O documento discute três pontos principais:
1) O capitalismo gera desigualdades profundas entre nações devido à subalternização dos países menos desenvolvidos.
2) Portugal tem uma economia dependente e periférica na Europa, com empresas focadas em setores de baixa tecnologia e salários baixos.
3) A adesão ao Euro não resolve os problemas estruturais da economia portuguesa e a saída traria mais riscos do que benefícios.
1. Portugal deve sair do euro? Sim ou não? (2)
A subalternidade das pequenas nações, a
austeridade e a pobreza estão garantidas em
capitalismo, com ou sem euro. A solução só pode
surgir a partir da solidariedade dos povos
europeus, da Ibéria em particular, num quadro de
prioridade para a satisfação das necessidades
coletivas
Sumário
Conclusões
6 – A constante reconstrução das desigualdades
8 – A dependência externa de Portugal
7 – Processos globais de integração capitalista
9 – O endividamento externo e a subalternidade
10 - Sair do euro?
Conclusões
• Sendo o capitalismo um sistema hierárquico por excelência, o capitalismo mais
avançado subalterniza as formas menos evoluídas e gera desigualdades
profundas entre os povos submetidos;
• Num quadro de globalização ainda em expansão, soluções nacionalistas para o
capitalismo, mesmo que ancoradas numa moeda própria, são opções
quixotescas para países pequenos e subalternos;
• Portugal continua num plano de redução da importância dos capitalistas
indígenas, relegados para áreas menos tecnológicas ou dependentes dos
baixos salários e, consequentemente a ser objeto de integração em redes de
negócio com uma lógica transnacional que desmonta fronteiras e soberanias
nacionais;
• A construção da UE assenta na hierarquização dos territórios e na sucessiva
criação de instrumentos que facilitem as trocas, gerando-se áreas com
excedentes externos tendencialmente credoras de outras, com deficits;
• O sistema financeiro e as multinacionais prosseguem a concentração de poder
e, ao mesmo tempo, a unificação do mundo sob o seu poder, diluindo ainda
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2. mais as soberanias nacionais. A UE como parte desse processo estará a ser
superada por integração num TTIP (Transatlantic Trade and Investment
Partnership, como também numa lógica militarista soprada do Pentágono;
• O deficit da balança de transações em Portugal é estrutural sendo ultimamente
menor dada a austeridade e a ausência de investimento e essa é a situação
típica da periferia Sul da UE; a adopção ou não do euro não é correlacionável
com uma situação positiva ou negativa da balança de transações correntes;
• O desequilíbrio da conta corrente com o exterior manifesta-se regularmente
muito antes da adopção do euro, é dos mais acentuados da Europa e para o
efeito, o principal contributo vem dos empréstimos obtidos;
• Esses empréstimos obtidos no exterior são largamente assumidos pelo sistema
financeiro até à eclosão da crise de 2007/08. As dificuldades de refinanciamento
externo por parte dos bancos conduziram a problemas graves na concessão do
crédito, na assunção de malparado e foram supridas pelo BCE, numa primeira
fase, até a troika incluir na dívida pública a intermediação do refinanciamento
do sistema bancário, cuja último e desastroso acto dá pelo nome de BES;
• Essa responsabilização pública pela recapitalização dos bancos tem tido um
papel importante na política de cortes em rendimentos e direitos da população
que assim se vê onerada por uma dívida privada. Com surpresa para alguns, na
classe política não se vem observando qualquer levantamento da ilegitimidade
de parte da dívida destinada aos bancos e não só;
• Nos segmentos mais nacionalistas da chamada esquerda, curiosamente, a
recusa do levantamento da ilegitimidade de dívida coincide com propostas tão
radicais como suicidas, de saída do euro e da UE;
• O principal risco de saída do euro poderá surgir de uma qualquer engenharia
política das principais potências europeias que ultrapasse o vazio legal no
contexto comunitário, num quadro de grande instabilidade do euro, em
paralelo com a continuidade do afundamento económico e social de Portugal;
• Para já, está no terreno o pagamento dos juros da dívida pública como
instrumento de dependência e da tutela das altas instâncias da UE sobre as
finanças públicas, com implicações nocivas e duradouras sobre os portugueses;
• E está, certamente, colocado fora de causa uma deriva nacionalista e autárcica,
por razões de ordenamento político e económico global, por razões de ordem
histórica ou que se prendem com as interligações externas de Portugal e ainda
por conveniência (ou menor inconveniência) de quem vive em Portugal.
6 – A constante reconstrução das desigualdades
Em Portugal, a desestruturação resultante da inserção nas cadeias transnacionais que
desenham o perfil produtivo da UE e do mundo interage com uma deliberada escolha
histórica dos capitalistas portugueses, em privilegiar, sectores de baixa incorporação
tecnológica, salários baixos, pouco sujeitos à concorrência externa uma vez que têm
porque têm sido aqueles sectores a permitir melhores remunerações do capital,
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3. comparativamente a outras, no plano das suas capacidades técnicas e disponibilidade
de meios.
Na hierarquia do capital acontece como nas hierarquias sociais. Ao subalterno, ao
serviçal apenas são possíveis as escolhas admitidas pelos senhores.
No plano do capitalismo, essa escolha só seria diferente no contexto de um aparelho
de estado capitalista, desenvolvimentista, interventor, keynesiano e apostado numa
reestruturação profunda da estrutura empresarial portuguesa, à semelhança do
registado nos anos 60 e 70 nos designados “tigres asiáticos” (Coreia do Sul, Formosa,
Singapura). Ora esse modelo não tem possibilidades de aplicação no contexto da UE e
nas proximidades da mudança de século, após a vitória do modelo neoliberal e o
enterro do keynesianismo.
Quer um quer o outro – o modelo dos “tigres” ou o neoliberal - certamente não por
acaso, se baseiam na repressão dos trabalhadores, na compressão do seu poder de
compra, dos seus direitos, com fraco apreço pela democracia. No caso daqueles países
asiáticos, observou-se um tipo de capitalismo de estado, um processo que se
desenvolveu no quadro de um acirrado protecionismo e de forte nacionalismo, em
torno de poderosos grupos económicos protegidos e financiados pelos estados; só
numa segunda fase se procedeu a algum planeamento da relação rendimentos do
trabalho/consumo interno e alguma descompressão no pendor totalitário, com aqueles
países, hoje rendidos à democracia de mercado, com gangs partidários e o
consumismo necessário para manter mansa a multidão. O modelo dos “tigres” foi, em
muito, copiado da prática japonesa do pós-guerra e continuado posteriormente pela
China; aqui, ainda sem a adopção da democracia de mercado mas, antes na tradição
centralista e corrupta dos velhos mandarins dos tempos do império.
Em Portugal, pelo contrário, assiste-se – e hoje sob pressão do pagamento da dívida
pública – à transferência de áreas públicas para a inserção em grupos estrangeiros,
bem como à compra de empresas privadas por capitais externos, processo que se vem
atenuando, parecendo esgotado, como se observou em outras ocasiões1. Não é
estranho que o espaço português constitua uma área de confluência entre diversas
redes internacionais do capital, para além de interesses ligados ao “establishment”
angolano ou de magnatas chineses em busca de lavandaria, sob a forma, tão
acarinhada por Portas, dos passaportes dourados. Falta acrescentar um capitalismo
luso, inepto, descapitalizado, subalterno. Se dessa confluência emanasse uma
estruturação virtuosa do espaço português e para os residentes em Portugal, não seria
sequer obra do acaso mas, um milagre da senhora de Fátima.
O perfil da instrução da população em Portugal é claramente mais pobre do que nos
outros países da Europa e revela precisamente as caraterísticas do capitalismo em
Portugal2, bem como do tipo de inserção nas redes globais de negócio. As pessoas
mais qualificadas integram-se em empresas de capital estrangeiro ou emigram, como
produtos de universidades mercantis viradas para a exportação de jovens com
formação; ou para a reexportação de alunos provenientes de países terceiros, onde as
propinas são bem mais caras que em Portugal.
Para a atividade turística, serviços pessoais, têxtil, calçado ou construção não se requer,
em geral, grande volume de pessoas com um alto padrão de qualificações; bastam
1 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2013/10/investimento-estrangeiro-em-portugal.html
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4. qualificações médias e baixas. No trabalho em Portugal vigoram as regras de
“empresários” que despedem trabalhadoras grávidas ou impedidas de engravidar ou ir
à casa de banho, de utilizadores de estagiários pagos pelo Estado, de horas extras não
pagas, etc; regras sempre em apuramento repressivo por parte do governo.
O modelo de (sub)desenvolvimento baseado na competitividade exportadora, tão
divulgado pelo Pires das cervejas ou pelo Paulo dos submarinos está bem presente no
quadro seguinte, onde se evidenciam os baixos salários de importantes atividades
exportadoras. O têxtil é mesmo o sector campeão, com o salário médio mais baixo do
país, logo seguido por quem trabalha na hotelaria/restauração. E certamente, daí
resulta o facto de a região Norte ser a mais pobre da Ibéria, como observámos na
primeira parte deste trabalho3.
Nº (a) € (b)
Total 2779077 900,0
Fab. Têxteis, vest.e couro 159110 605,0
Construção 294129 792,6
Com. a retalho, excep. de veíc. Aut. e mot. 303939 717,0
Alojamento, restauração e similares 198813 650,8
(a) pessoas ao serviço (b) remunerações base médias,
Fonte: Quadros de pessoal ref. Out 2010
Outra hipótese de vida – para além da emigração - para as melhores qualificações, tem
sido o aparelho de estado dadas as suas caraterísticas intrínsecas – saúde, educação,
tribunais, militares - que, por esse exato motivo, são o alvo do governo Passos para as
reduções salariais, aumentos de horários, perdas de direitos; isso, com o paralelo
recurso aos negreiros do século XXI, as empresas de trabalho temporário, ou de
funções desempenhadas por fornecedores de serviços e consultores, o que representa
objetivamente uma empresarialização privada de funções públicas. Nas áreas mais
corporativas ou vitais (militares, polícias e juízes) os governos têm alguma uma
complacência nessa sanha persecutória.
A continuidade da periferização de Portugal no seio da Europa ou das redes
internacionais do capital parece assegurada através da evolução da banca, elemento
central, estratégico, dessa inserção. As dificuldades, primeiro na área periférica da
banca – BPN e BPP (mera banqueta como designado, tempos atrás, por alguns) -
passaram aos beneficiários do indireto financiamento da troika (BCP, BPI e Banif)
atingindo agora o grupo Espírito Santo, um elemento histórico do regime
cleptocrático, antes e depois do 25 de Abril. Finalmente, o futuro encerramento dos
balcões do Barclay’s (em toda a Europa ocidental da zona euro), possivelmente seguido
pelo BBVA e pelo Deutsche Bank4, será acompanhado com o desmantelamento da rede
do BES; todos esses elementos constituem sinais claros da revisão em baixa dos planos
do capital global para a paróquia lusa. Neste inevitável processo de reestruturação do
sistema financeiro em Portugal são beneficiários capitais angolanos e chineses,
necessitados de instrumentos de lavagem e/ou de antenas dentro da UE.
7 – Processos globais de integração capitalista
3 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/07/portugal-deve-sair-do-euro-sim-ou-nao-1.html
4 http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/barclays_e_o_terceiro_banco_estrangeiro_a_querer_sair_de_portugal.html
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5. No processo de construção da UEM – União Económica e Monetária foram definidos
critérios para a sua integração por parte dos países. Procurava-se a homogeneidade
entre os elementos financeiros de cada estado que promovesse uma mais maleável
circulação de bens e capitais, que aumentasse a densidade das trocas no espaço da UE,
eliminando as inconveniências das distorções resultantes de diferentes taxas de
inflação, de conversões onerosas entre várias moedas, embaratecendo o acesso ao
crédito. Ficariam como elementos essenciais para promover a concorrência, a
fiscalidade, de modo mitigado e, de forma mais extensiva, a utilização da mercadoria
força de trabalho, acoplada à legislação laboral, configurando ambos o “mercado de
trabalho”, designação degradante usada de modo ligeiro pelos portadores da tal força
de trabalho, numa assunção da sua condição de recursos humanos, da sua coisificação,
a par dos recursos financeiros, tecnológicos ou materiais lançados na panela do capital.
Para um país periférico e pobre como Portugal a capacidade de resistência à força
centrípeta do capital residente no Centro, era e é muito limitada. Ali se encontra a
grande fatia das relações comerciais e financeiras, dali provém o investimento
estrangeiro que domina os setores relevantes da economia portuguesa e que integra o
país nas redes globais da atividade económica, desestruturando-o como unidade
interna e estruturando-o como localização de recursos para o capital global que,
naturalmente, pouco se ocupa com a coerência interna do território enquanto estado-nação
ou como área onde se fixam cerca de 10.5 milhões de seres humanos.
Em todo o processo de construção da UEM a oposição dos meios empresariais ou
políticos em Portugal mostrou-se irrelevante ou foi utilizada apenas como elemento de
diversão eleitoral, sendo de referir que João Ferreira do Amaral era dos poucos a
considerar nefasta a integração num sistema monetário global. Quanto à plebe, ao
hábito da situação periférica e do subsequente desinteresse pelo que acontece para
além de Badajoz, juntava-se a pobreza relativa e a despolitização, formando-se uma
maioria desatenta ao processo e ao seu significado real mas, bastante ocupada no
usufruto do crédito e do consumo, tomados como definitivas dádivas do projeto
europeu.
Voltemos um pouco atrás.
No início do século havia, no âmbito da UE, um brutal conjunto de produção legislativa
inerente à integração europeia, a seguir ao tratado de Roma, fundador (1958), como o
tratado de Bruxelas (1965), o Acto Único Europeu (1986), o tratado de Maastricht (1992)
e os tratados de Amsterdão (1997) ou de Nice (2001), estes últimos como clausulados
mais formais; e isso foi entendido como necessário objeto de compilação e
simplificação. Por outro lado, os projetos de alargamento a novos países e o
pretendido aumento da densidade das áreas a unificar, traziam novas necessidades de
operacionalidade burocrática e de agilidade decisória. Todas essas razões contribuíram
para a criação de uma Constituição Europeia assinada em 2004 que, após a sua recusa
no referendo francês e a não ratificação inglesa e holandesa, conduziu a uma
reformulação que se veio a chamar Tratado de Lisboa (2007).
Por essa ocasião, no final do século, desenhavam-se também, a nível global, três
instrumentos de enorme importância política e económica.
Clinton iniciava na Jugoslávia (1999) a aplicação do conceito de guerra humanitária, de
guerras preventivas, com a total subalternização da ONU e a subversão de uma ordem
jurídica iniciada no pós-guerra que impedia os países poderosos de atuarem de acordo
com as suas conveniências. Seguiram-se intervenções militares: Afeganistão, Iraque,
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6. Bahrein, Líbia, Síria, Paquistão, Mali... tendo os motivos para as intervenções sido
tipificados em Lisboa, na Cimeira da NATO de 2010. A ordem do Império ganhava
assim um mais ágil braço armado para qualquer intervenção, independente do quadro
da ONU e muito para além do quadro geográfico inicial dos países membros da NATO.
Contrariamente a todos os compromissos assumidos em 1990, seis anos depois,
Clinton, ao tempo do ébrio Ieltsin, na Rússia, defendeu e veio a concretizar o
alargamento da NATO ao Leste europeu, para cercar a Rússia e remeter a sua influência
à Ásia central. Interessava, também cercar o principal adversário estratégico – a China -
e controlar as suas linhas de abastecimento energético. Inaugurava-se assim uma nova
era de crispação com a Rússia e que se estendeu à China, com frequentes exercícios
militares junto à costa chinesa, correspondendo, como reação à criação do OCX –
Organização de Cooperação de Xangai. Chama-se a atenção para o facto de o Tratado
de Lisboa contemplar também uma componente militar, que hierarquiza os países nos
processos decisórios nessa área, entre os pequenos e os que são grandes produtores
de armamento, num plano de submissa aceitação da supremacia estratégica do
Pentágono sobre a UE no seu todo.
O terceiro elemento prende-se com a revogação em 1999 da lei Glass-Steagall, de
1933 que visava evitar a contaminação do crédito à economia com atividades
especulativas, impedidas, portanto de usar o dinheiro dos depósitos de empresas e
particulares. O capital financeiro, já globalizado ganhava assim um enorme impulso
para controlar as economias, para integrar as suas várias formas de apresentação, para
legalizar e agilizar a criação das pirâmides de Ponzi, para precarizar a vida humana
numa panóplia de ações: captura dos estados, maior intensidade da aplicação das
escrituras neoliberais baseadas no consumismo, no individualismo e na concorrência,
na afirmação ideológica da preponderância de um fetiche chamado mercado e da
colocação das conveniências das empresas acima das concernentes às pessoas.
Esse desenho que vem sendo pacientemente elaborado está atualmente em
desenvolvimento, através da reconfiguração dos espaços mundiais do capital e de
atuação das multinacionais, no âmbito do TTIP (Transatlantic Trade and Investment
Partnership / Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, TAFTA
(Transatlantic Free Trade Area) ou GMT (Grande Mercado Transatlântico). O seu
objetivo geopolítico é aumentar a integração entre a UE e os EUA, constituir uma
frente, para fazer frente aos BRIC, com realce para a China. Pretende-se uma estrutura
económica totalitária, tentacular, repressiva, que coincide com o espaço NATO… o que
não será certamente, uma simples coincidência.
O TTIP corresponde a um grau superior de concentração capitalista, um patamar mais
elevado do topo das hierarquias do capital e tornará ainda mais irrelevante o papel das
nações, sobretudo das pequenas. O próprio TTIP, negociado diretamente entre a
Comissão Europeia (por parte da UE) e as multinacionais irá criar instrumentos jurídicos
de subalternização dos Estados que terão de se submeter aos interesses do capital, das
multinacionais, sob pena de penalizações. Se mesmo os estados-nação se irão tornar
obedientes face às disposições vinculativas do TTIP cabe perguntar que papel será o
dos povos e das pessoas, na lógica do capital?
Neste contexto, qualquer política de retorno a soberanias nacionais, género de lutas
pela independência nacional dos anos sessenta, tem algo de quixotesco, de um
regresso ao passado. Há quem pense que é possível devolver o poder a burguesias
nacionais, sobretudo de pequenos países, num contexto em que o capital constrói um
grau de concentração, uma estruturação num plano nunca visto, uma arquitetura
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7. política que coloca diante dos olhos da multidão mundial um inimigo tão bem definido
e tão distanciado como nunca.
Sabe-se que, em qualquer projeto de burguesias nacionais, soberanistas, uma moeda
própria, o domínio das funções financeiras era essencial; como essenciais eram
símbolos como um hino e uma bandeira, para a captura ideológica da massa dos
trabalhadores no apoio ao seu projeto de domínio. Uma lógica soberanista só fará
sentido quando um país tem um empresariato capitalizado, empreendedor e ilustrado;
caso contrário, a soberania é uma caricatura. Não esqueçamos que Portugal constituiu,
durante séculos, o único caso de uma potência colonial simultaneamente dependente,
um protetorado inglês. Hoje, sem colónias, nem empresários capazes, uma
continuidade capitalista só se concretiza num papel subalterno que, gradualmente, se
vem tornando mais evidente. A saída para esta empobrecedora solução só pode
ocorrer num quadro europeu, de solidariedade entre os povos europeus; no mínimo,
num contexto de união dos povos ibéricos.
Asterix e Obelix, apesar de armados com a célebre poção, não tinham qualquer
hipótese de vencer a organização romana que ocupou a Gália, uma vez que não
souberam unificar os gauleses e os outros povos subjugados por Roma. É perigoso
criar esperanças de que uma ou outra aldeia de Asterix consiga impor-se isoladamente
ao poder do capital global, em tempos de reforço da sua organização. Apostar no
retorno da soberania nacional, faz lembrar o retorno a revoluções democráticas e
nacionais do impagável Cunhal, estratégia que correspondia ao interesse da velha
URSS de manter a contestação do lado ocidental em banho-maria. Em Portugal, há por
aí vários Asterix que, não detendo a poção mágica do druida, tomam alucinogénios.
A resposta dos povos ao reforço organizativo do capital não se pode cingir a lutas
paroquiais, nacionais, isoladas a favor dos “seus” capitalistas contra as multinacionais. e
o sistema financeiro. A resposta é a união, a concertação das lutas dos povos,
abandonado o espartilho dos estados-nação, a construção de um verdadeiro
internacionalismo, cujas últimas demonstrações se verificaram antes dos anos vinte do
século passado e com as brigadas internacionais durante a guerra civil de Espanha.
8 – A dependência externa de Portugal
Os saldos da balança de transações correntes sintetizam relações comerciais,
transações e transferências de cada país (ou grupo de países) com o seu exterior. Um
saldo positivo significa um acréscimo dos meios financeiros e dos direitos de
propriedade acumulados, na posse dos residentes; um saldo negativo representa uma
redução daqueles meios e direitos em benefício do exterior.
Os saldos da balança de transações correntes para os vários espaços económicos que
configuram a UE, agrupados de acordo com as estruturas da “divisão internacional do
trabalho” definidas pelas cúpulas do capital financeiro e das multinacionais, são
apresentadas no gráfico que se segue.
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8. As segmentações existentes no seio da UE são nítidas. O Centro gera normalmente
fortes excedentes anuais, que têm estabilizado a partir de 2006 e é relativamente
imune a impactos produzidos pela deterioração das contas externas na periferia Sul,
não parecendo também beneficiar diretamente dos crescentes deficits daquela, a partir
de 2004. Na realidade, não sendo a Europa uma realidade fechada, o Centro garante a
estabilidade dos seus excedentes a partir das suas relações com o resto do mundo; por
exemplo, o excedente registado pelo Centro não reflete em nada a grande redução dos
deficits do Sul em 2012/13, tal como pouco sofreu com o afundamento dos deficits ali,
em 1997/2008.
A periferia Sul determina a evolução do saldo global da UE a partir de 2004 e, a
passagem a uma situação superavitária em 2013 permite que esse saldo global
ultrapasse o excedente do Centro. A baixa nas taxas de juro e a existência de uma
moeda única favoreceram, como no caso português, grandes aumentos do crédito, da
importação e a deterioração da estrutura produtiva, com a formação de bolhas
imobiliárias. Como se sabe, a melhoria recente da situação financeira no Sul foi
conseguida através da quebra da atividade económica, com menor importação de bens
de investimento, do consumo dos povos, o último preterido a favor da maior
relevância das exportações, que vieram justificar todas as medidas que reduziram o
preço do trabalho. Essa melhoria financeira no Sul só será sustentável com a fixação de
um novo patamar da sua subalternidade com o aumento das desigualdades no espaço
comunitário.
A periferia Leste só foi constituída formalmente por membros da UE (já antes era uma
periferia), a partir de 2004 e isso manifesta-se no aumento do deficit global até 2009,
quando aquele se cifra em valores semelhantes aos verificados antes da integração.
O gráfico seguinte mostra, de modo mais detalhado, tomando os países do Centro e os
países intervencionados, os respetivos saldos das transações correntes acumulados no
período 1995/2013, onde se evidenciam uma vez mais as desigualdades existentes
dentro da UE, como produto das especializações a que cada país foi conduzido.
Entre os dez países do Centro, apenas dois apresentam um deficit para o período
escolhido, por razões de disponibilidade estatística no Eurostat; a França, com um valor
reduzido e a Grã-Bretanha, com um deficit acumulado de uns € 657000 M. Entre os
restantes sublinhe-se o caso particular do superavit alemão, bem como os da Holanda
ou da Suécia. No caso dos países do Sul (onde por comodidade incluímos a Irlanda),
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9. todos apresentam deficits no período 1995/2013, com relevo para a Espanha e ainda
da Grécia e Portugal, nestes casos, tendo em consideração as suas dimensões
populacionais e de produção de riqueza.
O gráfico não revela nenhuma inferência indiciadora da importância da adopção ou
não, do euro. Há países superavitários que usam o euro e outros (Dinamarca e Suécia)
que mantêm as suas próprias moedas. Entre os que apresentam deficits crónicos, para
além dos intervencionados pertencentes à zona euro, há a registar a Grã-Bretanha que
continua a utilizar a sua libra e com posições crescentes de antipatia face à UE.
Como se vem verificando, os desequilíbrios no seio da UE têm origens inerentes ao
próprio processo de integração capitalista e, mais recentemente, através de uma
evolução normativa que cria as condições para uma dominação do Centro sobre as
duas reconhecidas periferias. É elementar também a verificação que essas disparidades
tanto se verificam no tempo em que cada país detinha moeda própria quer já neste
século com a criação do euro, enquanto elemento facilitador da integração. Tentar
polarizar as dificuldades económicas vividas em Portugal, inerentes ao seu débil
capitalismo (como nos restantes países periféricos) com a integração numa mesma
zona monetária é como culpar a espuma das ondas da violência com que estas
desabam sobre a areia da praia; ou as casas, pela especulação que sobre elas incide.
Numa época em que o capitalismo se integra a nível global, alicerçada em
desenvolvimentos tecnológicos na área das comunicações e da logística, num processo
conduzido pelas multinacionais e pelo sistema financeiro; numa época em que a
produção global se distribui por vários locais geográficos e o trabalho se desenvolve
no seio de uma matriz complexa de micro-decisões, pode dizer-se que existe uma
economia global que superou as fronteiras laboriosamente (e com muito sangue)
construídas nos séculos passados.
Nessa sequência, é óbvio que o processo exige instrumentos que facilitem a troca e o
crédito e a simplicidade nos instrumentos monetários está nessa linha.
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10. Como diz Krugman5 sem solução europeia, aos países periféricos só lhes resta aceitar a
austeridade e perder soberania ou sair do euro. E os nacionalistas ancorados
tecnicamente na escolástica keynesiana de universitários esquecidos de que a
economia só o é como política, parece admitirem uma possibilidade de um estado
“soberano” viável com moeda própria, qual ilha isolada da economia global, numa
renovação do falanstério de Fourier. E admitem, na peugada de Ferreira do Amaral,
uma “saída negociada do euro”… o que exigiria a criação de um governo patriótico de
esquerda, e um frente a frente entre Jerónimo e Merkel. Temos dificuldade e saber se a
ideia é anedota ou embuste.
9 - O endividamento externo e a subalternidade
A posição do investimento internacional representa o saldo global entre os direitos e
as obrigações face a entidades no exterior. Cerca de dois anos atrás observámos esta
realidade de acordo com grandes grupos comportamentais – pessoas/famílias,
empresas comuns, sistema financeiro e Estado e por tipo de responsabilidades face ao
exterior entre empréstimos (não titulados), títulos (que materializam empréstimos),
dinheiro e depósitos, ações e participações em empresas6. Procedamos agora a uma
análise da segmentação por sectores institucionais.
O saldo é francamente negativo e aumenta regularmente de 1996 até 2008; estagna
durante dois anos e retoma o ritmo de crescimento nos últimos anos. Os últimos dados
conhecidos revelam um nível líquido de responsabilidades perante o exterior da ordem
dos 124% do PIB, contra uns 10% em 1995 e 60% no ano da adopção do euro (2002).
No âmbito da UE, em 2013, a posição negativa do investimento internacional
correspondente a Portugal cifrava-se em 118.7% do PIB, ligeiramente ultrapassada na
sua dimensão relativa pela Grécia (119.3%) e já algo afastada dos níveis atingidos pela
Irlanda (104.9%) e Espanha (98.2%)7.
Todos os componentes que contribuem para o valor global da posição do
investimento internacional têm um saldo negativo, com a óbvia excepção das reservas
5 http://www.anerh.pt/NoticiasRH/Detail/21018/krugman-portugal-ou-sai-do-euro-ou-aceita-austeridade
6 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2012/05/divida-portuguesa-total-canibalizacao.html
7 https://www.bportugal.pt/pt-PT/Estatisticas/PublicacoesEstatisticas/BolEstatistico/Publicacoes/18-
Posicao%20Investimento%20Internacional.pdf
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11. do Banco de Portugal que, no entanto, atingem valores relativamente baixos em
2004/2008, para crescerem até 2012 e caindo desde então.
O saldo dos derivados é irrelevante (embora os valores anuais de movimentos a débito
e crédito sejam significativos) e constante em todo o período enquanto o saldo líquido
do investimento estrangeiro, revela um ligeiro acréscimo daquele que se efetua em
Portugal sobre o que é efetuado por portugueses no exterior. Convém não esquecer
que muito do que é considerado investimento estrangeiro constitui, na realidade, um
truque contabilístico que visa a obtenção de ganhos fiscais; trata-se da mudança de
sede dos grandes grupos portugueses para a Holanda e o Luxemburgo, com a
continuidade dos negócios aqui. Por seu turno o investimento de carteira (títulos sob a
forma de acções, unidades de participação e obrigações, sem perspetivas de longo
prazo, de consolidação) recuperou, mais recentemente, do grande aumento registado
em 2007/2009.
A posição global do investimento internacional ou melhor, o seu saldo negativo, é
determinada pelo “outro investimento”, isto é, empréstimos que correspondem a cerca
de ¾ do saldo global. É a evolução deste vector que degrada a posição global de
endividamento face ao exterior; e isso deve-se a um aumento dos passivos (5.5 vezes
em 1996/2013) muito superior aos ativos (2.7 vezes). Nesse contexto, não
consideraremos uma análise da composição dos ativos mas, apenas dos passivos, das
responsabilidades perante o exterior, para não avolumar uma exposição, já longa e
densa por natureza. Vejam-se pois esses passivos, a sua dinâmica global e,
seguidamente, a evolução registada na sua composição.
As responsabilidades para com credores no exterior crescem de modo imparável até
2007 mantendo-se estáveis até 2009, pelo efeito direto da crise que afetou o sistema
financeiro global no rescaldo dos subprimes, da falência do Lehman Brothers e das
roturas financeiras que obrigaram a várias intervenções e nacionalizações, nos EUA e
na Europa (Royal Bank of Scotland, Bank of Ireland, Dexia e o conhecido BPN).
Seguem-se mais três anos em que o endividamento retoma o seu ritmo anterior,
reduzindo-se nos últimos tempos, refletindo a quebra da atividade económica. Neste
campo, a relevância do euro antes ou depois da sua efetiva adopção, resulta da
credibilidade de uma moeda global a subscrever por um país periférico como Portugal,
da sua supervisão pelo BCE que dá segurança aos credores e porque sendo as taxas de
juro baixas, facilmente se torna acessível o recurso ao crédito, junto dos bancos que
recolhem o produto dos excedentes comerciais externos.
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12. Observemos as posições relativas dos componentes estruturais dos passivos
classificados como “outro investimento”:
Até 2007 é o tempo de festa dos bancos. O dinheiro é fácil de obter no exterior, as
taxas são baixas e como é o “mercado” que zela (?) pela aplicação socialmente eficiente
do crédito, a responsabilidade do sistema bancário no endividamento externo passa de
64.8% em 1996 para 80.1% em 2007, com a gradual redução do peso dos outros
sectores. Nesse período, as “autoridades monetárias” (eurosistema ou, mais
concretamente, o BCE e o BdP) como financiadoras do sistema financeiro têm uma
relevância desigual que não ultrapassa os 7.4%. E por seu turno, o Estado apresenta um
baixo nível de endividamento externo, entre 3.5 e 5.3% do total, no período 1996/2010.
O BCE começou a intervir com financiamentos de longo prazo aos bancos europeus, a
partir de finais de 2007 e também a comprar títulos de dívida no final de 2008, com o
acentuar da crise.
Em 2008, o contágio internacional provoca baixas nas cotações dos bancos
portugueses causando aumentos nas taxas de juro e prémios de risco mas, em
contrapartida, os bancos beneficiaram do aumento interno dos depósitos, resultantes,
por sua vez, das atitudes cautelares de pessoas e empresas, face à conturbada
conjuntura; os bancos procederam ainda a uma vultuosa redução de haveres bancários
no correspondente a 13% do PIB; e finalmente aumentaram a sua dívida para com o
BCE em mais de € 12700 M.
O endividamento externo do Estado mantém-se a um mesmo nível – € 8000/9000 M
entre 2004 e 2010, contrariamente ao que muitos elementos afetos ao governo,
propagam aos quatro ventos com a complacência de jornalistas ignorantes ou
temerosos/coniventes face aos mandarins; e portanto, corruptos. Em 2008, o Estado
colocava facilmente dívida junto de investidores externos, como viria a acontecer em
2009 enquanto, neste último ano, os bancos portugueses compravam obrigações e
outros títulos de dívida de médio e longo prazo emitidos por outros Estados que não o
português.
A partir de finais de 2009 os bancos têm grandes dificuldades em se financiarem,
sobretudo a médio e longo prazo, por contágio da crise das dívidas soberanas e,
depois de maio de 2010, é o BCE que financia extensivamente os bancos portugueses
os quais, por sua vez, compram dívida portuguesa emitida por um Estado já então
também com dificuldades em colocar dívida no exterior. Isso constitui o conhecido
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13. maná oferecido aos bancos pelo BCE que os financia a 1%, fundos esses, seguidamente
utilizados na compra de dívida pública a valores de mercado, com juros muito
superiores. Recorde-se que estatutariamente o BCE não pode financiar diretamente os
Estados, como acontece nos estados com moeda própria e como produto da tara
mercantilista de uma concepção emanada do próprio capital financeiro que, assim fica
com o monopólio do financiamento dos estados tendencialmente deficitários.
Em 2010, a dívida pública total aumenta uns € 19075 M face ao ano anterior mas, o
endividamento externo do Estado no âmbito do “outro investimento” até se reduziu
em € 332 M, (tal como se reduziu o passivo no contexto dos “investimentos em
carteira”), sendo a diferença absorvida, essencialmente, pelos bancos, que mesmo
assim reduzem o seu endividamento externo (menos € 11443 M).
Em maio e novembro de 2010, respetivamente, acontecem os resgates da Irlanda e da
Grécia e são criados o FEEP (Fundo Europeu de Estabilidade Financeira a ser substituído
pelo MEE (Mecanismo Europeu de Estabilidade) com a possibilidade de excepcional
compra direta de dívida dos estados intervencionados.
Os bancos portugueses, sem acesso direto ao financiamento, fechadas as portas do
BCE e repletos de títulos de dívida irlandesa e grega (a que se juntaram os
portugueses), todos tomados como lixo pelas empresas de rating não podiam
emprestar ao Estado, nem se recapitalizar para o efeito.
Entretanto, na AR, a oposição, à direita como à esquerda de Sócrates, uniu-se na
reprovação do PEC IV (23 de março) enquanto os banqueiros procuravam assegurar a
salvaguarda dos seus interesses no âmbito de um futuro resgate. Carlos Costa mostrou,
pela primeira vez, a sua pouca idoneidade como regulador ao afirmar numa reunião
com os banqueiros (4 de abril): “vocês não podem continuar a financiar (o Estado). O
risco é afundarem-se os bancos, a parte sã, e a República que é a parte que criou o
problema”8. Mais de três anos depois, fácil se torna ver a saúde dos bancos… e as
trapalhadas de Costa em todo o processo do BES.
Segue-se o pedido do resgate (6 de abril de 2011) e a demissão do governo. Os
banqueiros, entretanto tinham garantido a inclusão nos € 78000 M do empréstimo da
troika, € 12000 M, para a sua recapitalização; era a República, a austeridade, a perda de
direitos e rendimentos da esmagadora maioria dos portugueses que, afinal, iria salvar a
tal “parte sã”, encurralada, sem dinheiro próprio, nem acesso ao alheio que não com a
mediação pública. Para que haveria então de servir o Estado que não como capitalista
coletivo, de último recurso?
Lastimavelmente, é este capital financeiro que, através da classe política, condiciona e
inferniza as nossas vidas. O neoliberalismo e o capital financeiro que tanto defendem o
afastamento do Estado das suas prestimosas atividades, nem hesitam em se
financiarem através do endividamento público. A utilização do aparelho de estado e da
classe política pelo capital financeiro é uma rotina; mas, esse expediente viria a tornar-se
objeto de repúdio, não só porque redundou na responsabilização da população por
uma dívida que é privada, como por toda a avalanche de aumentos de impostos, de
cortes no rendimento, nos direitos e nos serviços públicos.
Esses evidentes motivos dotam essa responsabilização de uma total ilegitimidade.
Tendo em conta que toda a classe política (à direita como da “esquerda”, se recusou,
8 citado em “Jogos do Poder”, de Paulo Pena, 2014
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14. com argumentos diversos, em colocar a questão da ilegitimidade de segmentos
relevantes da dívida tomada como pública, tem sido evitada qualquer discussão
pública do assunto, deixando-se a população à mercê dos políticos-comentadores que
enformam o adormecimento popular.
Até finais de julho último só cerca de metade dos € 12000 M do empréstimo da troika
tinha sido utilizada pela banca (BCP, Banif, BPI e CGD) tendo os dois últimos bancos
procedido ao total reembolso. Até que o mesmo Carlos Costa e o governo escondido
no seu bolso acharam ser necessário voltar a colocar dinheiro público numa outra
“parte sã” do sistema financeiro, o BES9
Em 2011/13 sobe substancialmente o passivo do Estado como resultado do
recebimento do empréstimo da troika, enquanto os bancos reduziam bastante os seus
débitos externos (em 2013 era apenas 43% do volume registado em 2007) como
resultado do menor volume de crédito concedido e do aumento dos depósitos, num
evidente sistema de vasos comunicantes. Quanto aos apoios do BCE, esses mantêm-se
ao nível do ano anterior, pouco variando, posteriormente, até hoje. De modo muito
aproximado pode dizer-se que, em 2013, se estabeleceu uma distribuição mais
equilibrada entre os vários grupos de intervenientes, uma vez que em 2007 os bancos
respondiam por mais de 80% do endividamento externo correspondente ao “outro
investimento”, como se pode ver adiante:
2007 2013
Outras Instituições Financeiras Monetárias 80,1 29,7
Autoridades Monetárias 3,0 24,9
Administrações Públicas 4,8 33,5
Outros Sectores 12,1 11,9
Fonte primária: Banco de Portugal
Todas estas mudanças verificadas nas contas correntes com o exterior poderão ser
imputáveis ao euro? Certamente que nunca seria possível este grau de endividamento
externo num país com uma fraca moeda própria. Mas seria esta última o instrumento
necessário e suficiente para equilibrar a balança de transações correntes? Os
desequilíbrios na estrutura produtiva seriam menores em regime de autarcia
monetária? A que preço seriam obtidos os financiamentos externos? Quais os custos
em termos de inflação? Que efeitos teria a inflação e que desequilíbrios sociais e
económicos teriam? Um sistema bancário apenas ligado a um banco central indígena
deixaria de ostentar desvarios de contornos mafiosos?
A evolução recente da banca em Portugal, bem como a que advirá da recomposição
acionista do Novo Banco e de uma provável privatização da CGD, é sintomática da
debilidade do capitalismo de raiz lusa. As nacionalizações de 1974/75 visaram obviar às
debilidades do sistema – especulação, vigarices, descapitalização – e conduziram à
inclusão das suas peças mais frágeis em estruturas melhor dimensionadas, com o
envolvimento de dinheiros públicos, colocadas na rampa de lançamento em direção às
privatizações dos anos 90. Despois das últimas, continuou a ser maioritária a presença
de capitais portugueses na banca, contudo em parcela bem inferior à situação
observada antes das nacionalizações de 1975. Gradualmente, o peso dos capitais
estrangeiros tem crescido e em breve será esmagador, sem nenhum banco com capital
maioritariamente português; uma situação que, aliás, já se verifica na maioria das mais
9 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/08/o-bes-bom-o-bes-mau-e-ma-gestao-dos.html
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15. relevantes empresas portuguesas. Recordamos, anos atrás, uma “carta dos 40”
(empresários) que pareciam muito empenhados em manter os centros de decisão em
Portugal e que logo se esboroou quando Vaz Guedes vendeu a Mague à espanhola
Sacyr; a receita com o negócio superou os ímpetos nacionalistas do magnata e nunca
mais se ouviu falar da tal carta.
O atrás exposto é um sintoma esmagador do caráter subalterno do capitalismo de
origem portuguesa, da incapacidade dos capitalistas portugueses para criarem redes
de negócio centradas em Portugal e evitarem a desestruturação que se observa na
economia portuguesa, mero lugar geométrico onde se cruzam fluxos incluídos em
redes distintas e desconexas, de caráter global. Neste contexto de uma neocolonização
típica do século XXI, falar de soberania nacional é uma irrealidade e uma
impossibilidade, como referimos recentemente10.
Essa subalternidade gera problemas graves. Um problema, é que se constituiu em
Portugal, uma verdadeira orgia de crédito, em torno da construção/imobiliário que
exigiria um crescimento contínuo do poder de compra dos portugueses ou, de uma
forte evolução das exportações, impossível dado o baixo nível do investimento
produtivo, inserido num modelo de desenvolvimento alicerçado em baixos salários.
Outro problema, é a facilidade com que os grupos financeiros portugueses constituem
redes de fluxos entre lugares físicos e contas em offshores, dado que lhes é permitida a
total promiscuidade entre os depósitos das pessoas – na realidade obrigadas a ter
conta bancária – e a atividade especulativa, instável e imprevisível, por natureza. O
novelo do grupo Espírito Santo que se vai desenrolando com muitos pontos obscuros
revela isso mesmo; para que aqueles circuitos funcionem é preciso uma regulação
meramente cosmética, que observa sem nada querer ver e a captura corrupta da classe
política que se mostra como corpo executivo dos interesses do capital financeiro,
elementos essenciais para a movimentação especulativa e criminosa de capitais. Em
suma, a economia e a vida de todos os residentes em Portugal fica dependente da
atuação de bandos de criminosos que, manietando o sistema judiciário, perpetuam um
sistema político e um modelo de representação que não passam de uma mascarada
pseudo-democrática.
Não foi a facilidade de crédito obtida pela existência de uma moeda única que
provocou o desastre lusitano mas, a lógica criminosa do capital financeiro que,
montando, a seu contento, toda a política de capitais, de crédito, de obra pública e de
habitação, utilizou as facilidades de financiamento externo na estruturação de gangs
mafiosos, como o BPN, o BES ou o BPP, arrastando nessa volúpia o empresariato luso
tão cúpido, quanto ignorante. Toda essa trama exigiu a domesticação da classe
política, convenientemente paga, para ajudar ou para olhar para o lado, enquanto as
instituições comunitárias entoavam salmos às virtudes do “mercado”.
10 - Sair do euro?
O artº 50º do Tratado de Lisboa prevê uma possibilidade de saída voluntária e
unilateral da UE através de notificação nesse sentido ao Conselho Europeu o qual
indicará os trâmites do acordo de saída e das modalidades desta, a aprovar pelo PE
10 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/02/soberania-soberania-nacional-e.html
http://www.slideshare.net/durgarrai/a-estupidez-patritica-e-a-globalizao-2
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16. (ver nº3 do artº 218 TFUE11). Estabelece-se ainda um período de transição, com
duração máxima de dois anos (com possibilidade de prolongamento) após a referida
notificação. Qualquer desejo de reingresso será equiparado a um processo de adesão.
Prevê-se uma hipótese de saída mas não a de expulsão, embora a correlação de forças
económicas e políticas na UE permita sempre a construção de uma forma jurídica e
excepcional de saída “voluntária” para um pequeno país.
A regra de equilíbrio orçamental está definida no nº1, artº 3º do TECG12 que, através de
medidas automáticas, pretende tornar as finanças públicas neutras ou excedentárias.
Esta regra é a aplicação em força de lei da tese (neo)liberal sobre um Estado “neutro” e,
sobretudo, sem concorrer com as empresas no recurso ao crédito. É a negação de toda
a tradição keynesiana sobre o papel incentivador do gasto público e do deficit, na
economia, da utilização dos orçamentos como instrumentos anti-cíclicos, factores de
estabilização dos ritmos de evolução das economias. Admite-se, como excepção,
apenas um deficit de 0.5% do PIB no âmbito de objetivos de médio prazo propostos
pela Comissão no sentido da sua eliminação.
Se a dívida for “significativamente” inferior a 60% do PIB, o deficit pode chegar a 1%
do PIB; e se for superior tem de ser reduzida em 1/20 por ano, como referência (art.º
3º, al. d) nº 1 do TAEG). No caso de Portugal, que tem uma dívida pública de uns 135%
do PIB, teria de se contemplar uma redução de 3.75% do PIB, durante 20 anos, para
que isso possa ser cumprido; isso significa uma amortização acima dos € 6000 M
anuais, para além dos juros que se colocam acima dos € 7000 M para os próximos
anos, como analisámos recentemente13. Impossível de cumprir, frisamos.
A situação portuguesa no contexto do normativo comunitário está longe de ser excepção;
o que é excepcional é a coincidência entre tal volume da dívida pública e uma estrutura
económica frágil e subalterna. No conjunto da UE, em 2013, a dívida pública é de 88.2% do
PIB, (92.6% na zona euro), havendo 14 países que não cumprem as regras tão
recentemente estabelecidas, entre os quais se contam todos os países ocidentais e do sul
europeu, exceptuando o Luxemburgo.
Uma união monetária não é caso virgem; resulta, no caso da zona euro, de uma cópia
do modelo mais bem sucedido, a Zollverein estabelecida entre vários estados alemães
em 1875, com a criação do Reichsbank e do Reichsmark, pela mão de Bismark e após
muitos anos de guerras pela unificação da Alemanha, em torno da Prússia, contra a
Dinamarca, a Austro-Hungria e a França. A moeda única foi, no caso da UE, uma
estratégia cautelosa e paciente formalizada com o sistema monetário europeu em
1979, depois com o tratado da UE, em Maastricht, em 1992 até à instauração do euro,
como moeda de conta, em 1999 e como moeda corrente a partir de 2002.
A instituição do euro pretende-se que funcione em mancha, com a progressiva
extensão a todos os países da UE, embora seja muito duvidoso que isso aconteça, sem
qua haja algumas defeções, sobretudo da Grã-Bretanha. De qualquer dos modos, tem
sido um argumento útil para a consolidação de desigualdades no seio da UE uma vez
que representa bem o impulso de estabelecimento de um Centro e de periferias.
11 TFUE – Tratado de Funcionamento da União Europeia
12 TECG - Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação
13 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/03/porque-nao-e-pagavel-divida-publica.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/05/a-obra-suja-do-passos.html
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17. Tudo ia correndo sem sobressaltos enquanto os deficits externos iam sendo
financiados pelos bancos distribuidores dos excedentes de outros. Com o contágio da
crise dos subprimes esse fluxo foi perturbado, as taxas de juro subiram, muitos bancos
ficaram em dificuldades, o crescimento económico e o investimento desapareceram
enquanto as receitas fiscais caiam e o desemprego aumentava. Como o BCE está
impedido de fornecer liquidez aos estados, estes viram-se obrigados a recorrer ao
“mercado” que por sua vez recorria ao BCE, com enormes lucros resultantes dos
diferenciais entre taxas de juro.
Enquanto a dívida pública crescia em vários estados, mormente da periferia Sul (onde
incluímos a Irlanda) a fatura dos juros ia tornando insustentável o serviço de dívida.
Num espaço geográfico que se pretende uniformizado seria lógico que a defesa da
estabilidade do euro e a dívida fosse assegurada de modo coletivo, mutualizado, com
equilíbrios baseados na solidariedade, como acontece dentro de cada estado-nação
com as dívidas soberanas. A estabilidade do sistema, pelo contrário, fez-se com o
onerar dos países periféricos e endividados, no âmbito do TECG, acentuando as
desigualdades que fazem parte dos genes da UE.
Voltemos ao clausulado comunitário.
Dirigido aos países ditos de “deficit excessivo” e para assegurar a sua efetiva e
sustentável correção, é criado um programa de parceria orçamental e económica
que especifica as reformas estruturais a adoptar e homologadas pelo Conselho e
pela Comissão Europeia que se encarregam de supervisionar o programa, tal como
acontece com os orçamentos anuais (artº 5º, nº1 do TAEG). No seguimento desse
programa, os países (artº 7º) “comprometem-se a apoiar as propostas ou
recomendações apresentadas pela Comissão Europeia quando esta considerar que
um Estado-Membro da União Europeia cuja moeda seja o euro viola o critério do
défice no quadro de um procedimento relativo a um défice excessivo”.
Esse acto de submissão tem uma justificação expressa no artº 9º no qual “as Partes
Contratantes comprometem-se a atuar conjuntamente no sentido de uma política
económica que promova o bom funcionamento da união económica e monetária e
o crescimento económico, mediante o reforço da convergência e da
competitividade”. Isso constitui uma forma de enquadramento dos países
pequenos e médios, revela uma convergência que em tudo diverge das
desigualdades que se vão afirmando na realidade e, claro, aponta para a
competitividade como o princípio ativo que tudo faz andar, numa lógica idiota de
crescimento infinito, de rebaixamentos salariais e redução do poder de compra que
constituem, na prática, a negação do crescimento da produção e do emprego. No
entanto, é isso que consta na parte final do mesmo artigo “…adotam as ações e
medidas necessárias em todos os domínios cruciais para o bom funcionamento da
área do euro, prosseguindo os objetivos de promover a competitividade, incentivar
o emprego, contribuir para a sustentabilidade das finanças públicas e reforçar a
estabilidade financeira.”
O artº 10º insiste para que ninguém se esqueça do recado; “…as Partes
Contratantes estão disponíveis para recorrer mais ativamente, sempre que
adequado e necessário… nas matérias essenciais para o bom funcionamento da
área do euro, sem prejudicar o mercado interno.” E foi isso que aconteceu a partir
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18. de 2008 quando, para garantir o “bom” funcionamento dos mercados financeiros,
afetados pelas dificuldades dos bancos, os Estados assumiram o preço dessas
dificuldades, endividaram-se, enveredaram pela austeridade, cortes e privatizações,
naturalmente reduzindo o mercado interno. Passados seis anos do início do
processo, está sempre iminente uma falência bancária, um contágio galopante; a
economia europeia não cresce, o desemprego é enorme, os deficits e as dívidas
públicas elevadas são banais; o BCE e a UE têm sempre em anúncio medidas para
aprimorar a supervisão bancária na Europa, não sendo possível esquecer a inserção
dos bancos no sistema financeiro global, as suas relações com os capitais mafiosos,
excelentes fornecedores de liquidez, ou os offshores, tudo isso sem qualquer
regulação efetiva. Tudo isso, por sua vez, em íntima interação com o mundo da
economia real, do mundo do trabalho, com as nossas vidas esmagadas por
impostos e incerteza, emanadas de aparelhos estatais e classes políticas.
Não há no ordenamento jurídico da UE nada que expresse uma saída do euro. E,
certamente, nenhum governo em Portugal o iria fazer mesmo com Jerónimo de
Sousa como primeiro-ministro.
Podemos especular que num cenário de grande turbulência na área financeira da
zona euro, com o afundamento de um pequeno país como Portugal, possa ser
conveniente para acalmar o deus “mercado”, apresentar um culpado. E, num
contexto desses, facilmente os poderes reais no seio da UE encontrariam uma
fórmula legal, por interpretação criativa da legislação existente ou através de um
novo instrumento, para designar esse culpado. Adiantamos mesmo que a haver um
sacrificado para salvar a honra da agremiação, Portugal teria mais hipótese de ser o
feliz contemplado em detrimento da Grécia, pois a Ibéria é uma área pacífica do
ponto de vista geopolítico e os Balcãs não; e por outro lado, Portugal é encarado
como um desdobramento da Espanha e a Grécia não tem um enquadramento
regional semelhante, para além de aspetos de ordem interna, como a maior
combatividade do seu povo.
(continua)
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
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