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COLEÇÃO HUMANIDADES

      Coleção coordenada pelo Núcleo de Humanidades
             do Centro de Ciências Humanas da
             Universidade Federal do Maranhão




Endereço para correspondência e pedidos:
Universidade Federal do Maranhão - Centro de Ciências Humanas -
Núcleo de Humanidades - Av. dos Portugueses, s/n – CEP: 65085-580
– São Luís – MA – Brasil.
Fones (98) 2109.8300 / 2109.8302 – Fax:: (98) 2109. 8301
E-mail: nucleohumanidades@ufma.br
Home page: www.nucleohumanidades.ufma.br
ALEXANDRE FERNANDES CORRÊA




            PATRIMÔNIOS
          BIOCULTURAIS:

ENSAIOS DE ANTROPOLOGIA DO PATRIMÔNIO CULTURAL
             E DAS MEMÓRIAS SOCIAIS




                    1a Edição


                São Luís - Edufma
                      2008
Copyright © 2008 by Núcleo de Humanidades/CCH/UFMA
                   UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
                             Reitor: Natalino Salgado
                     Vice-Reitor: Antônio José Silva Oliveira
                          CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
                           Diretor: Lyndon de Araújo Santos
                             NÚCLEO DE HUMANIDADES
                             Coordenador: Claudio Zannoni
          EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
                   Diretor: Ezequiel Antônio Silva Filho
                            COMISSÃO EDITORIAL:
Antônia da Silva Mota (DEHIS/UFMA); Claudio Zannoni (DESOC/UFMA); José Henrique
 de Paula Borralho (DEHIS/UEMA); Almir Ferreira da Silva Jr. (DEFIL/UFMA); Manoel
  William Ferreira Gomes (DEPSI/UFMA); Maria da Graça Pereira Guimarães Corrêa
 (DELER/UFMA); Maria Mirtes dos Santos Barros (DEARTE/UFMA); Ronaldo Rodrigues
          Araújo (DEGEO/UFMA); Sílvia Cristina Duailibe Costa (CCH/UFMA)

                                Organizador da Coleção
                                    Claudio Zannoni

                                         Capa
                          Disco de Festo - Creta - 1.600 a.C.

                                         Revisão
                                   Ramiro Corrêa Azevedo

                              Editoração Eletrônica
                       Claudio Zannoni e Victor de Lima Alves
              Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

             CORRÊA, Alexandre Fernandes
                 Patrimônios Bioculturais: ensaios de antropologia do patrimônio
             cultural e das memórias sociais / Alexandre Fernandes Corrêa –
             São Luís: Edufma, 2008.
                 (Coleção Humanidades, n. 1)
                 182p., 21,5cm.

             Bibliografia
             ISBN 9 78 - 8 5 - 8 5 0 4 8 - 9 8 - 3

             1. Patrimônio – preservação             2. Patrimônio Biocultural 3. Memórias
             Sociais - naturais I. Título

                                                                   CDD    363.69
                                                                   CDU    351.711:719

                                                 2008

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APRESENTAÇÃO COLEÇÃO HUMANIDADES
O saber deve ser como um rio,
                           cujas águas doces, grossas,
                    copiosas, transbordem do indivíduo,
         e se espraiem, estancando a sede dos outros.
Sem um fim social, o saber será a maior das futilidades.

                                    GILBERTO FREYRE
ÍNDICE

Prefácio                                                                          13

Introdução                                                                        15

1.   Patrimônio em Perspectiva                                                    29
     1.   Teoria dos semióforos..............................................     30
     2.   Teoria da memória social..........................................      31
     3.   Saber patrimonial....................................................   38
     4.   A insurreição dos ‘saberes sujeitados’..........................        45
     5.   Pesquisa em processo..............................................      47

2.   Aspectos sócio-históricos e conceituais............ 49
     1. Monumento histórico e a idéia de patrimônio.................              49
     2. Instituição do patrimônio no Brasil...............................        52
     3. Predominância da categoria histórica e artística.............             58
     4. Constituição brasileira de 1988...................................        61
     5. Municípios, Estados e União.........................................      66

3.   Memória social & patrimônio........................... 69
     1.   Patrimônio meta-etnológico.......................................       69
     2.   Mário de Andrade e política cultural.............................       77
     3.   Patrimônio e sociedade.............................................     81
     4.   Recompor o todo......................................................   86

4.   Patrimônios bioculturais................................ 93
     1.   Crise dos critérios da autenticidade............................ 94
     2.   O antropólogo como caçador de réplicas...................... 96
     3.   Simulacros etnográficos............................................ 99
     4.   Limites: o labirinto da política e da ética.................... 100
Alexandre Fernandes Corrêa



5.     Patrimônios, museus & subjetividades........... 101
       1. Usos culturais dos acervos patrimoniais e museológicos..                    102
       2. Desafio do investimento museológico nas subjetividades
         populares.................................................................   103
       3. Museologia etnológica regional não-exótica.................                 104
       4. Novos patrimônios e novos museus...........................                 105
       5. Política cultural em perspectiva...............................             107

6.     Sociedade anônima & urbanidade enfurecida 109
       1. A cidade desmemoriada........................................... 114
       2. Patrimônios bioculturais na cena urbana..................... 115

7.     Novos patrimônios & novos museus............... 117
       1. Tombamento da Casa de Nagô................................118
       2. Diálogo intercultural em ação.....................................123
       3. A vocação etnológica dos tombamentos etnográficos......124
       4. A disputa pelas categorias.......................................127

8.     A Gestão Política do Teatro das Memórias...... 133

       Posfácio...................................................

       Notas......................................................... 141

       Referências................................................. 174




10
Patrimônios Bioculturais




                 SIGLAS E ABREVIATURAS


ABA – Associação Brasileira de Antropologia
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
CC – Conselho Consultivo do IPHAN
CNRC – Centro Nacional de Referência Cultural
CONDEPHAAT/SP – Conselho do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e
       Tecnológico do Estado de São Paulo
CONPRESP – Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental
       da Cidade de São Paulo
FNMP – Fundação Nacional Pró-Memória
FUNC/MA – Fundação de Cultura do Estado do Maranhão
FUNC/São Luís – Fundação de Cultura da Cidade de São Luís
IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
ICOMOS – Internacional Council on Monuments and Sites
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
LAA – Livro de Artes Aplicadas
LAEP – Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico
LBA – Livro de Belas Artes
LH – Livro Histórico
MEC – Ministério da Educação e Cultura
MES – Ministério da Educação e Saúde
MINC – Ministério da Cultura
PCH – Programa de Reconstrução das Cidades Históricas
SECMA – Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão
UNESCO – United Nations Educacional, Scientific and Cultural Organization (Organi-
       zação das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura)




                                                                                     11
Alexandre Fernandes Corrêa




12
Patrimônios Bioculturais




                                PREFÁCIO

         A defesa do patrimônio hitórico-cultural brasileiro é cercada por paradoxos e
ambigüidades. Exercida por órgãos e conselhos institucionais nos níveis federal, estadual
e municipal – nem sempre sintonizados acerca de conceitos, idéias, teorias e paradigmas
– a figura do tombamento permanece como o único recurso cívico capaz de conter a
voracidade das demolições, os desatinos do progresso, a pulsão de morte que regem a
destruição da memória.
         Tomando como referência as cidades de São Luís, monumento da humanidade,
e São Paulo, uma babel auto-organizada, Alexandre Corrêa realiza uma pesquisa
transcultural de complexos desdobramentos, demonstrando que esforços da sociedade
civil, quando conjugados à ação estatal, costumam produzir resultados irreversíveis
para a consolidação da identidade cultural. Os resultados do dispositivo tombatório são
ainda tímidos, dado o caráter tardio que cercou a criação dos órgãos preservacionistas
no Brasil. É conveniente nunca esquecer que o Serviço do Patrimônio histórico e artístico
nacional, o SPHAN, nasceu apenas em 1937 durante o Estado Novo.
         Pode-se constatar, porém, que o conjunto brasileiro de bens tombados já é
bastante expressivo. Mesmo que a equivocada distinção entre bens materiais e imateriais
– sem dúvida uma seqüela da dualidade cartesiana natureza e cultura – seja ainda
mantida nos dias correntes, terreiros, igrejas, monumentos, florestas, bairros atestam
que o homo sapiens não é apenas fabricador de instrumentos, mas um aliciador de
expressões universais que jamais serão apagadas da memória da espécie, apesar da
unidimensionalidade do progresso e da técnica, assim como da insensibilidade do poder
e da política, quaisquer que sejam eles.
         Costuma-se a dividir a história da preservação no Brasil em duas fases: a herói-
ca, capitaneada por Rodrigo Melo Franco de Andrade e Mário de Andrade, ambos res-
ponsáveis pelas primeiras formulações conceituais: a moderna, consolidada a partir da
aposentadoria de Rodrigo, em 1967, mais uma vez em plena ditadura militar, e pela
entrada em cena de Aloísio Magalhães no Instituto do patrimônio histórico e artístico
nacional, IPHAN, sigla que permanece até hoje, vinculada ao Ministério da Cultura. A
necessidade de se inserir o Brasil numa verdadeira política de civilização faz supor que



                                                                                      13
Alexandre Fernandes Corrêa



uma terceira fase, civilizatória, pode ser o horizonte cognitivo e biopolítico a ser ativado
pelos guardiões da conservação e da sustentabilidade da cultura.
         A Etnologia de emergência, proposta pelo autor como uma “operação humanista
de recuperação de saberes, fazeres e dizeres”, situa-se nesse foco analítico e certamen-
te exigirá uma ecoalfabetização de todos os setores sociais. Caso venha a contaminar os
órgãos preservacionistas, estatais ou não, poderia projetar o Brasil como um País preo-
cupado consigo mesmo, consciente de que tem algo a dizer e comunicar para o planeta
como um todo. Tenho convicção de que qualquer indivíduo que se aventure nos árduos
caminhos da preservação dos patrimônios bioculturais deve empenhar-se nessa missão
humanista e regeneradora de uma Terra-Pátria que faz juz a esse nome. Esse é o
objetivo maior a que Alexandre Fernandes Corrêa se propôs em sua tese de doutorado
defendida na PUCSP em 2001, transformada agora num livro instigante e desafiador.

        São Paulo, abril de 2008.

        EDGARD DE ASSIS CARVALHO
        Antropólogo PUC/SP




14
Patrimônios Bioculturais




                             INTRODUÇÃO


         O presente conjunto de ensaios trata das Políticas do Patrimônio Cultural e da
Memória social efetuadas nas décadas de oitenta e noventa, em duas cidades brasilei-
ras, São Paulo e São Luís, com o objetivo de perceber as ações de preservação1 dos
bens e acervos culturais, diante das novas exigências sociais contemporâneas. Escolhi
como recorte metodológico e ponto de partida empírico a análise de seis processos de
tombamentos etnográficos ocorridos nos conselhos de cultura e de defesa do patrimônio
dos estados de São Paulo e Maranhão.
         Como o termo patrimônio raramente aparece isolado, apresentando-se sempre
associado a diversas categorias (patrimônios históricos, artísticos, arquitetônicos, ecoló-
gicos, genéticos, etc.) procurei aqui delimitar a reflexão aos campos etnográfico e histó-
rico. Desse modo, a pesquisa enfocou os processos de tombamento ligados especifica-
mente aos bens e valores culturais classificados e inscritos como patrimônios etnográficos
e históricos, nos respectivos volumes dos Livros do Tombo estaduais.
         Este trabalho é também fruto do amadurecimento de idéias desenvolvidas a
partir de pesquisas realizadas no Estado de Pernambuco – onde cursei o Mestrado em
Antropologia Cultural no CFCH/UFPE2. Nessa ocasião, pesquisei sobre festas populares e
religiosas, especialmente as consagradas à Nossa Senhora dos Prazeres em Jaboatão
dos Guararapes, município que integra a região metropolitana do Grande Recife (Corrêa,
1993)3. Através desse estudo tive a oportunidade de aprofundar minha percepção das
singularidades e diferenças dos patrimônios históricos do Nordeste e do Sudeste4 do
país. Após anos de investigações sobre temas ligados ao patrimônio etnográfico e histó-
rico, como festas populares e religiosidade afro-brasileira – e, sobretudo, de um contato
mais efetivo com as obras seminais de Gilberto Freyre (1972, 1974, 1979, 1987) – um
novo universo de pesquisas antropológicas se abriu desde então.



                                                                                        15
Alexandre Fernandes Corrêa



        A experiência do contraste do Sudeste com o Nordeste incitou o desejo de
estudar os mecanismos sócio-históricos que engendraram realidades culturais tão
singulares. Com este trabalho pretendo dialogar com a diversidade etnológica e
antropológica da sociedade brasileira, constituinte de um mosaico biocultural todo
especial no contexto planetário5.
        No final dos anos oitenta, o contato com a cidade de São Luís foi marcante.
Na Geopolítica oficial o Estado do Maranhão situa-se hoje na região Nordeste, no
entanto, possui características sócio-culturais mais amazônicas do que propria-
mente nordestinas6. Esta particularidade imprimiu à região características muito
especiais. Por força de diferentes vicissitudes históricas e sócioeconômicas, a capi-
tal maranhense preservou no tempo um acervo magnífico de mais de 3 mil prédios
históricos, referentes ao período colonial, com exemplares arquitetônicos que da-
tam dos séculos XVIII e XIX, além de uma cultura popular viva e repleta de origi-
nalidades.
        Nasci e vivi mais de vinte anos na cidade do Rio de Janeiro. O patrimônio
histórico e arquitetônico carioca, apesar de muito significativo – como capital ad-
ministrativa do Reino Unido, do Império e de parte da República – está diluído em
manchas urbanas descontínuas espalhadas por vários bairros da cidade. Ao con-
trário, em São Luís – a exemplo de cidades históricas como Ouro Preto, Goiás
[Velho], Olinda, entre outras – o patrimônio histórico e arquitetônico se preservou
numa faixa compacta, num sítio contínuo e bem delimitado – o que não quer dizer
que não se encontra significativos exemplares históricos em diversos pontos da
ilha de São Luís. Como não poderia deixar de ser, esse conjunto é extremamente
impactante, não pela monumentalidade de seus prédios, palácios civis ou templos
religiosos, mas porque o conjunto produz um efeito cenográfico e paisagístico de
rara e excepcional homogeneidade. Isto tem aguçado muito os interesses do tu-
rismo cultural aos quais os temas do patrimônio atingem direta e indiretamente o
espaço da política cultural contemporânea.
        Após o mestrado em Pernambuco, retornando a São Luís como docente na
UFMA, retomei os estudos sobre o barroco nordestino, agora analisando símbolos
e imagens regionais maranhenses7. Contudo, foi o contato com o projeto Sincretismo
Cultural e Políticas do Patrimônio (Motta, 1993), proposto pelos professores Dr.
Roberto Motta e Dr. Henri-Pierre Jeudy, que me despertou de modo iluminador a
idéia de uma pesquisa sobre os patrimônios etnográficos do Brasil.
        A idéia original do projeto de Roberto Motta & Henri-Pierre Jeudy (1993) era,
com apoio de uma equipe binacional, realizar pesquisas comparativas entre Brasil e
França, enfocando as diferenças e semelhanças nas ações de patrimonialização efetiva-
das nos dois países. Desafortunadamente, esse projeto não foi levado a cabo, por ra-



16
Patrimônios Bioculturais



zões que não nos cabe considerar aqui, porém marcou definitivamente minha sensi-
bilidade para o tema do patrimônio cultural e das memórias sociais. Com o tempo
procurei modelos comparativos de patrimonialização em outros países, estabele-
cendo como ponto de partida as políticas implementadas na Europa, das quais se
destacam as recentes ações efetivadas na França. Há alguns anos, o Ministério da
Cultura8 francês aplica o conceito de patrimônio etnológico às ações de preservação
e promoção das diferentes etnias formadoras do país. Este foi um dos pontos de
partida comparativo mais importante, a partir daí passei a considerar as singularida-
des e peculiaridades do discurso patrimonial pronunciado no Brasil e na França.
Desde então amadureceu a idéia de realizar uma pesquisa comparativa confrontan-
do as políticas patrimoniais do Sudeste e do Nordeste do Brasil. Dessa forma, este
conjunto de ensaios é fruto de análises comparadas das ações de patrimonialização
efetuadas em São Luís e em São Paulo.
        Resumi ao máximo os antecedentes biográficos que sustentam uma trajetó-
ria pessoal de vida, como pesquisador e professor universitário. Poupo o leitor de
detalhes por demais subjetivistas, que poderiam resvalar para idiossincrasias des-
necessárias. O certo é que atualmente talvez compreenda melhor as motivações
subjacentes que me levaram a realizar esta pesquisa científica. Entendo que decidi
estudar os recentes processos de patrimonialização em nossa sociedade, em busca
de revelar aspectos que, para mim, ainda eram demasiadamente obscuros da nossa
realidade histórico-cultural. A partir de uma angústia intelectual genuína, fundada
numa crescente inquietação e perplexidade em relação as flagrantes e aberrantes
desigualdades entre os brasileiros, procurei responder àquelas preocupações iniciais
desenvolvendo esse trabalho de investigação semiológica9. Essa aventura tem sido
gratificante e o desafio estimulante; e ficará permanentemente gravada na minha
experiência de vida. Muitas perguntas foram respondidas, mas novas indagações
surgiram. E isto me tem motivado cada vez mais neste percurso aliada à vontade de
perscrutar os silêncios reiterados que envolvem a questão étnica e racial no país.
Refiro-me à falta de referenciais patrimoniais e culturais para a maioria dos acervos
populares e das minorias étnicas e dos migrantes no Brasil; um país que se esmera
em proteger há décadas os bens culturais (semióforos) das elites coloniais e moder-
nas, perpetuando, em ritos cada vez mais sofisticados, inscrições sacralizadoras nos
Livros do Tombo do IPHAN. Assim, essa pesquisa é uma tentativa de revelar alguns
mecanismos sutis dessa negação exercida peremptoriamente nos Departamentos
do Patrimônio espalhados pelo território nacional.
        Adentrando agora o conteúdo mais específico deste trabalho, o presente con-
junto de ensaios trata mais especificamente dos problemas que emergiram após o
surgimento recente dos chamados novos patrimônios10 na sociedade contemporânea. A



                                                                                   17
Alexandre Fernandes Corrêa



emergência desses novos sujeitos do patrimônio cultural e da memória social, no
cenário das políticas culturais, provocou mudanças no paradigma dominante que
tornam urgente pensar em novas ações de conservação, preservação e promoção
cultural11. Estes novos agentes colocam em cheque as práticas tradicionais de sal-
vaguarda patrimonialista, abalando o convencionalismo resistente na área
preservacionista.
        Com a intenção de compreender as nuanças deste conformismo, parti para a
análise de diferentes concepções de patrimônio cultural e da memória social, que atual-
mente são múltiplas e polêmicas. Desde o início do século há uma preocupação voltada
para esse tema em nosso país, mas sempre como preocupação de eruditos e bem
letrados.
        Na Europa, desde o final do século dezoito, manifestaram-se incipientes e
antecipatórias reflexões críticas ao trabalho de solapamento da memória da paisagem
urbana e social. O fim do ancien regime, e a ascensão do Capitalismo industrial, resulta-
ram em transformações radicais – num tempo de aceleração histórica que muito se
assemelha, nesse aspecto, com as transformações que estamos vivenciando na
contemporaneidade. Principalmente na França, após a Revolução de 1789, observamos
os primeiros registros de inquietações quanto ao destino histórico das paisagens urba-
nas. No Brasil, o processo de aceleração histórica, capitaneado pela industrialização e
urbanização tardia e caótica, culminou com o advento do Estado Novo, que estabeleceu
um novo regime de institucionalização, cristalizado na política oficial do patrimônio. O
arcabouço jurídico é definido e normatizado com a aprovação, no Congresso Nacional,
do projeto de criação do antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(SPHAN), em 1937. Trata-se do famoso Decreto-Lei nº25/37, documento em que se
esboça um conjunto de conceitos e categorias orientadoras de um arraigado
patrimonialismo centralizador.
         Até então, havia legislações estaduais de pouca abrangência, como em Minas
Gerais, Pernambuco e Bahia, as quais propunham ações preservacionistas desde a dé-
cada de 1920.
        Foi no Rio de Janeiro, em torno do grupo da Academia SPHAN – como ficaram
conhecidas as reuniões promovidas por Rodrigo de Mello Franco de Andrade – que se
codificou todo um aparato jurídico, mas também científico e estético, para a ação de
preservação oficial dos acervos barrocos coloniais da Coroa Portuguesa, Reino Unido e
do Império no Brasil.
        O decreto-lei referido foi aprovado após mudanças operadas num documento
pioneiro redigido por Mário de Andrade, a pedido do Rodrigo de Mello Franco de Andrade,
em 1936. Na proposta original do escritor paulista surgiu primeiramente a expressão
PATRIMÔNIO ARTÍSTICO NACIONAL, para, em seguida, depois de acordos nas comis-



18
Patrimônios Bioculturais



sões parlamentares congressuais, contemplar o HISTÓRICO. Em sessão específica des-
se ensaio será analisado esse documento original de Mário de Andrade, mas, de imedi-
ato, convém ressaltar que a formação jurídica de Rodrigo Mello Franco de Andrade
inscreveu categoricamente um perfil definido à figura acauteladora do tombamento,
dado que merece ser considerado pela crítica histórica12.
         Na esteira da argumentação aqui efetuada, adentrando os domínios mais
específicos da Etnografia e Etnologia do patrimônio e da memória, pretende-se de-
fender a constituição de um ponto de vista meta-etnológico para ultrapassar os
métodos racionalistas clássicos da antropologia colonialista. A vocação destes tex-
tos é crítica aos postulados e axiomas pertinentes ao ‘Grande paradigma do Ociden-
te’, herdeiro do Cartesianismo e do Positivismo cientificista. Com outras palavras,
busca-se um trajeto crítico em direção a um meta-ponto-de-vista13. Como se verá
mais adiante no texto, uma meta-etnologia parece cada vez mais se afirmar em
função das transformações que ocorrem nos paradigmas dominantes14. Torna-se
necessário, então, a superação dos obstáculos epistemológicos que travam novas
ações de preservação integradas e verdadeiramente bioculturais. Nesse sentido, é
urgente a efetivação de novas ações que não estejam mais presas, por exemplo, a
velha dicotomia Natureza/Cultura.
         Em nosso país, existem ministérios separados para a Cultura e o Meio Ambiente.
Esta configuração burocrática e administrativa tem criado diversos problemas para a
gestão dos acervos culturais e naturais. Esse tema merecerá também uma reflexão
mais demorada quando tratarmos da legislação federal e da Constituição Brasileira de
1988, em especial. Contudo, não poderia deixar de adiantar que o mote inspirador de
nossas reflexões sobre essa temática instigante, nasce de um postulado fecundo, apre-
sentado por Marcel Mauss: “Após terem forçosamente dividido e abstraído um pouco
excessivamente, é preciso que os sociólogos se esforcem para recompor o todo. Encon-
trarão assim dados fecundos” (1974, p. 181)15. As conseqüências lógicas e práticas
desse postulado não poderia ser outra senão a proposição de que é urgente reintegrar
as ações do patrimônio e da memória em políticas bioculturais16 não fragmentadas ou
dicotômicas, como acontecem atualmente. Este trabalho de reintegração se inspira
numa tradição etnológica francesa, mas não é exclusividade desta escola sociológica.
Contudo, é evidente que autores como Maurice Merleau-Ponty e Claude Lévi-Strauss
contribuíram muito com essa perspectiva. Se não vejamos alguns de seus apontamen-
tos mais significativos:

        (...) No fundo dos sistemas sociais aparece uma infra-estrutura formal, somos mesmo tentados
        a falar num pensamento inconsciente, uma antecipação do espírito humano, como se nossa
        ciência já estivesse feita nas coisas, e como se a ordem humana da cultura fosse uma segunda
        ordem natural, dominada por outros invariantes (Merleau-Ponty, 1984, p. 198).




                                                                                                19
Alexandre Fernandes Corrêa



         Na medida em que a função simbólica está avançada frente ao dado, inevitavelmente o todo
         da ordem da cultura que ele carrega tende a embaralhar-se. A antítese entre a Natureza e a
         Cultura torna-se menos nítida (Idem, p. 204).

         Em Claude Lévi-Strauss encontramos uma referência explicita desse esforço: “A
tarefa das Ciências Humanas é reintegrar a cultura na natureza, e finalmente, a vida no
conjunto das condições físico-químicas” (Lévi-Strauss, S/D, p. 327).
         Portanto, tributários dessa tradição sócio-antropológica, objetiva-se compreender
as estratégias dominantes na cena das políticas culturais – através da análise comparativa
– com o intuito de entender como se sustentam as bases epistemológicas de uma pode-
rosa visão fragmentadora e compartimentadora do patrimônio e da memória, que ainda
impera e que não parece dar sinais de enfraquecimento.
         Contudo, nossa análise comparativa, como já foi adiantado, limitou-se a realida-
de de São Luís do Maranhão e da capital do Estado de São Paulo. Destaca-se neste
paralelo a recente inscrição de São Luís como patrimônio cultural da humanidade na lista
da UNESCO em dezembro de 1997. Este acontecimento desencadeou um processo de
promoção turística da capital e da região circunvizinha que no momento atual mal se
pode avaliar as repercussões econômicas e sócio-culturais do fenômeno. De outro lado,
ressalta-se a inclusão do centro histórico de São Paulo no projeto Monumenta – Progra-
ma de Preservação do Patrimônio Histórico Urbano Brasileiro – do Ministério da Cultura,
que assinou contrato de empréstimo de vultuosos recursos financeiros com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID)17.
         Como enfatizei as duas cidades em foco se encontram em pólos diferencia-
dos no processo de desenvolvimento social e econômico brasileiro. Friso este aspec-
to sem cair em ‘juízo de valor’ evolucionista, não me filio à “ideologia do progresso”
tampouco milito em favor de uma ou outra tendência ortodoxa de desenvolvimento
social e econômico. Até porque, como indica Milton Santos (1993, p. 89) o processo
de ‘desmetropolização’ parece que se intensificará neste século que inicia. Conheci-
do também como o fenômeno da ‘dissolução das metrópoles’ assiste-se, nos anos
90, ao constante crescimento das cidades médias (de 100 mil a 500 mil habitan-
tes). Por isso, nada nos obriga a aceitar a idéia de que todo núcleo urbano deve
seguir o mesmo destino histórico; e o que é pior: que estaria condenado a repetir os
mesmos erros.
         De acordo com esse modo de considerar o processo de urbanização, é que são
utilizados dados estatísticos, pois eles são necessários para a melhor compreensão das
dimensões geo-políticas e culturais dos problemas analisados aqui. Observando-se os
números divulgados pelo IBGE em 1997, a cidade de São Paulo registrava a maior
concentração populacional do país com 9.839.436 habitantes. São Luís, contudo, situa-
se em 17° lugar com 780.833, sendo a 4° cidade em densidade populacional do Nor-



20
Patrimônios Bioculturais



deste. Em 2005, o IBGE estimou 978.824 habitantes. No ano de 2007, esses números
já foram acrescidos de mais alguns milhares, com São Luís atingindo a cifra do milhão de
habitantes, e São Paulo apresentando uma pequena queda no índice de crescimento
demográfico anual.
          A cidade de São Paulo vem sendo classificada, nesses relatórios estatístico-
demográficos, como uma Metrópole Global, uma das 4 megacidades da América Latina
– juntamente com a cidade do México, Buenos Aires e o Rio de Janeiro.
          A cidade de São Luís é definida como um modesto Centro Regional com 1 milhão
de indivíduos na capital. Recentemente, desde 2003, vem sendo enquadrada na cate-
goria de metrópole18, aglutinando o conjunto de municípios da ilha, dividida em 4 unida-
des municipais compostos por Raposa (15.075 habs.), Paço do Lumiar (55.729 habs.)
e São José de Ribamar (89.794 habs.). Estes municípios, juntamente com Alcântara,
têm a sua principal atividade econômica baseada na pesca e no artesanato.
          São Paulo e São Luís são duas capitais administrativas de Estados em regiões
geo-políticas bem diferentes e contrastantes – uma no sudeste industrializado, e a outra
no nordeste predominantemente agrícola, extrativista e ainda com baixos índices de
industrialização. Estas realidades discrepantes não poderiam deixar de expressar práticas
patrimoniais distintas refletindo características específicas; são cidades que, por razões
históricas que serão apontadas mais a frente, construíram culturas arquitetônicas e urba-
nísticas peculiares.
          São Paulo19 é aclamada como a “metrópole que não pode parar” e,
freqüentemente, é exaltada na opinião pública e através da mídia – nos cartões pos-
tais, nos teatros, cinemas, fotografias de agências de viagens e imagens televisivas –
como o lugar da modernidade, do concreto, dos arranha-céus, dos elevados e dos
automóveis. A capital paulista não possui conjuntos arquitetônicos significativos, nem
sítios históricos contínuos referentes aos séculos XVIII e XIX. Predomina na paisagem
paulistana o discurso visual moderno, ficando os acervos históricos praticamente res-
tritos a poucas manchas incrustadas na imensidão da cidade. Uma ‘urbanidade enfurecida’
vem solapando, há décadas, vestígios do passado e da memória do antigo núcleo
urbano paulista.
          Dessa forma, comparo duas cidades que, como não poderia deixar de ser possu-
                                                                                  ,
em políticas patrimoniais e da memória diversificadas, com retóricas e narrativas parti-
culares. De um lado, a cidade de São Luís20 celebra – para o turismo e a mídia – as
imagens do passado colonial, restaurado, tombado, preservado pelo tempo e pelo atra-
so e decadência econômica da região. O sítio histórico de São Luís tem 100 mil m² de
casario colonial com mais de 3.500 edifícios de alto interesse histórico. Constituiu-se
atualmente no mais significativo acervo da arquitetura civil colonial na América Latina,
rivalizando apenas com Havana e Quito.



                                                                                       21
Alexandre Fernandes Corrêa



        São Paulo espelha uma outra realidade. Esse contraste foi caracterizado por
Giorgio Lombardi, no Congresso Internacional Patrimônio Histórico e Cidadania (1991):

         O caso da cidade de São Paulo (...) corresponde a uma cidade moderna onde os resíduos do
         passado estão limitados quase sempre aos edifícios simples, mas [São Luís] é certamente o
         caso das cidades brasileiras famosas no mundo pela sua integridade física e por seus problemas
         que são comuns àqueles das cidades européias e italianas (p. 82).

         Tendo em vista que a Região Metropolitana da Grande São Paulo está composta
por trinta e nove municípios, o uso da expressão metrópole tem algumas limitações, pois
tenta abarcar realidades bem diferentes. A metrópole ludovicense tem apenas quatro
municípios; já a macrometrópole paulista dez vezes mais – aliás, a população do Maranhão
(5,6 milhões) cabe inteira apenas na capital do Estado de São Paulo!
         Ao considerar os aspectos sócio-demográficos, sublinhando a importância de
ter em mente o contexto geográfico e histórico de cada região, a pesquisa preten-
deu encontrar, através de contrastes, a lógica subjacente que estrutura e funda as
recentes praticas socais do patrimônio e da memória em nossa sociedade. A análise
comparativa dos processos de tombamentos históricos e etnográficos realizados,
nestas duas capitais, uma no Nordeste e outra no Sudeste do país, foi importante
para fazer emergir, por meio do confronto entre extremos do desenvolvimento soci-
al brasileiro, as particularidades e singularidades intrínsecas a estas unidades admi-
nistrativas do país. Tal procedimento metodológico foi útil para ajudar a tornar mais
efetiva as evidências simbólicas e culturais características de um processo mais
amplo21. Comparando realidades sócio-culturais tão díspares, consegue-se encon-
trar os pontos de aproximação e distanciamento, assim como de estranhamento e
de desnaturalização.
         Destarte, a partir da comparação das ações de patrimonialização efetuadas
nos respectivos órgãos de cultura orientei a reflexão especialmente para o surgimento
dos chamados novos patrimônios. Este trajeto culmina na investigação da importância
do tema do patrimônio cultural e da memória social para a reconstrução da cidadania
no país. Creio ser este um dos temas mais fundamentais dos direitos culturais garan-
tidos na Constituição Federal de 1988 e dos direitos humanos inscritos na Declaração
Universal da ONU22.
         Como se sabe, a conquista do direito à cidadania cultural esteve ligada ao pro-
cesso de redemocratização da sociedade brasileira, que aconteceu a partir dos movi-
mentos sociais da década de 1980. Hoje se percebe com mais clareza que esse proces-
so de redemocratização só vai atingir seu objetivo mais profundo, se for completado
pelo resgate23político e cultural da memória social de grande parte da população que
têm vivido à margem da história oficial.



22
Patrimônios Bioculturais



         Nossa crítica não se direciona apenas ao tradicionalismo da historiografia
oficial, pois aponta também para a busca de novas estratégias de promoção dos
patrimônios inscritos como bens etnográficos e históricos nos Livros do Tombo de
São Paulo, Maranhão e do próprio IPHAN/MINC. Considero a urgência de um traba-
lho de superação do paradigma clássico dominante na área de preservação das
identidades e dos patrimônios culturais regionais e nacionais. É necessário ultrapas-
sar os atuais entraves conceituais, relativos principalmente ao academismo cartesiano
e dualista estabelecido nessa área povoada por especialistas24. Proponho, então,
uma abordagem que leve a sério um novo ponto de vista civilizatório humanista, ou
seja, uma antropologia fundamental que aponte para uma política civilizatória ver-
dadeiramente contextualizadora e transdisciplinar.
         Outro aspecto crítico a salientar, é o que coloca em cheque a relativa inércia
do Decreto-lei n.º 25/37 de criação do SPHAN – é fundamental uma re-leitura do
documento original de Mário de Andrade25. Como resultado de uma verdadeira
etnologia da urgência, insinua-se, na alta modernidade uma obsolescência crescente
das velhas posições conservadoras, enraizadas nos conselhos de cultura e dos de-
partamentos de patrimônio, quase sempre instrumentalizados em posições jurídico-
burocráticas, muito úteis a tecnocracia do capital, agora ávido pelas apropriações da
cultura e do patrimônio26.
         Apesar das mudanças ocorridas nas últimas décadas esses conselhos e departa-
mentos do patrimônio e da cultura ainda mantêm uma concepção monumentalista con-
sagrada, que vem imperando desde a década de trinta, quando da fundação do IPHAN27.
Concepção patrimonialista que se aferra no monumentalismo impondo tiranicamente
visões totalizadoras que engessam a memória social/plural e aniquilam a liberdade da
memória coletiva (Jeudy, 2005).
         Presença marcante dos trabalhos de Henri Pierre-Jeudy (1990a; 1990b) se
faz sentir facilmente, em especial seus ensaios críticos sobre a memória social, tam-
bém as questões sociais dos novos patrimônios nas sociedades contemporâneas, além
de outros tópicos como o da Museologia e da Comunicação Social. E nas suas próprias
encontramos justificativa para essa presença recorrente e fecunda: “Minhas investi-
gações se situam numa perspectiva crítica aos excessos da patrimonialização nas
sociedades ocidentais”.
         Apesar de pontuar uma perspectiva global para a questão, este autor está cons-
ciente das peculiaridades que o tema adquiriu no universo cultural da América Latina:

        É evidente, no entanto, que na América do Sul (e em outros países também), a lógica dos
        patrimônios não responde aos mesmos objetivos, pois estão inscritos antes numa tradicional
        resistência ao poder da cultura ocidental (e de seus efeitos político-econômicos) no mundo.




                                                                                               23
Alexandre Fernandes Corrêa



        Diante disso, neste estudo, privilegiou-se a investigação etnológica em con-
textos periféricos do Capitalismo ocidental. É a partir deste campo empírico que
tento atingir o ponto crítico para a superação da perspectiva compartimentada do
velho paradigma cartesiano. Através de uma meta-etnologia analiso criticamente
as disputas por categorias especificas – que não passam de etiquetas científicas –
na construção de um discurso patrimonial. É através de certa “concorrência”, ou
“disputa”, entre especialistas que se acaba por etiquetar um bem como algo carre-
gado de valor arqueológico, ou arquitetônico, ou histórico, assim por diante. A supe-
ração dessa arena reducionista meramente acadêmica talvez possa ser efetuada
pela incorporação do conceito de patrimônio cultural e natural tendo em vista, a
posteriori, uma síntese integradora mais abrangente, isto é, uma biocultura, quando
se poderá falar de patrimônios bioculturais28, isto é, do gerenciamento político de-
mocrático das memórias sociais e naturais nas sociedades contemporâneas.
         Sob essa orientação foram examinados alguns textos clássicos levando-se
em conta suas concepções e definições consagradas. Destaco, como objetos privile-
giados, num vasto conjunto de documentos-monumentos produzidos pela institui-
ção patrimonial no Brasil: o anteprojeto de criação do SPHAN redigido por Mário de
Andrade – assim como suas cartas e missivas para o primeiro presidente do órgão,
o Sr. Rodrigo M. F. de Andrade; e os trabalhos de Aloísio Magalhães à frente do CNRC
(Centro Nacional de Referência Cultural) criado em 1975 e em 1979 integrado à
Fundação Pró-Memória.
        Mário de Andrade – escritor, musicólogo, poeta – e Aloísio Magalhães –
designer, artista plástico – são personagens separados no tempo, mas que se apro-
ximam nas atitudes, nas ações, visões e propostas. Tentei avaliar o impacto dos
discursos e práticas elaborados por estes dois “visionários” da causa do patrimônio e
da memória no país.
        A perspectiva meta-etnológica foi escolhida não somente por que o objeto
da pesquisa são tombamentos etnográficos, mas também por que a Etnologia tem
formulado interrogações importantes à Museologia e às políticas do Patrimônio Cul-
tural. Assim como tem contribuído para pesquisa científica de novos processos de
preservação dos bens e dos valores culturais da humanidade.
        Esta abordagem é especialmente pertinente no momento em que se debate
o fenômeno da globalização. Para muitos este fenômeno tem como conseqüência
direta o enfraquecimento dos estados-nações, colocando em risco o próprio conceito
de soberania nacional. Destaca-se, das polêmicas em torno desse processo, a idéia
de que a uniformização cultural moderna se contrapõe à busca pela singularização –
isso tem contribuído para a renovação de uma preocupação mais regionalista. É no
embate entre o local e o global, nas suas metamorfoses e lutas, que se pode perce-



24
Patrimônios Bioculturais



ber uma nova leitura ativa da diferenciação das mutações sociais, econômicas e
políticas, próprias a cada região29.
         Tornou-se fundamental nas sociedades contemporâneas encenar a memória
coletiva numa busca pela preservação de suas identidades sob o impacto da vertigem
da perda. Identidades hoje ameaçadas por sérios riscos de desaparecimento devido a
uniformização dos modos de vida em escala planetária. No Brasil, especialmente, temos
um repertório bem cristalizado no que José Reginaldo dos Santos Gonçalves chamou
Retórica da perda (1996). Às vezes esse fenômeno-sintoma tem-se manifestado como
moda passageira, ou com uma certa dose de nostalgia burguesa pela belle époque, ou
ainda pelo passado aristocrático e imperial; em cada país esse sintoma aparece com
características específicas30.
         Além disso, observam-se verdadeiros traumas sociais, especialmente no do-
mínio econômico, causados pelo fechamento de indústrias e de diversas vagas de
trabalho nas linhas de montagem. Cito como exemplo as chamadas culturas operá-
rias do início da industrialização, com os savoir-faire de suas tecnologias obsoletas,
os diversos postos de serviços desativados no sistema bancário, a revolução ciber-
nética e informática etc. Esses são alguns dos efeitos do pós-industrialismo, ou do
fenômeno hoje conhecido como “reestruturação produtiva”. Com as transformações
avassaladoras do mundo atual os grupos sociais têm buscado investir na sua memó-
ria, no ‘resgate’ e na recuperação de seu passado, isto é, de suas identidades sociais
em perigo.
         Na influência crescente das diferentes artes e disciplinas humanísticas vê-se
aumentar a reivindicação por uma maior presença do passado expressa, por exemplo,
na atração pelas ruínas que dão sentido aos atos do presente – tudo isso talvez sintomatize
uma tendência estética mais íntima do imaginário social popular. Encenando a memória
com a criação de Ecomuseus31, Centros de Cultura etc., as comunidades percebem a
necessidade de garantir uma forma de diálogo mais intenso entre as gerações que
mudam de profissão e adquirem hábitos tecnológicos cada vez mais distintos. Como
exemplo, cito as famílias de artesãos, comerciantes, médicos etc., que outrora manti-
nham uma tradição comum e atualmente seus filhos são contratados para profissões
menos estáveis e com recursos temporários, nos quais realizam tarefas desconhecidas
dos mais idosos32.
         Apesar de serem detectadas expressões e manifestações genuínas no investi-
mento na memória social, observa-se, contudo, que esse processo de patrimonialização
hegemônico, que se estabeleceu nos últimos anos tem por objetivo, mais peremptó-
rio, a reprodução de interesses específicos do capital turístico e hoteleiro. A chamada
‘gentrification’33 é nada mais que uma estetização do espaço antigo das cidades para
a fruição e lazer de consumo das classes médias, que agora se atraem alegremente



                                                                                        25
Alexandre Fernandes Corrêa



pelo produto e a mercadoria ‘passado’. Quando o ‘futuro’ entra em crise, vemos seme-
ar-se a idéia de que no ‘passado’ havia mais ‘esperança’ e ‘felicidade’: “Erámos felizes,
e não sabíamos!”34.
         Uma coisa parece certa, como escreveu Benedito Toledo: “A busca da preserva-
ção de nossa identidade cultural é o objetivo primeiro de toda política de proteção dos
bens culturais” (1994, p. 81). Portanto, é impossível não perceber que “identidade
cultural”, “memória” e “patrimônio” são temas intrinsecamente relacionados ao proces-
so de aceleração histórica, chamados de ‘globalização-econômica’ ou de ‘mundialização-
cultural’, das relações de produção, distribuição e consumo do ‘sistema mundo’ capitalis-
ta contemporâneo (Wallerstein, 2002). A análise das relações entre esses conceitos é
fundamental para nós, revelando os modos de articulações e as estratégias discursivas
em transformação na atualidade.
         Como foi expresso pela socióloga Maria C. Londres Fonseca, sobre a trajetória
da política federal de preservação do patrimônio no Brasil:

         (...) se a emergência da noção de patrimônio histórico e artístico nacional se deu no âmbito da
         formação dos Estados-nações e da ideologia do nacionalismo, sua versão atual, enquanto
         patrimônio cultural, indica sua inserção em um contexto mais amplo – o dos organismos
         internacionais – e em contextos mais restritos – o das comunidades locais (Fonseca, 1992, p. 79).

         Esse novo diálogo é cada vez mais intenso. Do local ao global a problemática do
patrimônio e da memória não está circunscrita aos interesses momentâneos ou circuns-
tanciais. Ultrapassa os egoísmos nacionais e congrega federações e continentes em
preocupações cada vez mais urgentes. Assim, é preciso estar atento às transformações
em curso e às possíveis metamorfoses dos conceitos.
         Tendo em vista essas novas peculiaridades, esta pesquisa se liga, por um lado,
às recentes investigações sobre a memória coletiva, a identidade cultural e a nova
museologia; e, por outro, aos programas de conservação, preservação e promoção dos
bens culturais e naturais nas cidades contemporâneas. Mas, sempre levando em conta
este grande pano de fundo internacional e global. De acordo com isso, me propus a
analisar aqui os pontos de articulação entre os conceitos regularmente enunciados e as
práticas políticas investigando as recentes ações oficiais implementadas nas áreas do
patrimônio e da memória, tanto cultural como natural; assim como, nas interfaces locais
e na sua repercussão global.
         Num contexto nacional mais específico torna-se relevante também colocar em
perspectiva as comemorações dos “500 anos do Descobrimento” no país, que ilustram
objetivamente o que Henri-Pierre Jeudy analisou no capítulo Ilusões da História do seu
livro Sociedade Transbordante (1995). Expressões como “entrar na História”, “a lógica da
História”, “a lição da História” etc., aparecem para dar sentido a um processo em que se



26
Patrimônios Bioculturais



“comemora tudo”, realimentando mitos e ideologias – com o que se pretende enquadrar e
controlar o processo do devir35.
        Desse ambiente comemorativo, abrangendo regiões e nações, emerge o cres-
cente interesse pelos chamados novos patrimônios. Estão ocorrendo mutações em dife-
rentes aspectos ligados principalmente ao sentido usual da idéia de monumentalidade.
De acordo com Henri-Pierre Jeudy:

         Havia castelos, igrejas, obras de arte..., e, doravante, há também prédios industriais,
         fundições, curtumes, cafés e lavatórios e uma quantidade infinita de objetos artesanais,
         industriais e agrícolas. E os modos de vida, de pensamento, de comunicação vêm
         complementar as novas representações do patrimônio. Ao invés de ser considerado uma
         aquisição, o patrimônio apresenta-se como conquista e apropriação social, desafiando assim
         a regularidade burocrática da classificação em Monumentos históricos (Jeudy, 1990, p. 07).


       Estas transformações parecem impor um novo tipo de entendimento dos con-
teúdos semânticos dos termos e conceitos utilizados. Portanto, é preciso ter uma per-
cepção mais objetiva desses novos patrimônios. Completando o raciocínio:

         essa reconsideração acerca da função tradicional do monumento pressupõe que o patrimônio
         seja o objeto de um investimento no tempo presente e que não consista em recordar e
         consagrar o passado. A representação da monumentalidade varia com a crise dos valores,
         ela segue a mobilidade atual das referências culturais. Essa multiplicidade de instâncias de
         significação, de tradução de outros sentidos possíveis confere aos ‘novos’ patrimônios o
         papel complexo de sintoma de uma crise da monumentalidade e de promotor de outras
         formas da simbolização dos objetos e dos signos culturais (Ibidem; Idem).


        Considera-se que a recente retomada de pesquisas voltadas para a preservação
de patrimônios bioculturais e das memórias sociais reflete uma mudança na política
cultural e ambiental que até pouco tempo priorizava o tombamento de monumentos,
em detrimento de uma visão mais antropológica. Os tombamentos aqui investigados
estão vinculados a essa noção de novos patrimônios, pois se voltam para as manifesta-
ções culturais ainda “vivas”36. O fato destas manifestações da cultura e da natureza
encontrarem “vivas” torna necessário distinguir melhor as concepções de memória e de
patrimônio evocados em nome dos bens e valores dos grupos étnicos37, dos migrantes
e das minorias. Dessa maneira, procurei enfatizar, no conjunto destes ensaios de antro-
pologia do patrimônio cultural, as relações intrínsecas que a memória social mantém
com o estudo da História, da Etnologia e da Ecologia cultural.
        A memória não pode ser dirigida e conduzida por uma política de patrimonialização
autocrática e impositiva. Compreende-se aqui que as palavras mais importantes desse
trabalho são democracia e cidadania cultural. Em defesa da memória, procurou-se ques-
tionar os despotismos do excessivo patrimonialismo, petrificador e monumentalista.



                                                                                                 27
Alexandre Fernandes Corrêa



Para além do dirigismo patrimonialista procurou-se reencontrar a liberdade da memória
social plural.
         Essa introdução aos ensaios que se seguem talvez peque por ser demais alongada.
Porém, ao sublinhar esses tópicos que balizam as reflexões aqui reunidas, pretendeu-se
abrir a mente do leitor para o vasto e complexo escopo de temáticas que estão vincula-
das a este estudo. As linhas de pensamento que tecem o novelo da reflexão, muito
embora pareça se romper aqui ou ali, mantém-se firme nesse labirinto. O ‘fio de Ariadne’
que nos conduz, guia-se pelas reflexões elaboradas nos Estudos Culturais e na
Epistemologia da Complexidade. No labirinto de idéias e pensamentos em que convida-
mos o leitor a adentrar, já apresentamos as chaves para abrir as principais portas. Não
irá se perder!




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Patrimônios culturais: memória e identidade

  • 1.
  • 2. COLEÇÃO HUMANIDADES Coleção coordenada pelo Núcleo de Humanidades do Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão Endereço para correspondência e pedidos: Universidade Federal do Maranhão - Centro de Ciências Humanas - Núcleo de Humanidades - Av. dos Portugueses, s/n – CEP: 65085-580 – São Luís – MA – Brasil. Fones (98) 2109.8300 / 2109.8302 – Fax:: (98) 2109. 8301 E-mail: nucleohumanidades@ufma.br Home page: www.nucleohumanidades.ufma.br
  • 3. ALEXANDRE FERNANDES CORRÊA PATRIMÔNIOS BIOCULTURAIS: ENSAIOS DE ANTROPOLOGIA DO PATRIMÔNIO CULTURAL E DAS MEMÓRIAS SOCIAIS 1a Edição São Luís - Edufma 2008
  • 4. Copyright © 2008 by Núcleo de Humanidades/CCH/UFMA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO Reitor: Natalino Salgado Vice-Reitor: Antônio José Silva Oliveira CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS Diretor: Lyndon de Araújo Santos NÚCLEO DE HUMANIDADES Coordenador: Claudio Zannoni EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO Diretor: Ezequiel Antônio Silva Filho COMISSÃO EDITORIAL: Antônia da Silva Mota (DEHIS/UFMA); Claudio Zannoni (DESOC/UFMA); José Henrique de Paula Borralho (DEHIS/UEMA); Almir Ferreira da Silva Jr. (DEFIL/UFMA); Manoel William Ferreira Gomes (DEPSI/UFMA); Maria da Graça Pereira Guimarães Corrêa (DELER/UFMA); Maria Mirtes dos Santos Barros (DEARTE/UFMA); Ronaldo Rodrigues Araújo (DEGEO/UFMA); Sílvia Cristina Duailibe Costa (CCH/UFMA) Organizador da Coleção Claudio Zannoni Capa Disco de Festo - Creta - 1.600 a.C. Revisão Ramiro Corrêa Azevedo Editoração Eletrônica Claudio Zannoni e Victor de Lima Alves Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) CORRÊA, Alexandre Fernandes Patrimônios Bioculturais: ensaios de antropologia do patrimônio cultural e das memórias sociais / Alexandre Fernandes Corrêa – São Luís: Edufma, 2008. (Coleção Humanidades, n. 1) 182p., 21,5cm. Bibliografia ISBN 9 78 - 8 5 - 8 5 0 4 8 - 9 8 - 3 1. Patrimônio – preservação 2. Patrimônio Biocultural 3. Memórias Sociais - naturais I. Título CDD 363.69 CDU 351.711:719 2008 Todos os direitos desta edição reservados à Editora da Universidade Federal do Maranhão - EDUFMA Av. dos Portugueses, s/n 65085-580 - São Luís - MA Telefone: (98) 2109-8156 www.nucleohumanidades.ufma.br nucleohumanidades@uol.com.br
  • 6. O saber deve ser como um rio, cujas águas doces, grossas, copiosas, transbordem do indivíduo, e se espraiem, estancando a sede dos outros. Sem um fim social, o saber será a maior das futilidades. GILBERTO FREYRE
  • 7. ÍNDICE Prefácio 13 Introdução 15 1. Patrimônio em Perspectiva 29 1. Teoria dos semióforos.............................................. 30 2. Teoria da memória social.......................................... 31 3. Saber patrimonial.................................................... 38 4. A insurreição dos ‘saberes sujeitados’.......................... 45 5. Pesquisa em processo.............................................. 47 2. Aspectos sócio-históricos e conceituais............ 49 1. Monumento histórico e a idéia de patrimônio................. 49 2. Instituição do patrimônio no Brasil............................... 52 3. Predominância da categoria histórica e artística............. 58 4. Constituição brasileira de 1988................................... 61 5. Municípios, Estados e União......................................... 66 3. Memória social & patrimônio........................... 69 1. Patrimônio meta-etnológico....................................... 69 2. Mário de Andrade e política cultural............................. 77 3. Patrimônio e sociedade............................................. 81 4. Recompor o todo...................................................... 86 4. Patrimônios bioculturais................................ 93 1. Crise dos critérios da autenticidade............................ 94 2. O antropólogo como caçador de réplicas...................... 96 3. Simulacros etnográficos............................................ 99 4. Limites: o labirinto da política e da ética.................... 100
  • 8. Alexandre Fernandes Corrêa 5. Patrimônios, museus & subjetividades........... 101 1. Usos culturais dos acervos patrimoniais e museológicos.. 102 2. Desafio do investimento museológico nas subjetividades populares................................................................. 103 3. Museologia etnológica regional não-exótica................. 104 4. Novos patrimônios e novos museus........................... 105 5. Política cultural em perspectiva............................... 107 6. Sociedade anônima & urbanidade enfurecida 109 1. A cidade desmemoriada........................................... 114 2. Patrimônios bioculturais na cena urbana..................... 115 7. Novos patrimônios & novos museus............... 117 1. Tombamento da Casa de Nagô................................118 2. Diálogo intercultural em ação.....................................123 3. A vocação etnológica dos tombamentos etnográficos......124 4. A disputa pelas categorias.......................................127 8. A Gestão Política do Teatro das Memórias...... 133 Posfácio................................................... Notas......................................................... 141 Referências................................................. 174 10
  • 9. Patrimônios Bioculturais SIGLAS E ABREVIATURAS ABA – Associação Brasileira de Antropologia BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento CC – Conselho Consultivo do IPHAN CNRC – Centro Nacional de Referência Cultural CONDEPHAAT/SP – Conselho do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Tecnológico do Estado de São Paulo CONPRESP – Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo FNMP – Fundação Nacional Pró-Memória FUNC/MA – Fundação de Cultura do Estado do Maranhão FUNC/São Luís – Fundação de Cultura da Cidade de São Luís IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente ICOMOS – Internacional Council on Monuments and Sites IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional LAA – Livro de Artes Aplicadas LAEP – Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico LBA – Livro de Belas Artes LH – Livro Histórico MEC – Ministério da Educação e Cultura MES – Ministério da Educação e Saúde MINC – Ministério da Cultura PCH – Programa de Reconstrução das Cidades Históricas SECMA – Secretaria de Cultura do Estado do Maranhão UNESCO – United Nations Educacional, Scientific and Cultural Organization (Organi- zação das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) 11
  • 11. Patrimônios Bioculturais PREFÁCIO A defesa do patrimônio hitórico-cultural brasileiro é cercada por paradoxos e ambigüidades. Exercida por órgãos e conselhos institucionais nos níveis federal, estadual e municipal – nem sempre sintonizados acerca de conceitos, idéias, teorias e paradigmas – a figura do tombamento permanece como o único recurso cívico capaz de conter a voracidade das demolições, os desatinos do progresso, a pulsão de morte que regem a destruição da memória. Tomando como referência as cidades de São Luís, monumento da humanidade, e São Paulo, uma babel auto-organizada, Alexandre Corrêa realiza uma pesquisa transcultural de complexos desdobramentos, demonstrando que esforços da sociedade civil, quando conjugados à ação estatal, costumam produzir resultados irreversíveis para a consolidação da identidade cultural. Os resultados do dispositivo tombatório são ainda tímidos, dado o caráter tardio que cercou a criação dos órgãos preservacionistas no Brasil. É conveniente nunca esquecer que o Serviço do Patrimônio histórico e artístico nacional, o SPHAN, nasceu apenas em 1937 durante o Estado Novo. Pode-se constatar, porém, que o conjunto brasileiro de bens tombados já é bastante expressivo. Mesmo que a equivocada distinção entre bens materiais e imateriais – sem dúvida uma seqüela da dualidade cartesiana natureza e cultura – seja ainda mantida nos dias correntes, terreiros, igrejas, monumentos, florestas, bairros atestam que o homo sapiens não é apenas fabricador de instrumentos, mas um aliciador de expressões universais que jamais serão apagadas da memória da espécie, apesar da unidimensionalidade do progresso e da técnica, assim como da insensibilidade do poder e da política, quaisquer que sejam eles. Costuma-se a dividir a história da preservação no Brasil em duas fases: a herói- ca, capitaneada por Rodrigo Melo Franco de Andrade e Mário de Andrade, ambos res- ponsáveis pelas primeiras formulações conceituais: a moderna, consolidada a partir da aposentadoria de Rodrigo, em 1967, mais uma vez em plena ditadura militar, e pela entrada em cena de Aloísio Magalhães no Instituto do patrimônio histórico e artístico nacional, IPHAN, sigla que permanece até hoje, vinculada ao Ministério da Cultura. A necessidade de se inserir o Brasil numa verdadeira política de civilização faz supor que 13
  • 12. Alexandre Fernandes Corrêa uma terceira fase, civilizatória, pode ser o horizonte cognitivo e biopolítico a ser ativado pelos guardiões da conservação e da sustentabilidade da cultura. A Etnologia de emergência, proposta pelo autor como uma “operação humanista de recuperação de saberes, fazeres e dizeres”, situa-se nesse foco analítico e certamen- te exigirá uma ecoalfabetização de todos os setores sociais. Caso venha a contaminar os órgãos preservacionistas, estatais ou não, poderia projetar o Brasil como um País preo- cupado consigo mesmo, consciente de que tem algo a dizer e comunicar para o planeta como um todo. Tenho convicção de que qualquer indivíduo que se aventure nos árduos caminhos da preservação dos patrimônios bioculturais deve empenhar-se nessa missão humanista e regeneradora de uma Terra-Pátria que faz juz a esse nome. Esse é o objetivo maior a que Alexandre Fernandes Corrêa se propôs em sua tese de doutorado defendida na PUCSP em 2001, transformada agora num livro instigante e desafiador. São Paulo, abril de 2008. EDGARD DE ASSIS CARVALHO Antropólogo PUC/SP 14
  • 13. Patrimônios Bioculturais INTRODUÇÃO O presente conjunto de ensaios trata das Políticas do Patrimônio Cultural e da Memória social efetuadas nas décadas de oitenta e noventa, em duas cidades brasilei- ras, São Paulo e São Luís, com o objetivo de perceber as ações de preservação1 dos bens e acervos culturais, diante das novas exigências sociais contemporâneas. Escolhi como recorte metodológico e ponto de partida empírico a análise de seis processos de tombamentos etnográficos ocorridos nos conselhos de cultura e de defesa do patrimônio dos estados de São Paulo e Maranhão. Como o termo patrimônio raramente aparece isolado, apresentando-se sempre associado a diversas categorias (patrimônios históricos, artísticos, arquitetônicos, ecoló- gicos, genéticos, etc.) procurei aqui delimitar a reflexão aos campos etnográfico e histó- rico. Desse modo, a pesquisa enfocou os processos de tombamento ligados especifica- mente aos bens e valores culturais classificados e inscritos como patrimônios etnográficos e históricos, nos respectivos volumes dos Livros do Tombo estaduais. Este trabalho é também fruto do amadurecimento de idéias desenvolvidas a partir de pesquisas realizadas no Estado de Pernambuco – onde cursei o Mestrado em Antropologia Cultural no CFCH/UFPE2. Nessa ocasião, pesquisei sobre festas populares e religiosas, especialmente as consagradas à Nossa Senhora dos Prazeres em Jaboatão dos Guararapes, município que integra a região metropolitana do Grande Recife (Corrêa, 1993)3. Através desse estudo tive a oportunidade de aprofundar minha percepção das singularidades e diferenças dos patrimônios históricos do Nordeste e do Sudeste4 do país. Após anos de investigações sobre temas ligados ao patrimônio etnográfico e histó- rico, como festas populares e religiosidade afro-brasileira – e, sobretudo, de um contato mais efetivo com as obras seminais de Gilberto Freyre (1972, 1974, 1979, 1987) – um novo universo de pesquisas antropológicas se abriu desde então. 15
  • 14. Alexandre Fernandes Corrêa A experiência do contraste do Sudeste com o Nordeste incitou o desejo de estudar os mecanismos sócio-históricos que engendraram realidades culturais tão singulares. Com este trabalho pretendo dialogar com a diversidade etnológica e antropológica da sociedade brasileira, constituinte de um mosaico biocultural todo especial no contexto planetário5. No final dos anos oitenta, o contato com a cidade de São Luís foi marcante. Na Geopolítica oficial o Estado do Maranhão situa-se hoje na região Nordeste, no entanto, possui características sócio-culturais mais amazônicas do que propria- mente nordestinas6. Esta particularidade imprimiu à região características muito especiais. Por força de diferentes vicissitudes históricas e sócioeconômicas, a capi- tal maranhense preservou no tempo um acervo magnífico de mais de 3 mil prédios históricos, referentes ao período colonial, com exemplares arquitetônicos que da- tam dos séculos XVIII e XIX, além de uma cultura popular viva e repleta de origi- nalidades. Nasci e vivi mais de vinte anos na cidade do Rio de Janeiro. O patrimônio histórico e arquitetônico carioca, apesar de muito significativo – como capital ad- ministrativa do Reino Unido, do Império e de parte da República – está diluído em manchas urbanas descontínuas espalhadas por vários bairros da cidade. Ao con- trário, em São Luís – a exemplo de cidades históricas como Ouro Preto, Goiás [Velho], Olinda, entre outras – o patrimônio histórico e arquitetônico se preservou numa faixa compacta, num sítio contínuo e bem delimitado – o que não quer dizer que não se encontra significativos exemplares históricos em diversos pontos da ilha de São Luís. Como não poderia deixar de ser, esse conjunto é extremamente impactante, não pela monumentalidade de seus prédios, palácios civis ou templos religiosos, mas porque o conjunto produz um efeito cenográfico e paisagístico de rara e excepcional homogeneidade. Isto tem aguçado muito os interesses do tu- rismo cultural aos quais os temas do patrimônio atingem direta e indiretamente o espaço da política cultural contemporânea. Após o mestrado em Pernambuco, retornando a São Luís como docente na UFMA, retomei os estudos sobre o barroco nordestino, agora analisando símbolos e imagens regionais maranhenses7. Contudo, foi o contato com o projeto Sincretismo Cultural e Políticas do Patrimônio (Motta, 1993), proposto pelos professores Dr. Roberto Motta e Dr. Henri-Pierre Jeudy, que me despertou de modo iluminador a idéia de uma pesquisa sobre os patrimônios etnográficos do Brasil. A idéia original do projeto de Roberto Motta & Henri-Pierre Jeudy (1993) era, com apoio de uma equipe binacional, realizar pesquisas comparativas entre Brasil e França, enfocando as diferenças e semelhanças nas ações de patrimonialização efetiva- das nos dois países. Desafortunadamente, esse projeto não foi levado a cabo, por ra- 16
  • 15. Patrimônios Bioculturais zões que não nos cabe considerar aqui, porém marcou definitivamente minha sensi- bilidade para o tema do patrimônio cultural e das memórias sociais. Com o tempo procurei modelos comparativos de patrimonialização em outros países, estabele- cendo como ponto de partida as políticas implementadas na Europa, das quais se destacam as recentes ações efetivadas na França. Há alguns anos, o Ministério da Cultura8 francês aplica o conceito de patrimônio etnológico às ações de preservação e promoção das diferentes etnias formadoras do país. Este foi um dos pontos de partida comparativo mais importante, a partir daí passei a considerar as singularida- des e peculiaridades do discurso patrimonial pronunciado no Brasil e na França. Desde então amadureceu a idéia de realizar uma pesquisa comparativa confrontan- do as políticas patrimoniais do Sudeste e do Nordeste do Brasil. Dessa forma, este conjunto de ensaios é fruto de análises comparadas das ações de patrimonialização efetuadas em São Luís e em São Paulo. Resumi ao máximo os antecedentes biográficos que sustentam uma trajetó- ria pessoal de vida, como pesquisador e professor universitário. Poupo o leitor de detalhes por demais subjetivistas, que poderiam resvalar para idiossincrasias des- necessárias. O certo é que atualmente talvez compreenda melhor as motivações subjacentes que me levaram a realizar esta pesquisa científica. Entendo que decidi estudar os recentes processos de patrimonialização em nossa sociedade, em busca de revelar aspectos que, para mim, ainda eram demasiadamente obscuros da nossa realidade histórico-cultural. A partir de uma angústia intelectual genuína, fundada numa crescente inquietação e perplexidade em relação as flagrantes e aberrantes desigualdades entre os brasileiros, procurei responder àquelas preocupações iniciais desenvolvendo esse trabalho de investigação semiológica9. Essa aventura tem sido gratificante e o desafio estimulante; e ficará permanentemente gravada na minha experiência de vida. Muitas perguntas foram respondidas, mas novas indagações surgiram. E isto me tem motivado cada vez mais neste percurso aliada à vontade de perscrutar os silêncios reiterados que envolvem a questão étnica e racial no país. Refiro-me à falta de referenciais patrimoniais e culturais para a maioria dos acervos populares e das minorias étnicas e dos migrantes no Brasil; um país que se esmera em proteger há décadas os bens culturais (semióforos) das elites coloniais e moder- nas, perpetuando, em ritos cada vez mais sofisticados, inscrições sacralizadoras nos Livros do Tombo do IPHAN. Assim, essa pesquisa é uma tentativa de revelar alguns mecanismos sutis dessa negação exercida peremptoriamente nos Departamentos do Patrimônio espalhados pelo território nacional. Adentrando agora o conteúdo mais específico deste trabalho, o presente con- junto de ensaios trata mais especificamente dos problemas que emergiram após o surgimento recente dos chamados novos patrimônios10 na sociedade contemporânea. A 17
  • 16. Alexandre Fernandes Corrêa emergência desses novos sujeitos do patrimônio cultural e da memória social, no cenário das políticas culturais, provocou mudanças no paradigma dominante que tornam urgente pensar em novas ações de conservação, preservação e promoção cultural11. Estes novos agentes colocam em cheque as práticas tradicionais de sal- vaguarda patrimonialista, abalando o convencionalismo resistente na área preservacionista. Com a intenção de compreender as nuanças deste conformismo, parti para a análise de diferentes concepções de patrimônio cultural e da memória social, que atual- mente são múltiplas e polêmicas. Desde o início do século há uma preocupação voltada para esse tema em nosso país, mas sempre como preocupação de eruditos e bem letrados. Na Europa, desde o final do século dezoito, manifestaram-se incipientes e antecipatórias reflexões críticas ao trabalho de solapamento da memória da paisagem urbana e social. O fim do ancien regime, e a ascensão do Capitalismo industrial, resulta- ram em transformações radicais – num tempo de aceleração histórica que muito se assemelha, nesse aspecto, com as transformações que estamos vivenciando na contemporaneidade. Principalmente na França, após a Revolução de 1789, observamos os primeiros registros de inquietações quanto ao destino histórico das paisagens urba- nas. No Brasil, o processo de aceleração histórica, capitaneado pela industrialização e urbanização tardia e caótica, culminou com o advento do Estado Novo, que estabeleceu um novo regime de institucionalização, cristalizado na política oficial do patrimônio. O arcabouço jurídico é definido e normatizado com a aprovação, no Congresso Nacional, do projeto de criação do antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), em 1937. Trata-se do famoso Decreto-Lei nº25/37, documento em que se esboça um conjunto de conceitos e categorias orientadoras de um arraigado patrimonialismo centralizador. Até então, havia legislações estaduais de pouca abrangência, como em Minas Gerais, Pernambuco e Bahia, as quais propunham ações preservacionistas desde a dé- cada de 1920. Foi no Rio de Janeiro, em torno do grupo da Academia SPHAN – como ficaram conhecidas as reuniões promovidas por Rodrigo de Mello Franco de Andrade – que se codificou todo um aparato jurídico, mas também científico e estético, para a ação de preservação oficial dos acervos barrocos coloniais da Coroa Portuguesa, Reino Unido e do Império no Brasil. O decreto-lei referido foi aprovado após mudanças operadas num documento pioneiro redigido por Mário de Andrade, a pedido do Rodrigo de Mello Franco de Andrade, em 1936. Na proposta original do escritor paulista surgiu primeiramente a expressão PATRIMÔNIO ARTÍSTICO NACIONAL, para, em seguida, depois de acordos nas comis- 18
  • 17. Patrimônios Bioculturais sões parlamentares congressuais, contemplar o HISTÓRICO. Em sessão específica des- se ensaio será analisado esse documento original de Mário de Andrade, mas, de imedi- ato, convém ressaltar que a formação jurídica de Rodrigo Mello Franco de Andrade inscreveu categoricamente um perfil definido à figura acauteladora do tombamento, dado que merece ser considerado pela crítica histórica12. Na esteira da argumentação aqui efetuada, adentrando os domínios mais específicos da Etnografia e Etnologia do patrimônio e da memória, pretende-se de- fender a constituição de um ponto de vista meta-etnológico para ultrapassar os métodos racionalistas clássicos da antropologia colonialista. A vocação destes tex- tos é crítica aos postulados e axiomas pertinentes ao ‘Grande paradigma do Ociden- te’, herdeiro do Cartesianismo e do Positivismo cientificista. Com outras palavras, busca-se um trajeto crítico em direção a um meta-ponto-de-vista13. Como se verá mais adiante no texto, uma meta-etnologia parece cada vez mais se afirmar em função das transformações que ocorrem nos paradigmas dominantes14. Torna-se necessário, então, a superação dos obstáculos epistemológicos que travam novas ações de preservação integradas e verdadeiramente bioculturais. Nesse sentido, é urgente a efetivação de novas ações que não estejam mais presas, por exemplo, a velha dicotomia Natureza/Cultura. Em nosso país, existem ministérios separados para a Cultura e o Meio Ambiente. Esta configuração burocrática e administrativa tem criado diversos problemas para a gestão dos acervos culturais e naturais. Esse tema merecerá também uma reflexão mais demorada quando tratarmos da legislação federal e da Constituição Brasileira de 1988, em especial. Contudo, não poderia deixar de adiantar que o mote inspirador de nossas reflexões sobre essa temática instigante, nasce de um postulado fecundo, apre- sentado por Marcel Mauss: “Após terem forçosamente dividido e abstraído um pouco excessivamente, é preciso que os sociólogos se esforcem para recompor o todo. Encon- trarão assim dados fecundos” (1974, p. 181)15. As conseqüências lógicas e práticas desse postulado não poderia ser outra senão a proposição de que é urgente reintegrar as ações do patrimônio e da memória em políticas bioculturais16 não fragmentadas ou dicotômicas, como acontecem atualmente. Este trabalho de reintegração se inspira numa tradição etnológica francesa, mas não é exclusividade desta escola sociológica. Contudo, é evidente que autores como Maurice Merleau-Ponty e Claude Lévi-Strauss contribuíram muito com essa perspectiva. Se não vejamos alguns de seus apontamen- tos mais significativos: (...) No fundo dos sistemas sociais aparece uma infra-estrutura formal, somos mesmo tentados a falar num pensamento inconsciente, uma antecipação do espírito humano, como se nossa ciência já estivesse feita nas coisas, e como se a ordem humana da cultura fosse uma segunda ordem natural, dominada por outros invariantes (Merleau-Ponty, 1984, p. 198). 19
  • 18. Alexandre Fernandes Corrêa Na medida em que a função simbólica está avançada frente ao dado, inevitavelmente o todo da ordem da cultura que ele carrega tende a embaralhar-se. A antítese entre a Natureza e a Cultura torna-se menos nítida (Idem, p. 204). Em Claude Lévi-Strauss encontramos uma referência explicita desse esforço: “A tarefa das Ciências Humanas é reintegrar a cultura na natureza, e finalmente, a vida no conjunto das condições físico-químicas” (Lévi-Strauss, S/D, p. 327). Portanto, tributários dessa tradição sócio-antropológica, objetiva-se compreender as estratégias dominantes na cena das políticas culturais – através da análise comparativa – com o intuito de entender como se sustentam as bases epistemológicas de uma pode- rosa visão fragmentadora e compartimentadora do patrimônio e da memória, que ainda impera e que não parece dar sinais de enfraquecimento. Contudo, nossa análise comparativa, como já foi adiantado, limitou-se a realida- de de São Luís do Maranhão e da capital do Estado de São Paulo. Destaca-se neste paralelo a recente inscrição de São Luís como patrimônio cultural da humanidade na lista da UNESCO em dezembro de 1997. Este acontecimento desencadeou um processo de promoção turística da capital e da região circunvizinha que no momento atual mal se pode avaliar as repercussões econômicas e sócio-culturais do fenômeno. De outro lado, ressalta-se a inclusão do centro histórico de São Paulo no projeto Monumenta – Progra- ma de Preservação do Patrimônio Histórico Urbano Brasileiro – do Ministério da Cultura, que assinou contrato de empréstimo de vultuosos recursos financeiros com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)17. Como enfatizei as duas cidades em foco se encontram em pólos diferencia- dos no processo de desenvolvimento social e econômico brasileiro. Friso este aspec- to sem cair em ‘juízo de valor’ evolucionista, não me filio à “ideologia do progresso” tampouco milito em favor de uma ou outra tendência ortodoxa de desenvolvimento social e econômico. Até porque, como indica Milton Santos (1993, p. 89) o processo de ‘desmetropolização’ parece que se intensificará neste século que inicia. Conheci- do também como o fenômeno da ‘dissolução das metrópoles’ assiste-se, nos anos 90, ao constante crescimento das cidades médias (de 100 mil a 500 mil habitan- tes). Por isso, nada nos obriga a aceitar a idéia de que todo núcleo urbano deve seguir o mesmo destino histórico; e o que é pior: que estaria condenado a repetir os mesmos erros. De acordo com esse modo de considerar o processo de urbanização, é que são utilizados dados estatísticos, pois eles são necessários para a melhor compreensão das dimensões geo-políticas e culturais dos problemas analisados aqui. Observando-se os números divulgados pelo IBGE em 1997, a cidade de São Paulo registrava a maior concentração populacional do país com 9.839.436 habitantes. São Luís, contudo, situa- se em 17° lugar com 780.833, sendo a 4° cidade em densidade populacional do Nor- 20
  • 19. Patrimônios Bioculturais deste. Em 2005, o IBGE estimou 978.824 habitantes. No ano de 2007, esses números já foram acrescidos de mais alguns milhares, com São Luís atingindo a cifra do milhão de habitantes, e São Paulo apresentando uma pequena queda no índice de crescimento demográfico anual. A cidade de São Paulo vem sendo classificada, nesses relatórios estatístico- demográficos, como uma Metrópole Global, uma das 4 megacidades da América Latina – juntamente com a cidade do México, Buenos Aires e o Rio de Janeiro. A cidade de São Luís é definida como um modesto Centro Regional com 1 milhão de indivíduos na capital. Recentemente, desde 2003, vem sendo enquadrada na cate- goria de metrópole18, aglutinando o conjunto de municípios da ilha, dividida em 4 unida- des municipais compostos por Raposa (15.075 habs.), Paço do Lumiar (55.729 habs.) e São José de Ribamar (89.794 habs.). Estes municípios, juntamente com Alcântara, têm a sua principal atividade econômica baseada na pesca e no artesanato. São Paulo e São Luís são duas capitais administrativas de Estados em regiões geo-políticas bem diferentes e contrastantes – uma no sudeste industrializado, e a outra no nordeste predominantemente agrícola, extrativista e ainda com baixos índices de industrialização. Estas realidades discrepantes não poderiam deixar de expressar práticas patrimoniais distintas refletindo características específicas; são cidades que, por razões históricas que serão apontadas mais a frente, construíram culturas arquitetônicas e urba- nísticas peculiares. São Paulo19 é aclamada como a “metrópole que não pode parar” e, freqüentemente, é exaltada na opinião pública e através da mídia – nos cartões pos- tais, nos teatros, cinemas, fotografias de agências de viagens e imagens televisivas – como o lugar da modernidade, do concreto, dos arranha-céus, dos elevados e dos automóveis. A capital paulista não possui conjuntos arquitetônicos significativos, nem sítios históricos contínuos referentes aos séculos XVIII e XIX. Predomina na paisagem paulistana o discurso visual moderno, ficando os acervos históricos praticamente res- tritos a poucas manchas incrustadas na imensidão da cidade. Uma ‘urbanidade enfurecida’ vem solapando, há décadas, vestígios do passado e da memória do antigo núcleo urbano paulista. Dessa forma, comparo duas cidades que, como não poderia deixar de ser possu- , em políticas patrimoniais e da memória diversificadas, com retóricas e narrativas parti- culares. De um lado, a cidade de São Luís20 celebra – para o turismo e a mídia – as imagens do passado colonial, restaurado, tombado, preservado pelo tempo e pelo atra- so e decadência econômica da região. O sítio histórico de São Luís tem 100 mil m² de casario colonial com mais de 3.500 edifícios de alto interesse histórico. Constituiu-se atualmente no mais significativo acervo da arquitetura civil colonial na América Latina, rivalizando apenas com Havana e Quito. 21
  • 20. Alexandre Fernandes Corrêa São Paulo espelha uma outra realidade. Esse contraste foi caracterizado por Giorgio Lombardi, no Congresso Internacional Patrimônio Histórico e Cidadania (1991): O caso da cidade de São Paulo (...) corresponde a uma cidade moderna onde os resíduos do passado estão limitados quase sempre aos edifícios simples, mas [São Luís] é certamente o caso das cidades brasileiras famosas no mundo pela sua integridade física e por seus problemas que são comuns àqueles das cidades européias e italianas (p. 82). Tendo em vista que a Região Metropolitana da Grande São Paulo está composta por trinta e nove municípios, o uso da expressão metrópole tem algumas limitações, pois tenta abarcar realidades bem diferentes. A metrópole ludovicense tem apenas quatro municípios; já a macrometrópole paulista dez vezes mais – aliás, a população do Maranhão (5,6 milhões) cabe inteira apenas na capital do Estado de São Paulo! Ao considerar os aspectos sócio-demográficos, sublinhando a importância de ter em mente o contexto geográfico e histórico de cada região, a pesquisa preten- deu encontrar, através de contrastes, a lógica subjacente que estrutura e funda as recentes praticas socais do patrimônio e da memória em nossa sociedade. A análise comparativa dos processos de tombamentos históricos e etnográficos realizados, nestas duas capitais, uma no Nordeste e outra no Sudeste do país, foi importante para fazer emergir, por meio do confronto entre extremos do desenvolvimento soci- al brasileiro, as particularidades e singularidades intrínsecas a estas unidades admi- nistrativas do país. Tal procedimento metodológico foi útil para ajudar a tornar mais efetiva as evidências simbólicas e culturais características de um processo mais amplo21. Comparando realidades sócio-culturais tão díspares, consegue-se encon- trar os pontos de aproximação e distanciamento, assim como de estranhamento e de desnaturalização. Destarte, a partir da comparação das ações de patrimonialização efetuadas nos respectivos órgãos de cultura orientei a reflexão especialmente para o surgimento dos chamados novos patrimônios. Este trajeto culmina na investigação da importância do tema do patrimônio cultural e da memória social para a reconstrução da cidadania no país. Creio ser este um dos temas mais fundamentais dos direitos culturais garan- tidos na Constituição Federal de 1988 e dos direitos humanos inscritos na Declaração Universal da ONU22. Como se sabe, a conquista do direito à cidadania cultural esteve ligada ao pro- cesso de redemocratização da sociedade brasileira, que aconteceu a partir dos movi- mentos sociais da década de 1980. Hoje se percebe com mais clareza que esse proces- so de redemocratização só vai atingir seu objetivo mais profundo, se for completado pelo resgate23político e cultural da memória social de grande parte da população que têm vivido à margem da história oficial. 22
  • 21. Patrimônios Bioculturais Nossa crítica não se direciona apenas ao tradicionalismo da historiografia oficial, pois aponta também para a busca de novas estratégias de promoção dos patrimônios inscritos como bens etnográficos e históricos nos Livros do Tombo de São Paulo, Maranhão e do próprio IPHAN/MINC. Considero a urgência de um traba- lho de superação do paradigma clássico dominante na área de preservação das identidades e dos patrimônios culturais regionais e nacionais. É necessário ultrapas- sar os atuais entraves conceituais, relativos principalmente ao academismo cartesiano e dualista estabelecido nessa área povoada por especialistas24. Proponho, então, uma abordagem que leve a sério um novo ponto de vista civilizatório humanista, ou seja, uma antropologia fundamental que aponte para uma política civilizatória ver- dadeiramente contextualizadora e transdisciplinar. Outro aspecto crítico a salientar, é o que coloca em cheque a relativa inércia do Decreto-lei n.º 25/37 de criação do SPHAN – é fundamental uma re-leitura do documento original de Mário de Andrade25. Como resultado de uma verdadeira etnologia da urgência, insinua-se, na alta modernidade uma obsolescência crescente das velhas posições conservadoras, enraizadas nos conselhos de cultura e dos de- partamentos de patrimônio, quase sempre instrumentalizados em posições jurídico- burocráticas, muito úteis a tecnocracia do capital, agora ávido pelas apropriações da cultura e do patrimônio26. Apesar das mudanças ocorridas nas últimas décadas esses conselhos e departa- mentos do patrimônio e da cultura ainda mantêm uma concepção monumentalista con- sagrada, que vem imperando desde a década de trinta, quando da fundação do IPHAN27. Concepção patrimonialista que se aferra no monumentalismo impondo tiranicamente visões totalizadoras que engessam a memória social/plural e aniquilam a liberdade da memória coletiva (Jeudy, 2005). Presença marcante dos trabalhos de Henri Pierre-Jeudy (1990a; 1990b) se faz sentir facilmente, em especial seus ensaios críticos sobre a memória social, tam- bém as questões sociais dos novos patrimônios nas sociedades contemporâneas, além de outros tópicos como o da Museologia e da Comunicação Social. E nas suas próprias encontramos justificativa para essa presença recorrente e fecunda: “Minhas investi- gações se situam numa perspectiva crítica aos excessos da patrimonialização nas sociedades ocidentais”. Apesar de pontuar uma perspectiva global para a questão, este autor está cons- ciente das peculiaridades que o tema adquiriu no universo cultural da América Latina: É evidente, no entanto, que na América do Sul (e em outros países também), a lógica dos patrimônios não responde aos mesmos objetivos, pois estão inscritos antes numa tradicional resistência ao poder da cultura ocidental (e de seus efeitos político-econômicos) no mundo. 23
  • 22. Alexandre Fernandes Corrêa Diante disso, neste estudo, privilegiou-se a investigação etnológica em con- textos periféricos do Capitalismo ocidental. É a partir deste campo empírico que tento atingir o ponto crítico para a superação da perspectiva compartimentada do velho paradigma cartesiano. Através de uma meta-etnologia analiso criticamente as disputas por categorias especificas – que não passam de etiquetas científicas – na construção de um discurso patrimonial. É através de certa “concorrência”, ou “disputa”, entre especialistas que se acaba por etiquetar um bem como algo carre- gado de valor arqueológico, ou arquitetônico, ou histórico, assim por diante. A supe- ração dessa arena reducionista meramente acadêmica talvez possa ser efetuada pela incorporação do conceito de patrimônio cultural e natural tendo em vista, a posteriori, uma síntese integradora mais abrangente, isto é, uma biocultura, quando se poderá falar de patrimônios bioculturais28, isto é, do gerenciamento político de- mocrático das memórias sociais e naturais nas sociedades contemporâneas. Sob essa orientação foram examinados alguns textos clássicos levando-se em conta suas concepções e definições consagradas. Destaco, como objetos privile- giados, num vasto conjunto de documentos-monumentos produzidos pela institui- ção patrimonial no Brasil: o anteprojeto de criação do SPHAN redigido por Mário de Andrade – assim como suas cartas e missivas para o primeiro presidente do órgão, o Sr. Rodrigo M. F. de Andrade; e os trabalhos de Aloísio Magalhães à frente do CNRC (Centro Nacional de Referência Cultural) criado em 1975 e em 1979 integrado à Fundação Pró-Memória. Mário de Andrade – escritor, musicólogo, poeta – e Aloísio Magalhães – designer, artista plástico – são personagens separados no tempo, mas que se apro- ximam nas atitudes, nas ações, visões e propostas. Tentei avaliar o impacto dos discursos e práticas elaborados por estes dois “visionários” da causa do patrimônio e da memória no país. A perspectiva meta-etnológica foi escolhida não somente por que o objeto da pesquisa são tombamentos etnográficos, mas também por que a Etnologia tem formulado interrogações importantes à Museologia e às políticas do Patrimônio Cul- tural. Assim como tem contribuído para pesquisa científica de novos processos de preservação dos bens e dos valores culturais da humanidade. Esta abordagem é especialmente pertinente no momento em que se debate o fenômeno da globalização. Para muitos este fenômeno tem como conseqüência direta o enfraquecimento dos estados-nações, colocando em risco o próprio conceito de soberania nacional. Destaca-se, das polêmicas em torno desse processo, a idéia de que a uniformização cultural moderna se contrapõe à busca pela singularização – isso tem contribuído para a renovação de uma preocupação mais regionalista. É no embate entre o local e o global, nas suas metamorfoses e lutas, que se pode perce- 24
  • 23. Patrimônios Bioculturais ber uma nova leitura ativa da diferenciação das mutações sociais, econômicas e políticas, próprias a cada região29. Tornou-se fundamental nas sociedades contemporâneas encenar a memória coletiva numa busca pela preservação de suas identidades sob o impacto da vertigem da perda. Identidades hoje ameaçadas por sérios riscos de desaparecimento devido a uniformização dos modos de vida em escala planetária. No Brasil, especialmente, temos um repertório bem cristalizado no que José Reginaldo dos Santos Gonçalves chamou Retórica da perda (1996). Às vezes esse fenômeno-sintoma tem-se manifestado como moda passageira, ou com uma certa dose de nostalgia burguesa pela belle époque, ou ainda pelo passado aristocrático e imperial; em cada país esse sintoma aparece com características específicas30. Além disso, observam-se verdadeiros traumas sociais, especialmente no do- mínio econômico, causados pelo fechamento de indústrias e de diversas vagas de trabalho nas linhas de montagem. Cito como exemplo as chamadas culturas operá- rias do início da industrialização, com os savoir-faire de suas tecnologias obsoletas, os diversos postos de serviços desativados no sistema bancário, a revolução ciber- nética e informática etc. Esses são alguns dos efeitos do pós-industrialismo, ou do fenômeno hoje conhecido como “reestruturação produtiva”. Com as transformações avassaladoras do mundo atual os grupos sociais têm buscado investir na sua memó- ria, no ‘resgate’ e na recuperação de seu passado, isto é, de suas identidades sociais em perigo. Na influência crescente das diferentes artes e disciplinas humanísticas vê-se aumentar a reivindicação por uma maior presença do passado expressa, por exemplo, na atração pelas ruínas que dão sentido aos atos do presente – tudo isso talvez sintomatize uma tendência estética mais íntima do imaginário social popular. Encenando a memória com a criação de Ecomuseus31, Centros de Cultura etc., as comunidades percebem a necessidade de garantir uma forma de diálogo mais intenso entre as gerações que mudam de profissão e adquirem hábitos tecnológicos cada vez mais distintos. Como exemplo, cito as famílias de artesãos, comerciantes, médicos etc., que outrora manti- nham uma tradição comum e atualmente seus filhos são contratados para profissões menos estáveis e com recursos temporários, nos quais realizam tarefas desconhecidas dos mais idosos32. Apesar de serem detectadas expressões e manifestações genuínas no investi- mento na memória social, observa-se, contudo, que esse processo de patrimonialização hegemônico, que se estabeleceu nos últimos anos tem por objetivo, mais peremptó- rio, a reprodução de interesses específicos do capital turístico e hoteleiro. A chamada ‘gentrification’33 é nada mais que uma estetização do espaço antigo das cidades para a fruição e lazer de consumo das classes médias, que agora se atraem alegremente 25
  • 24. Alexandre Fernandes Corrêa pelo produto e a mercadoria ‘passado’. Quando o ‘futuro’ entra em crise, vemos seme- ar-se a idéia de que no ‘passado’ havia mais ‘esperança’ e ‘felicidade’: “Erámos felizes, e não sabíamos!”34. Uma coisa parece certa, como escreveu Benedito Toledo: “A busca da preserva- ção de nossa identidade cultural é o objetivo primeiro de toda política de proteção dos bens culturais” (1994, p. 81). Portanto, é impossível não perceber que “identidade cultural”, “memória” e “patrimônio” são temas intrinsecamente relacionados ao proces- so de aceleração histórica, chamados de ‘globalização-econômica’ ou de ‘mundialização- cultural’, das relações de produção, distribuição e consumo do ‘sistema mundo’ capitalis- ta contemporâneo (Wallerstein, 2002). A análise das relações entre esses conceitos é fundamental para nós, revelando os modos de articulações e as estratégias discursivas em transformação na atualidade. Como foi expresso pela socióloga Maria C. Londres Fonseca, sobre a trajetória da política federal de preservação do patrimônio no Brasil: (...) se a emergência da noção de patrimônio histórico e artístico nacional se deu no âmbito da formação dos Estados-nações e da ideologia do nacionalismo, sua versão atual, enquanto patrimônio cultural, indica sua inserção em um contexto mais amplo – o dos organismos internacionais – e em contextos mais restritos – o das comunidades locais (Fonseca, 1992, p. 79). Esse novo diálogo é cada vez mais intenso. Do local ao global a problemática do patrimônio e da memória não está circunscrita aos interesses momentâneos ou circuns- tanciais. Ultrapassa os egoísmos nacionais e congrega federações e continentes em preocupações cada vez mais urgentes. Assim, é preciso estar atento às transformações em curso e às possíveis metamorfoses dos conceitos. Tendo em vista essas novas peculiaridades, esta pesquisa se liga, por um lado, às recentes investigações sobre a memória coletiva, a identidade cultural e a nova museologia; e, por outro, aos programas de conservação, preservação e promoção dos bens culturais e naturais nas cidades contemporâneas. Mas, sempre levando em conta este grande pano de fundo internacional e global. De acordo com isso, me propus a analisar aqui os pontos de articulação entre os conceitos regularmente enunciados e as práticas políticas investigando as recentes ações oficiais implementadas nas áreas do patrimônio e da memória, tanto cultural como natural; assim como, nas interfaces locais e na sua repercussão global. Num contexto nacional mais específico torna-se relevante também colocar em perspectiva as comemorações dos “500 anos do Descobrimento” no país, que ilustram objetivamente o que Henri-Pierre Jeudy analisou no capítulo Ilusões da História do seu livro Sociedade Transbordante (1995). Expressões como “entrar na História”, “a lógica da História”, “a lição da História” etc., aparecem para dar sentido a um processo em que se 26
  • 25. Patrimônios Bioculturais “comemora tudo”, realimentando mitos e ideologias – com o que se pretende enquadrar e controlar o processo do devir35. Desse ambiente comemorativo, abrangendo regiões e nações, emerge o cres- cente interesse pelos chamados novos patrimônios. Estão ocorrendo mutações em dife- rentes aspectos ligados principalmente ao sentido usual da idéia de monumentalidade. De acordo com Henri-Pierre Jeudy: Havia castelos, igrejas, obras de arte..., e, doravante, há também prédios industriais, fundições, curtumes, cafés e lavatórios e uma quantidade infinita de objetos artesanais, industriais e agrícolas. E os modos de vida, de pensamento, de comunicação vêm complementar as novas representações do patrimônio. Ao invés de ser considerado uma aquisição, o patrimônio apresenta-se como conquista e apropriação social, desafiando assim a regularidade burocrática da classificação em Monumentos históricos (Jeudy, 1990, p. 07). Estas transformações parecem impor um novo tipo de entendimento dos con- teúdos semânticos dos termos e conceitos utilizados. Portanto, é preciso ter uma per- cepção mais objetiva desses novos patrimônios. Completando o raciocínio: essa reconsideração acerca da função tradicional do monumento pressupõe que o patrimônio seja o objeto de um investimento no tempo presente e que não consista em recordar e consagrar o passado. A representação da monumentalidade varia com a crise dos valores, ela segue a mobilidade atual das referências culturais. Essa multiplicidade de instâncias de significação, de tradução de outros sentidos possíveis confere aos ‘novos’ patrimônios o papel complexo de sintoma de uma crise da monumentalidade e de promotor de outras formas da simbolização dos objetos e dos signos culturais (Ibidem; Idem). Considera-se que a recente retomada de pesquisas voltadas para a preservação de patrimônios bioculturais e das memórias sociais reflete uma mudança na política cultural e ambiental que até pouco tempo priorizava o tombamento de monumentos, em detrimento de uma visão mais antropológica. Os tombamentos aqui investigados estão vinculados a essa noção de novos patrimônios, pois se voltam para as manifesta- ções culturais ainda “vivas”36. O fato destas manifestações da cultura e da natureza encontrarem “vivas” torna necessário distinguir melhor as concepções de memória e de patrimônio evocados em nome dos bens e valores dos grupos étnicos37, dos migrantes e das minorias. Dessa maneira, procurei enfatizar, no conjunto destes ensaios de antro- pologia do patrimônio cultural, as relações intrínsecas que a memória social mantém com o estudo da História, da Etnologia e da Ecologia cultural. A memória não pode ser dirigida e conduzida por uma política de patrimonialização autocrática e impositiva. Compreende-se aqui que as palavras mais importantes desse trabalho são democracia e cidadania cultural. Em defesa da memória, procurou-se ques- tionar os despotismos do excessivo patrimonialismo, petrificador e monumentalista. 27
  • 26. Alexandre Fernandes Corrêa Para além do dirigismo patrimonialista procurou-se reencontrar a liberdade da memória social plural. Essa introdução aos ensaios que se seguem talvez peque por ser demais alongada. Porém, ao sublinhar esses tópicos que balizam as reflexões aqui reunidas, pretendeu-se abrir a mente do leitor para o vasto e complexo escopo de temáticas que estão vincula- das a este estudo. As linhas de pensamento que tecem o novelo da reflexão, muito embora pareça se romper aqui ou ali, mantém-se firme nesse labirinto. O ‘fio de Ariadne’ que nos conduz, guia-se pelas reflexões elaboradas nos Estudos Culturais e na Epistemologia da Complexidade. No labirinto de idéias e pensamentos em que convida- mos o leitor a adentrar, já apresentamos as chaves para abrir as principais portas. Não irá se perder! 28