O documento descreve o Renascimento Cultural na Europa, com ênfase na Itália. Em 3 frases:
1) O Renascimento marcou a transição da sociedade medieval para os valores humanistas, com foco no indivíduo e na razão.
2) Na Itália, o florescimento das cidades estimulou o patrocínio das artes e do conhecimento, que questionaram a autoridade da Igreja.
3) Artistas como Giotto e Miguel Ângelo criaram obras que expressavam a beleza humana e valores seculares em
1. Renascimento
Renascimento
Cultural
Cultural
“Que obra de arte é o homem; tão nobre no raciocínio; tão vário na capacidade; em
forma e no movimento, tão preciso e tão admirável. Na ação é como um anjo, no entendimento é
como um Deus, a beleza do mundo; o exemplo dos animais”.
Shakespeare - Hamlet
O
final da Idade Média foi para os habi
tantes do mundo ocidental, uma épo
ca de dúvida, ansiedade e expectativa
de mudanças. Há muito, as rotas de comércio interli-
garam o Oriente com o Ocidente. As cidades ocupa-
vam o espaço dos feudos, dinamizadas pelo capital
burguês que aumentava a cada minuto. A sociedade
moderna nascida do ventre da sociedade medieval,
carecia de renovação cultural que libertasse os artistas
da influência teocêntrica exercida pela Igreja Católica.
As mudanças transformavam o universo feudal dan-
do-lhe um colorido diferente. Chegava o momento de
sacudir o mundo e desenvolver uma arte em sintonia
com os novos tempos. Por tudo isso, a tradição foi
colocada em xeque quando no fim da Idade Média
despontou o Renascimento Cultural.
Uma arte
para exaltar
a beleza Obra precoce, e a única assinada, a Pietá , de
Miguel Ângelo mostra um autêntico virtuosismo
humana técnico e uma confiança juvenil. É uma expressão
piedosa cristã e de crença neoplatônica de que a
beleza física é um reflexo da alma. Quando lhe
perguntaram porque é que Maria era tão jovem disse
que Deus tinha garantido a sua juventude com o
objetivo de “provar ao mundo a virgindade e a pureza
perpétua da Virgem”.
2. Voltaram-se para a descoberta do prazer de vi-
O Renascimento começou no século XIV e pro- ver e os desafios diante do mundo. Esses valores fo-
longou-se até o século XVI. Seu apogeu em termos de ram canalizados para a arte e a ciência renovando os
intensidade e produção artística, situou-se entre 1420 e conceitos que eram tidos como inquestionáveis.
1560. Inegavelmente a Itália foi o centro gerador da “Foi o Renascimento italiano que pro-
cultura renascentista. Após o desenvolvimento do jetou a arte de viver nas cidades para o resto
comércio, Veneza, Gênova, Pisa e Florença da Europa e para uma posteridade cada vez
O Renascimento Cultural
monopolizaram as rotas do Mar Mediterrâneo. Com mais urbanizada. A cidade italiana era mais
essa realidade tiveram um desenvolvimento bem mais
que um mercado ou um centro administrativo;
acentuado do que o restante do continente europeu. A
partir dessas transformações a nobreza feudal
era um lugar onde um homem podia passar
desempenhou um papel econômico secundário, ceden- toda a sua vida, um lugar que provia de
do espaço para a burguesia em ascensão. A predomi- emprego e de diversão não somente a
nância nos negócios destacou os ricos mercadores e burguesia com crescentes padrões de conforto
banqueiros, tornando-os a parcela mais ativa da socie- e de cultura, mas a nobreza que em qualquer
dade. parte da Europa preferia gastar seu tempo em
A convivência burguesia – nobreza nunca foi reclusões aristocráticas nos seus feudos cam-
muito tranqüila. Freqüentemente ocorriam choques que pestres.
se refletiam na estrutura política das cidades. Via de
regra, a burguesia saía vencedora, derrubando a
nobreza na “queda de braço.” O triunfo burguês
favoreceu um clima mais susceptível para os investi-
mentos na arte, propiciando uma situação de maior
proteção para os artistas. No bojo das transformações
nobreza e a Igreja também se engajaram, conferindo
O credo
uma amplitude inédita às transformações culturais.
humanista
ordenava a seus
seguidores
transmitir e
acumular
conhecimento
O campo para o cidadão italiano era um
lugar para visitar. Muitos comerciantes e lojistas
possuíam vinhas e olivais e abandonavam a cida-
Itália na época do VALORES EM CONFLITO
Renascimento.
de para viverem perto deles na época da colheita;
Fonte: História entre os ricos e poderosos entrou em moda ter uma
Moderna e O progresso econômico alterou o estilo de vida villa campestre. Isso satisfazia o crescente gosto
Contemporânea. das pessoas nas cidades. As relações de dependência
Leonel Itaussu e
da aristocracia pelas caçadas e dava uma carac-
pessoal perderam sua força, dando espaço aos valores terística de ócio luxuoso em uma carreira bem
Luís Cesar
Costa. Editora terrenos e a busca de realização individual. A vida ur- sucedida de político ou homem de negócios.(...)
Scipione. pág 41. bana permitiu os cidadãos se livrarem da coação do
Porém, a vida de verdade, a vida que os satisfa-
senhorio feudal e da Igreja Católica. A perspectiva
zia, esta estava nas cidades. Príncipes, banquei-
secular significou a procura de sentimentos próprios.
ros e lojistas voltavam com prazer dos campos que
Os homens da época não se preocuparam em negar a
existência de Deus, porém, emergiram menos certamente eram belos, e freqüentemente lucrati-
preocupados com a salvação e a vida espiritual. vos, mas que não podiam deixar encarar como
lugares sem cultura, povoados apenas por bárba-
ros e rústicos.” 1
3. A elite urbana impossibilitada de obter o privi- A concepção de mundo imposta pelos valores
légio de nascimento, compensava a diferença inves- religiosos, era estática e dogmática não permitindo mu-
tindo nas artes. Em conseqüência, vários artistas pu- danças que afastassem o homem do plano espiritual. O
deram desfrutar da proteção e incentivo dos “magna- padrão moral religioso impunha a submissão, obediên-
tas” da cultura, que se tornaram os mecenas. Para os cia, paciência, tolerância e aceitação.
novos ricos a arte tinha um sentido pratico, vinculada No fim da Idade Média, as alterações do
O Renascimento Cultural
à riqueza e o sucesso no mundo dos negócios. Renascimento Comercial, exigiram da Igreja Católica uma
Paradoxalmente a Igreja Católica acossada por adequação aos novos tempos. Nesse contexto se inse-
várias heresias e seitas que abalavam os seus alicer- re a Suma Teológica, escrita pelo dominicano Tomás de
ces, procurou se aproximar, ao máximo, dos artistas Aquino. Sua obra se constitui a primeira tentativa de
do Renascimento. Os artistas que atenderam o ape- conciliar a fé com a razão, quando a própria
lo tiveram acolhida segura. Entretanto, os “re- Igreja admitiu os postulados da Antigüidade.
beldes” foram perseguidos pela Igreja Católi- “Como a razão não era inimiga da fé, sua
ca que não perdoaria a contestação aos seus aplicação à revelação não devia ser temida.
dogmas. À medida que o raciocínio humano se tor-
O intenso contato com regiões do nava mais eficiente, disse Aquino, também
mundo oriental contribuiu imensamente se tornava mais cristão, e as incompatibili-
para a renovação cultural. No Oriente ha- dades entre a fé e a razão desapareciam.
via uma civilização mais dinâmica onde a Reconhecendo que tanto a fé como
filosofia grega era debatida por inúmeros a razão se voltam para a mesma verdade, o
intelectuais. Os navios que vinham do homem prudente aceita a religião como
Oriente trazendo perfumes, âmbar, incen- guia em todas as questões diretamente re-
so e outras mercadorias, traziam também lacionadas com o conhecimento neces-
livros, obras científicas, e às vezes, os pró- sário à salvação. Havia também toda uma
prios sábios que se deslocavam para os ampla gama de conhecimentos que Deus
magníficos centros de comércio e cultura não revelou e que não eram necessários à
italianos. O ataque de árabes e turcos que salvação. Nessa categoria enquadrava-se
não deixavam Constantinopla em paz, con- grande parte do conhecimento sobre o
tribuiu para acentuar o êxodo de sábios para o mundo natural das coisas e das criaturas,
Ocidente, diante da iminência da cidade que os seres humanos tinham perfeita li-
bizantina vir a ser conquistada pelos turcos- berdade de explorar.” 2
otomanos. A obra de Tomás de Aquino quebrou a barreira
que divorciava a Igreja dos pensadores da época. Seus
seguidores exaltaram os valores do indivíduo,
HUMANISMO enaltecendo a relação do homem com o mundo. O jeito
A ALMA DO RENASCIMENTO. diferente de pensar e agir envolveu os artistas e pensa-
dores, que se viam sedentos de transformar e mudar os
valores tradicionais. Os humanistas voltavam-se para o
Durante a Alta Idade Média, a Igreja Católica presente, olhavam para o futuro e resgatavam o lado
controlava todos os centros de estudo que eram mi- bom do passado medieval. Movia-os o ideal, que o
nistrados por clérigos e padres. As escolas tinham como homem.era a mais bela criação de Deus. Buscaram en-
finalidade preparar os noviços que investiam na car- tão valorizar o que havia de divino dentro de cada pes-
reira religiosa. Nos mosteiros os jovens padres com- soa.
pletavam as carreiras tradicionais de Teologia, Medi-
cina e Direito.
O Tempo da História
IDADE MÉDIA RENASCIMENTO
CULTURAL
TEOCENTRISMO
- HUMANISMO E
- SUBMISSÃO DO HOMEM ANTROPOCENTRISMO
- CONTEMPLAÇÃO - CIÊNCIA E RAZÃO
- VALORIZAÇÃO DO - INDIVIDUALISMO
ESPIRITUAL - CONTESTAÇÃO
- METAFÍSICO
4. Na sociedade medieval onde pou-
cos tiveram acesso ao conhecimento, a arte
funcionava como veículo ideológico ex-
pressando os valores da hierarquia religio-
sa, imutável e inabalável na sua onipotên-
cia. O gótico já pode ser encarado como
O Renascimento Cultural
transição para o Renascimento, ou até
mesmo, evolução para o estilo de arte,
amadurecido com os mestres renas-
centistas. Na pintura, essa transição foi
muito bem concebida por Giotto, o pintor
que desvendou a nova forma de encarar a
pintura.
Segundo Albert Duhrer, Giotto foi
no século XIII o primeiro mestre do novo
humanismo. “Em Giotto, Cristo é realmen-
te filho do homem. Os acontecimentos da
história sagrada tornam-se acontecimen-
tos terrenos, situam-se bem no mundo hu-
mano e não mais no além. Mesmo o suave halo
ARTE RENASCENTISTA. dourado que circunda a cabeça dos santos, já não é
um eco dos distintivos de uma hierarquia sobrenatu-
A antiga arte medieval apesar do caráter monu- ral presente nas velhas pinturas.
mental de suas obras, revelava um grande compromis- A história de Cristo é contada como alguém
Um menino
estudioso lê so com o espírito religioso predominante no período. tão tangível e tão próximo ao espectador que este
Cícero como um No início prevaleceu o gênero românico caracterizado parece convidado a tomar parte nela. São situações
guia para a vida por um estilo denso e pesado. Exemplo desse padrão
bem sucedida. dramáticas e não imagens imutáveis que são pinta-
artístico foram as grandes catedrais, construídas à se- das; as figuras relacionadas umas às outras, não mais
Muitos jovens da
elite tiveram melhança das fortalezas militares. Na pintura, as figu- se confinam a um espaço bidimensional: saem dele,
tutores ras humanas eram condicionadas à visão teocêntrica, buscam o espaço como se quisessem romper com to-
humanistas: desenhadas em posição estática e uniforme, destituídas
outros - inclusive dos os limites e unir-se a todos os que estão vivendo
de expressividade. aqui e agora. Uma nova realidade social e uma nova
alguns que eram
pobres mas bem A noção de espaço era restrita à cena predomi- consciência não dogmática se fazem sentir nas ima-
dotados de nante no tema. Na arte medieval os artistas foram ain- gens secularizadas e humanizadas.” 3
talento - da prejudicados pela carência de recursos técnicos,
frequentavam No século XIV os artistas passaram a desfrutar
obrigando os pintores a colocarem suas obras nas pa- da grande novidade da pintura à óleo. Além do inegá-
escolas dirigidas
por humanistas. redes das catedrais e mosteiros. Também nesses locais vel avanço técnico, permitia a comercialização dos qua-
poderiam ser admiradas por um número maior de pes- dros em telas, ao contrário das obras medievais que
soas. eram os estáticos afrescos. Com isso, as obras
Na Baixa Idade Média despontou o gótico ali- ganharam em mobilidade, permitindo-se a compra e
viando o estilo pesado do românico. Nos seus arcos e venda de uma tela como qualquer bom negócio. O in-
ogivas destacava-se uma arquitetura dotada de leveza vestimento na arte multiplicava o lucro dos mecenas,
e esplendor. Nas catedrais góticas existem espaço, luz dentre os quais, se destacava a família de Lourenço de
e cor em abundância. Pesa contra o gótico o fato da Médici, famoso banqueiro da cidade de Florença.
arte ainda ser era concebida como instrumento didáti-
co.
O Tempo da História
SÉCULO XII - XIII SÉCULO XIV SÉCULO XVI
RENASCIMENTO INÍCIO DO APOGEU E
COMERCIAL RENASCIMENTO DECADÊNCIA
DO RENASCIMENTO 1545
E FORMAÇÃO DAS 1453
MONARQUIAS
CONCÍLIO DE
TOMADA DE
TRENTO E
CONSTANTINOPLA
CONTRA-REFORMA
5. O palácio em que vivia foi transformado na Era uma arte que remetia o homem ao próprio
Galeria Ufisi, onde se encontram vários quadros e es- homem e o induzia a uma identificação maior com seu
culturas da época de ouro do Renascimento. Um exem- meio urbano e natural, ao contrário dos estilos medie-
plo é a Sagração da Primavera de Boticelli, quadro vais que predispunham as pessoas a penetrarem nos
admirável pela textura, beleza e transparência. universos imateriais das hostes celestiais. A arte
Entretanto o grande gênio do Renascimento renascentista, portanto, mantinha uma consonância
O Renascimento Cultural
foi o italiano Leonardo Da Vinci. Apesar da pequena muito maior com o modo de vida implantado no Oci-
quantidade de quadros pintados, Da Vinci fez o dente europeu com o incremento das relações mercan-
bastante para eternizar obras-primas, a exemplo da tis e o desenvolvimento das cidades. 4
Gioconda, Última Ceia e A Virgem dos Rochedos. Na Outro expoente do Renascimento foi
opinião dos críticos de arte, o pintor preferiu técnicas Michelângelo. A Criação do Homem, pintada no teto e
imprecisas para não ficar preso a estéticas laterais da Capela Sistina, no Vaticano, é a maior prova
convencionais. A irreverência do artista se revelou por da criatividade desse artista, que demorou vários anos
inteiro no rosto da enigmática Mona Lisa. para concluir a obra. Como escultor não fez por me-
As inúmeras interpretações sobre o sorriso da nos, como se pode observar no magnífico Davi, reali-
Mona Lisa confirmam a natureza polêmica desse ar- zado na adolescência do artista quando lhe solicitaram
tista. Da Vinci foi um grande exemplo das vantagens uma prova na academia que estudava. A escultura trans-
que a ciência trouxe para os pintores do Renascimento. mite uma sensação de orgulho e heroísmo, combinado
Os quadros eram precedidos por um estudo minucio- com leveza graça e espiritualidade. Na Pietá,
so de perspectivas matemáticas. Na maioria dos ca- Michelângelo desenvolveu um sentimento de emoção
sos, pintores e escultores faziam o rascunho da obra, ao retratar a imagem da Virgem Maria acolhendo Cris-
antes que fosse realizada a versão final. A técnica de to nos braços após o sofrimento do calvário.
contrastar o claro e escuro deu vida às obras permitin-
do aos autores infinitas possibilidades. No quadro A
Virgem do Rochedo, parece que Leonardo da Vinci
concentrou todas as luzes do universo, no rosto
celestial da Virgem Maria.
A expressão perspectiva significa “ver atra-
vés”. Essa expressão inédita de olhar-se para uma
parede pintada e parecer que se vê para além dela,
como se ali tivesse sido aberta uma janela para um
outro espaço, o espaço pictórico, era o principal efei-
to buscado pelos novos artistas. A pintura tradicio-
nal, gótica ou bizantina, praticamente se restringia
ao plano bidimensional das paredes, produzindo no
máximo um efeito decorativo. O novo estilo multipli-
cava o espaço dos interiores e com a preocupação de
dar às pessoas, objetos e paisagens retratados a apa-
rência mais natural possível, parecia multiplicar a
própria vida. Uma arte desse tipo impressionava muito
mais os sentidos que a imaginação, convidava muito
mais ao desfrute visual do que à meditação interior. Detalhe da Capela Sistina de Miguel Ângelo. Na cena da criação de
Adão pode deduzir-se a confiança da época no ideal masculino.
O Tempo da História
1304 1346 1428 1477 1507 1572
GIOTTO PESTE AFRESCOS A PRIMAVERA MONA LISA OS LUSÍADAS
NEGRA DE de
COMEÇA MASACCIO BOTICELLI da VINCI CAMÕES
OS AFRESCOS EM FLORENÇA
DA CAPELA 1350 1498 1505 1603
DE PÁDUA
DECAMERON ÚLTIMA CEIA DAVI de HAMLET
DE da VINCI MICHELÂNGELO
BOCACCIO SHAKESPEARE
6. Galeria do
Renascimento
O Renascimento Cultural
O Renascimento Cultural
O compromisso do
Humanismo com o passado
clássico e sua rejeição da
cultura medieval são
claramente revelados nas três
obras de arte exibidas nesta
página. Todas representam as
Três Graças, servas da deusa
do Amor. Na versão clássica,
acima, à esquerda, as graças
são dançarinas robustas,
pintadas de modo a idealizar a
beleza humana. Entretanto, na
Idade Média a forma humana
não era admirada em si
mesma, e as Graças, à direita,
acima, tornaram-se planas e
sem corpo. Os humanistas
denunciavam tais obras como
“Uma caricatura do corpo
humano”.
Um pintor do século XV, Sandro
Boticelli, não era humanista
doutrinário, mas sua arte irradiava
o espírito do renascimento
clássico. Em sua famosa versão
das Três Graças, ao lado, ele
restituiu os movimentos joviais, e
uma vez mais revela sua beleza.
Ao tema antigo Boticelli
acrescenta a elegância, a graça e
a nova sofisticação de sua época.
In. John R. Hale. Renascença.
Biblioteca de História Universal
Life. Editora José Olympio. pág
26.
7. Renascimento e
O Renascimento Cultural
Ciência
O
s pensadores medievais defenderam a teoria do Universo
estático e imóvel. Para eles, a Terra ficava no centro e os
astros giravam em torno do planeta. Essa concepção teocêntrica foi contestada por Nicolau
Copérnico, em 1453. Na sua obra Sobre as Revoluções das Esferas Celestes, o cientista jogou por terra mil
anos de Geocentrismo, contrapondo o Heliocentrismo - o Sol no centro do nosso sistema e a Terra junto com
os outros planetas e astros girando em torno do astro-rei. Comungando com essa teoria, Galileu aprofundou
os estudos de Copérnico, observando os astros com auxílio das revolucionárias lunetas. Os instrumentos
óticos inventados por Galileu confirmavam a teoria de Copérnico, destruindo cientificamente as ultrapassadas
afirmações da Igreja.
A teoria provocou um estardalhaço nos meios
científicos despertando, ao mesmo tempo a fúria da
Leonardo da
Igreja Católica que resolveu condenar o cientista. Após Vinci foi o
várias sessões da Inquisição Galileu conseguiu driblar curioso mais
seus algozes reiterando a fé em Deus diante do tribunal. insistente da
história.
Depois de muita pressão diria: “ Eu, Galileu juro que
Perguntava o
sempre acreditei, acredito agora e com a ajuda de porquê e como
Deus acreditarei doravante em tudo o que ensina e de tudo que via
prega a Igreja Católica. Mas porque, depois de ter (...) Descobre,
anota: quando
recebido uma ordem que me foi legalmente dada para
pode ver,
que abandonasse totalmente a falsa opinião, segundo desenha. Copia.
a qual, o Sol é o centro do mundo e não se move, e a Faz a mesma
Terra não é o centro do mundo e se move, e não pergunta, uma,
duas, várias
sustentasse, defendesse ou ensinasse a dita falsa
vezes. A
doutrina de nenhum modo (...) escrevi e publiquei um curiosidade de
livro em que a dita doutrina condenada foi versada. Leonardo unia-
Portanto abjuro, amaldiçôo e abomino os referidos se a uma energia
mental
erros e heresias. ” 5
incansável. Não
Em síntese, o Renascimento Cultural foi um se contenta com
momento singular na história, marcado por três séculos um sim por
de grande produção artística, literária e científica. A resposta. Não
deixa nada de
atitude dos mecenas investindo e apoiando os artistas
lado: preocupa-
conferiu um papel de destaque para a burguesia. O se, expõe,
interesse dos burgueses era movido pela crença nos responde a
novos padrões e pela certeza de auferir grandes lucros interlocutores
imáginários. No
com a venda das obras artísticas. Vinculou-se também à
quadro ao lado, a
perspectiva ideológica de criar um novo padrão de vida e uma forma diferente de pensar e ver o mundo. famosa e
No final do século XVI diminuiu sensivelmente a produção cultural engajada com o Renascimento. O enigmática Mona
deslocamento do comércio para o Atlântico prejudicou as cidades italianas, afetando os investimentos nas Lisa.
obras renascentístas. De outro lado, a Igreja Católica deslocou seu foco para a Contra-Reforma que foi
associada ao Barroco que lembrava o Renascimento mas tinha outros objetivos. Mesmo assim o espírito do
Renascimento continuou guiando a humanidade e seus paradigmas conduzem as sociedades na busca de um
mundo melhor.
8. “A história da cultura renascentista ilustra com clareza todo o processo de construção cultural do
homem moderno e da sociedade contemporânea. Nele se manifestam os germes do individualismo e do
racionalismo, conceitos típicos de comportamentos mais imperativos e representativos de nosso tempo.
Consagra a razão que é a instância suprema de toda a cultura moderna, versada no rigor das matemáticas,
que passarão a reger os sistemas de controle do tempo, do espaço, do trabalho e do domínio da natureza.
Será essa mesma razão abstrata que estará presente tanto na elaboração da imagem naturalis-
O Renascimento Cultural
ta pela qual é representado o real, quanto na formação das línguas modernas e na
própria constituição da chamada identidade nacional. Ela é a nova versão do
poder dominante e será consubstanciada no Estado Moderno, entidade
racionalizadora, controladora e disciplinadora por excelência, que extinguirá a
multiplicidade do real, impondo um padrão único, monolítico e intransigente
para o enquadramento de toda a sociedade e cultura. Isso, contraditoriamente,
fará brotar um anseio de liberdade e autonomia de espírito, certamente o mais
belo legado do Renascimento para a atualidade.” 6
PENSAMENTO
RELIGIOSO E POLÍTICO
O s pensadores renascentistas lutaram por uma religião renovada, não
poupando críticas à Igreja Católica. A idéia de elaborar uma religião
simplificada influenciou o teólogo Erasmo de Roterdã a escrever o fantástico livro - O
Elogio da Loucura. Segundo o autor, os teólogos da Igreja se escudavam numa muralha de
definições teológicas. Dizia Erasmo que: “A verdadeira religião, não dependia do dogma,
do ritual, ou do poder clerical. Ao contrário, ela é revelada de modo simples e claro na
Bíblia e portanto é diretamente acessível a todas as pessoas, desde os sábios e poderosos
até os pobres e humildes.” 7 Quando foi processado pela Igreja, Erasmo retrocedeu
provavelmente com receio das penalidades que lhe seriam impostas. Mas a teoria de
Erasmo não ficaria adormecida. Serviria de inspiração para Martinho Lutero atacar a Igreja
em seus fundamentos básicos.
No plano político a maior obra do Renascimento foi escrita pelo italiano Nicolai
Maquiavel. Sua motivação inicial ao escrever “O Príncipe” foi traçar o caminho mais fácil
para a Itália efetivar a centralização política, a exemplo do que havia acontecido com outras
monarquias européias. Na época de Maquiavel a Itália não conseguia superar a fragmenta-
ção que confrontava as cidades em lutas intestinas. O crescimento
do comércio mergulhou as cidades num insano clima de disputa
que sangrou o território italiano. Na opinião de Maquiavel, a única
Maquiavel foi
usado como forma de reverter a desordem era a imposição da ordem total, sem
embaixador pela contestação.
república de Na sua concepção, o monarca ideal seria motivado pelas
Florença numa grandes ações e não deveria hesitar diante das adversidades. Um
época em que a
ordem política príncipe deve agir com rapidez e precisão, não permitindo aos
da Europa inimigos a chance de reação. A negligência é a prova da fraqueza,
parecia estar se da incapacidade e despreparo do príncipe diante da tarefa de
desmanchando. governar. Segundo o autor, valia mais a reputação da virtude do
Na gravura da
esquerda, que a própria virtude. É necessário, portanto, que o soberano
quadro do dissimule, saiba fingir e engane os súditos.
pensador
político
9. Cabe ao povo obedecer aos soberanos. Em caso de transgres-
são das leis, deve o príncipe usar a força para que a ordem na
sociedade seja mantida a qualquer custo.
“É muito louvável por parte dos príncipes de serem
fiéis aos seus compromissos mas, entre os de nosso tempo,
O Renascimento Cultural
que vimos fazer grandes coisas, são poucos os que sejam
gabados desta fidelidade e que tenham tido escrúpulos
de enganar os que se fiavam na sua lealdade”.
Ora, os animais cujas formas o príncipe deve
saber revestir são as formas da raposa e do leão. A
primeira se defende mal contra o lobo e o outro cai
facilmente nas arapucas que lhe preparam. Da
primeira o príncipe aprenderá a ser sagaz e do
outro a ser forte. Os que desprezam o papel de
raposa entendem pouco da sua profissão. Em
outras palavras um príncipe prudente não
pode nem deve manter a sua palavra senão
quando ele pode fazê-lo sem se prejudicar e
as condições em que ele se comprometeu
ainda subsistem.
Eu não me atreveria a enunciar
semelhante preceito se todos os
homens fossem bons; mas como eles
são todos maus e sempre prontos a
faltar com a sua palavra, o príncipe
não se deve gabar de ser mais fiel à
sua e esta falta de boa fé é sempre
fácil de justificar. Eu poderia citar
dezenas de provas e mostrar
quantos compromissos e tratados
têm sido rompidos, entre os quais
o mais feliz é sempre o que melhor
sabe cobrir-se com pele de O
raposa. O caso é de bem desempe- desenvolvimento
no comércio e o
nhar o seu papel e de saber oportunamente mentir e apoio dos
dissimular. Os homens são tão simples e tão fracos que quem os quer enganar, facilmente os engana.” 8 mecenas,
Maquiavel foi considerado o primeiro grande pensador político do mundo moderno. A leitura de sua transformou
obra confirma o lema que o tornou imortal - Os fins justificam os meios. Suas idéias serviram de inspiração Veneza num
dos grandes
para outros escritores da época, tornando-se também o livro de cabeceira dos monarcas do Antigo Regime. centros de
Mas perguntaria o leitor - como pôde ser tão importante um autor que defendeu idéias que inspiraram gover- Renascimento
nos despóticos e autoritários? Onde estaria o lado renascentista de Maquiavel? A resposta é simples: Ao Cultural
defender o poder real vinculando-o à manutenção da ordem, contribuía para debilitar a força da Igreja, que
disputava com os reis o direito de governar os homens na Terra. Ressaltava o espírito renascentista na
exaltação do homem-príncipe, capaz de usar a força e a razão ao mesmo tempo.
1 In. Hale, John R. Hábitos e Moral. A Renascença. Biblioteca Time-Life. José Olympio Editora. P. 52.
2 In. Perry, Marwin. Civilização Ocidental. Uma História Concisa. Martins Fontes Editora. Pág. 231.
3 In. Fischer, Ernst. Apud. Nicolau Sevscenko. O Renascimento. Pág 38.
4 In. Sevcenko, Nicolau. Op. Cit. Pág. 48.
5 In. Blitzer, Charles. O Universo Reconstruído. A Era dos Reis. Coleção Time-Life. Pág. 103.
6 In. Sevcenko. Nicolau. Op. Cit. Pág. 2.
7 In. Perry, Marwin. Op. Cit. Pág. 283.
8 In. Maquiavel. Nicolau. O Príncipe. Edições ao Livro de Ouro. Pág. 38.