Adotando uma visão Sistêmico-Funcional da linguagem (HALLIDAY, 1994) e partindo das variáveis Campo, a qual se refere à natureza das ações sociais realizada por intermédio da linguagem, e Relação, a qual se refere aos participantes em uma interação (HALLIDAY e HASAN, 1989), esta comunicação enfoca o uso de fóruns de discussão em um curso de capacitação para professores de idiomas. Visando à identificação das ações sociais realizadas nos fóruns do curso, foram analisadas 238 postagens de treze participantes. Dentre os achados, destacamos que em apenas 35% das postagens há algum tipo de reflexão e/ ou discussão sobre os assuntos trabalhados no curso por meio de leituras teóricas e atividades-modelos. Estas realizam a ação social que definimos como Campo 3. As demais realizam outras ações tais como a preservação de face e manutenção do tecido social (Campo 5), ajuda aos colegas (Campo 4) ou compartilhamento de impressões sobre o curso (Campo 2). Outro fato é que 63% das reflexões (Campo 3) ocorrem em textos que realizam mais de uma ação social ao mesmo tempo, o que pode dividir a atenção do participante na hora de dar continuidade a discussão. Além disso, as funções discursivas perguntar (requerer uma informação) e questionar (levantar questões para discussão), que convidam o interlocutor a se engajar nas conversas nos fóruns, estão presentes em apenas 10% das postagens no Campo 3. No viés da variável Relação, observa-se uma preferência por postar as reflexões em mensagens isoladas, ou seja, que não seguem o esquema Iniciação > Resposta | > Feedback, típico de uma conversa. Essas evidências apontam para uma possível necessidade de revisão da prática docente no que tange a condução de tarefas de reflexão nos fóruns de discussão, muito comuns em cursos on-line. Considerações sobre esse assunto também serão apresentadas na presente comunicação.
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O uso de foruns de discussão em um curso de capacitação para professores de idomas
1. O USO DE FÓRUNS DE DISCUSSÃO EM
UM CURSO DE CAPACITAÇÃO PARA
PROFESSORES DE IDIOMAS
Profa.Dra. Doris de Almeida Soares
Escola Naval/ PUC-Rio/LingNet
III Jornada sobre o Ensino Aprendizagem de Línguas em Ambientes Virtuais
Outubro de 2012
2. Introdução
Esta comunicação é um recorte de minha tese de doutorado (Soares, 2011),
na qual, a partir de um enfoque funcionalista (Halliday, 1994), investigo os
elementos linguísticos que estabelecem a presença social (co-presença
mediada e representação do eu) nas ferramentas perfil, fórum de
discussão e portfólio em um curso para docentes de idiomas na plataforma
TelEduc.
Esta apresentação traz à baila algumas observações referentes ao uso da
linguagem nos fóruns de discussão do referido curso e que estão
relacionadas ao engajamento dos participantes na reflexão e co-construção
de conhecimento nesse espaço de interação.
Assim sendo, esta comunicação destina-se, principalmente, aos
profissionais que fazem uso pedagógico da ferramenta fórum de discussão
nos cursos de formação de professores.
3. Fundamentação teórica (I)
Este estudo se apóia nas contribuições da Linguística Sistêmico-Funcional
(Halliday, 1994), a qual se ocupa das relações (ou funções) entre a língua
como um todo e as diversas modalidades da interação social, estudando a
linguagem em situações reais de uso. Esta teoria toma como objeto de
análise o contexto e o texto, entendido como um comportamento social
realizado linguisticamente (Gerot e Wignell, 1994, p.6).
Seguindo este pensamento, a natureza de um texto sempre dependerá do
seu ambiente imediato, ou Contexto de Situação. Ou seja, das variáveis do
Campo, da Relação e do Modo, relacionadas com três funções sociais da
linguagem, respectivamente: (i) construir as experiências da atividade social
(Metafunção Ideacional), (ii) representar as relações dos falantes
(Metafunção Interpessoal), e (iii) costurar essas representações e construtos
de modo a gerar discurso que faça sentido (Metafunção Textual).
Nesta comunicação, enfocarei as variáveis Campo e Relação.
4. Campo
Segundo Martin e Rose (2006, p.20), toda atividade é orientada para
algum propósito global institucional, seja em uma instituição doméstica,
como uma família ou comunidade, ou de modo mais amplo, como nas
instituições sociais (a academia ou a indústria, por exemplo).
Portanto, Campo se refere ao que está acontecendo, a natureza da
atividade e responde a seguinte pergunta: Em que tipo de ação social
onde a linguagem é essencial os participantes estão engajados? (Halliday
e Hasan, 1989, p.12).
Relação
Relação se refere aos participantes do discurso e a natureza dessa
participação. Esta variável identifica que tipos de papéis, incluindo
permanentes ou temporários, os participantes assumem no diálogo e toda
a gama de relações sociais significantes nas quais eles estão envolvidos
(Halliday e Hasan,1989, p.12).
Fundamentação teórica (II)
5. Para alguns autores como Love (2002) e Love e Isles (2006), por exemplo,
estudar as variáveis Campo, Modo e Relação é o primeiro passo para o
desenvolvimento de um esquema que possa ajudar o tutor a identificar
questões pedagógicas envolvidas no gerenciamento das discussões on-line.
Esse pensamento é corroborado por Coffin e Hewings (2005), pois, para
elas, estudar o modo pelo qual a linguagem é usada para alcançar objetivos
educacionais nos fóruns pode oferecer insumos para que tutores planejem
intervenções pedagógicas e, assim, aperfeiçoem o uso dos sistemas de
conferência com espaço para a construção de conhecimento.
Do ponto de vista teórico, destaco, por fim, outro conceito importante
para entender a construção das interações nos fóruns: o modelo de Wells
(1999), no qual cada troca é composta por uma iniciação e uma resposta,
podendo, em certos casos, haver um terceiro movimento, chamado de
follow up.
Esse modelo, apesar de descrever as trocas discursivas da sala de aula
presencial, é usado como ponto de partida para mapear as interações em
fóruns (Hewings et. al. 2006, p.19), sendo útil para analisar Relação.
Fundamentação teórica (III)
6. Metodologia (I)
Caracterização da pesquisa
Estudo de caso de cunho interpretativista.
Contexto
Curso on-line, na plataforma TelEduc, com duração de dez semanas, para
capacitar professores de idiomas para produzirem material didático digital.
Neste, a cada semana, um novo fórum é aberto para que o aluno discuta
os conteúdos dos textos teóricos e analise modelos de exercícios digitais.
Também é esperado que o aluno produza atividades digitais e as compartilhe
com o grupo na ferramenta portfólio. Os colegas podem vê-las e comentá-las,
se quiserem.
7. Metodologia (II)
Participantes do estudo
Treze professores de idiomas, dos quais dez já eram “experientes” on-line.
Ou seja, já haviam participado de listas/fóruns informais, ou estudaram
on-line antes. O perfil do grupo pode ser depreendido a partir da leitura
dos gráficos.
8. Corpus
238 mensagens postadas pelos treze participantes, alunos no curso, em dez
fóruns de discussão.
Procedimentos para análise dos dados
- Na variável Campo
• Análise de conteúdo de cada mensagem para identificar e mapear as
ações sociais realizadas nos fóruns ao longo das dez semanas de curso.
• Depreensão de segmentos cujas funções discursivas contribuam para o
estabelecimento da presença social (co-presença mediada e
representação do eu) nas postagens nos fóruns de discussão.
- Na variável Relação
• Identificação e análise das escolhas linguísticas que evidenciam uma
interdependência entre mensagens em cada fórum de discussão,
formando, portanto, “cadeias comunicativas”.
Metodologia (III)
9. Objetivos
Soares (2011) aponta a existência de quatro ações sociais (Campos) nos fóruns.
Nesta comunicação, o objetivo é discutir os achados sobre C3: reflexões, pois nele
verifica-se como ocorre a reflexão e a co-construção de conhecimento no curso.
A análise da variável Relação em C3 complementa o estudo, pois almeja mostrar
para quem e com quem o aluno interage na sala de aula virtual, ou seja, nos fóruns.
10. Discussão (I)
Nesta seção, apresento alguns dados da pesquisa e teço comentários a
respeito dos mesmos:
• C3: reflexões não foi a ação social mais frequente no curso,
estando presente em apenas 35% das postagens.
Isso indica que o componente teórico do curso não foi tão explorado pelos
participantes, pois a ação mais frequente, ao contrário do que se esperaria,
não foi a co-construção de conhecimento por meio de discussões dos
conteúdos do curso, mas, sim, o suporte ao colega, realizado em C4. Este
se relaciona ao aspecto prático do curso uma vez que engloba ações
colaborativas que visam ao auxílio mútuo na solução de problemas quanto
a elaboração das atividades digitais e quanto ao uso da própria plataforma
TelEduc.
11. Discussão (II)
• 39% das reflexões estão em postagens orientadas para um único
propósito comunicativo. As demais ocorrem em combinação com
outros Campos, principalmente C2: impressões sobre o curso e C5:
preservação de face e manutenção do tecido social. Estas são
denominadas amostras de Campo combinado (CC).
Este dado indica a preferência dos participantes por associar o conteúdo
acadêmico de suas mensagens a outros conteúdos, orientados para os aspectos
sociointeracionais da aprendizagem, como na amostra abaixo:
12. Discussão (III)
• Sobre o engajamento nas discussões, nas amostras de Campo
combinado, os alunos geralmente elegem apenas um Campo para
comenta, como ilustra a sequência de mensagens abaixo.
Note que a Participante 5 se identifica com o que foi dito pela colega em C5 para
também salvar a sua face. Contudo, para realizar C3, ela “ignora” o que foi dito pela
colega e faz as suas próprias reflexões. Assim, a Participante não se engaja em uma
discussão, mas apenas cumpre a tarefa da semana – avaliar o texto lido e a atividade.
13. Discussão (IV)
• Para convidar o interlocutor para participar da discussão, podemos usar
as funções discursivas perguntar (requere uma informação) e
questionar (levantar questões para discussão). Estas, no entanto, são
utilizadas por apenas seis participantes e em oito amostras de C3. Além
disso, a maioria fica sem resposta por parte dos colegas, como nesta
seleção, retirada de uma postagem no fórum da segunda semana do
curso:
Pela falta de resposta, o potencial para discussão, representado nos trechos destacados,
não foi aproveitado pelo grupo. Além disso, a participante ficou sem os esclarecimentos
que pediu. Assim, essas funções não surtiram o efeito comunicativo esperado no
contexto desta pesquisa.
14. Discussão (V)
• As observações feitas nos slides anteriores sobre o pouco engajamento nas
discussões são corroboradas pelo mapeamento realizado pelo viés da variável
Relação. De modo esquemático, as interações entre os participantes do curso,
incluindo o tutor, podem ser assim representadas:
Há preferência por postar as reflexões em mensagens paralelas. Ou seja,
que não seguem o esquema Iniciação > Resposta | > Feedback, típico na
sala de aula.
Esse comportamento sugere um maior empenho em realizar a tarefa do que em se
engajar em um debate com o grupo. Quando há resposta, esta parte, na maioria das
vezes, do tutor, gerando cadeias entre 1 aluno e o tutor, e com curta duração/ extensão.
15. Conclusão (I)
O uso de fóruns de discussão como ferramenta pedagógica é relativamente
recente. Também o é a utilização da linguagem escrita para, de certo modo,
emular, no espaço virtual, as trocas discursivas que acontecem em uma
sala de aula presencial.
Devido a essa recenticidade, acredito que ainda estejamos descobrindo o
potencial dessa ferramenta, especialmente no que tange a sua utilização como
espaço para a interação e co-construção de conhecimento.
Estudos como o que foi apresentado aqui contribuem para esse fim na medida
em que nos levam a observar mais atentamente o comportamento linguístico
de nossos alunos.
A partir dessa observação, destaco, por exemplo, a necessidade de o tutor
estar atento as ações sociais realizadas pelos alunos nos fóruns, verificando
que haja um equilíbrio entre as mesmas para que os objetivos acadêmicos e
sociointeracionais de um curso on-line sejam igualmente alcançados.
16. Conclusão (II)
Destaco, também, a forma como os participantes decidem postar as suas
reflexões, pois, como vimos, muitas vezes não há, explicitamente, consideração
sobre o que foi dito pelos outros.
Na visão do aluno, isso pode significar que os colegas não valorizam as suas
contribuições e desmotivá-los. Na visão do tutor, isso pode significar que os
alunos não estão interagindo ou refletindo a contento, e assim, perdendo
oportunidades de crescimento cognitivo.
Portanto, talvez seja interessante o tutor, no início do curso, sugerir
comportamentos linguísticos que visem ao engajamento dos participantes tais
como:
a) Incluir perguntas/ questões em suas reflexões e procurar responder
aquelas feitas pelos colegas;
b) Organizar a sua reflexão retomando pontos levantados pelos colegas;
c) Endereçar as mensagens ao grupo como um todo e não apenas ao tutor.
17. Conclusão (III)
Sendo assim, cabe ao tutor observar os comportamentos ora discutidos e
alertar o grupo para esses aspectos do Campo 3, corrigindo e/ou guiando
os participantes na melhor forma de usar o fórum como espaço para a co-
construção de conhecimento.
Esta ação pode requerer uma revisão da prática docente no que tange a
condução de tarefas de reflexão nos cursos on-line.
Contudo, esta revisão não deve ser fruto de ideias pré-concebidas,
baseadas na nossa experiência com a sala de aula presencial. Mas, sim,
decorrente de estudos que avaliem situações reais de uso da linguagem
escrita nos fóruns de discussão.
18. Referências Bibliográficas (I)
COFFIN, C.; HEWINGS, A. Engaging electronically. Using CMC to develop students’
argumentation skills in Higher Education. Language and Education, vol. 19/1, p. 32- 49,
2005.
GEROT, L.; WIGNELL, P. Making sense of Functional Grammar. Australia: Antipodean
Educational Enterprise, 1994.
HALLIDAY, M.A.K. An Introduction to Functional Grammar. (2a ed.). London: Edward
Arnold, 1994.
HALLIDAY, M.A.K.; HASSAN, R. Language, context and text: aspects of language in a
social semiotic perspective. Oxford: OUP, 1989.
HEWINGS, A; COFFIN, C.; NORTH, S. Supporting undergraduate students’ acquisition of
academic argumentation strategies through computer conferencing. Higher Education
Academy Research Report, 2006. p.1-89.
LOVE, K. Mapping on· line discussions in secondary English. Journal of adolescent
and adult literacy, 45(5), p.382-409, 2002.
19. Referências Bibliográficas (II)
LOVE, K.; ISLES, M. Welcome to the on line discussion group: Towards a diagnostic framework
for teachers. Australian Journal of Language and Literacy, vol. 29, no.3, p. 2010-225,
2006. Disponível me <http://www.thefreelibrary.com/_/print/PrintArticle.aspx?id=153691579>
Acesso em 17 de outubro de 2009.
MARTIN, J. R.; ROSE, D. Genre relations. Mapping culture. 1st galley. UK: Equinox
Publishing Ltd, 2006.
WELLS, G. Dialogic Inquiry: Towards a sociocultural practice and theory of
education. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
SOARES, D. de A. A presença social em um ambiente virtual de aprendizagem: uma
proposta de análise à luz da Linguística Sistêmico-Funcional. Tese de Doutorado em
Estudos da Linguagem. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-Rio, 2011.
20. Agradecimentos
Agradeço pela orientação das Profas. Dras. Barbara Hemais (PUC-Rio) e Tania
Shepherd (UERJ) na elaboração de minha tese de doutorado, da qual este trabalho
é um fruto.
Agradeço, também, aos colegas de curso que se voluntariaram para participar deste
estudo.
Por fim, agradeço a você, que leu este trabalho.
Para saber mais sobre minhas pesquisas, visite meu perfil no site do grupo de
pesquisa LingNet (UFRJ) em
http://www.lingnet.pro.br/pages/participantes/dorissoares.php#axzz28vK03LuZ
Ou meu site pessoal em http://producaotextual.wordpress.com
Caso queira entrar em contato, é só escrever para:
dorissoares@terra.com.br