1) O documento descreve o surgimento dos Estados Modernos na Europa, marcado pela centralização do poder sob monarquias absolutistas que consolidaram suas fronteiras territoriais e autoridade sobre a nobreza e o clero.
2) A burguesia apoiou a centralização por temer o retorno do feudalismo, embora tenha se oposto posteriormente ao absolutismo real.
3) A nobreza foi beneficiada com isenções fiscais e status, em troca de apoio político aos monarcas, com quem compartilhavam origem social.
Sociologia Contemporânea - Uma Abordagem dos principais autores
O Estado Moderno: A consolidação dos Estados nacionais
1. O Estado
Moderno
“O caso é de um príncipe bem desempenhar o seu papel e de saber, oportunamente,
fingir e dissimular. Os homens são tão simples e tão fracos que quem os quer enganar,
facilmente os engana.”
O Príncipe - Maquiavel - 1532
A
maioria dos filmes ambientados na O Estado Moderno ou Antigo Regime, substi-
Idade Moderna exibe cenários exube tuiu a fragmentação política da época feudal. Para que
rantes das cortes européias. Mostram a centralização se efetivasse, foi preciso um longo pro-
palácios freqüentados por uma elite educada e fina, cesso de transformações e mudanças. A demora se deu
que exala charme e elegância, sugerindo que nessa pela reação de muitos nobres que não admitiam perder
época não havia pobreza e miséria. Nessas histórias seus privilégios. Analisando o contexto geral, podemos
os monarcas parecem identificados com o povo, go- identificar que a Guerra dos Cem Anos, a Peste Negra e
vernando em harmonia e prosperidade. No filme “Os as inúmeras revoltas camponesas e urbanas provocaram
Três Mosqueteiros”, o jovem D’Artagnan junta-se a um clima favorável à guinada em favor das monarquias.
Athos, Pathos e Aramis no intuito de defender a famí- No início da época moderna vários Esta-
lia real, ameaçada pelas intrigas do esperto cardeal dos estavam
Richelieu. As cenas de aventura misturam ficção e re- consolidados e o
alidade, levando os espectadores a uma ponta de in- mapa do continente já
veja, por não terem vivido as situações emocionantes apresentava o con-
do filme. Esse lado da Idade Moderna encanta e torno de inúmeras
fascina, mas há o outro lado, marcado pela realidade fronteiras territoriais.
das monarquias absolutas, que usaram e abusaram da Dentre as mu-
imposição política como forma de garantir a ordem. danças mais marcan-
tes, destacam-se: a
França incorporando
no século XVI, o du-
“Todo poder, toda cado de Borgonha e
o ducado da Breta-
autoridade residem na nha, a Espanha con-
mão do rei e não pode solidada em 1492
após a derrota dos
haver outra autoridade árabes, e a Inglaterra
juntando-se ao País
no reino a não ser a que de Gales, logo após o
fim da Guerra das
o rei aí estabelece”. Duas Rosas. Também
nasceu do antigo Sacro Império uma constelação
Luís XIV de vários reinos e a Holanda despontou como o grande Coroação de
Luís XII. Quadro
paraíso dos banqueiros. Lembrando-se ainda de Portu- de Rubens.
gal que efetivara a consolidação política muito antes
das outras nações.
2. “AQUELE QUE DEU REIS
AOS HOMENS QUIS QUE OS
RESPEITASSEM COMO SEUS
LUGARES-TENENTES, RESER-
VANDO APENAS A SI PRÓPRIO O
DIREITO DE EXAMINAR A SUA
CONDUTA. SUA VONTADE É QUE
QUALQUER UM NASCIDO SÚDITO
O Estado Moderno
OBEDEÇA SEM DISCERNIMENTO;
E ESTA LEI TÃO EXPRESSA E
TÃO UNIVERSAL NÃO FOI FEITA
EM FAVOR DOS PRÍNCIPES
APENAS, É SALUTAR AO PRÓ-
PRIO POVO AO QUAL É
IMPOSTA”.3
Os novos Estados nasceram em meio a várias oportunidades, os burgueses foram socorridos pelos
contestações, porém a motivação pela união acomoda- monarcas, que abriam os cofres reais drenando capital
va os conflitos, adequando a sociedade à nova realida- para os banqueiros e mercadores. Na concessão de
de política. A época admitia certos sacrifícios naciona- monopólios sempre havia um burguês favorecido, na
listas onde se agruparam alguns povos com razoáveis obtenção de permissão de venda de mercadorias.
diferenças culturais. O poder centralizado revelou-se Os reis também serviram de “guarda-chuva”,
eficaz na manutenção da unidade, impedindo as defec- que protegia os burgueses das investidas da Igreja. A
ções e a volta ao particularismo. As monarquias uni- idéia eclesiástica que o lucro através de empréstimos
formizaram o sistema de pesos e medidas, implantaram seria punido por Deus, era um obstáculo para a total
a moeda única e a cobrança regular de impostos. O expansão dos negócios. Com a proteção real os
desdobramento dessas medidas permitiu ao continente burgueses conseguiam uma blindagem contra as
europeu assegurar um lugar preponderante na época perseguições do clero.
moderna, através da conquista de vastas regiões do Os aspectos psicológicos também devem ser
Novo Mundo. levados em conta, pois os burgueses buscavam a as-
censão social e o status de nobreza. Muito raramente
BURGUESIA E NOBREZA conseguiam, pois a nobreza togada obtida pelos bur-
gueses era uma clonagem da nobreza de sangue azul.
O processo de centralização contou com o apoio A expectativa de conseguir as vantagens econômicas
integral da burguesia, que temia o regresso da levou a burguesia a suportar as imposições políticas
descetralização feudal. Na formação dos exércitos foi do absolutismo, o controle das corporações e as
muito importante a participação do investimento rigorosas regras de mercado.
burguês, utilizado na compra da pólvora, que tinha um
valor muito alto. A burguesia teve como retorno desse
apoio, a possibilidade de maior enriquecimento,
beneficiada que foi pela economia centralizada. Em várias
O Tempo da História
SÉCULO XVI SÉCULO XVII
1516 1588 1618 1648
GUERRA
MAQUIAVEL 1534 DESTRUIÇÃO DOS 30 1661 1715
PUBLICA DA INVENCÍVEL ANOS REINADO
“O PRÍNCIPE” HENRIQUE VIII ARMADA DE LUÍS XIV
ROMPE COM A
IGREJA CATÓLICA
3. No absolutismo a nobreza tinha o direito de co-
brar impostos, que tilintava primeiro no bolso dos no-
bres, para depois chegar aos cofres reais. A precarieda-
de dos meios de comunicação impedia a monarquia de
”Tudo que se encontra organizar um sistema eficiente de arrecadação, deixan-
do os monarcas à mercê da nobreza. De olho no aumen-
na extensão dos nossos to do prestígio, os nobres disputavam nomeações de
títulos hereditários, indicados diretamente pelo rei.
estados, de qualquer Duques, marqueses, condes e barões lotavam as cortes,
desfrutando fantásticas regalias.
natureza que seja nos A pompa real servia para distinguir os integran-
O Estado Moderno
tes da corte do resto do povão. Nem a burguesia tinha
pertence”. acesso ao “fechado clube real”, salvo honrosas exce-
ções. Os códigos de etiqueta aprendidos com esmero,
integravam a educação formal, assim como as aulas de
Luís XIV Filosofia e Teologia. Nesse teatro o rei era o astro prin-
cipal do espetáculo.
Os monarcas do Estados Modernos, em maior
ou menor grau, concentraram em suas mãos poderes
Entretanto, o crescimento posterior dos negó- ilimitados. Reis famosos, como Henrique VIII, Felipe
cios e o acúmulo de capital, colocaria burgueses e II, Luís XIV e tantos outros povoaram o imaginário de
monarquia absoluta em posições antagônicas, deto- várias gerações e a produção de histórias fantásticas.
nando as incendiárias jornadas revolucionárias da In- Inúmeros palácios e castelos foram construídos, códi-
glaterra e na França. gos exigentes de etiqueta foram elaborados.
Na hierarquia política os nobres estavam em
melhor condição que os ricos burgueses. Os monarcas
que despontavam no seio da nobreza, agiam em sintonia
com a classe à qual pertenciam. Na prática, era até
contraditório imaginar um monarca rejeitando a no-
breza, para governar com a burguesia. A aceitação in-
condicional da autoridade real permitiu aos nobres vi-
verem uma lua-de-mel de interesses com a monarquia
absoluta.
A nobreza foi premiada com isenção de impos-
tos e o favorecimento nos assuntos judiciais, num cli-
ma de união quase nunca abalado. Viver num palácio
real era equivalente a viver no paraíso. O luxo e riqueza
ofuscavam os “pobres mortais” que não tinham essas
regalias. Os motivos mais banais eram comemorados
em festas que reuniam centenas de pessoas. Nessas
comemorações, a elite se amontoava ao redor das
mesas, deglutindo “elegantemente” os suculentos ban-
quetes.
Ao mesmo
tempo, cena de
interior e retrato
“A corte toda assiste às refeições do rei: ele come só, ou com a família real, de família que
muito raramente convida alguém à sua mesa. Luís quer beber: O nobre que o ilustra o novo
serve proclama: Bebida para el-rei. Faz uma reverência, vaiao bufê tomar de um modelo de vida
adotado pela
cortesão a bandeja de ouro com o copo e as garrafas d’água e vinho, retorna aristocracia e
entre dois domésticos. Depois de nova reverência, os servidores provam as bebi- pela burguesia.
das em taças de vidro (velho hábito, para ver se não há veneno); o fidalgo inclina- Willian Hogarth.
Reunião de
se, apresenta o copo e as garrafas. O próprio serve-se da bebida (Luís XIV nunca Família. londres.
tomava puro o vinho). E o fidalgo, depois de curvar-se pela quarta vez, devolve a
bandeja ao doméstico que a repõe no bufê. Este cerimonial leva uns dez minu-
tos; comer e beber, de funções banais do dia-a-dia, se elevam a gestos espetacu-
lares, que seduzem e se exibem.” 2
4. As carruagens da nobreza despertavam olhares A literatura da época inspirou-se nesse contex-
curiosos das pessoas excluídas das grandes festas e to político para resgatar as glórias do passado. Várias
banquetes. Com efeito, esse conturbado período legou publicações francesas ressaltavam a vitória de Carlos
para o mundo atual, vários padrões de comportamento Martel, na batalha de Poitiers, em 732. As batalhas
e códigos de etiquetas, que teimam em sobreviver ape- vencidas por Carlos Magno serviam como exemplo de
sar das inúmeras mudanças da história. bravura e coragem. A lembrança dos antepassados
gauleses honrava as tradições guerreiras do povo fran-
AS NAÇÕES E O PATRIOTISMO cês. Os escritores italianos exaltavam o período de
glória da Pax Romana. Em Portugal, Camões escreveu
A luta pela definição do espaço territorial das Os Lusíadas, glorificando as façanhas dos navegado-
nações deixou o continente em estado de guerra, pro- res conterrâneos que conquistaram o Novo Mundo,
O Estado Moderno
vocando o despertar do sentimento na- enquanto Shakespeare utilizaria o mito de Henrique V
cionalista mesclado com a obri- e a vitória inglesa na batalha de Azincourt como tema
gação de fidelidade à autorida- de uma grande obra.
de real. Os laços de suserania e Os juristas dos Estados Modernos recorreram
vassalagem transformaram-se ao antigo Direito Romano para elaborar as leis das no-
em acordo coletivo da nação vas nações. O contato ostensivo com o Oriente per-
com o rei. O particularismo feudal mitiu um conhecimento mais amplo do Corpus Juris
foi substituído pela crença de Civilis, disseminando a sua influência em todo o Oci-
que o Estado era mais poderoso dente. Os antigos romanos tinham por hábito glorifi-
quanto mais forte era o rei. As car os imperadores, vinculando-os às grandes conquis-
guerras de perfil nacional contri- tas, mitificando-os como magníficos heróis. O estilo
buí- ram para aumentar o prestígio dos romano de exaltação da ordem e do poder se adequa-
reis, associando-os à imagem de estabilidade e segu- va perfeitamente ao contexto de consolidação das mo-
rança. O interesse comum sobrepujou a necessidade par- narquias nessa fase.
ticular, alçando os monarcas à condição de líderes na-
cionais.
A IGREJA E O ABSOLUTISMO
Depois de muita briga a autoridade real se im-
pôs à Igreja Católica. Na inversão dos papéis, os bis-
pos e padres tornaram-se vassalos dos reis. Ficou para
trás a época em que reis se ajoelhavam diante dos
papas implorando privilégios. No final da Idade Média
tornou-se comum, a nomeação de bispos e abades sob
interferência direta dos reis, que escolhiam os clérigos
de acordo com a conveniência política. A Reforma Pro-
testante no século XVI acentuou o recuo da Igreja, e
deu vantagens aos monarcas que se mostravam fiéis
ao catolicismo. Especialmente na Itália, França,
Espanha e Portugal, viu-se uma atitude de submissão
privilegiada em relação à autoridade real. O casamen-
to de interesses entre monarquia e clero permitiu à Igre-
ja desfrutar de invejáveis mordomias, tal qual a nobre-
za.
Festa de
camponeses.
Quadro de
1650. David “O progresso da monarquia absoluta não se deve apenas ao desejo, natural nos reis, de
Teniers aumentarem o seu poder. O Direito Romano já contribuíra, no século XIII, com a idéia do Príncipe
Absoluto que concentra na sua pessoa todos os poderes e cuja vontade faz lei. A voga da
Antigüidade dá, no século XVI, novo surto ao Direito Romano, acrescentando-lhe a idéia antiga do
herói, do semideus dominador e benfazejo. Contudo, não são apenas as representações mentais
que se impõem ao indivíduo e lhe determinam doravante os seus atos. O Direito Romano deveu
seu êxito ao fato de ter apresentado fórmulas cômodas para exprimir as tendências profundas
dos contemporâneos. O herói é o modelo do ser a quem os povos tem a necessidade de se
entregar. A doutrina do absolutismo corresponde às necessidades dominantes desta sociedade
e como que a um desejo do corpo social.” 4
5. As mudanças políti-
cas da Baixa Idade Média já Tudo isso levou a
apontavam para esse cami- Igreja a aceitar o seu pa-
nho. Nunca é demais lembrar pel de coadjuvante na hie-
as dificuldades enfrentadas rarquia do Estado, o que
pela Igreja durante o proces- não excluía as inúmeras
so de formação da monar- vantagens desfrutadas,
quia francesa. O seqüestro face à condição de inte-
do papa Bonifácio VIII no grante das cortes européi-
século XIV, inverteu a ordem as. Para sua sorte, em di-
(não tão natural) das coisas. versas oportunidades de
O Estado Moderno
Na cidade de Avignon, por crise, os monarcas termi-
três mandatos os papas fo- navam recorrendo ao au-
ram obrigados a governar a xílio da Igreja, buscando
cristandade sob influência do suporte ideológico, na su-
rei francês Felipe IV. O ve- posta vontade divina dos
xame eclesiástico inspirou a reis governarem. A propa-
elaboração de obras políticas ganda religiosa em defesa
que defendiam uma nova dos monarcas católicos
postura da Igreja Católica. ajudou a consolidar a au-
O livro “Do poder toridade real, vinculando o
Real e do Poder Papal”, es- pecado à contestação da
crito por João de Paris, em “O Estado sou eu”. ordem pública.
1302, indicava que o clero Luís XIV
deveria se limitar ao poder A NATUREZA DO
espiritual. Defendia que o ESTADO
poder temporal tinha de ser
exercido pelo rei, no papel de administrador das ques-
A
definição política do Estado Moderno
tões políticas na Terra. Dizia que o papa era superior provocou polêmicos debates entre os
em dignidade, mas isso não lhe dava o direito de inter- historiadores. Uma corrente defende a
ferir nos assuntos do Estado. Em outra obra, O essência burguesa, alegando a presença de ministros
Defensor da Paz, de Marsiglio de Pádua, publicada em burgueses em funções importantes no Estado. Os de-
1324, afirmava-se que o clero deveria se ocupar do fensores dessa idéia ressaltam o apoio incondicional dos
mundo espiritual, deixando para o governo a burgueses, na época de formação das monarquias. Ou-
preocupação com o mundo natural e secular. Acredita- tro grupo de historiadores defende a neutralidade do
va Marsiglio, que o Estado não precisava da instrução Estado Moderno, alegando uma postura que estaria
do papa para governar os súditos. acima dos grupos sociais. Uma terceira corrente defende
A conduta dos integrantes da Igreja ajudava a o caráter feudal do Estado destacando os privilégios
aumentar o clima de animosidade, como provam inú- concedidos à nobreza e ao clero. Analisando-se as três
meros relatos que descrevem situações absurdas, ocor- visões encontramos falhas em todas as concepções.
ridas em mosteiros e conventos. A propagação da im- Os defensores do caráter burguês esquecem que
prensa e a efervescência do Renascimento Cultural o número de ministros burgueses era irrelevante, quan-
ajudaram a difundir essas obras, colocando a Igreja do comparado a quantidade exagerada de ministros
em postura defensiva. Bocaccio, ao escrever Deca- nobres e eclesiásticos. Além do mais, o apoio incondi-
meron, denunciava “a vida devassa e sórdida do cle- cional da burguesia foi suplantado em importância, na
ro” e os pecados “naturais e sodomíticos” de monges integração da nobreza com os monarcas, após as su-
e padres. cessivas crises que abalaram o
“Não causa surpresa, quando as altas cama- século XIV. Além disso, os ri-
das do clero se encontravam em tal estado, que, entre gores do mercantilismo agi-
as ordens regulares e o clero secular, os vícios e as ram como camisa de força,
irregularidades de toda espécie se tivessem tornado impedindo a livre expansão
cada vez mais comuns. (...) Não é de se admirar, con- dos negócios burgueses.
forme depõem tristemente os escritores contemporâ- Para a nobreza e o
neos, que se haja demonstrado pouco respeito para clero os reis asseguraram
com os sacerdotes. A imoralidade deles era tão cho- a participação no aparelho
cante que já se começavam a ouvir sugestões de se do Estado. A escolha dos
permitir que se casassem.(...) Muitos dos mosteiros nobres que preenchiam
encontravam-se em condições deploráveis. Os três es- cargos burocráticos cobria
senciais votos de pobreza, obediência e castidade, uma lacuna importante,
eram, em alguns conventos, quase inteiramente des- substituin
prezados.” 5
6. As regalias obtidas pelos grupos detentores
do as rendas feudais que diminuíram com o passar do do poder invalidavam a opção de neutralidade, diante
tempo. Os nobres que permaneceram em suas terras de uma realidade em que classes parasitas sugavam a
tiveram dos reis a conivência e permissão para a co- riqueza produzida pelo restante da sociedade.
brança de extorsivos impostos, como se ainda estives- A defesa do caráter feudal perde sustentação
sem no auge da época feudal. Na véspera da revolução quando se constata que apesar de submeter a burgue-
em 1789, camponeses da França imploravam ao rei que sia, os reis procuravam barganhar um mínimo de van-
abolisse a corvéia e outras terríveis imposições. Como tagens que lhes permitissem em troca, desfrutar do ca-
a nobreza não pagava impostos, vivia do sustento pro- pital burguês. Além da já citada uniformidade de im-
porcionado pelas outras classes - burguesia e campo- postos, taxas e leis, os reis desenvolveram o mundo
neses, desfrutando das mordomias e regalias garanti- dos negócios, incentivando a abertura de bancos e o
O Estado Moderno
dos pelo Antigo Regime. crescimento das manufaturas. O Estado Moderno, de
A segunda teoria, da posição neutra do Estado, um lado, restringia os negócios burgueses através das
inúmeras regras burocráticas do mercantilismo mas,
de outro, não sobrevivia sem a força do capital burgu-
ês. O círculo vicioso na esfera do capital tornava a
“Os reis são senhores burguesia dependente dos reis para se estabelecer com
uma certa tranqüilidade, enquanto que aos reis sosse-
absolutos e têm gava a possibilidade recorrer à burguesia nos momen-
tos de dificuldade.
naturalmente a disposição Mas se as três teorias não têm sustentação, que
tipo de Estado é o Absolutismo? “Seria inútil, além
plena e inteira de todos os de errôneo, tentar definir esse tipo de Estado a partir
de caracterizações mais ou menos unilaterais como
bens que são possuídos feudal, capitalista ou neutro. A rigor, ele não é exata-
tanto pelas pessoas da mente nenhuma dessas coisas. Trata-se do tipo de
Estado que caracteriza a transição, impossível de ser
igreja como pelos reduzido a mero epifenômeno da estrutura econômi-
ca, ou seja, do modo de produção dominante.
seculares”. Trata-se de uma relação essencialmente con-
traditória: o apoio ao capital comercial e, pelo me-
Luís XIV nos de início, ao capital industrial não se opõe, ne-
cessariamente, à defesa e manutenção dos interesses
senhoriais ou feudais da aristocracia dominante. Para
despreza a própria origem do monarca, identificado de compensar o declínio da renda feudal, o Estado ab-
antemão, com os interesses da classe à qual pertence. solutista necessita cada vez mais aumentar seus pró-
Carnaval “o rei A aristocracia escolhida para compor o governo era, prios rendimentos e isso só se torna possível prote-
bebe”, do pintor em sua imensa maioria, oriunda da nobreza e do clero gendo e estimulando ao máximo as atividades produ-
belga David passando a exercer, daí em diante, o papel de classe tivas em geral. O Estado absolutista tende a expres-
Teniers
dominante. sar a busca de um equilíbrio precário, a longo prazo
impossível, entre classes e frações de classe cujos in-
teresses são em parte complementares e em parte an-
tagônicos.” 7
AS MONARQUIAS E OS REIS
Cada nação desenvolveu ao longo do Antigo
Regime, uma ordem política que variava de acordo
com as circunstâncias, não havendo no continente
europeu, um modelo único de monarquia absoluta. A
rigor, pode se dizer que França e Espanha foram os
exemplos mais contundentes de monarquia absoluta.
As duas tiveram sua época de glória nos séculos XVI
e XVII. Os dois países serviram de referência para as
outras cortes européias. Cada uma, no seu tempo,
serviu de modelo de prosperidade e grandeza.
No apogeu das conquistas nas regiões ultra-
marinas, a monarquia espanhola se tornou um império
intercontinental.
7. “Em seus graus de dignidade
e poder, os nobres do século XVII
assemelhavam-se às cartas do
baralho, que era um dos
passatempos prediletos da época.
Na categoria mais alta estavam os
reis, que chefiavam as grandes
O Estado Moderno
casas reinantes da Europa; seu
jogo era o poder, seu tabuleiro o
mapa da Europa.” 6
A família de Filipe V. Quadro de Louis Michel de Toulon. 1743
O
rei Filipe II se gabava que várias confusões, a começar pela revolta da nobreza - a
a Espanha possuía regiões, de onde o Fronda, colocando a monarquia em situação muito deli-
sol nascia, até onde o sol se punha”. cada. Entretanto, Mazarino saiu-se muito bem, neutrali-
Exageros à parte, em 1580 a dominação espanhola zando os nobres descontentes.
consistia no controle de várias regiões da Europa - O sucesso deu-lhe fôlego para conduzir a mo-
Portugal, Holanda, Sacro Império Romano-Germânico narquia até que Luís XIV tivesse idade para assumir o
e alguns reinos italianos, mais as regiões colonizadas trono. Em 1661, o cardeal transmitia ao jovem monarca,
na América e pontos de comércio no continente asiáti- um país embalado pela ascensão econômica e estável
co. politicamente. A história conspirava em favor dos
Com o apoio da Igreja, em 1520, o rei espa- franceses, pois a Espanha tinha sido esmagada na Guerra
nhol Carlos V assumiu o controle do gigantesco Im- dos 30 Anos e a Inglaterra não era concorrente para
pério Romano- Germânico. A região era um vasto disputar a hegemonia política da Europa.
complexo feudal correspondendo, nos dias de hoje, à
junção territorial da Alemanha, Áustria e uma parte “O rei vê de mais longe e
do território polonês. Para azar de Carlos V, nesse exato
momento, começavam os protestos de Lutero, de mais alto; deve
desencadeando a Reforma Protestante. Agindo sob
pressão o monarca topou uma briga que no final lhe acreditar-se que ele vê
traria grandes dores de cabeça.
O ouro e a prata obtidos na América não basta- melhor, e deve obedecer-
ram para financiar as guerras contra os rebeldes pro-
testantes. Em 1555, o rei espanhol foi obrigado a assinar
se-lhe sem murmurar,
a Paz de Augsburgo, permitindo aos príncipes alemães pois o múrmurio é uma
optarem pela religião protestante. Além disso, a política
negligente da monarquia relegava a produção de disposição para a
manufaturas a um plano secundário.
Desenrolou-se então, uma situação completa- revolta”.
mente inusitada. A Espanha ostentava a condição de
nação mais poderosa, mas mendigava empréstimos aos Bousset
banqueiros europeus. O ouro da América foi
insuficiente para abastecer os gastos da suntuosa cor-
te espanhola. Após a Guerra dos 30 Anos, a Espanha
perdeu a condição de monarquia mais importante, A morte de Mazarino deixou inicialmente a corte
substituída então pela França. apreensiva com o futuro da nação. Mas quando o arce-
A França teve seu momento de glória no reina- bispo de Paris perguntou a Luís XIV a quem deveriam
do de Luís XIV, legando para a história o exemplo os franceses recorrer dali em diante, prontamente o rei
mais completo de autoridade real. O rei assumiu o tro- lhe respondeu que assumiria pessoalmente o trono. No
no com cinco anos de idade, mas só veio efetivamente seu reinado de 54 anos, o monarca exrceu o poder com
a governar após a morte do cardeal Mazarino, que havia extrema autoridade. Ao final, seria lembrado como o Rei-
sido o seu tutor. A regência do cardeal foi marcada por Sol.
8. Logo que tomou posse, Luís XIV tratou de or- Após a renovação militar organizou-se na
ganizar um ministério e um corpo de auxiliares que lhe França, um exército absolutamente profissional, revo-
devotassem total lealdade. Os monarcas anteriores dis- lucionando os padrões militares da época.
tribuíam cargos entre a nobreza, na proporção direta O exército foi submetido a uma rígida hierar-
da influência que eles exerciam na corte. Esse prece- quia, imitada mais tarde por outros países. Todos os
dente tinha provocado sérios problemas, porque os no- oficiais eram controlados pessoalmente pelo rei, que
bres não se sentiam ligados ao rei. Normalmente, inte- indicava os intendentes de armas para se misturar com
ressavam-se apenas em defender seus interesses pes- a tropa, na tentativa de identificar possíveis proble-
soais. Desarticulando o esquema, o rei escolheu seus mas.
principais assessores nas classes mais intermediárias. Estratégias eram decididas meticulosamente
O Estado Moderno
“Mas mesmo contando com homens que eram pelos comandantes graduados, sempre em sintonia com
exclusivamente instrumentos seus, Luís decidiu con- a vontade real. O único (e grande) defeito do exército
servar firmemente nas mãos as rédeas do governo. Em- de Luís XIV era a utilização excessiva de mercenários
bora não fosse um homem de inteligência extraordiná- que, obviamente, não lutavam com o mesmo ardor
ria, compensava essa deficiência com a dedicação ao patriótico dos soldados identificados com a nação.
trabalho. Todas as decisões, insistiam sempre, tinham
de ser decisões suas. Nenhum detalhe, por ínfimo que
fosse, escapava à sua atenção. “Nunca, enquanto vivo
“Como é importante que
o público seja governado
por um só, também
importa que quem
cumpra esta função esteja
de tal forma elevado que
ninguém se possa
confundir ou comparar
com ele”.
Luís XIV
fores, despaches em nome do rei sem sua aprovação A economia foi conduzida com extrema habili-
expressa”, escreveu Colbert, um dos ministros mais tra- dade por Colbert - o incansável defensor da balança
balhadores e mais dignos da confiança de Luís, a seu de comércio favorável. O mago da economia na corte
filho e sucessor”. 8 de Luís XIV`, entrou para a história ao fazer milagres
Para compor a sua corte o rei convocou cerca num país que esbanjava riqueza construindo palácios
de 10 000 pessoas que viviam devotadas ao gover- suntuosos. Antes de Colbert, a desordem econômica
no do Estado. As províncias distantes eram beirava o caos. A maioria das regiões agia por conta
freqüentemente visitadas pelos própria. Os impostos eram cobrados sem o menor cri-
intendentes, que transmitiam ao tério e boa parte ficava nas mãos de funcionários
monarca um relato dos proble- corruptos que enriqueciam as custas da omissão do
mas a serem resolvidos. O exér- Estado.
cito foi renovado eliminando- Em várias regiões os nobres, aleatoriamente,
se os vícios da época feudal. cobravam impostos embolsando uma boa parte, por
Havia inúmeros casos de no- conta dos serviços prestados ao rei. Até a nomeação
bres que desobedeciam à au- do superministro Colbert, o rei não havia controlado
toridade real pelos motivos as finanças e os gastos da corte. Basta se observar,
mais banais. Quando não es- que as corporações de comércio e ofício agiam como
tavam satisfeitos, os nobres se estivessem ainda na época feudal.
demonstravam uma atitude
hostil que enfraquecia as monarquias.
9. “O ballet moderno resultou
principalmente da paixão da corte fran-
cesa do século XVII pela dança e pelas
representações teatrais de amadores.
Várias noites da semana podiam ser
dedicadas a tais divertimentos, e os
aristocráticos intérpretes passavam dias
ensaiando seus papéis. Como parte
fundamental da educação de todos os
O Estado Moderno
nobres, esses espetáculos,
caracterizados por trajes requintados e
cená-rios fantásticos, pouco a pouco
assumiram a forma da moderna arte
coreográfica”.9
A
fórmula mágica aplicada por Colbert, Em Versalhes todos os detalhes adquiriam uma
não tinha grandes mistéri característica especial. Os jardins impressionavam pela
os. O ministro implantou um esquema simetria e pela organização racional dos elementos da
regular de verificação das contas da corte, colocando natureza. Nos aposentos não faltavam objetos de ouro,
a nobreza na “corda curta”. Afastou os funcionários candelabros de cristal, tapetes orientais e vasos de
corruptos e criou um grupo de fiscais, responsáveis mármore. Vários nobres viviam no palácio ou nos seus
pela inspeção minuciosa das finanças reais. Além dis- arredores. Para distraí-los organizavam-se festas
so, derrubou todas as barreiras que existiam para a magníficas, além de apresentações de balé e teatro.
realização do comércio entre as regiões francesas. Di- Tanto poder e tanta glória sumiram na fumaça
versas estradas foram construídas, permitindo um aces- das varias guerras, que sugaram as finanças e drena-
so mais fácil aos locais mais distantes. ram recursos para o exército real. Teimosamente o rei
As companhias de comércio que apresentaram caía na armadilha e se embrenhava em conflitos inú-
um perfil mais moderno tiveram o incentivo do Estado teis e desnecessários. Já no final do seu reinado, a
na forma de empréstimos e concessões. Colbert foi derrota na Guerra de Sucessão Espanhola, frustrou a
atrás dos principais mestres artesãos, levando-os para pretensão de Luís XIV coroar seu neto como rei da
a França, em troca de prestígio e compensação finan- Espanha. O conflito terminou com a vitória inglesa que
ceira. Mas apesar de todas estas mudanças, Colbert se afirmaria como potência continental.
não conseguiu acabar com o “câncer” responsável O rei Luís XIV morreu esquecido e doente, em
pela corrosão da economia - a moleza da nobreza e do 1715. Sua última frase - “Eu amei demais a guerra; não
clero. As classes parasitas eram isentas de impostos e me imite nisso, nem nos gastos exagerados” - foi ouvi-
sugavam boa parte das rendas do Estado. da pelo delfim Luís XV, que parece não ter levado mui-
No auge da monarquia o Palácio de Versalhes to a sério os conselhos do pai. Seu futuro governo
tornou-se o símbolo desse imenso poder. Para cons- seria uma repetição dos mesmos erros e problemas. Os
truí-lo foram reunidos os melhores artesãos, jardinei- nobres vendo que o rei estava perto de morrer,
ros, arquitetos e artistas. O custo de meio bilhão de deixaram-no abandonado à própria sorte (ou azar!).
dólares é bem modesto aos padrões contemporâneos, Ninguém na Europa tinha governado tanto tempo, afi-
mas para a época significava uma soma absurda. . nal, foram 54 anos de reinado. Dizia-se em Paris que já
era hora de terminar. A suntuosidade de Versalhes
contrastava com 80% da população que vivia pratica-
mente na miséria.
“Como ninguém era digno de comer ao lado do rei, Luís jantava só; os validos da corte olhavam
fascinados - em parte porque Luís dispensava o uso do garfo, então uma invenção moderna. Seus casos de
amor e suas reais amantes eram o tópico mais importante da conversação palaciana; seus comentários mais
triviais eram fielmente repetidos e interminavelmente discutidos. Viver na temerosa presença do Rei Sol,
observou um contemporâneo, era como viver na presença de Deus. Mas, como nada é perfeito! As
instalações hidráulicas no palácio eram insuficientes e incômodas; até os nobres mais luxentos preferiam
urinar nas escadas. Como se vê, o nível de limpeza pessoal era baixíssimo, e os banhos eram quase
desconhecidos. Em vez disso, homens e mulheres, sem distinção, encharcavam-se de perfume, empoavam
as grandes cabeleiras, e procuravam dar uma falsa idéia de limpeza”. 10
10. O Mercantilismo
O Estado Moderno
D
eu-se o nome de Mercantilismo ao con “Ao findar o século XVII, a população espa-
junto de práticas econômicas adotadas nhola fora reduzida em 1 milhão de habitantes (to-
pelas monarquias absolutistas do An- mando-se, para comparação, os primeiros anos da-
tigo Regime. Essas medidas variavam com o tempo, quele século); por volta de 1715, enfim, a população
dependendo do contexto em que foram aplicadas. Ini- espanhola voltara à marca de 1514: 7,5 milhões. Essa
cialmente, no século XVI, o ouro e prata obtidos pela redução populacional pode ser explicada como o re-
Espanha nas colônias americanas motivaram o sultado de causas naturais e de causas decorrentes
surgimento do metalismo. Essa concepção associava a da ação humana: as pragas e epidemias agiram na
riqueza das nações à quantidade de metais preciosos mesma escala em que o fizeram no restante da Euro-
acumulados nos cofres reais. Segundo a crença, quan- pa, a conquista e o desenvolvimento coloniais absor-
to mais ouro e pra- veram um número maior de vidas do que o indicado
ta, mais rica era uma pelos registros oficias. (...) Por fim, a expulsão dos
nação. A judeus e dos árabes e a fuga dos cristãos-novos e dos
hegemonia espa- últimos árabes representaram um êxodo de importan-
nhola no continen- tes contingentes populacionais. O declínio da popu-
te contribuiu para lação, não obstante, constituiu apenas um dos aspec-
reforçar a tese me- tos de um fenômeno muito mais generalizado e de
talista, servindo de particular significação face ao desenvolvimento eco-
modelo para outras nômico: a contração econômica.” 11
nações européias. Ironicamente, a circulação intensa de ouro e
Na Inglaterra o prata por todo o continente provocou, no final do sé-
metalismo era co- culo XVI, uma queda brutal no valor dos metais preci-
nhecido como bu- osos, ocasionando a primeira grande inflação da histó-
lionismo, da pala- ria. A “Revolução dos Preços”, como ficou conhecido
vra bullion - ouro e o episódio, mostrou a fraqueza das concepções
prata, em inglês. metalistas. A obsessão pelo acúmulo de metais gerou
Depois de nos países europeus um processo inflacionário de lon-
evidenciado no sé- ga duração. A Espanha foi a mais prejudicada pois era
culo XVI o a principal patrocinadora da orgia metalista.
metalismo entrou Portugal, por razões diferentes, também teve o
em decadência. O mesmo destino. Depois de um início promissor, quan-
exemplo da do lucraram bastante no comércio com as Índias, os
Espanha se revelou portugueses esgotaram os recursos disponíveis com
A auto-suficiência o pior possível, pois a abundância de metais provocou os gastos excessivos da monarquia. Os portugueses
econômica e a
produção de a letargia da economia espanhola, prejudicando o de- cometeram o mesmo erro dos espanhóis, achando que
excedentes para a senvolvimento das atividades produtivas. Em a riqueza nunca se acabaria. A exploração
exportação contrapartida, cometiam o absurdo de impor- do açúcar não alterou esse quadro, pois
constituíam tar palitos e cordões. A Espanha gastou dependiam da Holanda para refinar o
importantes
metas da política milhões para sustentar o luxo da corte, es- produto. Tanto Espanha como Portu-
econômica quecendo que um dia, o ouro e a prata pode- gal descuidaram da produção de ma-
mercantilista, riam terminar. A ambição pelo ouro levou nufaturas. O desleixo tornou-os de-
colocada em milhares de espanhóis a uma louca aventura pendentes dos países efetivamente
prática pelo
Estado absolutista na América. Muitas regiões de produção ricos do continente europeu.
da Era Moderna. agrícola foram abandonadas, em troca da
Na gravura, o riqueza fácil em terras americanas.
porto de Toulon
na França.
11. lho, num país inundado de produtos estrangeiros e
depois de economia estagnada, ele estaria na miséria,
e o Estado perdendo sua força, ficaria exposto aos
Balança de Comércio piores males, à invasão e ao domínio estrangeiro”. 13
Favorável O INTERVENCIONISMO
As monarquias do Antigo Regime se destaca-
ram pela rigorosa intervenção na economia. O Estado
foi o agente fiscalizador das companhias de comércio,
O Estado Moderno
O
fiasco das concepções metalistas exi adotando severa fiscalização nas manufaturas e a co-
giu a for brança de inúmeras taxas e impostos. Os fiscais reais
mulação de um meio mais consistente não deixavam a burguesia em paz, averiguando desde a
e seguro de garantir a riqueza das nações. Dentre as quantidade das mercadorias produzidas, até o cumpri-
varias concepções, destacou-se o ministro Colbert – mento das normas de qualidade.
mago da economia na corte de Luís XIV. Sua política Na França de Colbert houve um abrandamento
consistia em produzir o máximo de manufaturas e im- do controle real, permitindo-se algumas regalias à bur-
portar o mínimo de mercadorias. Com essa fórmula guesia. Investimentos foram liberados para o incentivo
evitava a drenagem de ouro e prata para os cofres das de novas manufaturas, com prazo elástico de carência
outras nações. A França de sua época o país de maior para o pagamento dos empréstimos. As manufaturas
protecionismo alfandegário, visando afastar a concor- mais qualificadas recebiam isenções fiscais, instalações
rência estrangeira e fortalecer a produção interna. Além gratuitas e prêmios pela produção.
disso, a proteção das manufaturas francesas foi vin- O Estado no absolutismo agia em benefício do
culada à valorização da mão-de-obra especializada, seu próprio desenvolvimento. O crescimento da bur-
como forma de aprimorar a produção. O objetivo final guesia era sob intenso controle estatal. As razões polí-
de Colbert era conseguir um saldo positivo para o Es- ticas preponderavam em relação aos fatores econômi-
tado e o equilíbrio das fi- cos e o fortalecimento da autoridade real dependia dire-
nanças, em suma, a ba- tamente do sucesso das medidas econômicas. A mo-
lança de comércio favo- narquia absoluta não abriu mão do controle da econo-
rável. mia, adotando
França, Ingla- m e d i d a s
terra e Holanda, apesar protecionistas e
dos altos e baixos, foram barreiras alfande-
capazes de assegurar a gárias.
balança favorável. As ou- Havia nas
tras nações não conseguiram p r á t i c a s
sair do estágio agrícola e dependência do capital es- mercantilistas
trangeiro. A Holanda sempre manteve as característi- uma obsessão
cas de centro financeiro e bancário, realizando emprés- pela qualidade
timos e financiando as monarquias debilitadas. A In- das mercadorias.
glaterra a partir do século XVII, desenvolveu ativa pro- Controlava-se a
dução manufatureira, abastecendo o continente intei- p r o d u ç ã o
ro. A França desfrutou da glória no reinado de Luís vigiando a
XIV, onde despontaram os já citados esforços do mi- quantidade, para
nistro Colbert. que não
“É preciso, com efeito, exportar o máximo e, excedesse a
de preferência, artigos fabricados, pois o trabalho capacidade de
neles invertido aumentou-lhes o valor. É necessário, c o n s u m o ,
pois, dispor do maior número possível de produtores principalmente dos produtos que não eram exportados.
e seguir uma política de aumento da natalidade. Mas, A pequena concorrência gerava preços altos,
para vencer a concorrência, vender uma qualidade restringindoà elite o consumo das mercadorias Quadro do
maior a um preço menor. As taxas de juro devem, por manufaturadas. A França terminou sendo a maior vítima século XVII
conseguinte, ser baixas, de modo que o empresário mostra o
dessa realidade, pois a maior parte de sua produção era ministro Colbert
capitalista encontre capital barato. O operário deve de artigos de luxo, em detrimento das mercadorias mais reunido com
ganhar pouco e é preciso mantê-lo num baixo nível simples. outros ministros
de vida. A existência das corporações beneficiava o Es- da corte
tado absolutista, porque a sua rigidez combinava com
as intenções do rei. Com a consolidação das monarqui-
as, as eleições nas corporações tornaram-se um jogo de
De outro modo, porém, se lhes faltasse traba- cartas marcadas. Só os artesãos e donos das manufatu-
12. ras mais ricas tinham chance de conquistar os cargos cuja contrapartida é o nível bastante baixo dos
mais importantes. O Estado conseguiu criar um grupo salários. Na mentalidade da época, misturam-se, por
fiel a seus interesses que, sucessivamente, se revezava isso mesmo as preocupações assistenciais para com
nas corporações. Os corpos municipais contavam com os necessitados e a condenação à vagabundagem e à
a participação das pessoas ligadas à corporação e tam- ociosidade, e isso de uma forma tal que,
bém foram monopolizados pela burocracia real. Com freqüentemente, o auxílio tem como contrapartida o
isso os monarcas neutralizavam possíveis reações às trabalho obrigatório, ao mesmo tempo que a recusa
medidas impopulares. a trabalhar oferece a justificativa para a repressão
A situação dos operários nas manufaturas era a mais violenta e desumana.” 15
pior possível. O Estado exigia sacrifícios enormes vin-
culando o trabalho ao progresso da nação. Imprimia-se O PACTO COLONIAL
O Estado Moderno
um ritmo louco de trabalho, envolvendo integralmente
os operários na maratona da produção. A exploração colonial estava diretamente vin-
A Igreja Católica estimulava a obediência aos culada ao mercantilismo. As nações absolutistas im-
patrões e combatia o descontentamento dos rebeldes. puseram às colônias, o consumo de manufaturas e ou-
Nas manufaturas e artesanatos, celebrava-se a missa tros artigos, exclusivamente fornecidos pelas metró-
diariamente. As refeições eram precedidas pela leitura poles. O Estado vendia às suas colônias, produtos de
da Bíblia e os padres ensinavam cânticos religiosos vin- alto valor e comprava mercadorias tropicais a um pre-
culados ao trabalho. A falta grave era punida com chi- ço irrisório. A revenda de produtos tropicais no merca-
cotadas e os salários eram irrisórios. O operário rece- do europeu objetivava a balança de comércio favorá-
bia, no máximo, o suficiente para o sustento da família. vel. As colônias eram rigorosamente proibidas de pro-
A jornada era de doze a dezesseis horas diárias, com o duzirem manufaturas, e até um simples alfinete podia
intervalo de 30 a 45 minutos para a refeição. ser motivo de severas punições. A produção colonial
era limitada a artigos rudimentares: sandálias
de couro, selas de transporte, roupas para
escravos e outros artigos de pequeno valor.
Apesar do controle, nem sempre a
metrópole lucrava com o exclusivo colonial.
As monarquias sem potencial produtivo,
como Portugal e Espanha, eram obrigadas a
comprar mercadorias em outras nações. No
final a parte do leão caía no bolso alheio, em
prejuízo das nações ibéricas. A Inglaterra que
se especializou em produção de manufatu-
ras, deitou e rolou no comércio colonial. In-
diretamente terminou sendo a maior potência
colonial.
O Mercantilismo se apresentou de
formas variadas, a depender do contexto de cada nação.
“Ao focalizar a questão da quantidade maior As particularidades se relacionavam ao potencial
ou menor de homens desempregados, os mercantilistas econômico de cada Estado. A França no século XVI,
fazem questão de distinguir entre aqueles que não deu ênfase à produção agrícola, visando a exportação
A sede da Cia
trabalham porque não têm onde, e aqueles que são e obtenção de moedas e metais preciosos. O
das Índias
Ocidentais, em desempregados por sua exclusiva culpa, aliás a mai- desenvolvimento e a conquistas colônias na América,
Amsterdã. oria. Para estes são válidos os meios coercitivos que mudaram essa realidade, conduzindo o Estado para o
Fundada em o Estado e os empresários devem utilizar para forçá- incentivo à produção manufatureira, de olho, princi-
1621, a empresa
los a uma atividade digna, honrosa e produtiva. Por palmente, no promissor mercado colonial.
holandesa
prosperou, detrás desse discurso, sente-se claramente toda uma
entre outras orientação voltada para a compulsão ao trabalho,
razões, por
monopolizar o
comércio de
“Se o francês soubesse conservar suas riquezas e fruir de seu bem, comandaria
açúcar na
Europa. As todas as nações, estando ornado em tempo de paz, e fortificado em tempo de guerra, de
dimensões de uma quantidade incrível de ouro e prata, pela abundância que para aí aflui de todas as
sua sede dão partes.” (Garrault)
uma idéia do
“E desde que saibamos nos aproveitar das vantagens que a natureza nos
seu poderio na
época. concedeu, tiraremos a prata daqueles que quiserem ter nossas mercadorias que lhes
são necessárias e não nos sobrecarregaremos muito com seus gêneros, que nos são
tão pouco úteis.” (Richelieu) 14
13. A Inglaterra teve um desenvolvimento peculi- “Na Inglaterra e na Holanda o governo defen-
ar, pois administrou sua economia em ritmo diferente dia os interesses econômicos. Quando os espanhóis
dos outros países europeus. A necessidade de prote- perderam o controle das províncias do norte da
ger o território gerou o incentivo da indústria naval. Holanda, no último quartel do século XVI, o poder
Com isso se desenvolveram várias manufaturas, inter- político foi-se transferindo, cada vez mais, para as
ligadas à construção de navios. Nos campos houve mãos da aristocracia urbana de comerciantes e fabri-
mudanças com inserção de práticas capitalistas. Os cantes sediados em Amsterdã. Esses interesses urba-
cercamentos, como foram chamados, transferiram para nos adotaram políticas que atenderam às suas conve-
a burguesia várias terras, antes pertencentes à nobre- niências. A partir de 1590, mandaram fechar o Scheldt
za. Nessas terras a criação de carneiros e ovelhas (o rio que liga Antuérpia ao mar do Norte) ao tráfico
garantiu o fornecimento da lã – matéria prima essenci- comercial. Essa medida representou um golpe mortal
O Estado Moderno
al para as manufaturas têxteis. A produção e exporta- à fortuna econômica da cidade que havia dominado o
ção de artigos manufaturados estabilizaram a balança comércio entre o norte e o sul da Europa, e entre a
de comércio. No século XVII, a Inglaterra era nação, Inglaterra e o continente europeu, em fins do século
economicamente, mais poderosa do continente euro- XV e parte do século XVI. A posição de Antuérpia foi
peu. perdida para Amsterdã e, mais tarde, para Londres e
Hamburgo. A criação da Companhia Holandesa das
Índias Orientais e do Banco de Amsterdã, na primeira
“Os meios ordinários, década do século XVII, também nasceu de uma alian-
ça entre os setores econômicos e o governo, na defesa
portanto, para aumentar de seus interesses mútuos”. 16
As práticas mercantilistas tiveram, portanto,
nossa riqueza e tesouro são grande influência no acúmulo de capital e no enriqueci-
mento das nações européias. Até o século XVIII, deter-
pelo comércio exterior, minaram a forma
como os reis,
para o que devemos governantes e
obedecer sempre a esta seus ministros de-
veriam administrar
regra: vende mais seus Estados. Foi aí
que apareceram as
anualmente aos primeiras contesta-
ções à forma rigo-
estrangeiros em valor do rosa de interven-
ção do Estado, que
que consumimos deles.” bloqueava as in-
Colbert tenções de cresci-
mento da
burguesia. As
críticas ensejadas
pelo Iluminismo
A Holanda é o segundo exemplo bem-sucedi- apontariam o novo
do de desenvolvimento. A região desempenhava des- caminho da socie-
de a época do Renascimento Comercial, um ativo co- dade burguesa e
mércio com diversas cidades européias. Dezenas de liberal.
banqueiros se estabeleceram nas cidades holandesas,
onde existia um ambiente menos opressor, em
Neste retrato
comparação com os países católicos. A prosperidade
da metade do
teve um pequeno refluxo, quando foi submetida, no século XVII,
século XVI, ao domínio espanhol. pintado por
A dominação espanhola teve um ponto final Pieter de
Hooch, uma
quando os holandeses enfrentaram a Espanha católi-
família
ca. Em 1610, a Holanda conseguiu a independência, holandesa
acelerando a grande arrancada para o desenvolvimen- sobriamente
to. A indústria naval foi o alicerce da economia, origi- vestida exala
uma
nando o domínio dos oceanos, valendo-lhes o apelido
prosperidade
de mercadores do mar. A Holanda foi ainda premiada tranqüila da
com a incompetência dos portugueses, que transferi- segurança de
ram para os flamengos boa parte da sua riqueza. seu pátio bem-
varrido na
cidade de Delft.