2. Aproximação entre design e artesanato no Brasil. Conceitos e ações de Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães.
Introdução
Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães foram pioneiros da reflexão sobre o artesanato como
cultura nacional e sobre a aproximação deste ao design. Profissionais de vanguarda, refletiram
esta formação nas suas atuações. Ambos fundaram centros de referência cultural,
investigaram, documentaram e divulgaram a cultura popular brasileira, refletiram sobre o
passado e a preservação do patrimônio nacional e dos bens culturais, participaram da
estruturação de escolas de desenho industrial e idealizaram um desenvolvimento sócio-
político-econômico de acordo com as necessidades reais do país e suas raízes culturais.
Metodologia
A análise foi realizada principalmente através dos livros: Tempos de Grossura: o design
no impasse, que testemunha o período em que Lina Bo Bardi trabalhou no Nordeste e E
Triunfo?: a questão dos bens culturais no Brasil, que conta a trajetória de Aloísio Magalhães
nos organismos federais de cultura. Este artigo foi baseado na monografia desenvolvida para a
disciplina de História Social do Design cursada como aluno especial na FAU-USP e é parte
integrante da pesquisa para dissertação de mestrado.
O design de Lina Bo Bardi e a tradição artesanal brasileira
A arquiteta italiana Lina Bo Bardi (1914 - 1992) veio para o Brasil em 1946 e trouxe
consigo a experiência do design italiano desenvolvido a partir de habilidades e tradições
artesanais. Foi pioneira em debater o desenho industrial em contraposição a produtos
proveniente da cultura popular brasileira. A cadeira Tripé, inspirada na rede de dormir, pode
ser considerada uma peça de mobiliário moderno que incorpora características locais e resgata
aspectos da tradição popular (Figura 1). Adotou em seus projetos soluções vernaculares que
optam por simplicidade construtiva como o mobiliário projetado para o teatro, áreas de lazer e
restaurante do SESC Pompéia em São Paulo (Figura 2) e a cadeira girafa em parceria com
Marcelo Ferraz e Marcelo Suzuki para a Casa do Benin em Salvador (Figura 3).
Fig. 1: Cadeira Tripé, Fig. 2: Cadeira Teatro Fig. 3: Cadeira Girafa,
Studio Palma, 1948. Sesc Pompéia, 1982. 1987. (1ª Bienal
(Arquitextos 093) (www.fernando.arq.br) Brasileira de Design)
“Lina queria que o Brasil tivesse uma indústria a partir das habilidades que estão na
mão do povo, do olhar da gente com originalidade.” (Darcy Ribeiro; BARDI, 1994, 4ª capa)
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Aloísio Magalhães e a identidade cultural brasileira
Aloísio Magalhães, (1927 - 1982) foi pioneiro do design gráfico no Brasil. Em 1960
fundou no Rio de Janeiro o mais importante escritório de design do país onde desenvolveu
projetos para grandes empresas privadas e estatais (Figuras. 4 e 5).
Figura 4: Cédulas de 500 cruzeiros. Aloísio expôs através de uma
sucessão de rostos masculinos, a formação étnica do povo brasileiro,
1972. (LEITE, 2003)
Figura 5: Símbolos do 4º Centenário do Rio de Janeiro 1964, Banco
Moreira Salles 1965, Bienal de São Paulo 1965, Light 1966 e Petrobras
1970. (LEITE, 2003)
Entre 1975 e 1982, Aloísio desenvolveu uma política cultural em busca de indicadores
para um desenvolvimento harmonioso e autenticamente brasileiro. A sua atuação abrangeu
quase todas as áreas da cultura e suas ações simbolizaram a intenção do Brasil em defender
seu patrimônio cultural.
“Nosso objetivo é estudar as formas de vida e atividades pré-industriais brasileiras que
estão desaparecendo, documentá-las e, numa outra fase, tentar influir sobre elas, ajudando-as
a dinamizar-se.”(MAGALHAES, 1997, p. 116-117)
Conceitos e ações de Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães
Apesar de atuarem em momentos diferentes, é possível identificar mais pontos
comuns do que diferenças entre as ações de Lina Bo Bardi e as de Aloísio Magalhães.
Lina Bo Bardi transferiu-se para a Bahia em 1958 convidada pelo governador Juracy
Magalhães para criar e dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia/MAMB. Com apoio da
SUDENE, criada em 1959, através de Celso Furtado, a Bahia se apresentou como uma
oportunidade para a construção de um projeto de modernização cultural. (FERRAZ, 1993,
p.161) A arquiteta acreditava que a cultura nordestina tinha potencialidades para o
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4. Aproximação entre design e artesanato no Brasil. Conceitos e ações de Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães.
desenvolvimento de um desenho industrial nacional, que era preciso documentá-la, pois seria
descaracterizado pela urbanização e pela industrialização. (BARDI, 1994, p.20-24) Em 1964,
o seu projeto cultural foi interrompido pelo governo militar, por ser considerado subversivo.
A partir de conversas entre Aloísio Magalhães, o Ministro Severo Gomes e o
Embaixador Wladimir Murtinho sobre o desenvolvimento econômico em curso no Brasil,
sobre a preservação dos valores da formação cultural no país e sobre o papel do desenho
industrial na formação de uma identidade própria para o produto nacional foi criado, em 1975,
o Centro Nacional de Referência Cultural/CNRC. Aloísio morreu prematuramente em 1982,
exercendo o cargo de Secretário da Cultura do MEC. (LEITE, 2003, p. 221-230)
Ambos criticaram o modelo sócio-econômico adotado pelo Brasil. Lina afirmava que
a importação de um modelo falido não permitiria que no país fosse desenvolvida uma cultura
autóctone e Aloísio constatou que os modelos norte-americano e europeu provocaram a
diminuição de “caracteres próprios das culturas”.
Eles também concordaram que o resgate e a valorização da cultura eram
responsabilidade social de todos. Lina convocou artistas a buscar inspiração na riqueza
antropológica do país e Aloísio queria que os profissionais conhecessem a heterogeneidade
cultural para poder atingir um desenvolvimento que fosse harmonioso e democrático.
A arquiteta organizou dentro do Museu de Arte Popular do Unhão o Centro de
Estudos sobre o Trabalho Artesanal/CETA com o objetivo de inventariar as manifestações da
manufatura popular do Nordeste. Neste trabalho destaca o valor da produção útil sem
características folclóricas. Em 1962, idealizou a Escola de Desenho Industrial e Artesanato,
que previa o resgate da herança cultural tradicional popular e a promoção de troca de
experiências e integração entre alunos universitários e mestres artesãos. O projeto enfatizava a
importância social da ocupação de mão de obra, do aproveitamento de resíduo industrial e da
diversificação da economia. Apesar de ter conexões com os princípios da Bauhaus estava
inspirada no modelo de industrialização italiana baseado em pequenas empresas. Este projeto
nunca se realizou. (PEREIRA, 2005)
Aloísio, participou da criação da Escola Superior de Desenho Industrial/ESDI no Rio
de Janeiro (1963), baseada no rigor da escola suíça alemã. Em 1977, em debate realizado na
comemoração dos 15 anos da escola, propôs repensar as bases do pensamento racionalista e
buscar um design enriquecido por um conjunto mais amplo e sutil de valores.
(MAGALHAES, 1998)
O Centro Nacional de Referência Cultural/CNRC, idealizado por Aloísio, pretendia
revelar a diversidade da cultura brasileira e documentar e dinamizar referências contidas no
saber popular. O programa de Artesanato tinha como propósito conhecer os processos de
produção, comercialização e consumo; as matérias primas e as técnicas artesanais. A intenção
era ir além do conhecimento, era possibilitar a continuidade daquele processo. (LEITE, 2003,
p.237)
A partir de definições diferentes sobre o artesanato Lina e Aloísio afirmaram não
ocorrer artesanato no Brasil, porém, concordaram que o fazer artesanal brasileiro continha
muita invenção e possibilidades criativas originais. Ela definiu este fazer como “pré-
artesanato” (BARDI, 1994, p.28): produção artesanal popular, útil, necessária, de uso
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cotidiano e dotado de força lúdica (Figura 6). Ele definiu como “pré-design”: uma
disponibilidade para o fazer com alto índice de invenção (Figura 7), um fazer tecnológico e
desta maneira coloca o artesão como um designer em potencial. (MAGALHÃES, 1997,
p.181)
Figura 6: Bule feito de uma lata de Figura 7: Fabricação e
manteiga. (BARDI, 1994) comercialização de lixeiras.
Transformação e reutilização de
pneus. (LEITE, 2003)
Eles assumiram posturas distintas quanto aos modelos de intervenção e a aproximação
entre o design e o artesanato no Brasil.
Lina partiu de uma concepção da cultura como elemento vivo e em evolução, ela
acreditava que a transformação da tradição seria inevitável. A Escola de Desenho Industrial e
Artesanato propunha um intenso relacionamento entre o designer e o artesão, inclusive
retirando o artesão do seu tradicional local de trabalho, o que modificaria radicalmente a
tradição da sua produção. Ela dizia que seria inevitável a industrialização, e que as
manifestações populares iriam desaparecer, por isso idealizou o Museu de Arte Popular/MAP
como ponte entre a modernização da sociedade e a sua identidade cultural e a Escola de
Desenho Industrial e Artesanato como um modelo de desenvolvimento político e econômico
com raízes nacionais.
Aloísio, também rejeitou as idéias de preservação estática, no entanto, propôs uma
intervenção mais cuidadosa. Acreditava que a inserção no mercado comercial do produto
artesanal deveria, necessariamente ser através de análise profunda de cada caso e avaliação de
qual deveria ser a continuidade para aquele processo. As intervenções deveriam ser de
melhoria do processo e do produto e as mudanças apenas de aceleração do processo
evolutivo. As intervenções não poderiam inibir o potencial dos artesãos, deveriam valorizar a
expressão e ajudá-los a formular uma trajetória própria.
As reflexões, projetos e pesquisas desenvolvidas por Lina Bo Bardi e Aloísio
Magalhães tiveram papel fundamental na valorização da cultura brasileira e são hoje
referência para o desenvolvimento do design nacional com identidade própria além de servir
de base para vários programas de ensino do país.
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Referências
BARDI, L. B. Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo: Instituto Lina Bo e
P.M. Bardi, 1980. (coordenação editorial: SUZUKI, Marcelo, 1994)
FERRAZ, M. C. (org). Lina Bo Bardi. São Paulo: Empresa das Artes: Instituto Lina Bo e
P.M. Bardi, 1993.
LEITE, J. de S. (org.). A herança do olhar: o design de Aloísio Magalhães. Rio de Janeiro:
Artviva, 2003.
MAGALHÃES, A. E Triunfo ?: a questão dos bens culturais no Brasil / Aloísio
Magalhães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Fundação Roberto Marinho, 1997.
MAGALHÃES, A. O que o desenho industrial pode fazer pelo país ? Revista Arcos, Rio de
Janeiro, vol. I, nº único, p.8-13, 1998.
PEREIRA, J. A.; ANELLI, L. S. Uma Escola de Desenho Industrial referenciada no lastro do
pré-artesanato: Lina Bo Bardi e o Museu do Solar do Unhão na Bahia. Revista Design em
Foco, Salvador, ano/vol. II, nº 2, p. 17-27, jul./dez. 2005.
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