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EDUARDO KENEDY
IVO DA COSTA ROSÁRIO
MARIANGELA RIOS
ANA BEATRIZ ARENA
BETHANIA MARIANI
LUCÍLIA SOUSA ROMÃO
VANISE MEDEIROS
SILMARA DELA SILVA
ORGANIZAÇÃO
ROBERTO PAES
1ª edição
rio de janeiro  2013
Conselho editorial  bethania sampaio correia mariani, magda ventura,
mariangela rios de oliveira, paula caleffi, roberto paes de carvalho ramos,
rosaura de barros baião
Organizador do livro  roberto paes de carvalho ramos
Autores dos originais  eduardo kenedy nunes areas (capítulo 1), ivo da costa
rosário (capítulo 2), mariangela rios de oliveira e ana beatriz arena (capítulo
3), bethania sampaio correia mariani e lucília maria sousa romão (capítulo 4),
vanise gomes de medeiros e silmara cristina dela da silva (capítulos 5 e 6)
Projeto gráfico e desenho didático  paulo vitor fernandes bastos
Redação final e desenho didático  roberto paes de carvalho ramos
Revisão linguística  aderbal torres bezerra
Com a colaboração de  daniela ferreira reis, flavia oliveira teófilo da silva,
jarcélen thaís teixeira ribeiro
Site de apoio ao projeto editorial  andré renato fernandes lage, danielle
vilar goulart dos santos, rafael de freitas alvarez jourdan, tainara oliveira
da rocha e thiago lopes amaral.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou
transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e
gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão
escrita da Editora. Copyright seses, 2013.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
l755	 Língua, uso e discurso: entremeios e fronteiras
	 Roberto Paes [organizador].
	 — Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2013.
	 128 p
	 isbn: 978-85-60923-05-2
	 1. Língua portuguesa, estudo e ensino 2. Linguagem 3. Texto
	 4. Discurso 5. Comunicação escrita I. Título.
cdd 469.09
Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento
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Rio Comprido – Rio de Janeiro – rj – cep 20261-063
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Sumário
Prefácio	 7
1.	Linguagem, sociedade e cognição	 9
A linguagem humana  	 	 10
Linguagem e língua  	 	 12
Língua = fenômeno cognitivo e sociocultural  	 	 15
Aquisição da linguagem  	 	 17
Formas e funções linguísticas  	 	 21
Arbitrariedade  	 	 24
Iconicidade  	 	 25
A linguagem humana em ação  	 	 27
A enunciação  	 	 30
Função referencial x metáfora  	 	 32
Para concluir  	 	 33
2.	Língua e variação linguística	 35
Papel e status dos interlocutores na comunidade linguística  	 	 36
Propósitos da língua: exemplificando pela modalização  	 	 37
Transformações na trajetória da língua: mudança e variação  	 	 38
Variação linguística  	 	 39
Por que a mesma língua é, também, diferente?  	 	 40
Explorando mais o tema: variações dialetais  	 	 42
Variação diatópica (dialetal)  	 	42
Variação diastrática (sociocultural)  	 	42
Língua padrão e língua culta  	 	 44
Língua culta  	 	 47
E as outras formas de uso?  	 	 48
Preconceito e poder no uso da língua  	 	 49
3.	Linguagem, unidade e diversidade	 53
Língua vernacular  	 	 55
Propriedades do texto falado  	 	 57
Propriedades do texto falado: a fragmentação  	 	 58
Propriedades do texto falado: a situacionalidade  	 	59
Propriedades do texto falado: a reiteração  	 	 61
Propriedades do texto escrito  	 	 62
Propriedades comuns da fala e da escrita  	 	 65
4.	Gênero, tipologia e sentido	 69
O gênero discursivo  	 	 72
Do gênero para o funcionamento do discurso  	 	 75
Tipologia discursiva  	 	 77
Discurso lúdico  	 	77
Discurso polêmico  	 	 79
Discurso autoritário  	 	79
Situações de oralidade  	 	 80
Homofonia  	 	 81
Das tramas orais para a análise da conversação  	 	 82
Linguagem em contextos midiáticos: o caso do blog  	 	 85
Blog e jornalismo  	 	 86
5.	Texto: coesão e coerência	 89
Referência e referenciação  	 	 91
Da referência para a coesão  	 	 93
Coesão referencial endofórica  	 	 95
Coesão por elipse  	 	 96
Coesão sequencial  	 	 97
Organização da estrutura textual  	 	99
Argumentação e texto argumentativo  	 	 101
Argumentação e ironia  	 	 104
Intertextualidade  	 	 105
6.	Texto, discurso e interpretação	 109
Do texto ao discurso  	 	113
Retomando o conceito: condições de produção  	 	116
O não-dito e os sentidos  	 	121
O não-dito e o silêncio  	 	124
O dizer e o já-dito  	 	125
Sujeito e sentido  	 	127
7
Prefácio
Durante muito tempo, atrevo-me a dizer que estivemos trabalhando a língua, as situações de lingua-
gem, de forma quase “estática”, enfatizando somente um aspecto da língua: o aspecto formal ou a for-
ma de prestígio, como hoje é denominada essa formalidade da língua. Essa denominação, na verdade,
parece ser a mais adequada, já que a referida forma é extremamente considerada e serve como determi-
nante de um “bom falar” e de “saber se comunicar”. Será que é assim?
Diversas atividades nos mostram a língua sendo utilizada de forma extremamente versátil, não só em
relação a vocabulário específico e à forma de falar de cada região mas também em relação às situações
com as quais nos deparamos. Bem, estamos falando de atividades de linguagem que, como tais, pressu-
põem a existência de “sujeitos” para se efetivarem. Logo, estamos falando de interações sociais, troca de
mensagens, e os sujeitos que atuam nesses cenários são diferentes, porque têm formações diferentes,
histórias diferentes, experiências diferentes. Isso nos dá enormes possibilidades de trocarmos mensa-
gens de várias maneiras, o que não significa que, necessariamente, teremos comunicações superiores a
outras. Claro que podemos, sim, ter comunicações mais claras, mais organizadas que outras.
Na busca de melhor entendimento dessa questão, diria que a consciência da necessidade de ade-
quação das mensagens funciona como fator de fundamental importância para o bom andamento da
interação. Melhor dizendo, cada situação necessita de adequação da linguagem, o que inclui forma-
lidade, informalidade e semiformalidade. Essa imagem fica mais clara quando falamos de festas: al-
gumas exigem roupas a rigor, outras, como festas ou reuniões com amigos, jantares ou almoços com
familiares, por exemplo, permitem roupas e cores diferentes. Enfim, para cada situação, concordamos
que há uma vestimenta adequada. Pois bem, o mesmo se dá com a organização de nosso discurso, de
modo que adquirir o aspecto formal da língua também faz parte das habilidades do falante.
Dito isso, podemos anunciar o objetivo deste livro: focalizar a linguagem em movimento, dando ên-
fase à formalidade e à semiformalidade através de várias possibilidades de organização do discurso e
práticas textuais, sem desconsiderar o potencial linguístico de cada um.
Mas como fazer isso? Trabalhando com a habilidade de leitura e a produção escrita, refletindo sobre
a relação dos elementos que compõem o texto, pois este é tomado como ponto de partida por ser lugar
de interação, de interpretação e produção de mensagens, onde há produção de sentido. Entendemos que
trabalhar atividades de linguagem focalizando a língua em movimento potencializará as habilidades dos
leitores, enfatizará um comportamento maduro em relação ao uso linguístico, podendo, com isso, au-
xiliar na tarefa de desfazer preconceitos e alargar a noção de língua — algo muito maior que, essencial-
mente, as regras gramaticais. Estas, juntamente com contextos socioculturais que integram a noção de
mundo de cada um, constituem esse fenômeno que possibilita diversas formas de comunicação.
Celebramos, juntamente com os autores que fizeram parte do início dessa conquista, o nasci-
mento de um livro que pretende conduzir à reflexão de assuntos urgentes em termos de lingua-
gem, mesmo considerando que alguns assuntos ou conceitos, pela própria dificuldade de trata-
mento que trazem, não são muito acessíveis.
Se a “leveza” com que pretendemos tratar tais assuntos for percebida e digerida por você, tere-
mos dado um grande passo.
rosaura de barros baião
Linguagem,
sociedade
e cognição
eduardo kenedy
1
10 • capítulo 1
A linguagem humana
A linguagem humana é um fenômeno impressionante. Ela se faz pre-
sente em quase todos os momentos da vida de uma pessoa: desde o
seu nascimento, quando recebe um nome e é inserida em uma comu-
nidade de fala, até a maturidade, quando transita diariamente pelos
complexos sistemas de comunicação e interação social modernos.
Concretizada em uma das milhares de línguas hoje existentes no
mundo, a linguagem humana nos surpreende porque é capaz de fazer
muito a partir de pouco.
A posse da linguagem, com seu ilimitado poder expressivo, faculta
aos humanos a organização e a veiculação de pensamentos, ideias, con-
ceitos, valores e, dessa forma, insere cada indivíduo que domina (pelo
menos) uma língua no dinâmico e intenso fluxo comunicativo das socie-
dades contemporâneas. Com efeito, os poucos sons da linguagem oral
podem ser substituídos por algumas letras em um sistema de escrita ou
por centenas de sinais em uma língua de surdos sem que, com isso, o
poder mobilizador da linguagem seja significativamente alterado. Seja
na fala, na escrita ou na sinalização, a experiência humana se faz rica e
ilimitada com a linguagem e pela linguagem.
Para que você tome consciência da complexidade social e cogni-
tiva subjacente a um simples ato da linguagem humana, pense no
seguinte exemplo:
Um homem caminha distraído pela cidade, aproveitando os momentos que ainda lhe
sobram de seu horário de almoço. Subitamente, ele se dá conta de que pode estar
atrasado para o retorno ao trabalho e diz para si mesmo, com aquela voz interna e
silenciosa que, muitas vezes, ordena os nossos pensamentos: “Devo estar atrasado!”.
Com essa impressão, o homem se dirige a um transeunte e pergunta:
— Com licença. O senhor pode me informar as horas?
O transeunte, por sua vez, compreende o estado mental de seu interlocutor –
sua intenção de ser informado a respeito do horário – e busca o comportamento
adequado para a situação: olha para o relógio de pulso e dele retira a informação
necessária, que é codificada na frase-resposta:
— São doze e trinta!
A aparente banalidade de um evento como esse esconde sob si
um fenômeno extraordinário: a interação entre a mente humana e a
CURIOSIDADE
CURIOSIDADE
Língua de surdos:
O Brasil possui a Língua Brasileira de
Sinais (libras). Ao contrário do que
muitos pensam, a libras não é uma
gestualização da língua portuguesa; na
verdade, é uma língua à parte. Tanto é
que, em Portugal, a língua de sinais é
diferente da brasileira.
	
Sons da linguagem:
É com base em apenas três ou quatro
dúzias de sons que nós, falantes de
uma língua natural qualquer – como o
português, por exemplo –, consegui-
mos dominar dezenas de milhares de
palavras, as quais, quando combinadas
entre si de maneira ordenada, permi-
tem-nos a produção e a compreensão
de um número potencialmente infinito
de frases e textos.
	
EXEMPLO
Linguagem, sociedade
e cognição1
capítulo 1 • 11
realidade sociocultural na tarefa de produzir e compreender estru-
turas e significados linguísticos. Podemos não nos dar conta, mas,
na comunicação humana, o indivíduo que fala executa trabalho so-
ciocognitivo muito complexo. Ele deve codificar os seus pensamen-
tos e as suas ideias em palavras, que, por sua vez, devem ser combi-
nadas entre si em frases, as quais, por fim, são pronunciadas para
um interlocutor em um dado contexto discursivo.
Da mesma forma, a tarefa do indivíduo que compreende é também
engenhosa: ele deve decodificar os sons da fala que lhe são dirigidos
no ato do discurso, de modo a identificar palavras e frases para, assim,
conseguir interpretar os pensamentos e as ideias de seu colocutor.
Ora, podemos perguntar: como os humanos fazem isso? De que maneira essa
sequência de codificação e decodificação de formas e significados linguísticos
ocorre? Pense bem, pois as respostas para essas perguntas não são nada
fáceis ou simples.
	
Lembre-se de que as estruturas das frases e dos textos nas línguas
naturais são, geralmente, muito complexas. Mesmo se analisássemos
uma frase simples, como “O senhor pode me informar as horas?”,
encontraríamos nela regras de ordenação de palavras, concordância,
regência, seleção de pronomes… Enfim, verificaríamos a existência
de uma suntuosa maquinaria gramatical a serviço da comunicação e
da interação social.
Entretanto, a despeito de toda essa complexidade, nós, huma-
nos, somos capazes de produzir e compreender frases e textos com
extrema facilidade. Em uma conversa qualquer, produzimos e com-
preendemos dezenas, centenas, milhares de enunciados, um após
o outro, em uma velocidade incrivelmente rápida, muitas vezes me-
dida em milésimos de segundo.
Em circunstâncias normais, fazemos isso de maneira inconsciente e sem esforço
cognitivo aparente. Ora, como somos capazes disso? De que maneira nossas
mentes se tornam aptas a estruturar nossos pensamentos em frases e textos
codificados em sons, socialmente compartilhados?
Ao formularmos essas perguntas, acreditamos ter despertado em
você a consciência do complexo mundo sociocognitivo que se escon-
de sob cada uso cotidiano que fazemos da linguagem. De fato, espe-
ramos ter também aguçado o seu interesse pelos estudos linguísti-
cos. Você deve saber que encontrar respostas para tais perguntas é
tarefa das ciências da linguagem.
REFLEXÃO
REFLEXÃO
CURIOSIDADE
Ciências da linguagem:
Essas ciências vêm alcançando um
extraordinário desenvolvimento ao longo
das últimas décadas e, assim, muitos
segredos a respeito da estrutura e do
funcionamento das línguas naturais
estão sendo rapidamente revelados.
Algumas dessas descobertas serão
apresentadas a você neste livro.
12 • capítulo 1
Neste capítulo inicial, vamos aprender alguns conceitos funda-
mentais e indispensáveis ao estudo da linguagem. Começaremos
pelas noções de linguagem e língua. Os termos parecem se referir a
conceitos aproximados, mas teremos uma seção inteira para enten-
dermos que se trata, na verdade, de duas realidades diferentes. Com
base no que estudaremos sobre a noção de língua, seguiremos para
a seção em que diferenciaremos a dimensão cognitiva da dimensão
sociocultural da linguagem. Aprenderemos que uma língua sempre
existe simultaneamente no interior do indivíduo que a fala e no seio
da sociedade em que esse indivíduo se encontra inserido, sendo, por
isso, um fenômeno sociocognitivo (ou cognitivossocial).
Logo em seguida, trataremos do fantástico fenômeno da aquisição
da linguagem. Vamos analisar alguns aspectos da árdua tarefa das crian-
ças, que, de maneira inconsciente e compulsória, devem criar em suas
mentes uma versão do sistema linguístico que a elas se revela indireta-
mente na fala das pessoas que as circundam.
Também teremos, neste capítulo, uma seção dedicada às diferenças
entre as formas e as funções linguísticas. Estudaremos para que serve a
linguagem humana e como ela dá conta de seus diversos ofícios.
Por fim, apresentaremos os principais fatos imbricados no uso da
linguagem pelos indivíduos adultos que, em tempo real, precisam pro-
duzir e compreender frases e textos, codificando e decodificando men-
talmente informações nas diversas formas de comunicação e expres-
são que se tornam possíveis pela língua. Esperamos que você tenha
apreciado esse roteiro, pois nossa viagem pelo mundo da linguagem
está apenas começando!
Linguagem e língua
Ferdinand de Saussure foi um importante linguista franco-suíço que
ainda hoje é considerado o pai das modernas ciências da linguagem.
Foi Saussure quem formulou, explicitamente e com grande clareza,
uma importante distinção entre aquilo que compreendemos por
linguagem e por língua. Vamos entender do que se trata.
De acordo com Saussure, “a língua não se confunde com a linguagem,
pois é somente uma parte determinada e essencial dela” (1916: p.17).
O que o mestre genebrino nos ensina nessa passagem é que a lingua-
gem é um fenômeno muito mais geral e abrangente do que uma lín-
gua. Comparada com a linguagem, diz-nos Saussure, uma língua pos-
sui um caráter muito mais específico.
Na verdade, alguns animais chegam a possuir sistemas de lin-
guagem impressionantemente complexos, como é o caso das abe-
lhas. As abelhas possuem um complicado sistema de dança em zi-
guezagueado que permite a indicação da direção e da distância em
que se encontra uma fonte de néctar que tenha sido descoberta por
AUTOR
CURIOSIDADE
Ferdinand de
Saussure:
Saussure (1857-1913)
é considerado o
“pai da Linguística”.
Nascido na Suíça, seu pensamento
exerceu grande influência na Litera-
tura e nos Estudos Culturais, princi-
palmente para o desenvolvimento do
Estruturalismo no século xx.
	
Linguagem:
Para entender melhor isso, pensemos
no seguinte: você acha que animais não
humanos, como cachorros, gatos, maca-
cos, pássaros etc., possuem algum tipo
de linguagem? A resposta é um tanto
óbvia: é claro que sim. A maior parte dos
animais possui algum sistema de co-
municação que permite a expressão de
seus estados internos e a interação com
o seu ambiente. Embora as mensagens
que cães e gatos possam transmitir se-
jam um tanto limitadas (com seus ruídos
característicos, com a posição do corpo,
do rabo e com a emissão de certos
odores), não há dúvidas de que se trata
de um tipo de linguagem que permite a
comunicação tanto entre os membros
daquelas espécies animais quanto entre
eles e os seres humanos.
Por exemplo, se você possui um cão ou
gatinho, certamente é capaz de perceber
o tipo de latido (ou miado) que ele produz
quando está com fome, com dor, quando
se sente em perigo ou está alegre.
capítulo 1 • 13
alguma delas. As abelhas que, durante alguns minutos, observam a
abelhinha que localizou o néctar dançar para lá e para cá, chacoa-
lhando o seu corpo de maneira frenética, são capazes de “entender”
a informação que está sendo transmitida e, logo ao fim da dança,
rumam para a fonte do néctar com bastante precisão. Ora, esse
exemplo ilustra, claramente, a existência de uma “linguagem dos
animais”, ou, mais precisamente, a linguagem específica de cada
espécie animal em particular.
Você já deve ter entendido que a linguagem é um conceito bas-
tante abrangente, que se refere a todo e qualquer sistema de comu-
nicação e expressão. É por isso que podemos falar em “linguagem
dos animais”, “linguagem das cores”, “linguagem dos cheiros”, “lin-
guagem corporal”, “linguagem da arte” (incluindo a “linguagem da
dança”, “linguagem da moda”) etc.
Pois bem, se linguagem é qualquer sistema de comunicação e ex-
pressão, então o que é uma língua? Com efeito, língua é um tipo espe-
cífico de linguagem, como o próprio Saussure já havia dito. Afinal, uma
língua também é um sistema de comunicação e expressão e, assim, é
uma forma de linguagem. Acontece que a língua é uma forma singular
de linguagem, com características próprias que a distinguem de todas
as demais linguagens animais ou humanas não verbais.
Você deve estar se perguntando que características são essas.
Trata-se de dois fatores sociocognitivos muito importantes. Veja-
mos cada um deles a seguir.
O primeiro fator que distingue uma língua humana qualquer –
como o português, o inglês ou o xavante – dos demais sistemas de lin-
guagem é a existência de um léxico.
No léxico, encontramos uma coleção de formas (significantes) que
são associadas, sistematicamente, a certos conteúdos (significados).
Assim, por exemplo, em português, possuímos o significante [kaza]
(representado na escrita pela grafia “casa”) que será sempre associa-
do ao significado [tipo de moradia] todas as vezes que usarmos essa
palavra. Também temos no léxico de nossa língua o significante [a],
sufixo presente ao fim da forma [menina], ao qual está associado o
significado [pessoa do sexo feminino]. Da mesma maneira, temos o
significante da expressão [dar uma mãozinha] que se associa, em lín-
gua portuguesa, ao significado [oferecer ajuda].
O número total de palavras e expressões existentes em um léxico
é bastante variável de língua para língua. Pois bem, nos sistemas ge-
rais de linguagem, não existe nada parecido com o léxico das línguas
humanas. Afinal, quantos tipos de latido, miado ou canto podem ser
discriminados pelos cães, pelos gatos ou pelos pássaros? Quantas
“palavras” poderíamos transmitir com a linguagem corporal, com a
linguagem dos cheiros ou pela dança? Ainda que consigamos catalo-
gar um grande número delas, não encontraríamos algo tão organiza-
do, sistemático e vasto como o léxico de uma língua.
CONCEITO
CURIOSIDADE
Léxico:
O léxico pode ser compreendido como
o conjunto de palavras e expressões
que são socialmente compartilhadas
pelos falantes de uma dada língua.
	
Número:
A título de ilustração, saiba que um
falante escolarizado do português do
Brasil domina, pelo menos, 50.000
itens, sem contar as formas flexionadas
das palavras (como as diversas
expressões do verbo “estudar”: estudo,
estuda, estudamos, estudava, estudarei,
estudaria etc.), mas os dicionários da
língua portuguesa chegam a registrar
de 200.000 a 400.000 palavras. Trata-se
de números bem impressionantes, não?
14 • capítulo 1
O segundo fator que distingue uma língua dos demais tipos de
linguagem é o mais importante: as línguas humanas possuem um
sistema combinatório, que chamamos gramática.
O interessante é que, se o número de itens existentes em um léxico
qualquer já é consideravelmente grande, ele não é quase nada quando
pensamos no número de expres-
sões que o sistema combinatório
de uma língua pode gerar utili-
zando suas regras computacio-
nais. De fato, o número de frases
e textos que podemos construir
em uma língua ao combinarmos
léxico e gramática é ilimitado.
Se compararmos as línguas
humanas com os sistemas mais gerais de linguagem (humanos ou
animais), poderemos deduzir que a principal diferença entre eles
é a recursividade – também denominada infinitude, criatividade
ou produtividade –, que existe somente nas línguas.
Neste momento, você talvez tenha curiosidade de saber se existe
algum tipo animal não humano que possua língua (e não apenas
linguagem). Muito bem, os cientistas ainda não conseguiram regis-
trar nenhuma espécie de vida, além dos humanos, que use algum
sistema de comunicação remotamente parecido com uma língua
natural. Por tudo o que até hoje sabemos, somente nós, humanos,
conseguimos usar um sistema de linguagem com recursividade.
É por isso que as línguas parecem ser um verdadeiro patrimônio da humanidade,
algo que nos distingue, claramente, de todas as formas de vida conhecidas pela
ciência. A posse da linguagem, na forma de uma língua, é de fato uma das carac-
terísticas mais distintivas e mais importantes do homo sapiens.
Não obstante, existem muitos cientistas que vêm tentando ensi-
nar uma língua humana a animais inteligentes, como os chimpanzés
e algumas espécies de papagaios e de golfinhos.
No entanto, alegar que macacos ou papagaios são realmente
capazes de aprender e usar uma língua humana é um flagrante e
descomunal exagero, o qual se motiva muito mais por questões
ideológicas (por exemplo, conferir maior importância ao aprendi-
zado sociocultural em oposição à natureza biológica humana na
aquisição de conhecimento) do que linguísticas.
Quando falamos
uma língua, somos
capazes de produzir
e compreender um
número infinito de
frases e textos.
CONCEITO
CONCEITO
Sistema combinatório:
Esse sistema é capaz de combinar
entre si, de maneira ordenada e contro-
lada por regras, as unidades do léxico,
de modo a construir expressões, como
as frases e os textos. Por exemplo,
o léxico do português possui unida-
des como “casa”, “bonita”, “comprar”,
“você”, “mais”, porém, é a gramática
dessa língua que permitirá a criação de
expressões complexas como “que casa
mais bonita você comprou!”.
	
Recursividade:
A recursividade é justamente a capa-
cidade de criar um número infinito de
frases e textos com base no número
finito de palavras existentes no léxico.
A recursividade emerge, portanto, da
combinação entre os dois compo-
nentes fundamentais de uma língua:
o léxico e o sistema combinatório
(gramática).
	 RESUMO
capítulo 1 • 15
No link abaixo, você verá um exemplo que registra as tentativas de ensino de
línguas entre espécies.
Você provavelmente ficará encantado com as proezas linguísticas desse animal
raríssimo e genial. Mas acreditamos que não ficará convencido de que ele, de fato,
“aprendeu” a usar uma língua e que demonstra domínio de um léxico e de um sis-
tema combinatório. O máximo que podemos dizer é que esse adorável bichinho é
capaz de aprender, após intensos anos de treinamento, um sistema de linguagem
bastante complexo e avançado, inspirado no léxico das línguas humanas – algo
fantástico que, por si só, já é merecedor de destaque científico.
Até o momento, com efeito, a linguagem, na forma de um sistema
combinatório que opera recursivamente sobre um léxico, é um fenôme-
no identificado somente na espécie humana e ainda irreproduzível nos
sistemas de inteligência artificial desta segunda década do século xxi.
Muito bem, agora que você já sabe distinguir linguagem e língua,
fique atento às expressões “linguagem” ou “linguagem humana”. Mui-
tas vezes, essas expressões querem dizer “língua” (léxico e gramática)
e não apenas “linguagem” (qualquer sistema de comunicação). É bem
verdade que podemos usar esses termos de maneira um tanto livre e
mais ou menos metafórica, no dia a dia ou mesmo ao longo de um livro
mais especializado – como, de fato, já o fizemos e tornaremos a fazer
aqui –, mas, sempre que necessário, devemos distinguir tais conceitos.
Língua = fenômeno cognitivo e sociocultural
As línguas humanas são uma autêntica maravilha do mundo natu-
ral e sociocultural. Talvez você já se tenha dado conta de que, desde
que estejam inseridos em um ambiente de interação social, todos
os indivíduos saudáveis, de todos os tempos da história e de todas
as culturas humanas, desenvolvem, de maneira natural e espontâ-
nea, a habilidade de produzir e compreender oralmente palavras,
frases e textos na língua de seu ambiente.
Por exemplo, uma criança que nasça no Brasil desenvolverá, já
nos primeiros anos de vida, a capacidade linguística de produção e
MULTIMÍDIA
Alex Papagaio cinza africano
que conseguia comunicar-se
usando várias palavras do inglês.
Capacidade linguística:
Essa capacidade permanecerá na
mente da criança no curso de sua vida
saudável e será modificada, na adoles-
cência e na vida adulta, de acordo com
suas experiências particulares.
	
CURIOSIDADE
16 • capítulo 1
compreensão de enunciados em português, em uma de suas moda-
lidades socioculturais – se não o português, então, uma das línguas
minoritárias do país (por exemplo, uma língua indígena) –, que será,
assim, a língua ambiente dessa criança.
Como maravilha do mundo natural e sociocultural, o fenôme-
no das línguas humanas comporta necessariamente duas dimen-
sões: uma dimensão individual e mental e uma dimensão coleti-
va e sociocultural.
O influente linguista norte-americano Noam Chomsky formu-
lou dois importantes conceitos para dar conta da diferença entre
a dimensão individual e psicológica das línguas e a sua dimensão
social e cultural. Chomsky propôs que a dimensão mental e cog-
nitiva do fenômeno da linguagem seja sintetizada pelo conceito
de Língua-i, em que “i” significa interna, individual. Já a dimensão
sociocultural das línguas é denominada por Chomsky como Lín-
gua-e, em que “e” quer dizer externa, extensional. Vejamos melhor
esses conceitos.
A noção de Língua-e corresponde, grosso modo, ao que comu-
mente se interpreta como língua ou idioma no senso comum. Por
exemplo, o português é uma Língua-e no sentido de que é esse fenô-
meno sociocultural, histórico e político que compreende um con-
junto de sons, palavras, regras gramaticais e um sistema de escrita
que, juntamente, permitem a comunicação e a interação entre os
seus falantes. Trata-se de um fenômeno supraindividual, na verdade,
exterior ao indivíduo.
A noção de Língua-i, por sua vez, corresponde ao conjunto
de habilidades mentais que permitem ao indivíduo a produção
e a compreensão de um número potencialmente infinito de ex-
pressões na sua língua ambiente. Uma Língua-i diz respeito,
portanto, àquilo existente no interior da mente das pessoas, que
lhes faculta a aquisição e o uso cotidiano de uma língua natural.
Nesse sentido, entende-se que uma língua seja parte do sistema
cognitivo humano.
Uma Língua-i é uma faculdade psicológica ou, por assim dizer, um
órgão mental. Todo indivíduo humano sem deficiências neuropsicoló-
gicas graves é capaz de manipular, em sua língua, diversos recursos
gramaticais e textuais que veiculam significados do indivíduo para o
mundo exterior e desse para a consciência do indivíduo. Essa compe-
tência cognitiva para a manipulação das estruturas e dos significados
da linguagem é individual e inconsciente. É a ela que nos referimos
com o conceito de Língua-i.
Às vezes, quando pensamos sobre a linguagem humana, precisa-
mos ter clareza se estamos discutindo aspectos cognitivos ou aspec-
tos socioculturais da língua – ou mesmo se estamos considerando
ambos os aspectos em interação. Fique, portanto, sempre atento a
esse particular.
CONCEITO
Línguas humanas:
Sempre que ocorre o fenômeno lin-
guagem humana, temos, de um lado, o
indivíduo particular que possui a capaci-
dade mental de produzir e compreender
expressões linguísticas e, do outro, a
sociedade em que esse indivíduo se
insere, a qual lhe forneceu não só os
contextos de uso da linguagem em
interação com outros humanos mas
também os sons e as palavras necessá-
rios à expressão verbal.
	
AUTOR
Noam Chomsky:
Avram Noam Chomsky
(1928) é um linguista
americano, conside-
rado uma das figuras
acadêmicas mais proeminentes (durante
12 anos, foi o cientista vivo mais citado
em trabalhos científicos no mundo). É
conhecido como o pai da Linguística
Moderna, especialmente por sua Teoria da
Gramática Universal.
capítulo 1 • 17
É muito importante que você compreenda que uma língua é, ao mesmo tempo, um
fenômeno cognitivo e individual (uma Língua-i) e um fenômeno coletivo e sociocul-
tural (uma Língua-e). Embora nem sempre usemos os termos chomskianos, essa
dualidade está lá inevitavelmente todas as vezes em que falamos sobre as línguas.
Aquisição da linguagem
Para que você compreenda a dramática situação sociocognitiva em
que se encontra um bebê na fase de aquisição da linguagem, vamos
liberar a imaginação com a seguinte história fantástica:
Suponha que você seja abduzido por alienígenas. Você acordaria em uma galáxia
distante, cercado de criaturas diferentes, cujos comportamentos você não com-
preende. Apesar de toda a estranheza inicial, não lhe seria difícil notar que tais
criaturas possuem uma espécie de orifício em sua extremidade superior (algo
como uma boca), de onde certos sons são regularmente emitidos.
Com um pouco de observação, você consegue perceber que esses estra-
nhos seres parecem se comportar de alguma maneira relacionada aos sons que
trocam entre si. Por exemplo, você vê um ser alto emitindo sequências de sons
enquanto um baixinho o observa. Ao final da produção de sons, o baixinho se
desloca no espaço, toma um objeto para si e o leva até o altão, como se tivesse
cumprido um pedido ou uma ordem.
Para você, parecerá coerente concluir que os sons compartilhados entre es-
ses alienígenas sejam uma espécie de sistema de comunicação e, para conseguir
descobrir o que aconteceu consigo, onde está, quem são essas criaturas etc., você
terá de aprender a usar esse sistema. Tal tarefa não será nada fácil, pois você não
contará com nenhum professor de “alienígena para terráqueos”, nenhum livro ou
curso preparatório e, além disso, o aparente sistema de comunicação usado por
aquelas criaturas não é semelhante a nenhum outro que você já tenha visto antes...
Se você conseguiu compreender o quão dramática seria essa situa-
ção, está apto a entender que a aquisição da linguagem pelos bebês e
pelas crianças é um autêntico milagre do mundo biocultural. Note bem:
os bebês chegam a um mundo completamente desconhecido, retirados
que foram do aconchegante útero materno. Esse mundo é povoado por
seres estranhos ao bebê (os seres humanos) cujo comportamento pare-
ce estar estreitamente relacionado aos sons que todos trocam entre si.
Tais sons mais parecem ao bebê uma grande confusão, um continuum
de ruídos quase indecifráveis. Afinal, como um bebê poderia identificar,
no fluxo da fala humana, onde um som termina e o outro começa?
Idioma:
Quando dizemos que o russo é a língua
da Rússia ou que o chinês é a língua
da China, entendemos língua como
esse fenômeno desincorporado dos
falantes, a Língua-e. Da mesma forma,
essa língua se refere a um fenômeno
cuja existência é externa às pessoas
e, nesse caso, do qual elas devem se
apropriar: as línguas do ambiente.
Uma criança nascida no Paraguai pro-
vavelmente aprenderá a falar espanhol e
guarani, ou seja, as línguas do ambiente.
	
Bebês:
Já ao nascer, os bebês parecem ser
muito espertos e, para eles, não é difícil
deduzir que os sons emitidos pelas cria-
turas que o circundam constituem, na
verdade, um sistema de comunicação.
	
CURIOSIDADE
CURIOSIDADE
EXEMPLO
RESUMO
18 • capítulo 1
Talvez tenha sido em razão disso que o famoso psicólogo de Har-
vard, o canadense Steven Pinker, denominou tal fenômeno como instin-
to para a linguagem: um bebê humano rapidamente “compreende” que
precisa dominar esse sistema para descobrir o que os seres ao seu redor
dizem e também para que ele próprio possa dizer alguma coisa e comu-
nicar-se com as outras pessoas.
Mas bebês e crianças estão, em grande parte, quase sozinhos no
interior de suas mentes durante a odisseia pela descoberta e pelo do-
mínio da língua do seu ambiente. Eles não possuem um professor
particular de “língua humana para bebês recém-nascidos” e, o que é
mais grave, o seu cérebro é ainda um protocérebro, ou seja, apenas
um rascunho do potente processador de informações que é o cérebro
de um indivíduo maduro.
Usamos a palavra “milagre” para descrever a aquisição da lingua-
gem pelos bebês e pelas crianças porque, apesar de todas as dificul-
dades que descrevemos, os pequenos humanos conseguem dominar
a língua de seu ambiente, para a compreensão e a produção da lin-
guagem, com extrema eficiência e em um intervalo de tempo incrivel-
mente pequeno, que não ultrapassa três ou quatros anos.
As crianças pequenas sequer parecem fazer esforço cognitivo
para adquirir a sua língua materna. De fato, a aquisição da lingua-
gem é muito mais algo, que simplesmente, acontece com os bebês e
com as crianças – e não algo que elas façam deliberadamente com o
seu pequeno cérebro em formação.
A par de ser um fenômeno sociocognitivo extraordinário, a aquisição da língua
do ambiente (ou das línguas do ambiente, no caso das comunidades bilíngues ou
multilíngues) é um dos eventos mais importantes na vida de um ser humano. Esse
fenômeno é, ao mesmo tempo, a porta de entrada para as relações sociais huma-
nas, que são quase sempre mediadas pela linguagem, e a janela para o aperfei-
çoamento cognitivo individual, uma vez que grande parte da cognição humana se
utiliza da linguagem como instrumento de desenvolvimento e de complexificação.
Na verdade, o que chamamos de aquisição da linguagem é um fenô-
meno duplo que envolve a aquisição de dois diferentes tipos de habili-
dades sociocognitivas. Vejamos isso com mais detalhes.
Um tipo particular de aquisição da linguagem é aquele que denomina-
mosaquisiçãoemsentidoamploouaquisiçãodalinguagemlatosensu.Em
seu sentido amplo, adquirir linguagem significa apropriar-se das habilida-
des de comunicação, expressão e interação social. Esse tipo de aquisição
demanda dos bebês e das crianças a absorção dos aspectos mais gerais
da linguagem, tais como a interação sociocomunicativa, a organização de
conceitos e de pensamentos, e envolve, também, o desenvolvimento das
noções de autoconsciência e de individualidade nas relações humanas.
AUTOR
Steven Pinker:
Steven Arthur Pinker
nasceu em Montreal
(1954), é linguista e
psicólogo da Universi-
dade de Harvard. Escreve sobre lingua-
gem e ciências cognitivas e foi nomeado
uma das 100 pessoas mais influentes pela
revista Times.
	
RESUMO
capítulo 1 • 19
O outro tipo de aquisição da linguagem é muito mais específico e,
por isso mesmo, denomina-se aquisição em sentido restrito ou aquisição
da linguagem stricto sensu. Em seu sentido restrito, adquirir linguagem
significa apropriar-se do léxico e do sistema combinatório existentes na
língua do ambiente.
Esse tipo de aquisição demanda dos bebês e das crianças a habi-
lidade de discriminação perceptual e de articulação intencional de
toda a maquinaria gramatical necessária ao funcionamento da lín-
gua. Na aquisição stricto sensu, a criança adquire, de fato, o aparato
linguístico formal que estará a serviço das interações sociais e da or-
ganização cognitiva do indivíduo em desenvolvimento.
Se você já entendeu a diferença entre aquisição da linguagem
lato sensu e stricto sensu, podemos, agora, falar um pouco mais so-
bre a aquisição em sentido restrito.
Um dos fatos mais intrigantes a respeito do processo de aquisição
do léxico e do sistema combinatório da língua do ambiente é que ele
parece ser universal. As fases pelas quais passam os bebês e as crian-
ças durante a aquisição stricto sensu são muito semelhantes em todas
as culturas do mundo, seja qual for a língua do ambiente e o nível de
inteligência geral da criança. Isso quer dizer que todas as crianças
parecem atravessar as mesmas etapas nos mesmos estágios de de-
senvolvimento biológico, desde o nascimento até o domínio comple-
to da língua, estejam onde estiverem, em qualquer classe social e sob
qualquer tipo de cultura.
Não obstante, o grande salto qualitativo na produção linguística
dos bebês ocorre aos 12 meses, quando eles já são capazes de produ-
zir suas primeiras palavras reconhecíveis como tais. Essas são, na ver-
dade, mais do que simplesmente “palavras”, pois sempre assumem o
valor de uma frase completa inserida em um contexto discursivo. In-
dependente da língua do ambiente, as primeiras palavras produzidas
por uma criança são sempre monossilábicas e seguem uma estrutura
[consoante + vogal]. Em pouco tempo, essa estrutura vai tornando-se
cada vez mais complexa e caminha em direção à complexidade exis-
tente na fala adulta.
Por exemplo, uma criança brasileira pode dizer algo como “bó” para significar uma
frase inteira, como “olhe, a bola”, conforme o contexto permita compreender. Pou-
cos meses depois, “bó” ganhará complexidade fonológica e tomará a forma con-
vencional de “bola”. O mesmo fenômeno pode ser observado com as centenas
de outras palavras que as crianças adquirem durante essa fase, que os linguistas
nomeiam de fase holofrástica.
Com pouco menos de 24 meses, as crianças já atingem a fase de
duas palavras (também chamada de fase sintagmática). Nessa etapa de
Universal:
Na aquisição da linguagem
lato sensu, a criança adquire, na verda-
de, os fundamentos da interação entre
os humanos: os valores e as ações
imbricados nos usos da linguagem, a
própria noção de si, a percepção do(s)
outro(s), os modos de interagir social-
mente e assim por diante.
Já ao nascer, todas as crianças nor-
mais balbuciam no ritmo da sua língua
ambiente. Na verdade, algumas pesqui-
sas recentes descobriram que o choro
de bebês recém-nascidos transcorre
conforme o ritmo e a melodia da língua
que a circunda (Wermke et al., 2011).
Esses fatos parecem indicar que a
aquisição da linguagem tem início ain-
da no útero materno, quando aspectos
sonoros da língua do ambiente (como
o ritmo, a entoação e o acento) já pare-
cem ser discriminados pelo feto.
	
CURIOSIDADE
Seu bebê chora
em que língua?
Roberto Lent – ufrj
MULTIMÍDIA
EXEMPLO
20 • capítulo 1
seu desenvolvimento linguístico, frases com estruturas do tipo sujei-
to e predicado semelhantes às dos adultos começam a ser produzidas
pelos bebês. São frases como “qué papá”, “mais colinho”, “meia pa-
pai” e “banho não”. O interessante é que os enunciados produzidos
pelos bebês durante a fase sintagmática não são apenas uma combi-
nação entre duas palavras soltas. Pelo contrário, tal como ocorre na
fase holofrástica, essas palavras também assumem o valor de um ato
comunicativo completo, cuja interpretação é dependente do contex-
to interacional e comunicativo.
Por volta dos 30 meses de vida, as crianças já conseguem criar
frases com extensão ilimitada, compostas por três, quatro, seis,
nove, dez palavras... Interessantemente, ao longo dessa fase, cha-
mada de fase telegráfica, artigos, preposições, conjunções e pro-
nomes estão ainda ausentes na fala infantil. Com efeito, até o ter-
ceiro ano de vida, as palavras que as crianças inserem em frases e
textos são sempre itens de conteúdo referencial, como substantivos,
adjetivos e verbos.
É possível dizer que, por volta dos 4 anos de vida, a língua que uma
criança domina para a produção e para a compreensão da linguagem
é indistinguível da língua de um adulto. As únicas diferenças, é claro,
dizem respeito aos aspectos linguísticos que envolvem letramento,
escolarização e certas regras de comportamento social que se desen-
volvem posteriormente, na adolescência e na vida adulta.
Conteúdo referencial:
As partículas gramaticais (como a
preposição, por exemplo), que pos-
suem conteúdo puramente formal, só
emergem na fala das crianças, de modo
consistente, a partir dos 36 meses de
vida – embora haja intensas variações
individuais sem causa aparente regis-
tradas pelos cientistas.
	
CURIOSIDADEAQUISIÇÃODALINGUAGEM
PRIMEIROS MESES
DE 12 A 24 MESES
DE 24 A 36 MESES
1) Na fase inicial, a criança se comunica pelo choro (dor, fome, frio etc.);
2) 6 semanas – choros diferenciados e sons guturais/primitivos, aparecem as primeiras vogais;
3) 18 semanas – aparecem as primeiras consoantes (p, b, k, g) e o balbucio;
4) Até os 8 meses o balbucio se caracteriza pelo dobramento de sílabas (“mama”, p. ex.) e pela
imitação de sons produzidos por ele e por adultos.
1) Começa a utilizar as primeiras palavras, ainda sem o mesmo formato das pronunciadas por
adultos (“papá”, p. ex.);
2) Reconhece nomes de alguns objetos, compreende ordens simples;
3) Vocabulário passa de 50 palavras, a aquisição de novas é diária;
4) Começa a produzir frases curtas (“qué papá”, p. ex.);
5) Adapta as palavras aos sons que conhece (como “tapéu” para “chapéu”, p. ex.).
1) Uso constante de linguagem telegráfica;
2) Começa a utilizar partículas gramaticais (artigo, preposição etc.);
3) Forte expansão do vocabulário;
4) Começa a distinguir singular/plural, masculino/feminino;
5) Produz todos os fonemas;
6) Toma consciência do ritmo de fala, entonação (frases interrogativas, p. ex.).
capítulo 1 • 21
Infelizmente, parece exis-
tir um fim para o período da
aquisição da linguagem. Isto
é,oshumanosnãopodemad-
quirir a língua do ambiente
tão rapidamente e sem esfor-
ço em qualquer momento de
sua vida, da infância à velhi-
ce. O neurocientista alemão
Eric Lenneberg denominou
período crítico (ou idade críti-
ca) a fase de desenvolvimento
físico e cognitivo humano no
limite da qual a aquisição da
linguagem deve acontecer.
Há muitas discussões
sobre qual seria o fim des-
sa fase, mas, como existem
muitas variações individuais no desenvolvimento humano, não é pos-
sível defini-lo com precisão. A maioria dos estudiosos aponta a puber-
dade, por volta dos 12 ou 13 anos, como o momento em que “a janela
automática” para a aquisição da linguagem se fecha.
A partir de então, a aquisição da linguagem não é mais possível, e
tudo o que podemos fazer para dominar uma (nova) língua é aprendê-la
por meio de estudos formais em escolas ou cursos de idioma. A linha
divisora entre aquisição e aprendizado é justamente a idade crítica.
Formas e funções linguísticas
Muito bem, já sabemos diferenciar linguagem e língua, compreende-
mos as dimensões cognitiva e sociocultural de uma língua natural e te-
mos noção da pequena epopeia que cada ser humano atravessa, em ten-
ra infância, ao longo da aquisição da(s) língua(s) de seu ambiente. Mas e
se perguntassem a você para que serve uma língua (como o português),
qual seria a sua resposta? Muito provavelmente, você diria algo como
"para permitir a comunicação entre as pessoas". Em essência, tal res-
posta está correta. Contudo, a pergunta é mais complexa do que parece,
de tal modo que é preciso esmiuçá-la um pouco mais. Façamos isso.
A questão para que serve uma língua pressupõe dois conceitos fun-
damentais: (1º) as línguas possuem um conjunto de formas e (2º) cada
uma dessas formas “serve” para algum fim, isto é, cada forma linguísti-
ca possui uma dada função ou um conjunto de funções. As formas exis-
tentes em uma língua podem ser também denominadas estrutura.
Quando estudamos linguística e falamos dos aspectos formais de
uma língua, estamos fazendo referência exatamente a essa aparato
O conceito de
aquisição opõe-se
ao de aprendizado
porque a aquisição da
linguagem ocorre na
infância de maneira
espontânea, natural e
mesmo involuntária,
enquanto o aprendizado
de línguas estrangeiras
demanda do adolescente
e do adulto esforço
consciente e instrução
mais ou menos formal.
AUTOR
Eric Lenneberg:
Eric Heinz Lenneberg
(1921-1975), alemão,
foi um linguista e
neurocientista pionei-
ro nos estudos de aquisição da lingua-
gem e psicologia cognitiva, em especial
do inatismo. Curiosamente, residiu no
Brasil durante sua adolescência, quando
sua família fugia do nazismo.
	
CONCEITO
Estrutura:
Trata-se da superfície ou do meio
concreto, material, pelo qual uma língua
se realiza nos atos de fala humanos. Por
exemplo, uma palavra (como “casa”) e
uma estrutura sintática (como “esta é
minha casa”) são ilustrações de formas
que usamos quando produzimos e com-
preendemos enunciados em uma língua.
	
o automóvel derrapou
Det N
SN SV
V
F
22 • capítulo 1
estrutural que precisamos utilizar para que a língua tome vida em um
ato linguístico qualquer. Por outro lado, sabemos que as formas de
uma língua não existem por si mesmas. Com efeito, a razão de ser de
cada forma linguística é desempenhar determinada função.
Para que você entenda melhor a dualidade entre forma e função,
veja o quadro a seguir:
OCORRÊNCIA FORMA
FONÉTICA
PROSÓDIA
VOZ VERBAL
FORMAÇÃO
DE PALAVRAS
FUNÇÃO
a) Ex.: forma [s]
b) Ex.: forma [f]
c) Ex.: forma [m]
a) Ascendente
b) Descendente
Acréscimo de sufixo
diminutivo
Ex.: [casa], [casinha]
a) Voz ativa
Ex.: “João cometeu erros”
b) Voz passiva
Ex.: “Erros foram
cometidos”
Contraste na significação
a) [sorte]
b) [forte]
c) [morte]
a) Formular pergunta
“João saiu?”
b) Formular declaração
“João saiu!”
a) Demonstrar afeto
b) Demonstrar desprezo
a) Destacar o
responsável
b) Esconder o
responsável
Uma forma linguística (um som, uma entonação, um
sufixo, uma voz verbal etc.) é a maneira pela qual uma
dada função se realiza materialmente na língua.
Se você compreendeu o que são formas e funções linguísticas, tal-
vez possa, agora, repensar a sua resposta à questão para que serve
uma língua (como o português)? Na verdade, as formas existentes em
uma língua se prestam a inúmeras funções. Não é possível descre-
ver todas elas neste capítulo, mas podemos dizer a você que, em sua
maioria, as funções a que se destinam as formas linguísticas são emi-
nentemente comunicativas.
É por isso que importantes estudiosos, como o já citado Steven
Pinker, acreditam que as línguas “servem” para a comunicação huma-
na. Não obstante, cientistas não menos ilustres, como o também já men-
cionado Noam Chomsky, um dos linguistas mais influentes de todos os
tempos, destacam outras funções linguísticas que são tão importantes
CURIOSIDADE
Função:
O escritor Graciliano
Ramos (1892-1953)
compreendeu isso
perfeitamente ao
afirmar que “A palavra não foi feita
para enfeitar, brilhar como ouro falso;
a palavra foi feita para dizer”. No caso,
“o dizer da palavra” é justamente a
sua função. Em outras palavras, uma
forma linguística não existe senão para
provocar algum efeito de significado ou
de sentido, isto é, uma forma não existe
senão pela sua função.
capítulo 1 • 23
ou ainda mais vitais do que a comunicação, tais como a organização do
pensamento e a criação do conhecimento individual.
Isso quer dizer que, ainda que a comunicação possa ser a primei-
ra e mais fundamental
função das línguas, não
podemos desprezar as
outras funções, tais como
a metacognitiva, isto é, a
função de organização do
pensamento, e a instru-
mental, ou seja, a função
de adquirir e organizar
outros tipos de cognição,
como o conhecimento ma-
temático, o conhecimento
sobre a História, o conhecimento sobre as relações sociais etc.
Atento à natureza comunicativa das línguas, Karl Bühler foi um
dos primeiros a tentar sintetizar, de maneira esquemática, as corre-
lações entre linguagem e comunicação. Foi ele que destacou que os
usos da linguagem pressupõem (1) um emissor, (2) uma mensagem e
(3) um destinatário.
Esse modelo tripartido de comunicação se tornou mais complexo na
análise do linguista russo Roman Jakobson, que introduziu as noções de
(4) referente, de (5) canal comunicativo e de (6) código linguístico.
É desse modelo de Bühler e Jakobson que se derivam as famosas
funções da linguagem, que são amplamente estudadas no ensino es-
colar: (1) a “função emotiva”, em que o emissor da mensagem se des-
taca; (2) a “função poética”, em que a própria mensagem transmitida
é destacada; (3) a “função conativa”, na qual o destinatário da mensa-
gem assume a função central; (4) a “função referencial”, em que o re-
ferente é o foco da comunicação; (5) a “função fática”, em que o canal
comunicativo é meramente testado e (6) a “função metalinguística”,
em que se estabelece quando é o próprio código linguístico (a língua) o
fator de destaque na comunicação.
Na realidade, as funções linguísticas, entendidas como as funções que determi-
nadas formas podem desempenhar nos usos da língua, são muito mais nume-
rosas do que essas seis. Todavia, tal modelo parece ser um bom caminho para
começarmos a entender as funções comunicativas e expressivas que as formas
da linguagem humana podem desempenhar.
Se você for uma pessoa curiosa, talvez tenha pensado: será que exis-
te alguma relação natural entre determinada forma e sua respectiva
função? Ou será que formas e funções linguísticas são associadas de
De fato, muitas vezes,
nós, humanos, usamos a
língua internamente, em
voz alta ou em silêncio,
como se falássemos com
o nosso próprio eu – e
isso, é claro, não pode ser
considerado literalmente
comunicação.
AUTOR
AUTOR
Karl Bühler:
Karl Bühler (1879-
1963), linguista e
psicólogo alemão,
sistematizou as
funções da linguagem tomando como
ponto de partida a representação –
característica, por excelência, da língua.
	
Roman Jakobson:
Roman Osipovich
Jakobson (1896-1982)
foi um pensador rus-
so que se tornou um
dos mais renomados linguistas de todos
os tempos, cujos conceitos ainda são
usados e pesquisados. Jakobson esteve
no Brasil nos anos 1970.
	
RESUMO
24 • capítulo 1
uma maneira um tanto imprevisível que precisam ser memorizadas
pelos falantes de determinada comunidade? Boa pergunta.
Na verdade, esse é um questionamento milenar que remonta à
antiga Grécia clássica. Os filósofos gregos que se dedicavam ao es-
tudo da linguagem dividiam-se, basicamente, entre os analogistas e
os anomalistas. Em termos muito simples, os analogistas afirmavam
que as formas da linguagem eram análogas às suas funções e era so-
mente em razão da passagem do tempo que, para as novas gerações
de falantes, a analogia entre forma e função deixava de ser percebida.
Por seu turno, os anomalistas sustentavam que as relações entre
forma e função sempre foram totalmente acidentais e improvisadas,
um verdadeiro acordo social tacitamente estabelecido entre os falan-
tes de uma língua humana. Contemporaneamente, a controvérsia
entre analogistas e anomalistas é reanalisada na oposição iconicida-
de versus arbitrariedade. Vejamos o que é isso.
Arbitrariedade
Dizer que uma forma está arbitrariamente associada a uma função signi-
fica assumir que não é possível deduzir espontaneamente a que função
determinada forma se presta. Sendo assim, torna-se preciso aprender e
memorizar, caso a caso, a correspondência entre cada forma e sua respec-
tiva função em uma dada língua, tal como apregoavam os anomalistas.
A Escola de Atenas é uma das mais
famosas pinturas do renascentista
italiano Rafael e representa a
Academia de Platão. Foi pintada
entre 1509 e 1510 sob encomenda do
Vaticano.
	
IMAGEM
capítulo 1 • 25
Um bom exemplo disso é a relação existente entre o significante
(forma) e o significado (conteúdo) de cada uma das palavras do léxico
do português. Só sabemos que a forma [kaza] (que escrevemos “casa”)
deve ser associada ao conteúdo [tipo de moradia] porque aprendemos
isso durante a aquisição da linguagem. Mas a relação entre forma e
conteúdo nessa palavra é totalmente arbitrária, isto é, não é natural ou
motivada por algum princípio lógico.
Isso tanto é verdade que, em outras línguas, o mesmo significa-
do (conteúdo) pode ser codificado por outro significante (forma), tal
como o termo “house”, que em inglês é a forma correspondente do
conteúdo [tipo de moradia].
Por exemplo, a aparência física
de uma “casa” não se assemelha
em nada à forma [kaza], em portu-
guês, ou à forma [hauz], em inglês.
Com efeito, a língua portuguesa,
no curso de sua história, poderia
ter escolhido arbitrariamente qual-
quer outra forma para expressar o
conceito [tipo de moradia]. A esco-
lha por [kaza] foi arbitrária.
Vejamos outros exemplos de ar-
bitrariedade entre forma e função.
Em língua portuguesa, a forma
de entonação ascendente ao fim
da frase desempenha a função de
formular perguntas. Dizemos que
a relação entre essa forma e essa função é arbitrária porque não há
nada natural entre uma subida melódica e a “expressão de pergun-
tas”. Trata-se de uma associação arbitrária que todos os falantes do
português precisam aprender e memorizar.
Também a sequência “sujeito > verbo > objeto” (svo) é uma for-
ma arbitrária de codificar, em uma dada frase, a relação entre um
agente, uma ação e um paciente. Embora a nós, falantes de portu-
guês, pareça razoável pensar em codificar os participantes de uma
ação na ordem “quem fez o que a quem”, não existe nada que torne
essa ordem “mais natural” do que outra: trata-se, novamente, de
uma arbitrariedade.
Iconicidade
Pelo que expusemos, você talvez já possa deduzir que a iconicidade é o
justo oposto da arbitrariedade. Sendo assim, uma forma é icônica quan-
do reflete, com clareza, a função a que se destina, conforme pensavam
os analogistas. Um rápido exemplo pode bem ilustrar o conceito.
Em outras palavras,
ao afirmarmos
que uma forma
é arbitrária em
relação à sua
função, estamos
dizendo que
não existem
semelhanças
entre o feitio de
determinada forma
e o seu respectivo
conteúdo.
Sequência:
De fato, a maioria das línguas do
mundo apresenta a ordenação
“sujeito > objeto > verbo” (sov) e,
assim, codifica na frase os participantes
de uma ação na sequência “quem fez a
quem o quê”, em outro tipo de seleção
arbitrária. A título de curiosidade, o japo-
nês é uma língua sov; o mandarim, svo.
	
CURIOSIDADE
26 • capítulo 1
Imagine que uma pessoa lhe tenha apresentado desculpas por
determinado incômodo. Essa pessoa teria discursado por um lon-
go tempo, mas, ao fim e ao cabo, não teria dito nada que, de fato,
reparasse o problema. Você poderia descrever a tediosa conversa
com essa pessoa dizendo algo como “Fulano falou, falou, falou e
não disse nada”. Ora, nessa frase a repetição do verbo “falar” é pra-
ticamente um ícone, isto é, um representação evidente do fato de a
pessoa ter falado repetidamente. Trata-se, portanto, de uma forma
(um verbo repetido) que, com clareza, reflete a sua função (indicar
a repetição de um ato).
Outro exemplo de iconicidade é o alongamento de vogais que
podemos usar em determinada palavra quando queremos enfati-
zar o tamanho ou a duração de algo. Se você quer dizer que alguma
coisa é exageradamente grande, pode dizer algo como “Era muito
graaaaaaaaaaande”. Mais uma vez, a forma (alongamento da vogal)
reflete, claramente, sua função. Também no plano do léxico, na re-
lação entre significante e significado, existem casos de iconicidade.
Trata-se das famosas onomatopeias: palavras cuja forma se asseme-
lha ao conteúdo representado.
As relações icônicas entre forma e função são bastante regula-
res, tanto que há muitos estudiosos, não por acaso denominados
funcionalistas, que defendem a ideia segundo a qual as formas exis-
tentes nas línguas, em grande medida, refletem as funções a que se
destinam. A motivação funcional para a existência de certas formas
pode ser, de fato, encontrada em todos os domínios de uma língua,
tal como vemos nos seguintes exemplos do português:
Onomatopeias:
A forma “tique-taque” possui uma ex-
pressão fonética parecida com o som
das batidas de um relógio. Da mesma
maneira, “miar” é um verbo inspirado na
forma acústica do miado dos gatos.
“Tim-tim” é um substantivo que, iconi-
camente, representa o som produzido
pelo rápido toque entre taças quando
se faz um brinde.
	
CURIOSIDADE
EXEMPLO
Fonologia
Pense na palavra
“sussurrar” que se
parece com os sons
emitidos quando
alguém su... ssu... rra.
Morfologia
Pense, por exemplo,
nas palavras compos-
tas, como “saca-rolha”,
“guarda-roupa”, cujas
funções são
rapidamente dedutíveis
pela análise de suas
formas constituintes.
Semântica
Lembre-se de expres-
sões como “pé-da-me-
sa” ou “braço da cadei-
ra”, que transferem para
objetos a estrutura do
corpo humano e, assim,
iconicamente, permitem
a codificação formal de
suas funções.
Sintaxe
Tal como se vê na famo-
sa sequência atribuída
ao romano Júlio César,
“Vim, vi e venci”, que re-
flete, de forma icônica,
a sequência temporal
com que os atos se de-
ram: o general primeiro
veio, depois, viu para,
enfim, vencer.
Se você está curioso para saber quem vence a batalha entre analogis-
tas e anomalistas, saiba que temos, aqui, um empate técnico. As línguas
humanas estão repletas de casos claros de arbitrariedade e casos eviden-
tes de iconicidade. Ambos os fenômenos são encontrados em todas as
línguas quando cotejamos formas e funções.
capítulo 1 • 27
Com efeito, a análise mais interessante que os cientistas da lingua-
gem vêm apresentando ao longo dos últimos anos é interpretar a rela-
ção entre arbitrariedade e iconicidade em uma espécie de continuum,
isto é, como uma sequência gradual de várias etapas que separam um
extremo de arbitrariedade, de um lado, e um extremo de iconicidade
de outro – mais ou menos como representamos a seguir:
[+ icônico] → [+/- icônico] → [+/- arbitrário] → [+ arbitrário]
Sendo assim, não devemos pensar que as relações entre forma e
função em uma língua sejam sempre uma questão de tudo ou nada; ou
temos arbitrariedade ou temos iconicidade. A escalaridade parece ser
uma boa chave para entendermos a dualidade forma e função. Pense, por
exemplo, que, no uso de uma língua como o português, podemos desli-
zar rapidamente da forma dos substantivos para a forma dos adjetivos,
dependendo da função de um item no interior de um contextosintático.
Em suma, você deve ter em mente que a gradiência no mapeamen-
to entre formas e funções linguísticas ocorre de maneira generalizada
tanto no léxico quanto na gramática de uma língua.
A linguagem humana em ação
Para finalizarmos este capítulo, passemos a descrever e analisar
alguns fenômenos sociocognitivos que ganham vida todas as vezes
em que colocamos a língua em ação nas inúmeras tarefas comuni-
cativas e interacionais de nossa vida cotidiana. Antes de iniciarmos
essa análise, devemos explicitar que existem duas modalidades fun-
damentais no uso da linguagem humana: a produção e a compreen-
são. Além disso, não podemos nos esquecer de que, em sociedades
letradas, como é o caso da maior parte das comunidades brasilei-
ras, a língua pode se realizar pelo canal oral ou pelo canal escrito.
Sendo assim, as quatro habilidades sociocognitivas envolvidas no
uso de uma língua natural são a produção oral, a compreensão oral,
a produção escrita e a compreensão escrita.
Comecemos pela produção linguística. Essa habilidade demanda
do falante (ou do escritor) uma série de tarefas cognitivas que se ar-
ticulam dinamicamente ao contexto social da interação linguística.
Por exemplo, para produzir a fala (ou a escrita), uma pessoa deve,
primeiramente, selecionar de sua memória de longo prazo os itens
lexicais que expressarão os conceitos que deseja veicular no ato de
linguagem. Essa seleção de palavras na mente é o que os psicolin-
guistas chamam de planejamento de fala ou planejamento conceitual.
Vejamos como isso ocorre.
Contexto sintático:
Vemos isso acontecer na célebre ci-
tação de Memórias Póstumas de Brás
Cubas, de Machado de Assis:
em [um autor defunto], “autor” é
substantivo e “defunto” é adjetivo,
mas, em [um defunto autor], “defunto”
é substantivo e “autor” é adjetivo. Do
mesmo modo, formas como “furado”
podem ser analisadas como adjetivos
ou como verbos (na forma de particí-
pio), dependendo de sua função na
frase, tal como vemos acontecer em
“isso é papo furado” versus “a roupa foi
furada pelo alfinete”, respectivamente.
Na verdade, mesmo certas formas
verbais, dependendo de sua função na
frase, podem ser reanalisadas como
substantivos, tal como acontece na
expressão “sala de jantar”.
	
EXEMPLO
28 • capítulo 1
Esquematicamente, podemos representar a produção linguística oral pela sequência
ilustrada a seguir:
Plano Conceitual → Seleção Lexical → Combinação Sintática → Expressão Fonética
Você deve ter notado que acabamos de descrever a produção da fala fazendo com
que ela parecesse semelhante à produção da escrita. Pelo que sugerimos, a diferença
entre essas duas modalidades residiria no simples fato de que, na escrita, usaríamos
grafemas para representar a expressão fonética do texto. No entanto, essa descrição é,
na verdade, uma supersimplificação.
De fato, a produção oral é muito diferente da produção escrita. De uma maneira bem re-
sumida, podemos dizer que as pessoas, quando escrevem, estão muito mais conscientes do
uso que fazem da linguagem, sendo, por isso mesmo, bem mais atentas e vigilantes tanto em
relação ao que dizem quanto em relação a como dizem.
capítulo 1 • 29
A tomada de consciência e a vigilância, comuns na produção es-
crita, estão em flagrante contraste com o caráter mais espontâneo e
automático da fala natural. Não é por outra razão que a escrita fluen-
te, típica das pessoas bem escolarizadas e treinadas nessa arte, de-
manda muitos anos de aprendizado formal, desde a alfabetização até
o letramento profundo na vida adulta.
Por sua vez, a produção fluente da fala emerge já em crianças bem
pequenas e se torna visível em qualquer conversa oral entre humanos,
independente da escolarização ou do letramento dos sujeitos falantes.
Portanto, atente para essa ressalva: apesar de os mecanismos básicos envolvi-
dos na produção oral e escrita serem semelhantes, falar e escrever são fenôme-
nos sociocognitivos dramaticamente diferentes.
No eixo da compreensão linguística, o ouvinte (ou leitor) deve per-
ceber as formas manifestadas no sinal da fala (ou da escrita) de seu
interlocutor para, então, acessar, em sua memória de longo prazo, os
conteúdos por elas evocados. Podemos dizer que a compreensão é o
espelho invertido da produção. Vejamos por quê.
Na produção linguística, começamos com um plano conceitual.
Esse plano nos leva a dizer certas coisas por meio de dadas palavras,
as quais são inseridas nas frases que
conduzem os textos. Já na compreen-
são da linguagem, tudo começa pela
detecção, nos textos, dos elementos
do ato linguístico, tais como frases e
palavras. É com base na identificação
desses elementos que se torna possí-
vel compreender o plano conceitual e
os valores comunicativos que move-
ram a produção do interlocutor.
Mais uma vez, as semelhanças en-
tre oralidade e escrita estão aqui exa-
geradas. No caso, a especificidade da
compreensão da escrita diria respeito, de maneira muito simplifica-
da, apenas à decodificação ortográfica (leitura) que faria a função da
percepção fonética.
Infelizmente, não podemos tratar de tantos detalhes no espaço li-
mitado deste capítulo, mas, se você estiver interessado em compreen-
der as minúcias que diferenciam oralidade e escrita, sugerimos a leitu-
ra do excelente livro Os neurônios da leitura (2012), do neurocientista
francês Stanislas Dehaene.
Para sintetizar o que acabamos de dizer sobre a produção e a compre-
ensão linguística, a figura a seguir parece ser um bom recurso didático.
RESUMO
Na realidade,
porém, a
compreensão
linguística pela
leitura é muito
mais complexa
do que a
“decodificação
ortográfica”
sugere.
Os neurônios da leitura:
Segundo o autor, as pesquisas
realizadas pela psicologia cognitiva
experimental comprovaram o centro
de reconhecimento da palavra escrita
no cérebro. Tal descoberta afeta
profundamente as metodologias em-
pregadas nas escolas, que deverão
rever suas abordagens.
	
LEITURA
30 • capítulo 1
A B
Note que as setas que correm da esquerda para a direita indicam que o “plano con-
ceitual” presente na mente de A é transformado na informação linguística veiculada
para B. Por sua vez, B recebe essa informação linguística e, rapidamente, consegue
interpretar os conceitos ali representados. A figura é interessante, também, porque,
nela, podemos perceber que a produção e a compreensão da linguagem são auto-
maticamente intercambiáveis no fluxo da fala normal. Pelas setas que correm da
direita para a esquerda, notamos que, agora, é B quem produz a informação linguís-
tica que será veiculada para A.
A enunciação
Na dinâmica da produção e da com-
preensão da linguagem, o intercâm-
bio de posições entre aquele que fala
e aquele que ouve dá origem ao fenô-
meno conhecido como enunciação.
Na enunciação, a pessoa que pro-
duz a fala (ou a escrita) é o enunciador
– a primeira pessoa do discurso. Já a
pessoa que compreende a fala (ou a escrita) é o enunciatário – a segunda
pessoa do discurso, a quem a fala (ou a escrita) se destina. Chamamos
de terceira pessoa, ou de não pessoa – em um termo interessante formu-
lado pelo linguista francês Émile Benveniste –, os objetos e as pessoas
sobre os quais falamos (ou escrevemos) durante a enunciação.
Em termos linguísticos e comunicativos, é interessante notar que,
na enunciação explícita na produção da linguagem, as chamadas
pessoas do discurso (os pronomes pessoais que você, certamente,
conhece das aulas de português) são, justamente, categorias linguís-
ticas que indicam a figura da primeira pessoa (eu, nós), da segunda
pessoa (você, vocês) e da terceira pessoa (ele, ela, eles, elas e todas as
expressões referenciais, como os substantivos).
EXEMPLO
A enunciação deve
ser compreendida
como o ato
de criação de
um enunciado
linguístico.
AUTOR
Émile Benveniste:
Émile Benveniste
(1902-1976) foi um
linguista francês, cuja
principal obra, Problè-
mes de linguistique générale, ressalta a
ideia de ocorrência de dois planos de
enunciação – o da história e o do dis-
curso –, através dos quais demonstra a
oposição entre a “não pessoa” (terceira)
e as “pessoas” (eu-tu).
capítulo 1 • 31
É com base na existência do enunciador, do enunciatário e dos referentes do
discurso que diversas expressões linguísticas são colocadas sob perspectiva du-
rante a enunciação.
Por exemplo, pronomes como [meu/minha/nosso/nossa] indicam
a posse de algo em relação à primeira pessoa do discurso, enquanto
pronomes como [seu/seus/sua/suas] indicam a posse relativa à segun-
da pessoa, e expressões como [dele/deles/dela/delas] denotam a posse
da terceira pessoa. Na verdade, mesmo o espaço ocupado pelas pessoas
do discurso é posto em perspectiva durante a enunciação. Assim, ter-
mos como [aqui/este] indicam o espaço da primeira pessoa, enquanto
[aí/esse] denotam o espaço da segunda pessoa, e [lá/aquele] apontam
o espaço do referente, o lugar da terceira pessoa.
De maneira muito interessante, o próprio tempo que utilizamos
quando produzimos e compreendemos a linguagem só assume algu-
ma interpretação coerente quando é colocado sob perspectiva duran-
te a enunciação. Desse modo, sabemos que [ontem] é um termo que
denota um momento anterior ao tempo da enunciação, ao passo que
[hoje] indica o momento que coincide com a criação do enunciado,
enquanto [amanhã] marca um tempo futuro que acontecerá depois
de a enunciação ter sido concluída.
Para que você tenha uma boa noção de como pessoa, espaço e tempo são ca-
tegorias linguísticas cujas referência e interpretação dependem, crucialmente, da
enunciação, imagine que você esteja andando pelo centro de sua cidade, quando, de
repente, encontra um bilhete que flutua em sua direção.
Como pessoa curiosa, você abre o bilhete e encontra a seguinte mensagem:
“Eu estive aqui hoje.” Ora, você será capaz de compreender o significado básico
dessas expressões (afinal, é possível depreender do bilhete que “alguém esteve
em algum lugar, em algum dia”), mas não será possível identificar o sentido do
enunciado, justamente porque você não participou da enunciação – e, portanto,
não conseguirá encontrar o referente da primeira pessoa (eu) nem poderá deduzir
o lugar (aqui) que ela ocupava ao produzir o bilhete, tampouco descobrirá qual foi
o tempo presente (hoje) naquela enunciação.
Algo totalmente diferente aconteceria se o bilhete contivesse uma frase como
“A presidente Dilma esteve na Prefeitura do Rio de Janeiro em 04 de maio”. Nesse
caso, a identificação referencial da pessoa, do espaço e do tempo do enunciado
não são totalmente dependentes do contexto estabelecido na enunciação. Sabemos
apenas que a produção dessa frase ocorreu depois da visita da Presidente à Prefei-
tura – e deduzimos isso em função do tempo verbal passado expresso em “esteve”.
ATENÇÃO
EXEMPLO
Tempo futuro:
Por que a frase “Fiado, só amanhã” é
engraçada? Pela perspectiva da enun-
ciação, esse dizer, na prática, torna a
venda a crédito impossível: o “amanhã”,
seja quando for lido, sempre desloca
para o dia posterior – e assim por dian-
te, ad infinitum.
	
CURIOSIDADE
32 • capítulo 1
Das pessoas do discurso que são acionadas sempre que usamos a lin-
guagem para a produção e a compreensão, a mais curiosa, em termos
científicos, é a terceira. Como dissemos, a terceira pessoa é, na verdade,
a não pessoa, isto é, é a ausência da primeira e da segunda pessoas. Tra-
ta-se do referente discursivo de um dado uso da língua.
A função referencial é, muitas vezes, considerada a mais pro-
eminente dentre as funções da linguagem, já que os humanos ti-
picamente usam a língua para falar do mundo, seus objetos, suas
ações e pessoas. Todavia, a proeminência da “função referencial”
pode nos passar a falsa ideia de que a linguagem humana, quando
colocada em ação, seja essencialmente referencial. É bem verdade
que muitos usos linguísticos são objetivos, isto é, focam-se no obje-
to (terceira pessoa) de maneira puramente referencial. Entretanto,
grande parte da experiência linguística humana é metafórica. Vejamos
o que isso quer dizer.
Função referencial x metáfora
Nossa tradição escolar se esforça para nos fazer crer que o uso co-
tidiano e comum da linguagem seja referencial, isto é, somos ensi-
nados que, quando produzimos e compreendemos a fala e a escrita,
fazemos referências a coisas e pessoas de maneira mais ou menos
objetiva. A linguagem metafórica seria, então, característica dos usos
linguísticos mais elaborados e artísticos, como a poesia e os roman-
ces. Essa ideia é reforçada quando, na escola, estudamos as “figuras
de linguagem” e ficamos com a impressão de que elas só acontecem
nos textos literários.
Na verdade, o uso metafórico da linguagem não é exclusividade da
arte.Comefeito,todosossereshumanoscomuns,nodiaadia,também
utilizam metáforas ao produzir enunciados linguísticos. Por exem-
plo, quando dizemos
alguma coisa como
“Decidirei se vou ca-
sar ou não só mais
à frente ao longo da
minha vida” estamos
fazendo referência a
uma realidade tem-
poral (a passagem
da vida) por meio de
uma categoria espa-
cial (a localização no
espaço — “à frente”). Quando produzimos frases assim, estamos, na
verdade, cruzando domínios de sentidos para fazer referência àquilo
que queremos dizer.
CONCEITO
Referente discursivo:
O já citado linguista Roman Jackob-
son havia destacado a existência da
não pessoa ao batizar com o termo
“referencial” a função da linguagem
que privilegia a terceira pessoa como o
referente do discurso.
	
No exemplo, estamos
transferindo propriedades
do espaço para fazer
referência à noção de
tempo. Precisamente é
esse o princípio de toda a
linguagem metafórica: a
transferência de domínios de
significados.
capítulo 1 • 33
A linguagem metafórica é, na verdade, generalizada nos usos linguísticos. Podemos di-
zer que ela é a regra, e não a exceção, quando produzimos e compreendemos a linguagem
humana. Um uso de linguagem estritamente objetivo e referencial é raro. Só o encontra-
mos em abundância no discurso científico das áreas da natureza, como a Física, a Química
e a Biologia. Mesmo em outras áreas da ciência, como a Economia, encontramos fartos
exemplos de linguagem metafórica em frases como “O mercado está aquecido”, “Os preços
estão nas alturas”, “Esperamos uma queda brusca na taxa de juros” etc. Para os cidadãos
comuns, em seu cotidiano linguístico, a metáfora é muito mais do que uma mera figura de
estilo: ela é um produtivo recurso natural de pensamento e de linguagem.
Para concluir
Nesteprimeirocapítulo,começamosnossapequenaincursãopelofantásticoecomplexomun-
do da linguagem humana. Aprendemos, aqui, diversos conceitos importantes, como a dife-
rença entre linguagem e língua, a distinção entre Língua-i e Língua-e, as noções e as fases da
aquisição da linguagem, a oposição entre formas e funções linguísticas e os fundamentos da
linguagememação.Nossoobjetivo,aolongodocapítulo,foiapresentaravocêumavisãopano-
râmicadosprincipaistemasefigurasdoestudocientíficodalinguagem,oqualtememcontaa
interação dinâmica entre sociedade e cognição. Você terá boas oportunidades de ampliar seus
conhecimentossobreoassuntoaoconsultarosvídeoseoslivrosqueindicamos.Bonsestudos!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
IMAGENS DO CAPÍTULO
p. 11	 Cloud
Tainara Oliveira · Estácio
p. 12	 Ferdinand de Saussure
Autor desconhecido · Wikimedia . cc
p. 12	 Nice dog
Michael Sagmüller · stock.xchng
p. 15	 Quatro
Paulo Vitor Bastos · Estácio
p. 16	 Noam Chomsky
Duncan Rawlinson · Wikimedia . cc
p. 17	 Bandeira do Paraguai
Domínio público
p. 18	 Steven Pinker
Charles Gauthier · charlesgauthier.com
p. 19	 Bebês
Paulo Vitor Bastos · Estácio
p. 20	Pequeno
Paulo Vitor Bastos · Estácio
p. 20	Médio
Paulo Vitor Bastos · Estácio
p. 20	Grande
Paulo Vitor Bastos · Estácio
p. 21	 Eric Lenneberg
Autor desconhecido
p. 22	Graciliano Ramos
Autor desconhecido · Wikimedia . cc
p. 23	Karl Bühler
Autor desconhecido · cmu
p. 23	Roman Jakobson
Autor desconhecido · Wikimedia · cc
p. 24	A Escola de Atenas
Rafael Sanzio · Wikimedia · cc
p. 26	 Champagne Chin Chin
Roger Kirby · stock.xchng
p. 29	Os neurônios da leitura
Stanislas Dehaene
p. 30	Émile Benveniste
Autor desconhecido · Jacket Magazine
p. 31	 Fiado
Tainara Oliveira . Estácio
CHOMSKY, N. O conhecimento da língua. Sua natureza, origem e uso. Lisboa: Caminho, 1986.
DEHAENE, S. Os neurônios da leitura. Pará: Pense, 2012.
PINKER, S. O instinto da linguagem: como a mente cria a linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
SAUSSURE, F. [1916]. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2004.
WERMKE, K. et al. Cry Melody in 2 Month Old Infants With and Without Clefts. The Cleft Palate-Craniofacial Journal,
v. 48, n. 3, p. 321–330, 2011.
Língua e
variação
linguística
ivo da costa do rosário
2
36 • capítulo 2
Neste capítulo, vamos discutir as relações entre língua e usuários da
língua. Para iniciar a abordagem desse assunto, leia o texto a seguir:
Não tenho sabença,
pois nunca estudei,
apenas eu sei
o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho,
vivia sem cobre
e o fio do pobre
não pode estudá.
Você já conhecia esse texto? Consegue reconhecer o estilo de escrita des-
se poeta? Quem escreveu esses versos foi Antônio Gonçalves da Silva,
mais conhecido como Patativa do Assaré, um dos mais aplaudidos poetas e
compositores brasileiros, reconhecido inclusive internacionalmente.
À primeira vista, você deve ter estranhado a linguagem empregada
pelo poeta. Afinal, há várias palavras e construções que não estão em
conformidade com a ortografia oficial da língua portuguesa, ou seja,
com a linguagem exigida, por exemplo, pelas gramáticas normativas.
Você acha que, por conta disso, Patativa do Assaré falava errado? Existe
uma maneira certa de falar e escrever? São essas questões, entre ou-
tras, que vamos discutir neste capítulo.
Papel e status dos interlocutores
na comunidade linguística
A língua é, sem dúvi-
da, o meio mais efi-
caz de comunicação
entre as pessoas. Por
meio da língua, os seres humanos, de todos os tempos e lugares,
estabeleceram e estabelecem relações sociais de diferentes manei-
ras. Sendo assim, podemos afirmar que o uso da língua reflete, em
parte, a estruturação de uma dada sociedade.
AUTOR
Antônio Gonçalves
da Silva:
Patativa de Assaré
(Assaré, ce, 1909-
2002) alfabetizou-se
aos 12 anos e, a partir de então, come-
çou a fazer repentes e poemas. O nome
“Patativa” faz referência a uma ave
amazônica de canto triste e melódico.
Antônio Gonçalves da Silva escreveu
diversos livros, também foi nomeado
cinco vezes Doutor Honoris Causa em
universidades brasileiras.
	
O uso da língua é elemento
fundamental para a
construção da sociedade.
Língua e variação linguística
2
capítulo 2 • 37
Em outras palavras, só existem as línguas porque existem seres humanos que as
falam em sociedade, com propósitos diversos. E, ao estabelecer relações sociais
– no trabalho, na escola, na igreja, no sindicato, na conversa informal e em várias
outras instâncias –, a língua vai se moldando às necessidades comunicativas dos
falantes e ao contexto da fala.
Defato,asmudançasnasociedadecostumamprovocarmudançastam-
bém nos sistemas linguísticos, pois todas as línguas naturalmente existem
noseiodeumasociedade,quea(re)processaea(re)elaboracontinuamente.
Propósitos da língua:
exemplificando pela modalização
Até o momento estamos falando de aspectos relacionados à língua e
à sociedade. Para começar a aprofundar o tema, traremos uma breve
noção sobre modalidade, que o ajudará a entender como o falante
utiliza a língua para se relacionar com o contexto que o cerca.
Entende-se por modalidade os recursos da língua utilizados para expressar a
atitude do locutor, nos conteúdos, em relação ao interlocutor. Há dois tipos prin-
cipais de modalidades: a epistêmica e a deôntica.
Na modalidade epistêmica, com base no grau de conhecimento que
possui, um falante expressa sua atitude em relação à verdade ou à falsi-
dadedoconteúdodeseuenunciado.Osvaloresepistêmicospodemserde
certeza, probabilidade ou possibilidade. Vamos a um exemplo?
RESUMO
RESUMO
EXEMPLO
Sistemas linguísticos:
Com o advento da tecnologia, por
exemplo, muitas pessoas inseriram em
seus vocabulários palavras até então
inexistentes ou de pouca frequência
de uso. Assim, caminhando pela rua
ou conversando, é comum ouvirmos
que “Fulano acessou a web”, “torpedos
foram trocados”, “novos tablets foram
lançados”, “dá um google para ver” etc.
	
CURIOSIDADE
O estudante foi aprovado na disciplina.
CERTEZA
o locutor se compromete com a veracidade da informação
O estudante deve ter sido aprovado na disciplina.
PROBABILIDADE
o uso de “deve” condiciona a verdade, o locutor infere que tenha ocorrido
O estudante pode ter sido aprovado na disciplina.
POSSIBILIDADE
o locutor não assume compromisso em relação à verdade
38 • capítulo 2
Na modalidade deôntica, um locutor exprime juízos, procurando
agir sobre o seu interlocutor, impondo, proibindo ou autorizando a
realização de algo em um tempo necessariamente posterior ao dis-
curso. Estabelece-se uma relação hierárquica entre locutor e interlo-
cutor. Tradicionalmente, a modalidade deôntica divide-se em valores
de obrigação e valores de permissão. Veja:
“Saia daqui agora!”
“Agora você não vai sair.”
O valor modal de obrigação ocorre quando o locutor impõe
ou proíbe a realização de uma ação ao interlocutor.
“Só sai se terminar antes.”
“Se terminar, você pode sair.”
O valor modal de permissão ocorre quando o locutor define
e/ou oferece escolhas ao interlocutor para realizar uma ação.
A modalidade, tanto epistêmica quanto deôntica, serve para aten-
der, como vimos, a necessidades comunicativas. Afinal, informar,
descrever, contar, ordenar, permitir, proibir, impor etc. são ações
típicas veiculadas pelas línguas humanas. Elas dependem da situação
comunicativa e, muitas vezes, da intencionalidade do falante.
Usamos a língua não só para nos comunicarmos e articularmos informações
mas também para agirmos sobre nossos interlocutores e até mesmo para con-
trolar o nível de comprometimento ou de verdade usado nas declarações que
fazemos cotidianamente.
Transformações na trajetória da língua:
mudança e variação
Esse processo de adap-
tação da língua aos
propósitos do falante,
que não está restrito
somente à modalida-
de, provoca dois fenômenos naturais atestados em todos os lugares e em
todos os tempos. Trata-se da mudança e da variação linguística (iremos
enfatizar a variação ao longo deste capítulo).
EXEMPLO
RESUMO
Mudança:
A expressão vossa mercê, como
sabemos, não é mais utilizada no
português atual. Atualmente utiliza-
mos o pronome você para substituir
essa expressão. Portanto, houve um
processo de mudança, transformando,
ao longo do tempo, a expressão vossa
mercê em você.
	
CURIOSIDADE
Por mudança, devemos
entender as transformações
sofridas pelas línguas ao
longo do tempo.
capítulo 2 • 39
Pesquisadores vêm estudando já há muito tempo essas transfor-
mações na trajetória da língua, gerando um número bastante expres-
sivo de publicações acerca desse assunto. Esses estudos, que têm
como objetivo analisar as mudanças da língua ao longo do tempo,
são chamados estudos diacrônicos. Veja o exemplo a seguir:
“Este rrey Leyr nõ ouue filho, mas ouue tres filhas muy fermosas e amaua-as
mujto. E huu dia ouuve sas rrazõoes com ellas e disse-lhes que lhe dissessem
uerdade quall dellas o amaua mais”.
Vocêconseguiulerotextoanterior?Qualfoiasuasensação?Sevocêima-
ginaquesetratadeumtextoantigo,acertou!Essetexto,cujotítuloéLendado
ReiLear, é datado do século XIII ou XIV. Ele serve para ilustrar como a língua
mudaaolongodotempo,bastaverificarcomoeraaescritaséculosatrás…
Variação linguística
Voltando ao exemplo dado
no início deste capítulo, no
poema de Patativa do Assa-
ré vimos palavras como
sabença, assiná e estudá.
Você deve ter percebido que, no português formal, gramatical, essas
palavras equivalem a sabedoria, assinar e estudar. Aí está a ideia de va-
riação, que pode ser compreendida como a face heterogênea da língua.
Assim, da mesma forma como Patativa do Assaré utiliza a forma saben-
ça para se referir a sabedoria, há outras formas que variam, e não somente
em termos de ortografia, mas inclusive em termos vocabulares. Cariocas,
porexemplo,falamchuvafinaenquantopaulistasfalamgaroa.Oportuguês
doBrasil utiliza o termo ônibus, enquanto em Portugal falam autocarro.
O tópico da variação, devido à sua relevância, chegou a ser poeti-
zado pelos modernistas brasileiros. Manuel Bandeira, por exemplo,
foi um crítico do modo artificial como alguns brasileiros tentavam
imitar os estilos lusitanos, nas primeiras décadas do século xx:
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada...
EXEMPLO
No uso da língua em
sociedade, muitas vezes
há várias formas de se
dizer a mesma coisa.
Português do Brasil:
Nossas favelas são
conhecidas como
bairros de lata em
Portugal. Em Angola,
que também tem a
língua portuguesa como oficial, utiliza-
se o termo musseque. Para saber mais
sobre diferenças entre o português
brasileiro e o português europeu,
recomendamos uma visita ao site do
Instituto Camões.
	
CURIOSIDADE
AUTOR
Manuel Bandeira:
Manuel Carneiro de
Sousa Bandeira Filho
(1886-1968) nasceu
em Recife (pe).
Juntamente com Oswald de Andrade e
Mário de Andrade, formou o grupo de
escritores mais importantes da Primeira
Fase Modernista de nossa literatura.
	
BANDEIRA, Manuel
Estrela da vida inteira.
2 ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1970.
40 • capítulo 2
Em busca de uma língua essencialmente marcada por traços da
cultura brasileira, os modernistas costumeiramente defendiam, de
forma ávida, usos linguísticos característicos do Brasil, mesmo que
não estivessem de acordo com o “português correto”. É por isso que
Manuel Bandeira afirma que a “a língua errada do povo” era a “língua
certa do povo”. Parece paradoxal, mas não é.
O português vivo falado pelos brasileiros é, na opinião do modernista, a verdadeira língua
do Brasil, que traduz um falar “gostoso”, segundo suas palavras. Enfim, mesmo que sem
os termos técnicos que utilizamos, defendia-se a legitimidade da variação linguística.
Voltandoaonossotema,osestudosdevariaçãolinguísticasãosempre
feitos dentro de um recorte temporal específico, ou estudos sincrônicos.
Sincronia, portanto, designa um estado específico da língua.
Se um pesquisador se ocupar do estudo do pronome você no português do Brasil atual
(ou até mesmo em todos os lugares da comunidade lusófona onde esse item é utilizado),
dizemos que esse é um estudo sincrônico. Por outro lado, se analisa um determinado
uso linguístico ao longo de décadas ou séculos, com o objetivo de descrever transfor-
mações do item ao passar do tempo, então estamos diante de um estudo diacrônico.
Por que a mesma língua é, também, diferente?
A língua portuguesa era a língua falada/escrita pelas classes escolariza-
das de Portugal. Aqui encontrou as línguas indígenas que, na fase inicial
da colonização, formaram uma “língua de intercurso”: mistura de por-
tuguês e línguas indígenas, que promovia a comunicação entre o coloni-
zador europeu e os nativos indígenas.
Em seguida, o povo que aqui se encontrava – índios, negros escraviza-
dos e mestiços, praticamente todos sem acesso à escolarização formal –
iaadquirindooidiomadePortugal.Esseidioma,aquinoBrasil,tornou-se
também “mestiço”, sendo passado de pai para filho, com gerações apren-
dendo e ensinando, de forma empírica, a língua portuguesa.
Como se pode perceber, por falta de um ensino sistematizado para to-
dos, grande parcela da população utilizava a língua oficial conforme suas
próprias “regras”, de acordo com suas necessidades, e foi, pouco a pouco,
promovendo variações na língua portuguesa. Surgia, assim, uma variante
daquele português das elites escolarizadas: a língua falada pelo povo.
Após mais de 500 anos de uso do português no Brasil, nada mais na-
tural que a língua tenha passado por mudanças e apresente variações
RESUMO
EXEMPLO
Escolarização formal:
Somente após 300 anos, com a che-
gada da família real, que a educação
superior começou a fazer parte da nossa
realidade: em 1808, surge o Colégio
Médico-Cirúrgico da Bahia. A elite bra-
sileira (membros da Corte, membros da
Igreja e filhos de grandes latifundiários),
até então, só tinha por opção estudar
na Europa. A primeira universidade
brasileira surgiu em 1920, e foi chamada
de Universidade do Rio de Janeiro (hoje
Universidade Federal do Rio de Janeiro).
	
Mudanças:
Um bom exemplo para vermos as
mudanças é a inserção de palavras
estrangeiras, como shopping. O uso
da forma original (em inglês) dessa
palavra é tão disseminado entre nós que
praticamente não se utiliza uma forma
correspondente em português (como
“centro comercial”, por exemplo). Em
outros casos, uma palavra estrangeira
acaba sendo incorporada à língua. É o
famoso “aportuguesamento”, como na
forma ballet (francês) para balé.
	
CURIOSIDADE
CURIOSIDADE
capítulo 2 • 41
conforme a região, a classe social e, até mesmo, conforme a idade dos falantes.
Nesse contexto de mudanças e variações, há palavras e construções linguísticas que,
embora ainda em uso, são cada vez mais escassas ou restritas a uma situação de alta for-
malidade. Mesmo assim, tais usos são ensinados nas escolas, estão presentes em todas
as gramáticas, são cobrados em exames, concursos etc. Vamos a um exemplo:
EXEMPLO 1: “O ônibus já passara quando chegamos ao ponto”
Caso em questão Regra gramatical Uso mais comum
Emprego do pretérito
mais-que-perfeito
Emprega-se o pretérito
mais-que-perfeito para assinalar
um fato passado em relação a
outro, também no passado
A forma composta, com uso de
verbo auxiliar:
“O ônibus já tinha passado
quando chegamos ao ponto”
EXEMPLO 2: “Amanhã, pegá-lo-emos no horário”
Caso em questão Regra gramatical Uso mais comum
Colocação pronominal O uso de próclise em vez de
mesóclise, ou uso de pronome
reto em vez de oblíquo:
“Amanhã, o pegaremos
no horário”.
“Amanhã, pegaremos ele
no horário”.
Emprega-se a mesóclise quando
o verbo estiver no futuro do
presente ou no futuro do
pretérito do indicativo, desde que
não se justifique a próclise.
Por outro lado, há momentos em que estamos com nossos amigos, nossos familia-
res, nossos grupos sociais. Nessas situações, é comum haver um uso menos formal da
língua, que comumente é acompanhado por gírias, expressões populares etc. Esse uso,
ao contrário do que muitos pensam, não é errado. Trata-se apenas de um uso diversifi-
cado do idioma. Portanto, esses usos são naturais, seguem uma lógica própria e preci-
sam ser respeitados, já que são igualmente úteis à comunicação.
Assim como as culturas são diversas, as línguas (que são parte da cultura) também
o são: os diversos domínios sociais atestam e influenciam o modo de fala e de escrita
dos cidadãos. Assim, podemos afirmar que, em geral, os eventos de uma sala de aula
ou de uma reunião de trabalho costumam ser mais monitorados do que as conversas
espontâneas no seio familiar, por exemplo. Nessas situações práticas do dia a dia,
invariavelmente se atesta o fenômeno da variação. Pense em como você se comunica
com o professor na universidade e como você conversa com seus amigos ou com seus
familiares. Não é diferente?
Imagine um cartão de apresentação profissional com erros gramaticais. Inconcebível, não é? Pois então, em con-
textos “monitorados”, o uso que um falante faz da língua oral ou escrita é “analisado”pelo ouvinte/leitor, como parte
de um processo de legitimidade, de adequação e de pertinência do conteúdo ao sujeito que fala/escreve.
EXEMPLO
42 • capítulo 2
Explorando mais o tema: variações dialetais
Para nos aprofundar-
mos no conceito de
variação, falaremos
agora das variações
dialetais. Dentre os
dialetos que mais chamam a atenção dos estudiosos da língua, estão
os usos que se dão conforme a região (diatópicos) e conforme o estrato
sociocultural (diastráticos).
Variação diatópica (dialetal)
No Rio de Janeiro,
chama a atenção o
“chiado” caracterís-
tico da população ao
pronunciar o “s” em
determinadas posi-
ções na palavra, como
em “misto” ou “mais” (com som de x). Por outro lado, é próprio do fa-
lar nordestino a abertura das vogais “e” e “o” antes da sílaba tônica, em
palavras como “receita” e “morena”. Em São Paulo, o uso da palavra
“guia” corresponde ao uso de “meio-fio” no Rio de Janeiro. Todos es-
ses são exemplos de variação diatópica.
Variação diastrática (sociocultural)
A língua também varia conforme o grau de escolaridade do falante, pela
cultura familiar, pela situação financeira, por grupos profissionais e so-
ciais específicos e, até mesmo, por idade ou gênero, entre outros.
Além do uso de gírias pelos mais jovens ou por pessoas em situação
de grande informalidade e da falta de concordância de número (singu-
lar-plural) entre os menos escolarizados, os jargões profissionais são
também exemplos clássicos de variação diastrática.
No universo do futebol, por exemplo, “ir para o chuveiro mais cedo”
significa que o jogador foi expulso de campo ou substituído. No discur-
so de advogados, há grande uso de expressões latinas, como data venia,
que corresponde a “com o devido respeito” em português.
Para o estudo científico da
linguagem, a variação é um
fenômeno normal, natural,
inerente a todas as línguas.
Pessoas que residem em
localidades diferentes,
distantes, tendem a ter
pronúncia e vocabulário
também diferentes.
CONCEITO
Dialetos:
Dialeto é a forma como uma língua
é falada em uma região específica.
Podemos considerar, por exemplo, que o
português brasileiro e o português euro-
peu são variedades dialetais. O mesmo
pensamento vale dentro do Brasil, onde
temos subvariedades: o grupo dialetal
carioca, gaúcho, baiano etc.
capítulo 2 • 43
Vamos fazer um teste? Veja as frases e as associe a um determinado perfil:
1
2
3
4
5
6
7
Mamãe, eu quero um au-au!
A coroa lá em casa tá bolada...
A moçoila está uma teteia.
Que gracinha! Amei isso, é lindo!
É mister ampliarmos o repertório vocabular do corpo discente.
Os poliça pegou os bagulho lá do pessoal!
Vc ker tc comigo?
Pessoa com baixa escolaridade
Pessoa com alta escolaridade
Uma criança
Um idoso
Pessoa conversando online
Pessoa do sexo feminino
Um jovem
Você provavelmente respondeu a seguinte sequência: 6, 5, 1, 3, 7, 4, 2. Repare que há, inclusive, certo
determinismo na resposta, pois nem toda mulher fala usando diminutivo ou exageros e não há pessoa de
alta escolaridade que não use gírias eventualmente. Mas podemos considerar que todas essas frases são
bem características de alguns perfis de usuários da língua. Alguns usos são muito estigmatizados, como o
exemplo 6, outros são considerados mais “neutros”, outros despertam ternura, despojamento, informalida-
de etc. Todos esses usos linguísticos são continuamente praticados e avaliados pela sociedade.
ATIVIDADE
De forma consciente ou não, nós reconhecemos essas variantes. Afinal, sempre que queremos nos
dirigir a alguém, refletimos acerca da situação (se é apropriado ou não falar naquele momento), do
interlocutor (não falamos com nossos amigos da mesma maneira como falamos com nosso chefe) e
do ambiente (há lugares mais apropriados para piadas, para conversa espontânea, para ensinamentos
morais etc.). Em outras palavras, utilizamos variantes distintas dependendo dos nossos propósitos e
objetivos, em cada situação particular.
ASA BRANCA  Luiz Gonzaga
Quando oiei a terra ardendo
Qual fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de prantação
Por farta d’água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
Intonce eu disse: adeus, Rosinha
Guarda contigo meu coração
Hoje longe, muitas léguas
Em uma triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortá pro meu sertão
Quando o verde dos teus óio
Se espalhar na prantação
Eu te asseguro, não chore não, viu
Que eu voltarei, viu
Meu coração
Asa Branca foi composta por Luiz
Gonzaga e Humberto Teixeira em 1947.
Teria o mesmo sentido se usasse as regras gramaticais e a ortografia oficial na letra da música?
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  • 1. EDUARDO KENEDY IVO DA COSTA ROSÁRIO MARIANGELA RIOS ANA BEATRIZ ARENA BETHANIA MARIANI LUCÍLIA SOUSA ROMÃO VANISE MEDEIROS SILMARA DELA SILVA ORGANIZAÇÃO ROBERTO PAES 1ª edição rio de janeiro  2013
  • 2. Conselho editorial  bethania sampaio correia mariani, magda ventura, mariangela rios de oliveira, paula caleffi, roberto paes de carvalho ramos, rosaura de barros baião Organizador do livro  roberto paes de carvalho ramos Autores dos originais  eduardo kenedy nunes areas (capítulo 1), ivo da costa rosário (capítulo 2), mariangela rios de oliveira e ana beatriz arena (capítulo 3), bethania sampaio correia mariani e lucília maria sousa romão (capítulo 4), vanise gomes de medeiros e silmara cristina dela da silva (capítulos 5 e 6) Projeto gráfico e desenho didático  paulo vitor fernandes bastos Redação final e desenho didático  roberto paes de carvalho ramos Revisão linguística  aderbal torres bezerra Com a colaboração de  daniela ferreira reis, flavia oliveira teófilo da silva, jarcélen thaís teixeira ribeiro Site de apoio ao projeto editorial  andré renato fernandes lage, danielle vilar goulart dos santos, rafael de freitas alvarez jourdan, tainara oliveira da rocha e thiago lopes amaral. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2013. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) l755 Língua, uso e discurso: entremeios e fronteiras Roberto Paes [organizador]. — Rio de Janeiro: Editora Universidade Estácio de Sá, 2013. 128 p isbn: 978-85-60923-05-2 1. Língua portuguesa, estudo e ensino 2. Linguagem 3. Texto 4. Discurso 5. Comunicação escrita I. Título. cdd 469.09 Diretoria de Ensino – Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido – Rio de Janeiro – rj – cep 20261-063
  • 3. Caro aluno, Durante a leitura do material, você terá indicações de vídeos, áudios, galerias e artigos que servirão de complemento para o aprendizado. Esses arquivos estarão disponíveis no Ambiente Complementar de Aprendizagem (aca). Como acessar? Através da url: www.aca.estacioead.com.br Realize a busca na caixa de texto da página inicial e selecione o livro. Agora, basta navegar pelos capítulos. Você poderá filtrar os arquivos pelo tipo. A figura ao lado representa o qr code, uma forma de facilitar o acesso ao aca através de dispositivos móveis com câmera. Ao escanear o código, seu dispositivo irá lê-lo e direcionará o navegador para o material em questão. Para obter esse recurso, instale o aplicativo que faz tal leitura, como os sugeridos abaixo: Android iOS Blackberry Windows Phone QR Droid QR Reader Neo Reader QR Reader PELO COMPUTADOR PELO SMARTPHONE OU TABLET
  • 4.
  • 5. Sumário Prefácio 7 1. Linguagem, sociedade e cognição 9 A linguagem humana  10 Linguagem e língua  12 Língua = fenômeno cognitivo e sociocultural  15 Aquisição da linguagem  17 Formas e funções linguísticas  21 Arbitrariedade  24 Iconicidade  25 A linguagem humana em ação  27 A enunciação  30 Função referencial x metáfora  32 Para concluir  33 2. Língua e variação linguística 35 Papel e status dos interlocutores na comunidade linguística  36 Propósitos da língua: exemplificando pela modalização  37 Transformações na trajetória da língua: mudança e variação  38 Variação linguística  39 Por que a mesma língua é, também, diferente?  40 Explorando mais o tema: variações dialetais  42 Variação diatópica (dialetal)  42 Variação diastrática (sociocultural)  42 Língua padrão e língua culta  44 Língua culta  47 E as outras formas de uso?  48 Preconceito e poder no uso da língua  49 3. Linguagem, unidade e diversidade 53 Língua vernacular  55 Propriedades do texto falado  57 Propriedades do texto falado: a fragmentação  58 Propriedades do texto falado: a situacionalidade  59 Propriedades do texto falado: a reiteração  61 Propriedades do texto escrito  62 Propriedades comuns da fala e da escrita  65
  • 6. 4. Gênero, tipologia e sentido 69 O gênero discursivo  72 Do gênero para o funcionamento do discurso  75 Tipologia discursiva  77 Discurso lúdico  77 Discurso polêmico  79 Discurso autoritário  79 Situações de oralidade  80 Homofonia  81 Das tramas orais para a análise da conversação  82 Linguagem em contextos midiáticos: o caso do blog  85 Blog e jornalismo  86 5. Texto: coesão e coerência 89 Referência e referenciação  91 Da referência para a coesão  93 Coesão referencial endofórica  95 Coesão por elipse  96 Coesão sequencial  97 Organização da estrutura textual  99 Argumentação e texto argumentativo  101 Argumentação e ironia  104 Intertextualidade  105 6. Texto, discurso e interpretação 109 Do texto ao discurso  113 Retomando o conceito: condições de produção  116 O não-dito e os sentidos  121 O não-dito e o silêncio  124 O dizer e o já-dito  125 Sujeito e sentido  127
  • 7. 7 Prefácio Durante muito tempo, atrevo-me a dizer que estivemos trabalhando a língua, as situações de lingua- gem, de forma quase “estática”, enfatizando somente um aspecto da língua: o aspecto formal ou a for- ma de prestígio, como hoje é denominada essa formalidade da língua. Essa denominação, na verdade, parece ser a mais adequada, já que a referida forma é extremamente considerada e serve como determi- nante de um “bom falar” e de “saber se comunicar”. Será que é assim? Diversas atividades nos mostram a língua sendo utilizada de forma extremamente versátil, não só em relação a vocabulário específico e à forma de falar de cada região mas também em relação às situações com as quais nos deparamos. Bem, estamos falando de atividades de linguagem que, como tais, pressu- põem a existência de “sujeitos” para se efetivarem. Logo, estamos falando de interações sociais, troca de mensagens, e os sujeitos que atuam nesses cenários são diferentes, porque têm formações diferentes, histórias diferentes, experiências diferentes. Isso nos dá enormes possibilidades de trocarmos mensa- gens de várias maneiras, o que não significa que, necessariamente, teremos comunicações superiores a outras. Claro que podemos, sim, ter comunicações mais claras, mais organizadas que outras. Na busca de melhor entendimento dessa questão, diria que a consciência da necessidade de ade- quação das mensagens funciona como fator de fundamental importância para o bom andamento da interação. Melhor dizendo, cada situação necessita de adequação da linguagem, o que inclui forma- lidade, informalidade e semiformalidade. Essa imagem fica mais clara quando falamos de festas: al- gumas exigem roupas a rigor, outras, como festas ou reuniões com amigos, jantares ou almoços com familiares, por exemplo, permitem roupas e cores diferentes. Enfim, para cada situação, concordamos que há uma vestimenta adequada. Pois bem, o mesmo se dá com a organização de nosso discurso, de modo que adquirir o aspecto formal da língua também faz parte das habilidades do falante. Dito isso, podemos anunciar o objetivo deste livro: focalizar a linguagem em movimento, dando ên- fase à formalidade e à semiformalidade através de várias possibilidades de organização do discurso e práticas textuais, sem desconsiderar o potencial linguístico de cada um. Mas como fazer isso? Trabalhando com a habilidade de leitura e a produção escrita, refletindo sobre a relação dos elementos que compõem o texto, pois este é tomado como ponto de partida por ser lugar de interação, de interpretação e produção de mensagens, onde há produção de sentido. Entendemos que trabalhar atividades de linguagem focalizando a língua em movimento potencializará as habilidades dos leitores, enfatizará um comportamento maduro em relação ao uso linguístico, podendo, com isso, au- xiliar na tarefa de desfazer preconceitos e alargar a noção de língua — algo muito maior que, essencial- mente, as regras gramaticais. Estas, juntamente com contextos socioculturais que integram a noção de mundo de cada um, constituem esse fenômeno que possibilita diversas formas de comunicação. Celebramos, juntamente com os autores que fizeram parte do início dessa conquista, o nasci- mento de um livro que pretende conduzir à reflexão de assuntos urgentes em termos de lingua- gem, mesmo considerando que alguns assuntos ou conceitos, pela própria dificuldade de trata- mento que trazem, não são muito acessíveis. Se a “leveza” com que pretendemos tratar tais assuntos for percebida e digerida por você, tere- mos dado um grande passo. rosaura de barros baião
  • 8.
  • 10. 10 • capítulo 1 A linguagem humana A linguagem humana é um fenômeno impressionante. Ela se faz pre- sente em quase todos os momentos da vida de uma pessoa: desde o seu nascimento, quando recebe um nome e é inserida em uma comu- nidade de fala, até a maturidade, quando transita diariamente pelos complexos sistemas de comunicação e interação social modernos. Concretizada em uma das milhares de línguas hoje existentes no mundo, a linguagem humana nos surpreende porque é capaz de fazer muito a partir de pouco. A posse da linguagem, com seu ilimitado poder expressivo, faculta aos humanos a organização e a veiculação de pensamentos, ideias, con- ceitos, valores e, dessa forma, insere cada indivíduo que domina (pelo menos) uma língua no dinâmico e intenso fluxo comunicativo das socie- dades contemporâneas. Com efeito, os poucos sons da linguagem oral podem ser substituídos por algumas letras em um sistema de escrita ou por centenas de sinais em uma língua de surdos sem que, com isso, o poder mobilizador da linguagem seja significativamente alterado. Seja na fala, na escrita ou na sinalização, a experiência humana se faz rica e ilimitada com a linguagem e pela linguagem. Para que você tome consciência da complexidade social e cogni- tiva subjacente a um simples ato da linguagem humana, pense no seguinte exemplo: Um homem caminha distraído pela cidade, aproveitando os momentos que ainda lhe sobram de seu horário de almoço. Subitamente, ele se dá conta de que pode estar atrasado para o retorno ao trabalho e diz para si mesmo, com aquela voz interna e silenciosa que, muitas vezes, ordena os nossos pensamentos: “Devo estar atrasado!”. Com essa impressão, o homem se dirige a um transeunte e pergunta: — Com licença. O senhor pode me informar as horas? O transeunte, por sua vez, compreende o estado mental de seu interlocutor – sua intenção de ser informado a respeito do horário – e busca o comportamento adequado para a situação: olha para o relógio de pulso e dele retira a informação necessária, que é codificada na frase-resposta: — São doze e trinta! A aparente banalidade de um evento como esse esconde sob si um fenômeno extraordinário: a interação entre a mente humana e a CURIOSIDADE CURIOSIDADE Língua de surdos: O Brasil possui a Língua Brasileira de Sinais (libras). Ao contrário do que muitos pensam, a libras não é uma gestualização da língua portuguesa; na verdade, é uma língua à parte. Tanto é que, em Portugal, a língua de sinais é diferente da brasileira. Sons da linguagem: É com base em apenas três ou quatro dúzias de sons que nós, falantes de uma língua natural qualquer – como o português, por exemplo –, consegui- mos dominar dezenas de milhares de palavras, as quais, quando combinadas entre si de maneira ordenada, permi- tem-nos a produção e a compreensão de um número potencialmente infinito de frases e textos. EXEMPLO Linguagem, sociedade e cognição1
  • 11. capítulo 1 • 11 realidade sociocultural na tarefa de produzir e compreender estru- turas e significados linguísticos. Podemos não nos dar conta, mas, na comunicação humana, o indivíduo que fala executa trabalho so- ciocognitivo muito complexo. Ele deve codificar os seus pensamen- tos e as suas ideias em palavras, que, por sua vez, devem ser combi- nadas entre si em frases, as quais, por fim, são pronunciadas para um interlocutor em um dado contexto discursivo. Da mesma forma, a tarefa do indivíduo que compreende é também engenhosa: ele deve decodificar os sons da fala que lhe são dirigidos no ato do discurso, de modo a identificar palavras e frases para, assim, conseguir interpretar os pensamentos e as ideias de seu colocutor. Ora, podemos perguntar: como os humanos fazem isso? De que maneira essa sequência de codificação e decodificação de formas e significados linguísticos ocorre? Pense bem, pois as respostas para essas perguntas não são nada fáceis ou simples. Lembre-se de que as estruturas das frases e dos textos nas línguas naturais são, geralmente, muito complexas. Mesmo se analisássemos uma frase simples, como “O senhor pode me informar as horas?”, encontraríamos nela regras de ordenação de palavras, concordância, regência, seleção de pronomes… Enfim, verificaríamos a existência de uma suntuosa maquinaria gramatical a serviço da comunicação e da interação social. Entretanto, a despeito de toda essa complexidade, nós, huma- nos, somos capazes de produzir e compreender frases e textos com extrema facilidade. Em uma conversa qualquer, produzimos e com- preendemos dezenas, centenas, milhares de enunciados, um após o outro, em uma velocidade incrivelmente rápida, muitas vezes me- dida em milésimos de segundo. Em circunstâncias normais, fazemos isso de maneira inconsciente e sem esforço cognitivo aparente. Ora, como somos capazes disso? De que maneira nossas mentes se tornam aptas a estruturar nossos pensamentos em frases e textos codificados em sons, socialmente compartilhados? Ao formularmos essas perguntas, acreditamos ter despertado em você a consciência do complexo mundo sociocognitivo que se escon- de sob cada uso cotidiano que fazemos da linguagem. De fato, espe- ramos ter também aguçado o seu interesse pelos estudos linguísti- cos. Você deve saber que encontrar respostas para tais perguntas é tarefa das ciências da linguagem. REFLEXÃO REFLEXÃO CURIOSIDADE Ciências da linguagem: Essas ciências vêm alcançando um extraordinário desenvolvimento ao longo das últimas décadas e, assim, muitos segredos a respeito da estrutura e do funcionamento das línguas naturais estão sendo rapidamente revelados. Algumas dessas descobertas serão apresentadas a você neste livro.
  • 12. 12 • capítulo 1 Neste capítulo inicial, vamos aprender alguns conceitos funda- mentais e indispensáveis ao estudo da linguagem. Começaremos pelas noções de linguagem e língua. Os termos parecem se referir a conceitos aproximados, mas teremos uma seção inteira para enten- dermos que se trata, na verdade, de duas realidades diferentes. Com base no que estudaremos sobre a noção de língua, seguiremos para a seção em que diferenciaremos a dimensão cognitiva da dimensão sociocultural da linguagem. Aprenderemos que uma língua sempre existe simultaneamente no interior do indivíduo que a fala e no seio da sociedade em que esse indivíduo se encontra inserido, sendo, por isso, um fenômeno sociocognitivo (ou cognitivossocial). Logo em seguida, trataremos do fantástico fenômeno da aquisição da linguagem. Vamos analisar alguns aspectos da árdua tarefa das crian- ças, que, de maneira inconsciente e compulsória, devem criar em suas mentes uma versão do sistema linguístico que a elas se revela indireta- mente na fala das pessoas que as circundam. Também teremos, neste capítulo, uma seção dedicada às diferenças entre as formas e as funções linguísticas. Estudaremos para que serve a linguagem humana e como ela dá conta de seus diversos ofícios. Por fim, apresentaremos os principais fatos imbricados no uso da linguagem pelos indivíduos adultos que, em tempo real, precisam pro- duzir e compreender frases e textos, codificando e decodificando men- talmente informações nas diversas formas de comunicação e expres- são que se tornam possíveis pela língua. Esperamos que você tenha apreciado esse roteiro, pois nossa viagem pelo mundo da linguagem está apenas começando! Linguagem e língua Ferdinand de Saussure foi um importante linguista franco-suíço que ainda hoje é considerado o pai das modernas ciências da linguagem. Foi Saussure quem formulou, explicitamente e com grande clareza, uma importante distinção entre aquilo que compreendemos por linguagem e por língua. Vamos entender do que se trata. De acordo com Saussure, “a língua não se confunde com a linguagem, pois é somente uma parte determinada e essencial dela” (1916: p.17). O que o mestre genebrino nos ensina nessa passagem é que a lingua- gem é um fenômeno muito mais geral e abrangente do que uma lín- gua. Comparada com a linguagem, diz-nos Saussure, uma língua pos- sui um caráter muito mais específico. Na verdade, alguns animais chegam a possuir sistemas de lin- guagem impressionantemente complexos, como é o caso das abe- lhas. As abelhas possuem um complicado sistema de dança em zi- guezagueado que permite a indicação da direção e da distância em que se encontra uma fonte de néctar que tenha sido descoberta por AUTOR CURIOSIDADE Ferdinand de Saussure: Saussure (1857-1913) é considerado o “pai da Linguística”. Nascido na Suíça, seu pensamento exerceu grande influência na Litera- tura e nos Estudos Culturais, princi- palmente para o desenvolvimento do Estruturalismo no século xx. Linguagem: Para entender melhor isso, pensemos no seguinte: você acha que animais não humanos, como cachorros, gatos, maca- cos, pássaros etc., possuem algum tipo de linguagem? A resposta é um tanto óbvia: é claro que sim. A maior parte dos animais possui algum sistema de co- municação que permite a expressão de seus estados internos e a interação com o seu ambiente. Embora as mensagens que cães e gatos possam transmitir se- jam um tanto limitadas (com seus ruídos característicos, com a posição do corpo, do rabo e com a emissão de certos odores), não há dúvidas de que se trata de um tipo de linguagem que permite a comunicação tanto entre os membros daquelas espécies animais quanto entre eles e os seres humanos. Por exemplo, se você possui um cão ou gatinho, certamente é capaz de perceber o tipo de latido (ou miado) que ele produz quando está com fome, com dor, quando se sente em perigo ou está alegre.
  • 13. capítulo 1 • 13 alguma delas. As abelhas que, durante alguns minutos, observam a abelhinha que localizou o néctar dançar para lá e para cá, chacoa- lhando o seu corpo de maneira frenética, são capazes de “entender” a informação que está sendo transmitida e, logo ao fim da dança, rumam para a fonte do néctar com bastante precisão. Ora, esse exemplo ilustra, claramente, a existência de uma “linguagem dos animais”, ou, mais precisamente, a linguagem específica de cada espécie animal em particular. Você já deve ter entendido que a linguagem é um conceito bas- tante abrangente, que se refere a todo e qualquer sistema de comu- nicação e expressão. É por isso que podemos falar em “linguagem dos animais”, “linguagem das cores”, “linguagem dos cheiros”, “lin- guagem corporal”, “linguagem da arte” (incluindo a “linguagem da dança”, “linguagem da moda”) etc. Pois bem, se linguagem é qualquer sistema de comunicação e ex- pressão, então o que é uma língua? Com efeito, língua é um tipo espe- cífico de linguagem, como o próprio Saussure já havia dito. Afinal, uma língua também é um sistema de comunicação e expressão e, assim, é uma forma de linguagem. Acontece que a língua é uma forma singular de linguagem, com características próprias que a distinguem de todas as demais linguagens animais ou humanas não verbais. Você deve estar se perguntando que características são essas. Trata-se de dois fatores sociocognitivos muito importantes. Veja- mos cada um deles a seguir. O primeiro fator que distingue uma língua humana qualquer – como o português, o inglês ou o xavante – dos demais sistemas de lin- guagem é a existência de um léxico. No léxico, encontramos uma coleção de formas (significantes) que são associadas, sistematicamente, a certos conteúdos (significados). Assim, por exemplo, em português, possuímos o significante [kaza] (representado na escrita pela grafia “casa”) que será sempre associa- do ao significado [tipo de moradia] todas as vezes que usarmos essa palavra. Também temos no léxico de nossa língua o significante [a], sufixo presente ao fim da forma [menina], ao qual está associado o significado [pessoa do sexo feminino]. Da mesma maneira, temos o significante da expressão [dar uma mãozinha] que se associa, em lín- gua portuguesa, ao significado [oferecer ajuda]. O número total de palavras e expressões existentes em um léxico é bastante variável de língua para língua. Pois bem, nos sistemas ge- rais de linguagem, não existe nada parecido com o léxico das línguas humanas. Afinal, quantos tipos de latido, miado ou canto podem ser discriminados pelos cães, pelos gatos ou pelos pássaros? Quantas “palavras” poderíamos transmitir com a linguagem corporal, com a linguagem dos cheiros ou pela dança? Ainda que consigamos catalo- gar um grande número delas, não encontraríamos algo tão organiza- do, sistemático e vasto como o léxico de uma língua. CONCEITO CURIOSIDADE Léxico: O léxico pode ser compreendido como o conjunto de palavras e expressões que são socialmente compartilhadas pelos falantes de uma dada língua. Número: A título de ilustração, saiba que um falante escolarizado do português do Brasil domina, pelo menos, 50.000 itens, sem contar as formas flexionadas das palavras (como as diversas expressões do verbo “estudar”: estudo, estuda, estudamos, estudava, estudarei, estudaria etc.), mas os dicionários da língua portuguesa chegam a registrar de 200.000 a 400.000 palavras. Trata-se de números bem impressionantes, não?
  • 14. 14 • capítulo 1 O segundo fator que distingue uma língua dos demais tipos de linguagem é o mais importante: as línguas humanas possuem um sistema combinatório, que chamamos gramática. O interessante é que, se o número de itens existentes em um léxico qualquer já é consideravelmente grande, ele não é quase nada quando pensamos no número de expres- sões que o sistema combinatório de uma língua pode gerar utili- zando suas regras computacio- nais. De fato, o número de frases e textos que podemos construir em uma língua ao combinarmos léxico e gramática é ilimitado. Se compararmos as línguas humanas com os sistemas mais gerais de linguagem (humanos ou animais), poderemos deduzir que a principal diferença entre eles é a recursividade – também denominada infinitude, criatividade ou produtividade –, que existe somente nas línguas. Neste momento, você talvez tenha curiosidade de saber se existe algum tipo animal não humano que possua língua (e não apenas linguagem). Muito bem, os cientistas ainda não conseguiram regis- trar nenhuma espécie de vida, além dos humanos, que use algum sistema de comunicação remotamente parecido com uma língua natural. Por tudo o que até hoje sabemos, somente nós, humanos, conseguimos usar um sistema de linguagem com recursividade. É por isso que as línguas parecem ser um verdadeiro patrimônio da humanidade, algo que nos distingue, claramente, de todas as formas de vida conhecidas pela ciência. A posse da linguagem, na forma de uma língua, é de fato uma das carac- terísticas mais distintivas e mais importantes do homo sapiens. Não obstante, existem muitos cientistas que vêm tentando ensi- nar uma língua humana a animais inteligentes, como os chimpanzés e algumas espécies de papagaios e de golfinhos. No entanto, alegar que macacos ou papagaios são realmente capazes de aprender e usar uma língua humana é um flagrante e descomunal exagero, o qual se motiva muito mais por questões ideológicas (por exemplo, conferir maior importância ao aprendi- zado sociocultural em oposição à natureza biológica humana na aquisição de conhecimento) do que linguísticas. Quando falamos uma língua, somos capazes de produzir e compreender um número infinito de frases e textos. CONCEITO CONCEITO Sistema combinatório: Esse sistema é capaz de combinar entre si, de maneira ordenada e contro- lada por regras, as unidades do léxico, de modo a construir expressões, como as frases e os textos. Por exemplo, o léxico do português possui unida- des como “casa”, “bonita”, “comprar”, “você”, “mais”, porém, é a gramática dessa língua que permitirá a criação de expressões complexas como “que casa mais bonita você comprou!”. Recursividade: A recursividade é justamente a capa- cidade de criar um número infinito de frases e textos com base no número finito de palavras existentes no léxico. A recursividade emerge, portanto, da combinação entre os dois compo- nentes fundamentais de uma língua: o léxico e o sistema combinatório (gramática). RESUMO
  • 15. capítulo 1 • 15 No link abaixo, você verá um exemplo que registra as tentativas de ensino de línguas entre espécies. Você provavelmente ficará encantado com as proezas linguísticas desse animal raríssimo e genial. Mas acreditamos que não ficará convencido de que ele, de fato, “aprendeu” a usar uma língua e que demonstra domínio de um léxico e de um sis- tema combinatório. O máximo que podemos dizer é que esse adorável bichinho é capaz de aprender, após intensos anos de treinamento, um sistema de linguagem bastante complexo e avançado, inspirado no léxico das línguas humanas – algo fantástico que, por si só, já é merecedor de destaque científico. Até o momento, com efeito, a linguagem, na forma de um sistema combinatório que opera recursivamente sobre um léxico, é um fenôme- no identificado somente na espécie humana e ainda irreproduzível nos sistemas de inteligência artificial desta segunda década do século xxi. Muito bem, agora que você já sabe distinguir linguagem e língua, fique atento às expressões “linguagem” ou “linguagem humana”. Mui- tas vezes, essas expressões querem dizer “língua” (léxico e gramática) e não apenas “linguagem” (qualquer sistema de comunicação). É bem verdade que podemos usar esses termos de maneira um tanto livre e mais ou menos metafórica, no dia a dia ou mesmo ao longo de um livro mais especializado – como, de fato, já o fizemos e tornaremos a fazer aqui –, mas, sempre que necessário, devemos distinguir tais conceitos. Língua = fenômeno cognitivo e sociocultural As línguas humanas são uma autêntica maravilha do mundo natu- ral e sociocultural. Talvez você já se tenha dado conta de que, desde que estejam inseridos em um ambiente de interação social, todos os indivíduos saudáveis, de todos os tempos da história e de todas as culturas humanas, desenvolvem, de maneira natural e espontâ- nea, a habilidade de produzir e compreender oralmente palavras, frases e textos na língua de seu ambiente. Por exemplo, uma criança que nasça no Brasil desenvolverá, já nos primeiros anos de vida, a capacidade linguística de produção e MULTIMÍDIA Alex Papagaio cinza africano que conseguia comunicar-se usando várias palavras do inglês. Capacidade linguística: Essa capacidade permanecerá na mente da criança no curso de sua vida saudável e será modificada, na adoles- cência e na vida adulta, de acordo com suas experiências particulares. CURIOSIDADE
  • 16. 16 • capítulo 1 compreensão de enunciados em português, em uma de suas moda- lidades socioculturais – se não o português, então, uma das línguas minoritárias do país (por exemplo, uma língua indígena) –, que será, assim, a língua ambiente dessa criança. Como maravilha do mundo natural e sociocultural, o fenôme- no das línguas humanas comporta necessariamente duas dimen- sões: uma dimensão individual e mental e uma dimensão coleti- va e sociocultural. O influente linguista norte-americano Noam Chomsky formu- lou dois importantes conceitos para dar conta da diferença entre a dimensão individual e psicológica das línguas e a sua dimensão social e cultural. Chomsky propôs que a dimensão mental e cog- nitiva do fenômeno da linguagem seja sintetizada pelo conceito de Língua-i, em que “i” significa interna, individual. Já a dimensão sociocultural das línguas é denominada por Chomsky como Lín- gua-e, em que “e” quer dizer externa, extensional. Vejamos melhor esses conceitos. A noção de Língua-e corresponde, grosso modo, ao que comu- mente se interpreta como língua ou idioma no senso comum. Por exemplo, o português é uma Língua-e no sentido de que é esse fenô- meno sociocultural, histórico e político que compreende um con- junto de sons, palavras, regras gramaticais e um sistema de escrita que, juntamente, permitem a comunicação e a interação entre os seus falantes. Trata-se de um fenômeno supraindividual, na verdade, exterior ao indivíduo. A noção de Língua-i, por sua vez, corresponde ao conjunto de habilidades mentais que permitem ao indivíduo a produção e a compreensão de um número potencialmente infinito de ex- pressões na sua língua ambiente. Uma Língua-i diz respeito, portanto, àquilo existente no interior da mente das pessoas, que lhes faculta a aquisição e o uso cotidiano de uma língua natural. Nesse sentido, entende-se que uma língua seja parte do sistema cognitivo humano. Uma Língua-i é uma faculdade psicológica ou, por assim dizer, um órgão mental. Todo indivíduo humano sem deficiências neuropsicoló- gicas graves é capaz de manipular, em sua língua, diversos recursos gramaticais e textuais que veiculam significados do indivíduo para o mundo exterior e desse para a consciência do indivíduo. Essa compe- tência cognitiva para a manipulação das estruturas e dos significados da linguagem é individual e inconsciente. É a ela que nos referimos com o conceito de Língua-i. Às vezes, quando pensamos sobre a linguagem humana, precisa- mos ter clareza se estamos discutindo aspectos cognitivos ou aspec- tos socioculturais da língua – ou mesmo se estamos considerando ambos os aspectos em interação. Fique, portanto, sempre atento a esse particular. CONCEITO Línguas humanas: Sempre que ocorre o fenômeno lin- guagem humana, temos, de um lado, o indivíduo particular que possui a capaci- dade mental de produzir e compreender expressões linguísticas e, do outro, a sociedade em que esse indivíduo se insere, a qual lhe forneceu não só os contextos de uso da linguagem em interação com outros humanos mas também os sons e as palavras necessá- rios à expressão verbal. AUTOR Noam Chomsky: Avram Noam Chomsky (1928) é um linguista americano, conside- rado uma das figuras acadêmicas mais proeminentes (durante 12 anos, foi o cientista vivo mais citado em trabalhos científicos no mundo). É conhecido como o pai da Linguística Moderna, especialmente por sua Teoria da Gramática Universal.
  • 17. capítulo 1 • 17 É muito importante que você compreenda que uma língua é, ao mesmo tempo, um fenômeno cognitivo e individual (uma Língua-i) e um fenômeno coletivo e sociocul- tural (uma Língua-e). Embora nem sempre usemos os termos chomskianos, essa dualidade está lá inevitavelmente todas as vezes em que falamos sobre as línguas. Aquisição da linguagem Para que você compreenda a dramática situação sociocognitiva em que se encontra um bebê na fase de aquisição da linguagem, vamos liberar a imaginação com a seguinte história fantástica: Suponha que você seja abduzido por alienígenas. Você acordaria em uma galáxia distante, cercado de criaturas diferentes, cujos comportamentos você não com- preende. Apesar de toda a estranheza inicial, não lhe seria difícil notar que tais criaturas possuem uma espécie de orifício em sua extremidade superior (algo como uma boca), de onde certos sons são regularmente emitidos. Com um pouco de observação, você consegue perceber que esses estra- nhos seres parecem se comportar de alguma maneira relacionada aos sons que trocam entre si. Por exemplo, você vê um ser alto emitindo sequências de sons enquanto um baixinho o observa. Ao final da produção de sons, o baixinho se desloca no espaço, toma um objeto para si e o leva até o altão, como se tivesse cumprido um pedido ou uma ordem. Para você, parecerá coerente concluir que os sons compartilhados entre es- ses alienígenas sejam uma espécie de sistema de comunicação e, para conseguir descobrir o que aconteceu consigo, onde está, quem são essas criaturas etc., você terá de aprender a usar esse sistema. Tal tarefa não será nada fácil, pois você não contará com nenhum professor de “alienígena para terráqueos”, nenhum livro ou curso preparatório e, além disso, o aparente sistema de comunicação usado por aquelas criaturas não é semelhante a nenhum outro que você já tenha visto antes... Se você conseguiu compreender o quão dramática seria essa situa- ção, está apto a entender que a aquisição da linguagem pelos bebês e pelas crianças é um autêntico milagre do mundo biocultural. Note bem: os bebês chegam a um mundo completamente desconhecido, retirados que foram do aconchegante útero materno. Esse mundo é povoado por seres estranhos ao bebê (os seres humanos) cujo comportamento pare- ce estar estreitamente relacionado aos sons que todos trocam entre si. Tais sons mais parecem ao bebê uma grande confusão, um continuum de ruídos quase indecifráveis. Afinal, como um bebê poderia identificar, no fluxo da fala humana, onde um som termina e o outro começa? Idioma: Quando dizemos que o russo é a língua da Rússia ou que o chinês é a língua da China, entendemos língua como esse fenômeno desincorporado dos falantes, a Língua-e. Da mesma forma, essa língua se refere a um fenômeno cuja existência é externa às pessoas e, nesse caso, do qual elas devem se apropriar: as línguas do ambiente. Uma criança nascida no Paraguai pro- vavelmente aprenderá a falar espanhol e guarani, ou seja, as línguas do ambiente. Bebês: Já ao nascer, os bebês parecem ser muito espertos e, para eles, não é difícil deduzir que os sons emitidos pelas cria- turas que o circundam constituem, na verdade, um sistema de comunicação. CURIOSIDADE CURIOSIDADE EXEMPLO RESUMO
  • 18. 18 • capítulo 1 Talvez tenha sido em razão disso que o famoso psicólogo de Har- vard, o canadense Steven Pinker, denominou tal fenômeno como instin- to para a linguagem: um bebê humano rapidamente “compreende” que precisa dominar esse sistema para descobrir o que os seres ao seu redor dizem e também para que ele próprio possa dizer alguma coisa e comu- nicar-se com as outras pessoas. Mas bebês e crianças estão, em grande parte, quase sozinhos no interior de suas mentes durante a odisseia pela descoberta e pelo do- mínio da língua do seu ambiente. Eles não possuem um professor particular de “língua humana para bebês recém-nascidos” e, o que é mais grave, o seu cérebro é ainda um protocérebro, ou seja, apenas um rascunho do potente processador de informações que é o cérebro de um indivíduo maduro. Usamos a palavra “milagre” para descrever a aquisição da lingua- gem pelos bebês e pelas crianças porque, apesar de todas as dificul- dades que descrevemos, os pequenos humanos conseguem dominar a língua de seu ambiente, para a compreensão e a produção da lin- guagem, com extrema eficiência e em um intervalo de tempo incrivel- mente pequeno, que não ultrapassa três ou quatros anos. As crianças pequenas sequer parecem fazer esforço cognitivo para adquirir a sua língua materna. De fato, a aquisição da lingua- gem é muito mais algo, que simplesmente, acontece com os bebês e com as crianças – e não algo que elas façam deliberadamente com o seu pequeno cérebro em formação. A par de ser um fenômeno sociocognitivo extraordinário, a aquisição da língua do ambiente (ou das línguas do ambiente, no caso das comunidades bilíngues ou multilíngues) é um dos eventos mais importantes na vida de um ser humano. Esse fenômeno é, ao mesmo tempo, a porta de entrada para as relações sociais huma- nas, que são quase sempre mediadas pela linguagem, e a janela para o aperfei- çoamento cognitivo individual, uma vez que grande parte da cognição humana se utiliza da linguagem como instrumento de desenvolvimento e de complexificação. Na verdade, o que chamamos de aquisição da linguagem é um fenô- meno duplo que envolve a aquisição de dois diferentes tipos de habili- dades sociocognitivas. Vejamos isso com mais detalhes. Um tipo particular de aquisição da linguagem é aquele que denomina- mosaquisiçãoemsentidoamploouaquisiçãodalinguagemlatosensu.Em seu sentido amplo, adquirir linguagem significa apropriar-se das habilida- des de comunicação, expressão e interação social. Esse tipo de aquisição demanda dos bebês e das crianças a absorção dos aspectos mais gerais da linguagem, tais como a interação sociocomunicativa, a organização de conceitos e de pensamentos, e envolve, também, o desenvolvimento das noções de autoconsciência e de individualidade nas relações humanas. AUTOR Steven Pinker: Steven Arthur Pinker nasceu em Montreal (1954), é linguista e psicólogo da Universi- dade de Harvard. Escreve sobre lingua- gem e ciências cognitivas e foi nomeado uma das 100 pessoas mais influentes pela revista Times. RESUMO
  • 19. capítulo 1 • 19 O outro tipo de aquisição da linguagem é muito mais específico e, por isso mesmo, denomina-se aquisição em sentido restrito ou aquisição da linguagem stricto sensu. Em seu sentido restrito, adquirir linguagem significa apropriar-se do léxico e do sistema combinatório existentes na língua do ambiente. Esse tipo de aquisição demanda dos bebês e das crianças a habi- lidade de discriminação perceptual e de articulação intencional de toda a maquinaria gramatical necessária ao funcionamento da lín- gua. Na aquisição stricto sensu, a criança adquire, de fato, o aparato linguístico formal que estará a serviço das interações sociais e da or- ganização cognitiva do indivíduo em desenvolvimento. Se você já entendeu a diferença entre aquisição da linguagem lato sensu e stricto sensu, podemos, agora, falar um pouco mais so- bre a aquisição em sentido restrito. Um dos fatos mais intrigantes a respeito do processo de aquisição do léxico e do sistema combinatório da língua do ambiente é que ele parece ser universal. As fases pelas quais passam os bebês e as crian- ças durante a aquisição stricto sensu são muito semelhantes em todas as culturas do mundo, seja qual for a língua do ambiente e o nível de inteligência geral da criança. Isso quer dizer que todas as crianças parecem atravessar as mesmas etapas nos mesmos estágios de de- senvolvimento biológico, desde o nascimento até o domínio comple- to da língua, estejam onde estiverem, em qualquer classe social e sob qualquer tipo de cultura. Não obstante, o grande salto qualitativo na produção linguística dos bebês ocorre aos 12 meses, quando eles já são capazes de produ- zir suas primeiras palavras reconhecíveis como tais. Essas são, na ver- dade, mais do que simplesmente “palavras”, pois sempre assumem o valor de uma frase completa inserida em um contexto discursivo. In- dependente da língua do ambiente, as primeiras palavras produzidas por uma criança são sempre monossilábicas e seguem uma estrutura [consoante + vogal]. Em pouco tempo, essa estrutura vai tornando-se cada vez mais complexa e caminha em direção à complexidade exis- tente na fala adulta. Por exemplo, uma criança brasileira pode dizer algo como “bó” para significar uma frase inteira, como “olhe, a bola”, conforme o contexto permita compreender. Pou- cos meses depois, “bó” ganhará complexidade fonológica e tomará a forma con- vencional de “bola”. O mesmo fenômeno pode ser observado com as centenas de outras palavras que as crianças adquirem durante essa fase, que os linguistas nomeiam de fase holofrástica. Com pouco menos de 24 meses, as crianças já atingem a fase de duas palavras (também chamada de fase sintagmática). Nessa etapa de Universal: Na aquisição da linguagem lato sensu, a criança adquire, na verda- de, os fundamentos da interação entre os humanos: os valores e as ações imbricados nos usos da linguagem, a própria noção de si, a percepção do(s) outro(s), os modos de interagir social- mente e assim por diante. Já ao nascer, todas as crianças nor- mais balbuciam no ritmo da sua língua ambiente. Na verdade, algumas pesqui- sas recentes descobriram que o choro de bebês recém-nascidos transcorre conforme o ritmo e a melodia da língua que a circunda (Wermke et al., 2011). Esses fatos parecem indicar que a aquisição da linguagem tem início ain- da no útero materno, quando aspectos sonoros da língua do ambiente (como o ritmo, a entoação e o acento) já pare- cem ser discriminados pelo feto. CURIOSIDADE Seu bebê chora em que língua? Roberto Lent – ufrj MULTIMÍDIA EXEMPLO
  • 20. 20 • capítulo 1 seu desenvolvimento linguístico, frases com estruturas do tipo sujei- to e predicado semelhantes às dos adultos começam a ser produzidas pelos bebês. São frases como “qué papá”, “mais colinho”, “meia pa- pai” e “banho não”. O interessante é que os enunciados produzidos pelos bebês durante a fase sintagmática não são apenas uma combi- nação entre duas palavras soltas. Pelo contrário, tal como ocorre na fase holofrástica, essas palavras também assumem o valor de um ato comunicativo completo, cuja interpretação é dependente do contex- to interacional e comunicativo. Por volta dos 30 meses de vida, as crianças já conseguem criar frases com extensão ilimitada, compostas por três, quatro, seis, nove, dez palavras... Interessantemente, ao longo dessa fase, cha- mada de fase telegráfica, artigos, preposições, conjunções e pro- nomes estão ainda ausentes na fala infantil. Com efeito, até o ter- ceiro ano de vida, as palavras que as crianças inserem em frases e textos são sempre itens de conteúdo referencial, como substantivos, adjetivos e verbos. É possível dizer que, por volta dos 4 anos de vida, a língua que uma criança domina para a produção e para a compreensão da linguagem é indistinguível da língua de um adulto. As únicas diferenças, é claro, dizem respeito aos aspectos linguísticos que envolvem letramento, escolarização e certas regras de comportamento social que se desen- volvem posteriormente, na adolescência e na vida adulta. Conteúdo referencial: As partículas gramaticais (como a preposição, por exemplo), que pos- suem conteúdo puramente formal, só emergem na fala das crianças, de modo consistente, a partir dos 36 meses de vida – embora haja intensas variações individuais sem causa aparente regis- tradas pelos cientistas. CURIOSIDADEAQUISIÇÃODALINGUAGEM PRIMEIROS MESES DE 12 A 24 MESES DE 24 A 36 MESES 1) Na fase inicial, a criança se comunica pelo choro (dor, fome, frio etc.); 2) 6 semanas – choros diferenciados e sons guturais/primitivos, aparecem as primeiras vogais; 3) 18 semanas – aparecem as primeiras consoantes (p, b, k, g) e o balbucio; 4) Até os 8 meses o balbucio se caracteriza pelo dobramento de sílabas (“mama”, p. ex.) e pela imitação de sons produzidos por ele e por adultos. 1) Começa a utilizar as primeiras palavras, ainda sem o mesmo formato das pronunciadas por adultos (“papá”, p. ex.); 2) Reconhece nomes de alguns objetos, compreende ordens simples; 3) Vocabulário passa de 50 palavras, a aquisição de novas é diária; 4) Começa a produzir frases curtas (“qué papá”, p. ex.); 5) Adapta as palavras aos sons que conhece (como “tapéu” para “chapéu”, p. ex.). 1) Uso constante de linguagem telegráfica; 2) Começa a utilizar partículas gramaticais (artigo, preposição etc.); 3) Forte expansão do vocabulário; 4) Começa a distinguir singular/plural, masculino/feminino; 5) Produz todos os fonemas; 6) Toma consciência do ritmo de fala, entonação (frases interrogativas, p. ex.).
  • 21. capítulo 1 • 21 Infelizmente, parece exis- tir um fim para o período da aquisição da linguagem. Isto é,oshumanosnãopodemad- quirir a língua do ambiente tão rapidamente e sem esfor- ço em qualquer momento de sua vida, da infância à velhi- ce. O neurocientista alemão Eric Lenneberg denominou período crítico (ou idade críti- ca) a fase de desenvolvimento físico e cognitivo humano no limite da qual a aquisição da linguagem deve acontecer. Há muitas discussões sobre qual seria o fim des- sa fase, mas, como existem muitas variações individuais no desenvolvimento humano, não é pos- sível defini-lo com precisão. A maioria dos estudiosos aponta a puber- dade, por volta dos 12 ou 13 anos, como o momento em que “a janela automática” para a aquisição da linguagem se fecha. A partir de então, a aquisição da linguagem não é mais possível, e tudo o que podemos fazer para dominar uma (nova) língua é aprendê-la por meio de estudos formais em escolas ou cursos de idioma. A linha divisora entre aquisição e aprendizado é justamente a idade crítica. Formas e funções linguísticas Muito bem, já sabemos diferenciar linguagem e língua, compreende- mos as dimensões cognitiva e sociocultural de uma língua natural e te- mos noção da pequena epopeia que cada ser humano atravessa, em ten- ra infância, ao longo da aquisição da(s) língua(s) de seu ambiente. Mas e se perguntassem a você para que serve uma língua (como o português), qual seria a sua resposta? Muito provavelmente, você diria algo como "para permitir a comunicação entre as pessoas". Em essência, tal res- posta está correta. Contudo, a pergunta é mais complexa do que parece, de tal modo que é preciso esmiuçá-la um pouco mais. Façamos isso. A questão para que serve uma língua pressupõe dois conceitos fun- damentais: (1º) as línguas possuem um conjunto de formas e (2º) cada uma dessas formas “serve” para algum fim, isto é, cada forma linguísti- ca possui uma dada função ou um conjunto de funções. As formas exis- tentes em uma língua podem ser também denominadas estrutura. Quando estudamos linguística e falamos dos aspectos formais de uma língua, estamos fazendo referência exatamente a essa aparato O conceito de aquisição opõe-se ao de aprendizado porque a aquisição da linguagem ocorre na infância de maneira espontânea, natural e mesmo involuntária, enquanto o aprendizado de línguas estrangeiras demanda do adolescente e do adulto esforço consciente e instrução mais ou menos formal. AUTOR Eric Lenneberg: Eric Heinz Lenneberg (1921-1975), alemão, foi um linguista e neurocientista pionei- ro nos estudos de aquisição da lingua- gem e psicologia cognitiva, em especial do inatismo. Curiosamente, residiu no Brasil durante sua adolescência, quando sua família fugia do nazismo. CONCEITO Estrutura: Trata-se da superfície ou do meio concreto, material, pelo qual uma língua se realiza nos atos de fala humanos. Por exemplo, uma palavra (como “casa”) e uma estrutura sintática (como “esta é minha casa”) são ilustrações de formas que usamos quando produzimos e com- preendemos enunciados em uma língua. o automóvel derrapou Det N SN SV V F
  • 22. 22 • capítulo 1 estrutural que precisamos utilizar para que a língua tome vida em um ato linguístico qualquer. Por outro lado, sabemos que as formas de uma língua não existem por si mesmas. Com efeito, a razão de ser de cada forma linguística é desempenhar determinada função. Para que você entenda melhor a dualidade entre forma e função, veja o quadro a seguir: OCORRÊNCIA FORMA FONÉTICA PROSÓDIA VOZ VERBAL FORMAÇÃO DE PALAVRAS FUNÇÃO a) Ex.: forma [s] b) Ex.: forma [f] c) Ex.: forma [m] a) Ascendente b) Descendente Acréscimo de sufixo diminutivo Ex.: [casa], [casinha] a) Voz ativa Ex.: “João cometeu erros” b) Voz passiva Ex.: “Erros foram cometidos” Contraste na significação a) [sorte] b) [forte] c) [morte] a) Formular pergunta “João saiu?” b) Formular declaração “João saiu!” a) Demonstrar afeto b) Demonstrar desprezo a) Destacar o responsável b) Esconder o responsável Uma forma linguística (um som, uma entonação, um sufixo, uma voz verbal etc.) é a maneira pela qual uma dada função se realiza materialmente na língua. Se você compreendeu o que são formas e funções linguísticas, tal- vez possa, agora, repensar a sua resposta à questão para que serve uma língua (como o português)? Na verdade, as formas existentes em uma língua se prestam a inúmeras funções. Não é possível descre- ver todas elas neste capítulo, mas podemos dizer a você que, em sua maioria, as funções a que se destinam as formas linguísticas são emi- nentemente comunicativas. É por isso que importantes estudiosos, como o já citado Steven Pinker, acreditam que as línguas “servem” para a comunicação huma- na. Não obstante, cientistas não menos ilustres, como o também já men- cionado Noam Chomsky, um dos linguistas mais influentes de todos os tempos, destacam outras funções linguísticas que são tão importantes CURIOSIDADE Função: O escritor Graciliano Ramos (1892-1953) compreendeu isso perfeitamente ao afirmar que “A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”. No caso, “o dizer da palavra” é justamente a sua função. Em outras palavras, uma forma linguística não existe senão para provocar algum efeito de significado ou de sentido, isto é, uma forma não existe senão pela sua função.
  • 23. capítulo 1 • 23 ou ainda mais vitais do que a comunicação, tais como a organização do pensamento e a criação do conhecimento individual. Isso quer dizer que, ainda que a comunicação possa ser a primei- ra e mais fundamental função das línguas, não podemos desprezar as outras funções, tais como a metacognitiva, isto é, a função de organização do pensamento, e a instru- mental, ou seja, a função de adquirir e organizar outros tipos de cognição, como o conhecimento ma- temático, o conhecimento sobre a História, o conhecimento sobre as relações sociais etc. Atento à natureza comunicativa das línguas, Karl Bühler foi um dos primeiros a tentar sintetizar, de maneira esquemática, as corre- lações entre linguagem e comunicação. Foi ele que destacou que os usos da linguagem pressupõem (1) um emissor, (2) uma mensagem e (3) um destinatário. Esse modelo tripartido de comunicação se tornou mais complexo na análise do linguista russo Roman Jakobson, que introduziu as noções de (4) referente, de (5) canal comunicativo e de (6) código linguístico. É desse modelo de Bühler e Jakobson que se derivam as famosas funções da linguagem, que são amplamente estudadas no ensino es- colar: (1) a “função emotiva”, em que o emissor da mensagem se des- taca; (2) a “função poética”, em que a própria mensagem transmitida é destacada; (3) a “função conativa”, na qual o destinatário da mensa- gem assume a função central; (4) a “função referencial”, em que o re- ferente é o foco da comunicação; (5) a “função fática”, em que o canal comunicativo é meramente testado e (6) a “função metalinguística”, em que se estabelece quando é o próprio código linguístico (a língua) o fator de destaque na comunicação. Na realidade, as funções linguísticas, entendidas como as funções que determi- nadas formas podem desempenhar nos usos da língua, são muito mais nume- rosas do que essas seis. Todavia, tal modelo parece ser um bom caminho para começarmos a entender as funções comunicativas e expressivas que as formas da linguagem humana podem desempenhar. Se você for uma pessoa curiosa, talvez tenha pensado: será que exis- te alguma relação natural entre determinada forma e sua respectiva função? Ou será que formas e funções linguísticas são associadas de De fato, muitas vezes, nós, humanos, usamos a língua internamente, em voz alta ou em silêncio, como se falássemos com o nosso próprio eu – e isso, é claro, não pode ser considerado literalmente comunicação. AUTOR AUTOR Karl Bühler: Karl Bühler (1879- 1963), linguista e psicólogo alemão, sistematizou as funções da linguagem tomando como ponto de partida a representação – característica, por excelência, da língua. Roman Jakobson: Roman Osipovich Jakobson (1896-1982) foi um pensador rus- so que se tornou um dos mais renomados linguistas de todos os tempos, cujos conceitos ainda são usados e pesquisados. Jakobson esteve no Brasil nos anos 1970. RESUMO
  • 24. 24 • capítulo 1 uma maneira um tanto imprevisível que precisam ser memorizadas pelos falantes de determinada comunidade? Boa pergunta. Na verdade, esse é um questionamento milenar que remonta à antiga Grécia clássica. Os filósofos gregos que se dedicavam ao es- tudo da linguagem dividiam-se, basicamente, entre os analogistas e os anomalistas. Em termos muito simples, os analogistas afirmavam que as formas da linguagem eram análogas às suas funções e era so- mente em razão da passagem do tempo que, para as novas gerações de falantes, a analogia entre forma e função deixava de ser percebida. Por seu turno, os anomalistas sustentavam que as relações entre forma e função sempre foram totalmente acidentais e improvisadas, um verdadeiro acordo social tacitamente estabelecido entre os falan- tes de uma língua humana. Contemporaneamente, a controvérsia entre analogistas e anomalistas é reanalisada na oposição iconicida- de versus arbitrariedade. Vejamos o que é isso. Arbitrariedade Dizer que uma forma está arbitrariamente associada a uma função signi- fica assumir que não é possível deduzir espontaneamente a que função determinada forma se presta. Sendo assim, torna-se preciso aprender e memorizar, caso a caso, a correspondência entre cada forma e sua respec- tiva função em uma dada língua, tal como apregoavam os anomalistas. A Escola de Atenas é uma das mais famosas pinturas do renascentista italiano Rafael e representa a Academia de Platão. Foi pintada entre 1509 e 1510 sob encomenda do Vaticano. IMAGEM
  • 25. capítulo 1 • 25 Um bom exemplo disso é a relação existente entre o significante (forma) e o significado (conteúdo) de cada uma das palavras do léxico do português. Só sabemos que a forma [kaza] (que escrevemos “casa”) deve ser associada ao conteúdo [tipo de moradia] porque aprendemos isso durante a aquisição da linguagem. Mas a relação entre forma e conteúdo nessa palavra é totalmente arbitrária, isto é, não é natural ou motivada por algum princípio lógico. Isso tanto é verdade que, em outras línguas, o mesmo significa- do (conteúdo) pode ser codificado por outro significante (forma), tal como o termo “house”, que em inglês é a forma correspondente do conteúdo [tipo de moradia]. Por exemplo, a aparência física de uma “casa” não se assemelha em nada à forma [kaza], em portu- guês, ou à forma [hauz], em inglês. Com efeito, a língua portuguesa, no curso de sua história, poderia ter escolhido arbitrariamente qual- quer outra forma para expressar o conceito [tipo de moradia]. A esco- lha por [kaza] foi arbitrária. Vejamos outros exemplos de ar- bitrariedade entre forma e função. Em língua portuguesa, a forma de entonação ascendente ao fim da frase desempenha a função de formular perguntas. Dizemos que a relação entre essa forma e essa função é arbitrária porque não há nada natural entre uma subida melódica e a “expressão de pergun- tas”. Trata-se de uma associação arbitrária que todos os falantes do português precisam aprender e memorizar. Também a sequência “sujeito > verbo > objeto” (svo) é uma for- ma arbitrária de codificar, em uma dada frase, a relação entre um agente, uma ação e um paciente. Embora a nós, falantes de portu- guês, pareça razoável pensar em codificar os participantes de uma ação na ordem “quem fez o que a quem”, não existe nada que torne essa ordem “mais natural” do que outra: trata-se, novamente, de uma arbitrariedade. Iconicidade Pelo que expusemos, você talvez já possa deduzir que a iconicidade é o justo oposto da arbitrariedade. Sendo assim, uma forma é icônica quan- do reflete, com clareza, a função a que se destina, conforme pensavam os analogistas. Um rápido exemplo pode bem ilustrar o conceito. Em outras palavras, ao afirmarmos que uma forma é arbitrária em relação à sua função, estamos dizendo que não existem semelhanças entre o feitio de determinada forma e o seu respectivo conteúdo. Sequência: De fato, a maioria das línguas do mundo apresenta a ordenação “sujeito > objeto > verbo” (sov) e, assim, codifica na frase os participantes de uma ação na sequência “quem fez a quem o quê”, em outro tipo de seleção arbitrária. A título de curiosidade, o japo- nês é uma língua sov; o mandarim, svo. CURIOSIDADE
  • 26. 26 • capítulo 1 Imagine que uma pessoa lhe tenha apresentado desculpas por determinado incômodo. Essa pessoa teria discursado por um lon- go tempo, mas, ao fim e ao cabo, não teria dito nada que, de fato, reparasse o problema. Você poderia descrever a tediosa conversa com essa pessoa dizendo algo como “Fulano falou, falou, falou e não disse nada”. Ora, nessa frase a repetição do verbo “falar” é pra- ticamente um ícone, isto é, um representação evidente do fato de a pessoa ter falado repetidamente. Trata-se, portanto, de uma forma (um verbo repetido) que, com clareza, reflete a sua função (indicar a repetição de um ato). Outro exemplo de iconicidade é o alongamento de vogais que podemos usar em determinada palavra quando queremos enfati- zar o tamanho ou a duração de algo. Se você quer dizer que alguma coisa é exageradamente grande, pode dizer algo como “Era muito graaaaaaaaaaande”. Mais uma vez, a forma (alongamento da vogal) reflete, claramente, sua função. Também no plano do léxico, na re- lação entre significante e significado, existem casos de iconicidade. Trata-se das famosas onomatopeias: palavras cuja forma se asseme- lha ao conteúdo representado. As relações icônicas entre forma e função são bastante regula- res, tanto que há muitos estudiosos, não por acaso denominados funcionalistas, que defendem a ideia segundo a qual as formas exis- tentes nas línguas, em grande medida, refletem as funções a que se destinam. A motivação funcional para a existência de certas formas pode ser, de fato, encontrada em todos os domínios de uma língua, tal como vemos nos seguintes exemplos do português: Onomatopeias: A forma “tique-taque” possui uma ex- pressão fonética parecida com o som das batidas de um relógio. Da mesma maneira, “miar” é um verbo inspirado na forma acústica do miado dos gatos. “Tim-tim” é um substantivo que, iconi- camente, representa o som produzido pelo rápido toque entre taças quando se faz um brinde. CURIOSIDADE EXEMPLO Fonologia Pense na palavra “sussurrar” que se parece com os sons emitidos quando alguém su... ssu... rra. Morfologia Pense, por exemplo, nas palavras compos- tas, como “saca-rolha”, “guarda-roupa”, cujas funções são rapidamente dedutíveis pela análise de suas formas constituintes. Semântica Lembre-se de expres- sões como “pé-da-me- sa” ou “braço da cadei- ra”, que transferem para objetos a estrutura do corpo humano e, assim, iconicamente, permitem a codificação formal de suas funções. Sintaxe Tal como se vê na famo- sa sequência atribuída ao romano Júlio César, “Vim, vi e venci”, que re- flete, de forma icônica, a sequência temporal com que os atos se de- ram: o general primeiro veio, depois, viu para, enfim, vencer. Se você está curioso para saber quem vence a batalha entre analogis- tas e anomalistas, saiba que temos, aqui, um empate técnico. As línguas humanas estão repletas de casos claros de arbitrariedade e casos eviden- tes de iconicidade. Ambos os fenômenos são encontrados em todas as línguas quando cotejamos formas e funções.
  • 27. capítulo 1 • 27 Com efeito, a análise mais interessante que os cientistas da lingua- gem vêm apresentando ao longo dos últimos anos é interpretar a rela- ção entre arbitrariedade e iconicidade em uma espécie de continuum, isto é, como uma sequência gradual de várias etapas que separam um extremo de arbitrariedade, de um lado, e um extremo de iconicidade de outro – mais ou menos como representamos a seguir: [+ icônico] → [+/- icônico] → [+/- arbitrário] → [+ arbitrário] Sendo assim, não devemos pensar que as relações entre forma e função em uma língua sejam sempre uma questão de tudo ou nada; ou temos arbitrariedade ou temos iconicidade. A escalaridade parece ser uma boa chave para entendermos a dualidade forma e função. Pense, por exemplo, que, no uso de uma língua como o português, podemos desli- zar rapidamente da forma dos substantivos para a forma dos adjetivos, dependendo da função de um item no interior de um contextosintático. Em suma, você deve ter em mente que a gradiência no mapeamen- to entre formas e funções linguísticas ocorre de maneira generalizada tanto no léxico quanto na gramática de uma língua. A linguagem humana em ação Para finalizarmos este capítulo, passemos a descrever e analisar alguns fenômenos sociocognitivos que ganham vida todas as vezes em que colocamos a língua em ação nas inúmeras tarefas comuni- cativas e interacionais de nossa vida cotidiana. Antes de iniciarmos essa análise, devemos explicitar que existem duas modalidades fun- damentais no uso da linguagem humana: a produção e a compreen- são. Além disso, não podemos nos esquecer de que, em sociedades letradas, como é o caso da maior parte das comunidades brasilei- ras, a língua pode se realizar pelo canal oral ou pelo canal escrito. Sendo assim, as quatro habilidades sociocognitivas envolvidas no uso de uma língua natural são a produção oral, a compreensão oral, a produção escrita e a compreensão escrita. Comecemos pela produção linguística. Essa habilidade demanda do falante (ou do escritor) uma série de tarefas cognitivas que se ar- ticulam dinamicamente ao contexto social da interação linguística. Por exemplo, para produzir a fala (ou a escrita), uma pessoa deve, primeiramente, selecionar de sua memória de longo prazo os itens lexicais que expressarão os conceitos que deseja veicular no ato de linguagem. Essa seleção de palavras na mente é o que os psicolin- guistas chamam de planejamento de fala ou planejamento conceitual. Vejamos como isso ocorre. Contexto sintático: Vemos isso acontecer na célebre ci- tação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis: em [um autor defunto], “autor” é substantivo e “defunto” é adjetivo, mas, em [um defunto autor], “defunto” é substantivo e “autor” é adjetivo. Do mesmo modo, formas como “furado” podem ser analisadas como adjetivos ou como verbos (na forma de particí- pio), dependendo de sua função na frase, tal como vemos acontecer em “isso é papo furado” versus “a roupa foi furada pelo alfinete”, respectivamente. Na verdade, mesmo certas formas verbais, dependendo de sua função na frase, podem ser reanalisadas como substantivos, tal como acontece na expressão “sala de jantar”. EXEMPLO
  • 28. 28 • capítulo 1 Esquematicamente, podemos representar a produção linguística oral pela sequência ilustrada a seguir: Plano Conceitual → Seleção Lexical → Combinação Sintática → Expressão Fonética Você deve ter notado que acabamos de descrever a produção da fala fazendo com que ela parecesse semelhante à produção da escrita. Pelo que sugerimos, a diferença entre essas duas modalidades residiria no simples fato de que, na escrita, usaríamos grafemas para representar a expressão fonética do texto. No entanto, essa descrição é, na verdade, uma supersimplificação. De fato, a produção oral é muito diferente da produção escrita. De uma maneira bem re- sumida, podemos dizer que as pessoas, quando escrevem, estão muito mais conscientes do uso que fazem da linguagem, sendo, por isso mesmo, bem mais atentas e vigilantes tanto em relação ao que dizem quanto em relação a como dizem.
  • 29. capítulo 1 • 29 A tomada de consciência e a vigilância, comuns na produção es- crita, estão em flagrante contraste com o caráter mais espontâneo e automático da fala natural. Não é por outra razão que a escrita fluen- te, típica das pessoas bem escolarizadas e treinadas nessa arte, de- manda muitos anos de aprendizado formal, desde a alfabetização até o letramento profundo na vida adulta. Por sua vez, a produção fluente da fala emerge já em crianças bem pequenas e se torna visível em qualquer conversa oral entre humanos, independente da escolarização ou do letramento dos sujeitos falantes. Portanto, atente para essa ressalva: apesar de os mecanismos básicos envolvi- dos na produção oral e escrita serem semelhantes, falar e escrever são fenôme- nos sociocognitivos dramaticamente diferentes. No eixo da compreensão linguística, o ouvinte (ou leitor) deve per- ceber as formas manifestadas no sinal da fala (ou da escrita) de seu interlocutor para, então, acessar, em sua memória de longo prazo, os conteúdos por elas evocados. Podemos dizer que a compreensão é o espelho invertido da produção. Vejamos por quê. Na produção linguística, começamos com um plano conceitual. Esse plano nos leva a dizer certas coisas por meio de dadas palavras, as quais são inseridas nas frases que conduzem os textos. Já na compreen- são da linguagem, tudo começa pela detecção, nos textos, dos elementos do ato linguístico, tais como frases e palavras. É com base na identificação desses elementos que se torna possí- vel compreender o plano conceitual e os valores comunicativos que move- ram a produção do interlocutor. Mais uma vez, as semelhanças en- tre oralidade e escrita estão aqui exa- geradas. No caso, a especificidade da compreensão da escrita diria respeito, de maneira muito simplifica- da, apenas à decodificação ortográfica (leitura) que faria a função da percepção fonética. Infelizmente, não podemos tratar de tantos detalhes no espaço li- mitado deste capítulo, mas, se você estiver interessado em compreen- der as minúcias que diferenciam oralidade e escrita, sugerimos a leitu- ra do excelente livro Os neurônios da leitura (2012), do neurocientista francês Stanislas Dehaene. Para sintetizar o que acabamos de dizer sobre a produção e a compre- ensão linguística, a figura a seguir parece ser um bom recurso didático. RESUMO Na realidade, porém, a compreensão linguística pela leitura é muito mais complexa do que a “decodificação ortográfica” sugere. Os neurônios da leitura: Segundo o autor, as pesquisas realizadas pela psicologia cognitiva experimental comprovaram o centro de reconhecimento da palavra escrita no cérebro. Tal descoberta afeta profundamente as metodologias em- pregadas nas escolas, que deverão rever suas abordagens. LEITURA
  • 30. 30 • capítulo 1 A B Note que as setas que correm da esquerda para a direita indicam que o “plano con- ceitual” presente na mente de A é transformado na informação linguística veiculada para B. Por sua vez, B recebe essa informação linguística e, rapidamente, consegue interpretar os conceitos ali representados. A figura é interessante, também, porque, nela, podemos perceber que a produção e a compreensão da linguagem são auto- maticamente intercambiáveis no fluxo da fala normal. Pelas setas que correm da direita para a esquerda, notamos que, agora, é B quem produz a informação linguís- tica que será veiculada para A. A enunciação Na dinâmica da produção e da com- preensão da linguagem, o intercâm- bio de posições entre aquele que fala e aquele que ouve dá origem ao fenô- meno conhecido como enunciação. Na enunciação, a pessoa que pro- duz a fala (ou a escrita) é o enunciador – a primeira pessoa do discurso. Já a pessoa que compreende a fala (ou a escrita) é o enunciatário – a segunda pessoa do discurso, a quem a fala (ou a escrita) se destina. Chamamos de terceira pessoa, ou de não pessoa – em um termo interessante formu- lado pelo linguista francês Émile Benveniste –, os objetos e as pessoas sobre os quais falamos (ou escrevemos) durante a enunciação. Em termos linguísticos e comunicativos, é interessante notar que, na enunciação explícita na produção da linguagem, as chamadas pessoas do discurso (os pronomes pessoais que você, certamente, conhece das aulas de português) são, justamente, categorias linguís- ticas que indicam a figura da primeira pessoa (eu, nós), da segunda pessoa (você, vocês) e da terceira pessoa (ele, ela, eles, elas e todas as expressões referenciais, como os substantivos). EXEMPLO A enunciação deve ser compreendida como o ato de criação de um enunciado linguístico. AUTOR Émile Benveniste: Émile Benveniste (1902-1976) foi um linguista francês, cuja principal obra, Problè- mes de linguistique générale, ressalta a ideia de ocorrência de dois planos de enunciação – o da história e o do dis- curso –, através dos quais demonstra a oposição entre a “não pessoa” (terceira) e as “pessoas” (eu-tu).
  • 31. capítulo 1 • 31 É com base na existência do enunciador, do enunciatário e dos referentes do discurso que diversas expressões linguísticas são colocadas sob perspectiva du- rante a enunciação. Por exemplo, pronomes como [meu/minha/nosso/nossa] indicam a posse de algo em relação à primeira pessoa do discurso, enquanto pronomes como [seu/seus/sua/suas] indicam a posse relativa à segun- da pessoa, e expressões como [dele/deles/dela/delas] denotam a posse da terceira pessoa. Na verdade, mesmo o espaço ocupado pelas pessoas do discurso é posto em perspectiva durante a enunciação. Assim, ter- mos como [aqui/este] indicam o espaço da primeira pessoa, enquanto [aí/esse] denotam o espaço da segunda pessoa, e [lá/aquele] apontam o espaço do referente, o lugar da terceira pessoa. De maneira muito interessante, o próprio tempo que utilizamos quando produzimos e compreendemos a linguagem só assume algu- ma interpretação coerente quando é colocado sob perspectiva duran- te a enunciação. Desse modo, sabemos que [ontem] é um termo que denota um momento anterior ao tempo da enunciação, ao passo que [hoje] indica o momento que coincide com a criação do enunciado, enquanto [amanhã] marca um tempo futuro que acontecerá depois de a enunciação ter sido concluída. Para que você tenha uma boa noção de como pessoa, espaço e tempo são ca- tegorias linguísticas cujas referência e interpretação dependem, crucialmente, da enunciação, imagine que você esteja andando pelo centro de sua cidade, quando, de repente, encontra um bilhete que flutua em sua direção. Como pessoa curiosa, você abre o bilhete e encontra a seguinte mensagem: “Eu estive aqui hoje.” Ora, você será capaz de compreender o significado básico dessas expressões (afinal, é possível depreender do bilhete que “alguém esteve em algum lugar, em algum dia”), mas não será possível identificar o sentido do enunciado, justamente porque você não participou da enunciação – e, portanto, não conseguirá encontrar o referente da primeira pessoa (eu) nem poderá deduzir o lugar (aqui) que ela ocupava ao produzir o bilhete, tampouco descobrirá qual foi o tempo presente (hoje) naquela enunciação. Algo totalmente diferente aconteceria se o bilhete contivesse uma frase como “A presidente Dilma esteve na Prefeitura do Rio de Janeiro em 04 de maio”. Nesse caso, a identificação referencial da pessoa, do espaço e do tempo do enunciado não são totalmente dependentes do contexto estabelecido na enunciação. Sabemos apenas que a produção dessa frase ocorreu depois da visita da Presidente à Prefei- tura – e deduzimos isso em função do tempo verbal passado expresso em “esteve”. ATENÇÃO EXEMPLO Tempo futuro: Por que a frase “Fiado, só amanhã” é engraçada? Pela perspectiva da enun- ciação, esse dizer, na prática, torna a venda a crédito impossível: o “amanhã”, seja quando for lido, sempre desloca para o dia posterior – e assim por dian- te, ad infinitum. CURIOSIDADE
  • 32. 32 • capítulo 1 Das pessoas do discurso que são acionadas sempre que usamos a lin- guagem para a produção e a compreensão, a mais curiosa, em termos científicos, é a terceira. Como dissemos, a terceira pessoa é, na verdade, a não pessoa, isto é, é a ausência da primeira e da segunda pessoas. Tra- ta-se do referente discursivo de um dado uso da língua. A função referencial é, muitas vezes, considerada a mais pro- eminente dentre as funções da linguagem, já que os humanos ti- picamente usam a língua para falar do mundo, seus objetos, suas ações e pessoas. Todavia, a proeminência da “função referencial” pode nos passar a falsa ideia de que a linguagem humana, quando colocada em ação, seja essencialmente referencial. É bem verdade que muitos usos linguísticos são objetivos, isto é, focam-se no obje- to (terceira pessoa) de maneira puramente referencial. Entretanto, grande parte da experiência linguística humana é metafórica. Vejamos o que isso quer dizer. Função referencial x metáfora Nossa tradição escolar se esforça para nos fazer crer que o uso co- tidiano e comum da linguagem seja referencial, isto é, somos ensi- nados que, quando produzimos e compreendemos a fala e a escrita, fazemos referências a coisas e pessoas de maneira mais ou menos objetiva. A linguagem metafórica seria, então, característica dos usos linguísticos mais elaborados e artísticos, como a poesia e os roman- ces. Essa ideia é reforçada quando, na escola, estudamos as “figuras de linguagem” e ficamos com a impressão de que elas só acontecem nos textos literários. Na verdade, o uso metafórico da linguagem não é exclusividade da arte.Comefeito,todosossereshumanoscomuns,nodiaadia,também utilizam metáforas ao produzir enunciados linguísticos. Por exem- plo, quando dizemos alguma coisa como “Decidirei se vou ca- sar ou não só mais à frente ao longo da minha vida” estamos fazendo referência a uma realidade tem- poral (a passagem da vida) por meio de uma categoria espa- cial (a localização no espaço — “à frente”). Quando produzimos frases assim, estamos, na verdade, cruzando domínios de sentidos para fazer referência àquilo que queremos dizer. CONCEITO Referente discursivo: O já citado linguista Roman Jackob- son havia destacado a existência da não pessoa ao batizar com o termo “referencial” a função da linguagem que privilegia a terceira pessoa como o referente do discurso. No exemplo, estamos transferindo propriedades do espaço para fazer referência à noção de tempo. Precisamente é esse o princípio de toda a linguagem metafórica: a transferência de domínios de significados.
  • 33. capítulo 1 • 33 A linguagem metafórica é, na verdade, generalizada nos usos linguísticos. Podemos di- zer que ela é a regra, e não a exceção, quando produzimos e compreendemos a linguagem humana. Um uso de linguagem estritamente objetivo e referencial é raro. Só o encontra- mos em abundância no discurso científico das áreas da natureza, como a Física, a Química e a Biologia. Mesmo em outras áreas da ciência, como a Economia, encontramos fartos exemplos de linguagem metafórica em frases como “O mercado está aquecido”, “Os preços estão nas alturas”, “Esperamos uma queda brusca na taxa de juros” etc. Para os cidadãos comuns, em seu cotidiano linguístico, a metáfora é muito mais do que uma mera figura de estilo: ela é um produtivo recurso natural de pensamento e de linguagem. Para concluir Nesteprimeirocapítulo,começamosnossapequenaincursãopelofantásticoecomplexomun- do da linguagem humana. Aprendemos, aqui, diversos conceitos importantes, como a dife- rença entre linguagem e língua, a distinção entre Língua-i e Língua-e, as noções e as fases da aquisição da linguagem, a oposição entre formas e funções linguísticas e os fundamentos da linguagememação.Nossoobjetivo,aolongodocapítulo,foiapresentaravocêumavisãopano- râmicadosprincipaistemasefigurasdoestudocientíficodalinguagem,oqualtememcontaa interação dinâmica entre sociedade e cognição. Você terá boas oportunidades de ampliar seus conhecimentossobreoassuntoaoconsultarosvídeoseoslivrosqueindicamos.Bonsestudos! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS IMAGENS DO CAPÍTULO p. 11 Cloud Tainara Oliveira · Estácio p. 12 Ferdinand de Saussure Autor desconhecido · Wikimedia . cc p. 12 Nice dog Michael Sagmüller · stock.xchng p. 15 Quatro Paulo Vitor Bastos · Estácio p. 16 Noam Chomsky Duncan Rawlinson · Wikimedia . cc p. 17 Bandeira do Paraguai Domínio público p. 18 Steven Pinker Charles Gauthier · charlesgauthier.com p. 19 Bebês Paulo Vitor Bastos · Estácio p. 20 Pequeno Paulo Vitor Bastos · Estácio p. 20 Médio Paulo Vitor Bastos · Estácio p. 20 Grande Paulo Vitor Bastos · Estácio p. 21 Eric Lenneberg Autor desconhecido p. 22 Graciliano Ramos Autor desconhecido · Wikimedia . cc p. 23 Karl Bühler Autor desconhecido · cmu p. 23 Roman Jakobson Autor desconhecido · Wikimedia · cc p. 24 A Escola de Atenas Rafael Sanzio · Wikimedia · cc p. 26 Champagne Chin Chin Roger Kirby · stock.xchng p. 29 Os neurônios da leitura Stanislas Dehaene p. 30 Émile Benveniste Autor desconhecido · Jacket Magazine p. 31 Fiado Tainara Oliveira . Estácio CHOMSKY, N. O conhecimento da língua. Sua natureza, origem e uso. Lisboa: Caminho, 1986. DEHAENE, S. Os neurônios da leitura. Pará: Pense, 2012. PINKER, S. O instinto da linguagem: como a mente cria a linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 2003. SAUSSURE, F. [1916]. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix, 2004. WERMKE, K. et al. Cry Melody in 2 Month Old Infants With and Without Clefts. The Cleft Palate-Craniofacial Journal, v. 48, n. 3, p. 321–330, 2011.
  • 34.
  • 36. 36 • capítulo 2 Neste capítulo, vamos discutir as relações entre língua e usuários da língua. Para iniciar a abordagem desse assunto, leia o texto a seguir: Não tenho sabença, pois nunca estudei, apenas eu sei o meu nome assiná. Meu pai, coitadinho, vivia sem cobre e o fio do pobre não pode estudá. Você já conhecia esse texto? Consegue reconhecer o estilo de escrita des- se poeta? Quem escreveu esses versos foi Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, um dos mais aplaudidos poetas e compositores brasileiros, reconhecido inclusive internacionalmente. À primeira vista, você deve ter estranhado a linguagem empregada pelo poeta. Afinal, há várias palavras e construções que não estão em conformidade com a ortografia oficial da língua portuguesa, ou seja, com a linguagem exigida, por exemplo, pelas gramáticas normativas. Você acha que, por conta disso, Patativa do Assaré falava errado? Existe uma maneira certa de falar e escrever? São essas questões, entre ou- tras, que vamos discutir neste capítulo. Papel e status dos interlocutores na comunidade linguística A língua é, sem dúvi- da, o meio mais efi- caz de comunicação entre as pessoas. Por meio da língua, os seres humanos, de todos os tempos e lugares, estabeleceram e estabelecem relações sociais de diferentes manei- ras. Sendo assim, podemos afirmar que o uso da língua reflete, em parte, a estruturação de uma dada sociedade. AUTOR Antônio Gonçalves da Silva: Patativa de Assaré (Assaré, ce, 1909- 2002) alfabetizou-se aos 12 anos e, a partir de então, come- çou a fazer repentes e poemas. O nome “Patativa” faz referência a uma ave amazônica de canto triste e melódico. Antônio Gonçalves da Silva escreveu diversos livros, também foi nomeado cinco vezes Doutor Honoris Causa em universidades brasileiras. O uso da língua é elemento fundamental para a construção da sociedade. Língua e variação linguística 2
  • 37. capítulo 2 • 37 Em outras palavras, só existem as línguas porque existem seres humanos que as falam em sociedade, com propósitos diversos. E, ao estabelecer relações sociais – no trabalho, na escola, na igreja, no sindicato, na conversa informal e em várias outras instâncias –, a língua vai se moldando às necessidades comunicativas dos falantes e ao contexto da fala. Defato,asmudançasnasociedadecostumamprovocarmudançastam- bém nos sistemas linguísticos, pois todas as línguas naturalmente existem noseiodeumasociedade,quea(re)processaea(re)elaboracontinuamente. Propósitos da língua: exemplificando pela modalização Até o momento estamos falando de aspectos relacionados à língua e à sociedade. Para começar a aprofundar o tema, traremos uma breve noção sobre modalidade, que o ajudará a entender como o falante utiliza a língua para se relacionar com o contexto que o cerca. Entende-se por modalidade os recursos da língua utilizados para expressar a atitude do locutor, nos conteúdos, em relação ao interlocutor. Há dois tipos prin- cipais de modalidades: a epistêmica e a deôntica. Na modalidade epistêmica, com base no grau de conhecimento que possui, um falante expressa sua atitude em relação à verdade ou à falsi- dadedoconteúdodeseuenunciado.Osvaloresepistêmicospodemserde certeza, probabilidade ou possibilidade. Vamos a um exemplo? RESUMO RESUMO EXEMPLO Sistemas linguísticos: Com o advento da tecnologia, por exemplo, muitas pessoas inseriram em seus vocabulários palavras até então inexistentes ou de pouca frequência de uso. Assim, caminhando pela rua ou conversando, é comum ouvirmos que “Fulano acessou a web”, “torpedos foram trocados”, “novos tablets foram lançados”, “dá um google para ver” etc. CURIOSIDADE O estudante foi aprovado na disciplina. CERTEZA o locutor se compromete com a veracidade da informação O estudante deve ter sido aprovado na disciplina. PROBABILIDADE o uso de “deve” condiciona a verdade, o locutor infere que tenha ocorrido O estudante pode ter sido aprovado na disciplina. POSSIBILIDADE o locutor não assume compromisso em relação à verdade
  • 38. 38 • capítulo 2 Na modalidade deôntica, um locutor exprime juízos, procurando agir sobre o seu interlocutor, impondo, proibindo ou autorizando a realização de algo em um tempo necessariamente posterior ao dis- curso. Estabelece-se uma relação hierárquica entre locutor e interlo- cutor. Tradicionalmente, a modalidade deôntica divide-se em valores de obrigação e valores de permissão. Veja: “Saia daqui agora!” “Agora você não vai sair.” O valor modal de obrigação ocorre quando o locutor impõe ou proíbe a realização de uma ação ao interlocutor. “Só sai se terminar antes.” “Se terminar, você pode sair.” O valor modal de permissão ocorre quando o locutor define e/ou oferece escolhas ao interlocutor para realizar uma ação. A modalidade, tanto epistêmica quanto deôntica, serve para aten- der, como vimos, a necessidades comunicativas. Afinal, informar, descrever, contar, ordenar, permitir, proibir, impor etc. são ações típicas veiculadas pelas línguas humanas. Elas dependem da situação comunicativa e, muitas vezes, da intencionalidade do falante. Usamos a língua não só para nos comunicarmos e articularmos informações mas também para agirmos sobre nossos interlocutores e até mesmo para con- trolar o nível de comprometimento ou de verdade usado nas declarações que fazemos cotidianamente. Transformações na trajetória da língua: mudança e variação Esse processo de adap- tação da língua aos propósitos do falante, que não está restrito somente à modalida- de, provoca dois fenômenos naturais atestados em todos os lugares e em todos os tempos. Trata-se da mudança e da variação linguística (iremos enfatizar a variação ao longo deste capítulo). EXEMPLO RESUMO Mudança: A expressão vossa mercê, como sabemos, não é mais utilizada no português atual. Atualmente utiliza- mos o pronome você para substituir essa expressão. Portanto, houve um processo de mudança, transformando, ao longo do tempo, a expressão vossa mercê em você. CURIOSIDADE Por mudança, devemos entender as transformações sofridas pelas línguas ao longo do tempo.
  • 39. capítulo 2 • 39 Pesquisadores vêm estudando já há muito tempo essas transfor- mações na trajetória da língua, gerando um número bastante expres- sivo de publicações acerca desse assunto. Esses estudos, que têm como objetivo analisar as mudanças da língua ao longo do tempo, são chamados estudos diacrônicos. Veja o exemplo a seguir: “Este rrey Leyr nõ ouue filho, mas ouue tres filhas muy fermosas e amaua-as mujto. E huu dia ouuve sas rrazõoes com ellas e disse-lhes que lhe dissessem uerdade quall dellas o amaua mais”. Vocêconseguiulerotextoanterior?Qualfoiasuasensação?Sevocêima- ginaquesetratadeumtextoantigo,acertou!Essetexto,cujotítuloéLendado ReiLear, é datado do século XIII ou XIV. Ele serve para ilustrar como a língua mudaaolongodotempo,bastaverificarcomoeraaescritaséculosatrás… Variação linguística Voltando ao exemplo dado no início deste capítulo, no poema de Patativa do Assa- ré vimos palavras como sabença, assiná e estudá. Você deve ter percebido que, no português formal, gramatical, essas palavras equivalem a sabedoria, assinar e estudar. Aí está a ideia de va- riação, que pode ser compreendida como a face heterogênea da língua. Assim, da mesma forma como Patativa do Assaré utiliza a forma saben- ça para se referir a sabedoria, há outras formas que variam, e não somente em termos de ortografia, mas inclusive em termos vocabulares. Cariocas, porexemplo,falamchuvafinaenquantopaulistasfalamgaroa.Oportuguês doBrasil utiliza o termo ônibus, enquanto em Portugal falam autocarro. O tópico da variação, devido à sua relevância, chegou a ser poeti- zado pelos modernistas brasileiros. Manuel Bandeira, por exemplo, foi um crítico do modo artificial como alguns brasileiros tentavam imitar os estilos lusitanos, nas primeiras décadas do século xx: A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros Vinha da boca do povo na língua errada do povo Língua certa do povo Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil Ao passo que nós O que fazemos É macaquear A sintaxe lusíada... EXEMPLO No uso da língua em sociedade, muitas vezes há várias formas de se dizer a mesma coisa. Português do Brasil: Nossas favelas são conhecidas como bairros de lata em Portugal. Em Angola, que também tem a língua portuguesa como oficial, utiliza- se o termo musseque. Para saber mais sobre diferenças entre o português brasileiro e o português europeu, recomendamos uma visita ao site do Instituto Camões. CURIOSIDADE AUTOR Manuel Bandeira: Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (1886-1968) nasceu em Recife (pe). Juntamente com Oswald de Andrade e Mário de Andrade, formou o grupo de escritores mais importantes da Primeira Fase Modernista de nossa literatura. BANDEIRA, Manuel Estrela da vida inteira. 2 ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1970.
  • 40. 40 • capítulo 2 Em busca de uma língua essencialmente marcada por traços da cultura brasileira, os modernistas costumeiramente defendiam, de forma ávida, usos linguísticos característicos do Brasil, mesmo que não estivessem de acordo com o “português correto”. É por isso que Manuel Bandeira afirma que a “a língua errada do povo” era a “língua certa do povo”. Parece paradoxal, mas não é. O português vivo falado pelos brasileiros é, na opinião do modernista, a verdadeira língua do Brasil, que traduz um falar “gostoso”, segundo suas palavras. Enfim, mesmo que sem os termos técnicos que utilizamos, defendia-se a legitimidade da variação linguística. Voltandoaonossotema,osestudosdevariaçãolinguísticasãosempre feitos dentro de um recorte temporal específico, ou estudos sincrônicos. Sincronia, portanto, designa um estado específico da língua. Se um pesquisador se ocupar do estudo do pronome você no português do Brasil atual (ou até mesmo em todos os lugares da comunidade lusófona onde esse item é utilizado), dizemos que esse é um estudo sincrônico. Por outro lado, se analisa um determinado uso linguístico ao longo de décadas ou séculos, com o objetivo de descrever transfor- mações do item ao passar do tempo, então estamos diante de um estudo diacrônico. Por que a mesma língua é, também, diferente? A língua portuguesa era a língua falada/escrita pelas classes escolariza- das de Portugal. Aqui encontrou as línguas indígenas que, na fase inicial da colonização, formaram uma “língua de intercurso”: mistura de por- tuguês e línguas indígenas, que promovia a comunicação entre o coloni- zador europeu e os nativos indígenas. Em seguida, o povo que aqui se encontrava – índios, negros escraviza- dos e mestiços, praticamente todos sem acesso à escolarização formal – iaadquirindooidiomadePortugal.Esseidioma,aquinoBrasil,tornou-se também “mestiço”, sendo passado de pai para filho, com gerações apren- dendo e ensinando, de forma empírica, a língua portuguesa. Como se pode perceber, por falta de um ensino sistematizado para to- dos, grande parcela da população utilizava a língua oficial conforme suas próprias “regras”, de acordo com suas necessidades, e foi, pouco a pouco, promovendo variações na língua portuguesa. Surgia, assim, uma variante daquele português das elites escolarizadas: a língua falada pelo povo. Após mais de 500 anos de uso do português no Brasil, nada mais na- tural que a língua tenha passado por mudanças e apresente variações RESUMO EXEMPLO Escolarização formal: Somente após 300 anos, com a che- gada da família real, que a educação superior começou a fazer parte da nossa realidade: em 1808, surge o Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia. A elite bra- sileira (membros da Corte, membros da Igreja e filhos de grandes latifundiários), até então, só tinha por opção estudar na Europa. A primeira universidade brasileira surgiu em 1920, e foi chamada de Universidade do Rio de Janeiro (hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro). Mudanças: Um bom exemplo para vermos as mudanças é a inserção de palavras estrangeiras, como shopping. O uso da forma original (em inglês) dessa palavra é tão disseminado entre nós que praticamente não se utiliza uma forma correspondente em português (como “centro comercial”, por exemplo). Em outros casos, uma palavra estrangeira acaba sendo incorporada à língua. É o famoso “aportuguesamento”, como na forma ballet (francês) para balé. CURIOSIDADE CURIOSIDADE
  • 41. capítulo 2 • 41 conforme a região, a classe social e, até mesmo, conforme a idade dos falantes. Nesse contexto de mudanças e variações, há palavras e construções linguísticas que, embora ainda em uso, são cada vez mais escassas ou restritas a uma situação de alta for- malidade. Mesmo assim, tais usos são ensinados nas escolas, estão presentes em todas as gramáticas, são cobrados em exames, concursos etc. Vamos a um exemplo: EXEMPLO 1: “O ônibus já passara quando chegamos ao ponto” Caso em questão Regra gramatical Uso mais comum Emprego do pretérito mais-que-perfeito Emprega-se o pretérito mais-que-perfeito para assinalar um fato passado em relação a outro, também no passado A forma composta, com uso de verbo auxiliar: “O ônibus já tinha passado quando chegamos ao ponto” EXEMPLO 2: “Amanhã, pegá-lo-emos no horário” Caso em questão Regra gramatical Uso mais comum Colocação pronominal O uso de próclise em vez de mesóclise, ou uso de pronome reto em vez de oblíquo: “Amanhã, o pegaremos no horário”. “Amanhã, pegaremos ele no horário”. Emprega-se a mesóclise quando o verbo estiver no futuro do presente ou no futuro do pretérito do indicativo, desde que não se justifique a próclise. Por outro lado, há momentos em que estamos com nossos amigos, nossos familia- res, nossos grupos sociais. Nessas situações, é comum haver um uso menos formal da língua, que comumente é acompanhado por gírias, expressões populares etc. Esse uso, ao contrário do que muitos pensam, não é errado. Trata-se apenas de um uso diversifi- cado do idioma. Portanto, esses usos são naturais, seguem uma lógica própria e preci- sam ser respeitados, já que são igualmente úteis à comunicação. Assim como as culturas são diversas, as línguas (que são parte da cultura) também o são: os diversos domínios sociais atestam e influenciam o modo de fala e de escrita dos cidadãos. Assim, podemos afirmar que, em geral, os eventos de uma sala de aula ou de uma reunião de trabalho costumam ser mais monitorados do que as conversas espontâneas no seio familiar, por exemplo. Nessas situações práticas do dia a dia, invariavelmente se atesta o fenômeno da variação. Pense em como você se comunica com o professor na universidade e como você conversa com seus amigos ou com seus familiares. Não é diferente? Imagine um cartão de apresentação profissional com erros gramaticais. Inconcebível, não é? Pois então, em con- textos “monitorados”, o uso que um falante faz da língua oral ou escrita é “analisado”pelo ouvinte/leitor, como parte de um processo de legitimidade, de adequação e de pertinência do conteúdo ao sujeito que fala/escreve. EXEMPLO
  • 42. 42 • capítulo 2 Explorando mais o tema: variações dialetais Para nos aprofundar- mos no conceito de variação, falaremos agora das variações dialetais. Dentre os dialetos que mais chamam a atenção dos estudiosos da língua, estão os usos que se dão conforme a região (diatópicos) e conforme o estrato sociocultural (diastráticos). Variação diatópica (dialetal) No Rio de Janeiro, chama a atenção o “chiado” caracterís- tico da população ao pronunciar o “s” em determinadas posi- ções na palavra, como em “misto” ou “mais” (com som de x). Por outro lado, é próprio do fa- lar nordestino a abertura das vogais “e” e “o” antes da sílaba tônica, em palavras como “receita” e “morena”. Em São Paulo, o uso da palavra “guia” corresponde ao uso de “meio-fio” no Rio de Janeiro. Todos es- ses são exemplos de variação diatópica. Variação diastrática (sociocultural) A língua também varia conforme o grau de escolaridade do falante, pela cultura familiar, pela situação financeira, por grupos profissionais e so- ciais específicos e, até mesmo, por idade ou gênero, entre outros. Além do uso de gírias pelos mais jovens ou por pessoas em situação de grande informalidade e da falta de concordância de número (singu- lar-plural) entre os menos escolarizados, os jargões profissionais são também exemplos clássicos de variação diastrática. No universo do futebol, por exemplo, “ir para o chuveiro mais cedo” significa que o jogador foi expulso de campo ou substituído. No discur- so de advogados, há grande uso de expressões latinas, como data venia, que corresponde a “com o devido respeito” em português. Para o estudo científico da linguagem, a variação é um fenômeno normal, natural, inerente a todas as línguas. Pessoas que residem em localidades diferentes, distantes, tendem a ter pronúncia e vocabulário também diferentes. CONCEITO Dialetos: Dialeto é a forma como uma língua é falada em uma região específica. Podemos considerar, por exemplo, que o português brasileiro e o português euro- peu são variedades dialetais. O mesmo pensamento vale dentro do Brasil, onde temos subvariedades: o grupo dialetal carioca, gaúcho, baiano etc.
  • 43. capítulo 2 • 43 Vamos fazer um teste? Veja as frases e as associe a um determinado perfil: 1 2 3 4 5 6 7 Mamãe, eu quero um au-au! A coroa lá em casa tá bolada... A moçoila está uma teteia. Que gracinha! Amei isso, é lindo! É mister ampliarmos o repertório vocabular do corpo discente. Os poliça pegou os bagulho lá do pessoal! Vc ker tc comigo? Pessoa com baixa escolaridade Pessoa com alta escolaridade Uma criança Um idoso Pessoa conversando online Pessoa do sexo feminino Um jovem Você provavelmente respondeu a seguinte sequência: 6, 5, 1, 3, 7, 4, 2. Repare que há, inclusive, certo determinismo na resposta, pois nem toda mulher fala usando diminutivo ou exageros e não há pessoa de alta escolaridade que não use gírias eventualmente. Mas podemos considerar que todas essas frases são bem características de alguns perfis de usuários da língua. Alguns usos são muito estigmatizados, como o exemplo 6, outros são considerados mais “neutros”, outros despertam ternura, despojamento, informalida- de etc. Todos esses usos linguísticos são continuamente praticados e avaliados pela sociedade. ATIVIDADE De forma consciente ou não, nós reconhecemos essas variantes. Afinal, sempre que queremos nos dirigir a alguém, refletimos acerca da situação (se é apropriado ou não falar naquele momento), do interlocutor (não falamos com nossos amigos da mesma maneira como falamos com nosso chefe) e do ambiente (há lugares mais apropriados para piadas, para conversa espontânea, para ensinamentos morais etc.). Em outras palavras, utilizamos variantes distintas dependendo dos nossos propósitos e objetivos, em cada situação particular. ASA BRANCA  Luiz Gonzaga Quando oiei a terra ardendo Qual fogueira de São João Eu perguntei a Deus do céu, ai Por que tamanha judiação Que braseiro, que fornaia Nem um pé de prantação Por farta d’água perdi meu gado Morreu de sede meu alazão Inté mesmo a asa branca Bateu asas do sertão Intonce eu disse: adeus, Rosinha Guarda contigo meu coração Hoje longe, muitas léguas Em uma triste solidão Espero a chuva cair de novo Pra mim vortá pro meu sertão Quando o verde dos teus óio Se espalhar na prantação Eu te asseguro, não chore não, viu Que eu voltarei, viu Meu coração Asa Branca foi composta por Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira em 1947. Teria o mesmo sentido se usasse as regras gramaticais e a ortografia oficial na letra da música?