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Era sistemático. Sabia que seu processo embora exaustivo, o conduzia com

precisão a planos infinitos. Por isso guardava seu segredo tão cuidadosamente e deixara

para a última célula de seu corpo tal revelação. Eram habilidades inatas, gravadas para a

eternidade na mais perfeita intimidade da vida, o genoma humano.

      Duas da manhã. Sem saber para onde olhar, baixou a cabeça e com a ponta do

queixo apoiada sobre o próprio peito, permitiu que a sensação lhe invadisse o corpo. O

sangue nas veias apressado, avançava contra a cadeia interminável de capilares,

entumecendo a polpa dos dedos e colorindo-as. O suor, vencendo os poros semi-abertos,

emergia   na pele ainda quente e gotejava sobre o tapete surrado. Lentamente, um

turbilhão de imagens formava-se na tela improvisada pela mente atordoada e como nas

outras vezes, o desfile de vozes, cores e lugares, difundia-se gradualmente, saturando

pouco a pouco sua alma. Em poucos segundos, sabia, o processo alcançaria o centro de

comando de suas emoções, sua cerne. Lá, veria-se recolhido à sombra costumeira da

gigantesca figueira, sentado entre folhas já secas e a grama verde, fresca. Estampadas

em cartas de um imenso baralho, centenas de imagens espalhariam-se ao seu redor;

poderia então desfrutar daquele instante, mergulhar profundamente naquelas cenas e tê-

las novamente para si. Somente então, vasculharia cada pequena lembrança, separaria

minutos de segundos e penetraria o espaço para desafiar a realidade ali esquecida.

Naquele dia, certo de que seu esforço não seria desperdiçado, manteve os olhos fixos a

uma daquelas cenas que sempre lhe ocorriam e logo se misturavam. Num movimento

preciso e delicado, destacou-a das demais para como de costume, explorá-la

meticulosamente. Nela, o calor era insuportável. Permeava com facilidade o solado de

borracha desgastado que isolava a planta de seus pés da areia fina. A radiação,

implacável, assaltava-lhe os tornozelos e o escalava em direção ao tórax. Incomodado,

esticou o pescoço e contemplando o céu que estendia-se sobre sua cabeça, inspirou

profundamente recolhendo aos pulmões grande quantidade do ar fresco sutilmente
impregnado pela   água salgada. Com a mão direita espalmada logo acima dos olhos,

protegeu-se do brilho típico dos dias de verão e pode contemplar as dezenas de formas

geométricas coloridas agitando suas caudas de papel. Era época de pipas e a praia

estava lotada delas. De olhos semi-abertos e ainda incomodados pela claridade

excessiva, lá permaneceu por alguns minutos, levando e trazendo sua atenção à todo

lado, buscando elementos que o ajudassem a compreender sua incomum natureza. Mas

o que realmente o conduzira até ali, movia-se de um lado para outro fingindo não notar

seu observador. O menino da pele clara e cabelos desbotados, brincava de imprimir suas

pegadas na areia molhada para em seguida vê-las desaparecer, levadas pela maré.

Percebeu naquele vai-e-vem algo peculiar, como se aquilo tudo lhe pertencesse e a

ninguém mais. Sentou-se cuidadosamente sobre os calcanhares e pôs-se a observar.

- Isso ainda vai terminar em tragédia! pensou rapidamente enquanto subitamente era

extraído dos corredores de sua mente e como uma aeronave guiada por mãos

inexperientes, aterrissava aos solavancos naquele pequeno ambiente. Ainda assustado,

gemeu baixinho levando uma das mãos à lateral do corpo. O cabo do esfregão acertara-

lhe logo abaixo das costelas, despertando-o imediatamente. Eram cinco da manhã e a

faxina no restaurante estava prestes a começar. O gosto forte do atum cru ainda rondava

sua boca enquanto o corpo desidratado pelas doses de saquê pedia água. Sua reação

nos dois minutos seguintes seria a de sempre: primeiro, erguer vagarosa e verticalmente

o próprio crânio; depois, dar-se conta de onde e com quem estava. No início daquela

manhã, após desculpar-se pela noite estirado sobre a mesa do estabelecimento, retirou

algum dinheiro do bolso e apressado, pagou o que haviam consumido. Informado que sua

companhia o deixara assim que a garrafa sobre a mesa chegara ao fim, dirigiu-se ainda

confuso à imensa porta de madeira e vidro, esquivando-se das poças de sabão que

lavavam o chão e saiu. Na curta caminhada ao hotel, em meio a panfletos de boates

recebidos na madrugada anterior e que ainda ocupavam seus bolsos, notou uma
pequena caixa de fósforos vermelha e branca com a inscrição “The YellowSun”. Ao abri-la,

escrito em    letras minúsculas e quase incompreensíveis, pode ler: Juliette Nardin,

Niierobia Stennensis - Specialist. Por alguns segundos, fechou os olhos e tentou retornar

ao momento onde a recebera mas estava exausto demais para incursões mentais. Sem

resposta, contentou-se em guardar o objeto no bolso direito do sobretudo de lã e em

seguida, inspecionando cada rua que cruzava, localizou o toldo vermelho de contornos

luminosos que ornava a marquise da estalagem onde se hospedara. Com o frio cortando-

lhe a pele do rosto e os dentes batendo freneticamente, concentrou-se para acertar a

fechadura que insistia esquivar-se da chave. Respirou aliviado quando por fim adaptou

uma à outra, adentrou o quarto aquecido e atirou-se sobre a cama de lençóis brancos e

limpos. Ainda ofegante, procurou organizar seus pensamentos de forma a alinhar a

sequência de eventos que o levaram a deixar sua férias em Amsterdam e partir rumo a

Tóquio em pleno inverno.

A figura do Prof. Martinez logo lhe veio à cabeça juntamente com a maneira como lhe

conhecera, exaltado, num desses programas que preenchem as madrugadas na TV.

Lembrou de quando novamente o reconhecera, desta vez recebendo duas das maiores

comendas da ciência, o Nobel de química e o prêmio Elsevier-Norman. Aos 36 anos e

após inúmeras tentativas frustradas de ingressar na Faculdade de Medicina da

Universidade da Califórnia, Esteban Garcia Martinez formou-se Químico na mesma

Instituição. Daqueles dias entregando pizzas, ou fazendo “tacos” e “burritos” na

madrugada de Los Angeles, pouco havia restado. Com o término de seu PhD em

Genética e Biologia Molecular, trocara seus eficientes olhos negros por um par de pupilas

cansadas e envoltas por uma fina gelatina opaca. Os óculos, acessórios agora

indispensáveis, embora delicados e construídos com levíssima armação de titânio,

carregavam pesadas lentes multi-focais que feriam-lhe impiedosamente o dorso do nariz,

trazendo-lhe um ar no mínimo, curioso. Quem o conhecia, diziam, sabia se estava prestes
a anunciar mais um de seus fantásticos achados apenas pela profundidade das marcas

próximas ao ângulo interno dos olhos. Segundo eles, as ulcerações riniformes que tanto o

torturavam aprofundavam-se em períodos de longas vigílias sobre livros e experimentos,

podendo assim predizer com alguma exatidão a chegada de uma nova descoberta.

Verdadeiro ou não, do alto de seus 64 anos e dono de uma brilhante carreira até ali, o

agora chefe do Laboratório Genoma do Tokyo Memorial Hospital, atraiu por alguns

minutos a atenção do mundo ao anunciar na antevéspera de Natal e via satélite, a maior

descoberta de seu século. Tomado por um surto de vaidade e aproveitando sua

participação num popular programa de entrevistas nos Estados Unidos, teceu duras

críticas ao que chamou de retro-neoliberalismo e antes que partisse, resolveu anunciar

seu achado ao mundo: o mapeamento e a caracterização dos segmentos Íntrons e

Éxons, territórios outrora absolutamente desconhecidos, da molécula de DNA. Um

enorme passo do homem em direção ao controle da vida. A poucas milhas dali, ainda

incrédulo e paralisado, Rashi o assistia pela terceira vez. Aquelas palavras pareciam

forjadas para ele. Chegavam como peças perdidas de um quebra-cabeças virtual que há

muito lhe acompanhava. Cada sílaba disferida moldava-se perfeitamente aos seus

ouvidos. Uma sensação fantástica invadiu-lhe o corpo, sentia-se finalmente em paz. Em

segundos, livrando-se do pseudo-transe pôs-se a revirar as gavetas da escrivaninha que

sustentava a televisão em busca de uma caneta ou algo que escrevesse. Estava

preocupadíssimo com a possibilidade de esquecer os telefones para contato que foram

passados ao término da entrevista.

      Com um longo e entediado suspiro, virou-se lateralmente e livrou-se dos

cobertores. Em seguida sentou-se na beiradinha do colchão de molas e ainda com as

costas doloridas pela noite estirado sobre a mesa do restaurante, arriscou uma espiada

através da janela entreaberta. O movimento nas ruas havia diminuído significativamente e

um novo estrato civil começava a surgir juntamente à chegada da noite que se
descortinava. Achou o momento oportuno para iniciar suas buscas pelo geneticista

mexicano.Com poucos minutos ao telefone, percebeu que sua investida nada teria de

simples ou fácil.

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Aindanaoseioquee

  • 1. Era sistemático. Sabia que seu processo embora exaustivo, o conduzia com precisão a planos infinitos. Por isso guardava seu segredo tão cuidadosamente e deixara para a última célula de seu corpo tal revelação. Eram habilidades inatas, gravadas para a eternidade na mais perfeita intimidade da vida, o genoma humano. Duas da manhã. Sem saber para onde olhar, baixou a cabeça e com a ponta do queixo apoiada sobre o próprio peito, permitiu que a sensação lhe invadisse o corpo. O sangue nas veias apressado, avançava contra a cadeia interminável de capilares, entumecendo a polpa dos dedos e colorindo-as. O suor, vencendo os poros semi-abertos, emergia na pele ainda quente e gotejava sobre o tapete surrado. Lentamente, um turbilhão de imagens formava-se na tela improvisada pela mente atordoada e como nas outras vezes, o desfile de vozes, cores e lugares, difundia-se gradualmente, saturando pouco a pouco sua alma. Em poucos segundos, sabia, o processo alcançaria o centro de comando de suas emoções, sua cerne. Lá, veria-se recolhido à sombra costumeira da gigantesca figueira, sentado entre folhas já secas e a grama verde, fresca. Estampadas em cartas de um imenso baralho, centenas de imagens espalhariam-se ao seu redor; poderia então desfrutar daquele instante, mergulhar profundamente naquelas cenas e tê- las novamente para si. Somente então, vasculharia cada pequena lembrança, separaria minutos de segundos e penetraria o espaço para desafiar a realidade ali esquecida. Naquele dia, certo de que seu esforço não seria desperdiçado, manteve os olhos fixos a uma daquelas cenas que sempre lhe ocorriam e logo se misturavam. Num movimento preciso e delicado, destacou-a das demais para como de costume, explorá-la meticulosamente. Nela, o calor era insuportável. Permeava com facilidade o solado de borracha desgastado que isolava a planta de seus pés da areia fina. A radiação, implacável, assaltava-lhe os tornozelos e o escalava em direção ao tórax. Incomodado, esticou o pescoço e contemplando o céu que estendia-se sobre sua cabeça, inspirou profundamente recolhendo aos pulmões grande quantidade do ar fresco sutilmente
  • 2. impregnado pela água salgada. Com a mão direita espalmada logo acima dos olhos, protegeu-se do brilho típico dos dias de verão e pode contemplar as dezenas de formas geométricas coloridas agitando suas caudas de papel. Era época de pipas e a praia estava lotada delas. De olhos semi-abertos e ainda incomodados pela claridade excessiva, lá permaneceu por alguns minutos, levando e trazendo sua atenção à todo lado, buscando elementos que o ajudassem a compreender sua incomum natureza. Mas o que realmente o conduzira até ali, movia-se de um lado para outro fingindo não notar seu observador. O menino da pele clara e cabelos desbotados, brincava de imprimir suas pegadas na areia molhada para em seguida vê-las desaparecer, levadas pela maré. Percebeu naquele vai-e-vem algo peculiar, como se aquilo tudo lhe pertencesse e a ninguém mais. Sentou-se cuidadosamente sobre os calcanhares e pôs-se a observar. - Isso ainda vai terminar em tragédia! pensou rapidamente enquanto subitamente era extraído dos corredores de sua mente e como uma aeronave guiada por mãos inexperientes, aterrissava aos solavancos naquele pequeno ambiente. Ainda assustado, gemeu baixinho levando uma das mãos à lateral do corpo. O cabo do esfregão acertara- lhe logo abaixo das costelas, despertando-o imediatamente. Eram cinco da manhã e a faxina no restaurante estava prestes a começar. O gosto forte do atum cru ainda rondava sua boca enquanto o corpo desidratado pelas doses de saquê pedia água. Sua reação nos dois minutos seguintes seria a de sempre: primeiro, erguer vagarosa e verticalmente o próprio crânio; depois, dar-se conta de onde e com quem estava. No início daquela manhã, após desculpar-se pela noite estirado sobre a mesa do estabelecimento, retirou algum dinheiro do bolso e apressado, pagou o que haviam consumido. Informado que sua companhia o deixara assim que a garrafa sobre a mesa chegara ao fim, dirigiu-se ainda confuso à imensa porta de madeira e vidro, esquivando-se das poças de sabão que lavavam o chão e saiu. Na curta caminhada ao hotel, em meio a panfletos de boates recebidos na madrugada anterior e que ainda ocupavam seus bolsos, notou uma
  • 3. pequena caixa de fósforos vermelha e branca com a inscrição “The YellowSun”. Ao abri-la, escrito em letras minúsculas e quase incompreensíveis, pode ler: Juliette Nardin, Niierobia Stennensis - Specialist. Por alguns segundos, fechou os olhos e tentou retornar ao momento onde a recebera mas estava exausto demais para incursões mentais. Sem resposta, contentou-se em guardar o objeto no bolso direito do sobretudo de lã e em seguida, inspecionando cada rua que cruzava, localizou o toldo vermelho de contornos luminosos que ornava a marquise da estalagem onde se hospedara. Com o frio cortando- lhe a pele do rosto e os dentes batendo freneticamente, concentrou-se para acertar a fechadura que insistia esquivar-se da chave. Respirou aliviado quando por fim adaptou uma à outra, adentrou o quarto aquecido e atirou-se sobre a cama de lençóis brancos e limpos. Ainda ofegante, procurou organizar seus pensamentos de forma a alinhar a sequência de eventos que o levaram a deixar sua férias em Amsterdam e partir rumo a Tóquio em pleno inverno. A figura do Prof. Martinez logo lhe veio à cabeça juntamente com a maneira como lhe conhecera, exaltado, num desses programas que preenchem as madrugadas na TV. Lembrou de quando novamente o reconhecera, desta vez recebendo duas das maiores comendas da ciência, o Nobel de química e o prêmio Elsevier-Norman. Aos 36 anos e após inúmeras tentativas frustradas de ingressar na Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia, Esteban Garcia Martinez formou-se Químico na mesma Instituição. Daqueles dias entregando pizzas, ou fazendo “tacos” e “burritos” na madrugada de Los Angeles, pouco havia restado. Com o término de seu PhD em Genética e Biologia Molecular, trocara seus eficientes olhos negros por um par de pupilas cansadas e envoltas por uma fina gelatina opaca. Os óculos, acessórios agora indispensáveis, embora delicados e construídos com levíssima armação de titânio, carregavam pesadas lentes multi-focais que feriam-lhe impiedosamente o dorso do nariz, trazendo-lhe um ar no mínimo, curioso. Quem o conhecia, diziam, sabia se estava prestes
  • 4. a anunciar mais um de seus fantásticos achados apenas pela profundidade das marcas próximas ao ângulo interno dos olhos. Segundo eles, as ulcerações riniformes que tanto o torturavam aprofundavam-se em períodos de longas vigílias sobre livros e experimentos, podendo assim predizer com alguma exatidão a chegada de uma nova descoberta. Verdadeiro ou não, do alto de seus 64 anos e dono de uma brilhante carreira até ali, o agora chefe do Laboratório Genoma do Tokyo Memorial Hospital, atraiu por alguns minutos a atenção do mundo ao anunciar na antevéspera de Natal e via satélite, a maior descoberta de seu século. Tomado por um surto de vaidade e aproveitando sua participação num popular programa de entrevistas nos Estados Unidos, teceu duras críticas ao que chamou de retro-neoliberalismo e antes que partisse, resolveu anunciar seu achado ao mundo: o mapeamento e a caracterização dos segmentos Íntrons e Éxons, territórios outrora absolutamente desconhecidos, da molécula de DNA. Um enorme passo do homem em direção ao controle da vida. A poucas milhas dali, ainda incrédulo e paralisado, Rashi o assistia pela terceira vez. Aquelas palavras pareciam forjadas para ele. Chegavam como peças perdidas de um quebra-cabeças virtual que há muito lhe acompanhava. Cada sílaba disferida moldava-se perfeitamente aos seus ouvidos. Uma sensação fantástica invadiu-lhe o corpo, sentia-se finalmente em paz. Em segundos, livrando-se do pseudo-transe pôs-se a revirar as gavetas da escrivaninha que sustentava a televisão em busca de uma caneta ou algo que escrevesse. Estava preocupadíssimo com a possibilidade de esquecer os telefones para contato que foram passados ao término da entrevista. Com um longo e entediado suspiro, virou-se lateralmente e livrou-se dos cobertores. Em seguida sentou-se na beiradinha do colchão de molas e ainda com as costas doloridas pela noite estirado sobre a mesa do restaurante, arriscou uma espiada através da janela entreaberta. O movimento nas ruas havia diminuído significativamente e um novo estrato civil começava a surgir juntamente à chegada da noite que se
  • 5. descortinava. Achou o momento oportuno para iniciar suas buscas pelo geneticista mexicano.Com poucos minutos ao telefone, percebeu que sua investida nada teria de simples ou fácil.