1. Brasil Colônia
A lei que eles hão de dar é defender-lhes (de) comer carne humana e guerrear sem
licença do governador, fazer-lhes ter uma só mulher, vestirem-se, pois têm algodão, ao
menos depois de cristãos, tirar-hes os feiticeiros, mantê-los em justiça entre si e para com
os cristãos, tendo terras repartidas que lhes bastem e com esses padres da Companhia
para os doutrinar.
Novas Cartas Jesuíticas
Inicialmente delegou-se a Fernando de Noronha
A
pós o desembarque da esquadra de
Cabral, a colônia se viu relegada, por – comerciante de Portugal, muito íntimo da corte – o
três décadas, ao quase completo des- direito de exploração da madeira. Pelo contrato provi-
caso de Portugal. A política mercantilista da monar- sório de arrendamento, a metrópole desistia de impor-
quia portuguesa concentrava-se no lucrativo comér- tar a madeira das praças asiáticas, prometendo adquirir
cio com as Índias. A expedição de Vasco da Gama, em a madeira da colônia.
1498, rendeu aos cofres de Portugal expressivo Por sua parte, o arrendatário prometia proteger
percentual de lucro na venda das especiarias. A expe- o litoral das incursões estrangeiras e pagar o imposto
dição de Cabral que partiu em 1500 foi planejada na de 1/5 do valor arrecadado. A combinação teve curta
intenção de explorar o lucrativo comércio com o Ori- duração porque os navios estrangeiros freqüentemente
ente e tiveram como retorno as caravelas que regres- desembarcavam no litoral brasileiro. Na Europa a ma-
saram a Portugal abarrotadas de mercadorias. deira era cobiçada pelos países que produziam tecidos,
como é o caso de França e Holanda. A sonhada prote-
ção do território esbarrava nas enormes dimensões lito-
“Já não tinhamos mais nem râneas, cerceando uma defesa mais efetiva. A partir de Desembarque
de Cabral em
pão para comer, mas apenas 1511, a própria corte de Portugal assumiria as rédeas Porto Seguro
da exploração do pau-brasil apesar dos lucros não se-
polvo impregnado de morcegos, rem muito compensadores.
que tinham lhe devorado toda a
substância, e que tinham um fe-
dor insuportável por estar empa-
pado em urina de rato”.
Diário de Bordo. Navio português.
1545
As primeiras investidas no litoral brasileiro re-
sultaram em fracasso, frustrando a esperança de en-
contrar metais preciosos. A expectativa de encontrá-
los em áreas interiores esbarrava nas terríveis condi-
ções de acesso e na muralha representada pela densa
mata Atlântica. Restava então o consolo de se virar Na extração da madeira utilizou-se mão-de-obra
com a madeira do pau-brasil que existia em grande indígena, encarregada da árdua tarefa de cortar o pau-
quantidade. brasil no interior da mata, derrubar árvores de 15 metros
A primeira atividade econômica foi a explora- de altura, para em seguida carregá-las até os navios.
ção do pau-brasil. Na Europa a madeira era utilizada Pelo trabalho os índios não ganhavam absolutamente
para o fabrico de um pigmento avermelhado, muito nada.
útil na tintura de tecidos.
2. Ao contrário, eram normalmente iludidos com A bem sucedida experiência no li-
objetos de metal, bugigangas e colares, prática anteri- toral africano fez os portugueses apos-
ormente utilizada com os negros africanos. Como os tarem na viabilidade do sistema de
índios ofereciam resistência os portugueses substituí- feitorias, como forma de garantir a se-
ram as quinquilharias por objetos mais sofisticados tais gurança da colônia.
como: panelas, espadas, foices e tesouras. De um jeito
ou de outro, os índios estavam sempre em desvanta- FRACASSO
gem, sujeitos à malandragem dos comerciantes de Por- NAS
tugal. A exploração do trabalho indígena através do
escambo - sistema de trocas - aumentou os rendimen-
ÍNDIAS
tos do comércio do pau-brasil.
Ingenuamente, os índios atribuíam conotações Na década de
mágicas aos minguados “presentes” portugueses. Era 1520, houve importantes mudanças na con-
Brasil Colônia
natural a admiração por essas novidades, pois os índios juntura política européia. Portugal e Espanha perde-
não conheciam o ferro. O uso de facões e objetos simi- ram o privilégio de serem os únicos Estados centrali-
lares substituía com vantagens as antigas armas de pe- zados do continente. Consolidavam-se as monarquias
dra e madeira, que foram trocadas pelos objetos de fer- de França, Inglaterra e a república Holandesa. Logo
ro. Quando chegavam os navios, os índios corriam em após a superação das crises internas, as “jovens na-
busca de novas mercadorias. A desigualdade numérica ções” se tornaram grandes concorrentes das nações
não impediu os portugueses dominarem as tribos indí- ibéricas. Os pioneiros ibéricos já tinham driblado os
genas. concorrentes, dividindo o Novo Mundo em dois trata-
dos - Tordesilhas em 1494 e Saragoça em 1529, espé-
cie de Tordesilhas do Oriente. Somaram-se a esses pro-
blemas o início da Reforma Protestante, minando o
apoio que os reinos ibéricos sempre tiveram da fiel
Igreja Católica.
A nova realidade abriu a brecha para os inimi-
gos contestarem as decisões do papa, fiador dos trata-
dos que beneficiavam as nações ibéricas. Rejeitando
os favorecimentos a Portugal e Espanha, o rei francês
Francisco I, contestava Tordesilhas invocando argu-
mentos bíblicos na contestação. Outro argumento se
baseava num antigo direito latino – uti-possedis, que
assegura a posse a quem efetivamente coloniza, o que
não era o caso de Portugal.
“Eram pardos, todos nus,
sem coisa alguma que cobrisse
suas vergonhas. Nas mãos trazi-
am arcos com suas setas. Vinham
todos rijamente sobre o batel e
Nicolau Coelho lhes fez sinal que
pousassem os arcos e eles pousa-
Os portugueses que se transferiram para o Bra- ram.(...) A feição é serem pardos,
Mesmo sem sil nessa época, em sua maioria, eram homens cum-
entender nada, os prindo pena por algum delito. Em Portugal, as Ordena- maneira de avermelhados, de
tupiniquins
assistiram à
ções Manuelinas condenavam infratores ao degredo em bons rostos e bons narizes bem
terras distantes. A pena variava de 5 anos à vida intei-
primeira missa
ra, mas habitualmente os condenados acabavam se fi- feitos”.1
rezada no Brasil,
em 26 de abril de xando no Brasil. Além dos degredados vieram para cá
1500 uns poucos nobres fracassados, artesãos e aventurei- Enquanto isso, em 1525, o comércio com as
ros. Alguns portugueses terminavam se acasalando com Índias se transformara num pesadelo. Na viagem mui-
as índias e serviam depois como intérpretes dos recém- to longa e arriscada, freqüentemente afundavam navi-
chegados. Nos pontos de embarque de madeira funda- os. No Oriente, devido a presença de concorrentes de
ram-se as feitorias, constituídas de poucas habitações e outras nações, os portugueses foram obrigados a en-
uma praça fortificada. carar guerras custosas e inúteis.
3. Normalmente os desastrados combatentes lu- Logo, porém, as exigências relativas a manuten-
sitanos eram derrotados por navios melhor equipados. ção, funcionamento e defesa dos domínios, mormente
Além disso, os mercadores das praças orientais a construção de novas armadas e o estabelecimento de
freqüentemente deixavam os portugueses na mão, atra- guarnições militares, vieram reduzir em muito os lucros
ídos por melhores ofertas dos recém-chegados. do grande negócio que parecia ser o comércio das Índi-
A teimosia em continuar no páreo, obrigou Por- as. A ausência em Portugal de uma burguesia bastante
tugal a contrair empréstimos junto a banqueiros ho- forte, que dispusesse de capitais e de condições de or-
landeses. Iniciou então um caminho sem volta, pois a ganização para o comércio que se abria, fez com que o
dependência tornou o país refém do capital holandês. Estado português praticamente internacionalizasse o
O círculo vicioso dos empréstimos deixou os portu- trato com o Oriente”. 2
gueses a uma situação irreversível, pois quanto mais O fracasso no Oriente desviou a atenção para o
se endividavam, mais perdiam o status de nação pode- Brasil. Os portugueses sempre tiveram a esperança de
rosa. encontrar metais preciosos no Brasil. Afinal, se os es-
Brasil Colônia
panhóis haviam conseguido encontrar as fabulosas mi-
nas de ouro do império asteca, era muito provável que
houvesse ouro no Brasil. Desde o início os explorado-
res mostravam objetos de ouro aos índios, na expecta-
tiva que surgisse o caminho do Eldorado. Juntam-se a
esses aspectos, a dificuldade de garantir a colônia com
a escassa população de portugueses. No imenso litoral
era freqüente o desembarque de navios estrangeiros em
busca do pau-brasil. Em 1529, Portugal mudou as dire-
trizes em relação ao Brasil. A mudança de atitude apon-
tava na direção da colonização propriamente dita.
A EXPEDIÇÃO DE MARTIM AFONSO
DE SOUZA Diante de Cabral,
os índios
tupiniquins
Para a maioria dos historiadores, a viagem de tentam fazer os
Martim Afonso de Souza é o ponto de partida da colo- portugueses
nização das terras brasileiras. A esquadra veio com cin- entender o que
co navios sob o comando do nobre português, que era falam, dois dias
depois de os
pessoa da absoluta confiança do rei D. João III. O co- descobridores
mandante vinha autorizado a empossar as terras desco- terem atacado as
nhecidas, nomear tabeliães, oficiais de justiça e doar novas terras.
sesmarias aos colonos interessados no povoamento das
“Essa terra de tal maneira é terras brasileiras.
graciosa que, querendo aproveitá-
la dar-se-á nela tudo por bem das
águas que tem. Mas o melhor
fruto que nela se pode fazer, me
parece que será salvar essa gente;
e esta deve ser a principal semente
que Vossa alteza deverá lançar”.
Carta de Pero Vaz de Caminha
“A descoberta das Índias dera, a princípio, con-
sideráveis lucros ao Estado português. As armadas,
que faziam o tráfico, pertenciam a ele, ou melhor, ao
rei que era a sua personificação. A cobrança do quinto
e outros tributos e a venda de produtos do Oriente
acumularam fortunas em suas mãos, tendo sido
consumidas na maior parte em gastos suntuários, como
na construção de edifícios portentosos, em dádivas e
benefícios, em embaixadas e no fausto da corte. O luxo
da corte de D. Manuel era admirado em toda a Euro-
pa.
4. Pela Carta de Doação o donatário recebia uma
extensão de terra, variando de 30 a 100 léguas no sen-
tido vertical do território; o limite interior era a linha
de Tordesilhas. O documento assegurava o direito he-
reditário às capitanias, lembrando no aspecto político
as tradições feudais. O outro documento - Foral - con-
tinha os deveres, tributos e obrigações do donatário,
dentre elas; proteger o litoral das incursões estrangei-
ras e a doação de sesmarias aos colonos.
Desde o princípio, mesmo
depois de deixar de ser apenas
Brasil Colônia
uma boa parada para os navios
com destino à Ásia, Portugal
deixou claro que no Brasil se
desenvolveria uma economia
dominada e, de certa forma, peri-
férica.
Nos arredores do Brasil dividiram a expedição
Os tiros de canhão em dois grupos, com o objetivo de vasculhar ao mes-
disparados não
assustavam os
mo tempo o norte e o sul à procura de riquezas. O sistema de capitanias foi implantado com a
tupinambás, No sul, animaram-se com as notícias de exis- esperança de livrar Portugal do custo de implantação
munidos de arco e tência de metais preciosos, resolvendo então vasculhar do modelo colonial. Inspiradas nas tradições feudais,
flecha no combate as áreas interiores. Após percorrerem alguns quilôme- as capitanias tiveram no Brasil, uma feição mercantil,
aos portugueses
tros rio acima, encontraram índios hostis que, de uma a exemplo da produção de açúcar para consumo ex-
só vez, eliminaram todos os exploradores. Martim Afon- terno e a utilização em larga escala da mão-de-obra
so teve melhor desempenho, pois o seu grupo escrava. O vínculo direto com o capital mercantil
expulsou navios franceses contraban- desvinculou as capitanias de laços maiores com o feu-
distas de pau-brasil. De quebra, dalismo. O sistema se apoiava em regras totalmente
fundaria a vila de São Vicente, diferentes das que existiram na ordem feudal. A seme-
distribuindo, em seguida, lhança resumia-se no direito hereditário dos donatários
sesmarias aos interessados. No e na autoridade auferida sobre os colonos. Além do
local seriam plantadas as pri- mais, doação das capitanias se dava no plano formal,
meiras mudas de cana-de-açú- pois o donatário era impedido de vendê-las ou transfe-
car. Regressando a Portugal ri-las.
Martim Afonso animou o rei, Entretanto em pouco tempo frustraram-se as
face às intenções de exploração na esperanças de Portugal. A maioria dos donatários nem
colônia. O depoimento do coman- sequer vieram ao Brasil. Os poucos que toparam não
dante impressionou o rei D. João tinham recursos para cumprir as metas do acordo com
III, levando-o a apostar no sistema o rei. A dificuldade de comunicação entre as capitani-
de capitanias para administrar o Bra- as, tornava mais fácil viajar a Portugal do que o deslo-
sil. camento para uma capitania vizinha.
Das capitanias, São
Vicente e Pernambuco destoa-
CAPITANIAS ram das demais, esboçando um
padrão razoável de prosperida-
HEREDITÁRIAS de, vinculado ao plantio da cana-
de-açúcar. Os donatários Duarte
O sistema já havia sido utilizado com êxi- Coelho e Martim A. Souza con-
to nos arquipélagos de Açores, Madeira e Cabo seguiram dos banqueiros holan-
Verde. Por ordem do rei dividiu-se o território bra- deses a liberação de empréstimos
sileiro em 15 partes, entregues a doze donatários, para a construção de engenhos
em geral, a pequenos fidalgos da corte. Para os açucareiros. O colapso do siste-
donatários o investimento na colônia apresentava inú- ma de capitanias levou o rei a
meras vantagens do sistema de capitanias, pelo menos optar por um novo esquema ad-
é o que parecia. ministrativo.
5. Governo-Geral
Nóbrega.
E
m 1549, desembarcava na Bahia o pri As inúmeras atribuições do governador-geral
meiro governador-geral, Tomé de Sou estavam expressas num pacote de obrigações, difíceis
za. A implantação do novo sistema ad- de viabilizar. Vinculavam-se à necessidade da monar-
ministrativo, estava em perfeita sintonia com o mo- quia em garantir a sua autoridade na colônia.
mento europeu de consolidação das monarquias abso- Para diminuir um pouco a “pequena” carga de
Brasil Colônia
lutistas. Apesar do governo-geral, as capitanias conti- tarefas, contaria o governo-geral com o auxílio do pro-
nuariam existindo até que a Corte pudesse resgatar as vedor-mor, responsável pela parte financeira. A monar-
que se mostraram produtivas. A realidade inusitada quia tinha a pretensão de controlar efetivamente as con-
permitiu a sobrevivência das capitanias até o século tas da colônia, impondo uma série de impostos e arreca-
XVIII, quando foram extintas pelo Marquês de Pom- dações.
bal. Todavia, os donatários continuariam como O provedor era tão prestigiado quanto o gover-
autoridade subordinada ao governador-geral. nador-geral, acompanhando-o em todas as viagens pela
A presença de uma autoridade com plenos po- colônia. Havia ainda o ouvidor-mor com a função de
deres foi encarada como solução mais viável para aplicar a justiça, segundo os padrões das Ordenações
“Não fazem o menor caso de
encobrir ou mostrar suas vergo-
nhas; e disso têm tanta inocência
como em mostrar o rosto. Ambos
traziam os beiços de baixo furados
e metidos neles seus ossos brancos
e verdadeiros, do comprimento de
uma mão travessa, da grossura
dum furador.”
Carta de Pero Vaz de Caminha.
Manuelinas, espécie de código jurídico do absolutismo Na fundação de
deslanchar a engrenagem da colonização. Esperava- português. Poderia eventualmente julgar e decretar São Vicente, a
se também que o governo-geral resolvesse o velho penalidades de acordo com a gravidade dos delitos. primeira vila do
Brasil, Martim
problema dos ataques estrangeiros, sobretudo dos Finalmente, o capitão-mor comandava a espinhosa in- Afonso contou
franceses. Com esse intuito, em dezembro em 1548, cumbência de vigiar o litoral e organizar a defesa contra com a ajuda de
partiu de Lisboa, a esquadra de três navios trazendo os invasores. João Ramalho
mais de mil pessoas, chegando no Brasil, em março de Apesar da tonelada de atribuições, o governo-
1549. geral não conseguir realizar metade do que propunha.
A comitiva era formada por degredados, subal- Na prática, o governador-geral controlava apenas a ca-
ternos e contratados, sob o comando de Tomé de Souza pitania da Bahia de Todos os Santos. No restante da
além dos jesuítas, a exemplo do padre Manuel da colônia, a distância em relação ao poder central ajudava
a encobrir os atos lesivos aos in-
Na gravura ao
teresses de Portugal. lado: A
organização de
Duarte Coelho
transformou
Pernambuco na
capitania mais
importante do
reino
6. Com a imensidão do território, houve a disper- Diziam as más línguas que o filho de Duarte da
são dos centros de comércio e produção ainda se Costa era envolvido na venda de índios capturados. O
restringia a poucas capitanias, dificultando as intenções fato provocou veemente protesto dos jesuítas, que
centralizadoras da monarquia. Para minimizar o haviam assumido posição contrária à escravidão
problema, elite colonial e monarquia portuguesa indígena. Insatisfeito com o desenrolar da situação, o
viveram inicialment, em sintonia de interesses, bispo D. Pero F. Sardinha embarcou para Portugal, na
conjugados no mesmo verbo da exploração. A corte intenção de pedir a interferência real. Para azar do bis-
lusitana desfrutou, por um bom tempo, a tranqüilidade po, o navio afundou e os sobreviventes foram
de conviver na colônia com uma elite fiel e solidária. dizimados pelos índios canibais. 4
A conjuntura delicada fez o rei destituir Duarte
OS PRINCIPAIS GOVERNADORES. da Costa e trocá-lo por Mem de Sá, em 1558. O novo
governador teve de enfrentar a rebelião indígena da
Tomé de Souza foi o fundador da cidade de
Salvador, escolhendo-a para sediar o governo colonial.
Brasil Colônia
Seu grande desafio foi dobrar a resistência de Duarte “Os cabelos são corredios. E
Coelho, donatário de Pernambuco, que não aceitava a andavam tosquiados, de tosquia
taxação de impostos sobre o açúcar. O impasse foi re-
solvido pelo rei, que ordenou a anistia ao próspero
alta. E um deles trazia por baixo da
donatário. Não convinha ao rei brigar com o dono da solapa, de fonte a fonte para de
capitania mais rica da colônia. O episódio fortaleceu trás, uma espécie de cabeleira de
Duarte Coelho em detrimento de Tomé de Souza, que
foi impedido de entrar na capitania pernambucana. penas de aves amarelas. Porém e
Diante do vexame, restou ao governador fazer as malas com tudo isso andam muito bem
e voltar para Portugal.
Em 1553, desembarcou o novo governador-
curados e muito limpos. ” 1
geral, Duarte da Costa, logo se envolvendo em várias
Carta de Pero Vaz de Caminha.
Confederação dos Tamoios. Os rebeldes se aquartela-
ram no Rio de Janeiro, junto aos franceses corsários
estabelecidos na região. No local os franceses
construíram o forte de Coligny com a intenção de
enfrentar as tropas de Portugal. No total eram 6.000
índios e 500 franceses dispostos armados com grande
arsenal.
As perspectivas pareciam boas para os fran-
ceses. Na França várias pessoas ensejavam a vinda
para o Brasil. As guerras de religião deixaram os
calvinistas franceses em desvantagem, levando muita
confusões. Com efeito, o governador fez vista grossa gente ao êxodo para as terras tropicais.
Tomé de Souza
aos índios escravizados nas plantações de açúcar.
desembarca em
Salvador Teoricamente a ecravidão indígenaera proibida por
decreto real
Atribuições do Governador-Geral
tabelar o preço do pau-brasil e garantir o monopólio da mercadoria
perseguir e exterminar os piratas que estivessem pelo litoral da colônia.
estabelecer feiras nas vilas e povoados.
promover alianças com tribos amigas e conceder terras aos índios
proibir a escravidão dos índios.
prestar contas ao rei das terras situadas nas regiões interiores.
explorar as terras do sertão, de olho nos metais preciosos.
fiscalizar constantemente as diversas capitanias.
7. No Brasil a cana-de-
açúcar foi introduzida por
Martim Afonso de Souza,
também dono do primeiro
engenho erguido no país,
em associação com o
holandês Johann van
Hielst, representante dos
Brasil Colônia
Schetz, ricos armadores,
comerciantes e banque-
iros de Amsterdã.
tugueses foram buscar nas aldeias indígenas. Reduzi-
Em 1556, desembarcou no Rio um grupo dos à escravidão e castigados com violência, aos índi-
missionários franceses, que terminaram provocando os restava fugir ou reagir. Os que reagiram enfrentaram
uma grande confusão. Os colonos mais antigos não a hostilidade dos mercenários, que destruíam dezenas
aceitavam os hábitos rigorosos que os missionários de aldeias, não perdoando, ao menos, as mulheres e
queriam impor. A briga exigiu a interferência do coman- crianças. As “guerras justas,” como foram chamadas,
dante Villegaignon, que ameaçou expulsar os resultaram no massacre e extermínio de boa parte da
missionários. O episódio repercutiu na França, população indígena.
cerceando a transferência de mais colonos para o “Como se não bastasse, em 1562, junto com a
Brasil. Aproveitando-se do desentendimento, Mem de violência determinada pelas guerras anti-caetés, uma
Sá enviou uma esquadra para o Rio, sob o comando epidemia - segundo parece, de varíola - golpeou, por
do sobrinho Estácio de Sá. três meses, as cercanias de Salvador. Avaliações
Na baía de Guanabara, Estácio fundou a vila do pessimistas estimam que esse surto tenha causado a
Rio de Janeiro para servir de base nas incursões con- morte de 30 mil índios. No fim desse ano ou no início
tra os franceses. Em 1568, os portugueses expulsaram de 1563, uma segunda epidemia instalava-se em Ilhéus.
o último navio francês e, de quebra, debelaram a Trazida por um navio português, ela espalhou-se com
rebelião indígena. O “final feliz” fez de Mem de Sá, o rapidez pelo litoral e parte do interior, atingindo tam-
governador-geral mais elogiado pela historiografia por- bém a capitania da Bahia. As seqüelas das epidemias
tuguesa, ostentando, por muito tempo, o carisma de entre os lusitanos foram quase nulas.
pacificador da colônia. Entretanto, a alegada
pacificação se deu em prejuízo dos índios, que foram
massacrados sem perdão, depois do ataque das tropas
portuguesas.
A mudança de atitude em relação aos índios se
notava desde a época de Duarte da Costa. O cultivo
do açúcar exigiu mão-de-obra abundante, que os por-
O Tempo da História
1500 1530 CAPITANIAS 1548 1555
PERÍODO 1538 CRIAÇÃO DO FRANCESES
PRÉ-COLONIAL SISTEMA DE FUNDAM A
EXPEDIÇÃO 1567
ESCAMBO DE MARTIM CHEGAM AO GOVERNO- FRANÇA
PAU-BRASIL AFONSO BRASIL OS GERAL 1549 ANTÁRTICA EXPULSÃO
PRIMEIROS DOS
ESCRAVOS FUNDAÇÃO FRANCESES
AFRICANOS DE SALVADOR
8. Entre os índios, mal alimentados, estressados casos pendentes e resolviam litígios. Colocavam ain-
e debilitados pelas arbitrariedades, foram terríveis. da em prática as decisões administrativas do governo-
Aterrorizados, famintos, morrendo como moscas, sem geral.
forças para enterrar os mortos, quanto mais para As eleições para a Câmara eram uma farsa, pois
caçar e trabalhar nas roças, os sobreviventes só participavam os homens-bons. A posse de terra e
ofereciam-se como escravos nas povoações e enge- escravos era usada como critério para definição dos
nhos e deixavam-se cativar sem resistência, tudo em homens que podiam participar das elei-
troca de uma farinha de mandioca. Alguns ções. Um cidadão que tivesse riqueza
índios apresentavam-se aos colonos já com originada do comércio, estaria
os ferros nos braços e nas pernas. Epi- excluído evidenciando o pre-
demias de origem européia cri- conceito que existia contra
avam a “extrema necessida- esse tipo de atividade. O
de”, que justificaria, segun- elitismo da sociedade
do a legislação portugue- escravista impunha uma
Brasil Colônia
sa, que um índio se vendes- visão social em benefício
se como escravo” 6 dos latifundiários, fechan-
O longo período de do as portas a quem não
Mem de Sá foi repleto de possuísse a terra. Todo
complicações que, ao final, tipo de trabalho manual
foram resolvidas em bene- era considerado indigno e
fício dos lusitanos. Mais inferior, daí o preconceito
bem organizados, não contra comerciantes e
pouparam esforços na ex- artesãos.
pulsão dos franceses, que eram chamados de invasores. As Câmaras Municipais desfrutaram de razoá-
Em 1572, a Corte portuguesa procurou aperfeiçoar o vel autonomia no que se refere às decisões jurídicas e
Vestidos para a
sistema, dividindo a colônia em dois governos-gerais. administrativas. A distância da colônia em relação a
guerra, alguns Portugal deixou a brecha, logo aproveitada pela elite
índios AS CÂMARAS MUNICIPAIS colonial. Há de se considerar que durante muito tempo
combateram os interesses da elite colonial e da metrópole eram pra-
duramente a
colonização Como já foi visto, a dificuldade de comunicação ticamente os mesmos.
portuguesa interna foi um grande obstáculo à consolidação do
provocando a governo-geral. Para suprir a lacuna, surgiram as
ruína de muitas
capitanias
Câmaras Municipais, instituídas nas vilas mais “Os nossos brasileiros pintam
importantes da colônia. Com o tempo, tornaram-se o
centro de representação dos interesses locais,
muitas vezes o corpo com desenhos
resolvendo problemas que afetavam diretamente a de diversas cores e escurecem tan-
elite. to as coxas e pernas com o suco de
Sempre no dia 8 de dezembro, um garotinho de
oito anos colocava a mão na urna e escolhia os nove jenipapo que ao vê-los de longe
indicados para a administração dos três anos seguin- pode-se imaginar estarem vestidos
tes. Além dos escolhidos, havia o juiz-de-fora indica-
do pelo rei. O cargo era de grande prestígio e normal-
com calças de padre”.
mente era exercido por juristas letrados. Os juízes or-
dinários, em conjunto com o juiz-de-fora, arbitravam
A inexistência de conflitos colocou a corte por-
tuguesa e os latifundiários em perfeita sintonia e “can-
tores da mesma música” em tom bem afinado. A
“oposição” ficava por conta dos comerciantes, que
não deixavam os latifundiários em paz, mas também
sem produzir resultados práticos.
9. Como afirma Antô-
nio Mendes Jr: “A mostra
de independência que
FORNECIMENTO DE
dava aos colonos, reunidos
ESCRAVOS E
em suas câmaras, não pre- PRODUTOS
ocupou a Coroa até à se- MANUFATURADOS
gunda metade do século
XVII. Ao contrário, esta até COLÔNIA METRÓPOLE
abonou uns procedimentos
nas vezes em que solicitou- EXPORTAÇÃO DE
se sua intervenção. No PRODUTOS AGRÍCOLAS
momento de que nos ocu- E METAIS PRECIOSOS
pamos, realizavam os colo-
nos justamente os interes-
Brasil Colônia
Vista por esse ângulo, a expansão marítima e a
ses da Coroa - ocupação e povoamento das terras,
descoberta de novas terras foi conseqüência direta do
busca de pedras e metais preciosos, desenvolvimento
processo de renovação da economia européia.
do sistema exportador etc, - não havendo, portanto,
A colonização aparece então como o desdobra-
razão para tolhê-los em suas iniciativas e muito me-
mento dos interesses de enriquecimento do Estado Mo-
nos para temer qualquer proposição libertária.
derno. A montagem da política colonial compreendia a
Apenas após a restauração portuguesa é que
proteção e manutenção das terras ocupadas, a implan-
veríamos a preocupação clara da Coroa em sujeitar
tação de uma estrutura administrativa e fiscal e a manu-
os colonos às autoridades de sua administração, que
tenção do rígido monopólio comercial. “Em torno da
se ampliava e se afirmava, quando se rompia a iden-
preservação desse privilégio, assumido inteiramente
tidade de interesses que houvera entre os colonos e a
pelo Estado ou reservado à classe mercantil, da
Coroa.” 7
metrópole ou parte dela, é que gira toda a política do
sistema colonial. E aqui reaparece o caráter de explo-
ração mercantil, que a colonização incorporou, da
“Só deixavam de ser homens- expansão comercial, da qual foi um desdobramento”
8
bons os operários, os mecânicos, os
degredados, os judeus e os estran-
geiros. Aqui está: homens-bons
eram todos os que exploravam o
trabalho alheio; os que do seu
viviam eram livres ou escravos:
nem os primeiros estavam naquele
rol”.
Castro Rabelo
OS PRINCÍPIOS DA COLONIZAÇÃO
A relação econômica de Portugal com as áreas
descobertas teve etapas distintas. Inicialmente limitou- O açúcar era comprado na colônia por um preço
se à circulação de mercadorias no litoral africano através irrisório em comparação com o valor da mercadoria nas
Jesuítas no
do comércio de pimenta e marfim, e no Brasil à extração trabalho de
praças européias. A elite colonial conseguia amealhar catequese dos
do pau-brasil. Em seguida, teve início a produção pro- lucros devido a imensa quantidade de açúcar exportado, índios
priamente dita, com a instalação da empresa açucareira. totalizando no final uma renda significativa. Na Europa
A colonização em seus fundamentos, deve ser o produto era vendido aos holandeses, que refinavam
considerada como parte integrante da política e vendiam o produto final. Além do mais com a
mercantilista do Estado português. imposição do “exclusivo colonial” a burguesia
Com efeito, a centralização política do Estado metropolitana e o Estado aumentavam seus lucros com
Moderno alterou profundamente as ultrapassadas es- a venda na colônia das mercadorias manufaturadas.
truturas feudais ao unificar o sistema de pesos e medi-
das, fortalecer as alfândegas e proteger as manufatu-
ras da concorrência estrangeira. A prioridade sempre
foi arrecadar o máximo de recursos para os cofres do
Estado.
10. “Enquanto a
Portugal se lançava
pelo mundo em busca
de ouro e outros
conversos, a Holanda
se desenvolvia com
formas alternativas de
exploração do
comércio e empréstimo
de capitais”.
Brasil Colônia
Legalmente a colônia era obrigada ao consumo
de produtos trazidos exclusivamente pela metrópole. A OS ÍNDIOS E A ESCRAVIDÃO
pirataria e o contrabando eram rigorosamente punidos
pelos fiscais reais de Portugal. A mão-de-obra era peça chave do esquema
A colônia era obrigada a desenvolver a produ- de exploração. A necessidade de recrutar trabalho para
ção para o consumo externo, tornando-se mera forne- a lavoura de cana-de-açúcar levou os colonos a inva-
cedora de gêneros tropicais e matéria-prima. A exis- direm aldeias, subjugando pela força milhares de indí-
tência de grandes latifúndios ligava-se diretamente a genas. Quem conseguia escapar embrenhava-se pela
esses interesses. A implantação do engenho açucareiro mata, fugindo para as regiões mais distantes. Os índi-
exigia um alto investimento, inviabilizando a pequena os capturados eram obrigados a aceitar a escravidão.
produção. Acuados, entregavam-se aos colonos, escolhendo a
escravidão em lugar da morte.
Na Bahia foram apresados centenas de índios,
“Os homens e as mulheres conduzidos em seguida aos engenhos, nas áreas de
(de uma tribo do Brasil) são plantio da cana-de-açúcar. A visão defendida pela
historiografia tradicional, que alegava a indolência
fortes e bem conformados como indígena, é desmentida pela realidade de várias regi-
nós. Comem algumas vezes carne ões da colônia, que usaram basicamente os índios
como escravos.
humana, porém somente a de
seus inimigos. Não os comem nos
campos de batalhas, nem
tampouco vivos. Despedaçam o
corpo e repartem entre os vence-
dores.”
Por outro lado, a ambição da monarquia portu-
guesa contrastava com a debilidade em gerenciar os
recursos financeiros. Os gastos altíssimos da corte e a
ausência de produção manufatureira tornaram Portu- Na região sul durante muito tempo, os índios
gal, refém dos países mais ricos do continente euro- escravos foram esmagadora maioria, contrastando com
peu. Se de um lado sugavam a colônia, eram de outro, o pequeno número de negros. A reduzida produção
submissos à vontade dos banqueiros holandeses. A de São Vicente não compensava o investimento inicial
burguesia lusitana contentou-se no final com o papel de aquisição do escravo africano.
de intermediária, apenas repassando o açúcar aos es-
pertos holandeses.
11. A falsa idéia de que os índios não se adapta- No continente africano, os portugueses adqui-
vam ao trabalho legou uma imagem negativa e riam centenas de negros em troca de mercadorias de
preconceituosa do elemento nativo. O ódio irracional baixíssimo valor, como cachaça e fumo, obtidos a custo
contra as populações indígenas também encobria as (quase) zero aqui na colônia. A prática do tráfico teve
escusas intenções de apropriação das terras em inicio, em 1445, quando os portugueses aceleraram a
benefício do colonizador. exploração das feitorias africanas. De lá, eram levados
“Embora seja difícil aferir a extensão do regi- para a metrópole onde desempenhavam basicamente
me escravista completo para a mão-de-obra indígena tarefas domésticas.
no Brasil (com as características de perpetuidade, No auge dessa ëscravidão portuguesa”, os
transmissão hereditária por via materna e irrestrita escravos representavam 10% da população da cidade.
alienabilidade) não há dúvida de que não se tratou Entretanto, apesar desse início, a escravidão não
de casos esporádicos como se poderia pensar, mas de emplacou como forma de trabalho no continente
algo regulamentado pela Coroa portuguesa e que europeu pela incompatibilidade com o capitalismo em
atingiu caráter amplo no espaço e no tempo. É expansão. Em compensação, nas colônias seria a
Brasil Colônia
verdade que a legislação variou bastante, maneira mais viável de baratear o custo do açúcar e
estabelecendo inúmeras restrições à escravidão do outras mercadorias.
índio, mas os autores encontraram várias circuns-
tâncias em que o aprisionamento e a escravidão do
índio brasileiro podiam ser legitimados. As guerras
justas, por exemplo, eram aquelas que deviam ser
travadas - uma vez autorizadas pela Coroa e pelos
governadores - em legítima defesa contra tribos
antropofágicas. Nelas se justificava tomar escravos.”
10
O TRAFICO NEGREIRO
O aumento da produção açucareira no Nordeste
vinculou-se à necessidade de ampliar o contingente Mercado de
escravo. A obtenção da mão-de-obra indígena era in- negros. Pintura
de Debret
constante e irregular. O meio ambiente favorecia os
índios, mais acostumados com os mistérios e perigos
das densas florestas. Ao mesmo tempo em que se
esforçavam para aprisionar os índios, os portugueses
resolveram o problema com o tráfico de escravos afri-
canos.
A partir do século XVII, o uso de escravos nas
Antilhas deu mais impulso ao tráfico negreiro. Os
espanhóis tinham dizimado a população local,
recorrendo então à compra de escravos das feitorias
portuguesas. As praças de abastecimento eram Guiné,
Angola, São Tomé e Príncipe. Esses locais se tornaram
as principais praças fornecedoras de escravos. O
negócio era tão lucrativo que os ingleses, franceses e
holandeses também entraram no esquema, conquistando
lugares fornecedores de escravos.
“De início o tráfico negreiro era feito sob a
administração da Coroa ou mediante venda de licença
a particulares, cobrada segundo uma taxa estipulada
No século XVII, desembarcaram 500.000 negros por peça de escravos, ou, ainda, pelo arrendamento
escravos trazidos em diversos navios tumbeiros. Além de áreas definidas. Porém, a Coroa não se empenhou
das dificuldades referentes à captura dos índios, nunca, com seriedade, em tomar para si o encargo de
houve também o lucro exorbitante que a tráfico rendia traficar diretamente, de maneira que esse comércio
aos mercadores negreiros. A burguesia de Portugal sempre esteve sob a iniciativa de particulares,
encontrou no tráfico negreiro o substituto lucrativo destacando-se os portugueses de ascendência judáica.
para a perda do monopólio do comércio com as Índias. (...) A substituição do escravo índio pelo africano
ganhou impulso no final do governo de Mem de Sá,
por volta de 1570, e já em 1630 tinha se tornado um
processo irreversível.” 11
12. Os negros capturados eram colocados em de- especial, morando em pequenos barracos de pau-a-
pósitos à espera dos navios tumbeiros. O embarque pique cobertos com folhas de bananeiras. Embora
era preparado com rapidez para evitar possíveis rebeli- não houvesse empenho notável em fazendas de re-
ões, preferindo-se os escravos que estavam no local produção, havia a preocupação em se dar um míni-
há muito mais tempo. Os negros eram retirados à força mo de conforto aos casais para que eles reproduzis-
de seus locais de origem e misturados com negros das sem força de trabalho para o senhor.” 12
mais variadas etnias. A dificuldade de co- A posse de escravos representava
municação e o isolamento em rela- prestígio e poder. Media-se um homem muito
ção ao resto do grupo minimizavam mais pela posse de escravos do que pela
a chance de fuga, levando muitos ao posse da terra. As terras eram doadas com
suicídio. facilidade pela Coroa, enquanto que os
A viagem era uma aventura escravos, por serem comprados, eram
aterrorizante. Centenas de negros, símbolo automático de riqueza. O aumento
homens na maioria, amontoavam-se da escravidão acentuou o costume portu-
Brasil Colônia
nos porões das embarcações. Eram guês de desprezo pelo trabalho manual,
em média 500 a 700 escravos, a visto como atividade inferior de gente
depender do porte do navio. Suposta- desclassificada.
mente no caminho, deveriam existir três refeições por Na ideologia escravista os negros eram indo-
dia, mas a regra geral, era a escassez de alimentos. A lentes e libidinosos. Da mesma forma, que se menos-
sujeira e a imundície facilitavam a propagação de prezava o índio, convinha à sociedade colonial atribuir
doenças na viagem, que durava mais ou menos 45 aos negros a pecha de preguiça, o que justificava os
dias. inúmeros castigos e maus tratos. Na senzala, os negros
Cerca de 10% dos escravos morriam no cami-
nho. O traficante que pretendia vender 500 escravos
transportava uma quantidade maior prevendo a quebra
de 10% por conta da mortalidade. Após a venda nos “Ontem a serra-leoa,
mercados do litoral, eram levados para os engenhos, guerra, a caça ao leão,
onde imediatamente eram incorporados ao contingen-
te de trabalho.
O sono dormido à toa
sob as tendas da amplidão
Hoje o porão negro, fundo,
infecto, apertado, imundo,
tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
pelo arranco de um finado
e o baque de um corpo ao mar...”
Castro Alves - Navio Negreiro
mais rebeldes eram acorrentados para evitar a possibi-
lidade de fuga. Os castigos mais severos variavam do
garrote colocado no pescoço até a morte do escravo.
A historiografia oficial descrevia a sociedade colonial
de forma idealizada. Creditavam aos brancos a boa con-
“A senzala - habitação coletiva de negros es- duta enquanto os negros eram taxados de passivos e
cravos - eram construções bastante longas sem janelas submissos. Essa visão absurda serviu de base para o
Retrato da
(ou com janelas gradeadas) dotadas de orifício junto comportamento preconceituoso da sociedade que so-
escravidão.
Quadro de ao teto para efeito de ventilação e iluminação. brevive até os dias de hoje.
Rugendas Edificadas de pau-a-pique e cobertas de sapé, possu-
íam divisões internas e um mobiliário que se resumia
a um estrado com esteiras - ou cobertores - e traves-
seiros de palha. Às vezes, e se era o caso, havia tam-
bém um jirau para o escravo guardar os seus pertences.
Em algumas fazendas, nem as divisões internas eram
efetuadas. Em outras, as senzalas eram menores. Em
quase todas os casais desfrutavam de uma situação
13. O latifúndio e o engenho
T
erra é o que não faltava na colônia. Dis apanágio dos senhores
ponível em grande quantidade, genero de engenho. Na ausên-
sa e abundante; foi o estímulo usado cia de uma aristocra-
pela Coroa para a vinda de colonos em condições de cia de sangue e de
iniciar a colonização. A doação de sesmarias surtiu toga, era necessário
razoável efeito, transferindo para o Brasil um
Brasil Colônia
ostentar vida luxuosa,
contingente populacional representante dos interesses posse de muitos escra-
de Portugal. vos, mesmo que desnecessários para a produção, para
O tamanho das sesmarias variava entre 6 e 24 firmar seu status. Queixava-se Jorge Benci, no fim do
quilômetros. Após a posse o sesmeiro tinha um prazo século XVII: que razão pode haver para que os senho-
de 5 anos para iniciar a produção, caso contrário, per- res do Brasil sustentem das portas adentro tão grande
deria o direito sobre a terra, além de pagar uma pesada número de ociosos e ociosas? Por que não lhes hão de
multa. Como se viu anteriormente, o alto custo de mon- meter nas mãos uma enxada, para que plantem manti-
tagem do engenho exigiu a produção em larga escala, mentos e tenham com que se sustentem os mesmos
em terras de grande porte. O engenho numa visão mais senhores a si e a quem lhes trabalha?” 14
ampla, compreendia o local de produção do açúcar, a A riqueza desmedida levava os senhores de en-
casa-grande, a senzala, o moinho e a capela.
O centro desse imenso complexo soci-
al era a casa-grande, que normalmente tinha
muitos quartos e um imenso salão. Além da
família moravam vários agregados, normal-
mente pessoas ligadas ao senhor de enge-
nho. Desempenhavam as mais diversas
funções, incluindo acompanhar o senhor
quando houvesse uma viagem. A existência
de muitos agregados simbolizava força e
poder, como nas antigas famílias romanas com
seus inúmeros “clientes”. Para essas pessoas
humildes, ficar sob a proteção de um senhor
era o melhor negócio do mundo. A dura
realidade social estimulava a subserviência e
a aceitação dos desmandos por mais cruéis
que fossem.
A autoridade era exercida pelo senhor
de engenho, dono das terras, da riqueza e da
vontade das pessoas. Em caso de morte, as
terras ficavam para o filho primogênito,
cabendo aos outros um papel secundário.
Além disso, os filhos e agregados ficariam sob
a proteção de um parente mais próximo.
Consolidou-se então a sociedade patriarcal
no seu mais amplo sentido. A tradição de
autoridade paterna era uma antiga tradição la-
tina, adotada pelos portugueses e transposta para a genho à compra de conservas e comidas em Portugal.
colônia. O poder patriarcal era tão acentuado, que com- As roupas também eram adquiridas na Corte, normal-
petia ao senhor de engenho julgar delitos envolvendo mente tecido do melhor linho inglês ou francês. Apesar Fonte: Nelson
a família, podendo até decidir pela morte dos acusa- de toda a riqueza, a fome às vezes batia na porta da elite Piletti. História
dos. colonial. A ocupação da área do engenho com o plantio do Brasil.
“Ostentar fidalguia, representar perante os Editora Ática.
da cana-de-açúcar, deixou pouco espaço para a agricul- pág 52
outros uma condição social mais elevada, através de tura de subsistência.
símbolos, era uma tradição aristocrática, que em Por-
tugal atingia mesmo os que não tinham cota d’armas.
O desejo luso de ser nobre no Brasil passou a ser
14. Retratos do engenho
Brasil Colônia
A
moral familiar era ditada pelos rígidos O latifúndio e a monocultura voltados para o
padrões católicos, impondo-se à mulher mercado externo nos deixaram uma triste herança co-
uma torturante disciplina. Relegada e lonial. O sistema colonial era espoliativo, predominan-
confinada ao interior da casa, a mulher cuidava dos do sempre o interesse da metrópole, de enriquecimen-
afazeres domésticos. Entenda-se confinada no sentido to a todo custo, independente dos efeitos causados
literal da palavra, porque mesmo com a presença de na colônia. A divisão da terra em favor das elites, con-
visitantes, a sinhá não podia estar no ambiente dos solidou a perversa distribuição, de poucos possuírem
homens. As mulheres não tinham autoridade sobre os tudo e muitos não terem absolutamente nada.
escravos e, na prática, era mais uma propriedade do
senhor de engenho. A rigidez dos valores sociais levou
à supervalorização da virgindade, como forma de ga-
rantir a integridade moral das moças na hora do casa-
mento.
O casamento, é claro, ocorria de acordo com a
conveniência do senhor de engenho, e a escolha do
marido, às vezes, se dava antes das meninas nasce-
rem.! Entretanto, a moral religiosa não se estendia às
senzalas. Os senhores de engenho e seus filhos, com
freqüência, “visitavam” as escravas, submetendo-as a
exóticas práticas sexuais. O fato era aceito (e encober-
to) socialmente, integrando-se ao cotidiano dos enge-
nhos.
“Os escravos são as mãos e os pés do senhor do engenho,
porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e au-
mentar fazenda nem ter engenho corrente. E do modo com que se
há com eles, depende tê-los bons ou maus para o serviço. Por isso
é necessário comprar cada ano algumas peças e reparti-las pelos
partidos roças, serrarias e barcas. E porque comumente são de
nações diversas, e uns mais boçais que outros e de forças muito
diferentes, se há de fazer a repartição com reparo e escolha e não
às cegas”. 13
15. condicionando a produtividade à fertilidade do solo.
ATIVIDADES DE SUBSISTÊNCIA Na região paulista a cultura de subsistência predomi-
nou em relação às outras atividades, pelo menos até o
A economia açucareira se completava com um século XIX, quando teve início a produção cafeeira.
conjunto de atividades subsidiárias, produzidas dentro Perto das vilas era inevitável que existisse esse
e fora dos latifúndios. A natureza diferente das produ- tipo de lavoura, pois a maioria da população estava
ções de subsistência, determinou características opos- empenhada na administração colonial e não tinha con-
tas em relação à cana-de-açúcar. dição de produzir os alimentos necessários à sobrevi-
Nas culturas de subsistência o consumo tinha vência. Essa contradição era inerente ao próprio siste-
por objetivo o mercado interno, fornecendo alimentos ma, pois a supervalorização do açúcar colocava o
à população que vivia nas vilas e latifúndios. As prin- abastecimento da população em segundo plano. A fome
cipais culturas eram mandioca, milho, feijão, arroz, hor- e a subnutrição foram constantes na colonização, prin-
taliças e frutas. A mandioca era a mais importante, a cipalmente quando cresceram os núcleos urbanos. Os
ponto de ser considerada pelos portugueses, o trigo alimentos faltavam, até mesmo, para as pessoas de me-
Brasil Colônia
da colônia. Os centros produtores de açúcar foram o lhor condição.
“Os primeiros colonos che-
gados tiveram naturalmente que
apelar, de início, para os índios a
fim de satisfazerem suas necessida-
des alimentares; ocupados em or-
ganizarem suas empresas, não lhes
sobrava tempo para se dedicarem
a outras atividades. Os índios, que
no seu estado nativo já praticavam
alguma agricultura embora rudi-
mentar e semi-nômade, encontra-
ram neste abastecimento dos colo-
nos brancos um meio de obter os
objetos e mercadorias que tanto
prezavam. Muitos deles foram-se
por isso fixando em torno dos
núcleos coloniais e adotando uma
vida sedentária. Mestiçando-se depois, aos poucos, e
chamariz para o desenvolvimento dessas culturas, que adotando os hábitos e costumes europeus, embora de
se organizavam em algum canto do engenho ou próxi- mistura com suas tradições próprias, constituirão o
mas das vilas. Nos engenhos a de mão-de-obra era o que mais tarde se chamou de caboclos, e formarão o
próprio escravo, que utilizava o fim de semana para embrião de uma classe média entre os grandes
cuidar da roça. proprietários e os escravos” 16
Em geral, esses alimentos eram consumidos
pelos escravos, porque a elite colonial gostava de os-
tentar a riqueza importando alimentos de Portugal. A
A PECUÁRIA
existência da produção de subsistência era condicio-
nada ao preço do açúcar no mercado europeu. O au-
Junto com a atividade de subsistência, a pecuá-
mento da cotação expulsava as culturas complemen-
ria desempenhou papel importante na economia coloni-
tares para as áreas externas e o latifúndio era inteira-
al. Criava-se gado nos engenhos e nas vilas, que termi-
mente ocupado pela cana-de-açúcar.
naram sendo o melhor mercado para os pecuaristas. A
A produção de subsistência também se desen-
competição desigual com a cana-de-açúcar empurrou
volveu nas vilas e entroncamentos de caminhos em
os criadores de gado para as áreas interiores, longe do
pequenas propriedades pertencentes a colonos
litoral. Por ordem da Coroa reservou-se a área de 300
alijados da produção de açúcar. O
quilômetros, a partir do litoral, para o plantio exclusivo
baixo custo da produção, possibilita-
da cana-de-açúcar.
va à família e uns poucos agregados
o plantio das culturas em ritmo
extensivo. Nesses casos a mão-de-
obra escrava era quase inexistente,
pois o baixa lucratividade da
atividade impossibilitava o
investimento de compra e sustento
do escravo.
As técnicas de cultivo eram
excessivamente precárias,
16. Mesmo considerando que nem sempre a norma
era cumprida, não há como negar que a medida criou
sérios embaraços para a pecuária levando-a para as DROGAS DO SERTÃO.
regiões interiores da colônia. No Nordeste, o uso do
carro de boi para o transporte de cana-de-açúcar incen- No extremo norte da colônia, desenvolveu-se a
tivou a expansão da criação desse tipo de animais. atividade extrativa de produtos que eram chamados
A implantação da atividade não exigia maiores drogas do sertão. Embora já existisse desde o início da
investimentos, situação que estimulou o aparecimento colonização, foi no século XVII, após a ocupação do
de inúmeras propriedades, de médio a grande porte, Amazonas, que a produção se tornou mais intensa,
nas margens do rio São Francisco e arredores. Com a após a extinção dos limites de Tordesilhas.
expansão da colonização nos séculos XVII e XVIII a Na região havia grande quantidade de cravo,
pecuária alastrou-se pela região de Minas Gerais e sul canela, cacau, castanha, além de inúmeras plantas me-
da colônia. No sul da colônia, a pecuária encontraria no dicinais. O povoamento era disperso e inconsistente,
pampa gaúcho a situação ideal de pastagens e clima.
Brasil Colônia
com predominância para a população indígena em re-
Na pecuária desenvolveu-se uma sociedade com lação aos colonos vindos de Portugal.
outras características. A escravidão era incompatível A distância dos centros importantes da colônia
com os baixos rendimentos gerados pela atividade; além fez a região aproximar-se economicamente de Portu-
do mais, os peões freqüentemente tinham de se deslo- gal. Os poucos colonos que foram para a Amazônia
car por várias regiões tangendo a boiada, exigindo a aproveitavam-se da falta de vigilância para utilizar os
utilização do peão conhecedor do terreno. índios na coleta dessas mercadorias. A presença pos-
terior dos jesuítas na região criou um clima de perma-
nente tensão, pois os padres, não concordando com a
escravidão indígena, usavam a influência junto às au-
toridades para coibir a ação dos colonos.
Aproximando-se dos índios, os jesuítas con-
seguiam a confiança das tribos que se transferiam para
as missões, onde estavam a salvo da escravidão.
Entretanto nos aldeamentos dos jesuítas os índios
continuariam fazendo o mesmo trabalho, embora não
estivessem mais sujeitos a escravidão.
“As boiadas que ordinaria-
mente vem para a Bahia de cem,
cento e cinqüenta, duzentas e tre-
zentas cabeças de gado. Os que
trazem são brancos, mulatos e
pretos, e também índios, que com
este trabalho procuram ter algum
lucro”.
Antonil
Por esses motivos, utilizou-se trabalho livre e
remunerado, em geral, de indígenas que se agregavam
a essas fazendas. A remuneração poderia ser em moeda
ou pela produção, através de um novilho como paga-
mento. Nesse ínterim, o fazendeiro cuidava de alimen-
tar o peão e garantir-lhe moradia.
17. Os Jesuítas
quanto que os jesuítas riam muito,
na intenção de manifestar um clima
A
intimidade da Igreja com a Coroa por de alegria. O jeito falador dos
tuguesa vinha desde as Guerras de Re padres chocava-se com a atitude
conquista da península Ibérica, no
Brasil Colônia
mais silenciosa e respeitosa, habi-
século XII. A união com a Igreja levou o Estado a tual entre os índios. A liberdade
sustentá-la no regime de Padroado, que permitia ao rei sexual, a nudez, a antropofagia e a
opinar nos assuntos religiosos. Em contrapartida, o poligamia dos índios deixavam os padres deses-
clero também estava presente na Corte, interferindo perados, e, às vezes, não tinham como evitar a tentação
nos assuntos políticos e nas decisões mais da beleza das índias nuas ou seminuas.
importantes do rei. Nada mais natural, portanto, que A dificuldade em conseguir resultados concre-
na colônia houvesse presença marcante de religiosos tos nas primeiras décadas da colonização levou os je-
para garantir e assegurar o catolicismo entre o gentio. suítas a optarem pela submissão dos índios através da
Na visão da Igreja, a imensa população indígena da força, como comprova a carta de Manuel da Nóbrega,
colônia deveria, rapidamente, se converter ao enviada ao rei em 1558: “A lei que lhes hão de dar é
catolicismo. Com esse intuito, desembarcaram no Brasil defender-lhes de comer carne humana e guerrear sem
licença do governador, fazer-lhes ter uma só mulher,
vestirem-se, pois têm muito algodão; ao menos
depois de cristãos, tirar-lhes os feiticeiros, mantê-
los em justiça entre si e para com os cristãos,
fazê-los viver quietos sem se mudarem para
Ajoelhado,
outra parte, se não for para entre cristãos,
Inácio de
tendo terras repartidas que lhes bastem, e Loyola recebe
com estes padres da Companhia para os as bençãos do
doutrinarem”.17 papa Paulo III
pelo sucesso
Para quebrar a resistência dos “sel-
das missões
vagens” que não se dobravam ao apelo
religioso, os jesuítas valeram-se da posi-
ção inteligente de contestar os excessos
da escravidão indígena. O início da
lavoura de cana-de-açúcar exigiu grande
quantidade de mão-de-obra. Os colonos,
“naturalmente,” encontraram nos índios
a solução para o problema, desencade-
dezenas se jesuítas, formando o batalhão de choque ando a captura ostensiva dos índios para suprir a lacu-
da Igreja, imbuídos na tarefa de catequizar os índios na do trabalho. Os jesuítas tiveram posicionamento con-
ateus e pagãos. trário à captura indiscriminada, aceitando a escravidão,
A catequese na América insere-se no contexto quando houvesse as “guerras justas”. Para os índios, a
das decisões do Concílio de Trento e da Contra-Refor- opção de ligar-se aos jesuítas era menos traumática do
ma. As monarquias ibéricas, em sintonia com a Igreja que a escravidão no engenho açucareiro. Daí para fren-
Católica, franquearam o continente americano para os te, os índios aproximaram-se dos jesuítas, procurando
jesuítas desenvolverem a catequese. Em 1532, veio para escapar do trabalho obrigatório.
o Brasil o primeiro grupo comandado pelos padres Ma-
nuel da Nóbrega e José de Anchieta. Tendo como alvo
AS MISSÕES
a população indígena, os jesuítas arregaçaram as man-
gas para conseguir um contato mais próximo, que lhes
À medida que as tribos iam se escondendo nas
permitisse ganhar a confiança dos índios. Porém, logo
regiões mais interiores, os padres faziam o mesmo mo-
de início apareceram problemas difíceis de contornar.
vimento, permanecendo meses a fio nas imediações das
A língua tupi-guarani era incompreensível para
aldeias, até que conseguissem abordar os índios. Há de
a maioria dos padres. Os costumes diferentes provo-
se registrar a coragem e o empenho de alguns padres,
cavam, às vezes, situações engraçadas, pois os índios,
que cometiam o absurdo de amarrarem-se na cruz, para
ao receberem os hóspedes, choravam bastante, en-
ensinar aos índios como foi o calvário de Cristo! Após
18. XVII, as missões se tornaram
alvo fácil para o ataque dos
bandeirantes, que encontrari-
am os índios indefesos e
desarmados, confiantes na
pregação jesuíta de que a
ajuda de Deus seria o bastan-
te para salvá-los da escravi-
dão.
O posicionamento
dos jesuítas em relação aos ín-
dios, “protegendo-os” dos
colonos, perde consistência
quando se constata que as tri-
Brasil Colônia
bos foram destituídas do seu
hábitat natural e obrigadas a
aceitarem uma nova religião.
Desprovidos dos antigos va-
lores culturais, os indígenas
transformaram-se em carica-
turas de bom comportamen-
to. Os índios mais aculturados
eram levados para as vilas,
servindo de vitrine para as
vantagens civilizadoras do
Fonte: Nelson a abordagem, iniciava-se uma relação razoavelmente cristianismo! A historiografia tradicional, romancean-
Piletti. op cit. do os fatos, enaltece os jesuítas como exemplo de
pág 73 amistosa entre índios e jesuítas.
O passo seguinte era a implantação de uma Mis- abnegação e retidão, empenhados no ministério de sal-
são ou Redução, no interior da selva onde era mais var os índios e aponta-los o caminho do céu.
difícil o ataque dos captores de escravos. Nas missões Em relação aos negros, os jesuítas concordavam
desenvolveram-se complexas relações econômicas, sob com o cativeiro ou ignoravam a sua condição
a orientação dos padres jesuítas. Imune aos problemas mesclando aceitação com a omissão. Na senzala os
de mão-de-obra, as missões utilizaram o trabalho indí- padres não precisavam dissimular um comportamento
gena em diversas atividades, como agricultura, criação solidário. Pela própria situação, os escravos não esta-
de animais, artesanato e a vam em condições de discutir a sua opção religiosa.
caça nos arredores da re- Apesar da obrigação de aceitar o catolicismo, os ne-
gião.
Com as missões os
jesuítas conseguiram um
expressivo patrimônio na
região sul da colônia. A “Os escravos chegam ao
produção agrícola e Brasil muito rudes e muito fe-
artesanal era tão desenvol-
vida, que permitiu aos je-
chados e assim continuam por
suítas a comercialização do toda a vida. Outros em poucos
estoque excedente, vendi- anos saem ladinos e espertos,
do nas aldeias e vilas pró-
ximas das missões. O cus- assim para aprenderem a doutri-
to zero com a mão-de-obra na cristã, como para buscarem
multiplicava os rendimen-
tos e permitia a engorda de
modo de passar a vida e para se
um imenso poder econômi- lhes encomendar um barco, para
co. levarem recados.as mulheres
Houve também
missões implantadas na usam da foice e de enxada, como
O padre
região amazônica. Nessa área os jesuítas implantaram a os homens; porém nos matos,
coleta de drogas do sertão e produção artesanal que
Antonio Vieira
eram comercializados em Portugal com grandes lucros.
somente os escravos usam de
em contato
com os índios Na opinião de alguns historiadores, os padres machado.” 15
sonhavam com a implantação de um império religioso
nas áreas relegadas pela Coroa portuguesa. No século