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A Expansão Agrocomercial Associada à Modernização do Campo
em Dourados – MS
PARENTE, André Meuren. (mestrando - UFMS).
INTRODUÇÃO
A expansão da agropecuária no espaço Centro-Oestino procurou racionalizar os meios de produção
e aumentar a quantidade de produtos ofertados para abastecimento do mercado interno e externo.
Em busca do chamado Desenvolvimento Econômico Nacional, slogan oficial que significaria
progresso, sem o qual seria ingovernável o país, nosso governo diretamente influenciado por nações
e empresas multinacionais tratou de garantir condições de promover o desenvolvimento econômico,
que significaria expandir a atividade industrial. O desenvolvimento social que implicaria em
melhoria da “qualidade de vida” da população no geral, como geração de empregos e distribuição
de renda não estaria envolvido no projeto desenvolvimentista nacional.
Para a existência do desenvolvimento econômico e do dito progresso, a participação e o
desempenho do setor agrícola seria primordial para a performance das taxas econômicas,
principalmente das economias em processo de desenvolvimento, como o Brasil. O termo “em
desenvolvimento” é por Castoriadis combatido no que afirma:
Países que antes eram denominados, com brutalidade sincera, “atrasados”,
depois “subdesenvolvidos”, passaram a chamar-se educadamente “menos
desenvolvidos” e por fim, “países em via de desenvolvimento” – agradável
eufemismo que de fato significa que esses países não desenvolviam.
(CASTORIADIS, 1987, p. 136).
A busca do então Desenvolvimento Econômico Nacional atribuiu ao espaço Centro-Oestino um
papel no cenário nacional, dentro de uma conjuntura internacional, onde o aumento da produção
trouxe consigo a consolidação da expansão horizontal e o processo de modernização da agricultura
e da pecuária, agregando novas e antigas áreas ao sistema produtivo, em que Abreu afirma:
A conjuntura internacional, associada aos interesses de investimentos do
capital industrial (principalmente multinacional) em áreas com
capacidade produtiva confirmada e com riquezas naturais não exploradas
intensamente, serão considerados para agregar condições internas e
externas que permitam o avanço do capital, incorporando “novas” áreas
ao plantio e, ao mesmo tempo, modernos insumos para melhorar a
produtividade. (ABREU, 2001, p. 202).
A economia capitalista internacionalizada produziu e reproduziu no espaço brasileiro as suas
relações de interdependência, principalmente no que condiz às relações entre nações e empresas. A
agricultura e pecuária refletiam esta realidade, pois eram matérias-primas que o país teria a ofertar
em larga escala, baixo custo e em curto tempo, logo estavam nos planos do desenvolvimento
econômico. Conforme Oliveira, que afirma:
A lógica do desenvolvimento capitalista na agricultura se faz no interior do
processo de internacionalização da economia brasileira. Esse processo se
dá no âmago do capitalismo mundial e está relacionado, portanto, com o
1
mecanismo da dívida externa. Através dele os governos dos países
endividados criam condições para ampliar a sua produção, sobretudo
industrial. Para pagar a dívida, eles têm de exportar, sujeitando-se a vender
seus produtos pelos baixos preços internacionais. Os preços dessas matérias
primas (gêneros agrícolas e recursos minerais) têm baixado
significativamente nas últimas décadas, por isso esses países têm de
ampliar sua produção (OLIVEIRA, 1996, p. 468).
O Estado teve papel importante no processo de consolidação do território Centro-Oestino e sul-
mato-grossense via políticas públicas de desenvolvimento e planejamento. Para o espaço Centro-
Oestino a SUDECO – Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste – atuaria como um
órgão federal de intervenção e planejamento, que promoveria a ação monopolista do capital no
interior do país, permitindo atingir novas áreas de produção, novos mercados de consumo e mão de
obra barata, onde o Estado a serviço do capital promoveria a integração do espaço nacional, em que
Abreu afirma que: “A “filosofia” de PRODUZIR oportunidades e PROMOVER seu aproveitamento
para ACELERAR o desenvolvimento harmônico do Centro-Oeste” (ABREU, 2001, p. 31). Então, a
SUDECO imprimiria uma nova fase no processo de desenvolvimento do capitalismo no país, dentro
do espaço Centro-Oestino, que teve como suporte um ideário desenvolvimentista, visto como uma
ideologia de transformação da sociedade, através de um projeto econômico de industrialização
integral com um Estado planejador e orientador de investimentos e recursos nos setores econômicos
onde a iniciativa privada não se interessava. O espaço Centro-Oestino recebeu presença maciça de
grandes investimentos e fortes subsídios à produção agropecuária.
Dentro desta especificidade no processo de reprodução do capitalismo no território brasileiro, a
porção sul de Mato Grosso do Sul, em especial a cidade de Dourados, beneficiada por condições
naturais (solo, clima e relevo), condições de infra-estrutura e proximidade com importantes centros
consumidores e fornecedores de produtos variados foi favorecida com a implementação de novas
plantas industriais, que deixaram suas antigas plantas obsoletas e buscaram novas vantagens e maior
lucratibilidade em complexos agro-industriais em áreas já consolidadas. Dentro de um projeto de
Integração Nacional, onde planejamento e desenvolvimento seriam comuns, o espaço Centro-
Oestino, responsável por ofertar carne e grãos, trouxe consigo a atividade comercial específica da
agropecuária, que é atraída, dentro de um conjunto, com perspectivas de rápidos e constantes lucros.
É relevante destacar que o desenvolvimento industrial e a expansão urbana atribuíram a atividade
agropecuária um novo papel fundamental, cada vez mais importante, que ultrapassa a simples
função de fornecer alimentos e gêneros para as indústrias. A atividade da agropecuária é vista como
parte integrante de um sistema capitalista, onde por trás da lavoura e do campo existe um número,
talvez infinito, de relações sócio-econômicas, que direta ou indiretamente acompanham a expansão
da atividade agrícola, e dela seja dependente.
Uma das relações diretamente ligadas à modernização do campo no espaço Centro-Oestino é a
atividade agrocomercial (comércio de maquinários e implementos destinado a fornecer suporte
técnico e logístico a atividade agropecuária) que se apresenta fortemente instalado espaço. Dentro
dessa complexidade de relações econômicas internacionais, nacionais e regionais é que podemos
perceber a importância da atividade agrocomercial. Neste contexto que paralelamente a
modernização e expansão da atividade agropecuária, e dentro de uma lógica de produção capitalista,
a instalação e posteriori crescimento do número de estabelecimentos comerciais com o objetivo
direto de abastecer de insumos e maquinários agrícolas a região é objeto de estudo. Saber os
motivos de quando, quanto e quais “agrocomércios” buscaram vantagens na região de Dourados
dentro desta interação de modernização e expansão agrícola é de fundamental importância para se
entender o processo de ocupação e configuração do território e formação sócioeconômica de Mato
Grosso do Sul.
2
DELIMTAÇÃO DO TEMA
Conforme Becker, “Historicamente, a posse e o controle do território brasileiro sustentaram a
construção do Estado e é este que passa a produzir o seu próprio espaço, social e político, racional e
técnico, instrumentalizando o território.” (BECKER, 1991, p. 48), sendo assim a construção do
Estado esta em controlar seu território e o projeto geopolítico de modernidade fortaleceu este ideal
que utilizou o discurso do desenvolvimento dentro do discurso da unidade nacional para a
legitimação do processo industrial de modernidade do Estado.
Como discurso da integração nacional assumiu-se uma nova forma da relação do Estado com o
território, consolidando uma estratégia de desenvolvimento econômico, onde o Estado amplia a
intervenção para controle do espaço brasileiro, e em especial no espaço Centro-Oestino.
O desenvolvimento econômico constituiu-se em um dos assuntos que adquiriu destaque nas agendas
internas e externas de cada Estado. Ao mesmo tempo, atores nacionais e internacionais
surgiram a partir desta problemática. Esta diversidade de interesses se traduziu por diferentes
linhas planejamento no que se refere à discussão do crescimento da atividade agrícola e
pecuária, principalmente naqueles países que vem adquirindo contornos internacionais e
delineando uma nova política de dependência, desde o pós Segunda Guerra, que está sendo
traçada entre os países que possuem recursos naturais ou potencialidade de inserção de novos
espaços produtivos para o capital; e entre os países que detêm capital e a tecnologia para
exploração destes recursos.
É a partir deste contexto que a questão da modernização e expansão da atividade agrícola e pecuária
vem adquirindo maior importância. Países em vias de desenvolvimento, como o Brasil, termo
criticado por Castoriadis (1987, p. 136) , já explicitado, teriam que dispor de espaços e produtos
aceitos, internacionalmente, para poderem participar, como fonte de exploração da política mundial.
O planejamento econômico, ideário que justificaria o desenvolvimento permitiu ao capital
internacional redefinir o espaço Centro-Oestino e o território sul-mato-grossense, onde a
agropecuária teria o papel de produzir excedentes, gerar recursos para financiar o próprio
desenvolvimento e abastecer a sociedade urbano-industrial de carne e grãos.
A ocupação do espaço Centro-Oestino no contexto da política de integração nacional permitiu a este
uma posição de extensão do Sudeste via agricultura, o que consolidou a inserção econômica da
região na estruturação e configuração de em espaço geográfico nacional. Além disto, nos anos 50
ocorreram projetos de colonização que estariam de acordo com o processo de ocupação e com as
políticas desenvolvimentistas nacionais e regionais, com os discursos de ocuparem vazios, com a
ampliação de gêneros alimentícios para abastecer os centros urbano-industriais.
Cabe destacar que os projetos de colonização dos “espaços vazios” representaria uma solução
momentânea para o Estado, conforme Abreu “O processo de colonização em pauta representaria
uma válvula de escapa, na medida em que tinha como um dos objetivos, absorver os excedentes
demográficos das áreas rurais mais valorizadas do Sul e Sudeste do país. Ao mesmo tempo,
contribuía para preservar a antiga estrutura agrária nacional e esvaziar a discussão em torno da
reforma agrária, ao conduzir trabalhadores rurais sem-terra e/ou expropriados para as terras de
ninguém” (ABREU, 2001, p. 12).
Neste contexto, o sul de Mato grosso do Sul, em especial a cidade de Dourados apresentou nos anos
50 e 60 um elevado processo de crescimento econômico e populacional, baseado em estímulos
governamentais. Verifica-se ainda a presença de grandes propriedades rurais, onde o conjunto de
estímulos fiscais e a política de créditos administrados, pela SUDECO, permitiram a concentração
de terras pelas possibilidades abertas para a agropecuária moderna e a agroindústria. Affonso ainda
diz que
essa fase da ocupação do Centro-Oeste como presença maciça de grandes
empreendimentos capitalistas, largamente subsidiados pelo sistema de
créditos e benefícios fiscais voltados fundamentalmente para a atividade
3
de pecuária extensiva e de algumas culturas de exportação (soja, café,
arroz, algodão e milho). (AFFONSO, 1995, p. 159).
A própria criação da SUDECO confirmava a existência de uma racionalidade dirigida e introduzida
como pensamento ideológico dominante, e que foi propagada através de seus planos, tratava-se da
incorporação de novos territórios às novas demandas do capitalismo mundial e das corporações
multinacionais.
Durante os anos 70 a modernização do campo trouxe para o espaço sul-mato-grossense uma nova
gleba de mão-de-obra que permitiu a formação de novas cidades, que do dia para noite surgiram,
como Glória de Dourados e Nova Andradina, incorporando-se ao sistema produtivo dominante. No
Mato Grosso do Sul, com as mudanças de caráter fortemente empresarial capitalista no campo a
partir dos anos 70, ocorreu uma forte concentração fundiária, facilitada pelo preço da terra, dá
época, política e créditos governamentais.
Cabe ressaltar que o preço da terra nos anos 70 correspondia a um quinto do preço da terra, por
exemplo, no Sul e Sudeste do país, isto também justificava o avanço da fronteira agrícola para o
espaço Centro-Oestino. A partir dos anos 80, o preço da terra no espaço sul-mato-grossense já não
seria tão desproporcional em relação ao Sul e Sudeste do país.
Neste contexto a cidade de Dourados se destacou por sua posição, que pela situação geográfica,
quer pelo forte setor de serviços agrocomerciais que ali passou a ser implantado e iria exercer uma
função de comando.
A ação governamental no espaço douradense se fez presente, via SUDECO, com o PRODEGRAN
– Programa de Desenvolvimento da Grande Dourados (1976), que tinha como suas metas a
construção de rodovias (vias de escoamento), estradas rurais, linhas de transmissão de energia
elétrica, construção de armazéns, permitindo elevar a capacidade de armazenamento.
Dentre as justificativas pela SUDECO de promover o PRODEGRAN, existia o fato de a cidade de
Dourados se encontrava em acelerado processo de ocupação econômica, dispunha de potencial
imediato de aproveitamento, seja natural ou humano, proximidade de mercado e dinamismo
empresarial, configurando assim condições excepcionais para o aumento dos níveis de produção e
produtividade agrícola. Enfim, era objetivo do governo federal assegurar uma infra-estrutura que
garantisse um processo do dinamismo agropecuário, uma vez que este setor teria enorme peso na
construção econômica do Brasil, dentro do projeto desenvolvimentista e de integração nacional.
O PRODEGRAN tinha dois objetivos principais, conforme o II Plano Nacional de
Desenvolvimento, conquistar novas áreas e sua incorporação ao processo produtivo, com elevados
níveis de produtividade, mediante ao uso de tecnologia moderna tecnologia.
Dentro desta complexidade sócio-econômica ocorreu a formação e expansão da atividade
agrocomercial, que foi incorporada ao sistema capitalista agrário, dentro do projeto de
desenvolvimentista do país. É refletindo nesta contextualidade que a atividade comercial ligada
diretamente à modernização do campo é, ao mesmo tempo, complementar e necessária no espaço
Centro-Oestino, ao seu complexo agroindustrial, que tem de adquirir novas funcionalidades,
conforme Rangel, que afirma: Para que a indústria possa efetivamente substituir a agricultura na
tarefa de converter os produtos primários em produtos acabados, deve não apenas acumular um
capital importante, como principalmente um capital constituído por bens de natureza especial –
máquinas e instalações de tipo diferente das anteriores usadas (em âmbito rural). Isso significa dizer
que o desenvolvimento é limitado pelo suprimento de bens de produção de novo tipo. (RANGEL,
1982, p. 40).
Isto nos permite realizar uma ligação bastante complexa entre a agricultura, industria e a atividade
comercial, onde é cada vez mais significativa a interação desses setores. Ao analisar a política de
planejamento e desenvolvimento regional brasileiro, no que se refere ao espaço Centro-Oestino, em
especial o sul de Mato Grosso do Sul, no município de Dourados, para as questões de avanço e
crescimento da atividade comercial, destinada ao fornecimento e abastecimento de mercadorias e
insumos, termo que denominei agrocomércio, à própria atividade agrícola e de pecuária, e em forma
4
indireta, as plantas industriais ali existentes e seus reflexos socioeconômicos, possibilitando sua
importância econômica estratégica para os setores envolvidos e o desenvolvimento regional. A
busca da compreensão entre a relação da modernização do campo, a expansão do agrocomércio e a
produção do espaço douradense, que unidos, fomentam o objeto deste estudo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A formação do espaço Centro-Oestino contemporâneo está diretamente ligado ao projeto de
desenvolvimento implantado e planejado pelo Estado, utilizando-se de uma racionalidade
econômica, onde o território foi incorporado ao sistema capitalista internacional.
A modernização agrícola trouxe para o espaço Centro-Oestino uma dinâmica econômica e
populacional expressiva, através do Plano Nacional de Desenvolvimento. Dentro deste plano ficou
evidenciada a intenção de auferir o desenvolvimento como objetivo único, de modo que as ações
propostas conduziram apenas para o crescimento econômico, obtido graças à possibilidade de
obtenção de mais-valia e barateamento de custos, conseqüências das infra-estruturas e subsídios
assumidos pelo Estado. Nesse contexto, os Programas Especiais, exemplo PRODEGRAN,
refletiram exatamente os interesses apontados, de modo que suas ações teriam implicação direta ou
indiretamente na produção de carne e grãos.
A formação do território sul-mato-grossense foi realizada dentro dos objetivos e modelos que
interessava ao capital nacional e internacional. Sua configuração espacial e seus reflexos sócio-
econômicos, por exemplo, a concentração de terras, é conseqüência de uma política do próprio
Estado.
Em Dourados – MS, esta relação ficou explicita em sua configuração territorial e na formação e
influência econômica da cidade na porção sul de Mato Grosso do Sul. Em observação ao Censo
Agropecuário de 1995, em termo quantitativos, necessários para a compreensão atual da expressiva
mecanização do campo em Dourados, do total de 13.230 máquinas para plantio do total estadual
5.819, um número bastante expressivo, concentra-se na cidade. Quando se refere a máquinas para
colheita a situação é ainda mais concentradora, do total de 4.944 existentes no estado 2.495 estão na
cidade de Dourados (IBGE, 1995-1996) . Isto se reflete na atividade agrocomercial, que sustenta
logisticamente a agropecuária, pois diversas unidades agrocomerciais estão instaladas na cidade, e
dão suporte para a atividade agropecuária, cabe ressaltar que este suporte não é exclusivo da cidade
de Dourados, é mais abrangente, envolvendo municípios em seu entorno.
O Agrocomércio em Dourados representa muito mais que trabalho e renda, representa uma esfera
de influências em cidades próximas, em cadeia produtivas agropecuárias, que direta e indiretamente
dependem desta atividade para o crescimento da própria atividade agropecuária.
Este projeto de pesquisa esta em fase inicial no programa de mestrado da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul – UFMS, campus Dourados, dentro do eixo de Desenvolvimento Regional.
Dados sobre o agrocomércio e sua historicidade no espaço douradense ainda serão compilados e
contextualizados. Entretanto, não podendo desconsiderar a importância do agrocomércio na
formação do próprio espaço douradense, nem seus reflexos políticos-sociais.
Bibliografia
ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo, Editora da
Unicamp, 1998.
ABREU, Silvana de. Planejamento Governamental: a Sudeco no espaço mato-grossense. Contexto,
propósitos e contradições. São Paulo, USP, 2001.
AFFONSO, P. A. Federalismo no Brasil: desigualdades regionais e desenvolvimento. São Paulo,
FUNDAP, Editora Unesp, 1995.
5
BECKER, Bertha K. In: Espaço e Debates 32. Modernidade e gestão do território no Brasil: da
integração nacional à integração competitiva. Revista de Estudos Regionais e Urbanos, Ano XI,
1991.
CASTORIADIS, C. As encruzilhadas do labirinto 2. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
IBGE. Censo Agropecuário de 1995 – 1996
OLIVEIRA, Ariovaldo de. A Agricultura camponesa no Brasil. São Paulo, Editora contexto, 2001.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. “Agricultura brasileira: transformações recentes” in ROSS,
Jurandyr S. (org.), Geografia do Brasil. Edusp, 1996.
RANGEL, Ignácio. Ciclo, tecnologia e crescimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
Urbanização e Modernização Agrícola
Apesar das diferentes taxas regionais de urbanização apresentadas na tabela abaixo, podemos
afirmar que o Brasil, hoje, é um país urbanizado. Com a saída de pessoas do campo em direção às
cidades, os índices de população urbana vêm aumentando sistematicamente em todo o país ao ponto
de a Região Norte, a menos urbanizada, apresentar o significativo índice de 59% de população
urbana. Desde os primórdios do processo de povoamento, as cidades se concentravam na faixa
litorânea, mas, a partir da década de 60, passaram por um processo de dispersão espacial, à medida
que novas porções do território foram sendo apropriadas pelas atividades agropecuárias.
BRASIL : TAXA DE URBANIZAÇÃO POR
REGIÕES (%)
Região
1950
população
urbana
1970
população
urbana
1995
população
urbana
Sudeste
44,5 72,7 88,33
Sul
29,5 44,3 77,26
Nordeste
26,4 41,8 63,00
Centro-Oeste
24,4 48,0 81,33
Norte
31,5 45,1 N/D
Brasil
36,2 55,9 78,98
6
(Anuário Estatístico do Brasil, 1994./PNAD, 1995.)
Atualmente, em lugar da velha distinção entre população urbana e rural, usa-se a noção de
população urbana e agrícola. É considerável o número de pessoas que trabalham eme atividades
rurais e residem nas cidades. As greves dos trabalhadores bóia-frias acontecem nas cidades, o lugar
onde moram. São inúmeras as cidades que nasceram e cresceram em áreas do país que têm a
agroindústria como mola propulsora das atividades econômicas secundárias e terciárias.
Em virtude da modernização do campo, verificada em diversas regiões agrícolas, assiste-se a uma
verdadeira expulsão dos pobres, que encontram nas grandes cidades o seu único refúgio. Como as
indústrias absorvem cada vez menos mão-de-obra e o setor terciário apresenta um lado moderno,
que exige qualificação profissional, e outro marginal, que remunera mal e não garante estabilidade,
a urbanização brasileira vem caminhando lado a lado com o aumento da pobreza e a deterioração
crescente das possibilidades de vida digna aos novos cidadãos urbanos.
Os moradores da periferia, das favelas e dos cortiços, têm acesso a serviços de infra-estrutura
precários (saneamento básico, hospitais, escolas, sistema de transporte coletivos etc.). O espaço
urbano, amplamente dominado pelos agentes hegemônicos, que impõem investimentos
direcionados para seus interesses particulares, está organizado tendo em vista o tráfego de veículos
particulares, a informação, a energia e as comunicações, relegando os investimentos sociais e,
assim, excluindo os pobres da modernização. O espaço urbano, quando não oferece oportunidades,
multiplica a pobreza.
Técnicas primitivas
Agricultura Sustentável
José Augusto Pádua*
, CPDA/UFRRJ
A Formação da Agricultura Brasileira : Uma Herança Predatória
A incorporação do atual território brasileiro na economia-mundo moderna, a partir
do século XVI, se deu basicamente através da agricultura. Ao contrário do que ocorreu na América
Latina de colonização espanhola, onde os conquistadores encontraram minerais preciosos ainda nas
primeiras décadas da sua chegada, no caso do Brasil a mineração começou a ocorrer com mais
intensidade apenas duzentos anos após a conquista portuguesa. A fundação do novo país, portanto,
foi marcada pela exploração da biomassa vegetal.
Para entender esse processo é preciso lembrar que o litoral brasileiro estava coberto por
uma enorme muralha verde, que representava a parte mais visível dos 110 milhões de hectares de
Mata Atlântica e 400 milhões de hectares de Floresta Amazônica então existentes. Além disso,
adentrando-se no interior do território abria-se um universo de mais de 200 milhões de hectares de
Cerrados. Aos olhos dos europeus, acostumados a gerir um espaço de dimensões muito mais
modestas, esses biomas apareciam como horizontes praticamente sem limites. O choque entre esse
*
7
contexto de abundancia ecológica e a motivação de ganho imediato típica de uma colônia de
exploração deu origem a um modelo predatório de agricultura que dominou todo o período colonial,
permaneceu dominante nas décadas da monarquia independente e ainda hoje, apesar das mudanças
tecnológicas e da diversificação produtiva ocorridas no século XX, continua exercendo forte
influencia sobre as mentalidades e as práticas no campo brasileiro.
Tal modelo – fundado na grande propriedade, na monocultura de
exportação e no trabalho forçado dos escravos – caracterizou-se, na sua
dimensão ambiental, por três princípios básicos: 1) a sensação de
inesgotabilidade dos recursos naturais, b) uma postura destrutiva e
parasitária diante desses recursos, origem de tecnologias descuidadas e
extensivas e 3) a pouca atenção para com a biodiversidade e a
especificidade ecológica do ambiente tropical (Pádua, 2002).
A imagem de uma fronteira sempre aberta ao avanço horizontal da produção minimizava a
importância do cuidado ambiental. A impressão vigente era de que sempre haveria terra e recursos
para serem explorados mais adiante. Na medida em que os solos agrícolas e pastoris tornavam-se
estéreis, a fronteira avançava em direção às florestas e aos campos ainda intactos. Este nomadismo
predatório garantia uma certa continuidade na economia e na estrutura social do país, não obstante
os muitos casos de fazendas que foram abandonadas por haverem atingido o limite da sua
capacidade de sustentação ecológica. A facilidade com que a elite podia obter novas terras, seja
pela simples ocupação ou pelo recebimento de sesmarias, estimulava ainda mais essa dinâmica.
Os colonizadores multiplicaram o impacto da tradicional tecnologia indígena da coivara
(roça e queima em pequena escala), aplicando o fogo em espaços muito mais extensos e com
intervalos de tempo muito menores. A queima das florestas e campos foi o método amplamente
dominante de preparo da terra para o plantio e a criação até o XX. Ao invés de adubar o solo, para
conservar sua fertilidade, optava-se por queimar progressivamente novas áreas de matas, uma vez
que a riqueza das suas cinzas garantia boas colheitas por dois ou três anos, após o que a terra ficava
estragada e ocupada por ervas e formigas. Ao invés de promover o replantio dos pastos, já que os
campos naturais se degradavam após um ou dois ciclos de pastoreio, optava-se por incendiá-los, na
expectativa de que o fogo fortalecesse o crescimento das ervas comestíveis e garantisse alguma
sobrevida ao rebanho. O apartamento geográfico entre a lavoura e a criação, com a concentração
dos rebanhos nas áreas mais afastadas da costa, dificultava a adoção de formas de consorcio e
manejo diferentes do uso do fogo.
Apesar da agricultura brasileira original ter incorporado alguns elementos da biodiversidade
local, como a mandioca e o tabaco, a grande produção comercial foi dominada pela introdução de
espécies exóticas, como a cana e o café. Assim como a criação foi dominada pela introdução de
animais que não existiam nos ecossistemas nativos, como os bois, os cavalos e os porcos. O
interesse pela floresta tropical estava principalmente na grande oferta de biomassa para ser
queimada e não no seu potencial de uso múltiplo. A formula mais sucinta e cabal da agricultura
predatória na formação do Brasil foi elaborada pelo padre jesuíta Antonil em 1711, no seu livro
“Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas”: “feita a escolha da melhor terra para a
cana, roça-se, queima-se e alimpa-se, tirando-lhe tudo o que podia servir de embaraço” (Antonil,
1976: 102). A floresta tropical, com toda a sua riqueza e diversidade, representava pouco mais do
que um “embaraço”.
Os complexos de produção rural no Brasil, até as primeiras décadas do século XX, criaram uma
espécie de arquipélago de regiões voltadas para o mercado externo, onde populações direta ou
indiretamente ligadas às grandes propriedades viviam uma existência isolada e politicamente
dependente dos poderosos locais. Nas fronteiras da grande agricultura comercial de exportação, no
entanto, ou em áreas mais isoladas dos sertões, formou-se um universo de moradores, parceiros,
8
posseiros e pequenos proprietários que praticava uma agricultura de abastecimento. Valendo-se de
técnicas indígenas ou empíricas, usando mão de obra familiar ou de mutirão, mais abertos para o
potencial múltiplo do ambiente, eles deram origem a uma agricultura familiar rústica que até hoje
está presente em algumas regiões (Schmidt, 1958 e 1976). É preciso considerar, além disso, que em
algumas sub-áreas produtivas surgiram unidades de tamanho médio, muitas vezes usando mão de
obra escrava, voltadas para produção para o mercado interno nos séculos XVIII e XIX. Essas áreas
chegaram a criar rotas internas de abastecimento que cruzavam diferentes regiões, como no caso da
agropecuária em Minas Gerais e das fazendas de charque no Rio Grande do Sul (Fragoso, 2002) .
Na virada do século XIX para o XX, além disso, o crescimento da imigração de colonos europeus,
especialmente na região Sul, abriu novos horizontes para a formação da agricultura familiar e da
pequena propriedade, que até hoje se faz presente no Brasil.
Aspectos da formação do espaço agrário brasileiro
Domingos Nascimento Silva*
Em seu estado da natureza o homem viveu sem organização de relações entre si ou com instituições;
com a evolução o homem passou ao estado da sociedade civil, com o estabelecimento de regras de
convivência e instituições. A questão da posse e propriedade da terra insere-se nestes estágios
evolutivos, sendo que após o período do nomadismo ela passou a ser fator de disputa na fixação em
determinada região, e importante para a sobrevivência de civilizações.
Os conceitos solo e terra não são iguais. O solo é um corpo natural que resulta da ação de fatores como
o clima, os organismos e o tempo, sobre a rocha matriz, em determinada condição de relevo. A
interação do solo com o meio que o cerca define a terra; o conceito terra abrange, portanto, não apenas
o solo, mas outros elementos como localização, relevo, vegetação, erosão e clima.
A atividade agropecuária apresenta peculiaridades em relação às outras atividades econômicas, e em
especial em relação à indústria, destacando-se entre elas o fato de que o meio de produção fundamental
na agropecuária, a terra, não pode ser multiplicado pelo homem, da maneira como ocorre com as
máquinas e outros fatores de produção; devido a isto, a sua apropriação histórica assume uma
importância fundamental. Houve um grande desenvolvimento da Agronomia nas últimas décadas,
permitindo inclusive que com a hidroponia sejam realizados cultivos em soluções nutritivas, sem o uso
do solo; entretanto, o cultivo hidropônico se dá de forma limitada em relação às espécies, estruturas das
plantas e resultados econômicos.
Este artigo analisa o processo de formação do espaço agrário brasileiro, a partir da descoberta,
colonização e ocupação do País, apresentando os principais fatos que nortearam a organização do
território. Os fatos mais recentes, ocorridos neste século, já numa perspectiva de correção dos
problemas da estrutura agrária formada, também são analisados.
A COLONIZAÇÃO E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO BRASILEIRO
Na expansão do comércio marítimo de Portugal houve o descobrimento do Brasil, que passou a ser uma
importante colônia, contribuindo para a manutenção de Portugal em posição destacada no cenário
mercantilista europeu. A fase inicial da colonização brasileira é marcada pela implantação do sistema
mercantil, com a existência de relações escravistas, em um País habitado por indígenas em estado
primitivo de organização social e produtiva.
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No período de 1500 a 1530 estabeleceu-se no Brasil a fase de escambo, predominando as atividades
extrativistas, principalmente do pau-brasil. As áreas com o pau-brasil eram arrendadas a particulares,
com a reserva do monopólio real; este sistema foi substituído pela liberdade comercial e o pagamento
de um quinto dos produtos exportados. Com os índios realizava-se a troca do pau-brasil e madeiras
finas para marcenaria, que eles forneciam, por objetos como machados, foices, facões, anzóis, pentes e
espelhos, de pequeno valor monetário.
Seguiu-se à fase de escambo o regime das sesmarias, durante o período de 1530 a 1822. Este regime foi
utilizado em Portugal em 1375, a partir de uma crise agrícola, e objetivava o cultivo obrigatório das
terras incultas. As sesmarias funcionaram em Portugal, o mesmo não acontecendo no Brasil, em que
houve desvirtuamentos, com o benefício de uma minoria e gerando a grande propriedade improdutiva.
No Brasil o compromisso de tornar produtivas as grandes áreas recebidas não era cumprido, e a
dimensão continental da colônia tornava a fiscalização muito difícil.
O rei de Portugal instituiu o sistema de capitanias hereditárias para o Brasil, em 1534, com a divisão da
colônia em quinze lotes, que foram distribuídos entre doze donatários, que tinham poderes para
conceder terras como melhor lhes convinham, apenas recolhendo o dízimo à Ordem de Cristo, que era
administrada pelo rei de Portugal. Houve prosperidade em apenas duas capitanias hereditárias, as de
São Vicente e de Pernambuco, com os comandos de, respectivamente, Martim Afonso de Souza e
Duarte Coelho; favorecidas com o desenvolvimento da lavoura canavieira, a paz com os indígenas, e a
excelente administração, incluindo o recebimento de investimentos de capital europeu. Com o fracasso
do sistema de capitanias hereditárias, o rei de Portugal, buscando impulsionar a colonização, criou o
Governo-Geral, que funcionaria como um órgão de coordenação das capitanias hereditárias; não se
verificou mudanças significativas no sistema de distribuição das terras.
Verificou-se durante o regime das sesmarias no Brasil o desenvolvimento do sistema de posses, em
função de necessidades econômicas e sociais. Este sistema não tinha amparo legal, e envolvia
inicialmente populações pobres; entretanto, com o fim do regime das sesmarias, que ocorreu a partir do
fim do período colonial, este sistema passou a abranger grandes áreas de terra.
Prado Júnior (1987) observa que o acentuado grau de concentração fundiária no Brasil resulta da
natureza da economia constituída com a colonização e ocupação progressiva do território, baseada na
grande propriedade e no estabelecimento de atividades mercantis. A colônia deveria cumprir o papel de
fornecer em larga escala produtos primários aos mercados europeus.
Em INCRA (1987) é assinalado que não existe um levantamento completo das doações de terras
ocorridas no período das sesmarias no Brasil. Para o Estado da Bahia, é mencionada nesta publicação,
como a mais importante doação, a concedida ao armador-mor D. Álvaro da Costa, denominada de
capitania de Peroaçu, envolvendo todo o território entre as barras do Paraguaçu e o Jaguaribe. É citada
ainda como importante, a doação da Ilha de Itaparica, ao Conde de Castanheira. Também é observado
que a pecuária acentuou a tendência à formação de imensas propriedades e a sua concentração nas mãos
de poucas pessoas; com o extenso sertão baiano, nos séculos XVI e XVII, estando sob o domínio de
apenas duas famílias, a Casa da Torre e os Guedes de Brito.
A agricultura de subsistência enfrentou muitas dificuldades no processo de colonização e ocupação do
território brasileiro, mas se tornou, com o decorrer dos séculos, em importante atividade para parcela
significativa da população rural. A agricultura de subsistência desenvolveu-se nas grandes áreas das
monoculturas e da pecuária extensiva, e também em unidades pequenas, em que o proprietário ou o
ocupante trabalhavam diretamente a terra, normalmente em áreas de qualidade inferior e distante dos
centros urbanos.
10
Sodero (1982) observa que o Estatuto da Terra, e o Direito Agrário brasileiro, fundamentam-se na
doutrina da função social da propriedade, segundo a qual toda a riqueza produtiva tem uma finalidade
social e econômica, e aquele que a detém deve fazê-la frutificar, em benefício próprio e da comunidade
em que vive. A terra rural, portanto, não é um direito individualista, devendo gerar produtos
agropecuários, agro-industriais e empregos, preservando o equilíbrio ecológico.
Esta doutrina, anteriormente um princípio, não é recente no mundo, tendo sido exposto inicialmente, de
forma simples, na antigüidade grega por Aristóteles, e já no século XIII estas idéias iniciais foram
cristianizadas por Santo Tomás de Aquino, com a afirmação de que "cada coisa alcança sua colocação
ótima, quando é ordenada para seu próprio fim''. Entretanto, estes fundamentos foram pouco usados no
decorrer dos séculos anteriores ao atual, apesar de serem até lembrados em algumas ocasiões, como por
exemplo na concessão das sesmarias no Brasil, em que fora estabelecido que se destinassem áreas de
terras que um homem pudesse explorar com os recursos disponíveis, e determinado um tempo para que
isto efetivamente ocorresse, caso contrário a doação seria cancelada; observa-se aí a busca do
cumprimento da função social da propriedade, que infelizmente não chegou a existir na acepção da
expressão.
Na Constituição brasileira de 1934 é introduzida a doutrina da função social da propriedade, um pouco
tardiamente pois outras cartas magnas da América Latina já a haviam adotada desde 1919.
O Estatuto da Terra, Lei n° 4.504, de 30 de novembro de 1964, apresenta os fundamentos da área
agrária no Brasil. Vários países da América Latina haviam se comprometido na Conferência de Punta
del Este, em 1960, a realizar a Reforma Agrária, entre eles o Brasil. Havia no País uma mobilização
intensa de trabalhadores rurais reivindicando a realização da Reforma Agrária. O Governo do Marechal
Castelo Branco criou um grupo de trabalho em 1964, que elaborou o Estatuto da Terra, que não se
limitou à Reforma Agrária, abrangendo a área de desenvolvimento rural. Esperava-se ações
significativas para resolver o problema da desigualdade da distribuição das terras, mas as ações
voltaram-se para as áreas cadastral, tributária e de colonização, e de modernização da agropecuária, esta
ocorrendo nas grandes e médias propriedades.
Sobre a doutrina da função social da propriedade, o Estatuto da Terra estabelece no seu artigo segundo
que:
atuto da Terra estabelece no seu artigo segundo que:
A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente:
a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas
famílias;
b) mantém níveis satisfatórios de produtividade;
c) assegura a conservação dos recursos naturais;
d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a
cultivam.
Verifica-se que o cumprimento da função social presente no Estatuto da Terra, e nas demais legislações
da área agrária, abrange aspectos da produção da atividade, da conservação e preservação do meio
ambiente, e das relações de trabalho e de convivência entre as pessoas no imóvel rural.
A Constituição brasileira de 1988 dedica o Capítulo III, do Título VII, à Política Agrícola e Fundiária e
à Reforma Agrária. Entretanto, as ações na área agrária tiveram dificuldades de implementação, só
reduzidas com a aprovação da Lei n 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que regulamentou disposições
11
sobre a Reforma Agrária contidas neste Capítulo; e as aprovações que se seguiram de outras
legislações.
No início da década de oitenta havia uma mobilização de trabalhadores rurais no Brasil, reivindicando a
realização da Reforma Agrária; a luta dos trabalhadores rurais nesta época contribuiu para a formulação
do I Plano Nacional de Reforma Agrária PNRA, aprovado pelo Governo Federal em outubro de 1985.
Entretanto as ações de Reforma Agrária com o IPNRA foram pequenas. Apenas a partir de 1995 é que
se inicia no Brasil um programa de distribuição de terras que pode ser considerado, ao mesmo tempo,
significativo, relativamente ao que foi feito historicamente, mas ainda pequeno, considerando a
dimensão do problema agrário do País. Deve-se ressaltar que o conceito Reforma Agrária abrange um
conjunto de medidas, incluindo o acesso dos trabalhadores rurais à terra, e outras que permitam o
desenvolvimento local e regional.
Durante o processo de colonização e ocupação do território brasileiro não houve mecanismos para
impedir a concentração de terras, nem o País realizou a Reforma Agrária para corrigir as distorções
formadas nesta área. Com o argumento da superioridade tecnológica da grande produção capitalista e
da sua capacidade de atender eficientemente a toda demanda de alimentos e matérias primas agrícolas,
questiona-se nas discussões atuais que o Brasil teria perdido a oportunidade histórica de realizar a
Reforma Agrária. Entretanto, o País apresenta o recurso terra em abundância, cujo acesso deve ser
democratizado, resolvendo um processo histórico de concentração. A grande atividade agropecuária,
com o uso de tecnologia avançada, não é a única via a ser percorrida, inclusive porque os aspectos de
viabilidade econômica, sustentabilidade ambiental e impacto social, devem ser considerados
conjuntamente, não se enfatizando alguns aspectos e desconsiderando outros. A pequena produção deve
ser apoiada, com o agricultor utilizando tecnologias apropriadas, e passando por um processo de
crescimento técnico, econômico e social.
O Brasil apresenta uma distribuição desigual do recurso terra, fato evidenciado em pesquisas realizadas
sobre o tema. Tal questão não é recente, e resulta do processo de colonização e ocupação do território,
tendo sido analisado neste artigo. O programa de Reforma Agrária em execução no Brasil tem
permitido para muitos trabalhadores rurais o acesso à terra. Possibilitar aos assentamentos de Reforma
Agrária criados, a viabilidade econômica, social e ambiental, é fundamental, atingindo com isto os
objetivos da Reforma Agrária, e impedindo que ocorram processos de reconcentração no espaço agrário
do País.
Bibliografia:
André Meuren Parente. (mestrando - UFMS).
indoafundo.com
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ExpansãO Agrocomercial E ModernizaçãO Do Campo

  • 1. A Expansão Agrocomercial Associada à Modernização do Campo em Dourados – MS PARENTE, André Meuren. (mestrando - UFMS). INTRODUÇÃO A expansão da agropecuária no espaço Centro-Oestino procurou racionalizar os meios de produção e aumentar a quantidade de produtos ofertados para abastecimento do mercado interno e externo. Em busca do chamado Desenvolvimento Econômico Nacional, slogan oficial que significaria progresso, sem o qual seria ingovernável o país, nosso governo diretamente influenciado por nações e empresas multinacionais tratou de garantir condições de promover o desenvolvimento econômico, que significaria expandir a atividade industrial. O desenvolvimento social que implicaria em melhoria da “qualidade de vida” da população no geral, como geração de empregos e distribuição de renda não estaria envolvido no projeto desenvolvimentista nacional. Para a existência do desenvolvimento econômico e do dito progresso, a participação e o desempenho do setor agrícola seria primordial para a performance das taxas econômicas, principalmente das economias em processo de desenvolvimento, como o Brasil. O termo “em desenvolvimento” é por Castoriadis combatido no que afirma: Países que antes eram denominados, com brutalidade sincera, “atrasados”, depois “subdesenvolvidos”, passaram a chamar-se educadamente “menos desenvolvidos” e por fim, “países em via de desenvolvimento” – agradável eufemismo que de fato significa que esses países não desenvolviam. (CASTORIADIS, 1987, p. 136). A busca do então Desenvolvimento Econômico Nacional atribuiu ao espaço Centro-Oestino um papel no cenário nacional, dentro de uma conjuntura internacional, onde o aumento da produção trouxe consigo a consolidação da expansão horizontal e o processo de modernização da agricultura e da pecuária, agregando novas e antigas áreas ao sistema produtivo, em que Abreu afirma: A conjuntura internacional, associada aos interesses de investimentos do capital industrial (principalmente multinacional) em áreas com capacidade produtiva confirmada e com riquezas naturais não exploradas intensamente, serão considerados para agregar condições internas e externas que permitam o avanço do capital, incorporando “novas” áreas ao plantio e, ao mesmo tempo, modernos insumos para melhorar a produtividade. (ABREU, 2001, p. 202). A economia capitalista internacionalizada produziu e reproduziu no espaço brasileiro as suas relações de interdependência, principalmente no que condiz às relações entre nações e empresas. A agricultura e pecuária refletiam esta realidade, pois eram matérias-primas que o país teria a ofertar em larga escala, baixo custo e em curto tempo, logo estavam nos planos do desenvolvimento econômico. Conforme Oliveira, que afirma: A lógica do desenvolvimento capitalista na agricultura se faz no interior do processo de internacionalização da economia brasileira. Esse processo se dá no âmago do capitalismo mundial e está relacionado, portanto, com o 1
  • 2. mecanismo da dívida externa. Através dele os governos dos países endividados criam condições para ampliar a sua produção, sobretudo industrial. Para pagar a dívida, eles têm de exportar, sujeitando-se a vender seus produtos pelos baixos preços internacionais. Os preços dessas matérias primas (gêneros agrícolas e recursos minerais) têm baixado significativamente nas últimas décadas, por isso esses países têm de ampliar sua produção (OLIVEIRA, 1996, p. 468). O Estado teve papel importante no processo de consolidação do território Centro-Oestino e sul- mato-grossense via políticas públicas de desenvolvimento e planejamento. Para o espaço Centro- Oestino a SUDECO – Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste – atuaria como um órgão federal de intervenção e planejamento, que promoveria a ação monopolista do capital no interior do país, permitindo atingir novas áreas de produção, novos mercados de consumo e mão de obra barata, onde o Estado a serviço do capital promoveria a integração do espaço nacional, em que Abreu afirma que: “A “filosofia” de PRODUZIR oportunidades e PROMOVER seu aproveitamento para ACELERAR o desenvolvimento harmônico do Centro-Oeste” (ABREU, 2001, p. 31). Então, a SUDECO imprimiria uma nova fase no processo de desenvolvimento do capitalismo no país, dentro do espaço Centro-Oestino, que teve como suporte um ideário desenvolvimentista, visto como uma ideologia de transformação da sociedade, através de um projeto econômico de industrialização integral com um Estado planejador e orientador de investimentos e recursos nos setores econômicos onde a iniciativa privada não se interessava. O espaço Centro-Oestino recebeu presença maciça de grandes investimentos e fortes subsídios à produção agropecuária. Dentro desta especificidade no processo de reprodução do capitalismo no território brasileiro, a porção sul de Mato Grosso do Sul, em especial a cidade de Dourados, beneficiada por condições naturais (solo, clima e relevo), condições de infra-estrutura e proximidade com importantes centros consumidores e fornecedores de produtos variados foi favorecida com a implementação de novas plantas industriais, que deixaram suas antigas plantas obsoletas e buscaram novas vantagens e maior lucratibilidade em complexos agro-industriais em áreas já consolidadas. Dentro de um projeto de Integração Nacional, onde planejamento e desenvolvimento seriam comuns, o espaço Centro- Oestino, responsável por ofertar carne e grãos, trouxe consigo a atividade comercial específica da agropecuária, que é atraída, dentro de um conjunto, com perspectivas de rápidos e constantes lucros. É relevante destacar que o desenvolvimento industrial e a expansão urbana atribuíram a atividade agropecuária um novo papel fundamental, cada vez mais importante, que ultrapassa a simples função de fornecer alimentos e gêneros para as indústrias. A atividade da agropecuária é vista como parte integrante de um sistema capitalista, onde por trás da lavoura e do campo existe um número, talvez infinito, de relações sócio-econômicas, que direta ou indiretamente acompanham a expansão da atividade agrícola, e dela seja dependente. Uma das relações diretamente ligadas à modernização do campo no espaço Centro-Oestino é a atividade agrocomercial (comércio de maquinários e implementos destinado a fornecer suporte técnico e logístico a atividade agropecuária) que se apresenta fortemente instalado espaço. Dentro dessa complexidade de relações econômicas internacionais, nacionais e regionais é que podemos perceber a importância da atividade agrocomercial. Neste contexto que paralelamente a modernização e expansão da atividade agropecuária, e dentro de uma lógica de produção capitalista, a instalação e posteriori crescimento do número de estabelecimentos comerciais com o objetivo direto de abastecer de insumos e maquinários agrícolas a região é objeto de estudo. Saber os motivos de quando, quanto e quais “agrocomércios” buscaram vantagens na região de Dourados dentro desta interação de modernização e expansão agrícola é de fundamental importância para se entender o processo de ocupação e configuração do território e formação sócioeconômica de Mato Grosso do Sul. 2
  • 3. DELIMTAÇÃO DO TEMA Conforme Becker, “Historicamente, a posse e o controle do território brasileiro sustentaram a construção do Estado e é este que passa a produzir o seu próprio espaço, social e político, racional e técnico, instrumentalizando o território.” (BECKER, 1991, p. 48), sendo assim a construção do Estado esta em controlar seu território e o projeto geopolítico de modernidade fortaleceu este ideal que utilizou o discurso do desenvolvimento dentro do discurso da unidade nacional para a legitimação do processo industrial de modernidade do Estado. Como discurso da integração nacional assumiu-se uma nova forma da relação do Estado com o território, consolidando uma estratégia de desenvolvimento econômico, onde o Estado amplia a intervenção para controle do espaço brasileiro, e em especial no espaço Centro-Oestino. O desenvolvimento econômico constituiu-se em um dos assuntos que adquiriu destaque nas agendas internas e externas de cada Estado. Ao mesmo tempo, atores nacionais e internacionais surgiram a partir desta problemática. Esta diversidade de interesses se traduziu por diferentes linhas planejamento no que se refere à discussão do crescimento da atividade agrícola e pecuária, principalmente naqueles países que vem adquirindo contornos internacionais e delineando uma nova política de dependência, desde o pós Segunda Guerra, que está sendo traçada entre os países que possuem recursos naturais ou potencialidade de inserção de novos espaços produtivos para o capital; e entre os países que detêm capital e a tecnologia para exploração destes recursos. É a partir deste contexto que a questão da modernização e expansão da atividade agrícola e pecuária vem adquirindo maior importância. Países em vias de desenvolvimento, como o Brasil, termo criticado por Castoriadis (1987, p. 136) , já explicitado, teriam que dispor de espaços e produtos aceitos, internacionalmente, para poderem participar, como fonte de exploração da política mundial. O planejamento econômico, ideário que justificaria o desenvolvimento permitiu ao capital internacional redefinir o espaço Centro-Oestino e o território sul-mato-grossense, onde a agropecuária teria o papel de produzir excedentes, gerar recursos para financiar o próprio desenvolvimento e abastecer a sociedade urbano-industrial de carne e grãos. A ocupação do espaço Centro-Oestino no contexto da política de integração nacional permitiu a este uma posição de extensão do Sudeste via agricultura, o que consolidou a inserção econômica da região na estruturação e configuração de em espaço geográfico nacional. Além disto, nos anos 50 ocorreram projetos de colonização que estariam de acordo com o processo de ocupação e com as políticas desenvolvimentistas nacionais e regionais, com os discursos de ocuparem vazios, com a ampliação de gêneros alimentícios para abastecer os centros urbano-industriais. Cabe destacar que os projetos de colonização dos “espaços vazios” representaria uma solução momentânea para o Estado, conforme Abreu “O processo de colonização em pauta representaria uma válvula de escapa, na medida em que tinha como um dos objetivos, absorver os excedentes demográficos das áreas rurais mais valorizadas do Sul e Sudeste do país. Ao mesmo tempo, contribuía para preservar a antiga estrutura agrária nacional e esvaziar a discussão em torno da reforma agrária, ao conduzir trabalhadores rurais sem-terra e/ou expropriados para as terras de ninguém” (ABREU, 2001, p. 12). Neste contexto, o sul de Mato grosso do Sul, em especial a cidade de Dourados apresentou nos anos 50 e 60 um elevado processo de crescimento econômico e populacional, baseado em estímulos governamentais. Verifica-se ainda a presença de grandes propriedades rurais, onde o conjunto de estímulos fiscais e a política de créditos administrados, pela SUDECO, permitiram a concentração de terras pelas possibilidades abertas para a agropecuária moderna e a agroindústria. Affonso ainda diz que essa fase da ocupação do Centro-Oeste como presença maciça de grandes empreendimentos capitalistas, largamente subsidiados pelo sistema de créditos e benefícios fiscais voltados fundamentalmente para a atividade 3
  • 4. de pecuária extensiva e de algumas culturas de exportação (soja, café, arroz, algodão e milho). (AFFONSO, 1995, p. 159). A própria criação da SUDECO confirmava a existência de uma racionalidade dirigida e introduzida como pensamento ideológico dominante, e que foi propagada através de seus planos, tratava-se da incorporação de novos territórios às novas demandas do capitalismo mundial e das corporações multinacionais. Durante os anos 70 a modernização do campo trouxe para o espaço sul-mato-grossense uma nova gleba de mão-de-obra que permitiu a formação de novas cidades, que do dia para noite surgiram, como Glória de Dourados e Nova Andradina, incorporando-se ao sistema produtivo dominante. No Mato Grosso do Sul, com as mudanças de caráter fortemente empresarial capitalista no campo a partir dos anos 70, ocorreu uma forte concentração fundiária, facilitada pelo preço da terra, dá época, política e créditos governamentais. Cabe ressaltar que o preço da terra nos anos 70 correspondia a um quinto do preço da terra, por exemplo, no Sul e Sudeste do país, isto também justificava o avanço da fronteira agrícola para o espaço Centro-Oestino. A partir dos anos 80, o preço da terra no espaço sul-mato-grossense já não seria tão desproporcional em relação ao Sul e Sudeste do país. Neste contexto a cidade de Dourados se destacou por sua posição, que pela situação geográfica, quer pelo forte setor de serviços agrocomerciais que ali passou a ser implantado e iria exercer uma função de comando. A ação governamental no espaço douradense se fez presente, via SUDECO, com o PRODEGRAN – Programa de Desenvolvimento da Grande Dourados (1976), que tinha como suas metas a construção de rodovias (vias de escoamento), estradas rurais, linhas de transmissão de energia elétrica, construção de armazéns, permitindo elevar a capacidade de armazenamento. Dentre as justificativas pela SUDECO de promover o PRODEGRAN, existia o fato de a cidade de Dourados se encontrava em acelerado processo de ocupação econômica, dispunha de potencial imediato de aproveitamento, seja natural ou humano, proximidade de mercado e dinamismo empresarial, configurando assim condições excepcionais para o aumento dos níveis de produção e produtividade agrícola. Enfim, era objetivo do governo federal assegurar uma infra-estrutura que garantisse um processo do dinamismo agropecuário, uma vez que este setor teria enorme peso na construção econômica do Brasil, dentro do projeto desenvolvimentista e de integração nacional. O PRODEGRAN tinha dois objetivos principais, conforme o II Plano Nacional de Desenvolvimento, conquistar novas áreas e sua incorporação ao processo produtivo, com elevados níveis de produtividade, mediante ao uso de tecnologia moderna tecnologia. Dentro desta complexidade sócio-econômica ocorreu a formação e expansão da atividade agrocomercial, que foi incorporada ao sistema capitalista agrário, dentro do projeto de desenvolvimentista do país. É refletindo nesta contextualidade que a atividade comercial ligada diretamente à modernização do campo é, ao mesmo tempo, complementar e necessária no espaço Centro-Oestino, ao seu complexo agroindustrial, que tem de adquirir novas funcionalidades, conforme Rangel, que afirma: Para que a indústria possa efetivamente substituir a agricultura na tarefa de converter os produtos primários em produtos acabados, deve não apenas acumular um capital importante, como principalmente um capital constituído por bens de natureza especial – máquinas e instalações de tipo diferente das anteriores usadas (em âmbito rural). Isso significa dizer que o desenvolvimento é limitado pelo suprimento de bens de produção de novo tipo. (RANGEL, 1982, p. 40). Isto nos permite realizar uma ligação bastante complexa entre a agricultura, industria e a atividade comercial, onde é cada vez mais significativa a interação desses setores. Ao analisar a política de planejamento e desenvolvimento regional brasileiro, no que se refere ao espaço Centro-Oestino, em especial o sul de Mato Grosso do Sul, no município de Dourados, para as questões de avanço e crescimento da atividade comercial, destinada ao fornecimento e abastecimento de mercadorias e insumos, termo que denominei agrocomércio, à própria atividade agrícola e de pecuária, e em forma 4
  • 5. indireta, as plantas industriais ali existentes e seus reflexos socioeconômicos, possibilitando sua importância econômica estratégica para os setores envolvidos e o desenvolvimento regional. A busca da compreensão entre a relação da modernização do campo, a expansão do agrocomércio e a produção do espaço douradense, que unidos, fomentam o objeto deste estudo. CONSIDERAÇÕES FINAIS A formação do espaço Centro-Oestino contemporâneo está diretamente ligado ao projeto de desenvolvimento implantado e planejado pelo Estado, utilizando-se de uma racionalidade econômica, onde o território foi incorporado ao sistema capitalista internacional. A modernização agrícola trouxe para o espaço Centro-Oestino uma dinâmica econômica e populacional expressiva, através do Plano Nacional de Desenvolvimento. Dentro deste plano ficou evidenciada a intenção de auferir o desenvolvimento como objetivo único, de modo que as ações propostas conduziram apenas para o crescimento econômico, obtido graças à possibilidade de obtenção de mais-valia e barateamento de custos, conseqüências das infra-estruturas e subsídios assumidos pelo Estado. Nesse contexto, os Programas Especiais, exemplo PRODEGRAN, refletiram exatamente os interesses apontados, de modo que suas ações teriam implicação direta ou indiretamente na produção de carne e grãos. A formação do território sul-mato-grossense foi realizada dentro dos objetivos e modelos que interessava ao capital nacional e internacional. Sua configuração espacial e seus reflexos sócio- econômicos, por exemplo, a concentração de terras, é conseqüência de uma política do próprio Estado. Em Dourados – MS, esta relação ficou explicita em sua configuração territorial e na formação e influência econômica da cidade na porção sul de Mato Grosso do Sul. Em observação ao Censo Agropecuário de 1995, em termo quantitativos, necessários para a compreensão atual da expressiva mecanização do campo em Dourados, do total de 13.230 máquinas para plantio do total estadual 5.819, um número bastante expressivo, concentra-se na cidade. Quando se refere a máquinas para colheita a situação é ainda mais concentradora, do total de 4.944 existentes no estado 2.495 estão na cidade de Dourados (IBGE, 1995-1996) . Isto se reflete na atividade agrocomercial, que sustenta logisticamente a agropecuária, pois diversas unidades agrocomerciais estão instaladas na cidade, e dão suporte para a atividade agropecuária, cabe ressaltar que este suporte não é exclusivo da cidade de Dourados, é mais abrangente, envolvendo municípios em seu entorno. O Agrocomércio em Dourados representa muito mais que trabalho e renda, representa uma esfera de influências em cidades próximas, em cadeia produtivas agropecuárias, que direta e indiretamente dependem desta atividade para o crescimento da própria atividade agropecuária. Este projeto de pesquisa esta em fase inicial no programa de mestrado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, campus Dourados, dentro do eixo de Desenvolvimento Regional. Dados sobre o agrocomércio e sua historicidade no espaço douradense ainda serão compilados e contextualizados. Entretanto, não podendo desconsiderar a importância do agrocomércio na formação do próprio espaço douradense, nem seus reflexos políticos-sociais. Bibliografia ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo, Editora da Unicamp, 1998. ABREU, Silvana de. Planejamento Governamental: a Sudeco no espaço mato-grossense. Contexto, propósitos e contradições. São Paulo, USP, 2001. AFFONSO, P. A. Federalismo no Brasil: desigualdades regionais e desenvolvimento. São Paulo, FUNDAP, Editora Unesp, 1995. 5
  • 6. BECKER, Bertha K. In: Espaço e Debates 32. Modernidade e gestão do território no Brasil: da integração nacional à integração competitiva. Revista de Estudos Regionais e Urbanos, Ano XI, 1991. CASTORIADIS, C. As encruzilhadas do labirinto 2. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. IBGE. Censo Agropecuário de 1995 – 1996 OLIVEIRA, Ariovaldo de. A Agricultura camponesa no Brasil. São Paulo, Editora contexto, 2001. OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. “Agricultura brasileira: transformações recentes” in ROSS, Jurandyr S. (org.), Geografia do Brasil. Edusp, 1996. RANGEL, Ignácio. Ciclo, tecnologia e crescimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. Urbanização e Modernização Agrícola Apesar das diferentes taxas regionais de urbanização apresentadas na tabela abaixo, podemos afirmar que o Brasil, hoje, é um país urbanizado. Com a saída de pessoas do campo em direção às cidades, os índices de população urbana vêm aumentando sistematicamente em todo o país ao ponto de a Região Norte, a menos urbanizada, apresentar o significativo índice de 59% de população urbana. Desde os primórdios do processo de povoamento, as cidades se concentravam na faixa litorânea, mas, a partir da década de 60, passaram por um processo de dispersão espacial, à medida que novas porções do território foram sendo apropriadas pelas atividades agropecuárias. BRASIL : TAXA DE URBANIZAÇÃO POR REGIÕES (%) Região 1950 população urbana 1970 população urbana 1995 população urbana Sudeste 44,5 72,7 88,33 Sul 29,5 44,3 77,26 Nordeste 26,4 41,8 63,00 Centro-Oeste 24,4 48,0 81,33 Norte 31,5 45,1 N/D Brasil 36,2 55,9 78,98 6
  • 7. (Anuário Estatístico do Brasil, 1994./PNAD, 1995.) Atualmente, em lugar da velha distinção entre população urbana e rural, usa-se a noção de população urbana e agrícola. É considerável o número de pessoas que trabalham eme atividades rurais e residem nas cidades. As greves dos trabalhadores bóia-frias acontecem nas cidades, o lugar onde moram. São inúmeras as cidades que nasceram e cresceram em áreas do país que têm a agroindústria como mola propulsora das atividades econômicas secundárias e terciárias. Em virtude da modernização do campo, verificada em diversas regiões agrícolas, assiste-se a uma verdadeira expulsão dos pobres, que encontram nas grandes cidades o seu único refúgio. Como as indústrias absorvem cada vez menos mão-de-obra e o setor terciário apresenta um lado moderno, que exige qualificação profissional, e outro marginal, que remunera mal e não garante estabilidade, a urbanização brasileira vem caminhando lado a lado com o aumento da pobreza e a deterioração crescente das possibilidades de vida digna aos novos cidadãos urbanos. Os moradores da periferia, das favelas e dos cortiços, têm acesso a serviços de infra-estrutura precários (saneamento básico, hospitais, escolas, sistema de transporte coletivos etc.). O espaço urbano, amplamente dominado pelos agentes hegemônicos, que impõem investimentos direcionados para seus interesses particulares, está organizado tendo em vista o tráfego de veículos particulares, a informação, a energia e as comunicações, relegando os investimentos sociais e, assim, excluindo os pobres da modernização. O espaço urbano, quando não oferece oportunidades, multiplica a pobreza. Técnicas primitivas Agricultura Sustentável José Augusto Pádua* , CPDA/UFRRJ A Formação da Agricultura Brasileira : Uma Herança Predatória A incorporação do atual território brasileiro na economia-mundo moderna, a partir do século XVI, se deu basicamente através da agricultura. Ao contrário do que ocorreu na América Latina de colonização espanhola, onde os conquistadores encontraram minerais preciosos ainda nas primeiras décadas da sua chegada, no caso do Brasil a mineração começou a ocorrer com mais intensidade apenas duzentos anos após a conquista portuguesa. A fundação do novo país, portanto, foi marcada pela exploração da biomassa vegetal. Para entender esse processo é preciso lembrar que o litoral brasileiro estava coberto por uma enorme muralha verde, que representava a parte mais visível dos 110 milhões de hectares de Mata Atlântica e 400 milhões de hectares de Floresta Amazônica então existentes. Além disso, adentrando-se no interior do território abria-se um universo de mais de 200 milhões de hectares de Cerrados. Aos olhos dos europeus, acostumados a gerir um espaço de dimensões muito mais modestas, esses biomas apareciam como horizontes praticamente sem limites. O choque entre esse * 7
  • 8. contexto de abundancia ecológica e a motivação de ganho imediato típica de uma colônia de exploração deu origem a um modelo predatório de agricultura que dominou todo o período colonial, permaneceu dominante nas décadas da monarquia independente e ainda hoje, apesar das mudanças tecnológicas e da diversificação produtiva ocorridas no século XX, continua exercendo forte influencia sobre as mentalidades e as práticas no campo brasileiro. Tal modelo – fundado na grande propriedade, na monocultura de exportação e no trabalho forçado dos escravos – caracterizou-se, na sua dimensão ambiental, por três princípios básicos: 1) a sensação de inesgotabilidade dos recursos naturais, b) uma postura destrutiva e parasitária diante desses recursos, origem de tecnologias descuidadas e extensivas e 3) a pouca atenção para com a biodiversidade e a especificidade ecológica do ambiente tropical (Pádua, 2002). A imagem de uma fronteira sempre aberta ao avanço horizontal da produção minimizava a importância do cuidado ambiental. A impressão vigente era de que sempre haveria terra e recursos para serem explorados mais adiante. Na medida em que os solos agrícolas e pastoris tornavam-se estéreis, a fronteira avançava em direção às florestas e aos campos ainda intactos. Este nomadismo predatório garantia uma certa continuidade na economia e na estrutura social do país, não obstante os muitos casos de fazendas que foram abandonadas por haverem atingido o limite da sua capacidade de sustentação ecológica. A facilidade com que a elite podia obter novas terras, seja pela simples ocupação ou pelo recebimento de sesmarias, estimulava ainda mais essa dinâmica. Os colonizadores multiplicaram o impacto da tradicional tecnologia indígena da coivara (roça e queima em pequena escala), aplicando o fogo em espaços muito mais extensos e com intervalos de tempo muito menores. A queima das florestas e campos foi o método amplamente dominante de preparo da terra para o plantio e a criação até o XX. Ao invés de adubar o solo, para conservar sua fertilidade, optava-se por queimar progressivamente novas áreas de matas, uma vez que a riqueza das suas cinzas garantia boas colheitas por dois ou três anos, após o que a terra ficava estragada e ocupada por ervas e formigas. Ao invés de promover o replantio dos pastos, já que os campos naturais se degradavam após um ou dois ciclos de pastoreio, optava-se por incendiá-los, na expectativa de que o fogo fortalecesse o crescimento das ervas comestíveis e garantisse alguma sobrevida ao rebanho. O apartamento geográfico entre a lavoura e a criação, com a concentração dos rebanhos nas áreas mais afastadas da costa, dificultava a adoção de formas de consorcio e manejo diferentes do uso do fogo. Apesar da agricultura brasileira original ter incorporado alguns elementos da biodiversidade local, como a mandioca e o tabaco, a grande produção comercial foi dominada pela introdução de espécies exóticas, como a cana e o café. Assim como a criação foi dominada pela introdução de animais que não existiam nos ecossistemas nativos, como os bois, os cavalos e os porcos. O interesse pela floresta tropical estava principalmente na grande oferta de biomassa para ser queimada e não no seu potencial de uso múltiplo. A formula mais sucinta e cabal da agricultura predatória na formação do Brasil foi elaborada pelo padre jesuíta Antonil em 1711, no seu livro “Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas”: “feita a escolha da melhor terra para a cana, roça-se, queima-se e alimpa-se, tirando-lhe tudo o que podia servir de embaraço” (Antonil, 1976: 102). A floresta tropical, com toda a sua riqueza e diversidade, representava pouco mais do que um “embaraço”. Os complexos de produção rural no Brasil, até as primeiras décadas do século XX, criaram uma espécie de arquipélago de regiões voltadas para o mercado externo, onde populações direta ou indiretamente ligadas às grandes propriedades viviam uma existência isolada e politicamente dependente dos poderosos locais. Nas fronteiras da grande agricultura comercial de exportação, no entanto, ou em áreas mais isoladas dos sertões, formou-se um universo de moradores, parceiros, 8
  • 9. posseiros e pequenos proprietários que praticava uma agricultura de abastecimento. Valendo-se de técnicas indígenas ou empíricas, usando mão de obra familiar ou de mutirão, mais abertos para o potencial múltiplo do ambiente, eles deram origem a uma agricultura familiar rústica que até hoje está presente em algumas regiões (Schmidt, 1958 e 1976). É preciso considerar, além disso, que em algumas sub-áreas produtivas surgiram unidades de tamanho médio, muitas vezes usando mão de obra escrava, voltadas para produção para o mercado interno nos séculos XVIII e XIX. Essas áreas chegaram a criar rotas internas de abastecimento que cruzavam diferentes regiões, como no caso da agropecuária em Minas Gerais e das fazendas de charque no Rio Grande do Sul (Fragoso, 2002) . Na virada do século XIX para o XX, além disso, o crescimento da imigração de colonos europeus, especialmente na região Sul, abriu novos horizontes para a formação da agricultura familiar e da pequena propriedade, que até hoje se faz presente no Brasil. Aspectos da formação do espaço agrário brasileiro Domingos Nascimento Silva* Em seu estado da natureza o homem viveu sem organização de relações entre si ou com instituições; com a evolução o homem passou ao estado da sociedade civil, com o estabelecimento de regras de convivência e instituições. A questão da posse e propriedade da terra insere-se nestes estágios evolutivos, sendo que após o período do nomadismo ela passou a ser fator de disputa na fixação em determinada região, e importante para a sobrevivência de civilizações. Os conceitos solo e terra não são iguais. O solo é um corpo natural que resulta da ação de fatores como o clima, os organismos e o tempo, sobre a rocha matriz, em determinada condição de relevo. A interação do solo com o meio que o cerca define a terra; o conceito terra abrange, portanto, não apenas o solo, mas outros elementos como localização, relevo, vegetação, erosão e clima. A atividade agropecuária apresenta peculiaridades em relação às outras atividades econômicas, e em especial em relação à indústria, destacando-se entre elas o fato de que o meio de produção fundamental na agropecuária, a terra, não pode ser multiplicado pelo homem, da maneira como ocorre com as máquinas e outros fatores de produção; devido a isto, a sua apropriação histórica assume uma importância fundamental. Houve um grande desenvolvimento da Agronomia nas últimas décadas, permitindo inclusive que com a hidroponia sejam realizados cultivos em soluções nutritivas, sem o uso do solo; entretanto, o cultivo hidropônico se dá de forma limitada em relação às espécies, estruturas das plantas e resultados econômicos. Este artigo analisa o processo de formação do espaço agrário brasileiro, a partir da descoberta, colonização e ocupação do País, apresentando os principais fatos que nortearam a organização do território. Os fatos mais recentes, ocorridos neste século, já numa perspectiva de correção dos problemas da estrutura agrária formada, também são analisados. A COLONIZAÇÃO E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO AGRÁRIO BRASILEIRO Na expansão do comércio marítimo de Portugal houve o descobrimento do Brasil, que passou a ser uma importante colônia, contribuindo para a manutenção de Portugal em posição destacada no cenário mercantilista europeu. A fase inicial da colonização brasileira é marcada pela implantação do sistema mercantil, com a existência de relações escravistas, em um País habitado por indígenas em estado primitivo de organização social e produtiva. 9
  • 10. No período de 1500 a 1530 estabeleceu-se no Brasil a fase de escambo, predominando as atividades extrativistas, principalmente do pau-brasil. As áreas com o pau-brasil eram arrendadas a particulares, com a reserva do monopólio real; este sistema foi substituído pela liberdade comercial e o pagamento de um quinto dos produtos exportados. Com os índios realizava-se a troca do pau-brasil e madeiras finas para marcenaria, que eles forneciam, por objetos como machados, foices, facões, anzóis, pentes e espelhos, de pequeno valor monetário. Seguiu-se à fase de escambo o regime das sesmarias, durante o período de 1530 a 1822. Este regime foi utilizado em Portugal em 1375, a partir de uma crise agrícola, e objetivava o cultivo obrigatório das terras incultas. As sesmarias funcionaram em Portugal, o mesmo não acontecendo no Brasil, em que houve desvirtuamentos, com o benefício de uma minoria e gerando a grande propriedade improdutiva. No Brasil o compromisso de tornar produtivas as grandes áreas recebidas não era cumprido, e a dimensão continental da colônia tornava a fiscalização muito difícil. O rei de Portugal instituiu o sistema de capitanias hereditárias para o Brasil, em 1534, com a divisão da colônia em quinze lotes, que foram distribuídos entre doze donatários, que tinham poderes para conceder terras como melhor lhes convinham, apenas recolhendo o dízimo à Ordem de Cristo, que era administrada pelo rei de Portugal. Houve prosperidade em apenas duas capitanias hereditárias, as de São Vicente e de Pernambuco, com os comandos de, respectivamente, Martim Afonso de Souza e Duarte Coelho; favorecidas com o desenvolvimento da lavoura canavieira, a paz com os indígenas, e a excelente administração, incluindo o recebimento de investimentos de capital europeu. Com o fracasso do sistema de capitanias hereditárias, o rei de Portugal, buscando impulsionar a colonização, criou o Governo-Geral, que funcionaria como um órgão de coordenação das capitanias hereditárias; não se verificou mudanças significativas no sistema de distribuição das terras. Verificou-se durante o regime das sesmarias no Brasil o desenvolvimento do sistema de posses, em função de necessidades econômicas e sociais. Este sistema não tinha amparo legal, e envolvia inicialmente populações pobres; entretanto, com o fim do regime das sesmarias, que ocorreu a partir do fim do período colonial, este sistema passou a abranger grandes áreas de terra. Prado Júnior (1987) observa que o acentuado grau de concentração fundiária no Brasil resulta da natureza da economia constituída com a colonização e ocupação progressiva do território, baseada na grande propriedade e no estabelecimento de atividades mercantis. A colônia deveria cumprir o papel de fornecer em larga escala produtos primários aos mercados europeus. Em INCRA (1987) é assinalado que não existe um levantamento completo das doações de terras ocorridas no período das sesmarias no Brasil. Para o Estado da Bahia, é mencionada nesta publicação, como a mais importante doação, a concedida ao armador-mor D. Álvaro da Costa, denominada de capitania de Peroaçu, envolvendo todo o território entre as barras do Paraguaçu e o Jaguaribe. É citada ainda como importante, a doação da Ilha de Itaparica, ao Conde de Castanheira. Também é observado que a pecuária acentuou a tendência à formação de imensas propriedades e a sua concentração nas mãos de poucas pessoas; com o extenso sertão baiano, nos séculos XVI e XVII, estando sob o domínio de apenas duas famílias, a Casa da Torre e os Guedes de Brito. A agricultura de subsistência enfrentou muitas dificuldades no processo de colonização e ocupação do território brasileiro, mas se tornou, com o decorrer dos séculos, em importante atividade para parcela significativa da população rural. A agricultura de subsistência desenvolveu-se nas grandes áreas das monoculturas e da pecuária extensiva, e também em unidades pequenas, em que o proprietário ou o ocupante trabalhavam diretamente a terra, normalmente em áreas de qualidade inferior e distante dos centros urbanos. 10
  • 11. Sodero (1982) observa que o Estatuto da Terra, e o Direito Agrário brasileiro, fundamentam-se na doutrina da função social da propriedade, segundo a qual toda a riqueza produtiva tem uma finalidade social e econômica, e aquele que a detém deve fazê-la frutificar, em benefício próprio e da comunidade em que vive. A terra rural, portanto, não é um direito individualista, devendo gerar produtos agropecuários, agro-industriais e empregos, preservando o equilíbrio ecológico. Esta doutrina, anteriormente um princípio, não é recente no mundo, tendo sido exposto inicialmente, de forma simples, na antigüidade grega por Aristóteles, e já no século XIII estas idéias iniciais foram cristianizadas por Santo Tomás de Aquino, com a afirmação de que "cada coisa alcança sua colocação ótima, quando é ordenada para seu próprio fim''. Entretanto, estes fundamentos foram pouco usados no decorrer dos séculos anteriores ao atual, apesar de serem até lembrados em algumas ocasiões, como por exemplo na concessão das sesmarias no Brasil, em que fora estabelecido que se destinassem áreas de terras que um homem pudesse explorar com os recursos disponíveis, e determinado um tempo para que isto efetivamente ocorresse, caso contrário a doação seria cancelada; observa-se aí a busca do cumprimento da função social da propriedade, que infelizmente não chegou a existir na acepção da expressão. Na Constituição brasileira de 1934 é introduzida a doutrina da função social da propriedade, um pouco tardiamente pois outras cartas magnas da América Latina já a haviam adotada desde 1919. O Estatuto da Terra, Lei n° 4.504, de 30 de novembro de 1964, apresenta os fundamentos da área agrária no Brasil. Vários países da América Latina haviam se comprometido na Conferência de Punta del Este, em 1960, a realizar a Reforma Agrária, entre eles o Brasil. Havia no País uma mobilização intensa de trabalhadores rurais reivindicando a realização da Reforma Agrária. O Governo do Marechal Castelo Branco criou um grupo de trabalho em 1964, que elaborou o Estatuto da Terra, que não se limitou à Reforma Agrária, abrangendo a área de desenvolvimento rural. Esperava-se ações significativas para resolver o problema da desigualdade da distribuição das terras, mas as ações voltaram-se para as áreas cadastral, tributária e de colonização, e de modernização da agropecuária, esta ocorrendo nas grandes e médias propriedades. Sobre a doutrina da função social da propriedade, o Estatuto da Terra estabelece no seu artigo segundo que: atuto da Terra estabelece no seu artigo segundo que: A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias; b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) assegura a conservação dos recursos naturais; d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivam. Verifica-se que o cumprimento da função social presente no Estatuto da Terra, e nas demais legislações da área agrária, abrange aspectos da produção da atividade, da conservação e preservação do meio ambiente, e das relações de trabalho e de convivência entre as pessoas no imóvel rural. A Constituição brasileira de 1988 dedica o Capítulo III, do Título VII, à Política Agrícola e Fundiária e à Reforma Agrária. Entretanto, as ações na área agrária tiveram dificuldades de implementação, só reduzidas com a aprovação da Lei n 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, que regulamentou disposições 11
  • 12. sobre a Reforma Agrária contidas neste Capítulo; e as aprovações que se seguiram de outras legislações. No início da década de oitenta havia uma mobilização de trabalhadores rurais no Brasil, reivindicando a realização da Reforma Agrária; a luta dos trabalhadores rurais nesta época contribuiu para a formulação do I Plano Nacional de Reforma Agrária PNRA, aprovado pelo Governo Federal em outubro de 1985. Entretanto as ações de Reforma Agrária com o IPNRA foram pequenas. Apenas a partir de 1995 é que se inicia no Brasil um programa de distribuição de terras que pode ser considerado, ao mesmo tempo, significativo, relativamente ao que foi feito historicamente, mas ainda pequeno, considerando a dimensão do problema agrário do País. Deve-se ressaltar que o conceito Reforma Agrária abrange um conjunto de medidas, incluindo o acesso dos trabalhadores rurais à terra, e outras que permitam o desenvolvimento local e regional. Durante o processo de colonização e ocupação do território brasileiro não houve mecanismos para impedir a concentração de terras, nem o País realizou a Reforma Agrária para corrigir as distorções formadas nesta área. Com o argumento da superioridade tecnológica da grande produção capitalista e da sua capacidade de atender eficientemente a toda demanda de alimentos e matérias primas agrícolas, questiona-se nas discussões atuais que o Brasil teria perdido a oportunidade histórica de realizar a Reforma Agrária. Entretanto, o País apresenta o recurso terra em abundância, cujo acesso deve ser democratizado, resolvendo um processo histórico de concentração. A grande atividade agropecuária, com o uso de tecnologia avançada, não é a única via a ser percorrida, inclusive porque os aspectos de viabilidade econômica, sustentabilidade ambiental e impacto social, devem ser considerados conjuntamente, não se enfatizando alguns aspectos e desconsiderando outros. A pequena produção deve ser apoiada, com o agricultor utilizando tecnologias apropriadas, e passando por um processo de crescimento técnico, econômico e social. O Brasil apresenta uma distribuição desigual do recurso terra, fato evidenciado em pesquisas realizadas sobre o tema. Tal questão não é recente, e resulta do processo de colonização e ocupação do território, tendo sido analisado neste artigo. O programa de Reforma Agrária em execução no Brasil tem permitido para muitos trabalhadores rurais o acesso à terra. Possibilitar aos assentamentos de Reforma Agrária criados, a viabilidade econômica, social e ambiental, é fundamental, atingindo com isto os objetivos da Reforma Agrária, e impedindo que ocorram processos de reconcentração no espaço agrário do País. Bibliografia: André Meuren Parente. (mestrando - UFMS). indoafundo.com 12