaria – ou feito de barro cozido, como tenho visto, com recipiente
para água, lavando a fumaça, como o narguilé turco. Estimulante, dando a impressão de eu-
foria, deixa forte impressão, a lombra, que só desaparece com super-alimentação, a planta
tem seus segredos e técnicas até na colheita. Há os pés machos e fêmeas. Os machos de
nada servem. “Colhê-las, assoviando, ou na presença de mulher menstruada, troca o sexo da
planta, a planta fêmea macheia e perde as virtudes” – Garcia Moreno, “Aspectos do maco-
nhismo em Sergipe”, dez, Aracaju, Sergipe, 1949. A maconha é estimulante, fumada pela ma-
landragem para criar coragem e dar leveza ao corpo. Não há conhecimento de ter a maco-
nha algum cerimonial secreto para ser inalada. Como sucede no México, onde a dizem
marihuana, grifa, somadora, oliukqui entre cantos de louvor. Nos catimbós usam rara e sem-
                                                                                        #



pre ocultamente, o óleo da liamba nos trabalhos difíceis. Nos xangôs e candomblés não há
prova do seu uso. É mais de predileção de gatunos e vagabundos. Bibliografia essencial:
José Lucena, “Os fumadores de Maconha em Pernambuco”, e “Alguns Novos Dados Sobre
os Fumadores de Maconha”, Arquivo da Assistência a Psicopatas de Pernambuco, ano IV, I,
53, 1934, e 1-2, 197, 1935, Recife; Rodrigues Dória, “Os fumadores de maconha”, Bahia,
1916, Garcia Moreno, acima citado; Jarbas Pernambucano, “A Maconha em Pernambuco,
Novos Estudos Afro-brasileiros”, 187, Rio de Janeiro, 1937; R. Cordeiro de Farias, “Campa-
nha Contra o Uso da Maconha no Nordeste do Brasil”, Rio de Janeiro, 1942, etc. Mário Ypi-
ranga Monteiro, “Folclore da Maconha”, Revista Brasileira de Folclore. No. 16, Rio de Janeiro,
1966” – in “Dicionário do Folclore Brasileiro”, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1984.
10.     Conforme o artigo “Em defesa da Erva (Marijuana, Maconha, Cannabis, Ganja e etc)”,
assinado por “CONTRANET”, em “http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2008/04/
417347.shtml’.
11.     41ª edição, Record, 2000 – nota 73, pp. 446.
12.     Cfe. CARLINI, texto citado.


24
A história também é vasta e pitoresca em outros países.
Conforme o texto avançar, iremos comentando. Mas, com es-
tória ou sem história, a ONU recomenda a proibição da canna-
bis sativa desde 1960, pelo que foi incluída na lista de vedações
da Convenção Única de Narcóticos, em 1961. Mas, já em
1948, dando conseqüência aos tratados anteriores à 2ª Guerra,
sua Carta de Princípios classificara a droga como inimigo a ser
combatido e recomendava a proibição do seu consumo nos
países que integravam a Organização.13 Como veremos mais à
frente, a posição americana sempre foi determinante em todo
o processo. Campanhas especialmente virulentas foram reali-
zadas nos Estados Unidos que, queixam-se os defensores da li-
beração, acabaram exportando seu modelo repressivo.
         No Brasil, a maconha começou a ser proibida em
1938,14 embora haja o registro de que a primeira lei antimaco-
nha brasileira seja de 1830, quando a Câmara Municipal do Rio
de Janeiro tornou ilegal a venda e o uso da droga na cidade,
prevendo penas de multa e prisão. Aos negros, a cana dura, aos
brancos, as multas brandas, nada muda, meu Deus!15
         Mas, depois de décadas aprisionando usuários, a nova
lei brasileira de entorpecentes (Lei nº. 11.343, de 23/08/2006),
veio iniciar a aplicação ao Brasil dos esforços internacionais
que se têm feito para cobrir dois universos de preocupação.
No primeiro deles se busca melhor qualidade de vida para os
vitimados pela tragédia do vício desagregador. No outro, reco-
nhece-se a existência – minoritária, mas ainda assim, existência
– de pessoas que consomem produtos e substâncias ilícitas,
sem que isso comprometa sua qualidade de vida, seus relacio-
namentos ou suas capacidades civis.

13.     Conforme consta em entrevista de Ib Teixeira, pesquisador aposentado, da FGV, em
http://epoca.globo.com/edic/20011119/especial1b.htm.
14.     Em “Veto à marcha da maconha ameaça liberdade de expressão” de Júlio Delmanto e
Tato Nagoya – Agência Brasil de Fato, na página do “Observatório do Direito à comunica-
ção”, em http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/content.php?option=com_content&
task=view&id=3301.
15.     Fonte: Gazeta do Povo-PR, conforme www.antidrogas.com.br/mostranoticia.php?
c=3958


                                                                                    25
Uma das diretrizes desses esforços é deixar de tratar o
problema do consumo de drogas na esfera penal (o que a nova
lei não fez, eliminando tão somente a pena de prisão para o
portador-usuário). É que o Direito Penal é a última fronteira
de proteção da sociedade e do Estado constituído. Em tese, é
acionado quando as outras esferas de contenção e coerção,
menos gravosas, falharam. A coisa é como em residências:
cerca-viva, cachorro, cerca elétrica. O problema é que se per-
dia a noção de gravidade da conduta. Gastava-se o cartucho
maior com um pombo, uma pulga. Prisão é para o bandido
efetivo, até para o bandido-maconheiro, mas não para o maco-
nheiro que, em geral, só por isso, bandido não é. O entendi-
mento majoritário, hoje, é de que o problema do consumo in-
devido de drogas envolve basicamente prevenção e pedagogia
proativa. Ele passa, então, a ser de responsabilidade da socie-
dade civil. Não perde relevância pública, mas o Estado se
ocupa dele mais como linha auxiliar da própria sociedade, em
campanhas educativas e estabelecimento de programas de re-
cuperação. Cabe ao poder estatal, entretanto, numa das fór-
mulas propostas, centrar fogo contra a fabricação e o trá-
fico ilícitos. O que já se tenta, aliás, mas como demonstrou
Tropa de Elite, tá lá o consumidor, esperando o produto... Daí...
A situação fica, mais ou menos, como se se descriminalizasse a
receptação de produto furtado. Mesmo criminalizado o roubo
e o furto, seria difícil sua repressão, porque ainda e sempre,
haveria mercado para o produto do ilícito.
         Por isso, uma das correntes importantes nesse novo
contexto defende a liberação total das drogas. Neste caso, o
poder público exerceria funções de fiscalização e regulamenta-
ção da fabricação e do comércio. Ali estão, juntos, numa estra-
nha salada, conservadores de renome, em nome do liberalismo
econômico, e progressistas de escol, em luta pelo que enten-
dem ser radicalização democrática. Defendem esta tese, desde
usuários, preocupados com a qualidade do produto que conso-
mem, até estudiosos das políticas de segurança pública, que


26
imaginam que o problema do tráfico e seu entorno, assim, se-
ria minorado, passando pelos economistas, que percebem a
possibilidade de melhor equilíbrio financeiro das contas do
Estado, que economizaria em repressão e “faturaria” em im-
postos. Comparece também uma parcela dos profissionais de
saúde, que entendem haver sub-notificação de casos de abuso
de drogas e dificuldade de assistência ao dependente, no atual
marco legal.
        De todo modo, seja para melhorar a vida do viciado,
seja para admitir aquele consumo recreativo e sem danos, o
primeiro passo, defendem, é a descriminalização do consumo,
passando o Estado a exercer, em tais situações, funções não
mais repressivas e sim, pedagógicas. No Brasil, a nova legisla-
ção não adotou o reconhecimento pleno da possibilidade do
consumo sem danos, seja terapêutico ou recreativo. Entre-
tanto, como a lei veio do mesmo berço, é natural que seus de-
fensores tratem como questão de tempo, a extensão da licença
legal. Onde passa um boi, passa a boiada, né?
        Essa nova postura é, também, uma rendição à dureza
da realidade implacável. Drogas existem e são consumidas
desde sempre, repetem, quase em ladainha, em mantra. A atu-
ação repressiva não deu conta de impedir ambas as situações e,
por isso, caberia ao poder público buscar o mal menor. Ten-
tando conjugar a necessidade de redução de gastos públicos
nas áreas de saúde e de segurança, e de trato humanitário ao
usuário, foram instituídos, então, os chamados programas de re-
dução de danos.
        Esses programas têm ascendência em similares aplica-
dos em alguns países do primeiro mundo, nos quais a repres-
são pura e simples não alcançou redução do consumo. Essa si-
tuação foi reconhecida numa carta aberta de dezenas de
personalidades ao então Presidente da ONU, Kofy Annan, pu-
blicada em junho de 1998, em página inteira do New York Ti-
mes. A organização Drugs Police Alliance, obteve assinaturas de
diversas lideranças internacionais, dentre as quais, o ex-presi-


                                                             27
dente da OEA, Xavier Perez de Cuellar, o hoje Presidente Luís
Inácio Lula da Silva, o Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel, o
Bispo Dom Pedro Casaldáliga, e muitos políticos, escritores,
cientistas, etc. O documento dizia, dentre outras coisas:

         Estamos todos profundamente preocupados com a ameaça que as drogas
         representam para nossas crianças, nossos concidadãos e nossas sociedades.
         Não há outra alternativa a não ser trabalharmos juntos,
         não só em nossos países como além das fronteiras, a fim
         de reduzir os danos associados às drogas. (...) Acredita-
         mos que a guerra global contra as drogas está causando
         agora mais danos do que o uso indevido de drogas em si.
         (...) Propostas realistas de reduzir a criminalidade, as doenças e as mortes
         relacionadas com as drogas são abandonadas em favor de propostas retóri-
         cas de se criar uma sociedade livre de drogas. Persistir em nossas atuais po-
         líticas apenas resultará em mais uso indevido de drogas, maior fortaleci-
         mento do mercado ilícito, aumento da criminalidade e mais doença e
         sofrimento. (...) Sr. Secretário Geral, nós lhe fazemos um apelo para que
         inicie um diálogo verdadeiramente aberto e honesto quanto ao futuro da
         política global de controle de drogas – uma política na qual o medo, o pre-
         conceito e as proibições punitivas cedam lugar ao bom senso, à ciência, à
         saúde pública e aos direitos humanos.16(grifei)

        Bom, não dá pra esquecer que essas políticas de ação
mais tolerante e liberatória resultam, também, das atividades
coletivas de mobilização e lobby de uma parcela dos próprios
usuários de drogas ilícitas. Em alguns países – particularmente
nos países nórdicos e em algumas regiões da Alemanha, por
exemplo – passaram a se organizar, literalmente, em sindicatos.
São os chamados junkiebonds. Estudiosos do assunto surpreen-
deram-se, em visita a tais organizações, com a capacidade de
mobilização dos militantes usuários de drogas que, ademais,
possuíam, muitos deles, emprego fixo, famílias e, aparente-
mente, todas as condições para o exercício de cidadania bá-
############


16.   No sítio da “Psicotropicus.org”.


28
sica.17 Recente pesquisa divulgada pela Revista O Globo entre
usuários de drogas, freqüentadores da noite carioca, fez o psi-
cólogo Luiz Paulo Guanabara realçar exatamente esse lado
produtivo do segmento de usuários que consegue trabalhar,
formar-se em faculdades, pagar impostos e “contribuir para a so-
ciedade”.18 Claro que é polêmica a questão colocada pelo psicó-
logo, de que “nem sempre o usuário é doente, doente é o viciado”, pois
ninguém tem bola de cristal para adivinhar onde o vício criará
suas raízes. Mas, desse tipo de reconhecimento, para as redes
de solidariedade e ativismo na Internet, foi um pulo.
         A redução de danos, como política de saúde pública
ganhou impulso com a epidemia de AIDS. Programas de troca
de seringas começaram a ser utilizados, como forma de evitar
a proliferação do HIV entre dependentes de drogas injetáveis.
O mesmo se deu com a oferta de camisinhas em locais, como
escolas; em períodos, como o Carnaval; e em eventos, como as
Paradas do Orgulho GLBT. Numa das edições do evento, mais
conhecido como Parada Gay, em São Paulo, foram distribuídos
panfletos orientando, por exemplo, melhores e mais seguros
métodos para cheirar cocaína. Foi um susto não muito bem di-
gerido pela sociedade, dada a radicalidade da proposta e a con-
sideração de que, por pitoresco e contraditório que pareça,
com tantos interesses econômicos envolvidos, e certa postura
tolerante da mídia, a “parada” virou evento festivo, carnava-
lesco e familiar. Entretanto, já se praticava a abordagem de re-
dução de danos. A organização Psicotropicus mantém em seu sí-
tio na rede de computadores (psicotropicus.org), diversos textos e
valiosas informações que historiam o tema.

          Na Inglaterra, nos anos 20, um grupo de cientistas que compunha o Co-
          mitê Rolleston concluiu que, em certos casos, a prescrição médica de drogas

17.     Relato de Sebastian Scheerer no ensaio “Reflexões acerca de algumas tendências re-
centes no discurso sobre as drogas na Alemanha”, constante da obra organizada por Fran-
cisco Inácio Bastos e Odair Dias Gonçalves, “Drogas: é legal? Um debate autorizado” (Imago,
1993, pp. 146).
18.     Pesquisa da Retrato Consultoria e Marketing, que baseia reportagem de ALBUQUER-
QUE, Carlos. Perfil do Consumidor. Revista O Globo. Ano 5, nº 223. p. 28.


                                                                                       29
podia ser necessária para os dependentes conseguirem levar uma vida pro-
          dutiva. Desde essa época, em Merseyside, um centro de referência em polí-
          tica de redução de danos situado na área portuária de Liverpool, opiáceos
          injetáveis são prescritos para dependentes. Nos Estados Unidos, existem
          programas de prescrição de metadona em funcionamento desde os anos 60.
          Mas foi em 1984 que surgiu o primeiro programa de troca de seringas, ad-
          ministrado pela Junky Union, uma reconhecida organização holandesa de
          usuários de drogas. A partir de então, diversos projetos de redução de da-
          nos vêm sendo desenvolvidos em vários países do mundo, sendo que muitos
          deles adotaram esse modelo como política pública de drogas, como a Ho-
          landa, Dinamarca, Espanha, Suíça, Austrália, Nova Zelândia, Ca-
          nadá.19

        A questão é verificar se as circunstâncias que permitem
uma militância tão agressiva – como a de se ensinar num
evento público e massivo, melhores formas de cheirar cocaína
– se verificam num país como o Brasil, do que trataremos mais
adiante. De qualquer forma, diversos esforços já se fazem na
direção proposta. Carlos Minc, quando deputado na Assem-
bléia fluminense foi o autor da Lei Estadual nº. 4.074/03, que
dispõe sobre a “prevenção, tratamento e garantia dos direitos funda-
mentais dos usuários de drogas”, determinando impedimentos à
discriminação e à estigmatização do usuário, orientando postu-
ras de atendimento e tratamento.
         A lei sucede e dá conseqüência à publicação, em 2001,
da “Declaração de Direitos dos Usuários de Drogas por uma Política de
Redução de Danos” assinada por respeitadas entidades de defesa
de direitos civis e especializadas em redução de danos.20 Se-
guem alguns dos itens da Declaração:


19.     No texto não creditado, “O modelo de redução de danos”
20.     Organizações como: Associação Brasileira de Redutores de Danos/ABORDA, Associ-
ação Carioca de Redução de Danos, Associação Gaúcha de Redução de Danos, Centro Es-
tadual de Tratamento e Reabilitação de Adictos (CENTRA-RIO), Centro de Articulação de Po-
pulações Marginalizadas, Deputados representantes de Comissões da Assembléia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro de Meio Ambiente, de Saúde da Mulher, Conselho
Estadual Antidrogas (CEAD), Grupo Tortura Nunca Mais, Núcleo de Estudos da Saúde do
Adolescente (NESA/UERJ) e Rede Latino Americana de Redução de Danos (RELARD), den-
tre outras.


30
• O usuário de drogas é um cidadão pleno, com direitos e deveres.
• A dependência de drogas expressa um sofrimento com dificuldades
  físicas, psicológicas e sociais.
• A dependência de drogas, mesmo a mais prolongada, deve ser sempre
  considerada uma situação provisória.
• A legislação trabalhista deve considerar os usuários de drogas em
  tratamento em situação de doença, nas mesmas condições previstas
  para as demais doenças.
• Usuários de drogas devem ter acesso a tratamentos adaptados que
  respeitem sua dignidade e lhes permitam reinserção social.
• A finalidade dos tratamentos deve ser a de promover uma vida livre
  e responsável.(...)
• Condenamos a política de prevenção de “guerra às drogas” que, de
  fato, contribui para a discriminação dos próprios usuários de drogas.
  (...)
• Nenhum usuário ou dependente de drogas deve ser preso por simples
  uso. (...)
• É necessário estabelecer políticas de prevenção, de tratamento e rein-
  serção com base na proposta de redução de danos, articulando os di-
  ferentes campos da saúde, educação, juventude, família, previdência
  social, justiça, emprego, nacional e localmente, integrando as ativida-
  des públicas e privadas.
• É preciso que sejam estabelecidas leis que garantam o respeito aos
  direitos dos usuários de drogas e que proíbam tratamentos humi-
  lhantes ou que explorem o trabalho dos dependentes de drogas. (...)
• Os governos devem assumir responsabilidades, sem exploração polí-
  tica ou ideológica, garantindo o acesso à prevenção e tratamento de
  qualidade, e o respeito aos direitos e liberdades individuais.
• As intervenções na área de drogas não podem ficar na dependência
  da boa vontade, do bom senso ou da experiência pessoal. As pessoas
  que atuam na área devem adquirir competência técnica específica,
  através de uma formação diversificada baseada em dados de pes-
  quisa médica e das ciências humanas, numa abordagem interdisci-
  plinar e política dos fenômenos da dependência de drogas.
• A troca de experiências favorecerá maior comunicação e colabo-
  ração.




                                                                     31
• Conclamamos as Organizações Não-Governamentais e Governa-
            mentais a incluir usuários de drogas em seus conselhos, gerências e
            direções.”21

        Em 2005, o Ministério da Saúde já atendeu a alguns
desses reclamos, ao baixar a Portaria 1.028, que instituía, no
seu âmbito, as práticas de redução de danos. Talvez o mais no-
tável, no ato administrativo, seja a alteração de foco, dando
como realidades acabadas a venda e o consumo, assim acei-
tando a possibilidade de que o usuário, simplesmente, não pre-
tenda desvencilhar-se da droga Diz o art. 2º:

          Definir que a redução de danos sociais e à saúde, decorrentes do uso de
          produtos, substâncias ou drogas que causem dependência, desenvolva-se por
          meio de ações de saúde dirigidas a usuários ou a dependentes que não po-
          dem, não conseguem ou não querem interromper o referido uso, tendo como
          objetivo reduzir os riscos associados sem, necessariamente, intervir na
          oferta ou no consumo.22 (grifei)

       Evidente que os defensores da liberação tiveram por
“menos avançada” ou “menos progressista” a Lei nº 11.343/
06, que veio explicitar itens das políticas de redução de danos.
A nova Lei não parece admitir a mesma tolerância da Portaria,
mantendo a criminalização, inclusive – indiretamente – do
consumo, embora não mais permitindo a restrição de liber-
dade do usuário. De todo modo, traz efetivamente um novo
enfoque.

          Art. 18. Constituem atividades de prevenção do uso indevido de drogas,
          para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para a redução dos fatores de
          vulnerabilidade e risco e para a promoção e o fortalecimento dos fatores de
          proteção.(...)
          Art. 19. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas devem ob-
          servar os seguintes princípios e diretrizes(...)

21.     Tanto a Lei de autoria do Deputado Carlos Minc, quanto a Declaração supra constam
do sítio da “Psicotropicus.org”.
22.     http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2005/GM/GM-1028.htm.


32
VI – o reconhecimento do “não-uso”, do “retardamento do uso” e da re-
          dução de riscos como resultados desejáveis das atividades de natureza pre-
          ventiva, quando da definição dos objetivos a serem alcançados;(...) (grifei)

        A lei adota nítido viés pedagógico, delegando-se ao Juiz
apenas a aplicação da medida de advertência ao simples usuá-
rio, além da possibilidade de seu encaminhamento a progra-
mas educativos ou terapêuticos. Veja-se que a inovação parece
buscada na Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente, que prevê como medida sócio-educativa mais branda,
justamente a advertência. É como se fosse concedida uma mo-
ratória de imputabilidade, uma adolescência tardia ao usuário,
impedindo, como se faz com o menor de 18 anos, seu trata-
mento como criminoso. Efetuou-se também diferenciação en-
tre o traficante efetivo e aquele que cultiva, por exemplo,
plantas de maconha para consumo próprio, por vezes, até em
vasos dentro de apartamentos, fórmula muito defendida pelos
militantes da Marcha (“Não compre, plante!”).
        De qualquer forma, a manutenção da questão do porte
para uso na esfera penal, mas sem sanção criminal efetiva, ins-
taurou uma polêmica, que deve se estender. Conforme matéria
no Portal Última Instância, divulgada no sítio “Marcha da Maco-
nha”,23 destacam-se 03 posições sobre o assunto:

          • STF – entendendo que o porte é crime (Primeira Turma – RE
            430.105-RJ, relatório do Ministro Sepúlveda Pertence);
          • Luiz Flávio Gomes (jurista especializado em Direito Penal) – se trata
            de uma infração penal ‘sui generis’ (cf. GOMES, Lei de Drogas Co-
            mentada, 2.e.d, São Paulo:RT, 2007, p. 145 e ss.);
          • Alice Bianchini (jurista especializada em Direito Penal) – o fato não é
            crime nem pertence ao direito penal. Citado o julgado minoritário da 6ª
            Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo (rel. José Henrique
            R. Torres) que considerou não haver delito no porte de droga para uso



23.   in “Inglaterra rediscute a descriminalização da maconha” confome – http://www.mar-
chadamaconha.org/blog/inglaterra-rediscute-a-descriminalizacao-da-maconha_205.


                                                                                    33
próprio (caso Ronaldo Lopes – “O Estado de S. Paulo” de 23/5/08,
           p. A1).

        Na feitura deste livro, consolidou-se minha compreen-
são de ser crime, o porte de entorpecentes. Polêmicas à parte,
é saudável que não sejam tratados, todos os problemas relacio-
nados a drogas, como “farinha do mesmo saco”. A gradação de
gravames e conseqüências é condizente, mais do que com o
império da lei, com os ditames da Justiça, fundamento do Es-
tado Democrático de Direito. E segue os conselhos de Mon-
taigne, que recomendou não se tratar igualmente o ladrão de
galinhas, coisa pouca, e o autor de sacrilégio, pecado grave.
Como “sacrílego” era tratado o mero usuário, em oportu-
nismo policial corrupto, de abordagens não raro violentas. En-
tretanto, perceba que a lei não autoriza o estímulo ao con-
sumo. Assim deixa claro o parágrafo segundo do art. 33 da
referida lei, quando criminaliza, com as penas indicadas, as
condutas abaixo:

        “(...) § 2º – induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de
        droga: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a
        300 (trezentos) dias-multa. (...)” (grifei)

        Esse parágrafo está no artigo que trata das ilicitudes
penais ligadas à produção e tráfico de drogas. Não é por acaso.
A indução e os outros crimes do parágrafo são autônomos.
Podiam merecer artigo próprio. Mas ficaram ali, junto aos cri-
mes mais graves, sinalizando o alto teor de reprovação social
que todas as condutas envolvidas com produção, tráfico, inter-
mediação e estímulo ao consumo, merecem.
        A lei é perpassada pelo desejo de diminuir a condição
de exclusão do usuário dependente de drogas, buscando ofere-
cer-lhe alternativas. Até porque, a Declaração dos Direitos do
Usuário e a Lei do Deputado Minc, antes mencionadas, come-
çam, ambas, com a assertiva dramática e clara: “A dependência de
drogas expressa um sofrimento com dificuldades físicas, psicológicas e

34
sociais” (grifei). Sofre o usuário dependente, como sofre, por
exemplo, o portador de câncer. O sofrimento, em si, não auto-
riza qualquer cerceamento de direitos. O próprio estado de
saúde é que poderá fazê-lo, eventualmente acamando o en-
fermo e impedindo-lhe a locomoção e o voto, por exemplo.
Mas, enquanto isso, o usuário é, como o paciente de câncer,
“cidadão pleno, com direitos e deveres”, para o qual se deve buscar,
nos tratamentos, a “reinserção” e uma “vida livre e responsável”.
Esta humanização do trato com esse segmento da sociedade
fica bem clara no seguinte artigo da Lei de 2006:

       “Art. 5º – O Sisnad tem os seguintes objetivos:
       I – contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos
       vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de dro-
       gas, seu tráfico ilícito e outros comportamentos correlacionados; (...)”

       Outro aspecto fundamental na nova lei é o reconheci-
mento de ser indesejável a propagação do consumo de entor-
pecentes, como se vê do teor do art. 19:

       “Art. 19. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas devem ob-
       servar os seguintes princípios e diretrizes:
       I – o reconhecimento do uso indevido de drogas como fator de interferência
       na qualidade de vida do indivíduo e na sua relação com a comunidade à
       qual pertence; (...)”

         Resulta desse reconhecimento, de que o usuário de
drogas passa a ter piora em sua qualidade de vida, a necessi-
dade de evitar o ingresso de novos consumidores nessa faixa, a
merecer atenção especial. Para isso, se estabelecem como prio-
ritários – no mesmo artigo que acabei de citar, nos incisos que
seguem – programas educativos que visam a inibir o consumo
de substâncias ilícitas entre a juventude. Vejamos:

       “X – o estabelecimento de políticas de formação continuada na área da
       prevenção do uso indevido de drogas para profissionais de educação nos 3
       (três) níveis de ensino;

                                                                              35
XI – a implantação de projetos pedagógicos de prevenção do uso indevido
       de drogas, nas instituições de ensino público e privado, alinhados às Dire-
       trizes Curriculares Nacionais e aos conhecimentos relacionados a drogas;
       (...)”

        Outro aspecto que não pode ser negligenciado é que,
não só se pretende impedir o ingresso de novos consumidores
no universo da drogadição, como também, se pretende, nada
mais nada menos, que a destruição da droga em si mesma. Por
tal razão, plantações ilícitas devem ser destruídas (art. 32), pro-
priedades expropriadas (art. 243 da Constituição Federal),
como devem ser destruídas, a mando do Juiz da causa, as dro-
gas apreendidas, quando encerrados os processos pertinentes
(art. 72 da Lei específica).
        Ou seja, humaniza-se o tratamento ao usuário, que
passa a merecer acompanhamento terapêutico e educativo,
mas – e aqui, a meu ver, um eixo fundamental da lei – busca-se
impedir que surjam novos usuários e, também, que a droga se
mantenha no mercado, seja para consumo indevido, seja para
um discutível consumo “devido”.
        Para isso é imperativo que seja inibido o estímulo aos
possíveis novos consumidores, como também a mesma lei evi-
dencia. Deixemos claro: A lei estabelece com nitidez que o
consumo de drogas é nocivo e indesejável e não deve ser
multiplicado.




36
BRASIL 2008 – MARIA JOANA
         EM DESFILE E LIMINARES
               EM MARCHA

        A “Marcha da Maconha”, na verdade, é parte da “Global
Marijuana March”. Coisa desses tempos de globalização econô-
mica autoritária, mas que gera, nos subterrâneos, uma globali-
zação alternativa, por vezes virtuosa, muito potencializada pela
rede de computadores. Blogs, chats, revistas eletrônicas, e-mails,
ecoam o que seria um possível “Manifesto Maconhista”: “Maco-
nheiros de todo o mundo, uni-vos!”. Assim se fez, no movimento
iniciado em 1999, na cidade de Nova Iorque, espalhando-se
por diversos países do mundo. No Brasil, ocorrem Marchas
desde 2002, quando realizou-se a primeira, em praias do Rio
de Janeiro.
        No IV Fórum Social Mundial, realizado em janeiro de
2005, ocorreu a primeira atividade pública do Movimento Na-
cional pela Legalização das Drogas. A oficina “Basta de Guerra
às Drogas” reuniu algumas centenas de pessoas em Porto Ale-
gre. Nos debates, foi avaliada a política de repressão às drogas
e as conclusões foram de que era, não só ineficaz, como, ainda,
teria um viés político que faria da guerra às drogas “a nova cara
da velha ditadura”, como exagera o manifesto aprovado. Outra
deliberação foi a construção de manifestações em prol da lega-
lização de entorpecentes. A agenda apontou para os dias 07 e
08 de maio daquele ano, quando ocorreria, em várias cidades
do mundo, a “Marcha Mundial pela Legalização da Maconha”.24


24.   Fonte: http://www.legalizacaodasdrogas.blogspot.com.


                                                               37
A partir daí, embora aquele movimento seja a favor da
legalização “de todas as drogas”, seus militantes inseriram-se no
calendário dos eventos internacionais da “Marcha da Maconha”.
Em 2004 e 2005, em São Paulo, a manifestação foi proibida
pela Justiça. Já no Rio de Janeiro, em 2005, conforme o sítio
do movimento, “centenas” de pessoas caminharam do Arpoa-
dor ao Posto 9. Em 2006, após a exibição de dois filmes sobre
o tema (“Grass” – de que voltarei a falar – e “Narcotráfico – En-
tre a mentira e o espanto”) no Instituto de Filosofia e Ciências So-
ciais da UFRJ, cerca de 100 pessoas caminharam, em marcha,
do Largo de São Francisco até a Cinelândia.
         A “Marcha” ocorreu também em 2007, entre o Arpoa-
dor e Ipanema. O hoje Ministro do Meio Ambiente, Carlos
Minc, participou. Cerca de 200 manifestantes caminharam,
sendo que muitos, receando represálias, utilizaram máscaras de
políticos e artistas conhecidos por já haverem defendido a li-
beração da droga, como Fernando Gabeira, Sérgio Cabral,
Marcelo D2. Desse ano, vem o embrião das proibições em
2008, quando o assunto gerou maior polêmica. É que a Mar-
cha 2007 foi denunciada ao Ministério Público como apologia
ao crime, por representantes da Igreja Católica.
         Em 2008, “a iniciativa surgiu de vários grupos que decidiram
se unificar a partir de uma bandeira legal”, explica Marco Sayão, um
dos participantes da Marcha da Maconha em São Paulo. “A
bandeira atual do movimento é a liberação para fins medicinais, fim das
prisões relacionadas às drogas e a regulamentação do uso.” Renato
Cinco, sociólogo preso enquanto entregava panfletos sobre a
Marcha no Rio de Janeiro, afirma que não defende nem esti-
mula o uso de entorpecentes: “o que propomos é que a sociedade dis-
cuta os efeitos da proibição e outras maneiras do Estado lidar com as dro-
gas”, diz.
         Em São Paulo, em 2008, inicialmente liberada pelo Ju-
ízo de primeiro grau, foi vetada na véspera, em recurso do MP
à segunda instância. A proibição ocorreu, também, nos Esta-
dos do Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso, Paraíba e Bahia,


38
dentre outros. Ao final, a marcha, inicialmente prevista para 13
cidades, só não foi proibida em Florianópolis, Porto Alegre,
Recife e Vitória.
        O Juiz Pedro Sanson Corat, da Vara de Inquéritos Poli-
ciais de Curitiba, em decisão liminar, suspendeu a manifesta-
ção, que estava marcada para acontecer no dia 04.05.2008. Me-
recem citação trechos da sua decisão, onde reconhece que o
livre direito de reunião é garantido, desde que se vise à obten-
ção de fins lícitos:

        Mais, havendo indícios de prática delitiva de tráfico de drogas, sob a forma
        de instigação e indução ao uso de drogas, há, portanto, a possibilidade, de
        fins ilícitos na mencionada ‘marcha da maconha’. (...) Aceitar o ato cha-
        mado ‘marcha da maconha’ é fechar os olhos para o estímulo às práticas
        danosas à saúde pública, em desrespeito às normas constitucionais e infra-
        constitucionais vigentes, o que não pode ser tolerado pelo Poder Judiciário

        O mesmo magistrado decidiu mandar investigar a pos-
sível “clandestinidade” do sítio da internet “www.marchadamaco-
nha.com”, onde, afirma, ocorreria incentivo ao consumo, tendo
ali constado, em letras maiúsculas, a expressão “FUME MA-
CONHA” (registre-se que a expressão, se é que chegou a exis-
tiro no endereço, lá não mais está).
        Na capital mineira, o Promotor Joaquim Miranda, do
Centro de Apoio Operacional às Promotorias Criminais, en-
trou com medida cautelar inominada pedindo o cancelamento
da Marcha, sob o argumento de que, “além de causar dependência,
ela (a maconha), assim como outras drogas, destrói famílias e vitimiza
grande parte dos jovens envolvidos com tráfico”. Joaquim Miranda de-
clarou aos jornais que o movimento na rua não seria uma dis-
cussão sobre a importância da legalidade do uso de entorpe-
centes, mas sim, apologia, acreditando até que poderia existir
patrocínio de traficantes na realização das Marchas. Chegou a
dizer: “Se quisessem, nós os receberíamos nos gabinetes, os acompanha-
ríamos ao Congresso. Mas não é na rua, com alvoroço e depoimentos di-


                                                                                39
zendo que a droga não faz mal, que vamos tratar a questão”. Sua peti-
ção foi indeferida pela Vara de Tóxicos do Fórum Lafayette.
         Entretanto, a Promotora de Justiça Vanessa Fusco ob-
teve, na segunda instância no Tribunal de Minas Gerais, limi-
nar em mandado de segurança, proibindo a Marcha, sob o ar-
gumento de que o evento era uma forma de incentivar o uso
da substância. O Judiciário daquele estado oficiou ao comando
da Polícia Militar orientando a proibição do evento, sob pena
de prisão.
         Em Fortaleza, o Ministério Público também obteve a
proibição na 1ª Vara de Delitos de Tráfico, que seria realizada
em um dos principais pontos turísticos da cidade, a Ponte dos
Ingleses.25
         Em São Paulo, o Desembargador Ricardo Cardozo de
Mello Tucunduva também proibiu a manifestação dizendo que
a mesma “redundaria em ato ilícito”, já que “o simples uso da maco-
nha é ato ilegal”, determinando providências à Secretaria de Se-
gurança do Estado, pelo que os organizadores optaram pelo
cancelamento.26
         Em Brasília, a Juíza substituta da 3ª Vara de Entorpe-
centes, Dra. Rejane Zenir Teixeira Borin seguiu o exemplo de
seus colegas, proibindo a manifestação, sob o argumento de
que “esse tipo de evento instiga o uso de entorpecentes, além de instigar a
prática de crimes, o porte e uso da droga”. Afirmou ainda que o local
e hora (domingo, às 14:00 horas, com saída da catedral de Bra-
sília) eram inapropriados, dada a presença de famílias, com cri-
anças e adolescentes. Também, no texto da liminar, ela deixa
claro o seu entendimento de que o direito de reunião pode ser
limitado diante de outros valores constitucionais, como a pro-
teção de interesses públicos.27


25.    Informações sobre Curitiba, Belo Horizonte e Fortaleza, conforme noticias coletadas
no Portal Terra http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI2863109-EI306,00.html.
26.    http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/50530.shtml
27.    No sítio do jornal O Globo – On Line, em http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/05/02/
justica_proibe_marcha_da_maconha_prevista_para_comecar_na_catedral_de_brasilia-
427176037.asp.


40
Nos locais onde a Marcha ocorreu, alguns fatos mere-
cem registro. Em Porto Alegre, a Juíza Laura de Borba Maciel
Fleck, às 20h05, do sábado (3/5) concedeu habeas-corpus aos
manifestantes que assim, no dia seguinte, portando salvo-con-
duto, manifestaram-se sem incômodos policiais.28
         Em Brasília, apesar do veto judicial, em frente ao Mi-
nistério do Trabalho, manifestantes deram-se as mãos, canta-
ram parte do Hino Nacional e deitaram-se no chão, figurando
com os corpos o formato da folha da maconha. Em seguida,
leram trecho do artigo 5º da Constituição Federal que fala so-
bre a liberdade de reunião.29
         Em Recife, cerca de 100 pessoas se manifestaram, dis-
tribuindo panfletos defendendo a descriminalização da maco-
nha. Embora ninguém tenha fumado a droga, um grupo de
pessoas “brincou” com cigarros falsos.
         No Rio de Janeiro, a Marcha, vetada pelo Tribunal de
Justiça, transformou-se em “Caminhada pela liberdade de expres-
são”, como ocorreu em outros lugares. Na capital fluminense
foi preso o advogado Gustavo Castro Alves, de 26 anos, que
foi ao local de onde partiria a caminhada (praia do Arpoador),
conduzindo sua cadela (pobrezinha!) que carregava um cartaz
no pescoço onde constavam as frases: “A estupidez é essência do
preconceito. Legalize a cannabis”. Na Paraíba, segundo a PM, fo-
ram oito os detidos, mesmo saldo da Polícia em Salvador.30
         Paralelamente à tentativa de realização da Marcha na ca-
pital fluminense, 200 pessoas participaram da manifestação “O
Rio em defesa da família”, na orla de Copacabana. A passeata foi
organizada pela Comissão Municipal de Prevenção às Drogas
da Câmara do Rio de Janeiro, para se contrapor à Marcha da
Maconha, ou seja, uma contramarcha. Conforme matéria no


28.     Processo: HC 91.080.118.354, cfe a Revista Consultor Jurídico, citada em: http://direi-
toedemocracia.blogspot.com/2008/05/marcha-da-maconha-e-democracia.html.
29.     Cfe. reportagem de Renata Mariz para o Correio Braziliense, disponível em: http://
w w w. c o r r e i o b r a z i l i e n s e . c o m . b r / h t m l / s e s s a o _ 1 3 / 2 0 0 8 / 0 5 / 0 4 /
noticia_interna,id_sessao=13&id_noticia=4152/noticia_interna.shtml .
30.     Matéria e sítio na internet já citados.


                                                                                                          41
“Observatório do Direito à Comunicação”,31 as palavras de ordem
eram em favor da família, dos bons costumes e da moral. Par-
ticiparam da manifestação crianças de um projeto social, esco-
teiros, atletas de um clube de futebol, integrantes do movi-
mento integralista e políticos, entre eles, a vereadora Silvia
Pontes (DEM) que explicou que o protesto não era apenas
contra a maconha, mas contra todos os tipos de entorpecen-
tes. A mesma vereadora, entretanto, teria dito: “Não sou favorá-
vel à legalização, mas não sou contra a marcha (da maconha). É um di-
reito deles. A gente deve brigar por aquilo que acredita”.
          Os adeptos da “Marcha da Maconha” reagiram. Ainda no
Rio ocorreu, na semana seguinte, no mesmo local para onde
antes programada a Marcha, e onde realizada a “Caminhada”, o
“Dia da luta pela liberdade de expressão”, na praia de Ipanema.
          Renato Cinco, já citado como um dos organizadores do
evento em todo país, repetiu: “não estamos defendendo o uso de
qualquer droga, mas a mudança da legislação”. Revoltou-se ainda
com as acusações de financiamento ilícito, divulgando os nú-
meros referentes à coleta de fundos, que eram provenientes
basicamente da venda de camisetas.
          O professor de Antropologia Edward Macrae, presi-
dente do Grupo Interdisciplinar de Estudo do Uso de Substâncias Psi-
coativas afirmou que ocorrera, com as proibições, “uma absurda
interferência no direito de livre expressão do cidadão que está pedindo
para fazer uma mudança na lei”.32
          “A necessidade de um amplo debate acerca dos efeitos da proibi-
ção do comércio destas substâncias psicoativas acaba sufocada pelo reduci-
onismo moral”, disse Orlando Zaccone, delegado de Polícia Civil
do Rio de Janeiro e doutorando em Ciências Políticas na Uni-
versidade Federal Fluminense. “Retornamos aos velhos argumentos
proibicionistas que vinculam drogas ilícitas à expressão do mal, principal-
mente no tocante à destruição dos “elevados” valores morais da família e
da sociedade brasileira”, garantiu. “Nos Estados democráticos e de di-

31.   Idem.
32.   Conforme consta em http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/05/0...a-427190900.asp.


42
reito, o campo das ações jurídicas não deveria ser confundido com o das
questões morais”.33
          Bom, será que se trata só de cerceamento de liberda-
des, discurso retrógrado, “reducionismo moral”? Certamente que
não. Continue seguindo o fio tortuoso (admito), do meu racio-
cínio, caro leitor.




33.   Em “Observatório do Direito à comunicação”, endereço citado.


                                                                     43
44
TODA MARCHA É GRITO,
         TODO GRITO PROPAGA,
       TODA PROPAGANDA INCITA

         Em um documento intitulado “Apologia ao crime ou à De-
mocracia?”, o Coletivo Marcha da Maconha Brasil afirma que a Mar-
cha não é um evento de cunho apologético, nem seus organiza-
dores incentivam o uso de maconha ou de qualquer outra
substância ilícita ou lícita, nem a prática de qualquer crime.
“Sabemos que fumar, plantar ou portar maconha, mesmo para consumo
próprio ainda é crime. No entanto, a organização social e política para lu-
tar por mudanças nas leis e políticas públicas que regem tais comporta-
mentos é um direito”, defende o documento.34
         É ou não “apologia” à droga, a “Marcha da Maconha”?
         É de domínio comum o sentido da palavra “apologia”.
Quando Platão produz a “Apologia de Sócrates”, todos entende-
mos que, reproduzindo a defesa que Sócrates fez de si mesmo,
faz seu louvor, seu elogio, reconhece e realça-lhe os méritos.
         Já a definição dicionarizada de ‘marcha’ remete apenas
a caminhada, modo de andar, cortejo ou progresso, etc., e
acepções similares. Mas ninguém duvida do que é uma mar-
cha. Afinal, marcham soldados, sem-terras, marcharam comu-
nistas chineses em sua revolução e negros em luta por direitos
civis. Soldados marcham no Dia da Pátria, louvando-lhe as
glórias. Sem-terras marcham criticando a concentração fundiá-
ria e propagandeando os méritos e a necessidade da Reforma
Agrária. Comunistas marcharam difundindo as idéias maoístas


34.   Idem.


                                                                        45
e negros fizeram de sua marcha sobre Washington um grito
pela liberdade e espalharam ao mundo os valores dos seus ide-
ais. Há denúncia, há defesa e louva-se virtudes sempre, por-
tanto. Adeptos sempre são arregimentados.
          Outro termo que nos ajuda na compreensão aqui ne-
cessária, é a palavra ‘passeata’, que traz como uma das defini-
ções, conforme o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portu-
guesa (Positivo, 2004): “marcha coletiva realizada em sinal de
regozijo, reivindicação ou protestos cívicos, ou de uma classe”. (grifei)
          Logo, a “Marcha da Maconha” talvez melhor seja enten-
dida como uma passeata onde se estaria demonstrando ‘rego-
zijo’ pelos benefícios trazidos por aquela droga aos seus usuá-
rios. Neste sentido, poderíamos compará-la à “Marcha para
Jesus” onde, a cada ano, milhares de pessoas manifestam seu
‘regozijo’ religioso, com evidentes intenções proselitistas, tanto
no Rio de Janeiro quanto em São Paulo.
          Mas, conforme o dicionário, a ‘Marcha’ poderia estar
promovendo ‘reivindicação de caráter cívico’. A comparação, aqui,
se faria melhor com a “Marcha a Brasília”, promovida periodi-
camente sob coordenação da Confederação Brasileira dos Mu-
nicípios, para apresentação das reivindicações daqueles entes
federativos. Logo, seria um ato de civismo a defesa da libera-
ção do consumo da droga? Parece que não. Sob essa ótica,
quando muito, poderíamos entender que a ‘marcha’ supunha
como cívica, a defesa do livre arbítrio na questão do con-
sumo da droga, sem interferência estatal. O tal ‘direito ao uso do
próprio corpo’.
          Quanto ao aspecto de ‘reivindicação de classe’ – no que se
compararia com a “Marcha dos Sem-Terra”, também levada a
Brasília periodicamente, sob direção do MST – teríamos que,
aqui, abandonar os conceitos tradicionais, usados em econo-
mia ou política, de ‘classe’ no sentido de divisão do trabalho, de
camada social ou categoria de trabalhadores. A ‘classe’, aqui, é a
dos ‘usuários de maconha’ ou, eventualmente, até a classe dos ‘de-
fensores do livre arbítrio’.


46
De todo modo, seja lá por qual aspecto se veja o caso,
‘marchas’, historicamente, são utilizadas como veículos de ma-
nifestação política. Os partidos de esquerda radical sempre ti-
veram seus comitês de “agit-prop”, agitação e propaganda. Uma
das atividades mais comuns, além de afixação de cartazes, ma-
nifestações, comícios-relâmpago, panfletagens, é exatamente a
marcha ou passeata.
        Na Marcha dos Direitos Civis, capitaneada 45 anos atrás
pelo Pastor Martin Luther King, ele pronunciou, em Washing-
ton, seu célebre discurso “Eu tenho um sonho”. Foi um marco na
luta pelos direitos civis dos negros americanos. Serviu para a
exposição do drama da segregação racial e para a propaganda
dos princípios defendidos pela militância dos direitos dos ne-
gros. O mundo agora assistiu, na eleição de Barack Obama
para a presidência dos Estados Unidos, os frutos do que se
propagou naquela Marcha.
        Foi Mao Tsé Tung quem, na China, liderou “A Grande
Marcha”, que serviu para a divulgação das idéias dos revolucio-
nários chineses, no caminho até a vitória da Revolução Comu-
nista. Em seu texto “Sobre a Tática na Luta contra o Imperialismo
Japonês”, escrito em dezembro de 1935, o líder chinês disse:
“Mas pode perguntar-se: que significado tem a Grande Marcha? Nós
responderemos que, foi o de ter sido a primeira do seu gênero registrada na
História, um manifesto, um destacamento de propaganda e uma
máquina semeadora.”35 (grifei). A Marcha de Mao lançou as ba-
ses do que viria a ser a potência chinesa que hoje assombra o
mundo com seu poderio.
        Às vésperas da invasão do Iraque pelas forças america-
nas, em 2003, movimentos civis americanos e grupos de artis-
tas – dentre os quais se destacou como liderança, o ator Martin
Sheen (que na época vivia o presidente americano no seriado
de TV “The West Wing”) – coerentes com os novos tempos,
promoveram a “Marcha Virtual em Washington”. Todos os meios
de comunicação (e-mails, faxes, telefonemas, etc.) foram mobili-

35.   Em http://www.defesanet.com.br/zz/hist_great_march_1.htm


                                                                        47
zados por milhares de manifestantes que demonstravam seu
inconformismo com a decisão prestes a ser tomada pelo presi-
dente Bush. Se esta Marcha não obteve êxito imediato, clara-
mente propagandeou a indignação que, mais tarde, contribui-
ria para a eleição de Obama.
         Como se vê, ninguém realiza ‘marcha’ ou ‘passeata’, se
não pretende defender alguma proposta. Para que a defesa
tenha eficácia, necessariamente devem ser divulgados os bene-
fícios da proposta. Logo, realiza-se sua propaganda. Propa-
ganda, conforme o ‘Aurélio’, dentre outras acepções, é “pro-
pagação de princípios, idéias, conhecimentos ou teorias, sendo também di-
fusão de mensagens, geralmente de caráter informativo e persuasivo, como
o que se faz no mercado publicitário”. Apologia, também conforme
o dicionário, é “discurso para justificar, defender ou louvar, ou encômio,
louvor, elogio”.
         No verbete elaborado para o Dicionário de Política orga-
nizado por Norberto Bobbio e outros, Giácomo Sani define a
‘propaganda’ como “difusão deliberada e sistemática de mensagens desti-
nadas a um determinado auditório, visando a criar uma imagem positiva
ou negativa de determinados fenômenos (pessoas, movimentos, aconteci-
mentos, instituições, etc) e a estimular determinados comporta-
mentos.”36 (grifei) Acresce que “em suas acepções mais correntes, a
Propaganda difere de outras formas de persuasão, enquanto realça ele-
mentos puramente emotivos, recorre a estereótipos, põe em relevo só certos
aspectos da questão, revela um caráter sectário, etc. (...)”.
         Portanto, um movimento que se intitula ‘Marcha da Ma-
conha’, cujo sítio na internet adota como marca a folha da can-
nabis, não tem, obviamente, outra função que não defender o
uso da maconha, através da remoção do obstáculo legal hoje
existente. E há uma questão de lógica. Se a sociedade estatuiu
algo como crime, através de uma lei, o combate a essa lei, ne-
cessariamente resultará em incentivo ao crime que se preten-
deu coibir. Ainda que a Marcha defenda, implicitamente, a li-
berdade de escolha, no que poderia ser entendida como ato

36.   Editora Universidade de Brasília, 1986. pp. 1018


48
cívico, propaga, necessariamente, os benefícios do consumo
da maconha ou, quando menos, tenta desmistificar seus male-
fícios, inclusive ‘realçando aspectos emotivos’ e ‘pondo em relevo só cer-
tos aspectos da questão’.
         Logo, para mim, a ‘Marcha da Maconha’ faz propaganda
e, por conseqüência, apologia, de uma droga ilícita.
         No passo em que estamos, não seria inconveniente que
tais debates fossem travados, por exemplo, como sugeriu o
promotor mineiro, no ambiente acadêmico, em discussões so-
bre a segurança pública ou, ainda, em comissões próprias do
Congresso Nacional. Neste particular cabe, para ser honesto
com as fontes, registrar que membros do Coletivo Marcha da
Maconha, teriam sido presos ao tentar realizar o Seminário
“Maconha na Roda”, no Rio de Janeiro, o que, se se tomaram as
cautelas referentes à não presença de menores, de que tratare-
mos no capítulo final, é absolutamente incorreto. O mesmo se
dera com estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais,
impedidos de exibir dentro da Universidade o filme “Grass”,
documentário que debate as origens da proibição.37
         Mas a ressalva feita nos é útil. Se no próprio ambiente
acadêmico, que defendemos como palco possível aos debates
pretendidos, há restrições, veja-se que as lideranças dos movi-
mentos pela liberação parecem esquecer que, até para modi-
ficá-lo, devem estar sensíveis e afinadas com o contexto histó-
rico em que atuam, respeitando seus ritmos. Se não há
consenso na academia, muito menos haverá nas ruas. A ‘Mar-
cha da Maconha’ violenta o senso comum, por mais críticas que
se tenha à forma como este se elabora. Mas o senso comum é
também o repositório profundo de costumes ancestrais, que
não se modificam do dia pra noite. Não existe acúmulo de re-
flexão sobre o tema, na sociedade, para que se pretenda, possa
o poder público permitir a realização de ato que defende,
ainda que por via indireta, uma ilicitude.


37.   Conforme a citada matéria do “Observatório do Direito à Comunicação”.


                                                                              49
Alguém poderá pretender, como o fazem os defenso-
res da Marcha, que combater a escravidão, por exemplo, ou a
monarquia, eram também, em seu tempo, ilegalidades, ou,
quando menos, combates à legalidade. Os que principiaram tal
luta se colocaram no papel de vanguardas, à frente do seu
tempo. Mas há vanguardas que vão tão à frente que, conside-
rando um sistema de autódromo, chegam a estar em reta-
guarda, por vezes. Um velho sábio militante comunista (Hum-
berto Campbell, ex-presidente do Sindicato dos Bancários do
Rio, que sofreu as agruras do golpe militar), uma vez me ad-
vertiu: “O perigo de extremar-se à esquerda é que a luta política é um
círculo. Pode-se acabar na direita”. Lênin, estudando o “esquer-
dismo”, qualificou-o como a “doença infantil do comunismo”. Em cer-
tos aspectos, a luta pela liberação da maconha é uma enfermi-
dade pueril do “progressismo”.
         Vanguardas, por vezes, caminham sem povo. Isoladas,
às vezes até obtêm aparente sucesso, mas provocam artificiali-
smos ou conchavos elitistas, como por exemplo, o artefato de
dominação monárquica que se tornou a República brasileira
dos primórdios, vencedora contra o Império do tão estimado e
republicano Pedro II, ou a vanguarda bolchevique, que acaba
abrindo as portas ao stalinismo.
         Quem trabalha desafinado com a sua própria realidade,
desprezando o seu contexto, querendo “tudo ao mesmo tempo,
agora”, pretende o papel de vanguarda. E não é raro, entre
vanguardistas, existirem candidatos a mártires e heróis. Os
que foram presos nas marchas realizadas neste ano, são trata-
dos como heróis pelos militantes do movimento. E sua cora-
gem talvez mereça mesmo realce, em tempos de tantas covar-
dias. Mas...
         Aqui surge uma grave questão. Supondo a disposição
ao martírio como aquela atitude extremada do que se propõe,
no limite, a arriscar sua segurança e sua vida por uma causa,
devemo-nos perguntar sobre a nobreza da causa. Morre-se por
liberdade política. Morre-se pelo direito de voto. Morre-se


50
pelo fim do preconceito racial. Morre-se na luta pela reforma
agrária. Agora, num país como o Brasil, supondo que as coisas
fossem assim extremas, vale a pena morrer pelo direito de fu-
mar maconha?! Cada um sabe aonde empenha sua alma, mas é
de gerar perplexidade. Não que causas menores não possam
embutir grandes princípios. Afinal, rebeliões nascem e trans-
portam grandes mudanças, por conta de aumento no preço do
pão ou do transporte, por exemplo. Mas martírios programa-
dos – sim, porque estes, da Marcha, o são – devem ser úteis,
sacrifícios buscados deveriam ser fundantes e oportunos. No
Brasil de hoje, esta parece uma luta, não só inoportuna, como,
ainda, indevida. Seja mártir, mas não seja idiota, diria o velho
Campbell.
        Porém, como não uso os sapatos de ninguém, respeito
os calos de todos. Por isso a dor de cada um e, portanto, a
causa de cada um é urgente. Mas a luta exacerbada pelo que se
considera um progresso pontual pode gerar a reação de um re-
trocesso sistêmico. Apressar o rio com cascatas extemporâ-
neas pode derrubar barrancos e atrapalhar a irrigação que ma-
taria muitas fomes. Brecht, certa vez advertiu que as pequenas
mudanças eram inimigas das grandes mudanças.




                                                             51
52
CHEGOU A HORA DA
              “MACONHABRÁS”?
             A Marcha da Maconha
              no contexto brasileiro

        O modelo de políticas de saúde pública de redução de
danos, na questão das drogas, tem sua matriz na Europa Oci-
dental, particularmente, nos países nórdicos. Veja-se que são
países onde o Estado de Bem-Estar consolidou modelos de aten-
dimento às necessidades básicas da população, como saúde,
educação e transporte público, desde a primeira metade do
século XX.
        Já o Brasil, luta para fazer valer a Constituição de 88
onde, de maneira mais orgânica, pela primeira vez, aquele mo-
delo de Estado foi prescrito. Entretanto, sabemos que o con-
texto em que a Carta Maior passou a viger não lhe foi favorá-
vel. Houve coincidência com a emergência das políticas
neoliberais fortalecidas pela queda do Muro de Berlim.
        A maior parte das ações estatais prescritas se fez letra
morta. Hoje, temos um sistema de saúde falido, no qual o usu-
ário do SUS aguarda por meses a vez para um simples exame
pré-operatório. As filas nas emergências e ambulatórios do sis-
tema deveriam envergonhar qualquer brasileiro. Algumas ma-
ternidades viraram fábricas de “anjos”. Pessoas de idade são
abandonadas em macas, pelos corredores. Faltam leitos, falta
capacitação, os equipamentos são insuficientes. Recentes pes-
quisas demonstraram a solução que o país encontrou para esse
caos. Foi a “privatização” do sistema, através da disseminação
dos planos de saúde privados. O total de capital despendido

                                                             53
por particulares em planos de saúde já é maior do que o inves-
timento estatal na área.38
        Quadro similar encontramos no sistema educacional.
As famílias de classe média investem no ensino particular,
dado o quadro de abandono das escolas públicas. O pior é que
o sistema se afunila no terceiro grau, de forma a privilegiar, em
universidades públicas, o egresso da escola particular. A tenta-
tiva de reparar tal injustiça sistêmica surgiu apenas recente-
mente com a política de cotas nas faculdades públicas e de in-
centivo fiscal às particulares, visando ao ingresso de estudantes
carentes (PROUNI).
        Mas o problema educacional é ainda maior no ensino
fundamental, onde temos recorde de matrículas, a partir de
programas como o Bolsa-Família, mas ao mesmo tempo, re-
corde de evasão e, pior, de analfabetismo funcional.
        A situação econômica do país também não ajuda.
Mesmo aqueles que conseguem um grau de escolaridade avan-
çado, não conseguem colocação no mercado. Os empregos es-
casseiam e aumenta o emprego precário ou o subemprego. É
comum a existência de filas para concursos de garis, por exem-
plo (como ocorreu no Rio de Janeiro), onde buscam colocação
trabalhadores com diplomas universitários.
        Outro fator de grande importância é a influência da
mídia sobre a população em geral e sobre a população infanto-
juvenil em particular. Até há pouco, havia descontrole total so-
bre conteúdos exibidos. As mazelas do período da ditadura,
com a censura implacável, deixaram produtores, artistas e exi-
bidores extremamente sensíveis e reativos a qualquer tentativa
de controle de programação e produtos audiovisuais. Essa
lacuna permitiu absurdos, que só agora começam a ser ti-
midamente corrigidos com a adoção da classificação indica-
tiva e com a tentativa de proibição da publicidade direcionada

38.    A pesquisa de Economia e Saúde do IBGE, divulgada nos jornais de setembro de
2008, definiu que dos gastos totais efetuados com saúde no Brasil, 60% eram de particulares.
O percentual estatal era bem inferior ao dos países desenvolvidos e aos de muitos países em
desenvolvimento. A Folha de S.Paulo, dentre outros veículos, deu repercussão à notícia.


54
a crianças. Mas a mídia eletrônica segue injetando valores ma-
terialistas, consumistas e deseducando a fraternidade.
         Juntando-se os vários componentes do quadro – e há
muitos outros! – é possível montar um pano de fundo que in-
duz a juventude à desesperança. Contribui para isso a falência
das utopias e dos projetos políticos de construção solidária. O
jovem sabe que a escolaridade não é mais garantia de emprego.
Quando tem emprego, sabe que pode perdê-lo a qualquer mo-
mento. Preocupa-se intimamente com a questão da saúde,
muitas vezes vendo sua família passar dificuldades nessa área.
         A reação de grande parte da juventude tem sido, na
falta de horizontes, mergulhar na “zoação”, buscar prazeres fu-
gazes, já que a felicidade efetiva parece distante. O ser humano
nasceu pra buscar sobrevivência, conforto e realização pessoal,
nesta ordem. Disponível só a demanda primária, as carências
se refletem nos elevados índices de alcoolismo e drogadição
precoces, no aumento da gravidez adolescente e na explosão
da violência infanto-juvenil.
         Não se pode tratar a questão das drogas fora desse
contexto.
         Talvez por isso, notórios defensores da liberação da
maconha, como o Deputado Federal Fernando Gabeira39 e o
Ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, estejam revendo ou
mitigando suas posições. Claro que o mais provável é que o
atual comprometimento institucional desses políticos – um foi
candidato à Prefeitura do Rio e o outro assumiu o importante
cargo federal – os tenha levado a adaptações de discurso vi-
sando a não afugentar o público mais conservador.
         Seja porque razão for, o fato é que eles, hoje, defendem
a liberação mais timidamente, condicionando-a a fatores
que antes não incorporavam à tese que sempre sustentaram,
como a reestruturação do aparato policial e a reeducação dos
agentes públicos.

39.     O Deputado mantém o sítio http://www.gabeira.com.br através do qual se chega à pá-
gina /e-legalize/.


                                                                                      55
Em entrevista recente a um jornal, Fernando Gabeira
afirmou que

          é a favor da descriminalização da maconha, desde que se tenha uma
          polícia avançada” e que “a questão das drogas é muito complicada.
          As pessoas não têm o horizonte da discussão so-bre a legalização, ou não,
          e acho que têm razão. A discussão sobre legalizar ou não foi um pouco
          inútil. Hoje considero que perdi a energia (grifei). 40

        Sobre esse aspecto, da questão policial como única
condicionante da liberação da maconha, é interessante o depo-
imento da psicóloga Eliene de Freitas, da Universidade Federal
do Amazonas, especialista em dependência química, que acha
que, ainda que a polícia tenha o controle da situação, pode não
haver uso controlado de substâncias entorpecentes do ponto
de vista da saúde. O que nos remete a outro aspecto. Afirmou:
“Não há como garantir que a liberação da maconha vai
permitir um uso limitado, sem causar dependência química.
A maconha é uma droga psicoativa e, por si só, tem esse po-
tencial de causar dependência. Por isso, toda essa questão ainda
exige muita discussão, para que sejam pesados os benefícios apontados por
quem defende e os prejuízos que seu uso traz”.41
         Sobre dependência química, é sempre interessante o
depoimento de Rafael Ilha. Assisti sua fala no Programa “Me-
lhor do Brasil”, apresentado por Rodrigo Faro, na tarde do sá-
bado, 27/09/08, no quadro “Lavando a Roupa Suja”. O ex-inte-
grante do grupo Polegar tem uma dramática e conhecida
história de envolvimento com drogas. Estaria “limpo” (sem
usar qualquer droga) há 08 anos. Hoje, inclusive, é proprietário
daquela que seria a maior clínica de recuperação de dependen-
tes químicos do Brasil. Ele afirmou: “A dependência química é uma
roleta-russa. Como não dá pra saber antecipadamente quem vai se viciar,
o melhor é ficar longe das drogas.”

40.    http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080827/not_imp231436,0.php.
41.    http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/05/06/materia.2007-05-06.7579248418/
view


56
“A roleta-russa da dependência” é exatamente o nome de
um quadro-resenha da Revista Veja, em matéria sobre a questão
(“A volta por cima – Novos métodos de tratamento ajudam um número
crescente de viciados a vencer o horror das drogas”)42. Ali se divulga
obra lançada pela Editora Casa Amarela, “O Revólver que Sempre
Dispara”, de autoria de Emanuel Ferraz Vespucci e Ricardo
Vespucci. Emanuel é médico, atuante no tratamento de depen-
dentes químicos. “O livro traz uma estatística aterradora: entre 12%
e 15% das pessoas teriam predisposição orgânica ao desenvolvimento da
dependência. Para elas, a primeira dose seria como um jogo de roleta-
russa, cujo final seria sempre a tragédia.” O artigo da Veja revela
ainda que a maioria dos viciados internados em clínicas de re-
cuperação de dependentes químicos, usam mais de uma droga.
As mais usadas são: álcool 80%, cocaína 60%, maconha 40%,
remédios 25%, crack 25%. Na matéria, essa presença impor-
tante da maconha no contexto da dependência, é realçada pelo
depoimento de Leila Marcelino, de 39 anos. De classe média,
casada, dona de casa, mãe de dois filhos, Leila durante cinco
anos afundou-se na cocaína e no crack. Quando o marido per-
cebeu, ela já cheirava cocaína todas as tardes e o seu círculo de
amizades se resumia a traficantes e bandidos. Internada, recu-
perou-se, mas não esquece que tudo começou quando provou
maconha aos 30 anos, por causa de “um vazio inexplicável”.
         O caso de Leila aponta outro fator que deve ser trazido
à discussão em terras brasileiras: o recorte social em que se en-
quadram os usuários de drogas. Pesquisa divulgada pela Funda-
ção Getúlio Vargas, no estudo “O estado da juventude: drogas, prisões
e acidentes”, trouxe dados reveladores, baseados na pesquisa de
orçamento familiar do IBGE, em que foram entrevistadas
182.000 pessoas em todo o país, no ano de 2003. O levanta-
mento indica, primeiro, que o consumidor de drogas no Bra-
sil é jovem. Enquanto a juventude brasileira (entre 10 e 29
anos) conta 39% da população geral, o número de jovens al-
cança 86% do total de usuários. O consumidor de drogas tí-

42.   http://veja.abril.com.br/idade/educacao/pesquise/drogas/1625.html.


                                                                           57
pico é também do sexo masculino. Enquanto os homens na
população brasileira são 49,82% do total, avolumam-se a 99%
dos usuários. Também – e aqui, o dado mais intrigante – pre-
domina o usuário pertencente à classe ‘A’. Para 5,8% de abasta-
dos na população brasileira, temos uma relação de 62% de
pertencentes a essa classe, dentre os usuários.
         O coordenador da pesquisa da FGV, o economista
Marcelo Néri, fez questão de realçar a hipótese de eventual
desvio no resultado, por conta de possível falseamento nas res-
postas, no que concerne à classe dos usuários. A percepção de
impunidade pode dar aos mais ricos menos receio de se expor
do que os mais pobres.43
         De todo modo, o Diretor-Executivo do Escritório das
Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC), Antonio
Maria Costa, na divulgação do “Relatório Mundial das Drogas/
2006”, alertou, ao anunciar que “o problema mundial das drogas
está sendo contido”, que era necessário passar da contenção do
problema para a redução. E qual o maior obstáculo para isso?
Giovanni Quaglia, representante do UNODC para o Brasil e
Cone Sul, alertou que “um dos problemas é que há muitos profissio-
nais, pessoas com alto nível de educação e renda, que usam drogas no
mundo todo”.44 Ou seja, o consumo de drogas pelos mais abas-
tados é que impede a redução do problema.
         Renato Cinco pensa exatamente o contrário. No blog45
que mantém no ar, supõe que a repressão às drogas traz um
cunho de discriminação social. “Basta de guerra aos pobres!”,
brada, como título da página. Esta é igualmente a visão do
“Movimento Nacional pela Legalização das Drogas”, que também
mantém um blog na internet. Em um dos manifestos, chegam a
afirmar que, “a perseguição aos comunistas, ao ‘perigo vermelho’, foi
substituída pela repressão aos pobres, em nome da ilegalidade do comércio
das drogas”.

43.  Conforme o sítio “Observatório Jovem”, no endereço http://www.uff.br/obsjovem/
mambo/index.php?option=com_content&task=view&id=364&ltemid=8.
44.  www.antidrogas.com.br/unodc relatorio2006.php.
45.  http://blogdocinco.blogspot.com/2007/12/marcha-da-maconha-2008.html .


58
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
A maconha e o debate sobre sua liberação
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A maconha e o debate sobre sua liberação

  • 1. ASSIM CAMINHA A INSENSATEZ A maconha, suas marchas, contramarchas e marchas à ré -1
  • 2. 0
  • 3. Denilson Cardoso de Araújo ASSIM CAMINHA A INSENSATEZ A maconha, suas marchas, contramarchas e marchas à ré Brasília 2008 1
  • 4. Copyright© 2008 por Denilson Cardoso de Araújo Título Original: Assim Caminha a Insensatez – A maconha, Título Original: suas marchas, contramarchas e marchas à ré Editor-chefe: Tomaz Adour Revisão: Thereza Franco Editoração Eletrônica: Bernardo Franco Capa: Denilson Cardoso de Araújo Usina de Letras SCS Quadra 01 Bloco E – Ed. Ceará sala 809 – Brasília – DF CEP: 70303-900 www.usinadeletras.com.br 2
  • 5. Para Mariana, porque amanhecerá. 3
  • 6. 4
  • 7. Agradeço a Deus, que me concedeu sábios pais. A meus pais que, nas pedras, mostraram caminhos. Aos caminhos, cujas pedras acharam Chardeli. Agradeço à minha amada, que me empresta sua luz. A essa luz, meu obrigado, porque me retorna a Deus. 5
  • 8. 6
  • 9. Há caminho que parece direito ao homem, mas o seu fim são os caminhos da morte. Provérbios de Salomão, 16:25. Hoje tô cheirando pra roubá e roubando pra cheirá. Quero ser internado, senão vô morrê. Menino de 15 anos, apreendido várias vezes por roubo. Internado para tratamento, fugiu no dia seguinte, em crise de abstinência. Começou nas drogas pela maconha. Possivelmente será criticado como exemplo notável de vaidade ou insolência de minha parte pretender instruir a nossa sábia época; esta crítica é, no entanto, menos significativa quando concordo com a publicação deste Ensaio com o fito de que seja útil a outrem. John Locke, na abertura de seu Ensaio acerca do entendimento humano 7
  • 10. 8
  • 11. SUMÁRIO PREFÁCIO 11 APERTANDO A POLÊMICA, MAS SEM ACENDER AGORA. 15 Uma introdução ENTRE O BANDIDO SÓBRIO E O MACONHEIRO BANDIDO, O MACONHEIRO INOCENTE É MARISCO. 21 Nova postura legal no trato com a questão do consumo de drogas BRASIL 2008 – MARIA JOANA EM DESFILE 37 E LIMINARES EM MARCHA TODA MARCHA É GRITO, TODO GRITO PROPAGA, 45 TODA PROPAGANDA INCITA CHEGOU A HORA DA “MACONHABRÁS”? 53 A Marcha da Maconha no contexto brasileiro SANTA CANNABIS: MAIS FORTES SÃO 65 OS MILAGRES DO CRISTO MACONHEIRO! PAPO DOIDÃO: MACONHA “FREE” QUANDO SE BUSCA 91 REDUZIR O CONSUMO DE ÁLCOOL E TABACO O “BARATO” QUE SAI CARO 111 Maconha liberada para uns, grana mais curta para todos SE É BOM PARA HOLANDA É BOM PARA O BRASIL? 117 A experiência de outros países DO BICHO-GRILO AO BICHO GRILADO. 139 Maconha nos anos 60 e hoje: diferenças MACONHA LIBERADA REDUZ O TRÁFICO DE ENTORPECENTES E A CRIMINALIDADE? 181 É ruim, hem! DIREITO DE EXPRESSÃO E MANIFESTAÇÃO: 193 Tem regras nesse jogo! BASEADO EM TUDO O QUE FOI DITO, CONCLUSÃO 233 E APELO: NÃO AO BASEADO! BIBLIOGRAFIA 241 9
  • 12. 10
  • 13. PREFÁCIO Vivemos numa época de interpretação permissiva das leis e de pedagogia muitas vezes inconseqüente. Há uma crise de valores nas escolas, que enfrentam violência e indisciplina, sendo crescente o número de infrações praticadas por adoles- centes. Esse quadro conduz a sociedade brasileira a uma série de equívocos, como, por exemplo, aos clamores pela redução da idade para a maioridade penal. Nessa trepidação social, poucos conseguem analisar a lei de causa e efeito. Muito do que fazemos como integrantes da sociedade, do que permiti- mos que a mídia promova, do que praticamos como família, resulta no desnorteio em que está mergulhada grande parte da nossa juventude. Forjamos, hoje, o delinqüente do futuro. Nossos des- cuidos acabam preparando, hoje, o adulto depressivo ou desa- justado de amanhã. Algumas de nossas posturas muito contri- buem para isso, sendo uma delas a de se cogitar da liberalidade maior no uso de drogas. Como se não bastassem as desgraças decorrentes do uso de drogas lícitas e socialmente aceitas! Muitos pretendem seja ampliado este leque, com a liberação de outras substâncias entorpecentes, sendo a maconha a principal delas. Inúmeras as manifestações, hoje, em prol de tal libera- ção, ainda que sob gradações diversas. Cogita-se da descrimi- nalização plena da droga – ainda não acatada pelos nossos Le- gisladores – e até da aceitação total do novo produto, que seria integrado no mercado sob controle fiscal e administrativo. Honrada com o convite para prefaciar este trabalho, de leitura agradável, temos a esperança de que provocará momen- tos analíticos em profissionais da educação, em pais de família 11
  • 14. e nos que militam na esfera jurídica. Atuando como Magis- trada na área da Infância e da Juventude há mais de trinta anos, adotamos, necessariamente, o entendimento aqui defendido por seu autor. Vivenciamos de perto o atoleiro emocional de crianças e adolescentes que, para matar a dor, deixam-se sedu- zir pelo álcool, pelo tabaco e, principalmente, pela maconha. Em audiências, somos atingida pela visão das fisionomias de pais, impotentes e perplexos, conseguindo enxergar suas lágri- mas, às vezes não derramadas. A opção de liberar a venda de drogas para minorar o seu tráfico, decididamente, não nos convence. Embora conhecendo os perigos de os traficantes continuarem dominando nossas comunidades carentes, não podemos correr o risco de corrigir um erro – como diz o autor – cometendo outro erro! Necessário um parêntese em nosso prefácio. Impossí- vel apresentar um livro sem admirar seu autor. Denilson Car- doso de Araújo é um auxiliar importante na Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de Teresópolis. Nesse mundo de poucas léguas, em que muitos se dedicam à tenta- tiva de resgate de adolescentes infratores e em risco social, é um Serventuário de Justiça especial. Vem realizando, nas esco- las, um programa de palestras para estudantes, professores e pais, semeando lucidez em seus caminhos e realizando verda- deiras cirurgias morais em suas relações. Sem distintivo acadê- mico e sem a proteção de qualquer título notável, passa pela vida de seus educandos como um caminhante comum. Traba- lhando com determinação, foge ao estereótipo de um mero servidor da Justiça, o que reduziria sua dimensão humana. Ta- refeiro do bem, ao invés de tornar-se simples máquina de ativi- dades cartorárias, alcançou um nível de sensibilidade que lhe permite perceber o vácuo espiritual que existe na história dos jovens orientados pela Vara da Infância e da Juventude. Apren- deu a cultivar a arte de observar o trabalho ali desenvolvido, criticando-o construtivamente e colaborando em sua organiza- ção. É autodidata e possui a ousadia do líder. É sensível, gene- 12
  • 15. roso, altruísta, disciplinado, solidário e bom companheiro de trabalho. Possui valores espirituais e um passado de militância política. Sua visão de futuro não é pequena, suas metas não são limitadas e sua auto-estima é sólida. Quando realiza pes- quisas, busca atingir a excelência, demonstrando criatividade e coragem na defesa de suas idéias. Nem sempre consegue sor- ver, com naturalidade, o cálice da indignação frente aos desa- justes dos jovens que, levados à infração, muitas vezes são víti- mas da moldura social em que nasceram. Para escrever este livro, o autor informa ter sido impul- sionado por experiência familiar, fazendo a utilização inteli- gente de sua dor e preocupando-se com o crescente discurso em prol da liberação de entorpecentes. Em sua ampla pes- quisa, disserta sobre os vários aspectos que a matéria encerra. Não se posiciona timidamente. Posiciona-se contra os que de- fendem a liberação das drogas, trazendo ao leitor informações enraizadas, fundamentadas nos registros de experiências em outros países e, acima de tudo, focalizando o complexo tema à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente. Que a leitura de seu trabalho seja fonte de insônia para os que ainda dormem o sono da inconsciência e da ingenui- dade. O autor, sem dúvida, merecerá um sono sereno, constru- ído com o conforto moral dos que têm interesse em contribuir para o bem estar da sociedade. Inês Joaquina Sant’Ana Santos Coutinho Juíza de Direito da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso Comarca de Teresópolis 13
  • 16. 14
  • 17. APERTANDO A POLÊMICA, MAS SEM ACENDER AGORA Uma introdução Maio de 2008. Enquanto noivas e mães ajeitavam os véus no seu mês mais risonho, assistiu-se, em algumas impor- tantes cidades do Brasil, cercadas por um véu de maresia e po- lêmica, as escaramuças da última “Marcha da Maconha”. Limina- res, juízes que proibiram, juízes que criticaram a interdição, embaraços policiais, marchas com pseudônimo (“pela liberdade de expressão”), gritos libertários (“às baganas, cidadãos!”), contra- marchas... concederam à iniciativa a polêmica desejada. Bob Marley espreitou a confusão. “Everything is gonna be al right”, né? Fomentou-se, na aba do debate sobre o que se pode ou não dizer (e como), o debate pretendido, em torno da descri- minalização da droga. Dos “contras”, alguém poderá dizer: – O tiro saiu pela culatra, melhor não proibir, passava despercebido e não se sofria a acusação de democracia arranhada. Do lado dos ca-nabiseiros (como Içami Tiba gosta de adocicar a designação), ecoarão os gritos de: “– Absurdo! País retrógrado! Bando de hipócritas!”... Será? Já está no ar o sítio na internet1, preparativo da próxima Mar- cha, prevista para ocorrer em 02 de maio de 2009. Enquanto seu lobo não vem, pus-me a pensar sobre o assunto. Pode al- guém ir pra rua marchar sob a bandeira “da maconha”, ou “da cocaína”, ou “da heroína”? E concluí: não, não pode! Melhor 1. www.marchadamaconha.org – OBS. IMPORTANTE – EXCETO NAS QUE TROUXE- REM INDICAÇÕES DIFERENTES, TODAS AS CITAÇÕES DO PRESENTE ESTUDO, ORIUNDAS DA INTERNET, REPRESENTAM ACESSOS EFETUADOS PELO AUTOR AOS SÍTIOS CORRESPONDENTES, NO PERÍODO ENTRE 01/09 E 02/11/2008. 15
  • 18. proibir, sim. Aos que ficarem incomodados com tanta asserti- vidade logo ao começo, peço caridosa paciência para os argu- mentos que seguirão. Essa versão tupiniquim da canabiseira caminhada adere a um esforço internacional articulado e significativo. A Marcha 2008 ocorreria em 265 cidades espalhadas pelo mundo. E o pessoal, embora suas fileiras contem com tais “espécies”, não é bobo, ou doidão varrido, não. São muitos e fortes os argu- mentos que levam os organizadores à suposição da falência das estratégias de repressão, proibição e “tolerância zero” no trato com a questão do consumo de entorpecentes. Tudo in- dica que a própria ONU, pelo seu Escritório Contra as Drogas e o Crime (UNODC), deverá rever tópicos da diretriz, na Assem- bléia prevista para março de 2009. Os participantes do movi- mento, em geral, além de reforçar a necessidade do trato dife- renciado entre o usuário e o traficante, reivindicam que a droga pode ser usada, para fins recreativos, sem maiores da- nos, desde que haja uma política educativa. Defendem, ainda, o valor terapêutico, e para alguns casos até indispensável, de al- gumas substâncias presentes na maconha. Acusam que a proi- bição do consumo de maconha atenderia a interesses políticos e de corporações internacionais, principalmente da indústria de cigarros, afora, mais remotamente, das indústrias de tecela- gem.2 Aduzem que a proibição apenas alimenta a criminali- dade e produz corrupção, o que é parcialmente verdade. Não deixam de tratar o tema também sob a ótica da saúde pública, eis que a proibição e a obtenção da droga apenas junto a trafi- cantes, levariam à queda da qualidade do produto, dadas as no- civas misturas efetivadas para obtenção de maior rendimento. Disso tudo resultaria a necessidade de liberar-se o uso da ma- conha, em gradativas concessões, a começar pela descriminali- 2. Os defensores do consumo da maconha sempre se valem do argumento de que o câ- nhamo, de mesma origem vegetal, seria o material em que costuradas as velas das caravelas dos descobrimentos ibéricos. Só teria sido abandonado o seu uso por conta das pressões das indústrias têxteis inglesas. 16
  • 19. zação do consumo, pela autorização para uso medicinal e plan- tio para uso próprio. Neste ano, provocado pelo Ministério Público, o Poder Judiciário pronunciou-se liminarmente pelo impedimento à re- alização da Marcha em diversas capitais. Mesmo assim, algumas caminhadas se realizaram, havendo casos de sua transforma- ção em “marchas pela liberdade de expressão”. Aliás, por este viés avançaram todas as críticas à proibição do evento. O Presi- dente da Seccional-Rio da Ordem dos Advogados do Brasil, Wadih Damous, capitaneou manifestação na sede da entidade. Na ocasião, o Procurador da República e professor universitá- rio, Daniel Sarmento, apresentou sugestão, prontamente aco- lhida pelo Deputado Federal Chico Alencar, do PSOL, de in- gresso de ação no Supremo Tribunal Federal, visando a declarar a inconstitucionalidade das interpretações dos juízes que consideraram a Marcha da Maconha apologia criminosa. Es- tiveram presentes ao ato da OAB, a União Nacional dos Estu- dantes, a Associação Brasileira de Imprensa e a Associação Nacional de Jornais.3 Nas passeatas que foram tentadas, ocorreram inciden- tes em alguns locais, inclusive com prisões, seja pela exacerba- ção dos ânimos de alguns manifestantes, seja pela agressivi- dade, aqui e ali, da força policial. Pretendo apresentar, da forma mais breve possível, várias informações e dados sobre o tema, um pouco da conjuntura do debate e ao final, refletir so- bre os valores constitucionais que foram reivindicados pelas posições em conflito. Alguns entenderam que, no concernente à manifesta- ção, deveria prevalecer o direito de liberdade de expressão, conforme prevista no Artigo 5º, IV, da Constituição Federal. Somaram a esta defesa, os direitos de reunião em locais públi- cos (XVI) e de associação para fins lícitos (XVII do mesmo ar- tigo). Quanto ao consumo de maconha propriamente dito, o 3. Cfe. “OAB-RJ abre as portas pela liberdade de expressão”, em http://www.marchada- maconha.org/blog/oab-rj-abre-as-portas-pela-liberdade-de-expressao_192. 17
  • 20. raciocínio caminhava pelo direito da inviolabilidade da pessoa, à sua intimidade e vida privada (inciso X). Foi freqüente o ar- gumento do “direito ao uso do próprio corpo”, sendo, portanto, as substâncias ingeridas pelo cidadão, assunto exclusivo da esfera privada. Em síntese, o raciocínio todo seria assim: o corpo é meu, faço dele o que eu quero, o cérebro é meu, penso o que der na telha, expresso meus pensamentos a quem quiser, reu- nindo-me com quem quiser, em qualquer lugar, pra dizer o que quiser, e ninguém tem nada com isso. Do lado contrário, postaram-se aqueles que, à luz do artigo 5º, XLIII, da Carta Magna, entendendo como crime he- diondo o tráfico de entorpecentes e drogas afins, fazem a lei- tura da manifestação sob a ótica do art. 33 §2º da Lei nº. 11.343/06, que prevê pena de detenção de 01 (um) a 03 (três) anos para todo aquele que “induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga”. Por tal razão, se curvaria o direito de livre manifestação, frente ao valor que mais alto se ergue, o bem pú- blico maior, de preservação da saúde pública. Ainda que se possa fazer o que quiser com o próprio corpo e pensar sem amarras, não se pode promover reunião em qualquer lugar, nem dizer o que quiser a qualquer público. Fiquei um bom tempo dando tratos à bola. Não é as- sunto fácil. Quem sou eu para pretender palavra final sobre qual- quer coisa. Mas, mesmo que eu quisesse, descobri não haver algo assim como a “palavra final sobre a maconha”. Aliás, me incomodam muito os trabalhos que são publicados por aí com suposta neutralidade científica, ou com reportagens que assu- mem posições parciais, mas que se intitulam “a verdade” sobre a maconha. Não há “a” verdade sobre a maconha. Existem ver- dades. Existem mentiras. Existem dúvidas. Existem estratégias pedagógicas, política criminal e precauções necessárias. E exis- tem (ah, como existem!) interesses, alguns não confessados. Existem adjetivações enganosas, como o usual tratamento de “hipócritas” ou “estúpidos” com que os partidários da liberação 18
  • 21. de drogas carimbam os que deles discordam, provocando o re- bate de agressões verbais aos maconheiros “doidões”. Mas, acima de tudo, existe uma circunstância histórica, geográfica e social. Parafraseando Ortega y Gasset, “a maconha é a maconha e sua circunstância”. Na medida do possível, tentando ser pouco chato, me esforcei para oferecer a cooperação mais densa que pude ao debate, buscando ser fiel às argumentações de ambos os lados e produzindo algumas próprias, para melhor definir minha po- sição. E rejeitando qualquer pecha, dispensando os xingamen- tos, repito: embora concordando com o fim da pena prisional para o usuário, sou contra a liberação da maconha e contra a possibilidade de realização da Marcha. Explicarei tudo melhor. Leia mais se tiver paciência, amigo. Este trabalho possivelmente desagradará tanto aos que são contra quanto aos que são a favor, o que não deixa de ser uma qualidade, convenhamos. Todo mundo poderá, democra- ticamente, meter-lhe o malho, queimá-lo, ou ignorá-lo. Aos que querem ciência, incomodará porque científico não é. Aos que pretendem reportagem, esta trará lacunas e barrigas. Aos que imaginam libelos, oferecerei dúvidas. Não sou um acadê- mico, nem um jornalista e muito menos um fanático. Mas tam- bém não sou um ingênuo. Apenas uma pessoa precariamente formada, que passou seus sustos com a questão das drogas, viu famílias sofrendo seus sustos, algumas se destruindo, e per- cebeu o crescimento da nefasta ocorrência em volume e em velocidade, nos últimos tempos. Esforço-me para compreen- der melhor o mundo. Se você pertence a essa irmandade, seja bem vindo ao portal das perguntas. Mas mesmo aos cientistas, repórteres, acadêmicos e xi- ítas (que, de ambos os lados, os há), que derem o azar de terem este trabalho em suas mãos, peço a tolerância de que daqui res- gatem, ao menos, a pesquisa apresentada. Para os mais afeitos ao tema, será primária, sem novidades. Para muitos, se despi- rem preconceitos, proveitosa será. Afinal, é um trabalho 19
  • 22. “multi-indisciplinar”, porque bebe, fragmentariamente, em várias fontes, sem exaurir-se em nenhuma. Por isso, certa confusão metodológica. Notei, mas deixei assim mesmo. Quem olha da montanha só vê mesmo o panorama geral. Acho que torna a leitura mais interessante e não linear. Mas juro que não fumo maconha. Um esclarecimento. No texto que você lerá, por vezes me refiro à descriminalização e por vezes à liberação de dro- gas. São propostas diferentes, mas para a maioria dos que de- fendem maior tolerância às drogas a primeira é passo tático para a segunda. Na verdade, aqui combato as duas propostas, por isso, as referências podem se misturar, não estranhe. Por fim, digo que não sei fazer textos sem preces. Afi- nal, Deus é Logos. E esta é minha prece: Que dEle sejam as pa- lavras que lhe sirvam, caro leitor. Que sejam úteis. E que o se- jam a jovens, pais, educadores, quem sabe, a juízes, e a maconheiros também. 20
  • 23. ENTRE O BANDIDO SÓBRIO E O MACONHEIRO BANDIDO, O MACONHEIRO INOCENTE É MARISCO Nova postura legal no trato com a questão do consumo de drogas Rubem Alves tem um artigo em que saiu defendendo a liberação da maconha. 4 Estranhei um pouco a posição do grande pedagogo e teólogo, afinal, homem afeito aos ofícios da edificação, como poderia consentir com caminhos de des- truição? Mas lá estava o agudo argumento, que movia o ho- mem de grande coração: a via-crúcis de pequenos maconhei- ros presos, meninos humilhados, mulatos escorraçados e pobres extorquidos por forças policiais corruptas. Li outros depoimentos similares. Zuenir Ventura, por exemplo, procla- mou suas dúvidas sobre o tema: liberar ou não? Se só um país libera, dá certo? “Não sei o que fazer”, confessou.5 O escritor era movido pela mesma realidade da “cidade partida”, para usar o tí- tulo com que nomeou em livro o drama do Rio de Janeiro. A destruição social, já presente a destruição econômica, preo- cupa esses autores. E este é o grande drama da droga. Mas a li- beração seria a resposta? Creio que não. A realidade social in- justa, a opressão ao pobre, não nasceram da proibição de 4. ALVES, Rubem. Entre o ruim e o horrendo Os males da liberalização das drogas são menores que os da sua proibição. Jornal Folha de São Paulo. 28/11/1999. Em. http://www.ge- ocities.com/sociedadecultura/drogasrubemalves.html 5. VENTURA, Zuenir. O confuso planeta maconha. Jornal O Globo. 28/7/ 2001. 21
  • 24. drogas, não será a liberação que fará mais fraterno o mundo. Vejamos. A proibição internacional da maconha tem sua gênese remota nas Conferências do Ópio. A primeira realizou-se em Xangai, em 1909. A pauta visava inibir a indecente ação in- glesa, remanescente das Guerras do Ópio, que seguia ven- dendo aos chineses a droga produzida na Índia. Era uma com- modity importante na formação da riqueza britânica. Apoiando a China, os Estados Unidos puseram-se à frente do com- bate. A ausência inglesa em Xangai não impediu a aprovação de um documento de recomendação. A Inglaterra ficou ex- posta mundialmente, pelo lucro obtido de forma considerada desumana. Na Conferência seguinte (Haia, 1911), por razões polí- ticase econômicas, e para não posar de vilã solitária na histó- ria,a Inglaterra condicionou sua adesão. Queria aproibição tambémda morfina e da cocaína, grandes produtos de exporta- ção daeterna adversária, a Alemanha. Disso surgiu a Primeira Convenção do Ópio, no ano seguinte. Em 1925, novo encon- tro internacional, patrocinado pela Liga das Nações, provocou a inclusão da maconha na lista de substâncias combatidas, a pedido do Egito e com apoio decisivo do Brasil, vejam só. O delegado brasileiro, Pernambuco Filho, é muito criticado hoje em dia pelos defensores da liberação, por supostamente ter agido de forma inconseqüente, desprovido de fundamentos e contra o que teria sido seu próprio entendimento, já que teria antes se manifestado pela irrelevância da maconha.6 No Brasil, a maconha chegara cedo, trazida nas franjas do que havia de roupa entre os negros. Em texto sobre a histó- 6. Sobre a evolução dos tratados internacionais, ver o apêndice “Estabelecendo o con- trole sobre a cocaína (1910-1920)”, de SCHEERER, Sebastian, em BASTOS, Francisco Iná- cio e GONÇALVES, Odair Dias. “Drogas: é legal? Um debate autorizado” (Imago, 1993 pp. 169 e seguintes). Utilíssimo também “Convenções internacionais sobre drogas”, não credi- tado, disponível em http://www.imesc.sp.gov.br/infodrogas/convenc.htm e, “A história da ma- conha no Brasil”, de CARLINI, Elisaldo Araújo, em http://www.scielo.br/scielo.php?script= sci_arttext&pid=S0047-20852006000400008&lng=pt. 22
  • 25. ria da maconha, Carlini cita estudo de A. Dias, onde consta o seguinte: Lenitivo das rudezas da servidão, bálsamo da cruciante saudade da terra longínqua onde ficara a liberdade, o negro trouxe consigo, ocultas nos far- rapos que lhe envolviam o corpo de ébano, as sementes que frutificariam e propiciariam a continuação do vício7 Por isso, chamou-se no início “fumo-de-Angola”. Mas os navios de Cabral, como os de Colombo, já tinham cordames e velas de cânhamo, o nome da planta. Aliás, o mesmo Elisaldo Araújo Carlini, expert no tema, em texto chamado “A história da maconha no Brasil” adverte para o fato de que “maconha” é um anagrama de “cânhamo”.8 Esses usos produtivos e alternativos da maconha, como fibras para vestuário, tênis, papelaria, até material para carros, são hoje muito usados para reivindicar a liberação. Não parece uma reivindicação exatamente pela me- lhor qualidade produtiva. Parece mais com uma salvaguarda. Como se fosse a maconha uma juta inocente, um alvo algodão. Mas com vantagens. No aperto, o sujeito enrola a própria ca- miseta, acende e fuma: “– Melhor sem camisa que na fissura”, dirá. O fato é que a maconha tem suas muitas estórias e vá- rias histórias, dentro da História. A atenção recebida de estu- diosos de renome, sempre é reivindicada como se isso confe- risse alguma legitimidade à droga. Câmara Cascudo estudou a maconha, registrando sua popularidade entre os escravos ne- gros e o povo pobre do Nordeste brasileiro, bem como o uso em rituais das religiões afro-brasileiras.9 Cada orixá teria erva 7. DIAS, A. “Algumas plantas e fibras têxteis indígenas e alienígenas”. Bahia, 1927. Apud: MAMEDE, EB. “Maconha: ópio do pobre”. Neurobiologia, 8: 71-93, 1945. cfe CARLINI, trabalho indicado. 8. Texto citado na nota 4. 9. Segue o verbete elaborado por CÂMARA CASCUDO: “Maconha: Diamba, liamba, ri- amba, marijuana, rafi, fininho, baseado, morrão, cheio, fumo brabo, gongo, malva, fêmea, ma- ricas – Canabis sativa –, cânhamo, herbácea de origem asiática, vinda para o Brasil com os escravos negros africanos, segundo a maioria dos estudiosos. Ópio do pobre, fumam as fo- lhas secas como cigarros, morrão, com dois gramas, baseado com um e setenta, fininho com ####################### 23
  • 26. própria ao seu culto, e a maconha seria a favorita de Exu, nos rituais do candomblé.10 Gilberto Freyre a menciona, em nota ao seu monu- mental “Casa Grande & Senzala”,11 assumindo inclusive ter consumido a erva, descrevendo-lhe os efeitos como “um voltar para casa cansado do baile, mas ainda com a música nos ouvidos”. Cita as virtudes atribuídas pelo povo à “macumba”, como a erva era chamada na Bahia: desde supostas qualidades afrodisíacas a poderes místicos. O fato é que a droga disseminou-se dos negros aos ín- dios, passando a predominar, naqueles começos, entre popula- ções carentes brasileiras. Isso não afasta seu consumo es- porádico em classes altas. Supõe-se que a encrenqueira e ninfomaníaca Rainha Carlota Joaquina regava suas conspira- ções e romances a chazinhos de maconha.12 Sobre este trecho, um maconheiro me disse: “Tá vendo, só muita erva na idéia pra güentar esse país!”. 9. um grama. Há também o maricas, que no Maranhão chamam boi, cachimbo feito com uma garrafa, um cabaço – lagenaria – ou feito de barro cozido, como tenho visto, com recipiente para água, lavando a fumaça, como o narguilé turco. Estimulante, dando a impressão de eu- foria, deixa forte impressão, a lombra, que só desaparece com super-alimentação, a planta tem seus segredos e técnicas até na colheita. Há os pés machos e fêmeas. Os machos de nada servem. “Colhê-las, assoviando, ou na presença de mulher menstruada, troca o sexo da planta, a planta fêmea macheia e perde as virtudes” – Garcia Moreno, “Aspectos do maco- nhismo em Sergipe”, dez, Aracaju, Sergipe, 1949. A maconha é estimulante, fumada pela ma- landragem para criar coragem e dar leveza ao corpo. Não há conhecimento de ter a maco- nha algum cerimonial secreto para ser inalada. Como sucede no México, onde a dizem marihuana, grifa, somadora, oliukqui entre cantos de louvor. Nos catimbós usam rara e sem- # pre ocultamente, o óleo da liamba nos trabalhos difíceis. Nos xangôs e candomblés não há prova do seu uso. É mais de predileção de gatunos e vagabundos. Bibliografia essencial: José Lucena, “Os fumadores de Maconha em Pernambuco”, e “Alguns Novos Dados Sobre os Fumadores de Maconha”, Arquivo da Assistência a Psicopatas de Pernambuco, ano IV, I, 53, 1934, e 1-2, 197, 1935, Recife; Rodrigues Dória, “Os fumadores de maconha”, Bahia, 1916, Garcia Moreno, acima citado; Jarbas Pernambucano, “A Maconha em Pernambuco, Novos Estudos Afro-brasileiros”, 187, Rio de Janeiro, 1937; R. Cordeiro de Farias, “Campa- nha Contra o Uso da Maconha no Nordeste do Brasil”, Rio de Janeiro, 1942, etc. Mário Ypi- ranga Monteiro, “Folclore da Maconha”, Revista Brasileira de Folclore. No. 16, Rio de Janeiro, 1966” – in “Dicionário do Folclore Brasileiro”, Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1984. 10. Conforme o artigo “Em defesa da Erva (Marijuana, Maconha, Cannabis, Ganja e etc)”, assinado por “CONTRANET”, em “http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2008/04/ 417347.shtml’. 11. 41ª edição, Record, 2000 – nota 73, pp. 446. 12. Cfe. CARLINI, texto citado. 24
  • 27. A história também é vasta e pitoresca em outros países. Conforme o texto avançar, iremos comentando. Mas, com es- tória ou sem história, a ONU recomenda a proibição da canna- bis sativa desde 1960, pelo que foi incluída na lista de vedações da Convenção Única de Narcóticos, em 1961. Mas, já em 1948, dando conseqüência aos tratados anteriores à 2ª Guerra, sua Carta de Princípios classificara a droga como inimigo a ser combatido e recomendava a proibição do seu consumo nos países que integravam a Organização.13 Como veremos mais à frente, a posição americana sempre foi determinante em todo o processo. Campanhas especialmente virulentas foram reali- zadas nos Estados Unidos que, queixam-se os defensores da li- beração, acabaram exportando seu modelo repressivo. No Brasil, a maconha começou a ser proibida em 1938,14 embora haja o registro de que a primeira lei antimaco- nha brasileira seja de 1830, quando a Câmara Municipal do Rio de Janeiro tornou ilegal a venda e o uso da droga na cidade, prevendo penas de multa e prisão. Aos negros, a cana dura, aos brancos, as multas brandas, nada muda, meu Deus!15 Mas, depois de décadas aprisionando usuários, a nova lei brasileira de entorpecentes (Lei nº. 11.343, de 23/08/2006), veio iniciar a aplicação ao Brasil dos esforços internacionais que se têm feito para cobrir dois universos de preocupação. No primeiro deles se busca melhor qualidade de vida para os vitimados pela tragédia do vício desagregador. No outro, reco- nhece-se a existência – minoritária, mas ainda assim, existência – de pessoas que consomem produtos e substâncias ilícitas, sem que isso comprometa sua qualidade de vida, seus relacio- namentos ou suas capacidades civis. 13. Conforme consta em entrevista de Ib Teixeira, pesquisador aposentado, da FGV, em http://epoca.globo.com/edic/20011119/especial1b.htm. 14. Em “Veto à marcha da maconha ameaça liberdade de expressão” de Júlio Delmanto e Tato Nagoya – Agência Brasil de Fato, na página do “Observatório do Direito à comunica- ção”, em http://www.direitoacomunicacao.org.br/novo/content.php?option=com_content& task=view&id=3301. 15. Fonte: Gazeta do Povo-PR, conforme www.antidrogas.com.br/mostranoticia.php? c=3958 25
  • 28. Uma das diretrizes desses esforços é deixar de tratar o problema do consumo de drogas na esfera penal (o que a nova lei não fez, eliminando tão somente a pena de prisão para o portador-usuário). É que o Direito Penal é a última fronteira de proteção da sociedade e do Estado constituído. Em tese, é acionado quando as outras esferas de contenção e coerção, menos gravosas, falharam. A coisa é como em residências: cerca-viva, cachorro, cerca elétrica. O problema é que se per- dia a noção de gravidade da conduta. Gastava-se o cartucho maior com um pombo, uma pulga. Prisão é para o bandido efetivo, até para o bandido-maconheiro, mas não para o maco- nheiro que, em geral, só por isso, bandido não é. O entendi- mento majoritário, hoje, é de que o problema do consumo in- devido de drogas envolve basicamente prevenção e pedagogia proativa. Ele passa, então, a ser de responsabilidade da socie- dade civil. Não perde relevância pública, mas o Estado se ocupa dele mais como linha auxiliar da própria sociedade, em campanhas educativas e estabelecimento de programas de re- cuperação. Cabe ao poder estatal, entretanto, numa das fór- mulas propostas, centrar fogo contra a fabricação e o trá- fico ilícitos. O que já se tenta, aliás, mas como demonstrou Tropa de Elite, tá lá o consumidor, esperando o produto... Daí... A situação fica, mais ou menos, como se se descriminalizasse a receptação de produto furtado. Mesmo criminalizado o roubo e o furto, seria difícil sua repressão, porque ainda e sempre, haveria mercado para o produto do ilícito. Por isso, uma das correntes importantes nesse novo contexto defende a liberação total das drogas. Neste caso, o poder público exerceria funções de fiscalização e regulamenta- ção da fabricação e do comércio. Ali estão, juntos, numa estra- nha salada, conservadores de renome, em nome do liberalismo econômico, e progressistas de escol, em luta pelo que enten- dem ser radicalização democrática. Defendem esta tese, desde usuários, preocupados com a qualidade do produto que conso- mem, até estudiosos das políticas de segurança pública, que 26
  • 29. imaginam que o problema do tráfico e seu entorno, assim, se- ria minorado, passando pelos economistas, que percebem a possibilidade de melhor equilíbrio financeiro das contas do Estado, que economizaria em repressão e “faturaria” em im- postos. Comparece também uma parcela dos profissionais de saúde, que entendem haver sub-notificação de casos de abuso de drogas e dificuldade de assistência ao dependente, no atual marco legal. De todo modo, seja para melhorar a vida do viciado, seja para admitir aquele consumo recreativo e sem danos, o primeiro passo, defendem, é a descriminalização do consumo, passando o Estado a exercer, em tais situações, funções não mais repressivas e sim, pedagógicas. No Brasil, a nova legisla- ção não adotou o reconhecimento pleno da possibilidade do consumo sem danos, seja terapêutico ou recreativo. Entre- tanto, como a lei veio do mesmo berço, é natural que seus de- fensores tratem como questão de tempo, a extensão da licença legal. Onde passa um boi, passa a boiada, né? Essa nova postura é, também, uma rendição à dureza da realidade implacável. Drogas existem e são consumidas desde sempre, repetem, quase em ladainha, em mantra. A atu- ação repressiva não deu conta de impedir ambas as situações e, por isso, caberia ao poder público buscar o mal menor. Ten- tando conjugar a necessidade de redução de gastos públicos nas áreas de saúde e de segurança, e de trato humanitário ao usuário, foram instituídos, então, os chamados programas de re- dução de danos. Esses programas têm ascendência em similares aplica- dos em alguns países do primeiro mundo, nos quais a repres- são pura e simples não alcançou redução do consumo. Essa si- tuação foi reconhecida numa carta aberta de dezenas de personalidades ao então Presidente da ONU, Kofy Annan, pu- blicada em junho de 1998, em página inteira do New York Ti- mes. A organização Drugs Police Alliance, obteve assinaturas de diversas lideranças internacionais, dentre as quais, o ex-presi- 27
  • 30. dente da OEA, Xavier Perez de Cuellar, o hoje Presidente Luís Inácio Lula da Silva, o Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel, o Bispo Dom Pedro Casaldáliga, e muitos políticos, escritores, cientistas, etc. O documento dizia, dentre outras coisas: Estamos todos profundamente preocupados com a ameaça que as drogas representam para nossas crianças, nossos concidadãos e nossas sociedades. Não há outra alternativa a não ser trabalharmos juntos, não só em nossos países como além das fronteiras, a fim de reduzir os danos associados às drogas. (...) Acredita- mos que a guerra global contra as drogas está causando agora mais danos do que o uso indevido de drogas em si. (...) Propostas realistas de reduzir a criminalidade, as doenças e as mortes relacionadas com as drogas são abandonadas em favor de propostas retóri- cas de se criar uma sociedade livre de drogas. Persistir em nossas atuais po- líticas apenas resultará em mais uso indevido de drogas, maior fortaleci- mento do mercado ilícito, aumento da criminalidade e mais doença e sofrimento. (...) Sr. Secretário Geral, nós lhe fazemos um apelo para que inicie um diálogo verdadeiramente aberto e honesto quanto ao futuro da política global de controle de drogas – uma política na qual o medo, o pre- conceito e as proibições punitivas cedam lugar ao bom senso, à ciência, à saúde pública e aos direitos humanos.16(grifei) Bom, não dá pra esquecer que essas políticas de ação mais tolerante e liberatória resultam, também, das atividades coletivas de mobilização e lobby de uma parcela dos próprios usuários de drogas ilícitas. Em alguns países – particularmente nos países nórdicos e em algumas regiões da Alemanha, por exemplo – passaram a se organizar, literalmente, em sindicatos. São os chamados junkiebonds. Estudiosos do assunto surpreen- deram-se, em visita a tais organizações, com a capacidade de mobilização dos militantes usuários de drogas que, ademais, possuíam, muitos deles, emprego fixo, famílias e, aparente- mente, todas as condições para o exercício de cidadania bá- ############ 16. No sítio da “Psicotropicus.org”. 28
  • 31. sica.17 Recente pesquisa divulgada pela Revista O Globo entre usuários de drogas, freqüentadores da noite carioca, fez o psi- cólogo Luiz Paulo Guanabara realçar exatamente esse lado produtivo do segmento de usuários que consegue trabalhar, formar-se em faculdades, pagar impostos e “contribuir para a so- ciedade”.18 Claro que é polêmica a questão colocada pelo psicó- logo, de que “nem sempre o usuário é doente, doente é o viciado”, pois ninguém tem bola de cristal para adivinhar onde o vício criará suas raízes. Mas, desse tipo de reconhecimento, para as redes de solidariedade e ativismo na Internet, foi um pulo. A redução de danos, como política de saúde pública ganhou impulso com a epidemia de AIDS. Programas de troca de seringas começaram a ser utilizados, como forma de evitar a proliferação do HIV entre dependentes de drogas injetáveis. O mesmo se deu com a oferta de camisinhas em locais, como escolas; em períodos, como o Carnaval; e em eventos, como as Paradas do Orgulho GLBT. Numa das edições do evento, mais conhecido como Parada Gay, em São Paulo, foram distribuídos panfletos orientando, por exemplo, melhores e mais seguros métodos para cheirar cocaína. Foi um susto não muito bem di- gerido pela sociedade, dada a radicalidade da proposta e a con- sideração de que, por pitoresco e contraditório que pareça, com tantos interesses econômicos envolvidos, e certa postura tolerante da mídia, a “parada” virou evento festivo, carnava- lesco e familiar. Entretanto, já se praticava a abordagem de re- dução de danos. A organização Psicotropicus mantém em seu sí- tio na rede de computadores (psicotropicus.org), diversos textos e valiosas informações que historiam o tema. Na Inglaterra, nos anos 20, um grupo de cientistas que compunha o Co- mitê Rolleston concluiu que, em certos casos, a prescrição médica de drogas 17. Relato de Sebastian Scheerer no ensaio “Reflexões acerca de algumas tendências re- centes no discurso sobre as drogas na Alemanha”, constante da obra organizada por Fran- cisco Inácio Bastos e Odair Dias Gonçalves, “Drogas: é legal? Um debate autorizado” (Imago, 1993, pp. 146). 18. Pesquisa da Retrato Consultoria e Marketing, que baseia reportagem de ALBUQUER- QUE, Carlos. Perfil do Consumidor. Revista O Globo. Ano 5, nº 223. p. 28. 29
  • 32. podia ser necessária para os dependentes conseguirem levar uma vida pro- dutiva. Desde essa época, em Merseyside, um centro de referência em polí- tica de redução de danos situado na área portuária de Liverpool, opiáceos injetáveis são prescritos para dependentes. Nos Estados Unidos, existem programas de prescrição de metadona em funcionamento desde os anos 60. Mas foi em 1984 que surgiu o primeiro programa de troca de seringas, ad- ministrado pela Junky Union, uma reconhecida organização holandesa de usuários de drogas. A partir de então, diversos projetos de redução de da- nos vêm sendo desenvolvidos em vários países do mundo, sendo que muitos deles adotaram esse modelo como política pública de drogas, como a Ho- landa, Dinamarca, Espanha, Suíça, Austrália, Nova Zelândia, Ca- nadá.19 A questão é verificar se as circunstâncias que permitem uma militância tão agressiva – como a de se ensinar num evento público e massivo, melhores formas de cheirar cocaína – se verificam num país como o Brasil, do que trataremos mais adiante. De qualquer forma, diversos esforços já se fazem na direção proposta. Carlos Minc, quando deputado na Assem- bléia fluminense foi o autor da Lei Estadual nº. 4.074/03, que dispõe sobre a “prevenção, tratamento e garantia dos direitos funda- mentais dos usuários de drogas”, determinando impedimentos à discriminação e à estigmatização do usuário, orientando postu- ras de atendimento e tratamento. A lei sucede e dá conseqüência à publicação, em 2001, da “Declaração de Direitos dos Usuários de Drogas por uma Política de Redução de Danos” assinada por respeitadas entidades de defesa de direitos civis e especializadas em redução de danos.20 Se- guem alguns dos itens da Declaração: 19. No texto não creditado, “O modelo de redução de danos” 20. Organizações como: Associação Brasileira de Redutores de Danos/ABORDA, Associ- ação Carioca de Redução de Danos, Associação Gaúcha de Redução de Danos, Centro Es- tadual de Tratamento e Reabilitação de Adictos (CENTRA-RIO), Centro de Articulação de Po- pulações Marginalizadas, Deputados representantes de Comissões da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro de Meio Ambiente, de Saúde da Mulher, Conselho Estadual Antidrogas (CEAD), Grupo Tortura Nunca Mais, Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA/UERJ) e Rede Latino Americana de Redução de Danos (RELARD), den- tre outras. 30
  • 33. • O usuário de drogas é um cidadão pleno, com direitos e deveres. • A dependência de drogas expressa um sofrimento com dificuldades físicas, psicológicas e sociais. • A dependência de drogas, mesmo a mais prolongada, deve ser sempre considerada uma situação provisória. • A legislação trabalhista deve considerar os usuários de drogas em tratamento em situação de doença, nas mesmas condições previstas para as demais doenças. • Usuários de drogas devem ter acesso a tratamentos adaptados que respeitem sua dignidade e lhes permitam reinserção social. • A finalidade dos tratamentos deve ser a de promover uma vida livre e responsável.(...) • Condenamos a política de prevenção de “guerra às drogas” que, de fato, contribui para a discriminação dos próprios usuários de drogas. (...) • Nenhum usuário ou dependente de drogas deve ser preso por simples uso. (...) • É necessário estabelecer políticas de prevenção, de tratamento e rein- serção com base na proposta de redução de danos, articulando os di- ferentes campos da saúde, educação, juventude, família, previdência social, justiça, emprego, nacional e localmente, integrando as ativida- des públicas e privadas. • É preciso que sejam estabelecidas leis que garantam o respeito aos direitos dos usuários de drogas e que proíbam tratamentos humi- lhantes ou que explorem o trabalho dos dependentes de drogas. (...) • Os governos devem assumir responsabilidades, sem exploração polí- tica ou ideológica, garantindo o acesso à prevenção e tratamento de qualidade, e o respeito aos direitos e liberdades individuais. • As intervenções na área de drogas não podem ficar na dependência da boa vontade, do bom senso ou da experiência pessoal. As pessoas que atuam na área devem adquirir competência técnica específica, através de uma formação diversificada baseada em dados de pes- quisa médica e das ciências humanas, numa abordagem interdisci- plinar e política dos fenômenos da dependência de drogas. • A troca de experiências favorecerá maior comunicação e colabo- ração. 31
  • 34. • Conclamamos as Organizações Não-Governamentais e Governa- mentais a incluir usuários de drogas em seus conselhos, gerências e direções.”21 Em 2005, o Ministério da Saúde já atendeu a alguns desses reclamos, ao baixar a Portaria 1.028, que instituía, no seu âmbito, as práticas de redução de danos. Talvez o mais no- tável, no ato administrativo, seja a alteração de foco, dando como realidades acabadas a venda e o consumo, assim acei- tando a possibilidade de que o usuário, simplesmente, não pre- tenda desvencilhar-se da droga Diz o art. 2º: Definir que a redução de danos sociais e à saúde, decorrentes do uso de produtos, substâncias ou drogas que causem dependência, desenvolva-se por meio de ações de saúde dirigidas a usuários ou a dependentes que não po- dem, não conseguem ou não querem interromper o referido uso, tendo como objetivo reduzir os riscos associados sem, necessariamente, intervir na oferta ou no consumo.22 (grifei) Evidente que os defensores da liberação tiveram por “menos avançada” ou “menos progressista” a Lei nº 11.343/ 06, que veio explicitar itens das políticas de redução de danos. A nova Lei não parece admitir a mesma tolerância da Portaria, mantendo a criminalização, inclusive – indiretamente – do consumo, embora não mais permitindo a restrição de liber- dade do usuário. De todo modo, traz efetivamente um novo enfoque. Art. 18. Constituem atividades de prevenção do uso indevido de drogas, para efeito desta Lei, aquelas direcionadas para a redução dos fatores de vulnerabilidade e risco e para a promoção e o fortalecimento dos fatores de proteção.(...) Art. 19. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas devem ob- servar os seguintes princípios e diretrizes(...) 21. Tanto a Lei de autoria do Deputado Carlos Minc, quanto a Declaração supra constam do sítio da “Psicotropicus.org”. 22. http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2005/GM/GM-1028.htm. 32
  • 35. VI – o reconhecimento do “não-uso”, do “retardamento do uso” e da re- dução de riscos como resultados desejáveis das atividades de natureza pre- ventiva, quando da definição dos objetivos a serem alcançados;(...) (grifei) A lei adota nítido viés pedagógico, delegando-se ao Juiz apenas a aplicação da medida de advertência ao simples usuá- rio, além da possibilidade de seu encaminhamento a progra- mas educativos ou terapêuticos. Veja-se que a inovação parece buscada na Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adoles- cente, que prevê como medida sócio-educativa mais branda, justamente a advertência. É como se fosse concedida uma mo- ratória de imputabilidade, uma adolescência tardia ao usuário, impedindo, como se faz com o menor de 18 anos, seu trata- mento como criminoso. Efetuou-se também diferenciação en- tre o traficante efetivo e aquele que cultiva, por exemplo, plantas de maconha para consumo próprio, por vezes, até em vasos dentro de apartamentos, fórmula muito defendida pelos militantes da Marcha (“Não compre, plante!”). De qualquer forma, a manutenção da questão do porte para uso na esfera penal, mas sem sanção criminal efetiva, ins- taurou uma polêmica, que deve se estender. Conforme matéria no Portal Última Instância, divulgada no sítio “Marcha da Maco- nha”,23 destacam-se 03 posições sobre o assunto: • STF – entendendo que o porte é crime (Primeira Turma – RE 430.105-RJ, relatório do Ministro Sepúlveda Pertence); • Luiz Flávio Gomes (jurista especializado em Direito Penal) – se trata de uma infração penal ‘sui generis’ (cf. GOMES, Lei de Drogas Co- mentada, 2.e.d, São Paulo:RT, 2007, p. 145 e ss.); • Alice Bianchini (jurista especializada em Direito Penal) – o fato não é crime nem pertence ao direito penal. Citado o julgado minoritário da 6ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo (rel. José Henrique R. Torres) que considerou não haver delito no porte de droga para uso 23. in “Inglaterra rediscute a descriminalização da maconha” confome – http://www.mar- chadamaconha.org/blog/inglaterra-rediscute-a-descriminalizacao-da-maconha_205. 33
  • 36. próprio (caso Ronaldo Lopes – “O Estado de S. Paulo” de 23/5/08, p. A1). Na feitura deste livro, consolidou-se minha compreen- são de ser crime, o porte de entorpecentes. Polêmicas à parte, é saudável que não sejam tratados, todos os problemas relacio- nados a drogas, como “farinha do mesmo saco”. A gradação de gravames e conseqüências é condizente, mais do que com o império da lei, com os ditames da Justiça, fundamento do Es- tado Democrático de Direito. E segue os conselhos de Mon- taigne, que recomendou não se tratar igualmente o ladrão de galinhas, coisa pouca, e o autor de sacrilégio, pecado grave. Como “sacrílego” era tratado o mero usuário, em oportu- nismo policial corrupto, de abordagens não raro violentas. En- tretanto, perceba que a lei não autoriza o estímulo ao con- sumo. Assim deixa claro o parágrafo segundo do art. 33 da referida lei, quando criminaliza, com as penas indicadas, as condutas abaixo: “(...) § 2º – induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga: Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos) dias-multa. (...)” (grifei) Esse parágrafo está no artigo que trata das ilicitudes penais ligadas à produção e tráfico de drogas. Não é por acaso. A indução e os outros crimes do parágrafo são autônomos. Podiam merecer artigo próprio. Mas ficaram ali, junto aos cri- mes mais graves, sinalizando o alto teor de reprovação social que todas as condutas envolvidas com produção, tráfico, inter- mediação e estímulo ao consumo, merecem. A lei é perpassada pelo desejo de diminuir a condição de exclusão do usuário dependente de drogas, buscando ofere- cer-lhe alternativas. Até porque, a Declaração dos Direitos do Usuário e a Lei do Deputado Minc, antes mencionadas, come- çam, ambas, com a assertiva dramática e clara: “A dependência de drogas expressa um sofrimento com dificuldades físicas, psicológicas e 34
  • 37. sociais” (grifei). Sofre o usuário dependente, como sofre, por exemplo, o portador de câncer. O sofrimento, em si, não auto- riza qualquer cerceamento de direitos. O próprio estado de saúde é que poderá fazê-lo, eventualmente acamando o en- fermo e impedindo-lhe a locomoção e o voto, por exemplo. Mas, enquanto isso, o usuário é, como o paciente de câncer, “cidadão pleno, com direitos e deveres”, para o qual se deve buscar, nos tratamentos, a “reinserção” e uma “vida livre e responsável”. Esta humanização do trato com esse segmento da sociedade fica bem clara no seguinte artigo da Lei de 2006: “Art. 5º – O Sisnad tem os seguintes objetivos: I – contribuir para a inclusão social do cidadão, visando a torná-lo menos vulnerável a assumir comportamentos de risco para o uso indevido de dro- gas, seu tráfico ilícito e outros comportamentos correlacionados; (...)” Outro aspecto fundamental na nova lei é o reconheci- mento de ser indesejável a propagação do consumo de entor- pecentes, como se vê do teor do art. 19: “Art. 19. As atividades de prevenção do uso indevido de drogas devem ob- servar os seguintes princípios e diretrizes: I – o reconhecimento do uso indevido de drogas como fator de interferência na qualidade de vida do indivíduo e na sua relação com a comunidade à qual pertence; (...)” Resulta desse reconhecimento, de que o usuário de drogas passa a ter piora em sua qualidade de vida, a necessi- dade de evitar o ingresso de novos consumidores nessa faixa, a merecer atenção especial. Para isso, se estabelecem como prio- ritários – no mesmo artigo que acabei de citar, nos incisos que seguem – programas educativos que visam a inibir o consumo de substâncias ilícitas entre a juventude. Vejamos: “X – o estabelecimento de políticas de formação continuada na área da prevenção do uso indevido de drogas para profissionais de educação nos 3 (três) níveis de ensino; 35
  • 38. XI – a implantação de projetos pedagógicos de prevenção do uso indevido de drogas, nas instituições de ensino público e privado, alinhados às Dire- trizes Curriculares Nacionais e aos conhecimentos relacionados a drogas; (...)” Outro aspecto que não pode ser negligenciado é que, não só se pretende impedir o ingresso de novos consumidores no universo da drogadição, como também, se pretende, nada mais nada menos, que a destruição da droga em si mesma. Por tal razão, plantações ilícitas devem ser destruídas (art. 32), pro- priedades expropriadas (art. 243 da Constituição Federal), como devem ser destruídas, a mando do Juiz da causa, as dro- gas apreendidas, quando encerrados os processos pertinentes (art. 72 da Lei específica). Ou seja, humaniza-se o tratamento ao usuário, que passa a merecer acompanhamento terapêutico e educativo, mas – e aqui, a meu ver, um eixo fundamental da lei – busca-se impedir que surjam novos usuários e, também, que a droga se mantenha no mercado, seja para consumo indevido, seja para um discutível consumo “devido”. Para isso é imperativo que seja inibido o estímulo aos possíveis novos consumidores, como também a mesma lei evi- dencia. Deixemos claro: A lei estabelece com nitidez que o consumo de drogas é nocivo e indesejável e não deve ser multiplicado. 36
  • 39. BRASIL 2008 – MARIA JOANA EM DESFILE E LIMINARES EM MARCHA A “Marcha da Maconha”, na verdade, é parte da “Global Marijuana March”. Coisa desses tempos de globalização econô- mica autoritária, mas que gera, nos subterrâneos, uma globali- zação alternativa, por vezes virtuosa, muito potencializada pela rede de computadores. Blogs, chats, revistas eletrônicas, e-mails, ecoam o que seria um possível “Manifesto Maconhista”: “Maco- nheiros de todo o mundo, uni-vos!”. Assim se fez, no movimento iniciado em 1999, na cidade de Nova Iorque, espalhando-se por diversos países do mundo. No Brasil, ocorrem Marchas desde 2002, quando realizou-se a primeira, em praias do Rio de Janeiro. No IV Fórum Social Mundial, realizado em janeiro de 2005, ocorreu a primeira atividade pública do Movimento Na- cional pela Legalização das Drogas. A oficina “Basta de Guerra às Drogas” reuniu algumas centenas de pessoas em Porto Ale- gre. Nos debates, foi avaliada a política de repressão às drogas e as conclusões foram de que era, não só ineficaz, como, ainda, teria um viés político que faria da guerra às drogas “a nova cara da velha ditadura”, como exagera o manifesto aprovado. Outra deliberação foi a construção de manifestações em prol da lega- lização de entorpecentes. A agenda apontou para os dias 07 e 08 de maio daquele ano, quando ocorreria, em várias cidades do mundo, a “Marcha Mundial pela Legalização da Maconha”.24 24. Fonte: http://www.legalizacaodasdrogas.blogspot.com. 37
  • 40. A partir daí, embora aquele movimento seja a favor da legalização “de todas as drogas”, seus militantes inseriram-se no calendário dos eventos internacionais da “Marcha da Maconha”. Em 2004 e 2005, em São Paulo, a manifestação foi proibida pela Justiça. Já no Rio de Janeiro, em 2005, conforme o sítio do movimento, “centenas” de pessoas caminharam do Arpoa- dor ao Posto 9. Em 2006, após a exibição de dois filmes sobre o tema (“Grass” – de que voltarei a falar – e “Narcotráfico – En- tre a mentira e o espanto”) no Instituto de Filosofia e Ciências So- ciais da UFRJ, cerca de 100 pessoas caminharam, em marcha, do Largo de São Francisco até a Cinelândia. A “Marcha” ocorreu também em 2007, entre o Arpoa- dor e Ipanema. O hoje Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, participou. Cerca de 200 manifestantes caminharam, sendo que muitos, receando represálias, utilizaram máscaras de políticos e artistas conhecidos por já haverem defendido a li- beração da droga, como Fernando Gabeira, Sérgio Cabral, Marcelo D2. Desse ano, vem o embrião das proibições em 2008, quando o assunto gerou maior polêmica. É que a Mar- cha 2007 foi denunciada ao Ministério Público como apologia ao crime, por representantes da Igreja Católica. Em 2008, “a iniciativa surgiu de vários grupos que decidiram se unificar a partir de uma bandeira legal”, explica Marco Sayão, um dos participantes da Marcha da Maconha em São Paulo. “A bandeira atual do movimento é a liberação para fins medicinais, fim das prisões relacionadas às drogas e a regulamentação do uso.” Renato Cinco, sociólogo preso enquanto entregava panfletos sobre a Marcha no Rio de Janeiro, afirma que não defende nem esti- mula o uso de entorpecentes: “o que propomos é que a sociedade dis- cuta os efeitos da proibição e outras maneiras do Estado lidar com as dro- gas”, diz. Em São Paulo, em 2008, inicialmente liberada pelo Ju- ízo de primeiro grau, foi vetada na véspera, em recurso do MP à segunda instância. A proibição ocorreu, também, nos Esta- dos do Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso, Paraíba e Bahia, 38
  • 41. dentre outros. Ao final, a marcha, inicialmente prevista para 13 cidades, só não foi proibida em Florianópolis, Porto Alegre, Recife e Vitória. O Juiz Pedro Sanson Corat, da Vara de Inquéritos Poli- ciais de Curitiba, em decisão liminar, suspendeu a manifesta- ção, que estava marcada para acontecer no dia 04.05.2008. Me- recem citação trechos da sua decisão, onde reconhece que o livre direito de reunião é garantido, desde que se vise à obten- ção de fins lícitos: Mais, havendo indícios de prática delitiva de tráfico de drogas, sob a forma de instigação e indução ao uso de drogas, há, portanto, a possibilidade, de fins ilícitos na mencionada ‘marcha da maconha’. (...) Aceitar o ato cha- mado ‘marcha da maconha’ é fechar os olhos para o estímulo às práticas danosas à saúde pública, em desrespeito às normas constitucionais e infra- constitucionais vigentes, o que não pode ser tolerado pelo Poder Judiciário O mesmo magistrado decidiu mandar investigar a pos- sível “clandestinidade” do sítio da internet “www.marchadamaco- nha.com”, onde, afirma, ocorreria incentivo ao consumo, tendo ali constado, em letras maiúsculas, a expressão “FUME MA- CONHA” (registre-se que a expressão, se é que chegou a exis- tiro no endereço, lá não mais está). Na capital mineira, o Promotor Joaquim Miranda, do Centro de Apoio Operacional às Promotorias Criminais, en- trou com medida cautelar inominada pedindo o cancelamento da Marcha, sob o argumento de que, “além de causar dependência, ela (a maconha), assim como outras drogas, destrói famílias e vitimiza grande parte dos jovens envolvidos com tráfico”. Joaquim Miranda de- clarou aos jornais que o movimento na rua não seria uma dis- cussão sobre a importância da legalidade do uso de entorpe- centes, mas sim, apologia, acreditando até que poderia existir patrocínio de traficantes na realização das Marchas. Chegou a dizer: “Se quisessem, nós os receberíamos nos gabinetes, os acompanha- ríamos ao Congresso. Mas não é na rua, com alvoroço e depoimentos di- 39
  • 42. zendo que a droga não faz mal, que vamos tratar a questão”. Sua peti- ção foi indeferida pela Vara de Tóxicos do Fórum Lafayette. Entretanto, a Promotora de Justiça Vanessa Fusco ob- teve, na segunda instância no Tribunal de Minas Gerais, limi- nar em mandado de segurança, proibindo a Marcha, sob o ar- gumento de que o evento era uma forma de incentivar o uso da substância. O Judiciário daquele estado oficiou ao comando da Polícia Militar orientando a proibição do evento, sob pena de prisão. Em Fortaleza, o Ministério Público também obteve a proibição na 1ª Vara de Delitos de Tráfico, que seria realizada em um dos principais pontos turísticos da cidade, a Ponte dos Ingleses.25 Em São Paulo, o Desembargador Ricardo Cardozo de Mello Tucunduva também proibiu a manifestação dizendo que a mesma “redundaria em ato ilícito”, já que “o simples uso da maco- nha é ato ilegal”, determinando providências à Secretaria de Se- gurança do Estado, pelo que os organizadores optaram pelo cancelamento.26 Em Brasília, a Juíza substituta da 3ª Vara de Entorpe- centes, Dra. Rejane Zenir Teixeira Borin seguiu o exemplo de seus colegas, proibindo a manifestação, sob o argumento de que “esse tipo de evento instiga o uso de entorpecentes, além de instigar a prática de crimes, o porte e uso da droga”. Afirmou ainda que o local e hora (domingo, às 14:00 horas, com saída da catedral de Bra- sília) eram inapropriados, dada a presença de famílias, com cri- anças e adolescentes. Também, no texto da liminar, ela deixa claro o seu entendimento de que o direito de reunião pode ser limitado diante de outros valores constitucionais, como a pro- teção de interesses públicos.27 25. Informações sobre Curitiba, Belo Horizonte e Fortaleza, conforme noticias coletadas no Portal Terra http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,,OI2863109-EI306,00.html. 26. http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/50530.shtml 27. No sítio do jornal O Globo – On Line, em http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/05/02/ justica_proibe_marcha_da_maconha_prevista_para_comecar_na_catedral_de_brasilia- 427176037.asp. 40
  • 43. Nos locais onde a Marcha ocorreu, alguns fatos mere- cem registro. Em Porto Alegre, a Juíza Laura de Borba Maciel Fleck, às 20h05, do sábado (3/5) concedeu habeas-corpus aos manifestantes que assim, no dia seguinte, portando salvo-con- duto, manifestaram-se sem incômodos policiais.28 Em Brasília, apesar do veto judicial, em frente ao Mi- nistério do Trabalho, manifestantes deram-se as mãos, canta- ram parte do Hino Nacional e deitaram-se no chão, figurando com os corpos o formato da folha da maconha. Em seguida, leram trecho do artigo 5º da Constituição Federal que fala so- bre a liberdade de reunião.29 Em Recife, cerca de 100 pessoas se manifestaram, dis- tribuindo panfletos defendendo a descriminalização da maco- nha. Embora ninguém tenha fumado a droga, um grupo de pessoas “brincou” com cigarros falsos. No Rio de Janeiro, a Marcha, vetada pelo Tribunal de Justiça, transformou-se em “Caminhada pela liberdade de expres- são”, como ocorreu em outros lugares. Na capital fluminense foi preso o advogado Gustavo Castro Alves, de 26 anos, que foi ao local de onde partiria a caminhada (praia do Arpoador), conduzindo sua cadela (pobrezinha!) que carregava um cartaz no pescoço onde constavam as frases: “A estupidez é essência do preconceito. Legalize a cannabis”. Na Paraíba, segundo a PM, fo- ram oito os detidos, mesmo saldo da Polícia em Salvador.30 Paralelamente à tentativa de realização da Marcha na ca- pital fluminense, 200 pessoas participaram da manifestação “O Rio em defesa da família”, na orla de Copacabana. A passeata foi organizada pela Comissão Municipal de Prevenção às Drogas da Câmara do Rio de Janeiro, para se contrapor à Marcha da Maconha, ou seja, uma contramarcha. Conforme matéria no 28. Processo: HC 91.080.118.354, cfe a Revista Consultor Jurídico, citada em: http://direi- toedemocracia.blogspot.com/2008/05/marcha-da-maconha-e-democracia.html. 29. Cfe. reportagem de Renata Mariz para o Correio Braziliense, disponível em: http:// w w w. c o r r e i o b r a z i l i e n s e . c o m . b r / h t m l / s e s s a o _ 1 3 / 2 0 0 8 / 0 5 / 0 4 / noticia_interna,id_sessao=13&id_noticia=4152/noticia_interna.shtml . 30. Matéria e sítio na internet já citados. 41
  • 44. “Observatório do Direito à Comunicação”,31 as palavras de ordem eram em favor da família, dos bons costumes e da moral. Par- ticiparam da manifestação crianças de um projeto social, esco- teiros, atletas de um clube de futebol, integrantes do movi- mento integralista e políticos, entre eles, a vereadora Silvia Pontes (DEM) que explicou que o protesto não era apenas contra a maconha, mas contra todos os tipos de entorpecen- tes. A mesma vereadora, entretanto, teria dito: “Não sou favorá- vel à legalização, mas não sou contra a marcha (da maconha). É um di- reito deles. A gente deve brigar por aquilo que acredita”. Os adeptos da “Marcha da Maconha” reagiram. Ainda no Rio ocorreu, na semana seguinte, no mesmo local para onde antes programada a Marcha, e onde realizada a “Caminhada”, o “Dia da luta pela liberdade de expressão”, na praia de Ipanema. Renato Cinco, já citado como um dos organizadores do evento em todo país, repetiu: “não estamos defendendo o uso de qualquer droga, mas a mudança da legislação”. Revoltou-se ainda com as acusações de financiamento ilícito, divulgando os nú- meros referentes à coleta de fundos, que eram provenientes basicamente da venda de camisetas. O professor de Antropologia Edward Macrae, presi- dente do Grupo Interdisciplinar de Estudo do Uso de Substâncias Psi- coativas afirmou que ocorrera, com as proibições, “uma absurda interferência no direito de livre expressão do cidadão que está pedindo para fazer uma mudança na lei”.32 “A necessidade de um amplo debate acerca dos efeitos da proibi- ção do comércio destas substâncias psicoativas acaba sufocada pelo reduci- onismo moral”, disse Orlando Zaccone, delegado de Polícia Civil do Rio de Janeiro e doutorando em Ciências Políticas na Uni- versidade Federal Fluminense. “Retornamos aos velhos argumentos proibicionistas que vinculam drogas ilícitas à expressão do mal, principal- mente no tocante à destruição dos “elevados” valores morais da família e da sociedade brasileira”, garantiu. “Nos Estados democráticos e de di- 31. Idem. 32. Conforme consta em http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/05/0...a-427190900.asp. 42
  • 45. reito, o campo das ações jurídicas não deveria ser confundido com o das questões morais”.33 Bom, será que se trata só de cerceamento de liberda- des, discurso retrógrado, “reducionismo moral”? Certamente que não. Continue seguindo o fio tortuoso (admito), do meu racio- cínio, caro leitor. 33. Em “Observatório do Direito à comunicação”, endereço citado. 43
  • 46. 44
  • 47. TODA MARCHA É GRITO, TODO GRITO PROPAGA, TODA PROPAGANDA INCITA Em um documento intitulado “Apologia ao crime ou à De- mocracia?”, o Coletivo Marcha da Maconha Brasil afirma que a Mar- cha não é um evento de cunho apologético, nem seus organiza- dores incentivam o uso de maconha ou de qualquer outra substância ilícita ou lícita, nem a prática de qualquer crime. “Sabemos que fumar, plantar ou portar maconha, mesmo para consumo próprio ainda é crime. No entanto, a organização social e política para lu- tar por mudanças nas leis e políticas públicas que regem tais comporta- mentos é um direito”, defende o documento.34 É ou não “apologia” à droga, a “Marcha da Maconha”? É de domínio comum o sentido da palavra “apologia”. Quando Platão produz a “Apologia de Sócrates”, todos entende- mos que, reproduzindo a defesa que Sócrates fez de si mesmo, faz seu louvor, seu elogio, reconhece e realça-lhe os méritos. Já a definição dicionarizada de ‘marcha’ remete apenas a caminhada, modo de andar, cortejo ou progresso, etc., e acepções similares. Mas ninguém duvida do que é uma mar- cha. Afinal, marcham soldados, sem-terras, marcharam comu- nistas chineses em sua revolução e negros em luta por direitos civis. Soldados marcham no Dia da Pátria, louvando-lhe as glórias. Sem-terras marcham criticando a concentração fundiá- ria e propagandeando os méritos e a necessidade da Reforma Agrária. Comunistas marcharam difundindo as idéias maoístas 34. Idem. 45
  • 48. e negros fizeram de sua marcha sobre Washington um grito pela liberdade e espalharam ao mundo os valores dos seus ide- ais. Há denúncia, há defesa e louva-se virtudes sempre, por- tanto. Adeptos sempre são arregimentados. Outro termo que nos ajuda na compreensão aqui ne- cessária, é a palavra ‘passeata’, que traz como uma das defini- ções, conforme o Novo Dicionário Aurélio da Língua Portu- guesa (Positivo, 2004): “marcha coletiva realizada em sinal de regozijo, reivindicação ou protestos cívicos, ou de uma classe”. (grifei) Logo, a “Marcha da Maconha” talvez melhor seja enten- dida como uma passeata onde se estaria demonstrando ‘rego- zijo’ pelos benefícios trazidos por aquela droga aos seus usuá- rios. Neste sentido, poderíamos compará-la à “Marcha para Jesus” onde, a cada ano, milhares de pessoas manifestam seu ‘regozijo’ religioso, com evidentes intenções proselitistas, tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo. Mas, conforme o dicionário, a ‘Marcha’ poderia estar promovendo ‘reivindicação de caráter cívico’. A comparação, aqui, se faria melhor com a “Marcha a Brasília”, promovida periodi- camente sob coordenação da Confederação Brasileira dos Mu- nicípios, para apresentação das reivindicações daqueles entes federativos. Logo, seria um ato de civismo a defesa da libera- ção do consumo da droga? Parece que não. Sob essa ótica, quando muito, poderíamos entender que a ‘marcha’ supunha como cívica, a defesa do livre arbítrio na questão do con- sumo da droga, sem interferência estatal. O tal ‘direito ao uso do próprio corpo’. Quanto ao aspecto de ‘reivindicação de classe’ – no que se compararia com a “Marcha dos Sem-Terra”, também levada a Brasília periodicamente, sob direção do MST – teríamos que, aqui, abandonar os conceitos tradicionais, usados em econo- mia ou política, de ‘classe’ no sentido de divisão do trabalho, de camada social ou categoria de trabalhadores. A ‘classe’, aqui, é a dos ‘usuários de maconha’ ou, eventualmente, até a classe dos ‘de- fensores do livre arbítrio’. 46
  • 49. De todo modo, seja lá por qual aspecto se veja o caso, ‘marchas’, historicamente, são utilizadas como veículos de ma- nifestação política. Os partidos de esquerda radical sempre ti- veram seus comitês de “agit-prop”, agitação e propaganda. Uma das atividades mais comuns, além de afixação de cartazes, ma- nifestações, comícios-relâmpago, panfletagens, é exatamente a marcha ou passeata. Na Marcha dos Direitos Civis, capitaneada 45 anos atrás pelo Pastor Martin Luther King, ele pronunciou, em Washing- ton, seu célebre discurso “Eu tenho um sonho”. Foi um marco na luta pelos direitos civis dos negros americanos. Serviu para a exposição do drama da segregação racial e para a propaganda dos princípios defendidos pela militância dos direitos dos ne- gros. O mundo agora assistiu, na eleição de Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos, os frutos do que se propagou naquela Marcha. Foi Mao Tsé Tung quem, na China, liderou “A Grande Marcha”, que serviu para a divulgação das idéias dos revolucio- nários chineses, no caminho até a vitória da Revolução Comu- nista. Em seu texto “Sobre a Tática na Luta contra o Imperialismo Japonês”, escrito em dezembro de 1935, o líder chinês disse: “Mas pode perguntar-se: que significado tem a Grande Marcha? Nós responderemos que, foi o de ter sido a primeira do seu gênero registrada na História, um manifesto, um destacamento de propaganda e uma máquina semeadora.”35 (grifei). A Marcha de Mao lançou as ba- ses do que viria a ser a potência chinesa que hoje assombra o mundo com seu poderio. Às vésperas da invasão do Iraque pelas forças america- nas, em 2003, movimentos civis americanos e grupos de artis- tas – dentre os quais se destacou como liderança, o ator Martin Sheen (que na época vivia o presidente americano no seriado de TV “The West Wing”) – coerentes com os novos tempos, promoveram a “Marcha Virtual em Washington”. Todos os meios de comunicação (e-mails, faxes, telefonemas, etc.) foram mobili- 35. Em http://www.defesanet.com.br/zz/hist_great_march_1.htm 47
  • 50. zados por milhares de manifestantes que demonstravam seu inconformismo com a decisão prestes a ser tomada pelo presi- dente Bush. Se esta Marcha não obteve êxito imediato, clara- mente propagandeou a indignação que, mais tarde, contribui- ria para a eleição de Obama. Como se vê, ninguém realiza ‘marcha’ ou ‘passeata’, se não pretende defender alguma proposta. Para que a defesa tenha eficácia, necessariamente devem ser divulgados os bene- fícios da proposta. Logo, realiza-se sua propaganda. Propa- ganda, conforme o ‘Aurélio’, dentre outras acepções, é “pro- pagação de princípios, idéias, conhecimentos ou teorias, sendo também di- fusão de mensagens, geralmente de caráter informativo e persuasivo, como o que se faz no mercado publicitário”. Apologia, também conforme o dicionário, é “discurso para justificar, defender ou louvar, ou encômio, louvor, elogio”. No verbete elaborado para o Dicionário de Política orga- nizado por Norberto Bobbio e outros, Giácomo Sani define a ‘propaganda’ como “difusão deliberada e sistemática de mensagens desti- nadas a um determinado auditório, visando a criar uma imagem positiva ou negativa de determinados fenômenos (pessoas, movimentos, aconteci- mentos, instituições, etc) e a estimular determinados comporta- mentos.”36 (grifei) Acresce que “em suas acepções mais correntes, a Propaganda difere de outras formas de persuasão, enquanto realça ele- mentos puramente emotivos, recorre a estereótipos, põe em relevo só certos aspectos da questão, revela um caráter sectário, etc. (...)”. Portanto, um movimento que se intitula ‘Marcha da Ma- conha’, cujo sítio na internet adota como marca a folha da can- nabis, não tem, obviamente, outra função que não defender o uso da maconha, através da remoção do obstáculo legal hoje existente. E há uma questão de lógica. Se a sociedade estatuiu algo como crime, através de uma lei, o combate a essa lei, ne- cessariamente resultará em incentivo ao crime que se preten- deu coibir. Ainda que a Marcha defenda, implicitamente, a li- berdade de escolha, no que poderia ser entendida como ato 36. Editora Universidade de Brasília, 1986. pp. 1018 48
  • 51. cívico, propaga, necessariamente, os benefícios do consumo da maconha ou, quando menos, tenta desmistificar seus male- fícios, inclusive ‘realçando aspectos emotivos’ e ‘pondo em relevo só cer- tos aspectos da questão’. Logo, para mim, a ‘Marcha da Maconha’ faz propaganda e, por conseqüência, apologia, de uma droga ilícita. No passo em que estamos, não seria inconveniente que tais debates fossem travados, por exemplo, como sugeriu o promotor mineiro, no ambiente acadêmico, em discussões so- bre a segurança pública ou, ainda, em comissões próprias do Congresso Nacional. Neste particular cabe, para ser honesto com as fontes, registrar que membros do Coletivo Marcha da Maconha, teriam sido presos ao tentar realizar o Seminário “Maconha na Roda”, no Rio de Janeiro, o que, se se tomaram as cautelas referentes à não presença de menores, de que tratare- mos no capítulo final, é absolutamente incorreto. O mesmo se dera com estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais, impedidos de exibir dentro da Universidade o filme “Grass”, documentário que debate as origens da proibição.37 Mas a ressalva feita nos é útil. Se no próprio ambiente acadêmico, que defendemos como palco possível aos debates pretendidos, há restrições, veja-se que as lideranças dos movi- mentos pela liberação parecem esquecer que, até para modi- ficá-lo, devem estar sensíveis e afinadas com o contexto histó- rico em que atuam, respeitando seus ritmos. Se não há consenso na academia, muito menos haverá nas ruas. A ‘Mar- cha da Maconha’ violenta o senso comum, por mais críticas que se tenha à forma como este se elabora. Mas o senso comum é também o repositório profundo de costumes ancestrais, que não se modificam do dia pra noite. Não existe acúmulo de re- flexão sobre o tema, na sociedade, para que se pretenda, possa o poder público permitir a realização de ato que defende, ainda que por via indireta, uma ilicitude. 37. Conforme a citada matéria do “Observatório do Direito à Comunicação”. 49
  • 52. Alguém poderá pretender, como o fazem os defenso- res da Marcha, que combater a escravidão, por exemplo, ou a monarquia, eram também, em seu tempo, ilegalidades, ou, quando menos, combates à legalidade. Os que principiaram tal luta se colocaram no papel de vanguardas, à frente do seu tempo. Mas há vanguardas que vão tão à frente que, conside- rando um sistema de autódromo, chegam a estar em reta- guarda, por vezes. Um velho sábio militante comunista (Hum- berto Campbell, ex-presidente do Sindicato dos Bancários do Rio, que sofreu as agruras do golpe militar), uma vez me ad- vertiu: “O perigo de extremar-se à esquerda é que a luta política é um círculo. Pode-se acabar na direita”. Lênin, estudando o “esquer- dismo”, qualificou-o como a “doença infantil do comunismo”. Em cer- tos aspectos, a luta pela liberação da maconha é uma enfermi- dade pueril do “progressismo”. Vanguardas, por vezes, caminham sem povo. Isoladas, às vezes até obtêm aparente sucesso, mas provocam artificiali- smos ou conchavos elitistas, como por exemplo, o artefato de dominação monárquica que se tornou a República brasileira dos primórdios, vencedora contra o Império do tão estimado e republicano Pedro II, ou a vanguarda bolchevique, que acaba abrindo as portas ao stalinismo. Quem trabalha desafinado com a sua própria realidade, desprezando o seu contexto, querendo “tudo ao mesmo tempo, agora”, pretende o papel de vanguarda. E não é raro, entre vanguardistas, existirem candidatos a mártires e heróis. Os que foram presos nas marchas realizadas neste ano, são trata- dos como heróis pelos militantes do movimento. E sua cora- gem talvez mereça mesmo realce, em tempos de tantas covar- dias. Mas... Aqui surge uma grave questão. Supondo a disposição ao martírio como aquela atitude extremada do que se propõe, no limite, a arriscar sua segurança e sua vida por uma causa, devemo-nos perguntar sobre a nobreza da causa. Morre-se por liberdade política. Morre-se pelo direito de voto. Morre-se 50
  • 53. pelo fim do preconceito racial. Morre-se na luta pela reforma agrária. Agora, num país como o Brasil, supondo que as coisas fossem assim extremas, vale a pena morrer pelo direito de fu- mar maconha?! Cada um sabe aonde empenha sua alma, mas é de gerar perplexidade. Não que causas menores não possam embutir grandes princípios. Afinal, rebeliões nascem e trans- portam grandes mudanças, por conta de aumento no preço do pão ou do transporte, por exemplo. Mas martírios programa- dos – sim, porque estes, da Marcha, o são – devem ser úteis, sacrifícios buscados deveriam ser fundantes e oportunos. No Brasil de hoje, esta parece uma luta, não só inoportuna, como, ainda, indevida. Seja mártir, mas não seja idiota, diria o velho Campbell. Porém, como não uso os sapatos de ninguém, respeito os calos de todos. Por isso a dor de cada um e, portanto, a causa de cada um é urgente. Mas a luta exacerbada pelo que se considera um progresso pontual pode gerar a reação de um re- trocesso sistêmico. Apressar o rio com cascatas extemporâ- neas pode derrubar barrancos e atrapalhar a irrigação que ma- taria muitas fomes. Brecht, certa vez advertiu que as pequenas mudanças eram inimigas das grandes mudanças. 51
  • 54. 52
  • 55. CHEGOU A HORA DA “MACONHABRÁS”? A Marcha da Maconha no contexto brasileiro O modelo de políticas de saúde pública de redução de danos, na questão das drogas, tem sua matriz na Europa Oci- dental, particularmente, nos países nórdicos. Veja-se que são países onde o Estado de Bem-Estar consolidou modelos de aten- dimento às necessidades básicas da população, como saúde, educação e transporte público, desde a primeira metade do século XX. Já o Brasil, luta para fazer valer a Constituição de 88 onde, de maneira mais orgânica, pela primeira vez, aquele mo- delo de Estado foi prescrito. Entretanto, sabemos que o con- texto em que a Carta Maior passou a viger não lhe foi favorá- vel. Houve coincidência com a emergência das políticas neoliberais fortalecidas pela queda do Muro de Berlim. A maior parte das ações estatais prescritas se fez letra morta. Hoje, temos um sistema de saúde falido, no qual o usu- ário do SUS aguarda por meses a vez para um simples exame pré-operatório. As filas nas emergências e ambulatórios do sis- tema deveriam envergonhar qualquer brasileiro. Algumas ma- ternidades viraram fábricas de “anjos”. Pessoas de idade são abandonadas em macas, pelos corredores. Faltam leitos, falta capacitação, os equipamentos são insuficientes. Recentes pes- quisas demonstraram a solução que o país encontrou para esse caos. Foi a “privatização” do sistema, através da disseminação dos planos de saúde privados. O total de capital despendido 53
  • 56. por particulares em planos de saúde já é maior do que o inves- timento estatal na área.38 Quadro similar encontramos no sistema educacional. As famílias de classe média investem no ensino particular, dado o quadro de abandono das escolas públicas. O pior é que o sistema se afunila no terceiro grau, de forma a privilegiar, em universidades públicas, o egresso da escola particular. A tenta- tiva de reparar tal injustiça sistêmica surgiu apenas recente- mente com a política de cotas nas faculdades públicas e de in- centivo fiscal às particulares, visando ao ingresso de estudantes carentes (PROUNI). Mas o problema educacional é ainda maior no ensino fundamental, onde temos recorde de matrículas, a partir de programas como o Bolsa-Família, mas ao mesmo tempo, re- corde de evasão e, pior, de analfabetismo funcional. A situação econômica do país também não ajuda. Mesmo aqueles que conseguem um grau de escolaridade avan- çado, não conseguem colocação no mercado. Os empregos es- casseiam e aumenta o emprego precário ou o subemprego. É comum a existência de filas para concursos de garis, por exem- plo (como ocorreu no Rio de Janeiro), onde buscam colocação trabalhadores com diplomas universitários. Outro fator de grande importância é a influência da mídia sobre a população em geral e sobre a população infanto- juvenil em particular. Até há pouco, havia descontrole total so- bre conteúdos exibidos. As mazelas do período da ditadura, com a censura implacável, deixaram produtores, artistas e exi- bidores extremamente sensíveis e reativos a qualquer tentativa de controle de programação e produtos audiovisuais. Essa lacuna permitiu absurdos, que só agora começam a ser ti- midamente corrigidos com a adoção da classificação indica- tiva e com a tentativa de proibição da publicidade direcionada 38. A pesquisa de Economia e Saúde do IBGE, divulgada nos jornais de setembro de 2008, definiu que dos gastos totais efetuados com saúde no Brasil, 60% eram de particulares. O percentual estatal era bem inferior ao dos países desenvolvidos e aos de muitos países em desenvolvimento. A Folha de S.Paulo, dentre outros veículos, deu repercussão à notícia. 54
  • 57. a crianças. Mas a mídia eletrônica segue injetando valores ma- terialistas, consumistas e deseducando a fraternidade. Juntando-se os vários componentes do quadro – e há muitos outros! – é possível montar um pano de fundo que in- duz a juventude à desesperança. Contribui para isso a falência das utopias e dos projetos políticos de construção solidária. O jovem sabe que a escolaridade não é mais garantia de emprego. Quando tem emprego, sabe que pode perdê-lo a qualquer mo- mento. Preocupa-se intimamente com a questão da saúde, muitas vezes vendo sua família passar dificuldades nessa área. A reação de grande parte da juventude tem sido, na falta de horizontes, mergulhar na “zoação”, buscar prazeres fu- gazes, já que a felicidade efetiva parece distante. O ser humano nasceu pra buscar sobrevivência, conforto e realização pessoal, nesta ordem. Disponível só a demanda primária, as carências se refletem nos elevados índices de alcoolismo e drogadição precoces, no aumento da gravidez adolescente e na explosão da violência infanto-juvenil. Não se pode tratar a questão das drogas fora desse contexto. Talvez por isso, notórios defensores da liberação da maconha, como o Deputado Federal Fernando Gabeira39 e o Ministro do Meio Ambiente Carlos Minc, estejam revendo ou mitigando suas posições. Claro que o mais provável é que o atual comprometimento institucional desses políticos – um foi candidato à Prefeitura do Rio e o outro assumiu o importante cargo federal – os tenha levado a adaptações de discurso vi- sando a não afugentar o público mais conservador. Seja porque razão for, o fato é que eles, hoje, defendem a liberação mais timidamente, condicionando-a a fatores que antes não incorporavam à tese que sempre sustentaram, como a reestruturação do aparato policial e a reeducação dos agentes públicos. 39. O Deputado mantém o sítio http://www.gabeira.com.br através do qual se chega à pá- gina /e-legalize/. 55
  • 58. Em entrevista recente a um jornal, Fernando Gabeira afirmou que é a favor da descriminalização da maconha, desde que se tenha uma polícia avançada” e que “a questão das drogas é muito complicada. As pessoas não têm o horizonte da discussão so-bre a legalização, ou não, e acho que têm razão. A discussão sobre legalizar ou não foi um pouco inútil. Hoje considero que perdi a energia (grifei). 40 Sobre esse aspecto, da questão policial como única condicionante da liberação da maconha, é interessante o depo- imento da psicóloga Eliene de Freitas, da Universidade Federal do Amazonas, especialista em dependência química, que acha que, ainda que a polícia tenha o controle da situação, pode não haver uso controlado de substâncias entorpecentes do ponto de vista da saúde. O que nos remete a outro aspecto. Afirmou: “Não há como garantir que a liberação da maconha vai permitir um uso limitado, sem causar dependência química. A maconha é uma droga psicoativa e, por si só, tem esse po- tencial de causar dependência. Por isso, toda essa questão ainda exige muita discussão, para que sejam pesados os benefícios apontados por quem defende e os prejuízos que seu uso traz”.41 Sobre dependência química, é sempre interessante o depoimento de Rafael Ilha. Assisti sua fala no Programa “Me- lhor do Brasil”, apresentado por Rodrigo Faro, na tarde do sá- bado, 27/09/08, no quadro “Lavando a Roupa Suja”. O ex-inte- grante do grupo Polegar tem uma dramática e conhecida história de envolvimento com drogas. Estaria “limpo” (sem usar qualquer droga) há 08 anos. Hoje, inclusive, é proprietário daquela que seria a maior clínica de recuperação de dependen- tes químicos do Brasil. Ele afirmou: “A dependência química é uma roleta-russa. Como não dá pra saber antecipadamente quem vai se viciar, o melhor é ficar longe das drogas.” 40. http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080827/not_imp231436,0.php. 41. http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/05/06/materia.2007-05-06.7579248418/ view 56
  • 59. “A roleta-russa da dependência” é exatamente o nome de um quadro-resenha da Revista Veja, em matéria sobre a questão (“A volta por cima – Novos métodos de tratamento ajudam um número crescente de viciados a vencer o horror das drogas”)42. Ali se divulga obra lançada pela Editora Casa Amarela, “O Revólver que Sempre Dispara”, de autoria de Emanuel Ferraz Vespucci e Ricardo Vespucci. Emanuel é médico, atuante no tratamento de depen- dentes químicos. “O livro traz uma estatística aterradora: entre 12% e 15% das pessoas teriam predisposição orgânica ao desenvolvimento da dependência. Para elas, a primeira dose seria como um jogo de roleta- russa, cujo final seria sempre a tragédia.” O artigo da Veja revela ainda que a maioria dos viciados internados em clínicas de re- cuperação de dependentes químicos, usam mais de uma droga. As mais usadas são: álcool 80%, cocaína 60%, maconha 40%, remédios 25%, crack 25%. Na matéria, essa presença impor- tante da maconha no contexto da dependência, é realçada pelo depoimento de Leila Marcelino, de 39 anos. De classe média, casada, dona de casa, mãe de dois filhos, Leila durante cinco anos afundou-se na cocaína e no crack. Quando o marido per- cebeu, ela já cheirava cocaína todas as tardes e o seu círculo de amizades se resumia a traficantes e bandidos. Internada, recu- perou-se, mas não esquece que tudo começou quando provou maconha aos 30 anos, por causa de “um vazio inexplicável”. O caso de Leila aponta outro fator que deve ser trazido à discussão em terras brasileiras: o recorte social em que se en- quadram os usuários de drogas. Pesquisa divulgada pela Funda- ção Getúlio Vargas, no estudo “O estado da juventude: drogas, prisões e acidentes”, trouxe dados reveladores, baseados na pesquisa de orçamento familiar do IBGE, em que foram entrevistadas 182.000 pessoas em todo o país, no ano de 2003. O levanta- mento indica, primeiro, que o consumidor de drogas no Bra- sil é jovem. Enquanto a juventude brasileira (entre 10 e 29 anos) conta 39% da população geral, o número de jovens al- cança 86% do total de usuários. O consumidor de drogas tí- 42. http://veja.abril.com.br/idade/educacao/pesquise/drogas/1625.html. 57
  • 60. pico é também do sexo masculino. Enquanto os homens na população brasileira são 49,82% do total, avolumam-se a 99% dos usuários. Também – e aqui, o dado mais intrigante – pre- domina o usuário pertencente à classe ‘A’. Para 5,8% de abasta- dos na população brasileira, temos uma relação de 62% de pertencentes a essa classe, dentre os usuários. O coordenador da pesquisa da FGV, o economista Marcelo Néri, fez questão de realçar a hipótese de eventual desvio no resultado, por conta de possível falseamento nas res- postas, no que concerne à classe dos usuários. A percepção de impunidade pode dar aos mais ricos menos receio de se expor do que os mais pobres.43 De todo modo, o Diretor-Executivo do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes (UNODC), Antonio Maria Costa, na divulgação do “Relatório Mundial das Drogas/ 2006”, alertou, ao anunciar que “o problema mundial das drogas está sendo contido”, que era necessário passar da contenção do problema para a redução. E qual o maior obstáculo para isso? Giovanni Quaglia, representante do UNODC para o Brasil e Cone Sul, alertou que “um dos problemas é que há muitos profissio- nais, pessoas com alto nível de educação e renda, que usam drogas no mundo todo”.44 Ou seja, o consumo de drogas pelos mais abas- tados é que impede a redução do problema. Renato Cinco pensa exatamente o contrário. No blog45 que mantém no ar, supõe que a repressão às drogas traz um cunho de discriminação social. “Basta de guerra aos pobres!”, brada, como título da página. Esta é igualmente a visão do “Movimento Nacional pela Legalização das Drogas”, que também mantém um blog na internet. Em um dos manifestos, chegam a afirmar que, “a perseguição aos comunistas, ao ‘perigo vermelho’, foi substituída pela repressão aos pobres, em nome da ilegalidade do comércio das drogas”. 43. Conforme o sítio “Observatório Jovem”, no endereço http://www.uff.br/obsjovem/ mambo/index.php?option=com_content&task=view&id=364&ltemid=8. 44. www.antidrogas.com.br/unodc relatorio2006.php. 45. http://blogdocinco.blogspot.com/2007/12/marcha-da-maconha-2008.html . 58