Este trabalho apresenta uma análise da ocupação residencial Jardim Sevilha em Belém, Pará. Em três frases:
1) Discute como termos como "favela" e "exclusão" são usados de forma ideológica para descrever as comunidades de baixa renda, ignorando a complexidade da questão da moradia nessas áreas.
2) Apresenta a história da formação territorial de Belém e como a cidade se transformou de uma pequena vila provincial para uma metrópole regional, incluindo o processo de verticalização e mig
A favelização promove a expansão territorial no sítio urbano de Belém
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE GEOGRAFIA
T R A G É D I A A N U N C I A D A:
“A FAVELIZAÇÃO PROMOVE A EXPANSÃO TERRITORIAL NO
SÍTIO URBANO DE BELÉM”
EDER JÚNIO LIBÓRIO
Belém – Pará
2002
2. 2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE GEOGRAFIA
T R A G É D I A A N U N C I A D A:
“A FAVELIZAÇÃO PROMOVE A EXPANSÃO TERRITORIAL
NO SÍTIO URBANO DE BELÉM”
EDER JÚNIO LIBÓRIO
97035005–01
BANCA EXAMINADORA
_______________________________ Conceito : ___Bom__________
Prof. Msc. Pedro Rocha Silva
_______________________________ Conceito : ___Excelente______
Profª. Msc. Suelene Leite Pavão
_______________________________ Conceito : ___Excelente______
Prof. Dr. Roberto M. de Oliveira
Belém, 28 de Junho de 2002
3. 3
“Quando a discussão ética é feito isoladamente,
despolitiza o debate de projetos. A ética não deve ser o
centro, mas a base da discussão”
Tarso Genro –Porto Alegre/RS
4. 4
“A política nada tem haver com a sala de aula, pois
as virtudes da política são incompatíveis com as do
professor. E não se pode ser ao mesmo tempo homem de
ação e homem de pensamento”
Max Weber
5. 5
“È possível ser um bom cidadão sem possuir virtude;
contudo isso o faz apenas um homem de bem.”
Aristóteles
6. 6
DEDICATÓRIA
Dedico essa Monografia as mulheres mais importantes em minha vida:
1º - À Dona Angelina Maria de Jesus, por ser ela, a real responsável por
esse e todos os sucessos a que eu venha conquistar em minha existência,
pois seu carinho, educação, vivência familiar e exemplo de vida foram
fundamentais e estimularam minha perseverança e dedicação acadêmica
como o será em toda a minha vida. Todo aprendizagem de mundo me
transmitido amorosamente por minha amada Mãe adotiva, e todo o amor e
consideração dispensado a mim valem bem mais que todos os títulos que
eu possa a vir receber;
2º - À Dona Barbara de Jesus Libório, minha mãe biológica; sem ela minha
aventura na Terra não seria possível. Seu amor de Mãe, sua “garra”, força,
fé e história de vida me valem de inspiração a vencer todos os desafios
que cruza(re)m meu caminho sem fraquejar jamais;
3º - E por fim à minha adorada Consorte Srª. Darcilene Guerra da Silva,
que os cuidados, tolerância e amor dispensado me conduziram, e devem
conduzir-me durante toda a vida, a mais essa vitória, cujo todos os louros
devem ser imputados a valorosa e amada mulher, esposa, e em breve,
Mãe...
7. 7
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar à Deus que ofereceu a dádiva da
vida, e que me ilumina e me protege em todos os momentos, mesmo
aquele em que não mereço a sua infinita misericórdia;
Ao Departamento e Colegiado de Geografia e a Universidade
federal do Pará como um todo;
À Todos os Professores que se dedicaram em promover a
construção de meu conhecimento profissional e cidadão, em
especial a meus Orientadores Professores Roberto Monteiro de
Oliveira e Fátima;
Aos funcionários do Departamento Evaldo e Angela, que
servem de forma brilhante o Departamento e Laboratório de
Geografia da UFPA;
À todos os profissionais do Centro de Filosofia e Ciência
Humanas, na pessoa da Diretora do Centro Professora “Naná”;
Aos membros da Banca Examinadora, Professor e amigo Msc.
Pedro Rocha e a Professora e amiga Msc. Suelene Pavão;
À Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área
Metropolitana de Belém (CODEM) e a Primeira Comissão
Demarcadora de Limites (PCDL), respectivamente nas pessoas do
Sr. Nestor e Dalberson, que cordialmente nos cedeu as plotagens
das representações cartográficas presente na monografia;
Ao amigo e colega de profissão Danny Souza (o Índio da
Geografia), que editou os croquís existente na monografia, além
de ter sido durante todo o período acadêmico um excelente
companheiro;
Ao técnico de informática Júnior por ter reparado
voluntariamente nosso computador;
À todos os moradores do Conjunto Jardim Sevilha, objeto de
nossa pesquisa, e em especial aos Senhores Sidney Rocha, Alberto
Silva, João Vigílio, Altair Rocha, Sérgio das Vísceras e ao Sr.
Derocí L. do Nascimento (o Ceará), que gentilmente colaboraram
conosco sendo nossos informantes;
8. 8
À boa amiga Renata Paixão, cujo o exemplo de
companheirismo e lealdade fortalece nossa esperança num
mundo mais solidário e humano;
À amiga e camarada Regina, que sempre contagia com a vossa
alegria e ternura com que trata a todos em sua volta;
À todos os amigos (as) e companheiros (as) da “Turma do
Guati”, por ter nos proporcionado com que o período acadêmico
ter sido extremamente agradável, festivo e cheios de
“Imperatividade” positiva;
Aos amigos (as) veteranos (as), atuais geógrafos (as),
Expedito, Sueli, Fabiano Bringel, Braulio, Túlio, Fernanda, e em
especial, ao saudoso Márcio Gley, com quem compartilhei bons
momentos na academia, e cujo as atitudes e posturas inspiram-me a
um comportamento ético, a motivação e atuação político-social;
Aos colegas e companheiros do Diretório Central dos
Estudantes (DCE), com quem compartilhei a gestão do DCE da
UFPA do último ano;
À todos os colegas estudantes do curso de Geografia e a
todos que diretamente e indiretamente contribuíram para
elaboração desta monografia.
9. 9
ÌNDICE DE TABELA E DE QUADROS
1.0T A B E L A S
1.1 ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL POR RENDA....................................... 29
1.2 DISTRIBUIÇÃO GEO-ESTATÍSTICA DA POPULAÇÃO E DOS
DOMICÍLIOS DE BELÉM..................................................................... 75
1.3 PROCEDÊNCIA DOS MORADORES DO DISTRITO ADMINISTRATIVO
DO BENGUÍ – 1982............................................ 81
1.4 FORMA DE AQUISIÇÃO DO IMÓVEL (%)................................... 108
1.5 TEMPO DE MORADIA NO RESIDÊNCIAL (%)........................... 108
2.0 QUADROS
2.1 QUANTIFICAÇÃO E PERCENTUAL DOS INFORMANTES POR SEXO E
IDADE.................................................................................... 125
2.2 PROCEDÊNCIA NATAL MORADORES DO JARDIM SEVILHA 126
2.3 NÚMERO DE HABITANTES (POPULAÇÃO RELATIVA EM M²) POR
APARTAMENTO................................................................................. 128
2.4 PERCEPÇÃO DOS MORADORES QUANTO A QUALIDADE DE SUA
ALIMENTAÇÃO................................................................................. 130
2.5 PODER AQUISITIVO E/OU RENDA FAMILIAR DOS MORADORES DO
CONJUNTO.................................................................................. 131
2.6 RELAÇÃO DE TRABALHO EM QUE ESTÃO INSERIDOS OS
MORADORES DO SEVILHA........................................................... 131
10. 10
2.7 FORMA DE AQUISIÇÃO DO IMÓVEL......................................... 132
2.8 PERÍODO DE RESIDÊNCIA MORADORES DO CONJUNTO... 132
2.9 GRAU DE ESCOLARIDADE DA POPULAÇÃO SEVILHENSE. 133
2.10MOVIMENTO MIGRATÓRIO INTRA-URBANO (POR DISTRITO
ADMINISTRATIVO) REALIZADO PELOS MORADORES.......... 134
2.11GRAU DE SATISFAÇÃO (OU NÃO) DOS MORADORES PELO LOCAL
DE RESIDÊNCIA.................................................................. 135
2.12FATORES POSITIVOS E NEGATIVOS, INTERNOS AO CONJUNTO
IDENTIFICADO PELOS MORADORES..................................... 136
2.13NÍVEL DE PREOCUPAÇÃO DOS MORADORES PARA COM O FUTURA
DO CONJUNTO................................................................ 136
2.14SENTIMENTO SUBJETIVO DOS MORADORES PARA COM A
COMUNIDADE..................................................................................... 137
2.15GRAU DE PERCEPÇÃO DOS MORADORES QUANTO A ENTIDADE
REPRESENTATIVA LOCAL........................................................... 142
2.16GRAU DE REPRENTATIVIDADE DA ENTIDADE LOCAL (AMOJAS)
JUNTO AOS MORADORES............................................................... 142
11. 11
ÌNDICE DE FIGURAS
1.0 FIGURAS
1.1 MONUMENTO DO MARCO INSTITUCIONAL DA PRIMEIRA LÉGUA
PATRIMONIAL DO MUNICIPIO DE BELÉM........................................... 44
1.2 CONFIGURAÇÃO DO CENTRO COMERCIAL DE BELÉM.................. 54
1.3 LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DO MUNICÍPIO DE BELÉM............... 71
1.4 CROQUI DO DISTRITO ADMINISTRATIVO DO BENGUÍ.................... 82
1.5 PLANTA URBANA DA OCUPAÇÃO JARDIM SEVILHA E RESIDENCIAIS
ADJACENTES................................................................................................. 84
1.6 DELIMITAÇÃO DAS MICRO BACIAS HIDROGRÁFICAS DO DISTRITO
ADMINISTRATIVO DO BENGUÍ................................................................ 87
1.7 POÇOS ARTESIANOS. PROFUNDIDADE 12 METROS......................... 93
1.8 A PISTA PRINCIPAL ANTES DO SANEAMENTO (ASFALTAMENTO) 98
1.9 REDE DE ABASTECIMENTO ENERGIA ELÉTRICA REGULARIZADA 115
1.10FESTA DE INAUGURAÇÃO DA PISTA PRINCIPAL ASFALTADA PELO
ORÇAMENTO PARTICIPATIVO................................................................. 117
1.11FOTO AÉRIA DO CONJUNTO JARDIM SEVILHA................................ 124
1.12ESPAÇO INTERNO DOS APARTAMENTOS DE 40 M² CONSTRUÍDOS 128
1.13FOTO DA PISTA PRINCIPAL ANTES DE SER ASFALTADA.............. 139
12. 12
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS..................................................................................................... 01
1.0 REFERÊNCIAL TEÓRICO............................................................................................... 04
2.0 INVESTIGAÇÃO ETIMOGRÁFICA E FILOSÓFICA ACERCA DAS CATEGORIAS
E/OU PALAVRAS CHAVES FUNDAMENTAIS À MONOGRAFIA. ....................... 12
3.0 ORIGENS HISTÓRICA,JURÍDICA E SÓCIO-MATERIAIS DA QUESTÃO DA
MORADIA POR PARTE DA POPULAÇÃO DA BAIXA RENDA............................. 17
4.0 EXCLUSÃO OU SEGREGAÇÃO: TERMOS EM DISCUSSÃO.................................. 26
5.0 FAVELA: UM TERMO E UMA REALIDADE EM DISCUSSÃO............................... 30
6.0 DA BAIXADA A PERIFERIA DISTANTE: MIGRANTES EM BUSCA DE UM
LUGAR PARA SE VIVER............................................................................................... 41
7.0 RESGATE DA FORMAÇÃO TERRITORIAL DA CIDADE DE SANTA MARIA DE
BELÉM DO GRÃO PARÁ.............................................................................................. 57
8.0 PROCESSO DE VERTICALIZAÇÃO EM BELÉM: ORIGEM GEO-HISTÓRICA DA
FORMA DE MORADIA NA FAVELA EM ESTUDO.................................................. 76
9.0 FORMAÇÃO ESPACIAL E TERRITORIAL DO DISTRITO ADMINISTRATIVO
DO BENGUÍ....................................................................................................................... 79
10.0LOCALIZAÇÃO,ASPECTOS MORFOCLIMÁTICOS E AMBIENTAIS DA ÁREA EM
ANÁLISE.............................................................................................................................. 82
11.0CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E JURÍDICA DA CONFIGURAÇÃO E USO DO
SOLO DA ÁREACOMPREENDIDO PELO RESIDENCIAL JARDIM SEVILHA... 99
12.0ANÁLISE GEO-ESTATÍSTICAS SOBRE A PERCEPÇÃO COLETIVA DOS
MORADORES ACERCA DO JARDIM SEVILHA...................................................... 122
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................ .................................143
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................................ 153
ANEXOS...................................................................................................................................... 158
13. 13
RESUMO
A monografia que se apresenta objetiva a avaliação para a Conclusão do Curso de
Bacharel e Licenciado Pleno em Geografia realizado pelo Departamento de
Geografia do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do
Pará, onde nós utilizamos várias escolas do pensamento geográfico, e também
teorias e conceitos das mais diversas áreas do conhecimentos científicos.
Iniciaremos demonstrando que a lingüística sempre fora utilizada como instrumento
ideológico dos grupos sociais hegemônicos para manipular e conservar o status quo
e o poder sobre os seguimentos dominados. Discutiremos depois como a questão
da desigualdade sócio econômica se instalou, e tradicionalmente, se consolidou na
sociedade brasileira, concomitante a formação do território nacional. Veremos que
termos e entendimentos são erroneamente utilizados a fim de satisfazerem
interesses ideológicos, sendo que acabam banalizados sem que impactos sejam
sentidos na realidade sócio espacial. Iremos perceber como ocorreu a formação
territorial da cidade de Belém, e como uma cidade provinciana, construída sob uma
estratégia geopolítica militar se transforma em uma metrópole regional periférica na
economia global. Nos é explicitado a influencia do êxodo rural-urbano no processo e
na forma de ocupação e uso do solo do sítio urbano da Região Metropolitana de
Belém (RMB), e em uma escala intra-urbano reflete na configuração e estruturação
da área de expansão da RMB, em especial no Distrito Administrativo do Benguí.
Verificaremos os impactos ambientais negativos que esta forma irracional de
ocupação, sem um mínimo de manejo sócio ambiental, traz para o meio; e quais as
implicações deste processo para os homens que coabitam e se relacionam com
esses espaços geográficos degradados. Estudaremos o processo de espacialização
que, efetivamente, se evidenciou na área que compreende a ocupação clandestina
do Conjunto Jardim Sevilha, denotando quais interesses e causas que contribuíram
para a ocorrência de tal fenômeno. E por fim, nos dedicaremos a análise geo-
estatística da realidade contemporânea da área em estudo e dos sujeitos sociais
que a compõe, sendo que tentaremos propor alternativas de superação de algumas
questões intrínsecas a área, bem como identificaremos a percepção dos moradores
em meio a uma (re)territorialização forçada, e a uma árdua construção de uma
identidade urbana e industrial, tendo como complicador a nova ordem global imposta
14. 14
pela hegemonia da era técnico-científica e informacional, capitaneada pelas países
desenvolvidos e imperialistas.
ABRIDGEMENT
The monograph that comes objectifies the evaluation for the Conclusion of the
Course of Bachelor and Full Licentiate in Geography accomplished by the
Department of Geography of the Center of Philosophy and Human Sciences of the
Federal University of Pará, where we used several schools of the geographical
thought, and also theories and concepts of the most several areas of the scientific
knowledge. We will begin demonstrating that the linguistics had always been used as
ideological instrument of the groups social hegemonycs to manipulate and to
conserve the status quo and the power on the dominated followings. We will discuss
later as the economic inequality partner's subject he/she settled, and traditionally, he/
she consolidated in the Brazilian, concomitant society the formation of the national
territory. We will see that have and understandings are used erroneously in order to
they satisfy ideological interests, and they finish banalieds without impacts are felt
space partner in fact. We will notice as it happened the territorial formation of the city
of Belém, and as a provincial city, built under a strategy military geopolítics they
becomes an outlying regional metropolis in the global economy. It is we to explicit it
influences it of the rural-urban exodus in the process and in the occupation form and
use of the soil of the urban ranch of the Região Metropolitana de Belém (RMB), and
in an intra-urban scale he/she contemplates in the configuration and structuring of
the area of expansion of RMB, especially in the Administrative District of Benguí. We
will verify the negative environmental impacts that this irrational form of occupation,
without a minimum of handling environmental partner, brings for the middle; and
which the implications of this process for the men that cohabit and they link with
those degraded geographical spaces. We will study the espacialização process that,
indeed, it was evidenced in the area that understands the secret occupation of the
Conjunct Jardim Sevilha, denoting which interests and causes that contributed to the
occurrence of such phenomenon. It is finally, we will be devoted the geo-statistical
analysis of the contemporary reality of the area in study and of the social subjects
that it composes it, and we will try to propose alternatives of surmountion of some
intrinsic subjects the area, as well as we will identify the inhabitants' perception amid
a forced (re)territorialization, and to an arduous construction of an urban and
industrial identity, tends as complicator the new global order imposed by the
hegemony of the technician-scientific age and information, captained by the
developed countries and imperialists.
15. 15
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Adotamos, como objeto de pesquisa na elaboração de nosso trabalho
de conclusão de curso (TCC), a forma de ocupação clandestina, o uso do solo urbano e
os processos que configuram as áreas de expansão da Região Metropolitana de Belém
(RMB), tendo como ênfase a discussão sobre a (re)territorialização e a (re)construção
da identidade dos sujeitos responsáveis por essa espacialização, em virtude de sermos
um desses atores e morar em uma dessas ocupações.
Discutiremos, especificamente, o caso do Conjunto Residencial
Jardim Sevilha, onde residimos, e para tal lançamos mão de inúmeros instrumentos
informativos para subsidiar a construção do conhecimento sobre a área em questão,
desde artigos de jornais e entrevista com moradores pioneiros da área, passando por
um minucioso estudo bibliográfico acerca de teorias afins que oferecessem a devida
propriedade a pesquisa.
Teremos a presunção de apresentar-lhes alguns novos termos,
categoria e conceitos geográficos e/ou redefini-los; por exemplo: economia ilegal,
favela vertical, etc.; pois no decorrer da pesquisa percebemos a indispensável
necessidade de abordá-los, definindo-os de forma clara e contundente, para de posse
deles podermos melhor interpretar fenômenos sociais freqüentes no local, e que
refletem, em escala micro, a sociedade atual.
Partiremos da premissa de que a questão do uso e propriedade do solo
no Brasil tencionou consideravelmente a partir da promulgação da Lei da Terra em
1850, pelo Senado Federal, que definiu que a posse da propriedade e aquisição de
terras só poderia ser feito através da compra, salvaguardando algumas e limitadas
peculiaridades e direitos adquiridos, favorecendo consideravelmente os interesses dos
latifundiários da época.
16. 16
Desde então a questão imobiliária vem se acirrando década à década,
regime à regime, culminando em escala local e temporal, no fenômeno atual e
freqüente que ocorre nas áreas urbanas, a exemplo da ocupação do Conjunto Jardim
Sevilha, localizada no Distrito Administrativo do Benguí (DABEN), mais
especificamente no bairro Parque Verde, na cidade de Belém capital do Estado do
Pará.
Em virtude da impotência, até certo ponto proposital do Estado em
todo os seus níveis, para solucionar os problemas e desequilíbrios sócio-econômicos e
culturais causados pela herança colonial e agravados pelo sistema capitalista; as
mazelas sociais se ampliam e as contradições tornam-se mais complexas.
Sendo assim, os agentes modeladores do espaço urbano de baixa
renda são obrigados a se adequarem à realidade urbana, adversa à sua condição e
posição social, e a traçarem estratégias e ações alternativas de sobrevivência, que
geralmente confrontam com os interesses dos agentes hegemônicos e também com as
legislações vigente numa sociedade capitalista, “justificando” que por sua vez a
parcialidade das ações governamentais a favor dos modeladores abastados.
Tal processo de ocupação, configuração e uso do solo urbano
organizado por meio de diferentes agentes, relações, interesses e métodos, produz um
espaço complexo em sua forma, conteúdo e funcionalidade, e ainda repleto de
antagonismos, contradições e conflitos, devido sobretudo ao caráter dialético de sua
consolidação.
A fim de elucidar os fenômeno supracitados, nós realizamos uma
exaustiva pesquisa que buscou informações na história da cidade e/ou no seu processo
de formação territorial, explorando as respectivas implicações sócio-ambientais e
psicossociais que impuseram impactos a esse espaço geográfico e aos sujeitos que nele
habitam. Considerando que os fenômenos naturais não determinam o desenvolvimento
da história que os homens constróem onde habitam, contudo, reconhecendo que esses
17. 17
fenômenos impõe facilidades e dificuldades a adaptação dos grupos sociais que optam
em estabelecerem-se em um dado ambiente, portanto constituem-se em elementos
fundamentais a suas respectivas evoluções técnicas e de territorialidade, nós
procuramos também explorar as informações ecológicas e hidrogeomorfológicas que
nos conduzissem as respostas mais verossímeis e olísticas possíveis.
Houve também de nossa parte, uma grande preocupação quanto a
representação cartográfica local, que por sua vez foi trabalhada a fim de demonstrar
visualmente a realidade analisada, e para tal um importante instrumento utilizado foi a
ferramenta de software Auto Cad. R14 e Auto Cad. Map, e os demais instrumentos de
informática necessários a elaboração da pesquisa.
Enfim é sobre esses fenômenos sociais, ambientais e urbano que
iremos discorrer; buscando, por meio dessa monografia, a sua elucidação. A partir do
capitulo seguinte vocês poderão nos acompanhar neste debate científico, cuja a valia
reside em seu poder de refletir, com muita propriedade, uma realidade vivida, sentida e
percebida quotidianamente por muitos e, até hoje, compreendida por poucos,
elucidaremos fatores que, se considerados, servirão de instrumentos de aplicabilidade
real àqueles que se interessarem por trabalhar na promoção da melhoria da qualidade
de vida da população migrante, segregada, e empobrecida de nossas grandes cidades
metropolitanas...
18. 18
Capitulo I
REFERÊNCIAL TEÓRICO
Em termos de sustentação teórica, tentaremos fazer uso, o mais
amplamente possível, de todas as ramificações da ciência geográfica associando-a aos
mais diversos saberes interdisciplinares.
Ciente que a maior parte da população das grandes cidades industriais
européias do século XIX vivia em condições insalubres, situação esta criada pelo
desenvolvimento do capitalismo industrial, onde as disparidades entre o crescimento
econômico e a qualidade de vida eram explicita, na Amazônia como área de expansão
capitalista, as mesmas implicações foram sentidas.
Com intuito de mitigar estes impactos e de orientar o crescimento das
cidades, remediar os problemas sociais e condições inaceitáveis em que vivia a
maioria da população urbana, o Estado adotou o planejamento urbano, intervindo de
maneira direta através de construções, e indireta por meio de leis que “orientavam o
uso e ocupação do solo urbano”.
Assim o estado otimiza o uso e ocupação desse espaço no sentido de
ampliar seu poder de controle sobre o mesmo e seus habitantes, operação mascarada
pela concepção estética hegemônica e pelo discurso de salubridade e de atender os
anseios e problemas comuns, que naquele momento reproduz-e-ia no paradigma da
Belle Epoque. Esse por sua vez, era um modelo cultural, urbanístico-arquitetônico e
estético, que exaltava o requinte, o luxo e a ostentação, e fora adotado pela elite
Amazônida, que se caracterizava por valorizar os ideais e estilos diversos importados
e/ou influenciados do modos de vida vivenciados na Europa e, sobretudo, na França do
final do século XIX e início do século passado.
19. 19
Dessa feita os trabalhadores de baixa renda, durante todo o período do
século XX, foram cada vez mais empurrados para as periferias a fim de
“descongestionar/arejar” as áreas centrais das cidades, para facilitar a especulação
sobre os terrenos, assim o centro da cidade foi reorganizado segundo a lógica estética,
racional e funcional do poder, enquanto que a periferia serviria de “escória urbana;
como nos declara Lucci :
“(...) historicamente, a ocupação do solo urbano empurrou a
população mais pobre para a periferia ou para as áreas centrais
deterioradas, de acordo com a necessidade do planejamento urbano
(...)” ( 1997; pg. 211).
Entenda-se aí, a necessidade do planejamento urbano como as regras
do capitalismo irracional e/ou desumano, onde os interesses do Estado e das grandes
empresa, hoje as imobiliárias, são prioridades em detrimento das carências da parcela
majoritária da população.
“... A cidade, portanto resulta da utilização capitalista do espaço
físico, onde é a relação de mercado que controla a operação de
apropriação e uso dos espaços urbanos”... (id.)
Por outro lado, podemos contar com o chamado planejamento
participativo, que surge tardiamente em meados da década passada, regida sob uma
ótica mais justa e democrática, pode amenizar as disparidades e distorções do
urbanismo.
Segundo o que Pedro Demo nos revela, existe componentes
fundamentais ao planejamento participativo, são eles: o primeiro é o autodiagnóstico
ou consciência critica; que pode receber“(...) apoio externo de técnicos, professores,
pesquisadores, mas em ultima instância deve tornar-se apropriação da comunidade”
(1991; pg. 55). Ou seja, fatores externos que contenham a sabedoria popular, atendam
20. 20
as necessidades locais e, sobretudo estar de acordo com a manutenção do modo de
vida e cultura da comunidade em questão.
O segundo “(...) refere-se à formulação de estratégias de
enfrentamento dos problemas detectados, no sentido de unir teoria e prática: saber
para resolver” (id.).
E o terceiro é a necessária organização político-social para o
desenvolvimento das metas estabelecidas. Assim; Pedro Demo, definiu o planejamento
participativo como sendo:
“(...) a organização política competente de uma comunidade com
vistas a descobrir criticamente os problemas que a afetam e a
formular conjuntamente estratégias de solução, despertar para a
iniciativa própria e criando soluções possíveis.” (id.)
Durante muitas décadas o planejamento foi considerado o remédio
para todos os males que assolavam um espaço urbano; este era projetado (idealizado)
através de instituições estatais e segundo seus próprios interesses em detrimento da
localidade (comunidade) afetada, por isso mesmo observa-se, com freqüência, que os
moradores não se sentiam à vontade e reprovavam o ambiente projetado, haja vista que
não se identificavam com o mesmo, pois tais projetos eram elaborados sob total revelia
dos mesmos, devendo estes tão somente, ajustar-se ao plano preconcebido, devido a
prepotência, arrogância dos planejadores que subestimavam (e alguns ainda
subestimam) o valor da contribuição da comunidade e julgavam-se dotados de
completo arcabouço informativo e intelectual, e conhecimentos necessários para a
realização do projeto das supostas “cidades do futuro”.
Eram descartados fatores relacionados ao modo de vida, cultura, e as
necessidades reais da população, além de não ser reservado lugar ao imprevisto e
imprevisível nesses projetos e nestas cidades. Contudo na praxis, o planejamento
21. 21
rígido provou que as idealizações eram falíveis, a exemplo do Distrito Federal e suas
cidades satélites.
Nessa concepção as classes “excluídas” e/ou de baixa renda não
recebem efetivo apoio do Estado e dos chamados poderes públicos e buscam suas
próprias soluções para os problemas, cito, o da moradia . Surgem assim os cortiços, as
favelas, as palafitas, os barracos periféricos e as ocupações coletivas clandestinas
organizadas sob a lógica, estratégia, limitações e criatividade popular. Essas ações e
intervenções populares na configuração do espaço e utilização do solo se dão por meio
dos movimentos populares que é, sobretudo:
“(...) uma estratégia de sobrevivência que desmistifica o mito da
apatia do povo e demonstra uma maior organização por parte dos
trabalhadores do setor urbano que através da mobilização ocupam
áreas ociosas da cidade e tal mobilização se caracteriza como
movimento reivindicatório urbano”. (Sousa;1995, pg. 10)
São cada vez mais freqüentes as organizações de movimentos
reivindicatórios ou populares, sejam urbanos (associações de moradores, clube de
mães, movimento dos sem-teto, etc.) ou rurais (as associações agrícolas, cooperativas,
movimentos dos sem-terra, etc.) que objetivam, primordialmente, a luta pela garantia
dos direitos fundamentais, adquiridos pela Constituição, e por melhoria de qualidade
de vida.
Tais movimentos são na maioria de natureza espontânea, ou seja, não
são controlados pelo Estado e trabalham no regime de autogestão.
O título de cidadão nunca abrangeu todos os brasileiros, haja vista que
ser cidadão é exercer todos direitos civis e políticos garantidos pela Constituição
Brasileira; contudo poucos são os que conquistaram integralmente o direito a vida, à
liberdade, à educação, à habitação, ao trabalho, e a uma vida digna para si e os seus
entes.
22. 22
Essa afirmação pode ser confirmada teoricamente através das
colocações de Paul Singer e Lícia Valladares, que afirmam não existir um lugar digno
para camadas populares na sociedade de modelo capitalista, pois, nessas sociedades se
é necessário possuir renda e esse “segmento” da população não possui recursos para
arcar com as despesas atribuídas às melhores áreas do solo urbano, o que os exigem
ocuparem áreas degradadas ou sem a mínima infra-estrutura necessária, até o momento
que a especulação imobiliária estenda seu domínio sobre elas, criando condições
inevitável a existência de projetos que mudem o perfil daquela localidade e que
consequentemente, empurrará/expulsará esta população carente para locais cada vez
mais distante dos centros, e/ou cada vez mais degradadas, portanto, sem condições
mínimas de ocupação humana.
Neste contexto podemos entender que as invasões de terrenos urbanos
ou ocupações coletivas surgem diante da necessidade do onde morar e do como morar,
diante da impossibilidade da aquisição legal. Diante das dificuldades de sobrevivência
decorrente do agravamento da crise social, das políticas implementadas ou falta delas,
resta a grande maioria dos trabalhadores assalariados ocupar áreas desprovidas de
serviços básicos, onde não há uma legalização definitiva ou indefinida.
Segundo Lefébvre “a ordem capitalista gera o caos urbano”, contudo
a expressão caos urbano ironicamente pode ser definida como “desordem organizada”
segundo a lógica definida pelo mercado e pela segregação, pois a falta de
planejamento e a velocidade com que crescem as cidades geram uma paisagem urbana
de verdadeiro caos; onde imperam as ruas mal traçadas, casas localizadas em palafitas,
nos córregos, nas encostas íngremes, nos mangues, nos igarapés, com excessiva
concentração de pessoas em residências compactadas em espaços extremamente
restrito, onde os esgotos correm a céu aberto em meio à animais mortos e crianças
brincando, etc. Entretanto, a aparente desordem na verdade mascara a ordem do
sistema capitalista de produção e/ou o modelo social capitalista, ou ainda como
menciona Milton Santos: “(...) ao que se chama de desordem é apenas a ordem do
possível, já que nada é desordenado”(1988, Pg. 66)
23. 23
Podemos contudo, facilmente observar que a aparente desordem da
paisagem das ocupações também apresenta uma ordem particular mesmo diante de
uma população que vive com toda espécie de dificuldades e limitações possíveis,
observa-se uma estratificação social entre eles mesmos (ora sutil ora escandalosa), as
casas localizadas próximas às avenidas ou ruas principais apresentam melhor
construção onde geralmente são instalados comércios, juntamente com a moradia onde
pode ser encontrada inúmeros equipamentos eletro-eletrônicos e são servidas de
tecnologia incompatíveis ao nível de vida da esmagadora maioria dos moradores da
área.
Verifica-se ainda quanto mais distantes das avenidas e ruas principais,
piores são as condições do espaço, de habitação e de níveis e qualidade de vida dos
moradores daqueles que ali residem. Embora as causas do fenômeno e o produto sejam
semelhantes as ocupações “Conjunto Jardim Sevilha” apresentam suas especificidades,
pois como afirma Santos:
“(...) cada lugar é singular, e uma situação não é semelhante a
outra(...). Cada lugar combina de maneira particular variáveis que
podem, muitas vezes ser comuns a vários lugares” ( id).
As áreas de ocupações ilegais representam um entrave aos projetos
idealizados pelos urbanistas do sistema hegemônico e aos interesses de mercado das
imobiliárias. Mas desenvolve-se uma política de convivência tolerante resultante
muitas vezes de interesses eleitorais de determinados setores políticos, que adotam
áreas de invasão como redutos eleitoreiros. Efetivam-se também, nessas áreas,
políticas comprometidas com a classe trabalhadora e/ou categorias sociais
empobrecidas, desenvolvidas por setores progressistas do poder governamental com
interesse de dividir o poder de gestão com a sociedade que os elegeram, na tentativa de
amenizar os problemas causados pelos péssimos indicadores sociais, administrar a
crise do capitalismo e tentar solucionar o “caos urbano” historicamente instalado nas
cidades capitalistas.
24. 24
Por mais adversas que sejam as condições de habitação, os moradores
desejam permanecer em casa onde não paguem aluguéis e onde não existam a
necessidade de mudar constantemente.
Outro ponto a ser destacado, diante dos fatores indispensáveis à
sobrevivência nas cidades, é o valor de troca que as benfeitorias passam a possuir.
Esse valor de troca é uma demanda especulativa que encarece cada vez mais o solo
urbano, uma vez que a habitação, pautada nas regras de valorização do jogo capitalista,
torna-se uma mercadoria. Esta , por sua vez, tem preço acessível legalmente apenas a
uma determinada classe da população, pois este é definido diferencialmente pela
localização, pelos consumos e insumos coletivos (abastecimento d’água, de energia, de
transporte coletivo, etc.) que lhes são oferecidos.
O solo urbano tem um valor de troca pautado nas regras do
capitalismo, onde tudo é mercadoria e tem preço. Estes preços são definidos
diferencialmente pela localização e pelos equipamentos urbanos coletivos existentes.
Dessa forma alijados do acesso à áreas mais estruturadas, resta a população de baixa
renda ocupar áreas onde as condições de insalubridade e carências generalizadas são
co-habitantes. Assim a comunidade busca alternativas para suas necessidades, seja
através de organizações de bairro, de “seguimento” social ou através de movimentos
de resistência e ação contrária à lógica hegemônica, para a obtenção de um objetivo
comum.
Tentaremos superar as limitações no que tange a conceitos, categorias
e termos, pois como já fora exposto, não existe numerosas publicações de referência
que aborda especificamente esta questão; contudo não abriremos mão dos termos do
senso comum, próprios da localidade; e muito menos de uma busca contextual,
etimológica, histórico-espacial, imprescindível ao conhecimento da realidade atual de
nosso objeto de estudo.
Partindo dessa premissa, utilizaremos de Milton Santos os conceitos
de “Estrutura (relações entre classes sociais diferentes), Função (utilidade real de um
25. 25
dado fenômeno), Forma (aspecto visível, paisagem analisada ), Processo (sistema
historicamente constituído, dinâmica têmpore-espacial), Fluxos (dinâmica e
mobilidade comercial e de comunicação) e Redes (sistema onde essa comunicação,
mobilidade e dinâmica atua)”, sem os quais o sucesso da pesquisa ficaria ameaçado.
Temos a certeza que no decorrer da pesquisa outros autores e outras
referências, inclusive de outras áreas do conhecimento científico aparecerão para
sustentar teoricamente nosso trabalho, do qual lançaremos mão sem hesitar.
No capítulo que se segue, por exemplo, nós discutiremos a evolução
de termos, palavras e conceitos importantes, que ao longo da história da humanidade,
foi adequando-se ás sociedades e as suas conjunturas e estruturas sociais; incorporando
o sentido ou a “essência original” e ao mesmo tempo ganhando novos significados que
melhores respondessem os anseios do momento. Esse processo demonstra claramente
que a dinâmica social encontra na comunicação e na lingüística um poderoso
instrumento a ser utilizado para reforçar, ideologicamente, as transformações sócio-
espaciais em sua dinâmica perpétua; consolidando-as.
26. 26
Capítulo II
INVESTIGAÇÃO ETIMOGRÁFICA E FILOSÓFICA ACERCA DAS
CATEGORIAS E/OU PALAVRAS CHAVES FUNDAMENTAIS À MONOGRAFIA
Particularmente acreditamos ser interessante resgatar as raízes
etimológicas de alguns termos que consideramos palavras-chaves nesta pesquisa,
numa tentativa de discutir quais foram suas significações ao longo da história dos
homens modernos, quais as suas definições atuais numa possibilidade de se propor
uma outra definição mais próxima da realidade cotidiana desta contemporaneidade.
Um dos termos eleitos foi o de cidade, que na antigüidade clássica
teve uma raiz etimográfica do hebraico Lair, que significou para aquela sociedade a
idéia de ir e vir, denotando uma ação constante de movimento, o locus da dinâmica
sócio-espacial.
Entretanto a raiz etimológica que mais nos interessa, por ser oriunda
do berço da civilização ocidental, é a derivada da sociedade greco-romana, do latim
civitas, civitatis, que teve o significado de uma povoação de graduação mais elevada
que as vilas, onde habitava um conjunto de cidadãos, que por sua vez, eram
considerados aqueles que detinham plenos direitos e gozo civis e jurídicos. É relevante
buscar uma reflexão precisa, em virtude de se tratar de uma sociedade escravista onde
poucos detinham tais direitos.
Entendido mais claramente, em outros períodos, como o conjunto dos
cidadãos que constituem uma cidade, um Estado, porém parece não só ter conservado
o sentido de cidade como também o sentido de “agrupamento organizado”; o sentido
político foi retomado do latim por via culta, no século XVI.
27. 27
O sentido moderno, tanto do termo cidade como o de cidadão, deve-
nos ter chegado do francês: pois perceba o teor desta transcrição que data dos
primeiros dias do mês de Outubro de 1774 e apareceu em circunstância curiosas; um
fidalgo denominado Beaumarchais, tendo sido processado por um conselheiro de
Paris, advogou em pessoa diante o parlamento e fez uma apelo á opinião pública:
“Eu sou um cidadão, disse ele; não sou nem banqueiro, nem abade,
nem cortesão, nem um favorito, nada daquilo que se chama potência,
eu sou um cidadão, isto é , algumas coisa de novo, alguma coisa de
imprevisto e de desconhecido em França; eu sou cidadã, quer dizer, o
aquilo que já devíeis ser a duzentos anos e que sereis dentro de uns
vinte talvez”(Dic. Etimológico, 1976)
O discurso de Beaumarchais teve enorme retumbância, e a datar deste
momento o título de cidadão foi adotado por todos os espíritos liberais e a todos os
homens de iniciativa e preocupados, de alguma forma, com o interesse social,
desvinculando-o da terminologia cidade. O sentido moderno incorporou ainda as
qualidades intrínsecas aos cidadãos sendo o civismo, popular, afável, meigo,
benevolente, sociabilidade, cortesia e a participação política, dentre outras.
Sociedade política e sociedade civil eqüivalem-se na etimologia já que
a palavra originária, grega ou latina (polis ou civitas), tem a mesma significação: a
cidade (comunidade organizada politicamente hoje chamada de Estado). A sociedade
seria a união moral e permanente de várias pessoas em vista de um fim comum: o fim
ou bem comum das pessoas reunidas política ou civilmente é a primeira das causas, a
causa final; as pessoas ou indivíduos racionais, reunião de pessoas (e só pessoas)
forma a sociedade, seria a causa material; a união moral e permanente resultante da
prática de atos racionais e livres, sem a colaboração voluntária dos sócios não haverá
sociedade, esta seria causa formal.
Os diversos tipos de sociedade política encontrados na história têm
algumas características fundamentais comuns, como a aldeia e a tribo. Consideraremos
28. 28
tribo como uma sociedade de pequenas dimensões fundada em vínculos de parentesco
e a aldeia é um tipo intermediário entre a família e a tribo e caracteriza-se pela
localização territorial em torno do mercado ou da cidadela.
A sociedade política passou por uma evolução: tribos, confederação
de tribos, cidade, Império e Nação. Podemos considerar que uma cidade pode ser
construída por uma confederação de “tribos” – grupos sociais distintos e possuidores
de identidade própria - ou formada por famílias de procedência diversa associadas num
mesmo local (daí a polis e a civitas dos antigos). Em todas as formas de sociedade
política constata-se que o indivíduo nunca está abandonado a si mesmo ou aos poderes
absolutos da comunidade total: pertence sempre a um grupo familiar que se integra no
todo social – “nenhum homem é uma ilha”.
O termo Urbano, descende do latim urbe, que significava cidade
muralhada, especialmente a cidade de Roma. Por via culta um latim mais moderno
designa termo urbanu com um significado mais específico, o de cidade, urbano, que
caracteriza a cidade, com um comportamento polido, de bom tom, cultivado, bem
cuidado, espirituoso, fino. Podemos perceber que a significação passa a ser
efetivamente de qualidade e/ou virtude dos homens civilizados, um modo de vida a ser
adotados como exemplares, incorporando o termo urbanidade do latim urbanitate
qualidade do que é urbano, civilidade, boa apresentação e maneiras, o antônimo de
rústico.
Periferia deriva do grego περι elemento de composição culta, que
traduz a idéia de acerca, ao redor, em relação a, que circula por todos os lados; sendo
que quando acrescido do termo também grego φέρεια forma a o substantivo composto
περιφέρεια que é sinônimo de circunferência, parte de um círculo, e arco de círculo.
Este termo também aparece abundantemente nos registros antigos pelo latim
þĕŗĭþħĕŗĭα tendo o sentido de redondeza, daquele que habita nas proximidades.
Atualmente podemos conceber periferia como parte de um todo sistêmico marginal em
relação ao “centro” ou à posição/localização privilegiada, ou ainda hierarquicamente
superior.
29. 29
Outro termo de suma importância neste estudo e que iremos fazer um
resgate etimográfico é o território que descende do latim territoriu, que na antigüidade
tinha uma variedade de significados, sendo que podemos destacar como importante
extensão de terra; porção da superfície terrestre pertencente a uma nação, região,
província, cidade, etc.; num período mais recente território pôde ser entendido como:
tudo o que está encerrado dentro das fronteiras, um espaço que se estende até ao
alcance dum tiro de peça de artilharia, área de jurisdição ordinária. Ademais
preferimos definir território como uma porção delimitada do espaço geográfico onde
se estabelecem as diversas relações de poder e dominação do homem em relação à
natureza e entre si, sendo que este sempre está impregnado do sentimento afetivo e de
pertencer, de auto-identificação simbólica.
Considerando estes conceito à território a de se investigar a raiz
etimológica também do termo Identidade. Este termo pertence à derivação do latim
tardio identitate que nada mais era que a propriedade de ser perfeitamente igual a
outro, semelhança, analogia, paridade absoluta; que por sua vez é um desdobramento
do latim identicu (idêntico), que deriva do latim idem que significa o mesmo, ao
mesmo tempo, simultânea + mente, mesmo sentido. Identidade hoje tem um forte
sentido de auto-identificação, sendo na geografia entendida como identificação
cultural, também vinculado a um sentimento afetivo e de pertencer e/ou fazer-se parte
integrante.
Compreendemos que a linguagem e os conceitos possui uma dinâmica
própria que corrobora e acompanha a constante dinâmica sócio-espacial de uma dada
sociedade. No Brasil, por exemplo, a história dos seus homens assegurou a
perpetuação da estrutura fundiária existente até hoje, e a linguagem, os termos
pejorativos e a metamorfose técnico-conceitual sempre foram utilizadas para legitimar
um “status quo” hegemônico e para garantir o poder institucional e a exploração
econômica territorial nas mãos de uma sábia elite retrógrada e conservadora.
30. 30
No capitulo posterior iremos discorrer sobre os eventos responsáveis
pela consolidação da estrutura fundiária brasileira, que implicou na enorme e nefasta
desigualdade social evidenciada nos dias atuais, e se tornará nítido então, o
fundamental papel cumprido pela dinâmica e/ou metamorfose lingüistica na
consolidação desta situação vivenciada nos dias atuais.
31. 31
Capitulo III
ORIGENS HISTÓRICA, JURÍDICA E SÓCIO-MATERIAIS DA
QUESTÃO DA MORADIA POR PARTE DA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA
De alguma maneira é preciso morar; no campo, numa pequena cidade,
nas metrópoles, etc.; morar é como vestir, alimentar, trabalhar, namorar, amar, é uma
necessidade básica dos indivíduos. Historicamente modificam-se as características da
habitação, contudo sempre existe a necessidade de morar, haja visto que não se é
possível viver sem ocupar uma dado espaço.
É no interior das casas que se realizam as demais atividades, além de
prover abrigo, é o lugar do repouso, da privacidade, das refeições, da higiene pessoal,
enfim da convivência com os grupos domésticos. Dever se considerar também como
lugar de trabalho, pois sempre se trabalha nela para a própria manutenção e produzir
maior grau de conforto, assim como para lavar, passar, cozinhar e, muitas vezes na
produção econômica para a subsistência familiar.
Espacialmente diferem-se as formas das moradias, sendo essas
características refletidas nos bairros, nos tamanhos dos lotes, na “conservação” de
acabamento nas casas, na infra-estrutura presente, a densidade ou rarefação
demográfica ou de ocupação, etc., pode-se a partir dessas observações ter a noção da
segregação sócio-espacial existente.
Esta gama de diversidade não estão diretamente relacionadas a
diferentes tempos de ocupação, ou seja, não necessariamente foram ocupados em
momentos diferentes e, com o passar do tempo serão naturalmente servidos de infra-
estrutura de equipamentos e serviços coletivos. Trata-se de uma variação no mesmo
tempo e espaço, da mesma forma que o computador é contemporâneo ao
32. 32
analfabetismo, e as favelas são das usinas nucleares por exemplo. A segregação
sócio-espacial é visível até para os observadores menos atentos...
Essa diversidade deve-se a produção e distribuição diferenciadas das
cidades e refere-se a diferente capacidade de pagar dos possíveis compradores, tanto
pela casa terreno quanto pelos serviços coletivos. Somente aqueles que desfrutam de
determinado poder aquisitivo podem morar em áreas bem servidas de equipamentos
coletivos e em casas com um certo grau de conforto. Já quem não pode pagar vivem
em arremedos de moradias, nas externas, longínquas e degradadas periferias ou áreas
centrais ditas deterioradas.
Devemos considerar o termo favela, a partir deste trabalho, enquanto
zonas de fronteira urbana, regularizadas ou não, onde sobrevivem a maioria da
população de baixa renda; geralmente essas áreas caracterizam-se por serem
degradadas e pouco consolidadas estética, econômica, na estrutura e culturalmente;
resultado da inserção não planejada de um agrupamento humano numa dada área
urbana sem prévia preparação adequada para suportar a essa ocupação, tendo como a
moradia sua função prioritária.
Nessas favelas há inclusive àqueles que “não moram”, que estão
completamente excluídos do sistema social; são os que vivem embaixo das pontes,
marquises, praças e logradouros públicos, viadutos, que não possuem e nem têm
condições de possuir um teto fixo ou fixado no solo. Nestes arremedos no interior das
cidades, mergulham-se num “turbilhão” de miséria e de sujeira o que torna ainda mais
difícil ter energia para resistir a suas respectivas influências psicossocial destes
ambientes inteiramente degradados e aos efeitos dessa miséria.
Como muitos moram mal é de supor que existe um enorme déficit de
casas que possam ser compradas ou alugadas. Uma ligeira observação um abismo
entre, de um lado, um grande número de anúncios de casas, terrenos, apartamentos e
demais imóveis para vender e para alugar, de imóveis utilizados como comércios e
serviços – residências transformados para este novo uso – e, de outro, a carência de
33. 33
moradias. Se todas as casas e terrenos em ofertas fossem ocupados, mesmo assim
continuariam a faltar casas para se morar. Estima-se que o déficit de moradia no Brasil
seja superior a 22 milhões de unidades, o que corresponde a quase 10% do déficit
mundial .(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 1999)
Diz Engels, quando analisou a crise de moradia na Alemanha de 1872
que:
“(...)uma sociedade não pode existir sem crise habitacional, quando a
maioria dos trabalhadores só tem seu salário, ou seja, o
indispensável para a sua sobrevivência e reprodução, quando as
melhorias mecânicas deixam sem trabalho as massas operárias,
quando as crises industriais determinam, de um lado a existência de
um forte exército de desempregados (de reserva) e, de outro jogam
repetidamente nas ruas grandes massas de trabalhadores; quando
os proletários se amontoam nas ruas das grandes cidades; quando o
ritmo da urbanização é tanto que o ritmo das construções de
habitação não a acompanha; quando, enfim o proprietário de uma
casa, na sua qualidade de capitalista, tem o direito de retirar de sua
casa, os aluguéis mais elevados. Em tal sociedade assim a crise
habitacional não é um acaso, é uma instituição necessária”. (F.
Engels, 1976).
A moradia não é um bem fracionável em partes que possam ser
“vendidas” e/ou utilizada ao longo do dia, da semana ou do mês. Não se pode morar
um dia e no outro não morar. Morar uma semana e na outra não morar. È possível
propor uma suposição que alguns despossuídos – aqueles que não podem pagar –
possam “pedir” uma casa velha para morar ? Ou ir ao fim da feira coletar sobras de
frutas e verduras ou legumes, etc., e “pedir emprestado” uma cozinha numa casa
qualquer para cozinhar? Nós consideramos que a infracionalidade da casa é um
aspecto importante do morar.
34. 34
Termo infracionável e infracionalidade deve ser entendido aqui como
a propriedade de um “bem”, matéria, ou “valor construído socialmente” que
dificilmente possa ser compartilhado/dividido com terceiros e/ou alheios ao círculo
familiar.
Numa sociedade capitalista, para morar há de ser necessário possuir a
capacidade de pagar por essa mercadoria não fracionável, que compreende a terra e a
edificação, cujo o valor é medido em função, também, da localização em relação aos
equipamentos e serviços coletivos e a infra-estrutura existente nas proximidades da
casa/terreno. O Decreto-Lei 399, que em 1938 regulamentou o salário mínimo diz:
“O salário mínimo será determinado pela soma das despesas diárias
com alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte,
necessário a vida de um trabalhador adulto”.
Portanto o trabalhador deveria receber pagamento pelos seus serviços
que cobrissem suas despesas com a habitação. Entretanto como adquirir uma
casa/terreno se os valores dos salários são prevista a uma despesa diária? É possível
que o pagamento diário refira-se ao aluguel, porém, mesmos os contratos de aluguel
são, em geral, anuais e neste período o trabalhador corre o risco de desempregar-se.
Assim podemos afirmar que um metro quadrado de qualquer terreno, em qualquer
localização, é superior ao valor do salário mínimo mensal, mesmo para os valores
estipulados originalmente.
Até 1822 a distribuição de terras no brasil era realizada pelo regime de
doação de sesmarias. As sesmarias que nada mais eram que lote de terra inculto ou
abandonado, que os reis de Portugal cediam a sesmeiros que se dispusessem a cultivá-
lo, esse lote ou légua de sesmaria possui 3.000 braças, ou 6.600 metros, sendo no
Brasil doados até 15 há. Essas foram as unidades elementares de apropriação do
território brasileiro, inspiraram-se na antiga legislação fundiária portuguesa do século
XIV, destinada a promover o uso produtivo das terras agrícolas daquele país.
35. 35
A lei de sesmarias (1375) surgira da necessidade de reanimar a
agricultura, relegada ao abandono por uma pequena nobreza proprietária mais
interessada nos lucros e honra proporcionado pelas guerras contra os espanhóis. A
legislação implantada pela Coroa obrigava os proprietários a cultivarem as terras ou a
cederem parte delas para o usufruto dos camponeses. A exploração familiar a terra em
pequenos estabelecimentos era encarada, na época, como meio de superação da crise
cerealífera da península Ibérica. No Brasil, contudo, a política das sesmarias retomou
apenas uma parte da tradição lusitana a idéia da conexão entre a propriedade da terra e
o seu uso produtivo, sendo renegada ao plano marginal o incentivo à exploração
camponesa, que fazia parte do outro aspecto dessa tradição.
Sem levar em conta a ocupação indígena, após o descobrimento e a
conquista, por graça de Deus, as terras da colônia passaram a pertencer ao Monarca
luso, o qual por esse direito fazia concessões de sesmarias (grandes extensões de
terras) e doações de datas (lotes menores). Estas formas de atribuir terras, impunha
obrigações para quem as recebia e, teoricamente, o não cumprimento de algumas
obrigações fazia com que a terra fosse devolvida (que ficasse devoluta, como de fato).
Em 1822 foram suspensas as concessões reais, e , desta data até 1850,
a terra passou a pertencer a quem “quisesse” ocupá-la – melhor dizendo, pudesse
ocupá-la. Até 1850 a terra não era uma mercadoria, não podia ser comprada ou
vendida, ou seja não possuía valor de troca, e sim um valor moral, de uso e definia o
status social do possuidor da concessão .
Com a instituição da Lei 601 de setembro de 1850, conhecida no
senso comum como a Lei das Terras, só quem podia pagar era reconhecido como
proprietário juridicamente definido em lei. Além do valor moral, a propriedade passou
a ter um valor econômico e social. O capital se desenvolveu e impôs politicamente o
reconhecimento da propriedade privada da terra.
O preço da terra originalmente como uma forma de impedir, naquele
momento histórico, o acesso do trabalhador sem recurso às terra. Este momento refere-
36. 36
se à passagem do escravismo ao trabalho livre e a grande migração de trabalhadores
europeus. A declaração do Conselho de Estado em 1842 é esclarecedora a esse
respeito:
“Com a profusão de datas de terras tem, mais que outras causas,
contribuído para a dificuldade que hoje se sente de obter
trabalhadores livres, é seu parecer que de ora em diante sejam as
terras vendidas sem exceção alguma.
Aumentando-se, assim, o valor das terras e dificultando-se,
consequentemente, a sua aquisição, é de se esperar que o imigrante
pobre alugue o seu trabalho efetivamente por algum tempo, antes de
obter meio de se fazer fazendeiro”(Baldez, 1986).
Fica evidente que o Conselho de Estado considerava fundamental
impedir o acesso à terra pelos trabalhadores livres, o que se torna efetivo com a Lei de
Terras de 1850, ficando assim sancionado o princípio que baniu o trabalhador da terra.
Define que a terra será vendida no mercado e que terá preço, que deverá ser
inacessível aos trabalhadores, para que estes se constituam efetivamente em mão-de-
obra para a lavoura. Como o professor José de Souza Martins bem afirmou, “a terra
tornou-se cativa do capital – Os homens livres, com o fim da escravidão, e a terra
cativa”.
Assim uma porção de terra passa a ser considerada mercadoria
geradora de renda no modo de produção capitalista; uma mercadoria que só tem preço
acessível a uma determinada classe social. Surge a partir daí, instrumentos que
viabilizaram o aparecimento da chamada a especulação imobiliária.
Seus mecanismos, relacionados à ocupação da cidade podem ser
praticados de várias formas. A mais comum refere-se ao interior da área loteada e diz
respeito à retenção deliberada de lotes. Em geral, atraem-se moradores para lotes
piores localizados, em relação aos equipamentos e serviços, para em seguida e
37. 37
gradativamente prover a ocupação do restante da área. A simples ocupação de alguns
já aumentam o preço dos demais lotes, “valorizando” toda a área em questão.
Esta forma de ocupação programada é comum o especulador deixar
lotes estrategicamente localizados para a instalação de serviços e comércio de
abastecimento diário. Estes lotes terão, obviamente, seus preços elevados em relação
aos das residências, haja vista que visam a conquista de um mercado que se amplia e
se consolida.
Outra forma de atuação da especulação imobiliária refere-se à
possessão de vastas áreas – latifúndio urbanos -, que em via de regra consiste em não
fazer “uso social” destas áreas próximas a loteamento já existente ou de áreas
potencialmente situadas nas vias de expansão urbana. Assim os proprietários se
beneficiam não só da produção (valorização) social da cidade, mas também da
produção (valorização) que ocorre nos terrenos vizinhos. Enfim, os proprietários que
deixam a terra vazia, ociosa, sem nenhum uso, apropriam-se de uma renda produzida
socialmente.
Os movimentos especulativos, estão sofrendo uma forte oposição por
meio de toda uma produção da casa e da cidade, que estão desvinculada ao círculo
imobiliário: que são as ocupações expontâneas e as formações de favelas. Nesta forma
de produção estão ausente a legitimidade jurídica da propriedade da terra, a
incorporação imobiliária, a industria de edificação e por vezes até a industria de
construção relativa aos insumos; entretanto promovem efetivamente a produção de
residências e participam da configuração das cidades.
Os proprietários de terra, quando especuladores, deixam terras vazias,
fazendo uma ocupação da cidade com uma aparência de caos. Vastos espaços ociosos
numa cidade cuja tendência é se espraiar pelas periferias. Terras sem uso e homens
sem terra coexistindo no mesmo espaço e tempo. É, em via de regra, o fundamental
fator que impulsiona o fenômenos das ocupações de terras e das formações das
38. 38
favelas, contrariando os princípios da legalidade jurídica e o da propriedade privada,
um dos pilares “sagrados” do modo de produção capitalista.
Não existe mecanismo claro de limitação à propriedade de terra. O
Estado dispõe sobre o uso da propriedade, contudo é bem mais significativa a defesa
da propriedade do que a limitação ao uso ou ao acesso a quem não tem.
Em tese a propriedade deveria ser subordinada “ao interesse social e
coletivo” (Constituição de 1934), ou ao “bem estar social” (Constituição de 1946), ou
“a função social” (Constituição de 1969). São na verdade abordagens genéricas da
garantias do direito de propriedade. Na Constituição de 1988 esta questão foi colocada
pelos movimentos reivindicatórios e seus representantes, desta vez de forma
abrangente e relacionada à questão do uso, em detrimento aos proprietários e seus
representantes constituintes, que explicitavam a defesa da propriedade, daqueles que já
as possuíam.
A tese vitoriosa na Constituinte de 1988, foi a que propôs mecanismos
de limitação da especulação imobiliária, que explicitou em forma de legislação, que
nos casos de propriedade sem uso justifica-se a desapropriação do imóvel para “fins de
interesse social ou utilização coletiva”, com o pagamento do valor venal do imóvel
em títulos de dívida pública, para fim de permitir uma produção do espaço urbano
mais justa e igualitária. Somou-se a essa legislação a proposta de taxação progressiva,
que fixa valores do imposto territorial mais elevados para as terras ociosas.
Longo e penoso é o processo em que se vem construindo, tanto as
residências quanto as cidades, nas periferias. O termo periferia, contudo, é com
freqüência utilizado para os designar os setores mais precariamente atendidos por
serviços públicos e não, necessariamente, pelas distâncias dessas áreas em relação ao
centro comercial urbano da cidade. Não se considera periferia os loteamentos e/ou
condomínios de alto padrão, bem dotados de serviços públicos mesmo aqueles
localizados em áreas distantes do centro.
39. 39
Da mesma forma, no capitulo que segue, demonstraremos o quanto o
termo exclusão está sendo banalizado pela exaustão e falta de consistência que este
está sendo invocado para explicar os fenômenos sociais, causando uma certa confusão
teórica e uma perda de exatidão dessas análises, resultado da disposição do autor a
demonstrar sua simpatia pessoal quanto a um certo ponto de vista quanto ao fenômeno
em questão, parcializando-o.
40. 40
Capitulo IV
EXCLUSÃO OU SEGREGAÇÃO: TERMOS EM DISCUSÃO
Propomo-nos a uma saudável polêmica: negar a banalização que
costumou-se fazer, tanto na academia, quanto nos movimentos reivindicatórios e senso
comum, a cerca da generalização do termo exclusão social. Estamos convencidos que
para melhor explicar os contrastes urbanos e sociais o conceito de segregação e
segregação gradiente é bem mais eficaz, sendo exclusão um termo com grande carga
ideológica e com uma definição etimológica exagerada, atribuindo-lhe uma
aplicabilidade radical.
Pois vejam; quanto à deterioração e fim de um ecossistema,
subentende-se que houve ocorrência de inclusão, pela presença “alienígenas”, de
subsistemas dentro do ecossistema. A segregação se baseia na associação e
desorganização (desequilíbrio) de atividades dentro de um espaço sensível e
concentrado, que nega a inter-relação com as atividades circunvizinhas, propiciando a
formação de um subsistema dentro de um dado sistema. Milton Santos em 1985, a esse
respeito disse:
“A um processo de reprodução ampliada das classes, correspondente
um processo de reprodução ampliada do espaço, posto que ocorre
não só um aumento numérico das classes, gerando, por conseguinte,
a necessidade de reprodução de novas áreas segregadas para os
grupos sociais que surgem e de novas estratégias por partes de outros
agentes modeladores”.
A concepção de concentração do solo se refere as relações humanas e
não as relações ambientais, portanto é possível dentro dele existirem o surgimento de
41. 41
pequenos ecossistemas, pois continuam sendo parte do ecossistema de onde se
implantaram. O gradiente de troca refere-se aos processos de transferência que se
produzem nos ecossistemas por impacto dessas atividades ou grupos segregados, cujo
os motivos podem ser de ordens distintas: ordens econômicas, quando essas
transferências produzem em função da especulação urbana e imobiliária, pois os
terrenos próximos serão mais valorizados do que aqueles afastados; ordens funcional,
quando se permite a opção de geração de atividades complementares; e de ordem
infra-estrutural, quando existe a possibilidade de anexar-se as redes implementadas;
por serviços de diversas índole, como transporte, saúde, educação, etc.
Geralmente os processos de segregação gradiente é dotada de
conotações do tipo econômico e social em forma de expressões ideológicas.
“Na prática urbanística se conhecem duas formas de processos de
segregação gradiente nas atividades residenciais, uma auto
segregação que é claramente identificada nos espaços especialmente
periféricos, produtos de assentamentos das classes dominantes que
buscam a melhoria do ambiente, ou também ao fato de localização de
população de baixa renda como mecanismo de defesa aos processos
de legalização; a outra é a segregação imposta que é característica
de população de baixa renda que não tem opções de como e onde
morar e localiza-se nas áreas que são reservadas. O processos de
gradiente se produz em relação aos níveis sócio-econômicos em
questão”. (Trindade Júnior, 1993).
Em Belém pode-se observar inúmeros casos de auto segregação
gradiente concentrada, um dos exemplos mais notáveis é o das chamada área
institucional situadas nos limites da primeira légua patrimonial, sua especialidade se dá
não só pela extensão territorial deste espaço segregado, como também pelo impacto
que causou a organização urbana de Belém.
42. 42
A concepção de concentrado não implica necessariamente em
densidade populacional ou de complexidade funcional, existes casos que tais limites
estão fixados por meio de outros aspectos físicos, como em alguns condomínios
situados nas áreas periféricas de Belém, que fixam altos valores ao terreno como forma
de garantir o controle social, sendo este o lugar de população de alto poder aquisitivo.
Em vários casos se restringe a circulação dos moradores, como é o
caso de várias áreas de ocupação expontâneas, que recorre a violência como sistema de
controle (talvez até involuntariamente). Uma das formas mais comuns de segregação
imposta é a constituição, como forma de estratégia de sobrevivência, de ocupações
urbanos que se produzem em espaços ociosos.
No que tange as estratificações nas estatísticas sociais, que classifica a
sociedade em classe “A”, “B”, “C”, “D”, “E”. Não podemos negar a intenção
governamental de se amenizar ou mascarar a realidade social estabelecida, até para
não causar uma revolta generalizada, sendo que tal estratificação massifica nossa
sociedade, reconhecimento a todos - a maioria absoluta - enquanto consumidores e
cidadãos, mascarando assim, as contradições e as lutas de classes
Essa estratificação oficial, dentre inúmeras outras que servem a
determinados e específicos propósitos estatísticos e ideológicos, estabelece que os
cidadãos são classificação de acordo com o seu poder de consumo ou renda familiar,
da forma explicitada na tabela a seguir:
*Tabela 01- Estratificação social por renda
Classes Sociais Renda Mensal Classificação Segundo o
Poder de Consumo
Alto Poder Aquisitivo Acima de R$ 10.000,00 Classe “A”
Classe Média Alta De R$ 2.001,00 a R$ 10.000,00 Classe “B”
43. 43
Classe Média De R$ 1.001,00 a R$ 2.000,00 Classe “C”
Classe Média Baixa De R$ 301,00 a 1.000,00 Classe “D”
Classe Baixa- Pobres De R$ 100,00 a R$ 300,00 Classe “E”
Fonte: Sociedade de Proteção ao Crédito –SPC, 2002 e IBGE, 2000
Podemos concluir que por estar pertencente a um sistema, mesmo de
forma desigual, desprestigiada ou marginalizada, um dado segmento social não
necessariamente está excluído e sim segregado pois, apesar da marginalização, são
reconhecidos e se reconhecem como sujeitos sociais; sendo que devemos entender
como excluído aquele que não é permitido ou opta por não pertencer ao determinado e
hegemônico sistema social, se colocando inteiramente á parte, como são os casos dos
loucos de ruas, mendigos e grupos sociais que optam por pertencer a uma sociedade
“alternativa” – hipies e místicos esotéricos -, sendo que não participam dos processos
produtivos, de circulações, políticos e reivindicatório, etc., característico da sociedade
urbano-industrial hegemônico na contemporaneidade, haja visto que tais grupos não
são reconhecidos socialmente – pois movimentam menos que meio salário mínimo por
mês -, bem como não se identificam e/ou reivindicam participação no sistema social
hegemônico vigente.
44. 44
Capitulo V
FAVELA: UM TERMO E UMA REALIDADE EM DISCUSSÃO
As primeiras favelas surgem no Brasil logo após a Guerra de Canudos,
na cidade do Rio de Janeiro - RJ. Foi formada, no Morro da Providência atual região
portuária do Rio de Janeiro, pelos soldados recrutados para lutar contra a “milícia
religiosa” de Antônio Conselheiro, que foram atraídos pela promessa de ganhar uma
moradia na então Capital Federal, contudo depois da campanha, os militares
responsáveis, naquele momento histórico, pelo Estado brasileiro ordenaram aos
superiores daqueles praças a não cumprir a promessa.
Estes soldados logo foram dispensados pelo serviço militar, por não
mais se fazerem necessário, e suas indenizações não garantiam o provento de suas
moradias. E aliado a isso teve como complicador a tradição do exército brasileiro em
se deixar acompanhar pelas mulheres durante as campanhas militares. Estes soldados
recrutados que estavam com suas famílias, a grande maioria deles distantes de suas
terras natais, se recusaram a voltar a suas respectivas moradias antigas; iniciaram um
movimento reivindicatório, logo sufocado pelas forças oficiais, sendo que se
recolheram ao Morro da Providência e lá estabeleceram suas moradias.
O termo favela surgira, originalmente, em virtude da grande
ocorrência, no Morro da Providência, de um arbusto da família das Eufobiáceas
(Jatropha phyllacantha), muito comum nas caatingas de Belo Monte, na Bahia onde
ocorrera a peleja.
Segundo Aurélio de Oliveira favela refere-se “a um conjunto de
habitações populares toscamente construídas (geralmente em morros) e desprovidas
de recursos higiênicos”. Já de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e
45. 45
Estatística (IBGE), favela diz respeito “a um aglomerado de pelo menos cinqüenta
domicílios – na sua maioria carentes de infra-estrutura – e localizados em terrenos
não pertencentes aos moradores”.
Esse Instituto define ainda, o que distingue a favela de outros locais de
moradia também sem infra-estrutura; para esse órgão é a natureza da ocupação das
terras que o diferencia de seus pares desprovidos de serviços e equipamentos urbanos.
A rigor nós pudemos observar que todas as considerações (relatórios e pareceres)
oficiais procuram, de alguma forma, não considerar o exercício da cidadania enquanto
indicador de seus trabalhos, o que reflete nos resultados das análises e conceitos que
elaboram; mascarando assim as respectivas responsabilidades afins, procurando
sempre individualizar o problema, o que implica no abrandamento da questão e na
dissimulação de suas causas, que a nosso entendimento se encontra intrínsecos a
estratificação e a “luta de classe”.
Para essas áreas os mais variados termos são utilizados: invasão de
terras alheias, apropriação indébita ou indevida de vazios urbanos, câncer urbano, vila
miséria, etc.
Nós consideramos que na atualidade o termo favela melhor se
enquadra na definição de áreas urbanas em condição de fronteira; aquelas ainda não
plenamente consolidadas, cuja as feições estão se configurando em meio a crises e
conflitos sociais, em detrimentos de sua legitimidade ou não em relação à propriedade
da terra ou da distância deste loteamento em relação ao centro comercial.
Sendo que a terminologia de “invasão” e “ocupação” está sendo
normalmente utilizada com um forte atributo ideológico independente dos usos, razão
e valores terrenais; pois veja: quando o interesse é descaracterizar ou desvalorizar a
razão social da moradia o termo utilizado com freqüência é o de “invasão”,
independente do sujeitos sociais que as utiliza; entretanto se o interesse for valorizar
ou bem caracterizar a razão social do uso da terra a termo largamente utilizado é o de
46. 46
“ocupação”, seja qual for o sujeito que a utiliza o que está valendo é o interesse e o
nível de relação que o declarante tem com os residentes da respectiva área em questão.
Qual é a razão da existência de favelas? Esta pergunta nos parece
óbvia contudo esta foi respondida com muita propriedade por João Apolônio Gomes,
um favelado da cidade de São Bernardo do Campo, numa carta publicada no Boletim
das migrações de São Paulo, isso em 1983, que diz o seguinte:
“ A favela cresce através do migrante, do homem do campo, porque
na roça não dá mais para viver. Porque o fazendeiro dá mais para
um boi, ou plantar um capim do que deixar um trabalhador plantar
um milho ou feijão. Através também do aluguel que prefere alugar
para quem tem cachorro do que a pessoa que tem um filho. O boi e o
cachorro vale mais que o trabalhador e o seu filho. E através do
salário mínimo que é muito baixo e da falta de emprego. Por isso não
está mais existindo mias lugar, nem de fazer um barraco. Porque já
está tudo lotado. A favela cresce também através da mentira. Uma
pessoa sai de qualquer cidade grande e vai passear no interior e
chega lá, e mente para um companheiro dele, que lá onde ele está ele
vai ganhar mais; e chega lá ele não vai ganhar, então ele não tem
condições de pagar o aluguel e vai morar na favela.
Sempre aparece na favela um para dar ordem, mas não aparece um
para pedir melhoria na favela. E quando aparece é perseguido. A
gente não mora na favela por que gosta e nem por que quer, mas
porque é obrigado: para manter a família e não morrer de fome”.
(Jornalivro ano II, nº3, 1983).
Esta expressiva definição de um morador de favela mostra, com toda a
sua clareza, as causas da existência das favelas e de seu crescimento. O intenso êxodo
rural, por falta de condições de sobrevivência é atribuída à atração da cidade.
Esta expulsão segundo o relato, parece estar ligado á transformações
da agricultura de subsistência em pastagens. Os baixos salários, ou a inexistência
47. 47
destes, impedem o pagamento de aluguéis, implicando na recusa de “aceitar” crianças
enquanto cachorros são bem vindos, refletem uma situação nefasta: a casa deverá ser
alugada a que possa pagar; sendo que, por dedução, sustentar um cachorro e talvez
filhos denota essa condição...
Quando analisamos a referência que nosso relator faz a mentira como
um fator para o desenvolvimento das favelas, devemos primeiro compreender as
razões subjetivas que levam um indivíduo a não reconhecer ou declarar seu “fracasso”
e mascarar a sua realidade apresentando-a de forma a demonstrar aos demais que
“estão bem de vida”, inclusive por meio de inverdades.
Outro fator, muito significativo, pode-se atribuir a mentira vinculado
pelos meios de comunicação de massa – a mídia -, quando este apregoam a fartura e o
grande números de empregos da cidade, vendendo a todos, sem distinção, um
estilo/modelo de vida; basta nós observarmos o que os meios de comunicação
“vendem”: o bem estar e o luxo, através das grifes de roupas, bebidas, cigarros, bem
como a responsabilidade do indivíduo em “vencer”, sendo que a mídia cria também
uma expectativa e novos valores e símbolos sociais.
Considerando o entendimento do IBGE, a favela se constitui numa
ocupação juridicamente “ilegal” de terras. Terras sem uso, em geral do poder público
são ocupadas pelas famílias sem terra e sem teto.
O IBGE atesta ainda que, mais de 80% da população favelada mora
em regiões metropolitanas, o que serve de um primeiro demonstrativo de que a
chamada crise habitacional está concentrada onde também se concentra a produção, ou
seja, concentração de riqueza e de pobreza, pois nas metrópoles o preço das terras são
mais elevado, o que torna mais difícil o acesso a terra e à moradia a uma grande
parcela da população.
48. 48
As favelas começam a serem “sentidas” no momento em que se
expande o processo de industrialização-urbanização, e a partir da década de 50 passam
a ser consideradas, pelas autoridades constituídas, como problema.
Problema este que ao longo do tempo tem sido visto de várias formas:
como um local de marginais, sendo imprescindível acabar com as favelas para acabar
com a marginalidade; como um “curral eleitoral” lugar de se conseguir votos, sendo
necessário visitá-los, fazer promessas, tratá-los como iguais haja visto que os seus
votos valem como de qualquer outro; e até como resultado do processo de migração e
os favelados vivem desta forma, porque estão es “integrando” no meio urbano,
“criam” um lugar que lhes lembram o campo.
Segundo esta ultima visão é preciso treinar, educar os moradores da
favela a se integrar no meio urbano, para que possam passar da casa de madeira para o
de alvenaria, para que familiarize-se com os serviços urbanos e para que possam se
incorporar ao mercado de trabalho e a cidade. Podemos notar que todos as visões
acerca das favelas e dos favelados são pejorativas e contem uma pesada carga de
preconceito...
A favela surge da necessidade do onde e do como morar. Se não é
possível comprar uma casa pronta, nem o terreno para autoconstruir, tem-se que buscar
uma solução. Para muitos a solução é a favela. A favela é um produto da conjugação
de vários processos: da exploração dos pequenos proprietários rurais e dos camponeses
em geral e da superexploração da força de trabalho no campo, que conduz as
sucessivas migrações rural-urbana, bem como as interurbanas, sobretudo das pequenas
e médias para as grandes cidades.
È também produto do processo de empobrecimento da classe
trabalhadora em seu conjunto, bastando lembrar que o valor real do salário mínimo
tem sido extremamente depreciado e está, no atual momento, num dos seus mais
baixos patamares, cerca de 60% do seu valor real em 1960. É resultado também do
preço da terra urbana e das edificações, sendo que a favela exprime a luta pela
49. 49
sobrevivência e pelo direito ao solo urbano de uma parcela significativa da classe
trabalhadora.
As favelas são, para a população, uma estratégia de sobrevivência.
Uma saída, uma iniciativa (ás vezes dirigida), que levanta barracos de um dia para o
outro, contra uma ordem segregadora. Uma iniciativa que, inclusive desmistifica o
mito da apatia do povo: é possível considerar apático um indivíduo que luta pela
sobrevivência, que busca resgatar seus direitos usurpados? Por todos esses argumentos
a favela deveria ser vista como uma estratégia de sobrevivência daqueles que não
possuem outra alternativa para prover uma residência para si e sua família.
Nós compreendemos que o ato de morar, de residir é amplo, complexo
e estende-se além dos limites físicos da casa propriamente dita; este deve ser
entendido como um fenômeno psicossocial que está intimamente ligado á persepção
que esses indivíduos constróem em relação a seus espaços de relações, espaços
cotidianos ou espaço vividos por eles próprios e seus pares, sendo estes impregnado do
sentimento afetivo e de identidade, onde a (re)territorialização ocorre segundo a
capacidade de adaptação deste com o referido ambiente, seja ele qual for. O
fundamental, neste caso, seria o grau de satisfação que o dado indivíduo adquire junto
a sua moradia.
Consideramos tão expressivo este fator que “arriscamos” a uma
analogia entre “morar e namorar”, no sentido que o indivíduo quando se
territorializa em um determinado ambiente ele não apenas habita em um meio físico, a
procura de abrigo e segurança; ele, na verdade, “namora” com as relações que se
estabelecem em seu entorno, namora sua moradia, sua vizinhança, seu ecossistema,
enfim estabelece uma relação intensa e afetiva com seu espaço circundante, da mesma
forma que este cortejaria/namoraria um outro indivíduo do gênero sexual de sua
opção...
50. 50
Ao longo do tempo um conceito hegemônico de favela que se mantém
em detrimentos de inúmeros outros, é o que se refere aos seus ocupantes como sujeitos
de uma ocupação irregular.
As definições que se referiam às características da moradia estão
paulatinamente mudando a medida em que se modificam as características das
residências que antes eram de madeira e sucata e hoje passam a ser de “madeirit” e
blocos de cimento.
Os moradores das maiorias das favelas não são os proprietários legais
das terras que ocupam para moradia, contudo as ocupações tornam-se cada vez mais
legitimada pelo próprio poder público; pois este sem condições de resolver o problema
da falta de moradia e pressionado pelos moradores, o poder público mantém
programas de urbanização das favelas.
Os moradores cada vez mais lutam pelo direito de concessão real de
uso ou usucapião urbano. O primeiro diz respeito em conquistar o direito de utilizar o
imóvel por um prazo que não exceda 99 anos.
O segundo, que trata do usucapião urbano, também é uma
reivindicação que se coloca para os movimentos de moradia, sobretudo depois da
promulgação do Estatuto da Cidade, por parte do Governo Federal, instrumentalizado
por meio da Lei nº 10.257 de 10 de Julho de 2001, em que no interior de sua Seção V -
Do usucapião especial de imóvel urbano – no artigo 9º reza que:
(...)“aquele que possuir como sua áreas ou edificação urbana de até
duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para a sua moradia
ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural”(...) (Estatuto da
Cidade, 2001)
51. 51
(...)e ampliado por meio do artigo10º onde declara que:
(...)“As áreas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados,
ocupada por uma população de baixa renda para sua moradia, por
cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível
identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis
de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não
sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural”(id).
Percebemos pelo princípio desta legislação uma analogia conceitual e
jurídica oriundo do direito romano: o uti possidetis (interdito possessório: a posse
legitimada e justificada por uma circunstância da realidade, pela ocupação efetiva). A
expressão completa é “Utis nunc possidetis, quominus ita vim fieri veto”. Utis
possidetis, ita possidiatis ou como possuis, continuais possuindo.
A noção da legitimidade conferida pela ocupação já fora inúmeras
vezes utilizada como princípio jurídico para legitimar o domínio territorial do Estado
brasileiro sobre terras em litígio, desde o período colonial (por exemplo o Tratado de
Madri), tendo consigo uma tradicional ganhos nacional, devido ao sucesso dos bons
serviços prestados, pelo também tradicional do corpo diplomático brasileiro.
A consagração deste princípio legal, agora sendo utilizado para dirimir
conflitos e litígios territoriais urbanos, nos traz a esperança de ganhos significativos
aos movimentos reivindicatórios de moradia e uma radical mudança no
comportamento dos agentes imobiliários, sobretudo os especuladores, haja vista a
tradicional aceitação deste princípio jurídico ao longo de nossa história nacional.
A legislação municipal, em Belém, que regulava e controlava o uso do
solo, em décadas anteriores, não parecia estimulada a inovar o seu enfoque sobre os
agentes que produziam a cidade, posto que não criava nenhum mecanismo que
posicionasse frente á atuação desenfreada do capital imobiliário.
52. 52
Não conseguimos definir com fundamento, até o final deste trabalho,
se esta ausência foi fruto do desconhecimento de tais instrumentos, mas acreditamos
na hipótese de que o que ocorreu aqui foi um reflexo das tendências observadas em
outras cidades do país, de que a omissão da lei teria sido a implicação da luta de forças
entre os vários agentes que compunham o quadro político daquela época e cuja
omissão legal, teria sido extremamente providencial num momento que o mercado da
construção civil, maior gerador de emprego direto e renda no município, declinava
ante a grave crise enfrentada durante toda a década perdida (1980-1990).
O aspecto mais irracional de tal omissão, é que se a verticalização da
1º Légua serviu para fortalecer definitivamente o capital imobiliário, serviu também
para consolidar como única alternativa possível de terras “habitáveis” um espaço
brutalmente segregado, forçando a população socialmente carente a se alojar como
podia nas inóspitas e insalubres baixadas que envolvem as áreas nobres de Belém.
A legislação do município de Belém em 1979 sequer menciona a
busca do interesse coletivo, quando o direito á cidade ou bem estar físico e social do
cidadão, como o faz sua sucessora – a Lei de desenvolvimento urbano de 29/01/1988 -
que diz em seu art. 2º:
“São objetivos prioritários da política de desenvolvimento urbano
municipal:
I. Ordenar e controlar a utilização, ocupação e
aproveitamento do solo do território do
município, no sentido de efetuar a adequada
distribuição das funções e atividades nele
exercidas, em consonância com a função social da
propriedade;
II. Atender às necessidades e carências básicas da
população quanto às funções de trabalho,
53. 53
circulação, habitação, abastecimento, saúde,
educação, lazer e cultura, promovendo a melhoria
da qualidade de vida”.
No início dos anos 90, seguindo a tendência da década anterior, a
situação social se torna insustentável e mais uma vez o espaço urbano é o palco
privilegiado de exemplos da segregação e das crescentes tesões sociais.
A periferia se adensa e se faveliza rapidamente, a violência urbana
explode e a omissão das leis em vigor e das políticas públicas contribuem para
consolidar, “como possível”, uma alternativa ilegal de acesso a um pedaço de chão,
que vem a ser a ocupação urbana de terrenos e/ou empreendimentos imobiliários
privados ou públicos ociosos no interior da malha urbana.
A segregação, e muitas vezes a exclusão, de boa parte da população
dos seus direitos de habitar (e por conseguinte de morar), por conta da valorização e
aumento abusivo do preço do solo, consolidou a luta de classes dentro deste espaço e
vem desafiando a intocabilidade do “sagrado” conceito de propriedade privada.
Esse processo causa uma intensa mobilidade horizontal da população
de baixa renda, que passam a ser, de forma bem particular, incorporadores e
produtores do espaço urbano. No capítulo a seguir faremos uma discussão mais
profunda acerca desse fenômeno sócio-espacial ocorrido em Belém do Pará.