SlideShare une entreprise Scribd logo
1  sur  3
Télécharger pour lire hors ligne
CRÔNICA METALINGUÍSTICA

                                 Como te encontro?



       Bendita inspiração! Bendita!
       Na salvadora busca por esta “entidade” o cronista põe-se a vasculhar os registros
de sua memória a fim de encontrar o mote, a fagulha, o fio da meada desencadeante de
algumas linhas que colocarão luz sobre um fato, um algo qualquer, redescobrindo uma
história sob ótica diferente e, esta, calcada na beleza do que existe além do olhar
comum, possa vir a pousar e se estabelecer. Difícil encontrá-la! Ela é arredia e chega
quando quer, às vezes, quase sempre é bem verdade, quando o cronista já abandonou a
sua procura.
       E senta, levanta, coça a cabeça, digita, deleta, escreve, apaga, rabisca. Toma um
café, um chá, olha pro céu, pro teto, pro lado. Fixa o olhar em algo, deixa-o se perder.
Ouve uma música, vai pra TV e ela não vem. Assim é a vida do cara que se põe a
escrever crônicas, sempre a procura da influência criacionista. E as pessoas quando
leem uma crônica acham que ela foi gerada de forma fácil, natural, espontânea... ah!
Quem dera!
       Fazer crônica é se permitir por um dos pés, ou, os dois, na seara da fantasia, do
extraordinário, que repousa nas entrelinhas de uma vida, de uma situação, de qualquer
outra coisa que seja. É ter o olhar apurado, o ouvido notavelmente captador e uma alma
solta e liberta. Crônica tem a ver com descritiva analítica realística circunstanciada –
caraca! Que doideira essa definição, hein? - de uma dada existência, seja ela, existência
humana, animal, de um objeto, de um sentimento, enfim. O barato maior da crônica é o
fato de não estar presa a nada, nem a ninguém e de se revestir de elementos carregados
de nuances ocultas.
       Mas estávamos falando de inspiração. Ela que por vezes teima em não surgir, em
não se manifestar conforme as nossas vontades, é generosa no fim de tudo. Apesar da
sua recusa em se tornar refém do cronista ela nunca o abandona. Tem o seu tempo,
simplesmente é isso. O cronista é que, como ávido fazedor, recolhedor, de histórias do
cotidiano que o é, abusa da boa vontade da bendita inspiração. Mas saiba que ela
sempre aparece. Tem vezes que se pensa que ela definitivamente irrompeu a relação
com o sujeito criador da crônica e foi para outros lados paquerar sujeitos menos
complexos, e aí eis que para surpresa ela se manifesta na suposta falta dela. Deu pra
entender?
       E aquela velha conversa fiada de que o artista – ou pretenso artista - constrói
com imensa facilidade um texto, uma letra de música, uma melodia, uma poesia? Sob o
pretexto de ser o artista um receptor de “dádiva”, alguns o veem como possuidor de uma
capacidade criativa que se apresenta como se fosse a coisa mais natural do mundo.
Balela! Essa mentalidade de se acreditar e de propagar que o cronista, o escritor, o
poeta, o músico, cria tudo com dificuldade nula e que esses personagens assim o fazem
porque a inspiração é um “dom” que possuem e que se manifesta sem forçação de barra,
é papo furado. Parece que esses profissionais têm consigo um interruptor que aciona a
inspiração a qualquer momento e dentro da vontade deles. Não é assim não!
       Afirmo que este interruptor até existe, mas é acionado por transpiração, trabalho
árduo, repetição intensa da referida prática artística. Especificamente para o cronista, ele
precisa de exercício permanente, de convívio íntimo com as palavras, de se pôr a
escrever, escrever e escrever, sem deixar de exercitar a arte da observação também. A
inspiração é amiga da labuta e amante – não no sentido de ser a outra, no sentido de
amar mesmo, de ser fiel – da obstinação de criação que se instaura no desenvolvimento
da ação permanente.
       Quando penso em “inspiração gratuita” me vem à mente a figura de um ex-
jogador de basquete, famosíssimo, que falando sobre a sua história de vida destacou que
a inspiração dele surgiu ao custo de muito treinamento. Falo de Oscar Schmidt,
campeoníssimo por um monte de clubes e um dos maiores jogadores que vestiu a
camisa verde e amarela. O “mão santa”, como era chamado por ter a “inspiração” de
acertar com impressionante destreza e habilidade arremessos de três pontos, foi por sua
eficiência, aclamado em todo o mundo e até pelos americanos, os papas do basquetebol,
teve sua importância reconhecida. Oscar certa vez respondeu a um repórter que havia
lhe perguntado sobre o dom, e por assim dizer, sobre a inspiração para ser exímio
arremessador de bolas de três pontos, que essa inspiração vinha na verdade era dos
intermináveis momentos de treinamento isolado – após fazer o treinamento comum com
o grupo – onde suas únicas companhias eram a bola e, sua esposa, que ficava
devolvendo-a para ele prosseguir sua sequência quase que infinda de arremessos da
linha dos três pontos. Tinha a tenacidade de um Portinari. Sem o treinamento constante,
intenso, tendo a pretensão de a cada dia melhorar, ser mais efetivo, não conseguiria ter
se tornado o “mão santa”. Algo muito interessante que o Oscar fazia questão de apontar
é que poderia existir alguém que fosse melhor do que ele, mas nunca, que houvesse
treinado mais.
       Por isso, o grande lance é querer fazer bem feito. E para isso, o que vale mesmo
é, em primeiro lugar, gostar, curtir, saber despertar o interesse àquilo que se põe a fazer.
Depois, é necessário estudar, observar, analisar e praticar muito. Manter uma atividade
firme e consistente e ter a vontade - e humildade - de sempre, sempre, querer aprender.
Claro que nem todos chegarão a um patamar de Oscar Schmidt, mas em qualquer área
de atuação conseguirão, pelo menos, ser tornar bons profissionais – o que já é muito.
       Quero atestar que o cronista não é santo nem maldito. Não recebe dos céus
nenhum tratamento especial. Ele é apenas um ser que mantém um namoro – casamento,
é melhor – conturbado, porém, permanente e prazeroso com a inspiração. Ele sabe
absorvê-la e a verbaliza. Ele imprime a partir de um lápis, caneta, de um teclado, a sua
visão aguçada de mundo – fruto de exercício também - e tem a percepção da
importância do outro, por mais simples que seja esse outro. O cronista é maculado pela
benevolência dessa força que emana do universo e que sabe agraciar a todos que
desenvolvem exaustivamente o ofício desse gênero. Salve esta força que não é gratuita e
sim desdobramento recompensatório da árdua ação repetidora de aprimoramento. Ela
nos encontra. Salve, a bendita inspiração!




Daniel Freire
danielfreirerj@hotmail.com

Contenu connexe

Tendances

Boletim 3.2012.13
Boletim 3.2012.13Boletim 3.2012.13
Boletim 3.2012.13BIBESC
 
O alienista
O alienistaO alienista
O alienistaSeduc/AM
 
Memórias póstumas de brás cubas
Memórias póstumas de brás cubasMemórias póstumas de brás cubas
Memórias póstumas de brás cubasSeduc/AM
 
Memorias postumas de_bras_cubas - ok
Memorias postumas de_bras_cubas - okMemorias postumas de_bras_cubas - ok
Memorias postumas de_bras_cubas - okClaudia Lazarini
 
Uma Conversa Diferente
Uma Conversa DiferenteUma Conversa Diferente
Uma Conversa Diferenteelvandroburity
 
Questões fechadas sobre papeis avulsos
Questões fechadas sobre papeis avulsosQuestões fechadas sobre papeis avulsos
Questões fechadas sobre papeis avulsosma.no.el.ne.ves
 
Memórias póstumas de brás cubas
Memórias póstumas de brás cubasMemórias póstumas de brás cubas
Memórias póstumas de brás cubasrafabebum
 
Autobiografia de Erico Verissimo by José Roig
Autobiografia de Erico Verissimo by José RoigAutobiografia de Erico Verissimo by José Roig
Autobiografia de Erico Verissimo by José RoigJosé Antonio Klaes Roig
 
Qorpo santo de corpo inteiro - janer cristaldo
Qorpo santo de corpo inteiro  - janer cristaldoQorpo santo de corpo inteiro  - janer cristaldo
Qorpo santo de corpo inteiro - janer cristaldoGladis Maia
 
Memórias póstumas de Brás Cubas
Memórias póstumas de Brás CubasMemórias póstumas de Brás Cubas
Memórias póstumas de Brás CubasGabriela Rovani
 
Capítulo 1 aleascript
Capítulo 1 aleascriptCapítulo 1 aleascript
Capítulo 1 aleascriptRui Matos
 
Marquês de sade 120 dias de sodoma
Marquês de sade   120 dias de sodomaMarquês de sade   120 dias de sodoma
Marquês de sade 120 dias de sodomaHadassa Mordecai
 
O Príncipe dos Jornalistas - Edição Virtual - 2011
O Príncipe dos Jornalistas - Edição Virtual -   2011O Príncipe dos Jornalistas - Edição Virtual -   2011
O Príncipe dos Jornalistas - Edição Virtual - 2011elvandroburity
 
Memórias Póstumas de Brás Cubas
Memórias Póstumas de Brás  Cubas Memórias Póstumas de Brás  Cubas
Memórias Póstumas de Brás Cubas Cláudia Heloísa
 
A-construcao-parodica-–-biblica-na-obra-a-paixao-segundo-gh-de-clarice-lispe...
 A-construcao-parodica-–-biblica-na-obra-a-paixao-segundo-gh-de-clarice-lispe... A-construcao-parodica-–-biblica-na-obra-a-paixao-segundo-gh-de-clarice-lispe...
A-construcao-parodica-–-biblica-na-obra-a-paixao-segundo-gh-de-clarice-lispe...Vanessa Aparecida R Anastacio
 
O.alienista machado.de.assis-www.livros gratis.net
O.alienista machado.de.assis-www.livros gratis.netO.alienista machado.de.assis-www.livros gratis.net
O.alienista machado.de.assis-www.livros gratis.netelannialins
 
Fernando Pessoa e Heterónimos
Fernando Pessoa e HeterónimosFernando Pessoa e Heterónimos
Fernando Pessoa e HeterónimosCustódia Rebocho
 

Tendances (20)

Boletim 3.2012.13
Boletim 3.2012.13Boletim 3.2012.13
Boletim 3.2012.13
 
O alienista
O alienistaO alienista
O alienista
 
Memórias póstumas de brás cubas
Memórias póstumas de brás cubasMemórias póstumas de brás cubas
Memórias póstumas de brás cubas
 
Monografia rosseau versão final
Monografia rosseau versão finalMonografia rosseau versão final
Monografia rosseau versão final
 
Memorias postumas de_bras_cubas - ok
Memorias postumas de_bras_cubas - okMemorias postumas de_bras_cubas - ok
Memorias postumas de_bras_cubas - ok
 
Morangos mofados
Morangos mofadosMorangos mofados
Morangos mofados
 
Uma Conversa Diferente
Uma Conversa DiferenteUma Conversa Diferente
Uma Conversa Diferente
 
Questões fechadas sobre papeis avulsos
Questões fechadas sobre papeis avulsosQuestões fechadas sobre papeis avulsos
Questões fechadas sobre papeis avulsos
 
Memórias póstumas de brás cubas
Memórias póstumas de brás cubasMemórias póstumas de brás cubas
Memórias póstumas de brás cubas
 
Autobiogr..
Autobiogr..Autobiogr..
Autobiogr..
 
Autobiografia de Erico Verissimo by José Roig
Autobiografia de Erico Verissimo by José RoigAutobiografia de Erico Verissimo by José Roig
Autobiografia de Erico Verissimo by José Roig
 
Qorpo santo de corpo inteiro - janer cristaldo
Qorpo santo de corpo inteiro  - janer cristaldoQorpo santo de corpo inteiro  - janer cristaldo
Qorpo santo de corpo inteiro - janer cristaldo
 
Memórias póstumas de Brás Cubas
Memórias póstumas de Brás CubasMemórias póstumas de Brás Cubas
Memórias póstumas de Brás Cubas
 
Capítulo 1 aleascript
Capítulo 1 aleascriptCapítulo 1 aleascript
Capítulo 1 aleascript
 
Marquês de sade 120 dias de sodoma
Marquês de sade   120 dias de sodomaMarquês de sade   120 dias de sodoma
Marquês de sade 120 dias de sodoma
 
O Príncipe dos Jornalistas - Edição Virtual - 2011
O Príncipe dos Jornalistas - Edição Virtual -   2011O Príncipe dos Jornalistas - Edição Virtual -   2011
O Príncipe dos Jornalistas - Edição Virtual - 2011
 
Memórias Póstumas de Brás Cubas
Memórias Póstumas de Brás  Cubas Memórias Póstumas de Brás  Cubas
Memórias Póstumas de Brás Cubas
 
A-construcao-parodica-–-biblica-na-obra-a-paixao-segundo-gh-de-clarice-lispe...
 A-construcao-parodica-–-biblica-na-obra-a-paixao-segundo-gh-de-clarice-lispe... A-construcao-parodica-–-biblica-na-obra-a-paixao-segundo-gh-de-clarice-lispe...
A-construcao-parodica-–-biblica-na-obra-a-paixao-segundo-gh-de-clarice-lispe...
 
O.alienista machado.de.assis-www.livros gratis.net
O.alienista machado.de.assis-www.livros gratis.netO.alienista machado.de.assis-www.livros gratis.net
O.alienista machado.de.assis-www.livros gratis.net
 
Fernando Pessoa e Heterónimos
Fernando Pessoa e HeterónimosFernando Pessoa e Heterónimos
Fernando Pessoa e Heterónimos
 

Similaire à Como a inspiração encontra o cronista

Interpretação do Ex- Libris
Interpretação do Ex- LibrisInterpretação do Ex- Libris
Interpretação do Ex- LibrisRODRIGO ORION
 
texto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdf
texto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdftexto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdf
texto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdfDenise De Ramos
 
texto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdf
texto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdftexto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdf
texto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdfDenise De Ramos
 
Sem Ao Menos Um Aceno
Sem Ao Menos Um AcenoSem Ao Menos Um Aceno
Sem Ao Menos Um Acenoguesta47b474
 
Felicidade clandestina.pptx
Felicidade clandestina.pptxFelicidade clandestina.pptx
Felicidade clandestina.pptxssuser0bb0ae
 
A Arte de Ler (Vanderlei Miranda) - Cidadão do Futuro 2010
A Arte de Ler (Vanderlei Miranda) - Cidadão do Futuro 2010A Arte de Ler (Vanderlei Miranda) - Cidadão do Futuro 2010
A Arte de Ler (Vanderlei Miranda) - Cidadão do Futuro 2010Smar Brasil
 
Fernando Pessoa - O Poeta Enigma
Fernando Pessoa - O Poeta EnigmaFernando Pessoa - O Poeta Enigma
Fernando Pessoa - O Poeta EnigmaFabio Lemes
 
Discurso Dr. Sérgio Pitaki - Posse Diretoria Nacional da Sobrames 2013
Discurso Dr. Sérgio Pitaki - Posse Diretoria Nacional da Sobrames 2013Discurso Dr. Sérgio Pitaki - Posse Diretoria Nacional da Sobrames 2013
Discurso Dr. Sérgio Pitaki - Posse Diretoria Nacional da Sobrames 2013Sérgio Pitaki
 
Poesia e heteronímia em fernando pessoa
Poesia e heteronímia em fernando pessoaPoesia e heteronímia em fernando pessoa
Poesia e heteronímia em fernando pessoama.no.el.ne.ves
 
O Ovo E A Galinha Da PercepçãO à Inautenticidade Do Ser
O Ovo E A Galinha Da PercepçãO à Inautenticidade Do SerO Ovo E A Galinha Da PercepçãO à Inautenticidade Do Ser
O Ovo E A Galinha Da PercepçãO à Inautenticidade Do SerDR Educação Cristã
 
Provas eloquentes da existência de Deus
Provas eloquentes da existência de DeusProvas eloquentes da existência de Deus
Provas eloquentes da existência de DeusJuraci Rocha
 
Crônicas para jovens, Clarice Lispector.pptx
Crônicas para jovens,  Clarice Lispector.pptxCrônicas para jovens,  Clarice Lispector.pptx
Crônicas para jovens, Clarice Lispector.pptxCrisBiagio
 
Poesia Heterônima de Alberto Caiero
 Poesia Heterônima de Alberto Caiero Poesia Heterônima de Alberto Caiero
Poesia Heterônima de Alberto CaieroLindolfo Teixeira
 
Sem ao menos_um_aceno
Sem ao menos_um_acenoSem ao menos_um_aceno
Sem ao menos_um_acenoHBMenezes
 
Encontro 6 - Autoretrato
Encontro 6 - AutoretratoEncontro 6 - Autoretrato
Encontro 6 - Autoretratogernacor
 
Obra literária "O caçador de palavras" de Walcyr Carrasco
Obra literária "O caçador de palavras" de Walcyr CarrascoObra literária "O caçador de palavras" de Walcyr Carrasco
Obra literária "O caçador de palavras" de Walcyr CarrascoIEE Wilcam
 

Similaire à Como a inspiração encontra o cronista (20)

Interpretação do Ex- Libris
Interpretação do Ex- LibrisInterpretação do Ex- Libris
Interpretação do Ex- Libris
 
texto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdf
texto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdftexto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdf
texto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdf
 
texto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdf
texto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdftexto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdf
texto 1-Alves, Rubens -Conversas_com_quem_gosta_ensinar.pdf
 
Sem Ao Menos Um Aceno
Sem Ao Menos Um AcenoSem Ao Menos Um Aceno
Sem Ao Menos Um Aceno
 
Conto
ContoConto
Conto
 
Felicidade clandestina.pptx
Felicidade clandestina.pptxFelicidade clandestina.pptx
Felicidade clandestina.pptx
 
A Arte de Ler (Vanderlei Miranda) - Cidadão do Futuro 2010
A Arte de Ler (Vanderlei Miranda) - Cidadão do Futuro 2010A Arte de Ler (Vanderlei Miranda) - Cidadão do Futuro 2010
A Arte de Ler (Vanderlei Miranda) - Cidadão do Futuro 2010
 
Fernando Pessoa - O Poeta Enigma
Fernando Pessoa - O Poeta EnigmaFernando Pessoa - O Poeta Enigma
Fernando Pessoa - O Poeta Enigma
 
Discurso Dr. Sérgio Pitaki - Posse Diretoria Nacional da Sobrames 2013
Discurso Dr. Sérgio Pitaki - Posse Diretoria Nacional da Sobrames 2013Discurso Dr. Sérgio Pitaki - Posse Diretoria Nacional da Sobrames 2013
Discurso Dr. Sérgio Pitaki - Posse Diretoria Nacional da Sobrames 2013
 
Poesia e heteronímia em fernando pessoa
Poesia e heteronímia em fernando pessoaPoesia e heteronímia em fernando pessoa
Poesia e heteronímia em fernando pessoa
 
Literatura
LiteraturaLiteratura
Literatura
 
O Ovo E A Galinha Da PercepçãO à Inautenticidade Do Ser
O Ovo E A Galinha Da PercepçãO à Inautenticidade Do SerO Ovo E A Galinha Da PercepçãO à Inautenticidade Do Ser
O Ovo E A Galinha Da PercepçãO à Inautenticidade Do Ser
 
Provas eloquentes da existência de Deus
Provas eloquentes da existência de DeusProvas eloquentes da existência de Deus
Provas eloquentes da existência de Deus
 
Crônicas para jovens, Clarice Lispector.pptx
Crônicas para jovens,  Clarice Lispector.pptxCrônicas para jovens,  Clarice Lispector.pptx
Crônicas para jovens, Clarice Lispector.pptx
 
Poesia Heterônima de Alberto Caiero
 Poesia Heterônima de Alberto Caiero Poesia Heterônima de Alberto Caiero
Poesia Heterônima de Alberto Caiero
 
Sem ao menos_um_aceno
Sem ao menos_um_acenoSem ao menos_um_aceno
Sem ao menos_um_aceno
 
Encontro 6 - Autoretrato
Encontro 6 - AutoretratoEncontro 6 - Autoretrato
Encontro 6 - Autoretrato
 
Aula 2 redacao_2011
Aula 2 redacao_2011Aula 2 redacao_2011
Aula 2 redacao_2011
 
O Texto E O Leitor
O Texto E O LeitorO Texto E O Leitor
O Texto E O Leitor
 
Obra literária "O caçador de palavras" de Walcyr Carrasco
Obra literária "O caçador de palavras" de Walcyr CarrascoObra literária "O caçador de palavras" de Walcyr Carrasco
Obra literária "O caçador de palavras" de Walcyr Carrasco
 

Plus de Daniel Freire

Livro Flamengo (reparado) Julho 2016
Livro Flamengo (reparado) Julho 2016Livro Flamengo (reparado) Julho 2016
Livro Flamengo (reparado) Julho 2016Daniel Freire
 
Monografia Dez.2012/Livro Flamengo 2014
Monografia Dez.2012/Livro Flamengo 2014Monografia Dez.2012/Livro Flamengo 2014
Monografia Dez.2012/Livro Flamengo 2014Daniel Freire
 
Dizimo texto unificado 13 dezembro 12 horas
Dizimo texto unificado 13 dezembro 12 horasDizimo texto unificado 13 dezembro 12 horas
Dizimo texto unificado 13 dezembro 12 horasDaniel Freire
 
Matéria luiz gonzaga 31 de maio
Matéria luiz gonzaga 31 de maioMatéria luiz gonzaga 31 de maio
Matéria luiz gonzaga 31 de maioDaniel Freire
 
Materia elis regina 2
Materia elis regina 2Materia elis regina 2
Materia elis regina 2Daniel Freire
 

Plus de Daniel Freire (7)

Livro Flamengo (reparado) Julho 2016
Livro Flamengo (reparado) Julho 2016Livro Flamengo (reparado) Julho 2016
Livro Flamengo (reparado) Julho 2016
 
Monografia Dez.2012/Livro Flamengo 2014
Monografia Dez.2012/Livro Flamengo 2014Monografia Dez.2012/Livro Flamengo 2014
Monografia Dez.2012/Livro Flamengo 2014
 
Revista Plural UnP
Revista Plural UnPRevista Plural UnP
Revista Plural UnP
 
Artigo chico
Artigo chicoArtigo chico
Artigo chico
 
Dizimo texto unificado 13 dezembro 12 horas
Dizimo texto unificado 13 dezembro 12 horasDizimo texto unificado 13 dezembro 12 horas
Dizimo texto unificado 13 dezembro 12 horas
 
Matéria luiz gonzaga 31 de maio
Matéria luiz gonzaga 31 de maioMatéria luiz gonzaga 31 de maio
Matéria luiz gonzaga 31 de maio
 
Materia elis regina 2
Materia elis regina 2Materia elis regina 2
Materia elis regina 2
 

Como a inspiração encontra o cronista

  • 1. CRÔNICA METALINGUÍSTICA Como te encontro? Bendita inspiração! Bendita! Na salvadora busca por esta “entidade” o cronista põe-se a vasculhar os registros de sua memória a fim de encontrar o mote, a fagulha, o fio da meada desencadeante de algumas linhas que colocarão luz sobre um fato, um algo qualquer, redescobrindo uma história sob ótica diferente e, esta, calcada na beleza do que existe além do olhar comum, possa vir a pousar e se estabelecer. Difícil encontrá-la! Ela é arredia e chega quando quer, às vezes, quase sempre é bem verdade, quando o cronista já abandonou a sua procura. E senta, levanta, coça a cabeça, digita, deleta, escreve, apaga, rabisca. Toma um café, um chá, olha pro céu, pro teto, pro lado. Fixa o olhar em algo, deixa-o se perder. Ouve uma música, vai pra TV e ela não vem. Assim é a vida do cara que se põe a escrever crônicas, sempre a procura da influência criacionista. E as pessoas quando leem uma crônica acham que ela foi gerada de forma fácil, natural, espontânea... ah! Quem dera! Fazer crônica é se permitir por um dos pés, ou, os dois, na seara da fantasia, do extraordinário, que repousa nas entrelinhas de uma vida, de uma situação, de qualquer outra coisa que seja. É ter o olhar apurado, o ouvido notavelmente captador e uma alma solta e liberta. Crônica tem a ver com descritiva analítica realística circunstanciada – caraca! Que doideira essa definição, hein? - de uma dada existência, seja ela, existência humana, animal, de um objeto, de um sentimento, enfim. O barato maior da crônica é o fato de não estar presa a nada, nem a ninguém e de se revestir de elementos carregados de nuances ocultas. Mas estávamos falando de inspiração. Ela que por vezes teima em não surgir, em não se manifestar conforme as nossas vontades, é generosa no fim de tudo. Apesar da sua recusa em se tornar refém do cronista ela nunca o abandona. Tem o seu tempo, simplesmente é isso. O cronista é que, como ávido fazedor, recolhedor, de histórias do cotidiano que o é, abusa da boa vontade da bendita inspiração. Mas saiba que ela sempre aparece. Tem vezes que se pensa que ela definitivamente irrompeu a relação com o sujeito criador da crônica e foi para outros lados paquerar sujeitos menos
  • 2. complexos, e aí eis que para surpresa ela se manifesta na suposta falta dela. Deu pra entender? E aquela velha conversa fiada de que o artista – ou pretenso artista - constrói com imensa facilidade um texto, uma letra de música, uma melodia, uma poesia? Sob o pretexto de ser o artista um receptor de “dádiva”, alguns o veem como possuidor de uma capacidade criativa que se apresenta como se fosse a coisa mais natural do mundo. Balela! Essa mentalidade de se acreditar e de propagar que o cronista, o escritor, o poeta, o músico, cria tudo com dificuldade nula e que esses personagens assim o fazem porque a inspiração é um “dom” que possuem e que se manifesta sem forçação de barra, é papo furado. Parece que esses profissionais têm consigo um interruptor que aciona a inspiração a qualquer momento e dentro da vontade deles. Não é assim não! Afirmo que este interruptor até existe, mas é acionado por transpiração, trabalho árduo, repetição intensa da referida prática artística. Especificamente para o cronista, ele precisa de exercício permanente, de convívio íntimo com as palavras, de se pôr a escrever, escrever e escrever, sem deixar de exercitar a arte da observação também. A inspiração é amiga da labuta e amante – não no sentido de ser a outra, no sentido de amar mesmo, de ser fiel – da obstinação de criação que se instaura no desenvolvimento da ação permanente. Quando penso em “inspiração gratuita” me vem à mente a figura de um ex- jogador de basquete, famosíssimo, que falando sobre a sua história de vida destacou que a inspiração dele surgiu ao custo de muito treinamento. Falo de Oscar Schmidt, campeoníssimo por um monte de clubes e um dos maiores jogadores que vestiu a camisa verde e amarela. O “mão santa”, como era chamado por ter a “inspiração” de acertar com impressionante destreza e habilidade arremessos de três pontos, foi por sua eficiência, aclamado em todo o mundo e até pelos americanos, os papas do basquetebol, teve sua importância reconhecida. Oscar certa vez respondeu a um repórter que havia lhe perguntado sobre o dom, e por assim dizer, sobre a inspiração para ser exímio arremessador de bolas de três pontos, que essa inspiração vinha na verdade era dos intermináveis momentos de treinamento isolado – após fazer o treinamento comum com o grupo – onde suas únicas companhias eram a bola e, sua esposa, que ficava devolvendo-a para ele prosseguir sua sequência quase que infinda de arremessos da linha dos três pontos. Tinha a tenacidade de um Portinari. Sem o treinamento constante, intenso, tendo a pretensão de a cada dia melhorar, ser mais efetivo, não conseguiria ter se tornado o “mão santa”. Algo muito interessante que o Oscar fazia questão de apontar
  • 3. é que poderia existir alguém que fosse melhor do que ele, mas nunca, que houvesse treinado mais. Por isso, o grande lance é querer fazer bem feito. E para isso, o que vale mesmo é, em primeiro lugar, gostar, curtir, saber despertar o interesse àquilo que se põe a fazer. Depois, é necessário estudar, observar, analisar e praticar muito. Manter uma atividade firme e consistente e ter a vontade - e humildade - de sempre, sempre, querer aprender. Claro que nem todos chegarão a um patamar de Oscar Schmidt, mas em qualquer área de atuação conseguirão, pelo menos, ser tornar bons profissionais – o que já é muito. Quero atestar que o cronista não é santo nem maldito. Não recebe dos céus nenhum tratamento especial. Ele é apenas um ser que mantém um namoro – casamento, é melhor – conturbado, porém, permanente e prazeroso com a inspiração. Ele sabe absorvê-la e a verbaliza. Ele imprime a partir de um lápis, caneta, de um teclado, a sua visão aguçada de mundo – fruto de exercício também - e tem a percepção da importância do outro, por mais simples que seja esse outro. O cronista é maculado pela benevolência dessa força que emana do universo e que sabe agraciar a todos que desenvolvem exaustivamente o ofício desse gênero. Salve esta força que não é gratuita e sim desdobramento recompensatório da árdua ação repetidora de aprimoramento. Ela nos encontra. Salve, a bendita inspiração! Daniel Freire danielfreirerj@hotmail.com