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José Prata Araújo




um retrato
do Brasil
BALANÇO DO GOVERNO LULA
Um retrato do Brasil é um amplo e
     informado balanço do governo Lula,
    situando-o no contexto de um quadro
comparativo com os governos neoliberais de
   FHC e afirmando suas potencialidades.
  Trata-se de um detalhado painel do país
 nos últimos anos que fornece informações
fundamentais a todos aqueles que desejam
  conhecer e entender as mudanças pelas
         quais o Brasil vem passando.
Os primeiros três
anos do governo Lula
já proporcionaram
importantes e positivas
mudanças no país. Em
2006, o Brasil decidirá se
irá querer a continuidade
e o aprofundamento de
um projeto de esquerda
ou se retornará ao projeto
neoliberal. Será decidido
também se a democracia
brasileira comporta uma
rotatividade no poder
mais substantiva ou se
continuará sendo um
mero revezamento de
segmentos das elites no
governo. E, finalmente,
o processo eleitoral de
2006 definirá os rumos
do Brasil na política
externa, como um país
protagonista da integração
latino-americana ou como
satélite da política dos
Estados Unidos na região.
Este livro apresenta um
completo e minucioso
balanço do primeiro
mandato de Lula e da
coalizão liderada pelo
Partido dos Trabalhadores
em relação a sua
concepção de Estado
e a suas ações nas
áreas social e política,
na economia e no
desenvolvimento, e nas
relações exteriores,
apontando avanços e
problemas enfrentados.
UM RETRATO DO BRASIL
Créditos das imagens da capa (da direita para a esquerda):
 Ricardo Stuckert/ABr; Marcello Casal Jr./ABr; Lindomar Cruz/ABr;
Foto Divulgação DNIT; Ricardo Stuckert/ABr; Ana Nascimento/ABr;
   Marcello Casal Jr/ABr; Marcello Casal Jr./ABr; Rose Brasil/ABr.




   Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
           (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

            Araújo, José Prata
            Um retrato do Brasil : balanço do governo Lula /
          José Prata Araújo. — 1. ed. — São Paulo :
          Editora Fundação Perseu Abramo, 2006. —
          (Coleção Brasil urgente)
          ISBN 85-7643-032-0
          1. Brasil - Política e governo 2. Partido dos Trabalhado-
  res (Brasil) 3. Silva, Luís Inácio Lula da, 1945- I. Título. II. Série.

  06-5188                                              CDD-320.981
              Índices para catálogo sistemático:
              1. Brasil : Política e governo 320.981
UM   RETRATO DO       BRASIL
 BALANÇO DO GOVERNO LULA



     JOSÉ PRATA ARAÚJO




             EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO
Fundação Perseu Abramo
       Instituída pelo Diretório Nacional
do Partido dos Trabalhadores em maio de 1996.
                  Diretoria
         Hamilton Pereira (presidente)
     Ricardo de Azevedo (vice-presidente)
            Selma Rocha (diretora)
   Flávio Jorge Rodrigues da Silva (diretor)

      Editora Fundação Perseu Abramo
                Coordenação Editorial
                 Flamarion Maués
                Assistente Editorial
              Viviane Akemi Uemura
                      Revisão
              Maurício Balthazar Leal
                        Capa
                 Eliana Kestenbaum
                Editoração Eletrônica
               Enrique Pablo Grande

                     Impressão
                   Bartira Gráfica




              1a edição: agosto de 2006

             Todos os direitos reservados à
          Editora Fundação Perseu Abramo
                Rua Francisco Cruz, 224
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  Telefone: (11) 5571-4299 – Fax: (11) 5571-0910
      Correio eletrônico: editora@fpabramo.org.br

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               http://www.fpabramo.org.br

        Copyright © 2006 by José Prata Araújo
               ISBN 85-7643-032-0
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................. 9
CONCEPÇÃO           DE    ESTADO .......................................... 11
O PRIVATISMO TUCANO ........................................................... 11
   OS RESULTADOS SOFRÍVEIS DAS PRIVATIZAÇÕES
       – LUCIANO COUTINHO ................................................ 16
   PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ............................... 18
   O ESTADO NO GOVERNO LULA .......................................... 23
   CONCEPÇÃO DE ESTADO E ELEIÇÕES DE 2006 ..................... 26
   SÍNTESE .......................................................................... 29
O BRASIL        E OS PAÍSES         “EMERGENTES” ....................... 33
     A EXPERIÊNCIA DOS TIGRES ASIÁTICOS ............................... 34
     O QUE NÃO DEVE SER COPIADO DOS ASIÁTICOS ................... 36
     O CONTEXTO LATINO-AMERICANO ..................................... 41
     O ESTADO NA AMÉRICA LATINA ........................................ 46
     SÍNTESE .......................................................................... 53
VULNERABILIDADE                EXTERNA DA ECONOMIA                     ............ 55
     ABERTURA, CÂMBIO E TRANSAÇÕES CORRENTES .................. 55
     O QUE É O BALANÇO DE TRANSAÇÕES CORRENTES ............... 58
     DÍVIDA EXTERNA, TÍTULOS CAMBIAIS E A MÍDIA .................. 59
     PASSIVO EXTERNO ............................................................ 64
     COM LULA, BRASIL FICOU MENOS VULNERÁVEL ................. 66
     O QUE É O RISCO-PAÍS ..................................................... 71
     SÍNTESE ......................................................................... 72
CRESCIMENTO            ECONÔMICO, INFLAÇÃO E JUROS .........                         75
     O ALTO CUSTO DA “ESTABILIDADE” ECONÔMICA ................. 76
     OPORTUNIDADE PERDIDA ................................................ 81
     OS NÚMEROS DO GOVERNO LULA ..................................... 86
UM RETRATO DO BRASIL

   JUROS, ESQUERDA E DIREITA ............................................. 90
   SÍNTESE ......................................................................... 93
DÍVIDA    PÚBLICA, SUPERÁVIT
 PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA ..............................                       95
   QUE RESPONSABILIDADE FISCAL? .................................... 95
   INDICADORES FISCAIS NO GOVERNO LULA ....................... 101
   SÍNTESE ........................................................................ 109
POLÍTICA EXTERNA E INTEGRAÇÃO
 DA AMÉRICA LATINA ............................................. 111
   O QUE É A ALCA? – MARCO AURÉLIO WEISSHEIMER ...... 112
   ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – ALCA ........... 113
   A CONSTITUIÇÃO DO G-20 ............................................ . 115
   ESQUERDIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA ....... 117
   ELEIÇÕES E O FUTURO DA AMÉRICA LATINA ..................... 119
   DÚVIDA, DECEPÇÃO E ESPERANÇA – JOSÉ LUIS FIORI ........ 122
   SÍNTESE ........................................................................ 124
CORRUPÇÃO         E REFORMA POLÍTICA ........................... 125
   OS MAIORES PREDADORES DO ESTADO ............................. 125
   AS BASES SOCIAIS DA HONESTIDADE
      – RENATO JANINE RIBEIRO ........................................ 130
   CRISE E CONCEPÇÃO DE ESTADO ...................................... 132
   REFORMA POLÍTICA DEMOCRÁTICA ................................... 136
   SÍNTESE ........................................................................ 139
DESENVOLVIMENTO              SOCIAL .....................................       141
   INFLAÇÃO REDUZIDA À METADE ....................................... 141
   IGPs: OS MENORES DA HISTÓRIA ....................................... 142
   A RETOMADA DO EMPREGO ............................................ 143
   SALÁRIO MÍNIMO ........................................................... 145
   PRECARIZAÇÃO FOI SUSPENSA ......................................... 147
   RENDIMENTO MÉDIO ...................................................... 147
   IMPOSTO DE RENDA E SIMPLES ....................................... 149
   MELHORES ACORDOS SALARIAIS ..................................... 150


                                         6
UM RETRATO DO BRASIL

    UMA REVOLUÇÃO NO CRÉDITO ......................................... 151
    BOLSA FAMÍLIA ........................................................... 153
    REDUÇÃO DA POBREZA E DA DESIGUALDADE .................. 155
    7 MILHÕES MIGRAM DA CLASSE D/E PARA
     A CLASSE C – EMIR SADER ........................................... 158
    PROUNI E FUNDEB ........................................................ 159
    REFORMA AGRÁRIA E POLÍTICA AGRÍCOLA ........................ 160
    PREVIDÊNCIA SOCIAL ..................................................... 162
    DOMICÍLIOS PRÓPRIOS, SERVIÇOS E BENS .......................... 164
    PROGRAMAS DE SAÚDE .................................................. 166
    OUTRAS POLÍTICAS SOCIAIS ............................................. 167
    SÍNTESE ........................................................................ 168
O BRASIL       QUE QUEREMOS ........................................ 171
    PSDB: O NÚCLEO DURO DO GRANDE CAPITAL              .................... 171
    TRÊS TAREFAS HISTÓRICAS .............................................. 176
    “COM LULA, FOI TODO UM INCONSCIENTE COLETIVO
     QUE CHEGOU AO PODER” – CÂNDIDO MENDES .............. 180

ANEXO: SÍNTESE            DOS PRINCIPAIS INDICADORES
SOCIOECONÔMICOS DO                BRASIL ................................. 199
    GEOGRAFIA E POPULAÇÃO ............................................. 199
    FAMÍLIAS E DOMICÍLIOS .................................................. 206
    DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL ....................... 210
    INDICADORES DE SAÚDE ................................................ 213
    EDUCAÇÃO .................................................................... 218
    PREVIDÊNCIA SOCIAL E PRIVADA .................................... 221
    SEGURANÇA PÚBLICA ..................................................... 225
    MUNDO DO TRABALHO ................................................. 227
    ESTRUTURA FUNDIÁRIA ................................................... 238
    PARTIDOS E ELEITORADO ................................................ 241
    IDENTIDADES DIVERSAS ................................................. 243
    SÍNTESE ....................................................................... 246
NOTAS ..................................................................... 249


                                          7
SOBRE O AUTOR




  José Prata Araújo é economista formado pela PUC-
Minas e especialista em direitos sociais. Foi militante
sindical bancário e membro do Sindicato dos Bancários
de Belo Horizonte e Região por três gestões. Suas pu-
blicações – cartilhas, livros, boletins – venderam, desde
1999, 650 mil exemplares em todo o país. Suas publica-
ções mais recentes são: Guia dos direitos do povo,
Manual dos direitos dos segurados do INSS e Guia
dos direitos previdenciários dos servidores públicos.
É assessor de políticas sociais do Sindicato dos Traba-
lhadores do Poder Judiciário Federal de Minas Gerais
(Sitraemg); do Sindicato dos Servidores Municipais da
Prefeitura de Belo Horizonte (Assemp); do Sindicato
dos Servidores de Justiça de 2ª Instância de Minas
Gerais (Sinjus); e do Sindicato dos Médicos de Minas Ge-
rais (Sinmed-MG). O conteúdo desta publicação é de
inteira responsabilidade do autor, não refletindo, neces-
sariamente, a posição das entidades para as quais pres-
ta serviços.
UM RETRATO DO BRASIL



                 INTRODUÇÃO




  Os primeiros três anos do governo Lula já proporcio-
naram importantes e positivas mudanças no país. Em
2006, o Brasil decidirá se irá querer a continuidade e o
aprofundamento de um projeto de esquerda ou se
retornará com o projeto neoliberal. Será decidido tam-
bém se a democracia brasileira comporta uma rotatividade
no poder mais substantiva ou se continuará sendo um
mero revezamento de segmentos das elites no governo.
E, finalmente, o processo eleitoral de 2006 definirá os
rumos do Brasil na política externa, como um país prota-
gonista da integração latino-americana ou como satélite
da política dos Estados Unidos na região.
  Este livro apresenta um completo e minucioso balanço
do primeiro mandato de Lula e da coalizão liderada pelo
Partido dos Trabalhadores em relação a sua concepção
de Estado e a suas ações nas áreas social e política, na
economia e no desenvolvimento, e nas relações exterio-
res, apontando avanços e problemas enfrentados.




                            9
JOSÉ PRATA ARAÚJO



      CONCEPÇÃO DE ESTADO




  Uma questão fundamental que demarca esquerda e
direita neste momento histórico é a concepção de Es-
tado. O neoliberalismo prega uma reforma radical do
Estado, com a privatização das estatais estratégicas
para o desenvolvimento e dos principais serviços pú-
blicos – previdência, saúde e educação. Seu objetivo é
que o Estado não se intrometa mais nas relações de
trabalho. Nestas questões relevantes, existem impor-
tantes diferenças entre o governo Lula e o governo
Fernando Henrique. Na verdade, a concepção de Es-
tado é a questão mais importante que estará em dispu-
ta nas eleições de 2006.

             O PRIVATISMO TUCANO

  Quem expressou com precisão a diferença entre Lula
e FHC na questão estratégica da concepção de Estado
foi o economista tucano José Roberto Mendonça de
Barros. Sem as tergiversações típicas do PSDB (Partido
da Social-Democracia Brasileira), ele afirmou:



                          11
CONCEPÇÃO DE ESTADO



           “A grande diferença geral que há entre as duas
         administrações é a concepção de Estado. No go-
         verno FHC a concepção era de um Estado menor,
         mais regulador, voltado para os gastos prioritários
         na área social, privatizando, concedendo e terceiri-
         zando. No caso do governo Lula, até agora a orien-
         tação geral é mais Estado, mais funcionários, me-
         nos terceirização, menos privatização, menos capi-
         tal privado, menos agências reguladoras, mais po-
         der para os ministérios. Eu acho essa visão absolu-
         tamente ultrapassada e que não funciona”1.

  Vale lembrar que José Roberto Mendonça de Barros,
o seu irmão Luiz Carlos Mendonça de Barros, o ex-
ministro Bresser Pereira e o ex-prefeito de São Paulo
José Serra são considerados os expoentes da “ala
desenvolvimentista” do PSDB. Se eles representam a “es-
querda” do partido, dá para avaliar o conteúdo do con-
junto da obra tucana para o Estado brasileiro. Os tuca-
nos, de fato, têm diferenças internas nas políticas
macroeconômicas, mas tanto “desenvolvimentistas”
como “monetaristas” se unificam na concepção de Es-
tado, que prevê um amplo programa de privatização das
estatais e dos serviços públicos. Os dois governos de
FHC foram amplamente hegemonizados pela ala
monetarista de Pedro Malan- FHC e já conhecemos suas
políticas. Já a ala “esquerda” pode ser definida como
liberal-desenvolvimentista e, na mídia, tem como uma
das principais expressões o jornal Folha de S.Paulo.


                            12
JOSÉ PRATA ARAÚJO



São críticos da ortodoxia do governo Lula na política
macroeconômica, mas não têm qualquer reparação ao
processo de privatização do Estado realizado nos dois
governos de FHC, bem como à sua continuidade futura.
  Bresser Pereira foi até mesmo, quando titular do Minis-
tério da Administração e Reforma do Estado (MARE), car-
go que ocupou no primeiro mandato de Fernando Henrique,
um dos principais formuladores da concepção de Estado
na gestão de Fernando Henrique. O então Plano Diretor
da Reforma do Estado classificava as atividades governa-
mentais em quatro segmentos: a) o Núcleo Estratégico de
Estado, formado pela alta cúpula estatal dos poderes Exe-
cutivo, Legislativo e Judiciário; b) o Setor de Atividades
Exclusivas de Estado, formado basicamente pelas áreas
de tributação, fiscalização, segurança pública, Justiça, fo-
mento, regulação, diplomacia e previdência básica; c) o
Setor de Serviços Não-Exclusivos de Estado, que congre-
ga todos os serviços da área social, cultura e os serviços de
utilidade pública em geral; d) o Setor de Produção para o
Mercado, formado pelas estatais, que, na visão do Plano
Diretor de FHC, deveriam ser todas privatizadas.
  Nos dois governos de Fernando Henrique, este Plano
Diretor foi amplamente executado. Na concepção dos
tucanos, portanto, o Estado não deve ter qualquer papel
direto na economia, enquanto controlador de grandes
empresas estratégicas para o desenvolvimento econô-
mico. Foi isso que orientou o amplo programa de
privatizações nas áreas de telefonia, mineração, side-
rurgia, energia elétrica, bancos, ferrovias, produção de


                             13
CONCEPÇÃO DE ESTADO



aviões, saneamento básico etc.,
que implicou a transferência
para o setor privado de uma
importante fatia do patrimônio
público, em torno de US$ 105
bilhões pelo câmbio vigente
durante o período da paridade
cambial. Veja a tabela 1. Foi
uma transferência patrimonial
de 12% do PIB, a maior reali-
zada no mundo nesta época de
hegemonia neoliberal. Como se vê, o auge da privatização
aconteceu nos anos de 1997 e 1998, quando foram ar-
recadados US$ 65,2 bilhões, utilizados integralmente para
tentar manter a falida âncora cambial do Plano Real.
  O jornalista Aloysio Biondi, já falecido, ironizou o pro-
cesso de privatização:

             “Compre você também uma empresa pública, um
          banco, uma ferrovia, uma rodovia, um porto etc. O
          governo vende baratíssimo ou pode até doar. Assim
          é a privatização brasileira: o governo financia a com-
          pra no leilão, vende moedas podres a longo prazo e
          ainda financia os investimentos que os ‘comprado-
          res’ precisam fazer. E para aumentar os lucros dos
          futuros ‘compradores’ o governo engole dívidas
          bilionárias, demite funcionários, investe maciçamente
          e até aumenta tarifas e preços antes da privatização”.2



                              14
JOSÉ PRATA ARAÚJO



  Para avaliar o tamanho do prejuízo causado aos co-
fres públicos pela privatização tucana, seria fundamen-
tal que os partidos de esquerda e/ou a CUT (Central Única
dos Trabalhadores) encomendassem estudos compara-
tivos do preço de venda das estatais e do valor de mer-
cado, depois do vigoroso processo de valorização que
estas empresas experimentaram.
  Um exemplo ilustrativo da privatização tucana é a Vale
do Rio Doce. Uma decisão do Tribunal Regional Fede-
ral de Brasília determinou a realização de uma perícia
técnica para averiguar o valor da empresa na ocasião
da privatização. Os dados, que indicam uma forte
subestimação do preço de venda, são os seguintes:

            “No dia 8 de maio de 1995, a Vale informara à SEC
          (Securities and Exchange Comission), entidade
          que fiscaliza o mercado acionário nos EUA, que
          suas reservas lavráveis de minério de ferro em mu-
          nicípios de Minas Gerais eram de 7,918 bilhões de
          toneladas. No edital de privatização, foi mencio-
          nado só 1,4 bilhão de toneladas. Uma diferença de
          6,518 bilhões de toneladas. Quanto às minas de
          ferro da Serra de Carajás, a Vale informou à entida-
          de norte-americana que suas reservas totalizavam
          4,970 bilhões de toneladas. De novo o edital de
          privatização mencionou um número menor: 1,8 bi-
          lhão de toneladas. Uma subestimação de 3,170
          bilhões de toneladas”3.



                             15
CONCEPÇÃO DE ESTADO


  Os resultados sofríveis das privatizações
                                          Luciano Coutinho
    ara o economista Lucia-      abrindo novos modelos de
P   no Coutinho, da Unicamp
  (Universidade Estadual de
                                 negócio rentáveis para o
                                 setor privado (telefonia mó-
Campinas), os resultados         vel, serviços via internet
das privatizações, sobretu-      etc.), os resultados do para-
do da infra-estrutura e dos      digma neoliberal foram so-
serviços públicos, e da          fríveis. Com efeito, nos mo-
regulação foram sofríveis:       nopólios naturais, em que
  “A primeira lição é que a      as economias de escala
privatização e a competi-        são poderosas, com longos
ção funcionam bem em             prazos de maturação dos
segmentos tipicamente pri-       investimentos e com pre-
vados – por exemplo em           sença de externalidades, o
setores industriais que ha-      modelo privado tende a pro-
viam sido desenvolvidos ou       vocar dificuldades de difícil
absorvidos pelo Estado em        superação. Com efeito, a
decorrência de fragilidades      missão social intrínseca às
patrimoniais do setor priva-     infra-estruturas que ofere-
do (exemplo: siderurgia,         cem serviços de utilidade
mineração, construção na-        pública é pouco compatível
val e petroquímica). Já na       com os objetivos de maxi-
esfera das infra-estruturas      mização de lucros do inves-
e dos serviços públicos (te-     tidor privado. Este requer
lecomunicações, energia,         taxas de retorno muito mais
saneamento, transportes          elevadas (que refletem a es-
etc.), a experiência foi pro-    cassez de capital e os ris-
blemática. À exceção das         cos específicos desses
telecomunicações, setor no       empreendimentos) em
qual uma revolução tecno-        comparação com a taxa de
lógica vem modificando o         retorno socialmente dese-
monopólio natural original e     jada ou praticada na esfe-



                            16
JOSÉ PRATA ARAÚJO



ra pública. Ao requererem          las populações de baixa
taxas de retorno mais al-          renda, tornando muito
tas, os investimentos pri-         mais árdua a tarefa do
vados necessitam de pre-           agente regulador”
ços e tarifas mais elevados               (COUTINHO, Luciano.
para remunerar os seus ati-        “Regulação com eficiência
vos, em detrimento das                 e eqüidade”. Folha de
condições de acesso pe-                S.Paulo, 22/02/2004).


  A privatização da Vale do Rio Doce é um escândalo:
seu valor de mercado no final de 2005 era 15 vezes
maior do que o valor de quando foi vendida em 1997.
Naquele ano, o governo federal vendeu as ações que
detinha por R$ 3,338 bilhões, o que equivalia a 41,73%
do valor da empresa, que era de R$ 8 bilhões. No final
de 2005, a Consultoria Global Invest estimou o valor da
Vale do Rio Doce na Bolsa de Valores em US$ 55,5
bilhões, o que equivalia a R$ 122 bilhões. Assim, as ações
pertencentes à União vendidas por R$ 3,338 bilhões em
1997 passaram a valer R$ 50,910 bilhões em 2005.
  Todo o processo de privatização foi realizado com um
falso discurso social: era preciso retirar o Estado da eco-
nomia para que ele pudesse se dedicar à prestação de
bons serviços públicos nas áreas de saúde, educação e
segurança. Isso se revelou uma farsa porque implicou,
em primeiro lugar, a demissão de mais 600 mil trabalha-
dores e, para a população em geral, fez disparar os pre-
ços dos serviços públicos de telefonia, energia elétrica e
água, que passaram a representar um enorme peso no
orçamento doméstico. As privatizações, apesar de seus


                              17
CONCEPÇÃO DE ESTADO



valores astronômicos, não contribuíram para melhorar a
situação fiscal do governo, porque os recursos arrecada-
dos foram esterilizados pelas altas taxas de juros pratica-
das pelo governo FHC. As privatizações não tiveram tam-
bém nenhum impacto relevante no crescimento da eco-
nomia, porque não implicaram o aumento expressivo da
capacidade produtiva, mas apenas uma transferência
patrimonial da capacidade instalada já existente.

      PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

  Como já vimos, na concepção de Estado tucano/pefelista
se previa o Setor de Serviços Não-Exclusivos de Estado,
que congregaria todos os serviços da área social (saúde,
assistência social, educação, segurança, grande parte da
previdência), cultura e os serviços de utilidade pública em
geral (coleta de lixo etc.). Os formuladores desta proposta
dizem que esses serviços são todos passíveis de
privatização. Para eles, o Estado deve garantir o provi-
mento, mas não necessariamente a produção/execução
direta. Isso pode ficar sob a responsabilidade de institui-
ções privadas ou públicas não-estatais. Para viabilizar esse
amplo processo de privatização dos serviços públicos, foi
aprovada a criação das chamadas “Organizações Sociais”,
através de uma lei de 1998. A terceirização dos serviços
públicos foi ampliada, como no caso da desastrada
terceirização da perícia médica do INSS (Instituto Nacional
do Seguro Social), que, de 2002 a 2005, fez triplicar a con-
cessão de auxílios-doença, ficando o Instituto com controle


                            18
JOSÉ PRATA ARAÚJO



precário de uma das áreas estratégicas da concessão de
benefícios. Com a privatização das estatais e com a cria-
ção das agências reguladoras com enormes poderes, fo-
ram esvaziadas diversas funções estratégicas dos ministé-
rios. E nas duas gestões de FHC o Estado foi sucateado
também com a enorme redução do número de servidores
e com o arrocho salarial.
  Depois de reformar o capítulo da ordem econômica da
Constituição de 1988 com a quebra dos monopólios esta-
tais e a privatização das estatais, no segundo mandato de
Fernando Henrique a proposta era a realização de uma
ampla reforma do capítulo da ordem social, especialmen-
te com a supressão dos direitos trabalhistas, como vere-
mos mais adiante, e com a privatização da previdência
social. O economista, ex-ministro e ex-deputado tucano
Antônio Kandir, num livro editado pelo Ministério da Pre-
vidência, reconheceu a influência do modelo chileno de
privatização da previdência no núcleo que se tornaria
hegemônico no interior do governo FHC: “O modelo chile-
no é o referencial fundamental da reforma brasileira – e
as diversas propostas existentes trazem esta marca –,
mas seus diversos componentes devem ser devidamente
traduzidos às particularidades políticas, jurídicas e finan-
ceiras brasileiras”.
  Antônio Kandir, com uma sinceridade de impressio-
nar, deu três razões para defender o modelo chileno adap-
tado e o teto de três salários mínimos para a previdência
pública: a) a privatização total polarizaria o debate e di-
ficultaria a aprovação da reforma:


                             19
CONCEPÇÃO DE ESTADO



             “Qualquer movimento radical de reforma do siste-
          ma previdenciário tende a tornar ideológica a discus-
          são, favorecendo a polarização das forças políticas re-
          presentadas no Congresso Nacional. Vale dizer que
          haveria uma forte reação à privatização total da Previ-
          dência Social por parte dos parlamentares mais iden-
          tificados com a tese da necessidade da intervenção
          estatal na garantia dos direitos sociais da população”4;

b) empresas privadas não têm interesse nos pobres:

            “Haveria, igualmente, uma reação negativa dos po-
          tenciais interessados na administração das entida-
          des de previdência, no que tange à absorção de um
          número elevado de pequenas contas”;

c) pobres não têm cultura para participar de previdên-
cia privada:

            “A boa saúde financeira de um sistema previden-
          ciário privado depende do poder de acompanha-
          mento e fiscalização exercido pelos seus segurados.
          Esse poder, por sua vez, pressupõe uma capacida-
          de cognitiva mínima, o que, certamente, guarda re-
          lação com um nível mínimo de renda”5.

  Este modelo não foi aplicado no Brasil por diversas ra-
zões. Primeira: ao contrário de outros países latino-ame-
ricanos, temos em nosso país organizações de esquerda


                              20
JOSÉ PRATA ARAÚJO



fortes que se opuseram à privatização. Segunda: a previ-
dência está constitucionalizada e a privatização esbarrou
na dificuldade representada por um quórum muito alto no
Congresso Nacional. Terceira: a reforma da previdência
planejada para o segundo mandato de Fernando Henrique
teve que ser adiada devido às sucessivas crises enfrenta-
das pelo Brasil, que deterioraram dramaticamente a situa-
ção fiscal do país. A privatização da previdência no Bra-
sil abriria um rombo de R$ 4 trilhões e o esforço fiscal
para cobri-lo seria de 8% do PIB, o dobro do atual superá-
vit primário, o que levaria o Brasil a uma situação de mo-
ratória técnica, como na Argentina. Como disse o ex-
ministro Antônio Britto: “A questão da privatização da
previdência não é política nem ideológica, é atuarial”. Ou
seja, não havia, na base do governo Fernando Henrique,
quem se opusesse à privatização da previdência por prin-
cípio. Assim, ela só não aconteceu devido às restrições
fiscais. Não foi aleatória, portanto, a entrega do Ministé-
rio da Previdência Social ao PFL (Partido da Frente Libe-
ral), partido doutrinariamente comprometido com a
privatização da previdência pública.
  Como já dissemos, o governo Fernando Henrique de-
sistiu da privatização da previdência em 1998 devido à
grave crise enfrentada pelo país com o fim da paridade
cambial e o agravamento do déficit das contas públicas.
No dia 4 de julho de 1999, o jornal Folha de S.Paulo
estampou a seguinte manchete em seu caderno de eco-
nomia: “Governo descarta privatizar o INSS”. A reporta-
gem informava o seguinte:


                            21
CONCEPÇÃO DE ESTADO



             “O governo decidiu deixar a iniciativa privada
          de fora da administração do novo sistema de apo-
          sentadoria para os trabalhadores que ganham até
          o teto de contribuições do INSS. Até essa faixa, o
          sistema continuará integralmente público. A de-
          cisão encerra uma acirrada discussão interna no
          governo. O modelo escolhido representa um freio
          na expectativa de um grande negócio no Brasil: a
          entrada dos fundos de previdência privada no
          mercado para trabalhadores que ganham menos
          de dez salários mínimos. A opção contrária à pri-
          vatização foi tomada para evitar uma explosão da
          dívida pública no país, que custaria quase R$ 2
          trilhões, cerca de duas vezes o PIB (Produto In-
          terno Bruto). O reconhecimento dessa dívida tor-
          nou insustentável o custo de transição para um
          sistema privado”.

  Foi visível a contrariedade com que o governo Fer-
nando Henrique recuou da privatização da previdência,
mas não sem sonhar com a sua retomada futura. São
palavras do ex-ministro Waldeck Ornélas: “Não adianta
sonhar com um sistema que poderia ser ideal se a reali-
dade não permite. A reforma profunda virá no próximo
século”6. Um dos membros da equipe de FHC, o econo-
mista Francisco de Oliveira Barreto, do Instituto de Pes-
quisa Econômica Aplicada (IPEA), lamentou o recuo na
privatização da previdência:



                            22
JOSÉ PRATA ARAÚJO



            “A situação fiscal era outra, a dívida pública ain-
          da não havia explodido e ainda podíamos pensar
          em emitir títulos públicos para lastrear a transição.
          Agora isso seria insano. O Estado será o dono da
          bola até que seja possível zerar o déficit. O gestor
          privado só poderá entrar daqui a cinco ou seis anos,
          se a situação financeira melhorar. O máximo que
          poderemos fazer nesse sentido [a participação das
          empresas privadas] é deixar brechas para uma futu-
          ra mudança no sistema”7.

         O ESTADO NO GOVERNO LULA

  É na concepção de Estado que podemos localizar uma
das maiores descontinuidades entre os governo de Lula e
de FHC. As grandes empresas estatais que sobreviveram
à avalanche neoliberal foram preservadas no governo Lula
– Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal,
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social), Banco do Nordeste, grandes empresas de ener-
gia elétrica federais, Correios, Infraero etc. São empre-
sas que se mostraram muito importantes para a reorgani-
zação do Estado e para o funcionamento da economia. A
Petrobrás foi fundamental para minimizar o choque de
preços do petróleo e o governo Lula, mesmo com a enor-
me pressão dos acionistas privados, não reajustou os pre-
ços dos derivados na proporção do aumento de preços
verificado no mercado internacional. Lula preservou a



                             23
CONCEPÇÃO DE ESTADO



Petrobrás e no começo de 2006, com justa razão, pôde
apresentar à nação e capitalizar politicamente uma reali-
zação histórica da empresa: a auto-suficiência do Brasil
em petróleo. O BNDES, o banco da privatização nas ges-
tões de Fernando Henrique, retomou sua missão de fi-
nanciar a produção e a geração de empregos e é um dos
maiores bancos de fomento do mundo. Os outros bancos
estatais – Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil
principalmente – voltaram a atuar de forma mais agressi-
va na concessão de crédito rural, financiamento de habi-
tação e saneamento, bem como na inclusão bancária. As
estatais de energia elétrica foram fortalecidas e voltaram
a ampliar os seus investimentos.
  Na previdência social, as mudanças nos critérios de
concessão de aposentadorias e pensões, a contribuição
de aposentados e pensionistas, entre outras medidas, ir-
ritaram muito os servidores públicos, como veremos
mais adiante. Mas a reforma, no essencial, não foi es-
trutural e privatista, como aconteceu em outros países
da América Latina. Foi adotado para os servidores pú-
blicos um modelo de previdência similar ao das esta-
tais: uma previdência pública básica (INSS) até o teto de
R$ 2.801,56; e uma previdência complementar pública,
não-estatal (os fundos de pensão), para a faixa sala-
rial superior a R$ 2.801,56. Esse modelo de previdência
é defendido e sua gestão disputada nas estatais por to-
das as correntes sindicais, sejam elas vinculadas: ao PT
(Partido dos Trabalhadores), ao PCdoB (Partido Comu-
nista do Brasil), ao PSTU (Partido Socialista dos Traba-


                           24
JOSÉ PRATA ARAÚJO



lhadores Unificado),
ao PSOL (Partido So-
cialismo e Liberda-
de), ao PCO (Partido
da Causa Operária)
etc. Sobre a nature-
za dos fundos de
pensão, acreditamos
que não há dúvida: se
o patrocinador será o
governo, se os parti-
cipantes serão servidores públicos e se a gestão será pú-
blica, tais fundos serão públicos, ainda que não estatais.
Vale ressaltar também que, na reforma da previdência, o
governo Lula propôs que o Seguro de Acidentes do Tra-
balho (SAT) fosse um monopólio do INSS, o que não passou
devido às articulações da oposição – PFL e PSDB.
  Tem razão o economista José Roberto Mendonça de
Barros ao dizer que, no governo Lula, além da suspen-
são das privatizações de empresas estratégicas, a orien-
tação geral é mais Estado, mais funcionários, menos
terceirização, menos agências reguladoras, mais poder
para os ministérios. Veja na tabela 2 a evolução do nú-
mero de servidores federais de 2002 a 2005. Em 1995
eram 1.033.548 os servidores dos três poderes (civis e
militares do Poder Executivo, e servidores dos poderes
Legislativo e Judiciário) e em 2002 o número tinha sido
reduzido para 912.192. Já no governo Lula, o serviço
público voltou a ser fortalecido e o número de servido-


                            25
CONCEPÇÃO DE ESTADO



res subiu para 984.364 em novembro de 2005, com
72.172 novas contratações, e, até o final de 2006, com
outros concursos públicos, novos servidores serão con-
tratados. E isso sem falar das novas admissões nas es-
tatais federais. Dessa forma, a terceirização vem per-
dendo força na máquina pública federal. Essa expansão
da contratação de servidores foi considerada pelo ex-
ministro do Planejamento, Martus Tavares, uma “herança
supermaldita” do governo Lula, em entrevista ao jornal
Valor Econômico, porque se deu através de concurso
público, não podendo ser revertida8. No caso das agên-
cias reguladoras, seu poder vem sendo reduzido, ao pas-
so que muitas decisões cruciais para o desenvolvimento
do país voltaram para o controle dos ministérios, como o
de Minas e Energia, por exemplo.

CONCEPÇÃO       DE   ESTADO     E ELEIÇÕES DE   2006

   A oposição liberal-conservadora – PSDB e PFL – já
está com o discurso afiado para as eleições de 2006:
fará uma campanha baseada na defesa da ética na po-
lítica; da eficiência da máquina governamental; e da re-
tomada forte do crescimento da economia. Somente o
apoio maciço do empresariado e a violenta blindagem
da mídia explicam como os tucanos e os pefelistas man-
têm intocada a fama nessas três áreas. Na verdade, os
argumentos dos tucanos e dos pefelistas não passam de
fumaça para esconder os seus reais objetivos: vencer
as eleições de 2006 para retomar uma agenda neoliberal


                           26
JOSÉ PRATA ARAÚJO



para o Estado brasileiro, comprometida com a transfe-
rência do que restou de estatais e de serviços públicos
rentáveis para a iniciativa privada.
  Os tucanos e os pefelistas estão todos assanhados com
essa perspectiva em 2006. Um dos principais intelectuais
do PSDB, o economista Edmar Bacha, em entrevista publi-
cada no site do partido em dezembro de 2005, abriu o jogo:

            “Se os tucanos ganharem a eleição presidencial
          de 2006, o Brasil vai passar por um ‘choque de ca-
          pitalismo’ na linha que foi proposta pelo então can-
          didato presidencial do PSDB, Mário Covas. A gran-
          de diferença entre um eventual governo tucano e a
          atual gestão petista é que um presidente do PSDB –
          seja Serra, Alckmin, Aécio, Tasso – vai assumir que
          o país precisa passar por uma nova rodada de re-
          formas em áreas como setor fiscal, Previdência,
          mercado de trabalho, estrutura tributária etc., sem
          se preocupar em ser chamado de neoliberal. Os
          petistas mantiveram a política econômica de curto
          prazo (regime cambial, metas de inflação, superávits
          primários), mas, no que diz respeito ao longo prazo
          e ao estímulo aos investimentos, em temas como
          marco regulatório, privatizações e concessões, os
          preconceitos ideológicos aliaram-se à ineficiência
          administrativa para produzir uma total paralisia”9.

  Como se vê, o que Edmar Bacha propõe não é um
“choque de capitalismo” – até porque o Brasil já é um


                             27
CONCEPÇÃO DE ESTADO



país capitalista; o que ele defende, em verdade, é um
“choque de neoliberalismo”.
  Outros economistas, partidos e instituições próximos
aos tucanos também defendem uma privatização selva-
gem. A economista Eliana Cardoso defendeu aberta-
mente a privatização do Banco do Brasil e da Caixa
Econômica Federal:

           “A privatização do BB e da Caixa Econômica é me-
         dida indispensável à transparência dos orçamentos
         do governo e à estabilidade financeira, pois bancos
         estatais representam empecilhos ao crescimento
         sustentado. Gerentes de bancos privados direcionam
         empréstimos aos setores mais competitivos, em que
         não existe a intromissão do governo”10.

  O diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Interna-
cional), Rodrigo de Rato, defendeu que o governo bra-
sileiro deveria colocar no topo de suas prioridades o
fim do crédito direcionado para habitação e agricultu-
ra e os empréstimos do BNDES, o que, na prática, leva-
ria à privatização do BB, da Caixa Econômica Federal
e do BNDES. O economista Sérgio Werlang defende que
“o governo reduza o seu tamanho e as privatizações
das ainda inúmeras empresas públicas deveria ter con-
tinuidade e mesmo ser acelerada”11. O economista
Gabriel Palma defendeu: “Outra coisa é que o Brasil
tem ativos muito grandes, como a Petrobrás e Itaipu,
que poderiam ser vendidos para o abatimento dessa


                           28
JOSÉ PRATA ARAÚJO



dívida interna”12. O programa de refundação do PFL
indica claramente a proposta de privatização da previ-
dência: “Criar uma nova Previdência, mediante a ado-
ção de novas regras, tecnicamente equilibradas, apli-
cáveis aos entrantes no mercado, após sua publica-
ção”. Essa forma de privatização da previdência teria
um pequeno impacto fiscal no curto prazo, mas no médio
prazo – próximos 15 a 20 anos – seria uma enorme
bomba relógio para os futuros governos. Na questão
trabalhista, trata-se, para tucanos e pefelistas, de reto-
mar a proposta de ampla precarização dos direitos tra-
balhistas, como veremos mais adiante.

  Síntese
 ✔ Quem melhor expressou as diferenças entre Lula e
   FHC na concepção de Estado foi o economista tu-
   cano José Roberto Mendonça de Barros: “A gran-
   de diferença geral que há entre as duas administra-
   ções é a concepção de Estado. No governo FHC a
   concepção era de um Estado menor, mais regula-
   dor, voltado para os gastos prioritários na área so-
   cial, privatizando, concedendo e terceirizando. No
   caso do governo Lula, até agora a orientação geral
   é mais Estado, mais funcionários, menos tercei-
   rização, menos privatização, menos capital priva-
   do, menos agências reguladoras, mais poder para
   os ministérios”.
 ✔ Fernando Henrique adotou o Plano Diretor da Re-
   forma do Estado, em que propugnava a privatização
   de todas as estatais e dos serviços públicos não



                            29
CONCEPÇÃO DE ESTADO



  “exclusivos de Estado”. FHC privatizou dezenas de
  empresas nas áreas de telefonia, bancos, minera-
  ção, siderurgia, energia elétrica, saneamento bási-
  co etc. por US$ 105 bilhões.
✔ Um exemplo representativo da privatização tucana
  é a Vale do Rio Doce: seu valor de mercado no final
  de 2005 era 15 vezes maior do que o valor de quan-
  do ela foi vendida em 1997. Naquele ano, o governo
  federal vendeu as ações que detinha por R$ 3,338
  bilhões, o que equivalia a 41,73% do valor da em-
  presa, que era de R$ 8 bilhões. No final de 2005, a
  Consultoria Global Invest estimou o valor da Vale
  do Rio Doce na Bolsa de Valores em US$ 55,5
  bilhões, o que equivalia a R$ 122 bilhões. Assim,
  as ações pertencentes à União vendidas por R$
  3,338 bilhões em 1997 passaram a valer R$ 50,910
  bilhões em 2005.
✔ Fernando Henrique jogou pesado na privatização
  dos serviços públicos através das chamadas Orga-
  nizações Sociais. Só não privatizou a previdência
  social, como queriam os empresários, porque o
  Brasil quebrou e não pôde financiar a transição do
  sistema público para o privado.
✔ O governo Lula suspendeu o programa de
  privatização das estatais estratégicas – Petrobrás,
  Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES,
  Furnas, Itaipu, Eletrosul, Eletronorte, Correios,
  Infraero etc. Lula preservou a Petrobrás e agora,
  com justa razão, apresentou à nação uma realiza-
  ção histórica da empresa: a auto-suficiência do
  Brasil em petróleo.
✔ O governo FHC reduziu o número de servidores fede-
  rais dos três poderes de 1.033.548 para 912.192,


                         30
JOSÉ PRATA ARAÚJO



terceirizou muitos serviços públicos, deu poderes
exorbitantes para as agências reguladoras e enfra-
queceu a administração federal. O governo Lula rea-
lizou diversos concursos públicos e aumentou o nú-
mero de servidores federais de 912.192 para 984.364,
realizou novas contratações nas estatais, restringiu
a terceirização e fortaleceu a ação governamental.




                        31
JOSÉ PRATA ARAÚJO



         O BRASIL E OS PAÍSES
            “EMERGENTES”




  A oposição, à direita e à esquerda, vem utilizando
politicamente a comparação entre o Brasil e outros
países “emergentes” para combater as políticas do
governo Lula. A oposição liberal-conservadora, que em
2002 espalhou o terrorismo econômico – risco do Bra-
sil virar a Venezuela ou a Argentina –, agora, demago-
gicamente, transformou esses dois países em para-
digmas de desenvolvimento de países “emergentes” na
América Latina. A oposição à esquerda também erra
na análise comparativa: desconhece as enormes dife-
renças políticas, econômicas, sociais e culturais entre
o Brasil e demais “emergentes” e as implicações no
ritmo e na qualidade do crescimento econômico. O
Brasil deve realmente adotar algumas políticas de ou-
tros países “emergentes” – juros baixos, taxa de câm-
bio competitiva etc.–, mas não podemos nem devemos
aplicar em nosso país outras “vantagens comparati-
vas” desses países – regimes políticos autoritários,
ausência de liberdade e autonomia sindical, sistemas
de proteção social modestos, desregulamentação am-
pla das relações de trabalho.


                           33
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”



     A   EXPERIÊNCIA DOS TIGRES ASIÁTICOS

  O Brasil foi, durante 80 anos – de 1900 a 1980 –, o
país que mais cresceu no planeta. Fomos o tigre do pe-
ríodo. Crescemos a taxas superiores a 5%, com picos
de mais de 10% em pelo menos seis anos no período
analisado. Nos últimos 20 anos, todavia, o Brasil deixou
de crescer de forma sustentada e, literalmente, perdeu
o bonde da história. O desempenho nas décadas perdi-
das de 1980 e 1990 foi estampado na seguinte compa-
ração: em 1992, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil
era de US$ 390 bilhões e chegou a US$ 500 bilhões, em
2003. No mesmo período, o PIB da China saltou de US$
280 bilhões para US$ 1,4 trilhão1. Em 2005, com o cres-
cimento econômico e com a revisão da metodologia de
cálculo do setor de serviços, a economia chinesa deu
um salto no PIB, o que transformou a China na quarta
economia mundial. Esse desempenho econômico mo-
desto do Brasil e os resultados espetaculares da China
e de outros tigres asiáticos têm explicações nas políti-
cas econômicas adotadas pelos países.
  Os países asiáticos, pragmaticamente, tiraram partido
da globalização. Expandiram enormemente as exporta-
ções com o aumento do fluxo de comércio internacio-
nal, e, para isso, mantiveram a moeda local relativamen-
te desvalorizada, como forma de compensar a defasa-
gem tecnológica em relação aos países desenvolvidos e
as desigualdades do comércio internacional. Priorizaram
a atração de investimentos estrangeiros produtivos, que


                            34
JOSÉ PRATA ARAÚJO



expandiram enormemente a capacidade produtiva e se
transformaram em grandes plataformas de exportação
internacional. Acumularam enormes reservas em dólar
e se preveniram contra as crises cambiais nos cenários
turbulentos da “globalização econômica”: a China tem
reservas de US$ 819 bilhões; a Índia de US$ 133 bi-
lhões; a Coréia do Sul de US$ 217 bilhões; Taiwan de
US$ 257 bilhões. Praticam taxas de juros anuais muito
baixas para estimular a economia: China (2,25%), Índia
(6,67%), Coréia do Sul (4,27%), Taiwan (1,65%). Rea-
lizaram também grandes investimentos em educação e
ciência e tecnologia, o que possibilitou a disputa de pro-
dutos de maior valor agregado. Os tigres asiáticos tive-
ram altas taxas de investimento, o que garantiu cresci-
mento robusto com inflação baixa: China (1,9%), Coréia
do Sul (2,8%), Índia (5,6%), Taiwan (2,7%). A China
desmonta as teses neoliberais, que debitam a estagna-
ção econômica à presença estatal na economia, e, com
formas de propriedade mista – estatal e privada –, vem
liderando o crescimento mundial2.
  Esse conjunto de políticas contribuiu, em grande medi-
da, para taxas de crescimento espetaculares dos tigres
asiáticos nos últimos 25 anos. Dados divulgados pelo
empresário Benjamin Steinbruch, no artigo “Lanterninhas
do crescimento”3, citando fontes do FMI, indicam que de
1980 a 2005 os tigres asiáticos tiveram o seguinte cresci-
mento acumulado: China (862,8%), Vietnã (420,8%),
Coréia do Sul (421,7%), Taiwan (357,7%), Malásia (344%),
Índia (306,2%), Indonésia (217,3%). No mesmo período,


                            35
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”



o Japão cresceu bem menos, em torno de 77,4%, mas,
mesmo estagnado há mais de dez anos, este país conti-
nua como a segunda grande potência econômica mun-
dial, com PIB de US$ 4,6 trilhões. Com altos índices de
crescimento econômico, os países asiáticos estão
alavancando o crescimento da economia mundial; finan-
ciam, com seus enormes superávits, os déficits dos paí-
ses desenvolvidos como os Estados Unidos; e geram cres-
cimento expressivo do PIB per capita e reduzem a misé-
ria de suas populações. Mas, como veremos a seguir, al-
gumas “vantagens comparativas” dos tigres asiáticos são
indefensáveis e não servem de modelo para o Brasil.

O QUE NÃO DEVE SER COPIADO DOS ASIÁTICOS
  Os países asiáticos, em sua maioria, têm governos
autoritários, e alguns deles, como a China, permitem a
existência apenas de um único partido. São nações, por-
tanto, menos conflituosas politicamente, o que facilita
enormemente o funcionamento da economia. Em geral,
o direito de organização sindical é proibido ou fortemen-
te limitado, o que mantém a mão-de-obra rigidamente
disciplinada, uma “vantagem comparativa” enorme so-
bre outros países onde os trabalhadores possuem liber-
dade e autonomia sindical e conquistas bastante conso-
lidadas, como é o caso dos países europeus e, em certa
medida, também do Brasil. São experiências que não
podemos nem devemos copiar. Por mais que a oposição
liberal-conservadora desestabilize e tente golpear a es-


                            36
JOSÉ PRATA ARAÚJO



querda, ninguém com tradição democrática irá propor o
fim do pluripartidarismo e da rotatividade de poder efe-
tivada nas diversas eleições. No Brasil, não aceitamos
também as restrições à liberdade e à autonomia sindi-
cais. O que queremos é ampliá-las e consolidá-las onde
são mais necessárias: nos locais de trabalho.
  O modelo de relações de trabalho dos países asiáticos
é também indefensável no Brasil. Esse modelo é hoje a
referência internacional do neoliberalismo. José Pastore,
consultor ultraliberal ligado ao grande empresariado bra-
sileiro, tem no modelo dos tigres asiáticos o principal
paradigma. Numa análise comparativa das relações de
trabalho nos diversos países, ele afirmou:

             “Na Europa, o problema tem sido ainda mais gra-
          ve. A parcela da mão-de-obra atrelada a contratos
          coletivos é muito grande e atinge praticamente to-
          dos os setores estratégicos. Tais contratos têm se
          revelado demasiadamente rígidos para acompanhar
          o aumento de competitividade internacional, a
          flexibilização da tecnologia e a necessidade de se
          praticar formas de contratação e de remuneração
          mais baseadas nos resultados do que no tempo tra-
          balhado. Essa rigidez contratual de um sistema dito
          negocial passa a ser tão perniciosa quanto a infle-
          xibilidade da lei nos sistemas estatutários”4.

  O sistema estadunidense é elogiado por não garantir
quase nenhuma proteção, nem mesmo contratual:


                            37
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”



           “Como se sabe, nos Estados Unidos apenas 14%
         da mão-de-obra é sindicalizada e o sindicalismo
         está em franco declínio. Oitenta e seis por cento
         dos americanos são recrutados diretamente pelas
         empresas, sem nenhum tipo de contrato – coleti-
         vo ou individual”5.

 Indo ainda mais longe, José Pastore se fixa no modelo
do Japão e tigres asiáticos:

           “Enquanto a rigidez contratual acontece parcial-
         mente nos Estados Unidos e extensamente na Eu-
         ropa, o Japão e os Tigres Asiáticos vão contratan-
         do mão-de-obra e terceirizando as atividades com a
         máxima flexibilidade, viabilizando um ajuste rápido
         às novas tecnologias e permitindo a conquista de
         parcelas significativas do mercado internacional”6.

  Esse modelo de relações de trabalho, combinado com
graves restrições à liberdade e à autonomia sindicais,
permite que empresas se transfiram para a Ásia e pra-
tiquem salários miseráveis de US$ 30 mensais. É esse
modelo dos tigres asiáticos e também dos Estados Uni-
dos que o consultor José Pastore, com amplo apoio do
empresariado, quer que seja implementado no Brasil:

           “As novas condições econômicas determinadas
         pela revolução tecnológica, pelo aumento da com-
         petição mundial e pela recorrência da recessão vêm


                            38
JOSÉ PRATA ARAÚJO



          demonstrando estímulos para uma redução da le-
          gislação sobre o mercado de trabalho e ênfase na
          negociação e contratação por empresa – desesti-
          mulando-se com isso os contratos rígidos e irreais
          negociados por setor, e, muito menos, no nível na-
          cional. Se as partes desejam realmente a instituição
          do contrato coletivo de trabalho, este terá mais fun-
          cionalidade na medida em que for descentralizado
          e baseado em negociações realmente livres a nível
          da empresa – com pouca legislação e sem a interfe-
          rência da Justiça do Trabalho”7.

  Outra “vantagem competitiva” dos tigres asiáticos é
a sua baixa carga tributária, que varia entre 15% a 20%
do PIB. Isso acontece porque, na maioria desses países,
não foi implantado um Estado social que elevasse, de
forma expressiva, os custos do Estado, sobretudo com
seguridade social – aposentadoria, pensão, outros bene-
fícios previdenciários, saúde pública, assistência social,
seguro-desemprego. Em muitos países asiáticos, os cus-
tos com a velhice, a morte, a invalidez, a maternidade, o
desemprego, a doença, o acidente são, como no velho
Estado liberal, suportados pelos familiares, sem uma
presença expressiva do Estado. Para os neoliberais, a
previdência é o bode expiatório do baixo crescimento
brasileiro. O ex-ministro Maílson da Nóbrega, em en-
trevista ao canal de TV Globonews, afirmou que nosso
grande problema é que o Brasil gasta 12% do PIB com
previdência e a Coréia do Sul gasta apenas 1,8%. Fábio


                             39
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”



Giambiagi, do IPEA, afirmou que, enquanto a China gas-
ta 3% do PIB anual com previdência social, o Brasil es-
taria gastando 13% e isto explicaria, em grande medida,
as disparidades no crescimento econômico dos dois pa-
íses. O economista Thomás Tosta de Sá afirmou que
“os países asiáticos, que maravilham o mundo com suas
fantásticas taxas de crescimento econômico, não têm
previdência oficial; em contrapartida, a taxa de poupan-
ça de suas economias supera os 35% do PIB”8.
  Os economistas Caio Megale e Luiz Fernando
Figueiredo, sócios da Mauá Investimentos, resumem a
crítica neoliberal ao modelo social vigente no Brasil:
optamos pelo modelo mais próximo ao bem-estar social
europeu do que aquele fundado no liberalismo macroeco-
nômico, nos moldes dos tigres asiáticos. Tomando como
ponto de partida da análise o crescimento de 2005, eles
concluíram o seguinte:

           “O crescimento medíocre de 2005 tem explicações
         conjunturais e estruturais. A explicação conjuntural
         passa pelo fato de termos crescido abaixo do nível
         considerado ‘potencial’ para nossa economia, que
         se estima em torno de 3,5%. O problema estrutural
         é que, mesmo se estivéssemos no potencial, ainda
         é um nível extremamente baixo quando comparado
         ao dos demais países emergentes [...] Mesmo com
         superávit fiscal, nossa poupança doméstica conti-
         nua espremida por gastos públicos gigantescos de
         40% do PIB, enquanto nossos pares emergentes


                            40
JOSÉ PRATA ARAÚJO



          gastam [algo] próximo a 25% do PIB. Para financiar
          esses gastos, taxamos outros 40% do PIB, semean-
          do ineficiência no setor produtivo doméstico [...]
          Esse quadro é resultado de escolhas que o país vem
          fazendo ao longo do tempo, mais intensivamente a
          partir da Constituição de 1988. As decisões no cam-
          po da Previdência Social, da legislação trabalhista,
          dos gastos públicos, da abertura econômica, foram,
          em sua maioria, na direção de um Estado assisten-
          cialista, paternalista, desincentivando o avanço dos
          ganhos de eficiência e, conseqüentemente, da pro-
          dutividade. Ou seja, optamos por adotar um mode-
          lo mais próximo do ‘bem-estar social’ europeu do
          que aquele fundado no liberalismo macroeco-
          nômico, nos moldes dos países asiáticos campeões
          de crescimento do mundo moderno”9.

  Não podemos aceitar este modelo de desproteção
social no Brasil.

        O   CONTEXTO LATINO-AMERICANO

  Na economia, ao contrário dos tigres asiáticos, os paí-
ses da América Latina adotaram políticas que aumen-
taram dramaticamente a vulnerabilidade externa e in-
terna da economia. Depois de processos de hiperinflação,
alguns países da região – como a Argentina e Brasil –
adotaram a chamada “âncora cambial”, que, se teve
algum sucesso no combate à inflação, implicou perdas


                             41
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”



econômicas dramáticas. Brasil e Argentina adotaram
uma mistura explosiva: realizaram aberturas comerciais
sem contrapartida dos países ricos, o que favoreceu
enormemente as importações, e valorizaram as moedas
locais, o que fez inibir as exportações, e, por isso, passa-
ram a conviver com déficits comerciais expressivos e
déficits no balanço de transações correntes. Os dois
países, sem reservas internacionais significativas, sucum-
biram diversas vezes às crises cambiais. Com a dola-
rização das dívidas internas, no momento do fim da ân-
cora cambial, tais dívidas deram um enorme salto. Para
cobrir o rombo nas contas externas e conter a descon-
fiança na capacidade de pagamento da dívida interna,
foram adotadas taxas de juros elevadíssimas, que só fi-
zeram ampliar a vulnerabilidade de suas economias, além
do impacto negativo no crescimento econômico e na
geração de empregos. Presos aos compromissos com
bancos e organismos financeiros internacionais, os paí-
ses latino-americanos, ao contrário dos tigres asiáticos,
não colocaram como prioridade a atração de investi-
mentos produtivos, mas a de capitais financeiros para
cobrir suas dívidas. Na economia, portanto, a herança
do neoliberalismo – de valorização das moedas locais,
de juros altos, de endividamento interno – deixou uma
situação de terra arrasada.
  Na América Latina não temos exemplos consolida-
dos de países que, pelo crescimento sustentado e conti-
nuado, possam ser comparados aos tigres asiáticos. No
artigo citado do empresário Benjamin Steinbruch, o cres-


                             42
JOSÉ PRATA ARAÚJO



cimento do PIB acumulado pelas três principais econo-
mias latino-americanas nos últimos 25 anos, de 1980 a
2004, é pífio: México (87%), Brasil (71,6%) e Argenti-
na (43,9%). Mesmo o crescimento expressivo de algu-
mas economias latino-americanas nos anos recentes está
longe de ser sustentado, baseado em estruturas econô-
micas diversificadas e competitivas e com elevado grau
de investimento.
   Numa análise comparativa entre países latino-ameri-
canos, tomando como referência o período de 1999 a 2005,
o crescimento econômico foi muito baixo em todos eles.
A referência retroativa a 1999 não é arbitrária, foi quan-
do o neoliberalismo entrou em forte crise na região. Veja
a tabela 1. Como se vê, o crescimento médio no período
foi de 2,3% no Brasil; 1,5%, na Venezuela; 1,1%, na Ar-
gentina; 3,5%, no Chile; 2,8%, no México; e de 0,4%, no
Uruguai. Argentina, Venezuela e Uruguai enfrentaram
graves recessões econômicas (crescimento negativo do
PIB) no período e somente em 2004 voltaram a ter o PIB
de 1998. Foram seis anos de crescimento zero e isto não
pode ser esque-
cido em nenhu-
ma análise com-
parativa do Bra-
sil com esses
“emergentes”.
   Fica claro que
o grande cresci-
mento recente


                            43
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”



da Argentina e da Venezuela foi impulsionado, em boa
medida, pela capacidade ociosa gigantesca da econo-
mia, resultado de fortes recessões enfrentadas pelos dois
países e pela disparada do preço do petróleo, no caso da
Venezuela. Capacidade ociosa significa que se pode ter
altas taxas de crescimento sem necessidade de novos
investimentos, ou seja, a produção pode ser aumentada
com a capacidade já instalada. São evidentes os garga-
los para o crescimento sustentado das duas economias:
pressão inflacionária, com inflação de dois dígitos nos
dois países; baixo nível de investimento para sustentar a
expansão da economia; estruturas produtivas pouco
diversificadas, o que torna especialmente a Venezuela
fortemente dependente do preço do petróleo; desem-
prego ainda elevado, superior a 12%, e empobrecimen-
to da população depois de anos de recessão econômica;
sucateamento da infra-estrutura para o crescimento
econômico etc.
  É necessário, entretanto, reconhecer que o crescimento
recente da Argentina e da Venezuela não está ligado
apenas à enorme capacidade ociosa existente na eco-
nomia dos dois países. Ele está assentado também em
políticas que deveriam ser seguidas pelo Brasil para
acelerar o nosso crescimento econômico. Os dois paí-
ses praticam taxas de juros anuais muito baixas: 8,5%
na Argentina e 10,4% na Venezuela. Nos dois casos a
taxa de juro real, descontada a inflação, é negativa. A
Argentina não abre mão de manter uma taxa de câmbio
competitiva para favorecer as exportações, e, para isso,


                            44
JOSÉ PRATA ARAÚJO



realiza uma agressiva política de compra de dólares para
recomposição das reservas internacionais e adota o con-
trole da entrada de capitais como forma de evitar a va-
lorização da moeda local.
  Finalmente, algumas palavras sobre o elogiado pro-
cesso de renegociação da dívida pública da Argentina,
que implicou, para a sua maior parcela, descontos de
até 75% do valor devido. O país saiu da moratória,
mas seu endividamento não deixa de ser muito
preocupante, em torno de 80% do PIB, muito superior
ainda à dívida pública brasileira, de 52% do PIB. O go-
verno argentino vem praticando um superávit primário
de 4% do PIB para pagamento da dívida pública. Ver-
dade que esse superávit é percentualmente menor do
que o do Brasil, mas, considerando a reduzida carga
tributária da Argentina, o percentual de recursos pú-
blicos para pagamento da dívida é maior do que em
nosso país. Explicando melhor: 4% de superávit num
país com carga tributária de 23% do PIB, como na Ar-
gentina, significa economizar 17,4% dos impostos ar-
recadados para pagamento da dívida pública; ao passo
que o superávit de 4,8% do PIB existente no Brasil, que
tem carga tributária de 37%, significa economizar 13%
dos impostos para o pagamento da dívida pública. A
política fiscal da Argentina é melhor do que a do Bra-
sil, não exatamente na questão do superávit primário,
que é também elevado, mas no custo da rolagem da
dívida pública, que é mais baixo devido à taxa de juros
baixa praticada no país, que, além de reduzir os encar-


                           45
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”



gos da dívida, favorece o crescimento econômico e o
aumento da receita. Até onde temos informações, o
superávit de 4% do PIB da Argentina tem sido sufi-
ciente para cobrir todas as despesas, inclusive com os
juros da dívida pública, o que significa déficit fiscal zero,
como é proposto no Brasil por Delfim Netto.

         O ESTADO       NA   AMÉRICA LATINA

  A América Latina, com governos fortemente influen-
ciados pelos Estados Unidos e por organismos financei-
ros internacionais, foi um dos principais laboratórios do
neoliberalismo no mundo. No Chile, em 1981, antes das
reformas liberais de Ronald Reagan e Margareth
Tatcher, sob o comando do general Augusto Pinochet,
foi implantado um exemplo acabado de reforma
neoliberal: a privatização da seguridade social (previ-
dência e saúde). Em grande parte da América Latina,
além da implementação do modelo chileno de priva-
tização da previdência, da saúde e de outros serviços
sociais, foi implementado um amplo programa de pri-
vatização de empresas estatais estratégicas nas áreas
de petróleo, energia elétrica, mineração, bancos, side-
rurgias, telefonia, transportes ferroviários, serviços de
saneamento básico etc. Na região, o aparelho estatal
foi amplamente desmantelado e hoje a carga tributária
para a sua manutenção, à exceção do Brasil, está na
faixa de 15% a pouco mais de 20% do PIB. Nem mesmo
nos Estados Unidos a experiência liberal foi tão longe:


                             46
JOSÉ PRATA ARAÚJO



lá a carga tributária continua na faixa dos 30% do PIB e
o Estado mantém uma presença ainda importante na
prestação de serviços públicos, como previdência so-
cial, assistência social, educação e saúde, ainda que
conveniada com o setor privado.
  O economista estadunidense Carmelo Mesa-Largo
afirma que a reforma estrutural da previdência social
em oito países da América Latina – Argentina, Bolívia,
Chile, Colômbia, El Salvador, México, Peru e Uruguai –
deveria servir de paradigma mundial para a privatização
da seguridade social. Diz ele:

           “Nesta área crucial, a América Latina vem acumu-
         lando uma vasta experiência ao longo dos últimos
         dezesseis anos, dado que oito países da região vêm
         implementando diversas reformas de caráter estru-
         tural em seus sistemas previdenciários. No passa-
         do, a América Latina copiava os modelos dos paí-
         ses desenvolvidos; agora estes podem aprender e
         estão aprendendo com a rica, variada e pioneira
         experiência latino-americana neste campo, a partir
         de suas conquistas, de seus equívocos e das difi-
         culdades ainda existentes”10.

  Veja que vergonha: no passado de implantação das
conquistas sociais, a América Latina chegou atrasada;
mas quando se tratou de extinguir tais conquistas os
governos da região estiveram na vanguarda. Vanguar-
da do atraso!


                           47
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”



  São características do modelo chileno de privatização
da seguridade social, que se espalhou por outros países
da América Latina: a) somente os trabalhadores cus-
teiam a previdência e a saúde, deixando a proteção so-
cial por conta e risco de cada trabalhador isoladamente,
o que não é praticado nem mesmo no liberal Estados
Unidos; b) previdência e saúde são programas priva-
dos, mas compulsórios, em que a capacidade tributária,
que deveria ser exclusividade do Estado, foi estendida
ao setor privado. É algo parecido com o seguro DPVAT
(Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores
de Via Terrestre) no Brasil: privado e obrigatório; c) o
monumental passivo da privatização da previdência foi
estatizado (estoque de aposentadorias e pensões já con-
cedidas e devolução das contribuições dos trabalhado-
res ainda em atividade efetuadas ao sistema público de
previdência), o que foi uma das principais causas da
falência do Estado na Argentina.
  Além dos aspectos econômicos, fiscais e jurídicos, o
modelo chileno é altamente questionável do ponto de
vista ético. A privatização da previdência social é uma
das maiores rupturas sociais modernas. Veja o que dis-
se Júlio Bustamante, chefão da previdência privada chi-
lena, numa palestra em Brasília, em 1993:

           “A curva de despesas começa a descer porque –
         perdoem-me dizer assim tão friamente – começam a
         morrer os antigos pensionistas do sistema, de tal
         maneira que o Estado vai eliminando a sua carga.


                            48
JOSÉ PRATA ARAÚJO



          Assim, nossos cálculos mostram que, daqui a 15 anos,
          praticamente 1 milhão de aposentados desaparecerão,
          chegando a 20% do que são atualmente”11.

  Assim, a previdência privada só se consolida com a
morte de todos os aposentados e pensionistas da pre-
vidência pública, que representam o passivo indesejado
do Estado no processo de transição. A previdência,
que é um pacto de vida, com a privatização vira um
pacto de morte.
  Se o Estado latino-americano não mais atua na prote-
ção social de seus cidadãos, se não está mais presente
na economia nos setores estratégicos, para que serve o
Estado do ponto de vista da maioria da população? Tra-
ta-se do Estado dos sonhos dos neoliberais: enxuto e sus-
tentado por uma pequena carga tributária, o que, devido
às resistências populares, não conseguiram implantar ple-
namente em quase nenhum país desenvolvido.
  Na questão do Estado, portanto, o Brasil não tem qua-
se nada a copiar dos demais países emergentes, espe-
cialmente os da América Latina. Muito pelo contrário, o
Brasil é um dos poucos países emergentes onde sobrou
algum vestígio do Estado social e desenvolvimentista.
Análises comparativas do Brasil com outros países
“emergentes” que tomem como parâmetro apenas a
questão da taxa de juros e a do superávit primário são
uma aposta perigosa na desinformação e no retrocesso.
Deduzidos os gastos com juros, o Brasil tem um Estado
quase duas vezes maior do que a maioria dos Estados


                             49
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”



latino-americanos. A Argentina, com uma carga tribu-
tária de 23% do PIB, deduzido o superávit primário de
4% do PIB, tem gastos sociais e na infra-estrutura de
19% do PIB; enquanto o Brasil, com carga tributária de
37%, deduzido o superávit primário de 4,8%, tem gastos
com políticas sociais e infra-estrutura de 32,2% do PIB.
  Aqui, o neoliberalismo é um projeto inconcluso por uma
série de razões – atrasamos a sua aplicação com o
impeachment do ex-presidente Fernando Collor; diver-
sas organizações populares e partidárias, ao contrário
de outros países latino-americanos, se opuseram ao
desmantelamento do Estado; a crise fiscal do Estado
dificultou a privatização de diversos serviços públicos,
como a previdência. Só nosso sistema de proteção so-
cial – previdência (aposentadoria, pensão etc.); saúde,
assistência social (bolsa família, benefício de prestação
continuada etc.), benefícios vinculados ao Ministério do
Trabalho (seguro-desemprego e abono salarial) – ga-
rante benefícios superiores a R$ 300 bilhões por ano. É
absurda a comparação que se faz no Brasil do porte da
previdência pública e privada. Esta comparação, em
geral, é feita da seguinte forma: a receita anual da pre-
vidência pública (INSS e regime dos servidores) e a re-
ceita histórica dos fundos privados desde 1977. Quando
comparadas as receitas, ano a ano, fica claro que, mes-
mo com o crescimento da previdência privada, ela re-
presenta ainda um percentual pequeno do sistema
previdenciário. Ainda assim, os grandes fundos são pú-
blicos, ligados às empresas estatais. Não têm cabimen-


                            50
JOSÉ PRATA ARAÚJO



to também afirmações de que o programa Bolsa Famí-
lia é uma receita do Banco Mundial. Na América Lati-
na programas desse tipo visaram substituir o sistema
público de proteção social; aqui no Brasil, trata-se ape-
nas de um programa complementar a um sistema de
proteção social bastante amplo mantido pelo Estado, que
representa em torno de 17% do PIB, ou seja, do tama-
nho do Estado mexicano em termos percentuais.
  Além disso, o Estado brasileiro tem uma forte presen-
ça em outros serviços públicos, como educação, segu-
rança etc.; além de manter em lei uma ampla legislação
trabalhista. E mesmo com a privatização de cerca de
12% do PIB nos governos Itamar Franco e Fernando
Henrique o Estado brasileiro tem ainda empresas estra-
tégicas nas seguintes áreas: petróleo, bancos, energia
elétrica, correios, portos e aeroportos, saneamento bá-
sico etc. Vale ressaltar que um dos pontos centrais da
plataforma do presidente Evo Morales, na Bolívia, é a
estatização do petróleo e do gás, o que em nosso país já
é garantido pela Petrobrás, uma empresa de economia
mista que é um símbolo nacional.
  Um dos grandes entraves ao neoliberalismo no Brasil
é o tamanho do Estado, considerado ainda muito
intervencionista. O presidente do grupo Arcelor, gigan-
te mundial da siderurgia, Guy Dolé, afirma que a em-
presa vem engavetando alguns investimentos no Brasil
devido à alta carga tributária: “Hoje, é quase tão caro
investir no Brasil quanto na Europa. Isso não pode con-
tinuar porque, caso contrário, as empresas não vão in-


                            51
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”



vestir no país”12. O economista Adauto Lima, ligado ao
mercado financeiro, afirma que um dos fatores que aju-
daram na recuperação da Argentina foi a menor carga
tributária, que lá é de 23% do PIB, contra 37% no Brasil:
“Lá, o setor público não retira renda disponível na socie-
dade na [mesma] proporção que no Brasil, o que permi-
tiu que as empresas se recuperassem com recursos pró-
prios”13. A diferença de carga tributária entre o Brasil e
os demais países emergentes deve-se, em grande medi-
da, aos custos do sistema de proteção social que temos
em nosso país, que foi privatizado e existe de forma
mínima nos demais países. Portanto, reduzir a carga tri-
butária com a privatização do sistema de proteção so-
cial não é uma política aceitável para ser aplicada no
Brasil. Como se vê, uma análise comparativa do Brasil
com outros países “emergentes” apenas na política ma-
croeconômica, como é realizada por muitos economis-
tas e correntes de esquerda, acaba jogando água no
moinho do neoliberalismo. A agenda da esquerda não
se resume simplesmente aos índices de crescimento
econômico; é, acima de tudo, a agenda da igualdade
social. Neste sentido, os projetos de desenvolvimento
dos tigres asiáticos e dos “emergentes” da América
Latina devem ser analisados com um olhar mais crítico.
E mais: na perspectiva da igualdade social, algumas coi-
sas que ainda temos no Brasil – seguridade social, legis-
lação trabalhista, grandes estatais – são diferenciais fun-
damentais em relação a outros países “emergentes”, e
deveriam ser motivo de orgulho para nós, brasileiros.


                             52
JOSÉ PRATA ARAÚJO



Síntese
O que devemos copiar dos “emergentes”
✔ Taxas de juros, nominal e real, baixas como forma
  de estimular o crescimento econômico, a geração
  de emprego e renda, e de reduzir a dívida pública.
✔ Manutenção da taxa de câmbio competitiva, através
  de diversas medidas, mantendo a moeda local rela-
  tivamente desvalorizada, como forma de expandir as
  exportações e compensar, em parte, as desigualda-
  des tecnológicas com os países desenvolvidos e
  aquelas existentes no comércio internacional.
✔ Prioridade absoluta para a atração de investimen-
  tos produtivos, que gerem emprego, renda, recei-
  tas públicas e divisas para o país, e desestímulo à
  presença dos capitais especulativos, que valorizam
  a moeda local e desestimulam a produção.
✔ Política de aumento expressivo das reservas inter-
  nacionais em dólar como forma de o país honrar
  seus compromissos externos, ficando assim me-
  nos vulnerável às crises cambiais.
✔ Investimento pesado em educação, ciência e
  tecnologia para diversificar mais a estrutura produ-
  tiva do país, visando a produção de produtos de
  maior valor agregado.

O que não devemos copiar dos países “emergentes”
✔ Adoção de regimes políticos autoritários e de limi-
  tação da liberdade e da autonomia sindical, como
  acontece na Ásia, que reduzem conflitos e facili-
  tam a gestão da economia, mas que tolhem a li-
  berdade política e os direitos dos trabalhadores.



                          53
O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES”



✔ Redução dos custos do trabalho através da supres-
  são e/ou precarização total da legislação trabalhis-
  ta. Isso favorece a atração de capitais, mas gera
  mais pobreza e desigualdade, como acontece na
  maioria dos países emergentes.
✔ Redução drástica da carga tributária para a média
  de 20% do PIB, praticada nos países emergentes,
  através da privatização do sistema de proteção
  social, porque, se isso facilita também a atração
  de capitais, pela redução dos custos do trabalho,
  gera também mais pobreza e desigualdade.
✔ Pretender que o Brasil seja, como acontece na maio-
  ria dos países “emergentes”, simplesmente, uma
  plataforma de exportação mundial. O país precisa
  crescer com o aumento das exportações, mas tam-
  bém com o fortalecimento do mercado interno, e,
  para isso, a manutenção das conquistas sociais, a
  democratização da propriedade e a distribuição de
  renda são fundamentais. Ademais, precisamos apos-
  tar também num desenvolvimento sustentável,
  minimizando os impactos sobre o meio ambiente.




                           54
JOSÉ PRATA ARAÚJO



   VULNERABILIDADE EXTERNA
        DA ECONOMIA




  Nestes tempos da chamada globalização da economia,
é fundamental o enfrentamento da questão da vulne-
rabilidade externa. Ou seja, com a abertura comercial e a
desregulamentação dos mercados financeiros, as econo-
mias de diversos países, especialmente dos países “emer-
gentes” e países pobres, ficam constantemente expostas
às crises cambiais e aos ataques especulativos sobre as
moedas locais. Nessas condições, para que o país tenha
um projeto nacional de desenvolvimento com um mínimo
de autonomia, é preciso que as contas externas estejam
equilibradas ou superavitárias, com a drástica redução da
dependência dos capitais especulativos. Nessa questão
estratégica, existe também uma evidente descontinuidade
dos governos Lula e FHC, como veremos a seguir.

ABERTURA, CÂMBIO E TRANSAÇÕES CORRENTES

  Nos oito anos de Fernando Henrique, o Brasil quebrou
três vezes: em 1997-1998 (crise asiática e russa), quando
o governo estadunidense montou um grande plano de ajuda
do FMI para salvar o governo às vésperas da eleição; em
2001, quando da crise econômica da Argentina; e em 2002,

                            55
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA



quando o terrorismo econômico tucano/pefelista gerou um
enorme estrago na economia, com graves conseqüências
no início do governo Lula. Neste período, o Brasil se trans-
formou no maior devedor do Fundo Monetário Internacio-
nal e recebeu três empréstimos: US$ 14,3 bilhões em 1998;
US$ 17,2 bilhões em 2001; e US$ 26 bilhões em 2002.
Com toda a razão, os partidos de esquerda e os sindicatos
combateram as políticas do FMI para o Brasil. Mas é bom
lembrar que o FMI é causa e conseqüência de nossos pro-
blemas. Ou seja, as políticas do Fundo foram extrema-
mente prejudiciais ao crescimento da economia. Mas o
Brasil só chegou ao Fundo devido aos enormes equívo-
cos da política econômica tucano/pefelista. Como vere-
mos a seguir, a política econômica desequilibrou a balan-
ça comercial e a balança de serviços e rendas, que for-
mam o chamado balanço de transações correntes, princi-
pal indicador da solvência das contas externas do país.
  Toda crise da economia no Brasil era, segundo Fer-
nando Henrique, uma conseqüência inevitável da con-
juntura internacional e do processo de globalização. Se
isso fosse verdade, como explicar então que as crises
não tenham atingido na mesma intensidade todos os paí-
ses? Por que alguns quebraram e outros não? O econo-
mista Paulo Nogueira Batista Jr. afirma que as turbu-
lências internacionais impactam mais ou menos os paí-
ses em função do grau de vulnerabilidade de cada um:

            “A conclusão que se tira freqüentemente, com a
          globalização, é que os países estão à mercê da es-


                             56
JOSÉ PRATA ARAÚJO



         peculação financeira. Não é bem assim. Só os paí-
         ses que adotam políticas econômicas temerárias –
         temerárias não, vamos usar o adjetivo correto: idio-
         tas, como, por exemplo, a Rússia de Ieltsin e o Bra-
         sil de FHC – é que ficam submetidos aos caprichos,
         humores e interesses dos mercados financeiros in-
         ternacionais e outras forças estrangeiras”1.



  A política econômica do trio FHC/Pedro Malan/
Gustavo Franco, de 1995 a 1999, se baseou numa com-
binação explosiva: abertura comercial sem contra-
partida e forte valorização do câmbio (paridade real/
dólar). A abertura comercial foi realizada segundo os
interesses dos países desenvolvidos naqueles itens em
que são competitivos (na indústria e no setor de servi-
ços); já nos produtos agrícolas, em que os chamados
países emergentes, como é caso do Brasil, são mais
competitivos, foram mantidas diversas barreiras comer-
ciais pelos países desenvolvidos (subsídios agrícolas,
barreiras sanitárias, taxas diferenciadas etc.). De ou-
tro lado, a paridade cambial real/dólar encareceu nos-
sas exportações e barateou as importações realizadas
pelo Brasil. Resultado dessa loucura: o superávit co-
mercial do Brasil (exportações menos importações) foi
rapidamente transformado em déficit comercial. Veja
a tabela1. Como se vê, Fernando Henrique herdou uma
balança comercial com superávit de US$ 10,466 bi-
lhões em 1994, mas no seu primeiro ano de governo


                            57
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA



                                 houve uma reversão do
                                 quadro positivo e o dé-
                                 ficit atingiu US$ 3,466
                                 bilhões. Os resultados
                                 negativos se prolonga-
                                 ram até o ano 2000 e
                                 somente em 2001,
                                 como conseqüência do
                                 fim da paridade cam-
                                 bial, a balança comer-
cial brasileira saiu do vermelho.
  Com isso, a economia brasileira foi colocada, cons-
cientemente, pelo tucanato numa situação de enorme
vulnerabilidade.

 O que é o balanço de transações correntes


A    vulnerabilidade externa
     de um país se mede
pelo balanço de transa-
                                    pamentos e outros itens),
                                    que é sempre deficitária
                                    porque o Brasil não é um
ções correntes, composto            grande credor internacional
pela balança comercial              para receber juros, nem
(exportações e importa-             possui multinacionais para
ções), de que tratamos an-          remeter lucros e dividendos
teriormente; pela balança           para nosso país; e pelas
de serviços e rendas (juros,        transferências unilaterais
lucros e dividendos, via-           (dinheiro que é enviado ou
gens internacionais, trans-         recebido pelo país de for-
portes, seguros, computa-           ma espontânea, como no
ção e informação, royalties         caso dos brasileiros resi-
e licenças, aluguel de equi-        dentes no exterior).


                               58
JOSÉ PRATA ARAÚJO



  Como o Brasil passou a ser
deficitário na balança comer-
cial, única forma na atualidade
de equacionar suas contas exter-
nas, o déficit em transações cor-
rentes disparou na gestão de
Fernando Henrique. Em 1994, o
Brasil apresentou um pequeno
déficit no balanço de transações
correntes de US$ 1,811 bilhão;
já nos anos seguintes o déficit
disparou, chegando ao seu maior valor em 1998, com US$
33,416 bilhões. Veja a tabela 2. Depois da desvalorização
do real, o déficit caiu aos poucos e o Brasil demorou qua-
tro anos para equilibrar suas contas externas. Essa é a
grande obra de FHC: nos oito anos de governo, com o
populismo cambial (paridade real/dólar), abriu um rombo
de US$ 188 bilhões nas contas externas do Brasil. Como
veremos a seguir, toda a política econômica de FHC/Malan
ao longo de quase uma década foi para tentar financiar
esse enorme rombo, sendo que as medidas tomadas não
reverteram o quadro, pelo contrário, transformaram o
Brasil num país ainda mais vulnerável.

DÍVIDA EXTERNA, TÍTULOS CAMBIAIS E A MÍDIA

  Na era FHC, a dívida externa teve um enorme cresci-
mento: era de US$ 148,295 bilhões, em 1994; atingiu o
pico em 1998 ao atingir US$ 241,644 bilhões; e fechou


                            59
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA



                           em US$ 210,711 bilhões no final
                           de 2002. Veja a tabela 3. Esse
                           aumento do endividamento foi,
                           sobretudo, privado. Isso acon-
                           teceu porque era conveniente
                           tanto para os grandes empre-
                           sários, principalmente do setor
                           bancário, como para a política
                           econômica de FHC. As empre-
                           sas privadas se endividaram em
                           dólar porque o câmbio era fixo
e nessa situação vislumbraram a possibilidade de au-
mentar seus investimentos recorrendo a empréstimos
internacionais com taxas de juros bem mais baixas do
que aquelas praticadas internamente. E mais: alguns seg-
mentos se endividaram em dólar para ganhar dinheiro fácil
com a diferença da taxa de juros, ou seja, pegava-se
empréstimo internacional com uma determinada taxa de
juros e aplicavam-se os recursos em títulos do governo
brasileiro a taxas mais altas, embolsando assim a diferen-
ça. Para o governo Fernando Henrique, essa política de
endividamento externo era conveniente porque trazia
dólares para o Brasil cobrir o seu rombo externo.
  Esse endividamento externo acabou contaminando a
dívida pública interna. A dívida do governo em reais
sempre teve uma razoável autonomia em relação ao
quadro externo e aos solavancos no câmbio. Fernando
Henrique transformou a dívida interna em mais um fa-
tor de vulnerabilidade externa do país, ao ampliar enor-


                             60
JOSÉ PRATA ARAÚJO



memente a emissão de títulos cambiais, que chegaram
a representar ao final de seu governo 37% do endivida-
mento público. Essa dolarização da dívida interna foi
uma espécie de estatização da dívida externa. Ou seja,
grandes empresas e bancos endividados em dólar, para
se protegerem da desvalorização cambial, refugiaram-
se crescentemente em títulos cambiais, jogando parte
da conta da aventura do câmbio fixo para a sociedade.
Parte expressiva do aumento da dívida interna depois
de 1999 foi resultado do ônus representado pelos títulos
cambiais. Por exemplo, uma empresa que devesse US$
1 bilhão até 1999, com o câmbio na relação 1 x 1, devia
em reais também R$ 1 bilhão. Essa dívida, com a rela-
ção real/dólar tendo chegado na faixa de 3 x 1, passou
em reais para R$ 3 bilhões. Aquelas empresas que pos-
suíam títulos cambiais repassaram essa conta para o
governo brasileiro, ou seja, para a sociedade, que assu-
miu o ônus da desvalorização cambial. Esse é mais um
exemplo de um escândalo bilionário, amparado legal-
mente, de transferência de recursos públicos para o se-
tor privado.
  É nessa questão que deve ser buscada a explicação
de por que Fernando Henrique manteve uma política
suicida de populismo cambial de 1995 a 1999. Muitos
perguntam-se: como um homem culto e inteligente como
FHC permitiu tamanho desastre? Foram exatamente as
empresas endividadas em dólar que deram sustentação
enquanto puderam à aventura da âncora cambial. Por
um motivo simples: a desvalorização do real aumentaria


                           61
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA



na mesma proporção a dívida dessas empresas endivi-
dadas em dólar. Entre essas empresas estavam princi-
palmente bancos, grandes indústrias e, afundadas até o
pescoço em dívidas dolarizadas, grandes grupos de mídia.
As grandes empresas da mídia brasileira – Globo, Abril,
Folha, O Estado de S. Paulo, SBT e RBS – enfrentam uma
crise financeira sem precedentes e acumulam uma dívi-
da de R$ 10 bilhões, sendo 80% em dólar. Ou seja, a
mídia brasileira, contraditoriamente, sustentou a política
econômica e acabou sendo uma de suas principais víti-
mas. Endividou-se em dólar para se modernizar (novos
parques gráficos) e ampliou os negócios em diversas
áreas (novas publicações, TV por assinatura, internet),
mas a população, em especial a classe média, empobre-
cida pela política econômica, não sustentou o cresci-
mento dos negócios. Resultado: alto endividamento em
dólar, que se multiplicou em reais com o fim da paridade
cambial, e receitas em reais em queda, devido à estag-
nação econômica.
  Isso explica por que durante os longos anos da gestão
Fernando Henrique não tivemos quase nenhum espaço
na mídia para posições críticas em relação à política
econômica tucano/pefelista. A mídia estava amarrada,
não somente do ponto de vista ideológico, mas tinha tam-
bém os seus negócios fortemente vinculados à aventura
da paridade cambial. No artigo “Em crise, jornalismo
vira profeta do acontecido”, o jornalista Josias de Sou-
za, ex-chefe da sucursal da Folha de S.Paulo em
Brasília, fez um mea-culpa:


                             62
JOSÉ PRATA ARAÚJO



   “As corporações jornalísticas cometeram na úl-
tima década dois relevantes equívocos: 1) difun-
diram a tese de que a adesão do Brasil ao consen-
so liberal era prenúncio de prosperidade; 2) acre-
ditaram no devaneio. A indústria da informação
tirou do noticiário que produziu as suas próprias
confusões. Crente na perspectiva da bonança, tra-
çou planos expansionistas. Contraiu empréstimos
em dólar. Plantou em seus balanços encrencas mi-
lionárias. Colhe agora a tempestade. Vítima de si
mesma, a mídia virou notícia. O setor atravessa uma
crise sem precedentes. Talvez a maior dos últimos
50 anos. Com o destino atado a um iminente so-
corro financeiro do BNDES, a maioria das empresas
de comunicações encontra-se exilada de suas cer-
tezas. O consenso econômico em decomposição
é o incômodo local desse exílio. Nós, mercadores
da informação, devemos à clientela uma boa expli-
cação. Consumidores mais atentos já se pergun-
tam: por que acreditar em produtores de notícia que
não foram capazes de iluminar o próprio futuro? A
embaraçosa verdade é que o jornalismo se eximiu
nos últimos anos da tarefa de expor adequadamen-
te as contradições do modelo único. Limitou-se a
reproduzir, de modo acrítico, a atmosfera de oba-
oba e contemplação em que se processou o deba-
te econômico. Escassos opositores da nova ordem
foram tratados como chatos que queriam estragar
a festa”2.


                  63
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA



                  PASSIVO EXTERNO

  Outras medidas que aprofundaram a vulnerabilidade
externa de nosso país foram as privatizações e a
desnacionalização de nossa economia. Na era FHC, o
Brasil foi literalmente colocado à venda para cobrir o
rombo das contas externas. As privatizações renderam
ao governo US$ 105 bilhões e, no período de 1995 a
2000, centenas de empresas brasileiras foram compra-
das por empresas estrangeiras. Até 1995, o estoque de
capital estrangeiro no Brasil totalizava aproximadamen-
te US$ 50 bilhões. Apenas no período de 1996 a 2000, o
valor de investimentos diretos estrangeiros totalizou US$
120 bilhões, mais do que o dobro do estoque histórico
existente no país até então. Veja a tabela 4. Porque esse
gigantesco volume de capitais estrangeiros não acele-
rou o desenvolvimento do Brasil? Segundo Reinaldo
Gonçalves e Valter Pomar porque “a maior parte foi
destinada à compra de empresas (estatais e privadas);
                         financiou, portanto, a transfe-
                         rência de patrimônio, não a cria-
                         ção de riqueza nova”3.
                           O jornal Valor Econômico
                         apontou outra grande distorção
                         dos investimentos estrangeiros
                         no Brasil na era FHC: dos US$
                         120 bilhões a que nos referimos
                         anteriormente, grande parte foi
                         para o setor de serviços – ban-


                             64
JOSÉ PRATA ARAÚJO



cos, energia elétrica, telecomunicações etc. – e uma
pequena parte para a indústria. O jornal explica as con-
seqüências disso:

            “Todo investimento estrangeiro direto, mais
          cedo ou mais tarde, gera remessa de lucro. Onera
          a conta de transações correntes com o exterior
          (comércio, serviços e transferências unilaterais),
          principal indicador da situação das contas exter-
          nas. Quando o investimento é feito na indústria
          e na agricultura, pode gerar receita de exportação
          e influir no desempenho da balança comercial,
          que também integra as transações correntes. Já
          as atividades relacionadas a serviços quase não
          geram divisas”.

  Ou seja, o setor de serviços privatizado aumentou a
remessa de lucros das empresas estrangeiras para fora
do Brasil, sem nenhuma contrapartida para o país, pois se
trata de serviços não-comercializáveis que não integram
nossa pauta de exportações e, portanto, não trazem dóla-
res para que nosso país equilibre suas contas externas.
  Nos oito anos da era FHC, o passivo externo bruto –
estoque da dívida externa e estoque de capital estran-
geiro investido no país – passou de US$ 200 bilhões para
aproximadamente US$ 400 bilhões. Isso pressionou
enormemente a balança de serviços e rendas com au-
mento substancial do pagamento de juros e amortiza-
ções da dívida externa e remessa de lucros e dividen-


                            65
VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA



                            dos. Veja a tabela 5. Como se
                            vê, a remessa de lucros pas-
                            sou de apenas US$ 2,483 bi-
                            lhões em 1994 para nada me-
                            nos que US$ 12,686 bilhões em
                            2005. Quem vem liderando a
                            remessa de lucros é exata-
                            mente o setor de serviços
                            privatizado – bancos, telefonia,
                            energia elétrica etc.


COM LULA, BRASIL FICOU MENOS VULNERÁVEL
  Na área econômica, o principal avanço do governo Lula
foi a importante e estratégica redução da vulnerabilidade
externa do Brasil. A principal conquista foi na balança
comercial, como pode ser visto na tabela 1. Foram os
melhores resultados da história. As exportações atingi-
ram, em 2005, US$ 118,308 bilhões, contra US$ 60,361
bilhões em 2002; um crescimento de quase 100% em
apenas três anos. Nos oito anos da gestão FHC, as ex-
portações cresceram apenas 39%. O superávit comer-
cial (exportações menos importações) em 2005 atingiu
US$ 44,757 bilhões, um avanço espetacular sobre o va-
lor conseguido em 2002, de US$ 13,121 bilhões. A par-
ticipação do Brasil no comércio internacional saltou de
0,96%, em 2002, para 1,11%, em 2005. E, finalmente,
no período analisado, a corrente de comércio (soma das


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  • 1. José Prata Araújo um retrato do Brasil BALANÇO DO GOVERNO LULA
  • 2. Um retrato do Brasil é um amplo e informado balanço do governo Lula, situando-o no contexto de um quadro comparativo com os governos neoliberais de FHC e afirmando suas potencialidades. Trata-se de um detalhado painel do país nos últimos anos que fornece informações fundamentais a todos aqueles que desejam conhecer e entender as mudanças pelas quais o Brasil vem passando.
  • 3. Os primeiros três anos do governo Lula já proporcionaram importantes e positivas mudanças no país. Em 2006, o Brasil decidirá se irá querer a continuidade e o aprofundamento de um projeto de esquerda ou se retornará ao projeto neoliberal. Será decidido também se a democracia brasileira comporta uma rotatividade no poder mais substantiva ou se continuará sendo um mero revezamento de segmentos das elites no governo. E, finalmente, o processo eleitoral de 2006 definirá os rumos
  • 4. do Brasil na política externa, como um país protagonista da integração latino-americana ou como satélite da política dos Estados Unidos na região. Este livro apresenta um completo e minucioso balanço do primeiro mandato de Lula e da coalizão liderada pelo Partido dos Trabalhadores em relação a sua concepção de Estado e a suas ações nas áreas social e política, na economia e no desenvolvimento, e nas relações exteriores, apontando avanços e problemas enfrentados.
  • 5. UM RETRATO DO BRASIL
  • 6. Créditos das imagens da capa (da direita para a esquerda): Ricardo Stuckert/ABr; Marcello Casal Jr./ABr; Lindomar Cruz/ABr; Foto Divulgação DNIT; Ricardo Stuckert/ABr; Ana Nascimento/ABr; Marcello Casal Jr/ABr; Marcello Casal Jr./ABr; Rose Brasil/ABr. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Araújo, José Prata Um retrato do Brasil : balanço do governo Lula / José Prata Araújo. — 1. ed. — São Paulo : Editora Fundação Perseu Abramo, 2006. — (Coleção Brasil urgente) ISBN 85-7643-032-0 1. Brasil - Política e governo 2. Partido dos Trabalhado- res (Brasil) 3. Silva, Luís Inácio Lula da, 1945- I. Título. II. Série. 06-5188 CDD-320.981 Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Política e governo 320.981
  • 7. UM RETRATO DO BRASIL BALANÇO DO GOVERNO LULA JOSÉ PRATA ARAÚJO EDITORA FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO
  • 8. Fundação Perseu Abramo Instituída pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores em maio de 1996. Diretoria Hamilton Pereira (presidente) Ricardo de Azevedo (vice-presidente) Selma Rocha (diretora) Flávio Jorge Rodrigues da Silva (diretor) Editora Fundação Perseu Abramo Coordenação Editorial Flamarion Maués Assistente Editorial Viviane Akemi Uemura Revisão Maurício Balthazar Leal Capa Eliana Kestenbaum Editoração Eletrônica Enrique Pablo Grande Impressão Bartira Gráfica 1a edição: agosto de 2006 Todos os direitos reservados à Editora Fundação Perseu Abramo Rua Francisco Cruz, 224 04117-091 — São Paulo — SP — Brasil Telefone: (11) 5571-4299 – Fax: (11) 5571-0910 Correio eletrônico: editora@fpabramo.org.br Visite a página eletrônica da Fundação Perseu Abramo http://www.fpabramo.org.br Copyright © 2006 by José Prata Araújo ISBN 85-7643-032-0
  • 9. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................. 9 CONCEPÇÃO DE ESTADO .......................................... 11 O PRIVATISMO TUCANO ........................................................... 11 OS RESULTADOS SOFRÍVEIS DAS PRIVATIZAÇÕES – LUCIANO COUTINHO ................................................ 16 PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS ............................... 18 O ESTADO NO GOVERNO LULA .......................................... 23 CONCEPÇÃO DE ESTADO E ELEIÇÕES DE 2006 ..................... 26 SÍNTESE .......................................................................... 29 O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” ....................... 33 A EXPERIÊNCIA DOS TIGRES ASIÁTICOS ............................... 34 O QUE NÃO DEVE SER COPIADO DOS ASIÁTICOS ................... 36 O CONTEXTO LATINO-AMERICANO ..................................... 41 O ESTADO NA AMÉRICA LATINA ........................................ 46 SÍNTESE .......................................................................... 53 VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA ............ 55 ABERTURA, CÂMBIO E TRANSAÇÕES CORRENTES .................. 55 O QUE É O BALANÇO DE TRANSAÇÕES CORRENTES ............... 58 DÍVIDA EXTERNA, TÍTULOS CAMBIAIS E A MÍDIA .................. 59 PASSIVO EXTERNO ............................................................ 64 COM LULA, BRASIL FICOU MENOS VULNERÁVEL ................. 66 O QUE É O RISCO-PAÍS ..................................................... 71 SÍNTESE ......................................................................... 72 CRESCIMENTO ECONÔMICO, INFLAÇÃO E JUROS ......... 75 O ALTO CUSTO DA “ESTABILIDADE” ECONÔMICA ................. 76 OPORTUNIDADE PERDIDA ................................................ 81 OS NÚMEROS DO GOVERNO LULA ..................................... 86
  • 10. UM RETRATO DO BRASIL JUROS, ESQUERDA E DIREITA ............................................. 90 SÍNTESE ......................................................................... 93 DÍVIDA PÚBLICA, SUPERÁVIT PRIMÁRIO E CARGA TRIBUTÁRIA .............................. 95 QUE RESPONSABILIDADE FISCAL? .................................... 95 INDICADORES FISCAIS NO GOVERNO LULA ....................... 101 SÍNTESE ........................................................................ 109 POLÍTICA EXTERNA E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA ............................................. 111 O QUE É A ALCA? – MARCO AURÉLIO WEISSHEIMER ...... 112 ÁREA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – ALCA ........... 113 A CONSTITUIÇÃO DO G-20 ............................................ . 115 ESQUERDIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA ....... 117 ELEIÇÕES E O FUTURO DA AMÉRICA LATINA ..................... 119 DÚVIDA, DECEPÇÃO E ESPERANÇA – JOSÉ LUIS FIORI ........ 122 SÍNTESE ........................................................................ 124 CORRUPÇÃO E REFORMA POLÍTICA ........................... 125 OS MAIORES PREDADORES DO ESTADO ............................. 125 AS BASES SOCIAIS DA HONESTIDADE – RENATO JANINE RIBEIRO ........................................ 130 CRISE E CONCEPÇÃO DE ESTADO ...................................... 132 REFORMA POLÍTICA DEMOCRÁTICA ................................... 136 SÍNTESE ........................................................................ 139 DESENVOLVIMENTO SOCIAL ..................................... 141 INFLAÇÃO REDUZIDA À METADE ....................................... 141 IGPs: OS MENORES DA HISTÓRIA ....................................... 142 A RETOMADA DO EMPREGO ............................................ 143 SALÁRIO MÍNIMO ........................................................... 145 PRECARIZAÇÃO FOI SUSPENSA ......................................... 147 RENDIMENTO MÉDIO ...................................................... 147 IMPOSTO DE RENDA E SIMPLES ....................................... 149 MELHORES ACORDOS SALARIAIS ..................................... 150 6
  • 11. UM RETRATO DO BRASIL UMA REVOLUÇÃO NO CRÉDITO ......................................... 151 BOLSA FAMÍLIA ........................................................... 153 REDUÇÃO DA POBREZA E DA DESIGUALDADE .................. 155 7 MILHÕES MIGRAM DA CLASSE D/E PARA A CLASSE C – EMIR SADER ........................................... 158 PROUNI E FUNDEB ........................................................ 159 REFORMA AGRÁRIA E POLÍTICA AGRÍCOLA ........................ 160 PREVIDÊNCIA SOCIAL ..................................................... 162 DOMICÍLIOS PRÓPRIOS, SERVIÇOS E BENS .......................... 164 PROGRAMAS DE SAÚDE .................................................. 166 OUTRAS POLÍTICAS SOCIAIS ............................................. 167 SÍNTESE ........................................................................ 168 O BRASIL QUE QUEREMOS ........................................ 171 PSDB: O NÚCLEO DURO DO GRANDE CAPITAL .................... 171 TRÊS TAREFAS HISTÓRICAS .............................................. 176 “COM LULA, FOI TODO UM INCONSCIENTE COLETIVO QUE CHEGOU AO PODER” – CÂNDIDO MENDES .............. 180 ANEXO: SÍNTESE DOS PRINCIPAIS INDICADORES SOCIOECONÔMICOS DO BRASIL ................................. 199 GEOGRAFIA E POPULAÇÃO ............................................. 199 FAMÍLIAS E DOMICÍLIOS .................................................. 206 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL ....................... 210 INDICADORES DE SAÚDE ................................................ 213 EDUCAÇÃO .................................................................... 218 PREVIDÊNCIA SOCIAL E PRIVADA .................................... 221 SEGURANÇA PÚBLICA ..................................................... 225 MUNDO DO TRABALHO ................................................. 227 ESTRUTURA FUNDIÁRIA ................................................... 238 PARTIDOS E ELEITORADO ................................................ 241 IDENTIDADES DIVERSAS ................................................. 243 SÍNTESE ....................................................................... 246 NOTAS ..................................................................... 249 7
  • 12. SOBRE O AUTOR José Prata Araújo é economista formado pela PUC- Minas e especialista em direitos sociais. Foi militante sindical bancário e membro do Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte e Região por três gestões. Suas pu- blicações – cartilhas, livros, boletins – venderam, desde 1999, 650 mil exemplares em todo o país. Suas publica- ções mais recentes são: Guia dos direitos do povo, Manual dos direitos dos segurados do INSS e Guia dos direitos previdenciários dos servidores públicos. É assessor de políticas sociais do Sindicato dos Traba- lhadores do Poder Judiciário Federal de Minas Gerais (Sitraemg); do Sindicato dos Servidores Municipais da Prefeitura de Belo Horizonte (Assemp); do Sindicato dos Servidores de Justiça de 2ª Instância de Minas Gerais (Sinjus); e do Sindicato dos Médicos de Minas Ge- rais (Sinmed-MG). O conteúdo desta publicação é de inteira responsabilidade do autor, não refletindo, neces- sariamente, a posição das entidades para as quais pres- ta serviços.
  • 13. UM RETRATO DO BRASIL INTRODUÇÃO Os primeiros três anos do governo Lula já proporcio- naram importantes e positivas mudanças no país. Em 2006, o Brasil decidirá se irá querer a continuidade e o aprofundamento de um projeto de esquerda ou se retornará com o projeto neoliberal. Será decidido tam- bém se a democracia brasileira comporta uma rotatividade no poder mais substantiva ou se continuará sendo um mero revezamento de segmentos das elites no governo. E, finalmente, o processo eleitoral de 2006 definirá os rumos do Brasil na política externa, como um país prota- gonista da integração latino-americana ou como satélite da política dos Estados Unidos na região. Este livro apresenta um completo e minucioso balanço do primeiro mandato de Lula e da coalizão liderada pelo Partido dos Trabalhadores em relação a sua concepção de Estado e a suas ações nas áreas social e política, na economia e no desenvolvimento, e nas relações exterio- res, apontando avanços e problemas enfrentados. 9
  • 14. JOSÉ PRATA ARAÚJO CONCEPÇÃO DE ESTADO Uma questão fundamental que demarca esquerda e direita neste momento histórico é a concepção de Es- tado. O neoliberalismo prega uma reforma radical do Estado, com a privatização das estatais estratégicas para o desenvolvimento e dos principais serviços pú- blicos – previdência, saúde e educação. Seu objetivo é que o Estado não se intrometa mais nas relações de trabalho. Nestas questões relevantes, existem impor- tantes diferenças entre o governo Lula e o governo Fernando Henrique. Na verdade, a concepção de Es- tado é a questão mais importante que estará em dispu- ta nas eleições de 2006. O PRIVATISMO TUCANO Quem expressou com precisão a diferença entre Lula e FHC na questão estratégica da concepção de Estado foi o economista tucano José Roberto Mendonça de Barros. Sem as tergiversações típicas do PSDB (Partido da Social-Democracia Brasileira), ele afirmou: 11
  • 15. CONCEPÇÃO DE ESTADO “A grande diferença geral que há entre as duas administrações é a concepção de Estado. No go- verno FHC a concepção era de um Estado menor, mais regulador, voltado para os gastos prioritários na área social, privatizando, concedendo e terceiri- zando. No caso do governo Lula, até agora a orien- tação geral é mais Estado, mais funcionários, me- nos terceirização, menos privatização, menos capi- tal privado, menos agências reguladoras, mais po- der para os ministérios. Eu acho essa visão absolu- tamente ultrapassada e que não funciona”1. Vale lembrar que José Roberto Mendonça de Barros, o seu irmão Luiz Carlos Mendonça de Barros, o ex- ministro Bresser Pereira e o ex-prefeito de São Paulo José Serra são considerados os expoentes da “ala desenvolvimentista” do PSDB. Se eles representam a “es- querda” do partido, dá para avaliar o conteúdo do con- junto da obra tucana para o Estado brasileiro. Os tuca- nos, de fato, têm diferenças internas nas políticas macroeconômicas, mas tanto “desenvolvimentistas” como “monetaristas” se unificam na concepção de Es- tado, que prevê um amplo programa de privatização das estatais e dos serviços públicos. Os dois governos de FHC foram amplamente hegemonizados pela ala monetarista de Pedro Malan- FHC e já conhecemos suas políticas. Já a ala “esquerda” pode ser definida como liberal-desenvolvimentista e, na mídia, tem como uma das principais expressões o jornal Folha de S.Paulo. 12
  • 16. JOSÉ PRATA ARAÚJO São críticos da ortodoxia do governo Lula na política macroeconômica, mas não têm qualquer reparação ao processo de privatização do Estado realizado nos dois governos de FHC, bem como à sua continuidade futura. Bresser Pereira foi até mesmo, quando titular do Minis- tério da Administração e Reforma do Estado (MARE), car- go que ocupou no primeiro mandato de Fernando Henrique, um dos principais formuladores da concepção de Estado na gestão de Fernando Henrique. O então Plano Diretor da Reforma do Estado classificava as atividades governa- mentais em quatro segmentos: a) o Núcleo Estratégico de Estado, formado pela alta cúpula estatal dos poderes Exe- cutivo, Legislativo e Judiciário; b) o Setor de Atividades Exclusivas de Estado, formado basicamente pelas áreas de tributação, fiscalização, segurança pública, Justiça, fo- mento, regulação, diplomacia e previdência básica; c) o Setor de Serviços Não-Exclusivos de Estado, que congre- ga todos os serviços da área social, cultura e os serviços de utilidade pública em geral; d) o Setor de Produção para o Mercado, formado pelas estatais, que, na visão do Plano Diretor de FHC, deveriam ser todas privatizadas. Nos dois governos de Fernando Henrique, este Plano Diretor foi amplamente executado. Na concepção dos tucanos, portanto, o Estado não deve ter qualquer papel direto na economia, enquanto controlador de grandes empresas estratégicas para o desenvolvimento econô- mico. Foi isso que orientou o amplo programa de privatizações nas áreas de telefonia, mineração, side- rurgia, energia elétrica, bancos, ferrovias, produção de 13
  • 17. CONCEPÇÃO DE ESTADO aviões, saneamento básico etc., que implicou a transferência para o setor privado de uma importante fatia do patrimônio público, em torno de US$ 105 bilhões pelo câmbio vigente durante o período da paridade cambial. Veja a tabela 1. Foi uma transferência patrimonial de 12% do PIB, a maior reali- zada no mundo nesta época de hegemonia neoliberal. Como se vê, o auge da privatização aconteceu nos anos de 1997 e 1998, quando foram ar- recadados US$ 65,2 bilhões, utilizados integralmente para tentar manter a falida âncora cambial do Plano Real. O jornalista Aloysio Biondi, já falecido, ironizou o pro- cesso de privatização: “Compre você também uma empresa pública, um banco, uma ferrovia, uma rodovia, um porto etc. O governo vende baratíssimo ou pode até doar. Assim é a privatização brasileira: o governo financia a com- pra no leilão, vende moedas podres a longo prazo e ainda financia os investimentos que os ‘comprado- res’ precisam fazer. E para aumentar os lucros dos futuros ‘compradores’ o governo engole dívidas bilionárias, demite funcionários, investe maciçamente e até aumenta tarifas e preços antes da privatização”.2 14
  • 18. JOSÉ PRATA ARAÚJO Para avaliar o tamanho do prejuízo causado aos co- fres públicos pela privatização tucana, seria fundamen- tal que os partidos de esquerda e/ou a CUT (Central Única dos Trabalhadores) encomendassem estudos compara- tivos do preço de venda das estatais e do valor de mer- cado, depois do vigoroso processo de valorização que estas empresas experimentaram. Um exemplo ilustrativo da privatização tucana é a Vale do Rio Doce. Uma decisão do Tribunal Regional Fede- ral de Brasília determinou a realização de uma perícia técnica para averiguar o valor da empresa na ocasião da privatização. Os dados, que indicam uma forte subestimação do preço de venda, são os seguintes: “No dia 8 de maio de 1995, a Vale informara à SEC (Securities and Exchange Comission), entidade que fiscaliza o mercado acionário nos EUA, que suas reservas lavráveis de minério de ferro em mu- nicípios de Minas Gerais eram de 7,918 bilhões de toneladas. No edital de privatização, foi mencio- nado só 1,4 bilhão de toneladas. Uma diferença de 6,518 bilhões de toneladas. Quanto às minas de ferro da Serra de Carajás, a Vale informou à entida- de norte-americana que suas reservas totalizavam 4,970 bilhões de toneladas. De novo o edital de privatização mencionou um número menor: 1,8 bi- lhão de toneladas. Uma subestimação de 3,170 bilhões de toneladas”3. 15
  • 19. CONCEPÇÃO DE ESTADO Os resultados sofríveis das privatizações Luciano Coutinho ara o economista Lucia- abrindo novos modelos de P no Coutinho, da Unicamp (Universidade Estadual de negócio rentáveis para o setor privado (telefonia mó- Campinas), os resultados vel, serviços via internet das privatizações, sobretu- etc.), os resultados do para- do da infra-estrutura e dos digma neoliberal foram so- serviços públicos, e da fríveis. Com efeito, nos mo- regulação foram sofríveis: nopólios naturais, em que “A primeira lição é que a as economias de escala privatização e a competi- são poderosas, com longos ção funcionam bem em prazos de maturação dos segmentos tipicamente pri- investimentos e com pre- vados – por exemplo em sença de externalidades, o setores industriais que ha- modelo privado tende a pro- viam sido desenvolvidos ou vocar dificuldades de difícil absorvidos pelo Estado em superação. Com efeito, a decorrência de fragilidades missão social intrínseca às patrimoniais do setor priva- infra-estruturas que ofere- do (exemplo: siderurgia, cem serviços de utilidade mineração, construção na- pública é pouco compatível val e petroquímica). Já na com os objetivos de maxi- esfera das infra-estruturas mização de lucros do inves- e dos serviços públicos (te- tidor privado. Este requer lecomunicações, energia, taxas de retorno muito mais saneamento, transportes elevadas (que refletem a es- etc.), a experiência foi pro- cassez de capital e os ris- blemática. À exceção das cos específicos desses telecomunicações, setor no empreendimentos) em qual uma revolução tecno- comparação com a taxa de lógica vem modificando o retorno socialmente dese- monopólio natural original e jada ou praticada na esfe- 16
  • 20. JOSÉ PRATA ARAÚJO ra pública. Ao requererem las populações de baixa taxas de retorno mais al- renda, tornando muito tas, os investimentos pri- mais árdua a tarefa do vados necessitam de pre- agente regulador” ços e tarifas mais elevados (COUTINHO, Luciano. para remunerar os seus ati- “Regulação com eficiência vos, em detrimento das e eqüidade”. Folha de condições de acesso pe- S.Paulo, 22/02/2004). A privatização da Vale do Rio Doce é um escândalo: seu valor de mercado no final de 2005 era 15 vezes maior do que o valor de quando foi vendida em 1997. Naquele ano, o governo federal vendeu as ações que detinha por R$ 3,338 bilhões, o que equivalia a 41,73% do valor da empresa, que era de R$ 8 bilhões. No final de 2005, a Consultoria Global Invest estimou o valor da Vale do Rio Doce na Bolsa de Valores em US$ 55,5 bilhões, o que equivalia a R$ 122 bilhões. Assim, as ações pertencentes à União vendidas por R$ 3,338 bilhões em 1997 passaram a valer R$ 50,910 bilhões em 2005. Todo o processo de privatização foi realizado com um falso discurso social: era preciso retirar o Estado da eco- nomia para que ele pudesse se dedicar à prestação de bons serviços públicos nas áreas de saúde, educação e segurança. Isso se revelou uma farsa porque implicou, em primeiro lugar, a demissão de mais 600 mil trabalha- dores e, para a população em geral, fez disparar os pre- ços dos serviços públicos de telefonia, energia elétrica e água, que passaram a representar um enorme peso no orçamento doméstico. As privatizações, apesar de seus 17
  • 21. CONCEPÇÃO DE ESTADO valores astronômicos, não contribuíram para melhorar a situação fiscal do governo, porque os recursos arrecada- dos foram esterilizados pelas altas taxas de juros pratica- das pelo governo FHC. As privatizações não tiveram tam- bém nenhum impacto relevante no crescimento da eco- nomia, porque não implicaram o aumento expressivo da capacidade produtiva, mas apenas uma transferência patrimonial da capacidade instalada já existente. PRIVATIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS Como já vimos, na concepção de Estado tucano/pefelista se previa o Setor de Serviços Não-Exclusivos de Estado, que congregaria todos os serviços da área social (saúde, assistência social, educação, segurança, grande parte da previdência), cultura e os serviços de utilidade pública em geral (coleta de lixo etc.). Os formuladores desta proposta dizem que esses serviços são todos passíveis de privatização. Para eles, o Estado deve garantir o provi- mento, mas não necessariamente a produção/execução direta. Isso pode ficar sob a responsabilidade de institui- ções privadas ou públicas não-estatais. Para viabilizar esse amplo processo de privatização dos serviços públicos, foi aprovada a criação das chamadas “Organizações Sociais”, através de uma lei de 1998. A terceirização dos serviços públicos foi ampliada, como no caso da desastrada terceirização da perícia médica do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), que, de 2002 a 2005, fez triplicar a con- cessão de auxílios-doença, ficando o Instituto com controle 18
  • 22. JOSÉ PRATA ARAÚJO precário de uma das áreas estratégicas da concessão de benefícios. Com a privatização das estatais e com a cria- ção das agências reguladoras com enormes poderes, fo- ram esvaziadas diversas funções estratégicas dos ministé- rios. E nas duas gestões de FHC o Estado foi sucateado também com a enorme redução do número de servidores e com o arrocho salarial. Depois de reformar o capítulo da ordem econômica da Constituição de 1988 com a quebra dos monopólios esta- tais e a privatização das estatais, no segundo mandato de Fernando Henrique a proposta era a realização de uma ampla reforma do capítulo da ordem social, especialmen- te com a supressão dos direitos trabalhistas, como vere- mos mais adiante, e com a privatização da previdência social. O economista, ex-ministro e ex-deputado tucano Antônio Kandir, num livro editado pelo Ministério da Pre- vidência, reconheceu a influência do modelo chileno de privatização da previdência no núcleo que se tornaria hegemônico no interior do governo FHC: “O modelo chile- no é o referencial fundamental da reforma brasileira – e as diversas propostas existentes trazem esta marca –, mas seus diversos componentes devem ser devidamente traduzidos às particularidades políticas, jurídicas e finan- ceiras brasileiras”. Antônio Kandir, com uma sinceridade de impressio- nar, deu três razões para defender o modelo chileno adap- tado e o teto de três salários mínimos para a previdência pública: a) a privatização total polarizaria o debate e di- ficultaria a aprovação da reforma: 19
  • 23. CONCEPÇÃO DE ESTADO “Qualquer movimento radical de reforma do siste- ma previdenciário tende a tornar ideológica a discus- são, favorecendo a polarização das forças políticas re- presentadas no Congresso Nacional. Vale dizer que haveria uma forte reação à privatização total da Previ- dência Social por parte dos parlamentares mais iden- tificados com a tese da necessidade da intervenção estatal na garantia dos direitos sociais da população”4; b) empresas privadas não têm interesse nos pobres: “Haveria, igualmente, uma reação negativa dos po- tenciais interessados na administração das entida- des de previdência, no que tange à absorção de um número elevado de pequenas contas”; c) pobres não têm cultura para participar de previdên- cia privada: “A boa saúde financeira de um sistema previden- ciário privado depende do poder de acompanha- mento e fiscalização exercido pelos seus segurados. Esse poder, por sua vez, pressupõe uma capacida- de cognitiva mínima, o que, certamente, guarda re- lação com um nível mínimo de renda”5. Este modelo não foi aplicado no Brasil por diversas ra- zões. Primeira: ao contrário de outros países latino-ame- ricanos, temos em nosso país organizações de esquerda 20
  • 24. JOSÉ PRATA ARAÚJO fortes que se opuseram à privatização. Segunda: a previ- dência está constitucionalizada e a privatização esbarrou na dificuldade representada por um quórum muito alto no Congresso Nacional. Terceira: a reforma da previdência planejada para o segundo mandato de Fernando Henrique teve que ser adiada devido às sucessivas crises enfrenta- das pelo Brasil, que deterioraram dramaticamente a situa- ção fiscal do país. A privatização da previdência no Bra- sil abriria um rombo de R$ 4 trilhões e o esforço fiscal para cobri-lo seria de 8% do PIB, o dobro do atual superá- vit primário, o que levaria o Brasil a uma situação de mo- ratória técnica, como na Argentina. Como disse o ex- ministro Antônio Britto: “A questão da privatização da previdência não é política nem ideológica, é atuarial”. Ou seja, não havia, na base do governo Fernando Henrique, quem se opusesse à privatização da previdência por prin- cípio. Assim, ela só não aconteceu devido às restrições fiscais. Não foi aleatória, portanto, a entrega do Ministé- rio da Previdência Social ao PFL (Partido da Frente Libe- ral), partido doutrinariamente comprometido com a privatização da previdência pública. Como já dissemos, o governo Fernando Henrique de- sistiu da privatização da previdência em 1998 devido à grave crise enfrentada pelo país com o fim da paridade cambial e o agravamento do déficit das contas públicas. No dia 4 de julho de 1999, o jornal Folha de S.Paulo estampou a seguinte manchete em seu caderno de eco- nomia: “Governo descarta privatizar o INSS”. A reporta- gem informava o seguinte: 21
  • 25. CONCEPÇÃO DE ESTADO “O governo decidiu deixar a iniciativa privada de fora da administração do novo sistema de apo- sentadoria para os trabalhadores que ganham até o teto de contribuições do INSS. Até essa faixa, o sistema continuará integralmente público. A de- cisão encerra uma acirrada discussão interna no governo. O modelo escolhido representa um freio na expectativa de um grande negócio no Brasil: a entrada dos fundos de previdência privada no mercado para trabalhadores que ganham menos de dez salários mínimos. A opção contrária à pri- vatização foi tomada para evitar uma explosão da dívida pública no país, que custaria quase R$ 2 trilhões, cerca de duas vezes o PIB (Produto In- terno Bruto). O reconhecimento dessa dívida tor- nou insustentável o custo de transição para um sistema privado”. Foi visível a contrariedade com que o governo Fer- nando Henrique recuou da privatização da previdência, mas não sem sonhar com a sua retomada futura. São palavras do ex-ministro Waldeck Ornélas: “Não adianta sonhar com um sistema que poderia ser ideal se a reali- dade não permite. A reforma profunda virá no próximo século”6. Um dos membros da equipe de FHC, o econo- mista Francisco de Oliveira Barreto, do Instituto de Pes- quisa Econômica Aplicada (IPEA), lamentou o recuo na privatização da previdência: 22
  • 26. JOSÉ PRATA ARAÚJO “A situação fiscal era outra, a dívida pública ain- da não havia explodido e ainda podíamos pensar em emitir títulos públicos para lastrear a transição. Agora isso seria insano. O Estado será o dono da bola até que seja possível zerar o déficit. O gestor privado só poderá entrar daqui a cinco ou seis anos, se a situação financeira melhorar. O máximo que poderemos fazer nesse sentido [a participação das empresas privadas] é deixar brechas para uma futu- ra mudança no sistema”7. O ESTADO NO GOVERNO LULA É na concepção de Estado que podemos localizar uma das maiores descontinuidades entre os governo de Lula e de FHC. As grandes empresas estatais que sobreviveram à avalanche neoliberal foram preservadas no governo Lula – Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Banco do Nordeste, grandes empresas de ener- gia elétrica federais, Correios, Infraero etc. São empre- sas que se mostraram muito importantes para a reorgani- zação do Estado e para o funcionamento da economia. A Petrobrás foi fundamental para minimizar o choque de preços do petróleo e o governo Lula, mesmo com a enor- me pressão dos acionistas privados, não reajustou os pre- ços dos derivados na proporção do aumento de preços verificado no mercado internacional. Lula preservou a 23
  • 27. CONCEPÇÃO DE ESTADO Petrobrás e no começo de 2006, com justa razão, pôde apresentar à nação e capitalizar politicamente uma reali- zação histórica da empresa: a auto-suficiência do Brasil em petróleo. O BNDES, o banco da privatização nas ges- tões de Fernando Henrique, retomou sua missão de fi- nanciar a produção e a geração de empregos e é um dos maiores bancos de fomento do mundo. Os outros bancos estatais – Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil principalmente – voltaram a atuar de forma mais agressi- va na concessão de crédito rural, financiamento de habi- tação e saneamento, bem como na inclusão bancária. As estatais de energia elétrica foram fortalecidas e voltaram a ampliar os seus investimentos. Na previdência social, as mudanças nos critérios de concessão de aposentadorias e pensões, a contribuição de aposentados e pensionistas, entre outras medidas, ir- ritaram muito os servidores públicos, como veremos mais adiante. Mas a reforma, no essencial, não foi es- trutural e privatista, como aconteceu em outros países da América Latina. Foi adotado para os servidores pú- blicos um modelo de previdência similar ao das esta- tais: uma previdência pública básica (INSS) até o teto de R$ 2.801,56; e uma previdência complementar pública, não-estatal (os fundos de pensão), para a faixa sala- rial superior a R$ 2.801,56. Esse modelo de previdência é defendido e sua gestão disputada nas estatais por to- das as correntes sindicais, sejam elas vinculadas: ao PT (Partido dos Trabalhadores), ao PCdoB (Partido Comu- nista do Brasil), ao PSTU (Partido Socialista dos Traba- 24
  • 28. JOSÉ PRATA ARAÚJO lhadores Unificado), ao PSOL (Partido So- cialismo e Liberda- de), ao PCO (Partido da Causa Operária) etc. Sobre a nature- za dos fundos de pensão, acreditamos que não há dúvida: se o patrocinador será o governo, se os parti- cipantes serão servidores públicos e se a gestão será pú- blica, tais fundos serão públicos, ainda que não estatais. Vale ressaltar também que, na reforma da previdência, o governo Lula propôs que o Seguro de Acidentes do Tra- balho (SAT) fosse um monopólio do INSS, o que não passou devido às articulações da oposição – PFL e PSDB. Tem razão o economista José Roberto Mendonça de Barros ao dizer que, no governo Lula, além da suspen- são das privatizações de empresas estratégicas, a orien- tação geral é mais Estado, mais funcionários, menos terceirização, menos agências reguladoras, mais poder para os ministérios. Veja na tabela 2 a evolução do nú- mero de servidores federais de 2002 a 2005. Em 1995 eram 1.033.548 os servidores dos três poderes (civis e militares do Poder Executivo, e servidores dos poderes Legislativo e Judiciário) e em 2002 o número tinha sido reduzido para 912.192. Já no governo Lula, o serviço público voltou a ser fortalecido e o número de servido- 25
  • 29. CONCEPÇÃO DE ESTADO res subiu para 984.364 em novembro de 2005, com 72.172 novas contratações, e, até o final de 2006, com outros concursos públicos, novos servidores serão con- tratados. E isso sem falar das novas admissões nas es- tatais federais. Dessa forma, a terceirização vem per- dendo força na máquina pública federal. Essa expansão da contratação de servidores foi considerada pelo ex- ministro do Planejamento, Martus Tavares, uma “herança supermaldita” do governo Lula, em entrevista ao jornal Valor Econômico, porque se deu através de concurso público, não podendo ser revertida8. No caso das agên- cias reguladoras, seu poder vem sendo reduzido, ao pas- so que muitas decisões cruciais para o desenvolvimento do país voltaram para o controle dos ministérios, como o de Minas e Energia, por exemplo. CONCEPÇÃO DE ESTADO E ELEIÇÕES DE 2006 A oposição liberal-conservadora – PSDB e PFL – já está com o discurso afiado para as eleições de 2006: fará uma campanha baseada na defesa da ética na po- lítica; da eficiência da máquina governamental; e da re- tomada forte do crescimento da economia. Somente o apoio maciço do empresariado e a violenta blindagem da mídia explicam como os tucanos e os pefelistas man- têm intocada a fama nessas três áreas. Na verdade, os argumentos dos tucanos e dos pefelistas não passam de fumaça para esconder os seus reais objetivos: vencer as eleições de 2006 para retomar uma agenda neoliberal 26
  • 30. JOSÉ PRATA ARAÚJO para o Estado brasileiro, comprometida com a transfe- rência do que restou de estatais e de serviços públicos rentáveis para a iniciativa privada. Os tucanos e os pefelistas estão todos assanhados com essa perspectiva em 2006. Um dos principais intelectuais do PSDB, o economista Edmar Bacha, em entrevista publi- cada no site do partido em dezembro de 2005, abriu o jogo: “Se os tucanos ganharem a eleição presidencial de 2006, o Brasil vai passar por um ‘choque de ca- pitalismo’ na linha que foi proposta pelo então can- didato presidencial do PSDB, Mário Covas. A gran- de diferença entre um eventual governo tucano e a atual gestão petista é que um presidente do PSDB – seja Serra, Alckmin, Aécio, Tasso – vai assumir que o país precisa passar por uma nova rodada de re- formas em áreas como setor fiscal, Previdência, mercado de trabalho, estrutura tributária etc., sem se preocupar em ser chamado de neoliberal. Os petistas mantiveram a política econômica de curto prazo (regime cambial, metas de inflação, superávits primários), mas, no que diz respeito ao longo prazo e ao estímulo aos investimentos, em temas como marco regulatório, privatizações e concessões, os preconceitos ideológicos aliaram-se à ineficiência administrativa para produzir uma total paralisia”9. Como se vê, o que Edmar Bacha propõe não é um “choque de capitalismo” – até porque o Brasil já é um 27
  • 31. CONCEPÇÃO DE ESTADO país capitalista; o que ele defende, em verdade, é um “choque de neoliberalismo”. Outros economistas, partidos e instituições próximos aos tucanos também defendem uma privatização selva- gem. A economista Eliana Cardoso defendeu aberta- mente a privatização do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal: “A privatização do BB e da Caixa Econômica é me- dida indispensável à transparência dos orçamentos do governo e à estabilidade financeira, pois bancos estatais representam empecilhos ao crescimento sustentado. Gerentes de bancos privados direcionam empréstimos aos setores mais competitivos, em que não existe a intromissão do governo”10. O diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Interna- cional), Rodrigo de Rato, defendeu que o governo bra- sileiro deveria colocar no topo de suas prioridades o fim do crédito direcionado para habitação e agricultu- ra e os empréstimos do BNDES, o que, na prática, leva- ria à privatização do BB, da Caixa Econômica Federal e do BNDES. O economista Sérgio Werlang defende que “o governo reduza o seu tamanho e as privatizações das ainda inúmeras empresas públicas deveria ter con- tinuidade e mesmo ser acelerada”11. O economista Gabriel Palma defendeu: “Outra coisa é que o Brasil tem ativos muito grandes, como a Petrobrás e Itaipu, que poderiam ser vendidos para o abatimento dessa 28
  • 32. JOSÉ PRATA ARAÚJO dívida interna”12. O programa de refundação do PFL indica claramente a proposta de privatização da previ- dência: “Criar uma nova Previdência, mediante a ado- ção de novas regras, tecnicamente equilibradas, apli- cáveis aos entrantes no mercado, após sua publica- ção”. Essa forma de privatização da previdência teria um pequeno impacto fiscal no curto prazo, mas no médio prazo – próximos 15 a 20 anos – seria uma enorme bomba relógio para os futuros governos. Na questão trabalhista, trata-se, para tucanos e pefelistas, de reto- mar a proposta de ampla precarização dos direitos tra- balhistas, como veremos mais adiante. Síntese ✔ Quem melhor expressou as diferenças entre Lula e FHC na concepção de Estado foi o economista tu- cano José Roberto Mendonça de Barros: “A gran- de diferença geral que há entre as duas administra- ções é a concepção de Estado. No governo FHC a concepção era de um Estado menor, mais regula- dor, voltado para os gastos prioritários na área so- cial, privatizando, concedendo e terceirizando. No caso do governo Lula, até agora a orientação geral é mais Estado, mais funcionários, menos tercei- rização, menos privatização, menos capital priva- do, menos agências reguladoras, mais poder para os ministérios”. ✔ Fernando Henrique adotou o Plano Diretor da Re- forma do Estado, em que propugnava a privatização de todas as estatais e dos serviços públicos não 29
  • 33. CONCEPÇÃO DE ESTADO “exclusivos de Estado”. FHC privatizou dezenas de empresas nas áreas de telefonia, bancos, minera- ção, siderurgia, energia elétrica, saneamento bási- co etc. por US$ 105 bilhões. ✔ Um exemplo representativo da privatização tucana é a Vale do Rio Doce: seu valor de mercado no final de 2005 era 15 vezes maior do que o valor de quan- do ela foi vendida em 1997. Naquele ano, o governo federal vendeu as ações que detinha por R$ 3,338 bilhões, o que equivalia a 41,73% do valor da em- presa, que era de R$ 8 bilhões. No final de 2005, a Consultoria Global Invest estimou o valor da Vale do Rio Doce na Bolsa de Valores em US$ 55,5 bilhões, o que equivalia a R$ 122 bilhões. Assim, as ações pertencentes à União vendidas por R$ 3,338 bilhões em 1997 passaram a valer R$ 50,910 bilhões em 2005. ✔ Fernando Henrique jogou pesado na privatização dos serviços públicos através das chamadas Orga- nizações Sociais. Só não privatizou a previdência social, como queriam os empresários, porque o Brasil quebrou e não pôde financiar a transição do sistema público para o privado. ✔ O governo Lula suspendeu o programa de privatização das estatais estratégicas – Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNDES, Furnas, Itaipu, Eletrosul, Eletronorte, Correios, Infraero etc. Lula preservou a Petrobrás e agora, com justa razão, apresentou à nação uma realiza- ção histórica da empresa: a auto-suficiência do Brasil em petróleo. ✔ O governo FHC reduziu o número de servidores fede- rais dos três poderes de 1.033.548 para 912.192, 30
  • 34. JOSÉ PRATA ARAÚJO terceirizou muitos serviços públicos, deu poderes exorbitantes para as agências reguladoras e enfra- queceu a administração federal. O governo Lula rea- lizou diversos concursos públicos e aumentou o nú- mero de servidores federais de 912.192 para 984.364, realizou novas contratações nas estatais, restringiu a terceirização e fortaleceu a ação governamental. 31
  • 35.
  • 36. JOSÉ PRATA ARAÚJO O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” A oposição, à direita e à esquerda, vem utilizando politicamente a comparação entre o Brasil e outros países “emergentes” para combater as políticas do governo Lula. A oposição liberal-conservadora, que em 2002 espalhou o terrorismo econômico – risco do Bra- sil virar a Venezuela ou a Argentina –, agora, demago- gicamente, transformou esses dois países em para- digmas de desenvolvimento de países “emergentes” na América Latina. A oposição à esquerda também erra na análise comparativa: desconhece as enormes dife- renças políticas, econômicas, sociais e culturais entre o Brasil e demais “emergentes” e as implicações no ritmo e na qualidade do crescimento econômico. O Brasil deve realmente adotar algumas políticas de ou- tros países “emergentes” – juros baixos, taxa de câm- bio competitiva etc.–, mas não podemos nem devemos aplicar em nosso país outras “vantagens comparati- vas” desses países – regimes políticos autoritários, ausência de liberdade e autonomia sindical, sistemas de proteção social modestos, desregulamentação am- pla das relações de trabalho. 33
  • 37. O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” A EXPERIÊNCIA DOS TIGRES ASIÁTICOS O Brasil foi, durante 80 anos – de 1900 a 1980 –, o país que mais cresceu no planeta. Fomos o tigre do pe- ríodo. Crescemos a taxas superiores a 5%, com picos de mais de 10% em pelo menos seis anos no período analisado. Nos últimos 20 anos, todavia, o Brasil deixou de crescer de forma sustentada e, literalmente, perdeu o bonde da história. O desempenho nas décadas perdi- das de 1980 e 1990 foi estampado na seguinte compa- ração: em 1992, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil era de US$ 390 bilhões e chegou a US$ 500 bilhões, em 2003. No mesmo período, o PIB da China saltou de US$ 280 bilhões para US$ 1,4 trilhão1. Em 2005, com o cres- cimento econômico e com a revisão da metodologia de cálculo do setor de serviços, a economia chinesa deu um salto no PIB, o que transformou a China na quarta economia mundial. Esse desempenho econômico mo- desto do Brasil e os resultados espetaculares da China e de outros tigres asiáticos têm explicações nas políti- cas econômicas adotadas pelos países. Os países asiáticos, pragmaticamente, tiraram partido da globalização. Expandiram enormemente as exporta- ções com o aumento do fluxo de comércio internacio- nal, e, para isso, mantiveram a moeda local relativamen- te desvalorizada, como forma de compensar a defasa- gem tecnológica em relação aos países desenvolvidos e as desigualdades do comércio internacional. Priorizaram a atração de investimentos estrangeiros produtivos, que 34
  • 38. JOSÉ PRATA ARAÚJO expandiram enormemente a capacidade produtiva e se transformaram em grandes plataformas de exportação internacional. Acumularam enormes reservas em dólar e se preveniram contra as crises cambiais nos cenários turbulentos da “globalização econômica”: a China tem reservas de US$ 819 bilhões; a Índia de US$ 133 bi- lhões; a Coréia do Sul de US$ 217 bilhões; Taiwan de US$ 257 bilhões. Praticam taxas de juros anuais muito baixas para estimular a economia: China (2,25%), Índia (6,67%), Coréia do Sul (4,27%), Taiwan (1,65%). Rea- lizaram também grandes investimentos em educação e ciência e tecnologia, o que possibilitou a disputa de pro- dutos de maior valor agregado. Os tigres asiáticos tive- ram altas taxas de investimento, o que garantiu cresci- mento robusto com inflação baixa: China (1,9%), Coréia do Sul (2,8%), Índia (5,6%), Taiwan (2,7%). A China desmonta as teses neoliberais, que debitam a estagna- ção econômica à presença estatal na economia, e, com formas de propriedade mista – estatal e privada –, vem liderando o crescimento mundial2. Esse conjunto de políticas contribuiu, em grande medi- da, para taxas de crescimento espetaculares dos tigres asiáticos nos últimos 25 anos. Dados divulgados pelo empresário Benjamin Steinbruch, no artigo “Lanterninhas do crescimento”3, citando fontes do FMI, indicam que de 1980 a 2005 os tigres asiáticos tiveram o seguinte cresci- mento acumulado: China (862,8%), Vietnã (420,8%), Coréia do Sul (421,7%), Taiwan (357,7%), Malásia (344%), Índia (306,2%), Indonésia (217,3%). No mesmo período, 35
  • 39. O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” o Japão cresceu bem menos, em torno de 77,4%, mas, mesmo estagnado há mais de dez anos, este país conti- nua como a segunda grande potência econômica mun- dial, com PIB de US$ 4,6 trilhões. Com altos índices de crescimento econômico, os países asiáticos estão alavancando o crescimento da economia mundial; finan- ciam, com seus enormes superávits, os déficits dos paí- ses desenvolvidos como os Estados Unidos; e geram cres- cimento expressivo do PIB per capita e reduzem a misé- ria de suas populações. Mas, como veremos a seguir, al- gumas “vantagens comparativas” dos tigres asiáticos são indefensáveis e não servem de modelo para o Brasil. O QUE NÃO DEVE SER COPIADO DOS ASIÁTICOS Os países asiáticos, em sua maioria, têm governos autoritários, e alguns deles, como a China, permitem a existência apenas de um único partido. São nações, por- tanto, menos conflituosas politicamente, o que facilita enormemente o funcionamento da economia. Em geral, o direito de organização sindical é proibido ou fortemen- te limitado, o que mantém a mão-de-obra rigidamente disciplinada, uma “vantagem comparativa” enorme so- bre outros países onde os trabalhadores possuem liber- dade e autonomia sindical e conquistas bastante conso- lidadas, como é o caso dos países europeus e, em certa medida, também do Brasil. São experiências que não podemos nem devemos copiar. Por mais que a oposição liberal-conservadora desestabilize e tente golpear a es- 36
  • 40. JOSÉ PRATA ARAÚJO querda, ninguém com tradição democrática irá propor o fim do pluripartidarismo e da rotatividade de poder efe- tivada nas diversas eleições. No Brasil, não aceitamos também as restrições à liberdade e à autonomia sindi- cais. O que queremos é ampliá-las e consolidá-las onde são mais necessárias: nos locais de trabalho. O modelo de relações de trabalho dos países asiáticos é também indefensável no Brasil. Esse modelo é hoje a referência internacional do neoliberalismo. José Pastore, consultor ultraliberal ligado ao grande empresariado bra- sileiro, tem no modelo dos tigres asiáticos o principal paradigma. Numa análise comparativa das relações de trabalho nos diversos países, ele afirmou: “Na Europa, o problema tem sido ainda mais gra- ve. A parcela da mão-de-obra atrelada a contratos coletivos é muito grande e atinge praticamente to- dos os setores estratégicos. Tais contratos têm se revelado demasiadamente rígidos para acompanhar o aumento de competitividade internacional, a flexibilização da tecnologia e a necessidade de se praticar formas de contratação e de remuneração mais baseadas nos resultados do que no tempo tra- balhado. Essa rigidez contratual de um sistema dito negocial passa a ser tão perniciosa quanto a infle- xibilidade da lei nos sistemas estatutários”4. O sistema estadunidense é elogiado por não garantir quase nenhuma proteção, nem mesmo contratual: 37
  • 41. O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” “Como se sabe, nos Estados Unidos apenas 14% da mão-de-obra é sindicalizada e o sindicalismo está em franco declínio. Oitenta e seis por cento dos americanos são recrutados diretamente pelas empresas, sem nenhum tipo de contrato – coleti- vo ou individual”5. Indo ainda mais longe, José Pastore se fixa no modelo do Japão e tigres asiáticos: “Enquanto a rigidez contratual acontece parcial- mente nos Estados Unidos e extensamente na Eu- ropa, o Japão e os Tigres Asiáticos vão contratan- do mão-de-obra e terceirizando as atividades com a máxima flexibilidade, viabilizando um ajuste rápido às novas tecnologias e permitindo a conquista de parcelas significativas do mercado internacional”6. Esse modelo de relações de trabalho, combinado com graves restrições à liberdade e à autonomia sindicais, permite que empresas se transfiram para a Ásia e pra- tiquem salários miseráveis de US$ 30 mensais. É esse modelo dos tigres asiáticos e também dos Estados Uni- dos que o consultor José Pastore, com amplo apoio do empresariado, quer que seja implementado no Brasil: “As novas condições econômicas determinadas pela revolução tecnológica, pelo aumento da com- petição mundial e pela recorrência da recessão vêm 38
  • 42. JOSÉ PRATA ARAÚJO demonstrando estímulos para uma redução da le- gislação sobre o mercado de trabalho e ênfase na negociação e contratação por empresa – desesti- mulando-se com isso os contratos rígidos e irreais negociados por setor, e, muito menos, no nível na- cional. Se as partes desejam realmente a instituição do contrato coletivo de trabalho, este terá mais fun- cionalidade na medida em que for descentralizado e baseado em negociações realmente livres a nível da empresa – com pouca legislação e sem a interfe- rência da Justiça do Trabalho”7. Outra “vantagem competitiva” dos tigres asiáticos é a sua baixa carga tributária, que varia entre 15% a 20% do PIB. Isso acontece porque, na maioria desses países, não foi implantado um Estado social que elevasse, de forma expressiva, os custos do Estado, sobretudo com seguridade social – aposentadoria, pensão, outros bene- fícios previdenciários, saúde pública, assistência social, seguro-desemprego. Em muitos países asiáticos, os cus- tos com a velhice, a morte, a invalidez, a maternidade, o desemprego, a doença, o acidente são, como no velho Estado liberal, suportados pelos familiares, sem uma presença expressiva do Estado. Para os neoliberais, a previdência é o bode expiatório do baixo crescimento brasileiro. O ex-ministro Maílson da Nóbrega, em en- trevista ao canal de TV Globonews, afirmou que nosso grande problema é que o Brasil gasta 12% do PIB com previdência e a Coréia do Sul gasta apenas 1,8%. Fábio 39
  • 43. O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” Giambiagi, do IPEA, afirmou que, enquanto a China gas- ta 3% do PIB anual com previdência social, o Brasil es- taria gastando 13% e isto explicaria, em grande medida, as disparidades no crescimento econômico dos dois pa- íses. O economista Thomás Tosta de Sá afirmou que “os países asiáticos, que maravilham o mundo com suas fantásticas taxas de crescimento econômico, não têm previdência oficial; em contrapartida, a taxa de poupan- ça de suas economias supera os 35% do PIB”8. Os economistas Caio Megale e Luiz Fernando Figueiredo, sócios da Mauá Investimentos, resumem a crítica neoliberal ao modelo social vigente no Brasil: optamos pelo modelo mais próximo ao bem-estar social europeu do que aquele fundado no liberalismo macroeco- nômico, nos moldes dos tigres asiáticos. Tomando como ponto de partida da análise o crescimento de 2005, eles concluíram o seguinte: “O crescimento medíocre de 2005 tem explicações conjunturais e estruturais. A explicação conjuntural passa pelo fato de termos crescido abaixo do nível considerado ‘potencial’ para nossa economia, que se estima em torno de 3,5%. O problema estrutural é que, mesmo se estivéssemos no potencial, ainda é um nível extremamente baixo quando comparado ao dos demais países emergentes [...] Mesmo com superávit fiscal, nossa poupança doméstica conti- nua espremida por gastos públicos gigantescos de 40% do PIB, enquanto nossos pares emergentes 40
  • 44. JOSÉ PRATA ARAÚJO gastam [algo] próximo a 25% do PIB. Para financiar esses gastos, taxamos outros 40% do PIB, semean- do ineficiência no setor produtivo doméstico [...] Esse quadro é resultado de escolhas que o país vem fazendo ao longo do tempo, mais intensivamente a partir da Constituição de 1988. As decisões no cam- po da Previdência Social, da legislação trabalhista, dos gastos públicos, da abertura econômica, foram, em sua maioria, na direção de um Estado assisten- cialista, paternalista, desincentivando o avanço dos ganhos de eficiência e, conseqüentemente, da pro- dutividade. Ou seja, optamos por adotar um mode- lo mais próximo do ‘bem-estar social’ europeu do que aquele fundado no liberalismo macroeco- nômico, nos moldes dos países asiáticos campeões de crescimento do mundo moderno”9. Não podemos aceitar este modelo de desproteção social no Brasil. O CONTEXTO LATINO-AMERICANO Na economia, ao contrário dos tigres asiáticos, os paí- ses da América Latina adotaram políticas que aumen- taram dramaticamente a vulnerabilidade externa e in- terna da economia. Depois de processos de hiperinflação, alguns países da região – como a Argentina e Brasil – adotaram a chamada “âncora cambial”, que, se teve algum sucesso no combate à inflação, implicou perdas 41
  • 45. O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” econômicas dramáticas. Brasil e Argentina adotaram uma mistura explosiva: realizaram aberturas comerciais sem contrapartida dos países ricos, o que favoreceu enormemente as importações, e valorizaram as moedas locais, o que fez inibir as exportações, e, por isso, passa- ram a conviver com déficits comerciais expressivos e déficits no balanço de transações correntes. Os dois países, sem reservas internacionais significativas, sucum- biram diversas vezes às crises cambiais. Com a dola- rização das dívidas internas, no momento do fim da ân- cora cambial, tais dívidas deram um enorme salto. Para cobrir o rombo nas contas externas e conter a descon- fiança na capacidade de pagamento da dívida interna, foram adotadas taxas de juros elevadíssimas, que só fi- zeram ampliar a vulnerabilidade de suas economias, além do impacto negativo no crescimento econômico e na geração de empregos. Presos aos compromissos com bancos e organismos financeiros internacionais, os paí- ses latino-americanos, ao contrário dos tigres asiáticos, não colocaram como prioridade a atração de investi- mentos produtivos, mas a de capitais financeiros para cobrir suas dívidas. Na economia, portanto, a herança do neoliberalismo – de valorização das moedas locais, de juros altos, de endividamento interno – deixou uma situação de terra arrasada. Na América Latina não temos exemplos consolida- dos de países que, pelo crescimento sustentado e conti- nuado, possam ser comparados aos tigres asiáticos. No artigo citado do empresário Benjamin Steinbruch, o cres- 42
  • 46. JOSÉ PRATA ARAÚJO cimento do PIB acumulado pelas três principais econo- mias latino-americanas nos últimos 25 anos, de 1980 a 2004, é pífio: México (87%), Brasil (71,6%) e Argenti- na (43,9%). Mesmo o crescimento expressivo de algu- mas economias latino-americanas nos anos recentes está longe de ser sustentado, baseado em estruturas econô- micas diversificadas e competitivas e com elevado grau de investimento. Numa análise comparativa entre países latino-ameri- canos, tomando como referência o período de 1999 a 2005, o crescimento econômico foi muito baixo em todos eles. A referência retroativa a 1999 não é arbitrária, foi quan- do o neoliberalismo entrou em forte crise na região. Veja a tabela 1. Como se vê, o crescimento médio no período foi de 2,3% no Brasil; 1,5%, na Venezuela; 1,1%, na Ar- gentina; 3,5%, no Chile; 2,8%, no México; e de 0,4%, no Uruguai. Argentina, Venezuela e Uruguai enfrentaram graves recessões econômicas (crescimento negativo do PIB) no período e somente em 2004 voltaram a ter o PIB de 1998. Foram seis anos de crescimento zero e isto não pode ser esque- cido em nenhu- ma análise com- parativa do Bra- sil com esses “emergentes”. Fica claro que o grande cresci- mento recente 43
  • 47. O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” da Argentina e da Venezuela foi impulsionado, em boa medida, pela capacidade ociosa gigantesca da econo- mia, resultado de fortes recessões enfrentadas pelos dois países e pela disparada do preço do petróleo, no caso da Venezuela. Capacidade ociosa significa que se pode ter altas taxas de crescimento sem necessidade de novos investimentos, ou seja, a produção pode ser aumentada com a capacidade já instalada. São evidentes os garga- los para o crescimento sustentado das duas economias: pressão inflacionária, com inflação de dois dígitos nos dois países; baixo nível de investimento para sustentar a expansão da economia; estruturas produtivas pouco diversificadas, o que torna especialmente a Venezuela fortemente dependente do preço do petróleo; desem- prego ainda elevado, superior a 12%, e empobrecimen- to da população depois de anos de recessão econômica; sucateamento da infra-estrutura para o crescimento econômico etc. É necessário, entretanto, reconhecer que o crescimento recente da Argentina e da Venezuela não está ligado apenas à enorme capacidade ociosa existente na eco- nomia dos dois países. Ele está assentado também em políticas que deveriam ser seguidas pelo Brasil para acelerar o nosso crescimento econômico. Os dois paí- ses praticam taxas de juros anuais muito baixas: 8,5% na Argentina e 10,4% na Venezuela. Nos dois casos a taxa de juro real, descontada a inflação, é negativa. A Argentina não abre mão de manter uma taxa de câmbio competitiva para favorecer as exportações, e, para isso, 44
  • 48. JOSÉ PRATA ARAÚJO realiza uma agressiva política de compra de dólares para recomposição das reservas internacionais e adota o con- trole da entrada de capitais como forma de evitar a va- lorização da moeda local. Finalmente, algumas palavras sobre o elogiado pro- cesso de renegociação da dívida pública da Argentina, que implicou, para a sua maior parcela, descontos de até 75% do valor devido. O país saiu da moratória, mas seu endividamento não deixa de ser muito preocupante, em torno de 80% do PIB, muito superior ainda à dívida pública brasileira, de 52% do PIB. O go- verno argentino vem praticando um superávit primário de 4% do PIB para pagamento da dívida pública. Ver- dade que esse superávit é percentualmente menor do que o do Brasil, mas, considerando a reduzida carga tributária da Argentina, o percentual de recursos pú- blicos para pagamento da dívida é maior do que em nosso país. Explicando melhor: 4% de superávit num país com carga tributária de 23% do PIB, como na Ar- gentina, significa economizar 17,4% dos impostos ar- recadados para pagamento da dívida pública; ao passo que o superávit de 4,8% do PIB existente no Brasil, que tem carga tributária de 37%, significa economizar 13% dos impostos para o pagamento da dívida pública. A política fiscal da Argentina é melhor do que a do Bra- sil, não exatamente na questão do superávit primário, que é também elevado, mas no custo da rolagem da dívida pública, que é mais baixo devido à taxa de juros baixa praticada no país, que, além de reduzir os encar- 45
  • 49. O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” gos da dívida, favorece o crescimento econômico e o aumento da receita. Até onde temos informações, o superávit de 4% do PIB da Argentina tem sido sufi- ciente para cobrir todas as despesas, inclusive com os juros da dívida pública, o que significa déficit fiscal zero, como é proposto no Brasil por Delfim Netto. O ESTADO NA AMÉRICA LATINA A América Latina, com governos fortemente influen- ciados pelos Estados Unidos e por organismos financei- ros internacionais, foi um dos principais laboratórios do neoliberalismo no mundo. No Chile, em 1981, antes das reformas liberais de Ronald Reagan e Margareth Tatcher, sob o comando do general Augusto Pinochet, foi implantado um exemplo acabado de reforma neoliberal: a privatização da seguridade social (previ- dência e saúde). Em grande parte da América Latina, além da implementação do modelo chileno de priva- tização da previdência, da saúde e de outros serviços sociais, foi implementado um amplo programa de pri- vatização de empresas estatais estratégicas nas áreas de petróleo, energia elétrica, mineração, bancos, side- rurgias, telefonia, transportes ferroviários, serviços de saneamento básico etc. Na região, o aparelho estatal foi amplamente desmantelado e hoje a carga tributária para a sua manutenção, à exceção do Brasil, está na faixa de 15% a pouco mais de 20% do PIB. Nem mesmo nos Estados Unidos a experiência liberal foi tão longe: 46
  • 50. JOSÉ PRATA ARAÚJO lá a carga tributária continua na faixa dos 30% do PIB e o Estado mantém uma presença ainda importante na prestação de serviços públicos, como previdência so- cial, assistência social, educação e saúde, ainda que conveniada com o setor privado. O economista estadunidense Carmelo Mesa-Largo afirma que a reforma estrutural da previdência social em oito países da América Latina – Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, El Salvador, México, Peru e Uruguai – deveria servir de paradigma mundial para a privatização da seguridade social. Diz ele: “Nesta área crucial, a América Latina vem acumu- lando uma vasta experiência ao longo dos últimos dezesseis anos, dado que oito países da região vêm implementando diversas reformas de caráter estru- tural em seus sistemas previdenciários. No passa- do, a América Latina copiava os modelos dos paí- ses desenvolvidos; agora estes podem aprender e estão aprendendo com a rica, variada e pioneira experiência latino-americana neste campo, a partir de suas conquistas, de seus equívocos e das difi- culdades ainda existentes”10. Veja que vergonha: no passado de implantação das conquistas sociais, a América Latina chegou atrasada; mas quando se tratou de extinguir tais conquistas os governos da região estiveram na vanguarda. Vanguar- da do atraso! 47
  • 51. O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” São características do modelo chileno de privatização da seguridade social, que se espalhou por outros países da América Latina: a) somente os trabalhadores cus- teiam a previdência e a saúde, deixando a proteção so- cial por conta e risco de cada trabalhador isoladamente, o que não é praticado nem mesmo no liberal Estados Unidos; b) previdência e saúde são programas priva- dos, mas compulsórios, em que a capacidade tributária, que deveria ser exclusividade do Estado, foi estendida ao setor privado. É algo parecido com o seguro DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre) no Brasil: privado e obrigatório; c) o monumental passivo da privatização da previdência foi estatizado (estoque de aposentadorias e pensões já con- cedidas e devolução das contribuições dos trabalhado- res ainda em atividade efetuadas ao sistema público de previdência), o que foi uma das principais causas da falência do Estado na Argentina. Além dos aspectos econômicos, fiscais e jurídicos, o modelo chileno é altamente questionável do ponto de vista ético. A privatização da previdência social é uma das maiores rupturas sociais modernas. Veja o que dis- se Júlio Bustamante, chefão da previdência privada chi- lena, numa palestra em Brasília, em 1993: “A curva de despesas começa a descer porque – perdoem-me dizer assim tão friamente – começam a morrer os antigos pensionistas do sistema, de tal maneira que o Estado vai eliminando a sua carga. 48
  • 52. JOSÉ PRATA ARAÚJO Assim, nossos cálculos mostram que, daqui a 15 anos, praticamente 1 milhão de aposentados desaparecerão, chegando a 20% do que são atualmente”11. Assim, a previdência privada só se consolida com a morte de todos os aposentados e pensionistas da pre- vidência pública, que representam o passivo indesejado do Estado no processo de transição. A previdência, que é um pacto de vida, com a privatização vira um pacto de morte. Se o Estado latino-americano não mais atua na prote- ção social de seus cidadãos, se não está mais presente na economia nos setores estratégicos, para que serve o Estado do ponto de vista da maioria da população? Tra- ta-se do Estado dos sonhos dos neoliberais: enxuto e sus- tentado por uma pequena carga tributária, o que, devido às resistências populares, não conseguiram implantar ple- namente em quase nenhum país desenvolvido. Na questão do Estado, portanto, o Brasil não tem qua- se nada a copiar dos demais países emergentes, espe- cialmente os da América Latina. Muito pelo contrário, o Brasil é um dos poucos países emergentes onde sobrou algum vestígio do Estado social e desenvolvimentista. Análises comparativas do Brasil com outros países “emergentes” que tomem como parâmetro apenas a questão da taxa de juros e a do superávit primário são uma aposta perigosa na desinformação e no retrocesso. Deduzidos os gastos com juros, o Brasil tem um Estado quase duas vezes maior do que a maioria dos Estados 49
  • 53. O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” latino-americanos. A Argentina, com uma carga tribu- tária de 23% do PIB, deduzido o superávit primário de 4% do PIB, tem gastos sociais e na infra-estrutura de 19% do PIB; enquanto o Brasil, com carga tributária de 37%, deduzido o superávit primário de 4,8%, tem gastos com políticas sociais e infra-estrutura de 32,2% do PIB. Aqui, o neoliberalismo é um projeto inconcluso por uma série de razões – atrasamos a sua aplicação com o impeachment do ex-presidente Fernando Collor; diver- sas organizações populares e partidárias, ao contrário de outros países latino-americanos, se opuseram ao desmantelamento do Estado; a crise fiscal do Estado dificultou a privatização de diversos serviços públicos, como a previdência. Só nosso sistema de proteção so- cial – previdência (aposentadoria, pensão etc.); saúde, assistência social (bolsa família, benefício de prestação continuada etc.), benefícios vinculados ao Ministério do Trabalho (seguro-desemprego e abono salarial) – ga- rante benefícios superiores a R$ 300 bilhões por ano. É absurda a comparação que se faz no Brasil do porte da previdência pública e privada. Esta comparação, em geral, é feita da seguinte forma: a receita anual da pre- vidência pública (INSS e regime dos servidores) e a re- ceita histórica dos fundos privados desde 1977. Quando comparadas as receitas, ano a ano, fica claro que, mes- mo com o crescimento da previdência privada, ela re- presenta ainda um percentual pequeno do sistema previdenciário. Ainda assim, os grandes fundos são pú- blicos, ligados às empresas estatais. Não têm cabimen- 50
  • 54. JOSÉ PRATA ARAÚJO to também afirmações de que o programa Bolsa Famí- lia é uma receita do Banco Mundial. Na América Lati- na programas desse tipo visaram substituir o sistema público de proteção social; aqui no Brasil, trata-se ape- nas de um programa complementar a um sistema de proteção social bastante amplo mantido pelo Estado, que representa em torno de 17% do PIB, ou seja, do tama- nho do Estado mexicano em termos percentuais. Além disso, o Estado brasileiro tem uma forte presen- ça em outros serviços públicos, como educação, segu- rança etc.; além de manter em lei uma ampla legislação trabalhista. E mesmo com a privatização de cerca de 12% do PIB nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique o Estado brasileiro tem ainda empresas estra- tégicas nas seguintes áreas: petróleo, bancos, energia elétrica, correios, portos e aeroportos, saneamento bá- sico etc. Vale ressaltar que um dos pontos centrais da plataforma do presidente Evo Morales, na Bolívia, é a estatização do petróleo e do gás, o que em nosso país já é garantido pela Petrobrás, uma empresa de economia mista que é um símbolo nacional. Um dos grandes entraves ao neoliberalismo no Brasil é o tamanho do Estado, considerado ainda muito intervencionista. O presidente do grupo Arcelor, gigan- te mundial da siderurgia, Guy Dolé, afirma que a em- presa vem engavetando alguns investimentos no Brasil devido à alta carga tributária: “Hoje, é quase tão caro investir no Brasil quanto na Europa. Isso não pode con- tinuar porque, caso contrário, as empresas não vão in- 51
  • 55. O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” vestir no país”12. O economista Adauto Lima, ligado ao mercado financeiro, afirma que um dos fatores que aju- daram na recuperação da Argentina foi a menor carga tributária, que lá é de 23% do PIB, contra 37% no Brasil: “Lá, o setor público não retira renda disponível na socie- dade na [mesma] proporção que no Brasil, o que permi- tiu que as empresas se recuperassem com recursos pró- prios”13. A diferença de carga tributária entre o Brasil e os demais países emergentes deve-se, em grande medi- da, aos custos do sistema de proteção social que temos em nosso país, que foi privatizado e existe de forma mínima nos demais países. Portanto, reduzir a carga tri- butária com a privatização do sistema de proteção so- cial não é uma política aceitável para ser aplicada no Brasil. Como se vê, uma análise comparativa do Brasil com outros países “emergentes” apenas na política ma- croeconômica, como é realizada por muitos economis- tas e correntes de esquerda, acaba jogando água no moinho do neoliberalismo. A agenda da esquerda não se resume simplesmente aos índices de crescimento econômico; é, acima de tudo, a agenda da igualdade social. Neste sentido, os projetos de desenvolvimento dos tigres asiáticos e dos “emergentes” da América Latina devem ser analisados com um olhar mais crítico. E mais: na perspectiva da igualdade social, algumas coi- sas que ainda temos no Brasil – seguridade social, legis- lação trabalhista, grandes estatais – são diferenciais fun- damentais em relação a outros países “emergentes”, e deveriam ser motivo de orgulho para nós, brasileiros. 52
  • 56. JOSÉ PRATA ARAÚJO Síntese O que devemos copiar dos “emergentes” ✔ Taxas de juros, nominal e real, baixas como forma de estimular o crescimento econômico, a geração de emprego e renda, e de reduzir a dívida pública. ✔ Manutenção da taxa de câmbio competitiva, através de diversas medidas, mantendo a moeda local rela- tivamente desvalorizada, como forma de expandir as exportações e compensar, em parte, as desigualda- des tecnológicas com os países desenvolvidos e aquelas existentes no comércio internacional. ✔ Prioridade absoluta para a atração de investimen- tos produtivos, que gerem emprego, renda, recei- tas públicas e divisas para o país, e desestímulo à presença dos capitais especulativos, que valorizam a moeda local e desestimulam a produção. ✔ Política de aumento expressivo das reservas inter- nacionais em dólar como forma de o país honrar seus compromissos externos, ficando assim me- nos vulnerável às crises cambiais. ✔ Investimento pesado em educação, ciência e tecnologia para diversificar mais a estrutura produ- tiva do país, visando a produção de produtos de maior valor agregado. O que não devemos copiar dos países “emergentes” ✔ Adoção de regimes políticos autoritários e de limi- tação da liberdade e da autonomia sindical, como acontece na Ásia, que reduzem conflitos e facili- tam a gestão da economia, mas que tolhem a li- berdade política e os direitos dos trabalhadores. 53
  • 57. O BRASIL E OS PAÍSES “EMERGENTES” ✔ Redução dos custos do trabalho através da supres- são e/ou precarização total da legislação trabalhis- ta. Isso favorece a atração de capitais, mas gera mais pobreza e desigualdade, como acontece na maioria dos países emergentes. ✔ Redução drástica da carga tributária para a média de 20% do PIB, praticada nos países emergentes, através da privatização do sistema de proteção social, porque, se isso facilita também a atração de capitais, pela redução dos custos do trabalho, gera também mais pobreza e desigualdade. ✔ Pretender que o Brasil seja, como acontece na maio- ria dos países “emergentes”, simplesmente, uma plataforma de exportação mundial. O país precisa crescer com o aumento das exportações, mas tam- bém com o fortalecimento do mercado interno, e, para isso, a manutenção das conquistas sociais, a democratização da propriedade e a distribuição de renda são fundamentais. Ademais, precisamos apos- tar também num desenvolvimento sustentável, minimizando os impactos sobre o meio ambiente. 54
  • 58. JOSÉ PRATA ARAÚJO VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA Nestes tempos da chamada globalização da economia, é fundamental o enfrentamento da questão da vulne- rabilidade externa. Ou seja, com a abertura comercial e a desregulamentação dos mercados financeiros, as econo- mias de diversos países, especialmente dos países “emer- gentes” e países pobres, ficam constantemente expostas às crises cambiais e aos ataques especulativos sobre as moedas locais. Nessas condições, para que o país tenha um projeto nacional de desenvolvimento com um mínimo de autonomia, é preciso que as contas externas estejam equilibradas ou superavitárias, com a drástica redução da dependência dos capitais especulativos. Nessa questão estratégica, existe também uma evidente descontinuidade dos governos Lula e FHC, como veremos a seguir. ABERTURA, CÂMBIO E TRANSAÇÕES CORRENTES Nos oito anos de Fernando Henrique, o Brasil quebrou três vezes: em 1997-1998 (crise asiática e russa), quando o governo estadunidense montou um grande plano de ajuda do FMI para salvar o governo às vésperas da eleição; em 2001, quando da crise econômica da Argentina; e em 2002, 55
  • 59. VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA quando o terrorismo econômico tucano/pefelista gerou um enorme estrago na economia, com graves conseqüências no início do governo Lula. Neste período, o Brasil se trans- formou no maior devedor do Fundo Monetário Internacio- nal e recebeu três empréstimos: US$ 14,3 bilhões em 1998; US$ 17,2 bilhões em 2001; e US$ 26 bilhões em 2002. Com toda a razão, os partidos de esquerda e os sindicatos combateram as políticas do FMI para o Brasil. Mas é bom lembrar que o FMI é causa e conseqüência de nossos pro- blemas. Ou seja, as políticas do Fundo foram extrema- mente prejudiciais ao crescimento da economia. Mas o Brasil só chegou ao Fundo devido aos enormes equívo- cos da política econômica tucano/pefelista. Como vere- mos a seguir, a política econômica desequilibrou a balan- ça comercial e a balança de serviços e rendas, que for- mam o chamado balanço de transações correntes, princi- pal indicador da solvência das contas externas do país. Toda crise da economia no Brasil era, segundo Fer- nando Henrique, uma conseqüência inevitável da con- juntura internacional e do processo de globalização. Se isso fosse verdade, como explicar então que as crises não tenham atingido na mesma intensidade todos os paí- ses? Por que alguns quebraram e outros não? O econo- mista Paulo Nogueira Batista Jr. afirma que as turbu- lências internacionais impactam mais ou menos os paí- ses em função do grau de vulnerabilidade de cada um: “A conclusão que se tira freqüentemente, com a globalização, é que os países estão à mercê da es- 56
  • 60. JOSÉ PRATA ARAÚJO peculação financeira. Não é bem assim. Só os paí- ses que adotam políticas econômicas temerárias – temerárias não, vamos usar o adjetivo correto: idio- tas, como, por exemplo, a Rússia de Ieltsin e o Bra- sil de FHC – é que ficam submetidos aos caprichos, humores e interesses dos mercados financeiros in- ternacionais e outras forças estrangeiras”1. A política econômica do trio FHC/Pedro Malan/ Gustavo Franco, de 1995 a 1999, se baseou numa com- binação explosiva: abertura comercial sem contra- partida e forte valorização do câmbio (paridade real/ dólar). A abertura comercial foi realizada segundo os interesses dos países desenvolvidos naqueles itens em que são competitivos (na indústria e no setor de servi- ços); já nos produtos agrícolas, em que os chamados países emergentes, como é caso do Brasil, são mais competitivos, foram mantidas diversas barreiras comer- ciais pelos países desenvolvidos (subsídios agrícolas, barreiras sanitárias, taxas diferenciadas etc.). De ou- tro lado, a paridade cambial real/dólar encareceu nos- sas exportações e barateou as importações realizadas pelo Brasil. Resultado dessa loucura: o superávit co- mercial do Brasil (exportações menos importações) foi rapidamente transformado em déficit comercial. Veja a tabela1. Como se vê, Fernando Henrique herdou uma balança comercial com superávit de US$ 10,466 bi- lhões em 1994, mas no seu primeiro ano de governo 57
  • 61. VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA houve uma reversão do quadro positivo e o dé- ficit atingiu US$ 3,466 bilhões. Os resultados negativos se prolonga- ram até o ano 2000 e somente em 2001, como conseqüência do fim da paridade cam- bial, a balança comer- cial brasileira saiu do vermelho. Com isso, a economia brasileira foi colocada, cons- cientemente, pelo tucanato numa situação de enorme vulnerabilidade. O que é o balanço de transações correntes A vulnerabilidade externa de um país se mede pelo balanço de transa- pamentos e outros itens), que é sempre deficitária porque o Brasil não é um ções correntes, composto grande credor internacional pela balança comercial para receber juros, nem (exportações e importa- possui multinacionais para ções), de que tratamos an- remeter lucros e dividendos teriormente; pela balança para nosso país; e pelas de serviços e rendas (juros, transferências unilaterais lucros e dividendos, via- (dinheiro que é enviado ou gens internacionais, trans- recebido pelo país de for- portes, seguros, computa- ma espontânea, como no ção e informação, royalties caso dos brasileiros resi- e licenças, aluguel de equi- dentes no exterior). 58
  • 62. JOSÉ PRATA ARAÚJO Como o Brasil passou a ser deficitário na balança comer- cial, única forma na atualidade de equacionar suas contas exter- nas, o déficit em transações cor- rentes disparou na gestão de Fernando Henrique. Em 1994, o Brasil apresentou um pequeno déficit no balanço de transações correntes de US$ 1,811 bilhão; já nos anos seguintes o déficit disparou, chegando ao seu maior valor em 1998, com US$ 33,416 bilhões. Veja a tabela 2. Depois da desvalorização do real, o déficit caiu aos poucos e o Brasil demorou qua- tro anos para equilibrar suas contas externas. Essa é a grande obra de FHC: nos oito anos de governo, com o populismo cambial (paridade real/dólar), abriu um rombo de US$ 188 bilhões nas contas externas do Brasil. Como veremos a seguir, toda a política econômica de FHC/Malan ao longo de quase uma década foi para tentar financiar esse enorme rombo, sendo que as medidas tomadas não reverteram o quadro, pelo contrário, transformaram o Brasil num país ainda mais vulnerável. DÍVIDA EXTERNA, TÍTULOS CAMBIAIS E A MÍDIA Na era FHC, a dívida externa teve um enorme cresci- mento: era de US$ 148,295 bilhões, em 1994; atingiu o pico em 1998 ao atingir US$ 241,644 bilhões; e fechou 59
  • 63. VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA em US$ 210,711 bilhões no final de 2002. Veja a tabela 3. Esse aumento do endividamento foi, sobretudo, privado. Isso acon- teceu porque era conveniente tanto para os grandes empre- sários, principalmente do setor bancário, como para a política econômica de FHC. As empre- sas privadas se endividaram em dólar porque o câmbio era fixo e nessa situação vislumbraram a possibilidade de au- mentar seus investimentos recorrendo a empréstimos internacionais com taxas de juros bem mais baixas do que aquelas praticadas internamente. E mais: alguns seg- mentos se endividaram em dólar para ganhar dinheiro fácil com a diferença da taxa de juros, ou seja, pegava-se empréstimo internacional com uma determinada taxa de juros e aplicavam-se os recursos em títulos do governo brasileiro a taxas mais altas, embolsando assim a diferen- ça. Para o governo Fernando Henrique, essa política de endividamento externo era conveniente porque trazia dólares para o Brasil cobrir o seu rombo externo. Esse endividamento externo acabou contaminando a dívida pública interna. A dívida do governo em reais sempre teve uma razoável autonomia em relação ao quadro externo e aos solavancos no câmbio. Fernando Henrique transformou a dívida interna em mais um fa- tor de vulnerabilidade externa do país, ao ampliar enor- 60
  • 64. JOSÉ PRATA ARAÚJO memente a emissão de títulos cambiais, que chegaram a representar ao final de seu governo 37% do endivida- mento público. Essa dolarização da dívida interna foi uma espécie de estatização da dívida externa. Ou seja, grandes empresas e bancos endividados em dólar, para se protegerem da desvalorização cambial, refugiaram- se crescentemente em títulos cambiais, jogando parte da conta da aventura do câmbio fixo para a sociedade. Parte expressiva do aumento da dívida interna depois de 1999 foi resultado do ônus representado pelos títulos cambiais. Por exemplo, uma empresa que devesse US$ 1 bilhão até 1999, com o câmbio na relação 1 x 1, devia em reais também R$ 1 bilhão. Essa dívida, com a rela- ção real/dólar tendo chegado na faixa de 3 x 1, passou em reais para R$ 3 bilhões. Aquelas empresas que pos- suíam títulos cambiais repassaram essa conta para o governo brasileiro, ou seja, para a sociedade, que assu- miu o ônus da desvalorização cambial. Esse é mais um exemplo de um escândalo bilionário, amparado legal- mente, de transferência de recursos públicos para o se- tor privado. É nessa questão que deve ser buscada a explicação de por que Fernando Henrique manteve uma política suicida de populismo cambial de 1995 a 1999. Muitos perguntam-se: como um homem culto e inteligente como FHC permitiu tamanho desastre? Foram exatamente as empresas endividadas em dólar que deram sustentação enquanto puderam à aventura da âncora cambial. Por um motivo simples: a desvalorização do real aumentaria 61
  • 65. VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA na mesma proporção a dívida dessas empresas endivi- dadas em dólar. Entre essas empresas estavam princi- palmente bancos, grandes indústrias e, afundadas até o pescoço em dívidas dolarizadas, grandes grupos de mídia. As grandes empresas da mídia brasileira – Globo, Abril, Folha, O Estado de S. Paulo, SBT e RBS – enfrentam uma crise financeira sem precedentes e acumulam uma dívi- da de R$ 10 bilhões, sendo 80% em dólar. Ou seja, a mídia brasileira, contraditoriamente, sustentou a política econômica e acabou sendo uma de suas principais víti- mas. Endividou-se em dólar para se modernizar (novos parques gráficos) e ampliou os negócios em diversas áreas (novas publicações, TV por assinatura, internet), mas a população, em especial a classe média, empobre- cida pela política econômica, não sustentou o cresci- mento dos negócios. Resultado: alto endividamento em dólar, que se multiplicou em reais com o fim da paridade cambial, e receitas em reais em queda, devido à estag- nação econômica. Isso explica por que durante os longos anos da gestão Fernando Henrique não tivemos quase nenhum espaço na mídia para posições críticas em relação à política econômica tucano/pefelista. A mídia estava amarrada, não somente do ponto de vista ideológico, mas tinha tam- bém os seus negócios fortemente vinculados à aventura da paridade cambial. No artigo “Em crise, jornalismo vira profeta do acontecido”, o jornalista Josias de Sou- za, ex-chefe da sucursal da Folha de S.Paulo em Brasília, fez um mea-culpa: 62
  • 66. JOSÉ PRATA ARAÚJO “As corporações jornalísticas cometeram na úl- tima década dois relevantes equívocos: 1) difun- diram a tese de que a adesão do Brasil ao consen- so liberal era prenúncio de prosperidade; 2) acre- ditaram no devaneio. A indústria da informação tirou do noticiário que produziu as suas próprias confusões. Crente na perspectiva da bonança, tra- çou planos expansionistas. Contraiu empréstimos em dólar. Plantou em seus balanços encrencas mi- lionárias. Colhe agora a tempestade. Vítima de si mesma, a mídia virou notícia. O setor atravessa uma crise sem precedentes. Talvez a maior dos últimos 50 anos. Com o destino atado a um iminente so- corro financeiro do BNDES, a maioria das empresas de comunicações encontra-se exilada de suas cer- tezas. O consenso econômico em decomposição é o incômodo local desse exílio. Nós, mercadores da informação, devemos à clientela uma boa expli- cação. Consumidores mais atentos já se pergun- tam: por que acreditar em produtores de notícia que não foram capazes de iluminar o próprio futuro? A embaraçosa verdade é que o jornalismo se eximiu nos últimos anos da tarefa de expor adequadamen- te as contradições do modelo único. Limitou-se a reproduzir, de modo acrítico, a atmosfera de oba- oba e contemplação em que se processou o deba- te econômico. Escassos opositores da nova ordem foram tratados como chatos que queriam estragar a festa”2. 63
  • 67. VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA PASSIVO EXTERNO Outras medidas que aprofundaram a vulnerabilidade externa de nosso país foram as privatizações e a desnacionalização de nossa economia. Na era FHC, o Brasil foi literalmente colocado à venda para cobrir o rombo das contas externas. As privatizações renderam ao governo US$ 105 bilhões e, no período de 1995 a 2000, centenas de empresas brasileiras foram compra- das por empresas estrangeiras. Até 1995, o estoque de capital estrangeiro no Brasil totalizava aproximadamen- te US$ 50 bilhões. Apenas no período de 1996 a 2000, o valor de investimentos diretos estrangeiros totalizou US$ 120 bilhões, mais do que o dobro do estoque histórico existente no país até então. Veja a tabela 4. Porque esse gigantesco volume de capitais estrangeiros não acele- rou o desenvolvimento do Brasil? Segundo Reinaldo Gonçalves e Valter Pomar porque “a maior parte foi destinada à compra de empresas (estatais e privadas); financiou, portanto, a transfe- rência de patrimônio, não a cria- ção de riqueza nova”3. O jornal Valor Econômico apontou outra grande distorção dos investimentos estrangeiros no Brasil na era FHC: dos US$ 120 bilhões a que nos referimos anteriormente, grande parte foi para o setor de serviços – ban- 64
  • 68. JOSÉ PRATA ARAÚJO cos, energia elétrica, telecomunicações etc. – e uma pequena parte para a indústria. O jornal explica as con- seqüências disso: “Todo investimento estrangeiro direto, mais cedo ou mais tarde, gera remessa de lucro. Onera a conta de transações correntes com o exterior (comércio, serviços e transferências unilaterais), principal indicador da situação das contas exter- nas. Quando o investimento é feito na indústria e na agricultura, pode gerar receita de exportação e influir no desempenho da balança comercial, que também integra as transações correntes. Já as atividades relacionadas a serviços quase não geram divisas”. Ou seja, o setor de serviços privatizado aumentou a remessa de lucros das empresas estrangeiras para fora do Brasil, sem nenhuma contrapartida para o país, pois se trata de serviços não-comercializáveis que não integram nossa pauta de exportações e, portanto, não trazem dóla- res para que nosso país equilibre suas contas externas. Nos oito anos da era FHC, o passivo externo bruto – estoque da dívida externa e estoque de capital estran- geiro investido no país – passou de US$ 200 bilhões para aproximadamente US$ 400 bilhões. Isso pressionou enormemente a balança de serviços e rendas com au- mento substancial do pagamento de juros e amortiza- ções da dívida externa e remessa de lucros e dividen- 65
  • 69. VULNERABILIDADE EXTERNA DA ECONOMIA dos. Veja a tabela 5. Como se vê, a remessa de lucros pas- sou de apenas US$ 2,483 bi- lhões em 1994 para nada me- nos que US$ 12,686 bilhões em 2005. Quem vem liderando a remessa de lucros é exata- mente o setor de serviços privatizado – bancos, telefonia, energia elétrica etc. COM LULA, BRASIL FICOU MENOS VULNERÁVEL Na área econômica, o principal avanço do governo Lula foi a importante e estratégica redução da vulnerabilidade externa do Brasil. A principal conquista foi na balança comercial, como pode ser visto na tabela 1. Foram os melhores resultados da história. As exportações atingi- ram, em 2005, US$ 118,308 bilhões, contra US$ 60,361 bilhões em 2002; um crescimento de quase 100% em apenas três anos. Nos oito anos da gestão FHC, as ex- portações cresceram apenas 39%. O superávit comer- cial (exportações menos importações) em 2005 atingiu US$ 44,757 bilhões, um avanço espetacular sobre o va- lor conseguido em 2002, de US$ 13,121 bilhões. A par- ticipação do Brasil no comércio internacional saltou de 0,96%, em 2002, para 1,11%, em 2005. E, finalmente, no período analisado, a corrente de comércio (soma das 66