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Comunicação
& educação
Revista do Departamento de Comunicação e Arte do ECA/USP – Ano XVIII – n. 1 – jan/jun 2013
Comunicação
& educação
Catalogação na Publicação
Serviço de Biblioteca e Documentação
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
Comunicação & Educação / Revista do Departamento de Comunicações e Artes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo. – Ano 18, n. 1 (jan – jun. 2013). – São Paulo : CCA/ECA/USP : Paulinas, 2013 - 27 cm
	Semestral.
ISSN 0104-6829
1. Comunicação 2. Educação I. Universidade de São Paulo. Escola de Comunicações e Artes. Departamento de Comunicações
e Artes. II. Paulinas.
CDD – 21 ed. – 302.2
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Reitor: Prof. Dr. João Grandino Rodas
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
Diretor: Prof. Dr. Mauro Wilton de Sousa
Vice‑Diretora: Profa. Dra. Maria Dora Genis Mourão
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÕES E ARTES
Chefe: Profa. Dra. Roseli Fígaro
Vice-chefe: Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares
CONSELHO EDITORIAL
Adílson Jose Ruiz (Universidade Estadual de Campinas, Unicamp); Adilson
Odair Citelli (Universidade de São Paulo, USP); Alberto Efendy Maldonado de
la Torre (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos); Albino Canelas
Rubim (Universidade Federal da Bahia, UFBA); Alice Vieira (Universidade de
São Paulo, USP); Antonio Fausto Neto (Universidade do Vale do Rio dos Sinos,
Unisinos); Benjamin Abdala Junior (Universidade de São Paulo, USP); Christa
Berger (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos); Clovis de Barros Filho
(Universidade de São Paulo, USP/Escola Superior de Propaganda e Marketing,
ESPM); Cremilda Medina (Universidade de São Paulo, USP); Elza Dias Pacheco
(†) (Universidade de São Paulo, USP); Irene Tourinho (Universidade Federal de
Goiás, UFG); Ismail Xavier (Universidade de São Paulo, USP); Ismar de Oliveira
Soares (Universidade de São Paulo, USP); Jose Luiz Braga (Universidade do Vale
do Rio dos Sinos, Unisinos); José Manuel Morán (Universidade de São Paulo, USP/
Universidade Norte do Paraná, Unopar); José Marques de Melo (Universidade de
São Paulo, USP/Universidade Metodista de São Paulo, Umesp); Lindinalva Silva
Oliveira Rubim (Universidade Federal da Bahia, UFBA); Marcius Freire (Universidade
Estadual de Campinas, Unicamp); Margarida Maria Krohling Kunsch (Universidade
de São Paulo, USP); Maria Aparecida Baccega (Universidade de São Paulo, USP/
Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM); Maria Cristina Castilho Costa
(Universidade de São Paulo, USP); Maria Cristina Palma Mungioli (Universidade de
São Paulo, USP); Maria Immacolata Vassalo de Lopes (Universidade de São Paulo,
USP); Maria Louder Motter (†) (Universidade de São Paulo, USP); Maria Thereza
Fraga Rocco (Universidade de São Paulo, USP); Marília Franco (Universidade de
São Paulo, USP); Mayra Rodrigues Gomes (Universidade de São Paulo, USP);
Muniz Sodré Cabral (Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ); Nilda Jacks
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS); Raquel Paiva Araujo Soares
(Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ); Renata Pallottini (Universidade
de São Paulo, USP); Rosa Maria Dalla Costa (Universidade Federal do Paraná,
UFPR); Rosana de Lima Soares (Universidade de São Paulo, USP); Roseli
Fígaro (Universidade de São Paulo, USP); Ruth Ribas Itacarambi (Universidade
de São Paulo, USP/Faculdades Oswaldo Cruz, FOC); Solange Martins Couceiro
(Universidade de São Paulo, USP); Suely Fragoso (Universidade do Vale do Rio dos
Sinos, Unisinos); Virgílio B. Noya Pinto (†) (Universidade de São Paulo, USP)
CONSELHO DE COLABORADORES INTERNACIONAIS
Cristina Baccin (Decana da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade
Nacional do Centro da Prov. de Buenos Aires, Argentina); Geneviève
Jacquinot-Daleunay (Université de Paris-VIII e Laboratoire Communication
et Politique - CNRS, Paris); Giovanni Bechelloni (Università di Firenze);
Guillermo Orozco Gómez (Universidade de Guadalajara, Jalisco, México);
Isabel Ferin da Cunha (Universidade de Coimbra); Jesús Martín-Barbero (Universidade
de Guadalajara, México); Jorge A. González (LabCOMplex – Universidade Nacional
Autónoma de México); José Ignácio Aguaded Gómez (Universidad de Huelva -
España); José Martínez de Toda y Terrero (Centro Interdisciplinar de Comunicação
Social – Pontifícia Universidade Gregoriana, Itália); Lúcia Villela Kracke (Chicago
State University); Luís Busato (Diretor de Comunicação – Universidade de Grenoble,
França); Marcial Murciano Martínez (Decano da Faculdade de Ciências da
Comunicação da Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha); Maria Teresa
Quiroz Velasco (Universidad de Lima, Peru); Mario Kaplún (†) (Especialista em
Comunicação e consultor independente no Uruguai); Milly Buonanno (Università
di Firenze); Raul Fuentes (Iteso – Universidade Católica de Guadalajara); Valerio
Fuenzalida Fernandez (Pontifícia Universidad Católica de Chile)
Comunicação & Educação é uma publicação do Departamento de Comunicações
e Artes da ECA-USP. Integrante da Rede Ibero-Americana de Revistas de
Comunicação e Cultura. Indexada no PortCOM/Portdata (Brasil), Portal Infoamerica
(Espanha) e Rebeca (ECA/USP).
CREDENCIAMENTO E APOIO FINANCEIRO DO:
PROGRAMA DE APOIO ÀS PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS PERIÓDICAS DA USP
COMISSÃO DE CREDENCIAMENTO
Editores: Adilson Odair Citelli e Maria Cristina Castilho Costa
Comissão de publicação: Adilson Odair Citelli; Ismar de Oliveira Soares;
Maria Aparecida Baccega; Maria Cristina Palma Mungioli;
Maria Immacolata Vassalo de Lopes; Maria Lourdes Motter (†);
Roseli Fígaro; Solange M. Couceiro de Lima; Virgílio B. Noya Pinto (†)
Editora-executiva: Cláudia Nonato – MTB 21.992
Jornalista responsável: Ismar de Oliveira Soares – MTB 10.104
Assessora editorial: Carolina Boros
Estagiário: Adriano Leonel
Projeto gráfico – 	Capa: Telma Custódio
	Miolo: Midiamix Soluções Editoriais
Produção de arte: Jéssica Diniz Souza
Tradutores: Denise Monteiro de Lima Demange e Mariane Harumi Murakami (Inglês); e
Wilson Alves Bezerra (Espanhol)
Coordenação de revisão: Marina Mendonça
Revisão: Ana Cecília Mari
Produção e distribuição
Paulinas Editora
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Pedidos e assinaturas
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Assinatura: para receber os próximos números da revista
Comunicação & Educação utilize o e-mail: livirtual@paulinas.com.br
Como publicar
Comunicadores e educadores que desejarem colaborar com a revista Comunicação &
Educação devem enviar seus textos (indicando a seção para a qual são destinados)
de acordo com os critérios para publicação no final da revista.
Endereço para correspondência:
Revista Comunicação & Educação (CCA-ECA-USP)
Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443 – Ala A – sala 12
Bloco Central – Cidade Universitária
05508-900 – São Paulo – SP – Brasil
Telefax: (+5511) 3091-4063
http://www.eca.usp.br/comueduc
Editorial
Com o primeiro número da revista Comunicação & Educação de 2013,
comemoramos dezoito anos de vida. Trata-se de um momento especialmente adequado para
lembranças e reminiscências. Foram dezoito anos que começaram com a iniciativa dos
professores do Departamento de Comunicações e Artes – CCA – da ECA/USP para produzir,
coletivamente, uma revista dirigida, sobretudo, aos educadores, auxiliando-os nas reflexões
e ações didático-pedagógicas, tendo em vista os recursos possibilitados pelas Comunicações.
Esse modelo foi planejado com diferentes seções, orientadas por preocupações academicamente
consistentes, procedimentos de trabalho colaborativo, atualização no afeito aos temas
pertinentes aos âmbitos das Ciências da Comunicação e da Educação. Estabeleceram-se
parcerias com editoras comerciais que se incumbiram da publicação e circulação da revista.
No CCA, sob a liderança da Profa. Dra. Maria Aparecida Baccega, primeira editora
da Comunicação & Educação, ocorria a concepção de cada número, assim como o
recebimento e análise preliminar dos textos enviados pelos autores, a distribuição aos
pareceristas, a revisão, diagramação, encaminhamento e acompanhamento final da edição,
e tudo isto em uma pequena sala ocupada pela secretária, editora e editora-executiva. Essas
tarefas compreendiam o auxílio de um diligente e competente conselho editorial, com nomes
importantes dentro e fora do Brasil.
Desde os primeiros números, Comunicação & Educação desenvolve uma trajetória
de reconhecimento e plena inserção nas áreas do saber com as quais se vincula e dialoga.
Foi credenciada pela Universidade de São Paulo como um dos seus periódicos científicos
representativos, fazendo parte, hoje, do Portal de Periódicos da USP. Está qualificada pelo
Comitê de Comunicação, assim como por outros comitês, a exemplo de Educação e Letras,
da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. E, reiterando os
seus propósitos iniciais, mantém viva a interlocução com pesquisadores, professores e alunos
dos diferentes níveis do sistema educativo, incluindo o ensino fundamental
e a pós-graduação.
Trata-se de uma das revistas com maior número de acessos na área de Comunicação,
segundo informa pesquisa bibliométrica do grupo EC3 (Evaluación de la Ciencia y de la
Comunicación Científica), da Universidade de Granada, Espanha, que, baseada no Google
Scholar Metrics (2007-2012), identificou a Comunicação & Educação entre as cem mais
referidas no mundo, e a quarta no Brasil, no âmbito das pesquisas em Comunicação.
A revista reúne centenas de artigos e entrevistas de nomes importantes dentro e fora do
Brasil, nos campos da Comunicação, da Educação e em áreas conexas, constituindo-se em
fonte permanente de pesquisa, em manancial bibliográfico refletido em teses, livros e artigos.
Além disso, mantém suas atividades dentro do CCA/ECA/USP, sendo produzida por uma
equipe editorial, contando com grande número de colaboradores e frutífera parceria, nos
últimos oito anos, com a Paulinas Editora.
Chegamos, enfim, à maioridade. Acompanhando o desenvolvimento dos meios de
comunicação e das tecnologias, as discussões sobre educação e cidadania, alcançamos os
dezoito anos com todo o vigor e energia dos jovens adultos. E, nesse aniversário, queremos
convidar você, leitor, principal responsável por essa trajetória, para comemorar conosco.
Vamos levantar um brinde e celebrar, juntos, outros tantos aniversários da Comunicação
& Educação. Evoé!
Os Editores
Sumário
Apresentação / Presentation
Educomunicação: quando pesquisa, extensão e ensino se imbricam! /
Educommunication: when research, extension and education are interlinked
Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares.................................................................................................. 7
Artigos Nacionais / Nacional Articles
Digital Storytelling e formação corporativa: possibilidades para a aprendizagem de adultos /
Digital Storytelling and corporate training: possibilities in adult education
Josias Ricardo Hack, Fernando Ramos e Arnaldo Santos............................................................... 15
Ficção científica: utopia ou distopia? Felicidade, angústia e prazer na pós-modernidade /
Science fiction: Utopia or dystopia? Happiness, anguish and pleasure in the post-modernity
Carlos Alberto Machado ............................................................................................................. 25
Histórias em quadrinhos como suporte pedagógico: o caso Watchmen /
Comics as educatinal matirial: the Watchman case
Waldomiro Vergueiro e Douglas Pigozzi......................................................................................... 35
Cruzando espaços: proposta de contribuição para a Wikipédia /
Crossing spaces: a contribution proposal to Wikipedia
Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti.................................................................................... 43
Artigos Internacionais / International Articles
Redescobrindo o interesse pelas ciências: a chave para uma sociedade tecnológica /
Rediscovering the interest in sciences, keystone of technological society
Carlos Busón Buesa.................................................................................................................... 55
Dos paradigmas interculturais à ação educacional autogerida /
From intercultural paradigms to self managed educational action
Martha Lucia Izquierdo Barrera.................................................................................................. 63
Gestão da Comunicação / Communication Management
Cedeca Interlagos: Fotografia e educomunicação para o desenvolvimento humano /
Cedeca Interlagos: photografy and educommunication for human development
André Bueno.............................................................................................................................. 75
Entrevista / Interview
Pais, adolescentes, internet e escola: uma relação delicada /
Parents, teenagers, internet an school: a delicate relationship
Cláudia Nonato.......................................................................................................................... 87
Crítica / Review
Rebelde(s): consumo e valores nas telenovelas brasileira e mexicana /
Rebelde(s): consumption and values in Brazilian and Maxican telenovelas
Maria Aparecida Baccega, Fernanda Elouise Budag e Lucas Máximo Ribeiro.................................. 95
Depoimento / Testimony
Circo e sociabilidade em São Paulo /
Circus and sociability in São Paulo
Walter de Sousa Junior...............................................................................................................105
Experiência / Experience
Produção coletiva de webnovelas: um estudo sobre metodologias dialógicas e participativas /
Colletive production of web series: a study on dialogical and participatory methodologies
Maria Isabel Rodrigues Orofino..................................................................................................111
Poesia / Poetry
O poema do mau agouro /
The poem of misfortune
Adilson Citelli..........................................................................................................................121
Resenhas / Digests
Reinventando a educação para reinventar a mídia /
Reiventing education to reinvent media
Ismar de Oliveira Soares.............................................................................................................125
Transnacionalização e transmidiação da ficção televisiva em países ibero-americanos /
Transnacionalization and transmediation of television fiction in Ibero-American countries:
some notes
Maria Cristina Palma Mungioli e Issaaf Karhawi.......................................................................131
Meia-noite em Paris. Na hora aberta da meia-noite: o cinema, as artes e a sedução da Modernidade /
Midnight in Paris. In Midnight Open Hour: the Cinema, the Arts and the Modernity Seduction
Maria Ignês Carlos Magno.........................................................................................................137
Atividades em sala de aula / Activities in the Classroom
Atividades com Comunicação & Educação – Ano XIII – n. 1/
Activities with articles of Communication & Education – Year XVIII – n. 1
Ruth Ribas Itacarambi...............................................................................................................145
apresentação
7
Educomunicação: quando
pesquisa, extensão e
ensino se imbricam!
Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares
Professor titular da ECA/USP, supervisor do Curso a distância "Mídias na Educação",
do MEC, no Estado de São Paulo, e coordenador da Licenciatura em
Educomunicação da ECA/USP.
E-mail: ismarolive@yahoo.com
Resumo: O texto faz um breve resumo do
percurso percorrido pela prática de edu-
comunicação, a começar pela pesquisa e
extensão cultural, parte das quais destina-
das a estudar ações geradas em programas
de extensão universitária, passando pelo
ensino regular e formal, com a criação dos
cursos de graduação e especialização, até
a sua difusão com a revista Comunicação
& Educação.
Palavras-chave: Educomunicação; pesqui-
sa; extensão cultural; prática acadêmica;
difusão acadêmica.
Abstract: The paper outlines a sum-
mary of the journey of educommunica-
tion practice, starting with the research
and cultural extension, some of them
aimed at studying actions developed in
university extension programs, passing
by regular and formal education, with the
undergraduate and specialization courses,
and finally, with the Communication &
Education journal.
Keywords: Educommunication; research;
cultural extension; academic practice;
academic diffuse.
Costuma-se afirmar que a relevância de uma universidade pode ser medida
pela articulação que souber promover entre as três áreas constitutivas de sua
missão: pesquisa (o avanço do conhecimento mediante a investigação metódica
e inédita), ensino regular e formal (a formação profissional dos alunos para
atender as demandas por trabalhadores qualificados) e difusão (a socialização
do saber junto à sociedade, para criar referenciais para a condução das práticas
sociais e laborais).
Em geral, estanques ou fechados em si mesmos, estes três setores da prática
acadêmica comportam-se, em alguns casos, como trilhas de um mesmo caminho,
ou braços de um mesmo delta que, percorridos ou navegados por um pensa-
mento transdisciplinar, garantem visibilidade, legitimação e reconhecimento a
determinadas áreas da prática social.
Foi o que ocorreu com a educomunicação1
. Presente no cenário das lutas
sociais latino-americanas, ao longo do século XX, a prática ganha identidade
no embate entre a pesquisa e a extensão cultural, facilitando e dando coe-
rência à aplicação dos resultados da investigação na solução de problemas
1. Sobre o conceito, ver
Ismar de Oliveira Soares.
Gestão comunicativa e
educação: caminhos da
educomunicação. Comu-
nicação & Educação, São
Paulo, Ano VIII, n. 23, p.
16-25, jan./abr. 2002.
8
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
contemporâneos. As intervenções – próprias da extensão – propõem novos
problemas que, pesquisados, fazem avançar os conceitos originais, mediante
especificações que agregam, modulam e fazem crescer2
.
Como a fazer girar o ciclo de mútuas interferências, as pesquisas em
torno do conceito da educomunicação (parte das quais destinadas a estudar
ações geradas em programas de extensão universitária) chegam – 13 anos
após a divulgação da pesquisa fundante – ao expressivo número de 97 teses e
dissertações. É o que registra o banco de teses da CAPES, no último mês de
2012. Deste total, 41 pesquisas foram produzidas na USP, sendo que 37 delas
no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação, da ECA/USP.
UM NAMORO COM O EDUCOM!
Uma das pesquisas desenvolvidas no espaço da USP pertence ao Programa
de Pós-graduação em Psicologia da USP, campus de Ribeirão Preto. Trata-se
da dissertação de mestrado de Helenita Sommerhalder Miike, defendida em
2008 com o título: “Oficina de TV, uma prática educomunicativa: estudo de
caso de uma criança abrigada”3
.
O projeto investigativo buscou compreender que possibilidades de ganhos
psicossociais e educativos a realização de práticas educomunicativas poderia
trazer para crianças em situação de risco social. Para tanto, tomou como estudo
de caso a realidade de uma menina de onze anos que vivia em um abrigo de
uma cidade de porte médio, no interior de São Paulo. A pesquisa procurou
identificar mudanças na condição de desenvolvimento desta criança, expressas
no seu contexto de vida cotidiana, e que poderiam ser consideradas como
possivelmente decorrentes da sua participação no projeto.
Miike adotou como suporte teórico-metodológico dois gêneros distintos de
referenciais: um primeiro, no âmbito da educomunicação, tendo como referência
as conclusões do trabalho do Núcleo de Comunicação e Educação da USP, rea-
lizado, entre 1997 e 1999, junto a especialistas em Comunicação/Educação de
12 países da América Latina; um segundo, na perspectiva da psicologia social,
fazendo uso dos estudos em torno das redes de significações.
As oficinas de vídeo, oferecidas a um grupo de crianças abrigadas, entre
as quais a menina em observação, foram realizadas em 30 encontros, num total
de 60 horas, seguindo alguns procedimentos como o “aprender fazendo” e a
identificação de conceitos teóricos a partir do contato direto dos participantes
com os equipamentos e a linguagem próprios da televisão. O educador e o
técnico do abrigo responsável pelo caso, assim como os professores e a mãe
da adolescente, foram ouvidos antes da realização e após a implantação dos
instrumentos, visando fazer um levantamento das histórias de vida e uma des-
crição das crianças nos momentos específicos.
2. Patrícia Horta Alves, em
sua tese doutoral intitula-
da “O Projeto Educom.rá-
dio como política pública”
(ECA/USP, 2007), trabalha
a relação entre pesquisa
e extensão cultural como
ação própria do âmbito
das políticas públicas.
3. MIIKE, H. S. Oficina
de TV, uma proposta
educomunicativa: estudo
de caso de uma criança
abrigada. (Dissertação
de Mestrado). Faculdade
de Filosofia, Ciências e
Letras de Ribeirão Preto
da Universidade de São
Paulo, 2008.
9
Educomunicação:quandopesquisa,extensãoeensinoseimbricam! • IsmardeOliveiraSoares
A descrição inicial da criança em observação foi muito semelhante à exis-
tente na literatura sobre a população infantil abrigada, especialmente no que
se refere à autoimagem negativa e ao desempenho escolar ruim.
Pois bem, após a participação da menina nas oficinas, o exame de seu
retrato presente nos depoimentos dessas pessoas apontou para a existência de
efetivas e súbitas mudanças, sempre em sentido positivo. A autora compreen-
deu que essas diferenças possivelmente foram motivadas pela combinação da
maneira com que dialogicamente se estabeleceram interações entre ela e as
pessoas com quem conviveu no período do projeto, os papéis atribuídos a ela
e a forma como ela os assumiu.
Na conclusão do trabalho, a autora constatou, ainda, que o projeto per-
mitiu visualizar o uso da linguagem audiovisual (câmera de vídeo) como um
dispositivo de desenvolvimento humano capaz de potencializar a experiência
de vida das crianças, ao quebrar a relação mítica com o objeto TV e auxiliar
a percepção de recursos próprios, especialmente para crianças que ainda não
dominam a leitura e a escrita.
A dissertação defendida em Ribeirão Preto revelou o que dezenas de ou-
tras, voltadas para a análise dos procedimentos educomunicativos, acabaram
confirmando. Referimo-nos a pesquisas realizadas a partir de amostragens dis-
tintas, algumas constituídas por pequenos grupos (como, por exemplo, a tese
doutoral sobre a ação educomunicativa na prática das ONGs, em diferentes
regiões do Brasil, de autoria de Genésio Zeferino Silva Filho, de 20044
, e outras,
abrangendo contingentes maiores de estudantes vinculados a complexas redes
de ensino, como a dissertação de Renato Tavares, de 2007, sobre a produção
midiática de professores e alunos de 455 escolas de São Paulo5
).
Em todos os casos, revelou-se que a educomunicação traz como vantagem
a imediata manifestação da autoestima das pessoas envolvidas, sejam estas
profissionais comprometidos com os projetos na área ou mesmo as crianças
e jovens em sua busca por um lugar no mundo. Com a autoestima, vêm a
disposição para o estudo, a motivação para aprender, o compromisso com a
solidariedade, facilmente traduzidos em ações transformadoras, em nível pes-
soal, grupal, comunitário.
O trabalho de extensão realizado, por exemplo, a partir de 2006, pelo
NCE/USP junto à FUNDHAS – Fundação Helio Augusto de Souza, órgão da
Prefeitura de São José dos Campos responsável por atender, no contraturno
escolar, a um público de 8 mil pessoas, entre crianças e jovens de 8 a 18 anos.
Esse trabalho garantiu a criação, na maior cidade do Vale do Paraíba, de um
Centro de Referência em Educomunicação e Educação Ambiental que, com
autonomia, garante, no presente, a formação continuada de educadores e es-
tudantes não apenas da própria fundação, mas, com o mesmo empenho, de
professores e alunos da rede municipal de ensino.
No caso específico da experiência da FUNDHAS, a adesão ao conceito
por parte dos beneficiados ficou registrada no “slogan” do banner inteira-
mente desenhado por seus estudantes, por ocasião do 5o
Encontro de Jovens
4. SILVA FILHO, Genésio
Zeferino. Educomunica-
ção e sua metodologia:
um estudo a partir de
ONGs no Brasil. (Tese de
Doutorado). São Paulo,
ECA/USP, 2004.
5. TAVARES JUNIOR, Re-
nato. Educomunicação e
expressão comunicativa:
a produção radiofônica
de crianças e jovens no
projeto educom.rádio.
Dissertação de Mestra-
do. São Paulo, ECA/USP,
2007.
10
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Educomunicadores, ocorrido em 2008, com os dizeres: “Um namoro com o
Educom”. Não há quem desconheça a força da palavra “namoro” no contexto
das descobertas que fazem os adolescentes sobre a vida e seus relacionamentos,
em busca da construção de suas identidades.
DA ESPECIALIZAÇÃO À GRADUAÇÃO
Outro dado revelador da imbricação entre pesquisa e extensão cultural
no tratamento do tema da educomunicação vem sendo revelado pela produção
acadêmica dos alunos dos cursos de especialização da própria ECA/USP. A
título de exemplo, o levantamento junto à produção dos trabalhos conclusivos
da Especialização em Gestão da Comunicação informa que, entre 1997 e 2010,
aproximadamente 20% dos 500 trabalhos conclusivos voltaram-se para o tema
da relação entre comunicação e educação.
Uma segunda experiência de especialização, intitulada “Mídias na educa-
ção”, oferecida, no território do Estado de São Paulo, desde 2006, pelo NCE/
USP, mediante uma parceria com o MEC e a UFPE, levou à produção de um
total de 483 pesquisas voltadas explicitamente para a comunicação e o uso de
mídias na prática educativa. (Importante: todas estas pesquisas foram realiza-
das por professores das redes públicas estaduais e municipais, contando com a
orientação de uma equipe de mais de 75 especialistas na área, formados pelo
próprio núcleo.)
É surpreendente observar, por outro lado, que a produção de referenciais
sobre a educomunicação não tem sido obra exclusiva da academia. O trabalho
de difusão cultural de diferentes centros e organizações não governamentais
tem levado o conceito da educomunicação para ambientes que vão além das
fronteiras geográficas de suas respectivas atuações. Caso paradigmático foi a
produção, por parte da Rede CEP – Comunicação, Educação e Participação,
do manual que dá suporte ao macrocampo sobre Comunicação e Uso de Mí-
dias, do programa Mais Educação do MEC, tendo a Educomunicação como
referência. O material, elaborado entre em 2007 e 2008, continua disponível,
ainda hoje, para mais de 5 mil escolas matriculadas no programa, em todo o
país, atendendo a mais de 900 mil alunos.
De seu lado, como é sabido, a Revista Comunicação & Educação que, com o
mesmo empenho, trabalha com a teoria e a prática, ao acompanhar e refletir o
que ocorre no Brasil na interface comunicação/educação, vem se apresentando
como um dos principais espaços de consolidação dos novos referenciais que
nascem das possíveis conexões entre pesquisa e extensão cultural.
Tais fatos, pelas evidências reveladas, levou a Universidade de São Paulo
a criar, em novembro de 2009, no espaço do Departamento Comunicações e
Artes da ECA, uma licenciatura voltada especificamente ao tema da educo-
municação. Completava-se o ciclo de embricamento entre pesquisa, extensão
cultural e graduação.
11
Educomunicação:quandopesquisa,extensãoeensinoseimbricam! • IsmardeOliveiraSoares
ARTIGOS NACIONAIS
A seção de artigos de autores nacionais traz quadro-textos relacionados ao
tema dos procedimentos pedagógicos, circunstanciados em ambientes diferentes
e para distintos propósitos. O primeiro, de Josias Ricardo Hack, Fernando Ra-
mos e Arnaldo Santos, foca o estudo da linguagem, na busca de uma didática
extraescolar possibilitada pelo emprego da metodologia do Digital Storytelling,
aplicada como estratégia de aprendizagem no contexto de capacitação corporati-
va. O segundo, de Carlos Alberto Machado, faz uma leitura de cunho didático-
-filosófico sobre a literatura vigente, preocupando-se com o vício tecnológico
e a desnaturalização da sociedade, testemunhados na ficção científica. Para
tanto, faz um estudo sobre a angústia, a felicidade e liberdade no contexto
da pós-modernidade, e sobre sua presença nos romances contemporâneos, em
que o tema da sobrevivência individual se sobrepõe aos de interesse social.
No terceiro artigo, de Waldomiro Vergueiro e Douglas Pigozzi, o assunto é a
proficiência no entendimento de mensagens, verificada a partir do estudo dos
códigos escritos e visuais possibilitados pelas histórias em quadrinhos. No caso,
é analisada a obra Watchmen, do roteirista britânico Alan Moore. Finalmente,
Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti voltam-se para a didática do ensino
do jornalismo, relatando a experiência de adoção de sítio wiki em sala de aula.
Em extensão a essa prática, o artigo apresenta os primeiros passos em direção
ao aproveitamento dos trabalhos dos alunos com o intuito de complementar
tópicos ou de criar temas relevantes na Wikipédia.
ARTIGOS INTERNACIONAIS
Os artigos internacionais nos reportam à Espanha e à Colômbia. Têm em
comum a preocupação com o sujeito do processo educativo, quer no contexto
da sociedade tecnológico-industrial, quer no contexto da sociedade tradicional-
-indígena. Carlos Busón Buesa, com larga trajetória na UNED – Universidade
Nacional de Educação a Distância, de Madri, aborda o problema dos efeitos
motivacionais sobre os processos de aprendizagem em torno de conteúdos cien-
tíficos, exercidos pela maneira como os assuntos dessa natureza são tratados
pelo sistema educacional. “Apesar de vivermos em tempos de tecnologias da
informação, os alunos contemporâneos mostram uma tendência em se afastar
destas questões”, afirma o autor, para quem “é preciso adotar novas formas de
aprender a aprender.”
O segundo texto, de Martha Lucia Izquierdo Barrera, coordenadora da
Licenciatura em Etnoeducação e Desenvolvimento Comunitário, da Universi-
dade Tecnólogica de Pereira, na Colômbia, traz para os leitores da revista o
paper apresentado durante o IV Encontro Brasileiro de Educomunicação (São
Paulo, outubro de 2012), tendo como título “De los paradigmas interculturales
a la acción educativa autogestionaria”. O artigo permite ao leitor conhecer uma
experiência inovadora de formação de membros de comunidades indígenas por
12
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
parte de uma instituição de ensino superior, mediante o emprego dos pressu-
postos da educomunicação, que é o diálogo intercultural.
GESTÃO DA COMUNICAÇÃO
Em seu relato de gestão da comunicação em espaço educativo, André Bueno
nos traz a experiência do Ponto de Cultura “Centro de Defesa da Criança e
Adolescente – CEDECA Interlagos”. O artigo descreve especificamente como são
oferecidas as oficinas de fotografia, analisando entrevistas com os participan-
tes, colhidas entre 2007 e 2012. Em sua conclusão, o texto possibilita entender
como a fotografia e a Educomunicação podem se associar a projetos voltados
para o desenvolvimento humano.
ENTREVISTA
As recentes pesquisas intituladas, respectivamente, “TIC Educação 2001”
(sobre o uso das tecnologias da informação e comunicação nas escolas brasi-
leiras) e “TIC Kids Online Brasil, 2012” (sobre o consumo de internet entre
adolescentes de 9 a 16 anos), desenvolvidas pelo Centro de Estudos sobre as
Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br), órgão que perten-
ce ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), são objetos da entrevista da
presente edição.
Tatiana Jereissati e Juliano Cappi disponibilizam os dados e comentam os
resultados, afirmando que a partir deste serviço torna-se mais fácil às autori-
dades e aos responsáveis pelos processos de educação definir políticas públicas
mais adequadas no que diz respeito tanto às oportunidades quantos aos riscos
relacionados ao uso da internet em nosso país. Informam também os entrevis-
tados que com esse tipo de coleta e processamento de dados o CGI coloca-se
em sintonia com procedimentos semelhantes, em andamento na comunidade
europeia.
CRÍTICA
Maria Aparecida Baccega, Fernanda Elouise Budag e Lucas Máximo Ribei-
ro apresentam um estudo comparado da recepção de dois produtos midiáticos
afins, exibidos em dois países latino-americanos: Rebelde (veiculado no Brasil,
entre 2006-2007) e Rebeldes (veiculado no México, entre 2011-2012). A intenção
do relato é permitir identificar conexões sobre questões relacionadas a consumo
presentes nas pautas centrais de ambas as telenovelas, bem como os valores
prezados por seus respectivos sujeitos receptores.
13
Educomunicação:quandopesquisa,extensãoeensinoseimbricam! • IsmardeOliveiraSoares
DEPOIMENTO
A seção traz o depoimento de Janete Souza Oliveira, uma “quase socióloga”
que abandonou o curso da Escola Livre de Sociologia e Política para morar
na África, onde passou oito anos de sua vida. Janete havia crescido ouvindo
dos pais – a doméstica dona Gersina e o motorista Joaquim Adão – histórias
do Circo Piolin, instalado, desde 1943, na Praça Marechal Deodoro, na região
central da cidade de São Paulo. O depoimento permite ao leitor descobrir a
importância do circo e das comédias na vida social das classes menos privile-
giadas da pauliceia, nos meados do século XX.
EXPERIÊNCIA
A presente edição da revista Comunicação & Educação disponibiliza para o
leitor uma experiência que a autora – Maria Isabel Rodrigues Orofino – iden-
tifica como pertencente à esfera teórico-metodológica da “mídia-educação”.
Trata-se da produção e veiculação, no Youtube, de 5 webnovelas realizadas por
crianças de classe popular moradoras de uma comunidade na periferia urbana
da cidade de São Paulo. Com o relato, que envolve 30 crianças da EMEF Caíra
Atayde Alvarenga Midéia, fica demonstrado que a utilização das tecnologias da
informação numa perspectiva colaborativa contribui decididamente para mudar
o ecossistema comunicativo inerente ao espaço educativo tradicional.
RESENHAS
A seção destaca três lançamentos próximos ao universo da Educomunicação,
a saber: Educomunicação: imagens do professor na mídia, coordenado por Adilson
Citelli; Reinventando a educação: diversidade, descolonização e redes, de Muniz Sodré,
e, por último, Idade mídia, de Alexandre Sayad. Privilegia também a história da
arte cinematográfica, com um comentário sobre o livro de Maria Inês Carlos
Magno em torno do filme Meia-noite em Paris, de 2011, abordando o movimento
artístico do início do século XX.
Finalmente, a seção apresenta os principais apontamentos do Anuário Obi-
tel 2012, com o texto intitulado “Transnacionalização da ficção televisiva nos
países ibero-americanos”, num trabalho de coautoria entre Cristina Mungioli
e Issaaf Karhawi.
POESIA
A revista oferece aos seus leitores o texto completo de “O corvo” (“The
Raven”), de Edgard Allan Poe. Considerado um dos mais importantes poemas
de todos os tempos, nele é representada a misteriosa figura de um corvo, que
encarna o inevitável caráter da morte. O texto, contudo, expande outras área
14
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
de significação, promovendo diálogos com a tradição do ultrarromantismo e do
sofrimento com a perda da mulher amada. A tradução é do poeta português
Fernando Pessoa.
ATIVIDADES EM SALA DE AULA
Como ocorre em todas as edições, a última parte da revista é dedicada
às propostas de tratamento dos temas das revistas nos espaços de sala de aula,
mediante o desenvolvimento de projetos pedagógicos. Responde pela seção a
educadora e jornalista Ruth Ribas Itacarambi Leão.
artigosnacionais
15
Digital Storytelling e
formação corporativa:
possibilidades para a
aprendizagem de adultos
Josias Ricardo Hack
Professor adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina.
E-mail: professor.hack@hotmail.com
Fernando Ramos
Professor catedrático da Universidade de Aveiro (Portugal).
Arnaldo Santos
Engenheiro da direção de inovação exploratória da Portugal Telecom Inovação Portugal.
Resumo: Neste artigo, discutimos o
uso de estratégias de aprendizagem
colaborativa baseadas em tecnologias
audiovisuais digitais num contexto de
capacitação corporativa. O texto tem
início com uma revisão concisa sobre
os fundamentos teóricos e técnicos da
comunicação educativa, por meio do uso
de produtos audiovisuais. Em seguida,
explicitamos como o uso de histórias
pessoais digitais pode contribuir com os
processos de aprendizagem colaborativa
em treinamentos corporativos, oferecen-
do meios para a entrega rápida de ma-
teriais contextualizados que permitam a
partilha de experiências entre formandos
e formadores. Por fim, concluímos que o
uso de histórias pessoais digitais pode
ser uma oportunidade para se incremen-
tar interações múltiplas no processo de
construção do conhecimento corporativo.
Palavras-chave: Digital Storytelling; tec-
nologias digitais; Comunicação; capaci-
tação corporativa.
Abstract: In this paper we discuss the
use of collaborative learning strategies
based on Digital Storytelling in corpora-
tive training. The text includes a concise
review on theoretical and technical
basis about educational communication
through the use of audiovisual prod-
ucts. The paper will also argue that
digital storytelling may contribute to
the improvement of the effectiveness of
collaborative learning processes in cor-
porative training, providing swift delivery
of highly contextualized learning materi-
als, which allows the sharing of relevant
personal experiences between trainers
and trainees. Furthermore, we conclude
that Digital Storytelling provides an op-
portunity to value, respect and promote
the multiple and different cultural and
social interactions in the corporative
knowledge construction process.
Keywords: Digital Storytelling; Digital
technologies; Communication; Corpora-
tive training.
Recebido: 28/04/2012
Aprovado: 18/06/2012
16
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
INTRODUÇÃO
O ato de contar histórias está intimamente associado ao senso de identi-
dade dos povos,1
constituindo-se ainda em um dos componentes fundamentais
da memória humana e em fundamento de vários eventos mentais básicos2
.
Vygotsky3
afirmou que, para entender e representar sua experiência no mundo,
as pessoas fazem uso de linguagens compostas por signos, que acabam por for-
mar a base da cultura humana. O autor destaca, inclusive, que as ferramentas
que construímos para mediar essas atividades simbólicas mudam a maneira
pela qual os seres humanos pensam. Em outras palavras, através da constru-
ção de ferramentas, as pessoas constroem a base material para a consciência,
transformando os ambientes e reestruturando os sistemas funcionais em que
atuam e aprendem. Ao fazer isso, lançam-se trajetórias de desenvolvimento do
pensamento e da ação que repercutem amplamente, abrangendo as dimensões
individual e coletiva, material e semiótica.
O processo descrito anteriormente é o que pode ocorrer, em nossa in-
terpretação, com a introdução do Digital Storytelling (doravante denominado
DS) no cotidiano – já que seu ponto de partida é a vivência individual, sendo
seu principal objetivo propiciar um espaço de enunciação e narrativa sobre as
próprias vivências, provocando reflexões a respeito das conquistas e das derrotas
que cada indivíduo experimentou em sua caminhada. Dentro das atividades de
DS, os participantes gravam pequenas narrativas de vida em primeira pessoa,
ilustradas com fotos, imagens, gravuras e músicas significativas para si. Por meio
da socialização da história digital produzida individualmente, podem ter início
trajetórias coletivas e colaborativas de desenvolvimento do pensamento e da ação.
No que tange ao uso do recurso de DS em contextos de ensino e apren-
dizagem, Jonassen e Hernandez-Serrano4
sugerem três maneiras de apoio ao
processo de construção do conhecimento com o uso de histórias digitais. Elas
podem exemplificar determinados conceitos ou princípios ensinados por instru-
ção direta; podem servir como casos ou problemas a serem investigados pelos
alunos; ou, numa terceira hipótese, podem possibilitar o acesso dos alunos a
informações que os ajudarão a resolver problemas. Vale lembrar que, segundo
Vygotsky5
, a interação social é imprescindível para a aprendizagem e o desen-
volvimento do ser humano, pois as pessoas adquirem novos saberes a partir das
várias relações com o ambiente que as cerca.
Na concepção sócio-histórica6
, a mediação é primordial na construção do
conhecimento – ocorrendo, dentre outras formas, pela linguagem. A singulari-
dade do indivíduo enquanto sujeito sócio-histórico se constitui em suas relações
na sociedade, enquanto o modo de pensar ou agir das pessoas depende de
interações sociais e culturais com o ambiente. Isto quer dizer que um grande
contador de histórias pode evocar uma ligação emocional com seus ouvintes,
contribuindo com o processo de construção do conhecimento.
Para Frazel7
, a ligação pessoal entre o público e o contador de histórias é
emocionalmente carregada de contato visual, linguagem corporal e narração.
1. VYGOTSKY, Lev S.
Pensamento e lingua-
gem. São Paulo: Martins
Fontes, 1993, p. 38.
2. SCHANK, Roger C.
Lessons in learning,
e-learning, and train-
ing: Perspectives and
guidance for the enlight-
ened trainer [Lições em
aprendizagem, e-learning
e treinamento: perspec-
tivas e orientação para
o educador esclarecido].
San Francisco: Pfeiffer,
2005, p. 57.
3. VYGOTSKY, Lev S. Pen-
samento e linguagem,
cit., p. 38.
4. JONASSEN, David. H.;
HERNANDEZ-SERRANO,
Julien. Case-based rea-
soning and instructional
design using stories to
support problem solving
[Raciocínio baseado em
casos e design instrucio-
nal usando histórias para
apoiar a resolução de
problemas]. Educational
Technology Research
and Development, 50, n.
2, p. 7-8, 2002.
5. VYGOTSKY, Lev S.
Pensamento e lingua-
gem, cit., p. 46.
6. VYGOTSKY, Lev S. et al.
Linguagem, desenvolvi-
mento e aprendizagem.
São Paulo: Ícone, 1988,
p. 117-118.
7. FRAZEL, Midge. Digi-
tal Storytelling: guide
for educators [Digital
Storytelling: guia para
educadores]. Washington,
DC: ISTE, 2010, p. 36-37.
17
DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos
Segundo a autora, conectar-se com uma plateia e trazê-la para dentro da his-
tória pode ser uma experiência profundamente gratificante para estudantes e
professores.
Em suma, como vimos nessas breves linhas introdutórias e como também
apontou Barret8
, a narração com tecnologias digitais facilita a convergência
de estratégias diferenciadas de aprendizagem e, se bem equacionada, poderá
promover:
• o envolvimento dos aprendizes;
• a reflexão para o aprendizado profundo;
• a aprendizagem baseada em projetos;
• a integração efetiva da tecnologia na instrução.
No entanto, apesar deste potencial, o DS é aparentemente subutilizado em
contextos de aprendizagem de adultos em formação corporativa.
APRENDIZAGEM DE ADULTOS
Vygostsky9
enunciou que, quando uma pessoa ata um nó em um lenço
para ajudá-la a se lembrar de algo, está, essencialmente, concluindo o processo
de memorização. Em outras palavras, ela transforma o processo de lembran-
ça numa atividade externa. Para o autor, a verdadeira essência da memória
humana está no fato de os seres humanos serem capazes de se lembrar de
algo, ativamente, com a ajuda de signos. Poder-se-ia dizer que a característica
básica do comportamento humano, em geral, é que as pessoas influenciam sua
própria relação com o ambiente, bem como modificam seu comportamento
através desse ambiente.
Na concepção de Vygotsky10
, a interação social é uma peça essencial no
processo de aprendizagem e no desenvolvimento do ser humano, já que as
pessoas adquirem novos saberes a partir de suas várias relações sociais. No
entanto, ainda é preciso aprofundar a compreensão de como se processa a
construção desse conhecimento.
Segundo Knowles11
, tradicionalmente nós sabemos mais sobre como os
animais aprendem do que sobre como as crianças aprendem, bem como sa-
bemos muito mais sobre como as crianças aprendem do que sobre como os
adultos aprendem.
Para o autor, tal cenário se configurou assim, possivelmente, devido ao fato
de o estudo da aprendizagem ter sido assumido, inicialmente, por psicólogos
experimentais cujos cânones exigiam o controle de variáveis. Além disso, é com-
provado que as condições em que os animais aprendem são mais controláveis do
que aquelas sob as quais as crianças aprendem. Também as condições em que
as crianças aprendem, por sua vez, são muito mais controláveis do que aquelas
sob as quais os adultos aprendem. Em síntese, o fato é que muitas das teorias
da aprendizagem derivam do estudo da aprendizagem de animais e crianças.
8. BARRETT, Helen. Re-
searching and evaluating
Digital Storytelling as a
deep learning tool [Pes-
quisando e avaliando o
Digital Storytelling como
uma vasta ferramenta
de aprendizagem]. In C.
Crawford, et al. (ed.). Pro-
ceedings of Society for
Information Technology
and Teacher Education
International [Anais da
Sociedade para Tecno-
logia da Informação e
do Ensino de Educação
Internacional]. Chesape-
ake: AACE, 2006, p. 648.
9. VYGOTSKY, Lev S. et al.
Linguagem, desenvolvi-
mento e aprendizagem,
cit., p. 68.
10. Ibid., p. 70.
11. KNOWLES, Malcolm
S.; HOLTON, Elwood F.;
SWANSON, Richard A.
The adult learner: the
definitive classic in Adult
Education and Human
Resource Development
[O aluno adulto: o clássico
definitivo em Educação
de Adultos e o Desen-
volvimento de Recur-
sos Humanos]. Woburn:
Butterworth-Heinemann,
1998, p. 18.
18
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Knowles12
ainda nos lembra de que alguns dos grandes mestres dos tem-
pos antigos – Confúcio e Lao Tse, na China; Jesus e os profetas hebreus, nos
textos bíblicos; Aristóteles, Sócrates e Platão, na antiga Grécia; e Cícero, Evelid
e Quintiliano, na Roma antiga – foram todos professores de adultos, não de
crianças. Dessa forma, a partir de suas experiências com os adultos, desenvol-
veram um conceito muito específico de ensino e aprendizagem, considerando-
-os como um processo de investigação mental e não como recepção passiva de
conteúdos difundidos. As técnicas desenvolvidas por eles, portanto, são voltadas
a envolver os alunos no processo de investigação.
Os antigos chineses e hebreus inventaram o que hoje chamamos de método
do caso, em que o líder ou um dos membros do grupo descreve uma situação –
muitas vezes na forma de uma parábola – e, juntamente com o grupo, explora
suas características e possíveis resoluções. Os gregos, por sua vez, inventaram
o que hoje chamamos diálogo socrático, em que o líder ou um membro do gru-
po coloca uma questão ou dilema para que se possa buscar uma resposta ou
solução. Já os romanos usaram técnicas de confrontação: propunham desafios
aos membros do grupo, que eram forçados a pensar em suas posições para
defendê-las.
O modelo andragógico (para aprendizagem de adultos), proposto por Kno-
wles13
, também é baseado em suposições diferentes das do modelo pedagógico
(para aprendizagem de crianças). Segundo o autor, os adultos precisam saber
por que é necessário aprender algo antes de iniciar a aprendizagem. Quando os
adultos se comprometem a aprender algo por conta própria, investem conside-
rável energia na sondagem dos benefícios que irão obter com a aprendizagem
e das consequências negativas de não aprender.
Sendo assim, a primeira tarefa do facilitador é a de ajudar o aluno a tomar
consciência da necessidade de saber. Uma boa estratégia para aumentar o nível
dessa consciência é o uso de experiências reais ou simuladas em que os alunos
descobrem, por si mesmos, as diferenças entre o estágio em que estão agora e
aquele onde querem chegar. Frisamos que, embora eles saibam aonde querem
chegar, a presença de um mediador é de extrema importância, podendo ser
esse mediador o contador de histórias.
Para Knowles, os adultos se motivam a aprender quando percebem que o
novo conhecimento os ajudará a lidar eficazmente com situações enfrentadas em
seu cotidiano. Além disso, aprendem novos conhecimentos, habilidades, valores
e atitudes de forma mais eficaz quando tais questões são apresentadas de modo
contextualizado. O autor explica, ainda, que mesmo que alguns adultos sejam
sensíveis a motivadores externos de aprendizagem (possibilidade de conseguir
um novo emprego, promoções, salários mais elevados e assim por diante), os
motivadores mais potentes são pressões internas (o desejo de maior satisfação
no trabalho, autoestima, qualidade de vida).
Em suma, o processo de aprendizagem do adulto, defendido por Knowles14
,
se fundamenta nos seguintes aspectos:
12. Ibid., p. 35-36.
13. Ibid., p. 62-69.
14. Ibid., p. 40.
19
DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos
• Os adultos são motivados a aprender coisas que satisfaçam necessidades e
interesses imediatos. Portanto, estes são os pontos de partida adequados
à organização de atividades de aprendizagem de adultos.
• A orientação dos adultos para a aprendizagem é centrada na vida cotidia-
na. Dessa forma, as unidades apropriadas para organizar a aprendizagem
de adultos são situações da vida, não temas.
• A experiência é o mais rico recurso para a aprendizagem dos adultos.
Por isso, a metodologia central da educação de adultos deve ser a análise
de experiências.
• Os adultos têm uma profunda necessidade de se autodirigir. Portanto, o
papel do professor é engajar-se em um processo de investigação mútua
com seus alunos, ao invés de transmitir seu conhecimento a eles e, em
seguida, avaliar sua conformidade.
• As diferenças individuais entre as pessoas aumentam com a idade. Dessa
forma, a educação de adultos deve prever diferenças de estilo, tempo,
lugar e ritmo de aprendizagem.
Como veremos na próxima seção, a utilização de histórias digitais em
processos de formação de adultos pode oferecer uma oportunidade para a
promoção de interações múltiplas (colaborações) no processo de construção
do conhecimento – uma vez que, através de histórias pessoais, os formadores
e formandos discutirão assuntos centrados em suas próprias experiências que
satisfaçam suas necessidades e interesses imediatos.
O DS NO CONTEXTO CORPORATIVO
A pesquisa qualitativa que originou o presente artigo analisou casos bra-
sileiros e portugueses sobre o uso do DS em contexto corporativo. Ao todo,
foram sondados 111 artigos acadêmicos e 9 livros abordando a temática DS em
algum âmbito. Os artigos internacionais foram obtidos nas bases eletrônicas de
dados SciVerse Scopus (banco de dados pertencente à Elsevier) e B-on (Biblioteca
do Conhecimento On-line das instituições de investigação e de ensino supe-
rior em Portugal). O corte temporal da análise teve a seguinte definição: a)
artigos publicados em 2008, 2009, 2010 e primeiro semestre de 2011; b) livros
publicados nos últimos 10 anos.
Durante o estudo bibliográfico, percebemos que o ato de contar histórias
com tecnologias digitais tem sido largamente explorado por publicitários para
alavancar um produto ou empresa. Em alguns casos, o DS é utilizado para
provocar no consumidor a identificação com o narrador ou com um dos per-
sonagens da história. Já em outras experiências, as corporações dão suporte,
inclusive, à criação de comunidades de consumidores em redes sociais. Também
20
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
foi possível encontrar relatos de uso do DS para a motivação de equipes, prin-
cipalmente de vendas.
No que tange ao uso de narrativas digitais em contextos de capacitação
corporativa, Savvidou (2010) destaca a importância do conceito de “diálogo” na
narrativa. Segundo a autora, embora seja dada pouca atenção ao conceito de
narrativa como um diálogo em contextos educacionais, esta é uma rica frente
de investigação no âmbito da pesquisa organizacional e comunicacional. Nesta
área, o ato de contar histórias é representado como uma prática social compar-
tilhada, através da qual o conhecimento explícito e tácito pode ser transmitido
e as identidades adquiridas.
O conceito de narrativa que Savvidou15
apresenta em seu texto está anco-
rado em teorias de comunicação verbal e na ideia de que contar histórias é,
inerentemente, um ato dialógico – de modo que, sempre que uma história é
contada, provoca uma resposta. Em outras palavras, as histórias que contamos
são moldadas pelas respostas reais ou potenciais dos interlocutores. Essa ideia
representa uma visão de narrativa como forma de diálogo, desafiando a noção
de história como construção individual.
Savvidou16
salienta que, se observarmos as interações sociais cotidianas,
verificaremos que o ato de contar histórias pessoais não é apresentado como
monólogo, mas sim como parte de um evento interacional, uma conversa na
qual histórias são mutuamente construídas pelos participantes. Neste processo,
inclusive os papéis de contador da história e destinatário são intercambiáveis.
Para a autora, dentro do campo da pesquisa organizacional e comunica-
cional, os estudos incluem frequentemente as histórias de pessoas cujas vozes
raramente são ouvidas, ou que desafiam as normas vigentes e as estruturas
organizacionais.
Em toda corporação, podem-se ouvir histórias que permeiam sua existên-
cia e solidificam comportamentos específicos de seus colaboradores. Em nossa
interpretação, tais histórias podem ser contadas no formato digital e utilizadas
favoravelmente em contextos de formação corporativa para: a) comunicar a
missão, os objetivos e as políticas corporativas; b) mobilizar e fomentar o espí-
rito de equipe; c) envolver as pessoas em determinadas ações estratégicas; d)
proporcionar a estruturação e divulgação da memória corporativa; e) fortalecer
valores e traços característicos da corporação; e f) outras possibilidades que o
próprio leitor poderá enumerar.
Apesar de nossos estudos identificarem o uso de DS em organizações no
Brasil e em Portugal, a investigação não encontrou nenhum relato que explici-
tasse a utilização da narratividade digital em contexto de ensino e aprendiza-
gem corporativos. Entretanto, ficou patente em nossas leituras a importância
de se realizar uma reflexão ampla sobre os conteúdos a serem transformados
em roteiros de DS, bem como a necessidade de se pensar em estratégias au-
diovisuais que desencadeiem percepções semelhantes às de origem natural, ao
se centrarem em desenvolver códigos e convenções sígnicas não arbitrárias17
.
15. SAVVIDOU, Christine.
Storytelling as dialogue:
how teachers construct
professional knowledge
[Storytelling como diálo-
go: como professores
constroem conhecimento
professional]. Teachers
and Teaching, 16, n. 6,
p. 649, 2010.
16. Ibid., p. 654.
17. RODRIGUEZ, Angel.
A dimensão sonora da
linguagem audiovisual.
São Paulo: Senac, 2006,
p. 268.
21
DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos
Tais estratégias audiovisuais, em nossa interpretação, podem potenciali-
zar a comunicação do conhecimento, bem como contribuir para a melhoria
da eficácia de alguns processos de treinamento corporativo. Afinal, devido às
características ágeis de concepção e produção de audiovisuais com a aplicação
do DS, existe a possibilidade de se oferecerem meios para a rápida entrega de
materiais educativos altamente contextualizados.
Consideramos relevante destacar que introduzir o DS no ambiente de for-
mação corporativa não é uma decisão meramente instrumental. Para Porter18
,
há muito a se considerar na construção de uma história digital – já que
existem abordagens infinitas, dependendo da finalidade e do público que
se quer atingir. Àqueles que pretendem utilizar este estilo de narrativa, a
autora chama a atenção para alguns procedimentos fundamentais:
• Deve-se levar os outros a vivenciarem sua história. Em outras palavras,
cada história tem uma perspectiva pessoal e precisa ser narrada pelo
próprio autor.
• Trazer sempre uma lição a ser aprendida. Uma das características
mais originais do DS é a expectativa de que cada história expresse
um significado pessoal ou insight sobre como um determinado evento
ou situação tocou a vida do autor (e quiçá poderá tocar a vida dos
ouvintes).
• Desenvolver uma tensão criativa. Uma boa história cria intriga ou
tensão em torno de uma situação que se coloca já em seu início,
sendo desenvolvida no decorrer da trama.
• Ser econômico. Uma boa história tem um destino, um objetivo a
cumprir e procura o caminho mais curto para chegar a ele. Uma
peça de DS deve ter entre 3 e 5 minutos, com base em um roteiro
de uma página ou 500 palavras.
• Mostrar e não apenas narrar uma história. Boas histórias usam de-
talhes vívidos para revelar sentimentos e informações, ao invés de
apenas dizer algo.
• Ser técnica e, ao mesmo tempo, uma obra de arte. Uma boa história
incorpora a tecnologia e a arte de forma astuta, ao demonstrar ha-
bilidade em se comunicar com imagens, som, voz, cor, espaços em
branco, animações, design, transições e efeitos especiais.
Por fim, nossos estudos também identificaram que o DS pode oferecer
uma oportunidade para a promoção de interações múltiplas no processo de
construção do conhecimento em ambientes corporativos. Por exemplo, em cer-
tas propostas de formação em uma organização, poder-se-á introduzir tarefas,
via DS, que provoquem os formandos à partilha de suas próprias histórias –
novamente via DS. Assim, tanto formadores quanto formandos colaborarão na
aprendizagem por meio de curtos relatos digitais em uma via de mão dupla.
18. PORTER, Bernaje-
an. DigiTales: the art of
telling digital stories [Di-
giTales: a arte de contar
histórias digitais]. Sedalia:
Porter, 2004, p. 115.
22
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Em síntese, a pesquisa sinaliza que o processo comunicacional dialógico,
que utiliza estratégias de aprendizagem colaborativa, pode ser uma alternativa
para a valorização e o respeito às múltiplas interações sociais e culturais dos
envolvidos no contexto de formação – desempenhando, dessa forma, o papel de
alavanca dos movimentos individuais e coletivos de aprendizagem, tão salutares
no processo de construção do conhecimento em qualquer nível ou modalidade
de ensino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente qualquer cidadão, desde que tenha acesso e saiba utilizar
determinadas tecnologias e técnicas, pode contar a sua própria história digital-
mente. No contexto educacional e de formação corporativa, tal potencialidade
redimensiona a necessidade de produção audiovisual por equipes altamente
especializadas – e aponta a possibilidade de dar voz e visibilidade às histórias
digitais elaboradas por aqueles que estão nas duas pontas do processo de ensino
e aprendizagem: o aluno/formando e seu professor/formador.
Nosso intuito, ao elaborar o presente artigo, foi refletir sobre o DS em
processos de construção do saber nas organizações. O documento foi baseado
em pesquisa bibliográfica qualitativa e argumentou que o DS pode contribuir
para a melhoria da eficácia dos processos de ensino em treinamento corpo-
rativo, oferecendo meios para a entrega rápida de materiais de aprendizagem
altamente contextualizados. Além disso, o uso da narratividade digital pode
constituir-se em oportunidade para a promoção de interações múltiplas no
processo de construção do conhecimento nas organizações, introduzindo, em
certas propostas de capacitação, estratégias que incentivem a partilha de histórias
digitais entre formadores e formandos, numa “via de mão dupla”.
Por fim, queremos enfatizar a necessidade de a comunidade científica dar
atenção à investigação sobre a questão do uso de histórias digitais pessoais em
formação corporativa. Percebemos, por meio dessa pesquisa, que suas possibili-
dades são múltiplas e devem abranger discussões epistemológicas, metodológicas,
tecnológicas, operacionais, éticas e legais.
A título de ilustração, mencionamos nosso projeto atual, uma parceria entre
a Universidade de Aveiro (Portugal) e a Portugal Telecom, que visa operaciona-
lizar e validar uma metodologia de utilização de histórias digitais pessoais em
contexto de formação profissional, através da reflexão crítica e experimentação
empírica. O intuito do projeto é desenvolver roteiros de pequenas histórias pes-
soais digitais, produzi-los e testar a eficiência e eficácia do uso de tais vídeos
em ambientes de ensino e aprendizagem corporativa.
23
DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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learning tool [Pesquisando e avaliando o Digital Storytelling como uma vasta
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_______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
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25
Ficção científica: utopia
ou distopia? Felicidade,
angústia e prazer na
pós-modernidade
Carlos Alberto Machado
Doutor pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e docente na Unicentro,
departamento de Educação.
E-mail: cipexbr@yahoo.com
Resumo: A proposta do artigo está base-
ada no interesse em aprofundar estudos
de ficção científica, e em procurar fazer
um paralelo dos problemas existenciais
do mundo contemporâneo, mormente
a angústia, citados principalmente pelos
autores Richard Sennett, Russsell Jacoby e
Zygmunt Bauman, considerados por alguns
como pós-modernos. Vários exemplos são
citados para corroborar as observações
apontadas no texto. Conceitos como
felicidade e liberdade são colocados à
prova e a ficção científica é usada como
exemplo, mostrando o vício tecnológico e a
desnaturalização da sociedade. Conclui-se
que a imagem da realidade evidenciada
em filmes de ficção científica pode auxiliar
na reflexão de nossos atos e, dessa forma,
tentar contribuir para atitudes futuras.
Palavras-chave: Angústia. Ficção científica. Pós-
-modernidade. Educomunicação. Sociedade.
Abstract: The aim of this paper is based
on the interest in further studies of sci-
ence fiction, and seek to draw a paral-
lel between the existential problems of
the contemporary world, especially the
anxiety, mainly cited by Richard Sennett,
Russsell Jacoby and Zygmunt Bauman, con-
sidered by some as postmodern authors.
Several examples are cited to support the
comments made in the paper. Concepts
such as happiness and freedom are put
to the test, while science fiction is used
as an example, emphasising the technol-
ogy addiction and the denaturalization
of society. It is ultimately a reflection
that the reality seen in science fiction
movies may help in the reflection of our
actions and thus, trying to contribute to
future actions.
Keywords: Anguish; Science Fiction; Post-
modernity; Educommunication; Society.
POR QUE ESCOLHEMOS A FICÇÃO CIENTÍFICA (FC)?
Inicialmente porque na contemporaneidade esse gênero de filme é o mais
procurado pela população em geral. Essa busca é consequência, por um lado,
da avançada tecnologia que Hollywood vem utilizando cada vez mais em seus
produtos cinematográficos e televisivos e, por outro, da forte atração que nar-
rativas sobre o futuro exercem, principalmente, sobre os jovens.
Recebido: 22/03/2012
Aprovado: 7/05/2012
26
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
São os filmes de FC que costumam ter mais sucesso na bilheteria ou uma
audiência maior, e são também os mais comentados pela mídia, devido, em
grande parte, aos efeitos especiais.
A tão almejada felicidade, que é constantemente buscada pelo ser humano
contemporâneo, em todas as suas ações, acaba se tornando utópica. A alegria
do dia a dia, constantemente confundida com felicidade por alguns, nada mais
é do que um pré-requisito desta.
A ideologia cartesiana ou “visão reacionária”, que vem carregada nas costas
da ciência, demonstra que o homem é recortado ou lido como um livro, algo
que se pode perceber em Gattaca1
, um filme de ficção científica que analisa
uma possibilidade assustadora de seletividade: você só será aquilo que seu gene
diz que você pode ser. Seus sentimentos não contam em absoluto. Roteiro que
lembra muito a ideia original de Huxley, em sua utopia “Admirável Mundo Novo”.
1. Gattaca (1997), EUA,
de Andrew Niccol.
2. Metrópolis (1927), de
Fritz Lang.
3. SENNETT, R. A cor-
rosão do caráter: con-
sequências pessoais do
trabalho no novo capita-
lismo. 9. ed. Rio de Janei-
ro: Record, 2005, p. 50.
Gattaca, 1997: filme de ficção científica que mostra uma possibilidade assustadora de seletividade.
Divulgação
Com a era da industrialização, em meados do século XIX, tanto Diderot
quanto Voltaire acreditavam que a dominação da rotina acalmaria as pessoas.
Mas, junto com a rotina, evidenciada em Metrópolis2
– e em Tempos Modernos, de
Charles Chaplin (Carlitos) –, também veio o tédio com a morte espiritual e a
rebelião, tão temida por Platão em sua utópica República. De qualquer forma,
mesmo Sennett concorda que um pouco de rotina não faz mal a ninguém,
ao contrário: “Imaginar uma vida de impulsos momentâneos, de ação a curto
prazo, despida de rotinas sustentáveis, uma vida sem hábitos, é imaginar na
verdade uma existência irracional”3
.
A era da mundialização evidencia seres humanos “locais” que, ao mesmo
tempo que olham com cobiça e desejo os mundos dos outros, procuram aquietar-
-se em seu próprio meio. Muitos procuram guias para orientá-los, lançando-se
numa busca frenética pelos livros de autoajuda, procurando receitas milagrosas.
27
Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado
Entretanto, as receitas não funcionam. Essa busca pode ser identificada em O
guia dos mochileiros das galáxias4
, que fala da necessidade de termos um guia
para transitar pelo universo. A ironia está em que, no filme, o guia, na prática,
não ajuda em absolutamente nada.
A corrosão de caráter de que fala Sennett começa pela fragilidade das
relações entre as pessoas na contemporaneidade. A solidariedade espontânea é
abandonada e substituída por uma solidão encontrada na tecnologia eletrônica
e no consumismo exacerbado e individual. Troca-se uma forma de submissão
de poder por outra, a da carne pela da eletrônica. A legimitividade emocional
não é mais encontrada, pois foi substituída pela clara operacionalidade. Apesar
disso, o reconhecimento é necessário, como nos recorda Jacoby, a dialogia é
uma necessidade humana vital, sem ela não sobrevivemos. Essa necessidade de
conexão com o outro é evidenciada por David Cronenberg com o filme eXistenZ
(1999), onde jogadores de uma espécie de video game penetram no jogo de
forma total, sentimental e corpórea (mente e corpo). O fio de conexão com o
jogo é ligado diretamente na medula espinhal, e os estímulos audiovisuais são
inseridos diretamente no córtex cerebral.
4. O guia dos mochilei-
ros das galáxias (2005),
EUA, de Garth Jennings.
O guia dos mochileiros das galáxias (2005) fala da necessidade de se ter um guia para
transitar pelo universo.
Divulgação
28
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
No mundo real, a noção de futuro, tão cara à FC moderna, parece ter
desaparecido. O presente é forte e constante. Não há longo prazo. Esse presente
realista, que dói também, pode ser evidenciado na FC pós-moderna. O alto nível
tecnológico e o baixo nível social são espelhados nos contos e roteiros atuais,
transbordando realidades que espantam ou assustam os mais desavisados. Sua
similaridade com nossa realidade é tanta, que, em alguns casos, o termo ficção
pode até ser revisto.
Décadas atrás, filmes de ficção científica como Zardoz5
ou Logan’s Run6
previam o predicamento pós-moderno de hoje: o grupo isolado vivendo uma
vida ascética, numa área restrita, anseia pela experiência do mundo real, de
barro material.
Até o pós-modernismo, a utopia era uma tentativa de romper com o real do
tempo histórico e entrar no Outro atemporal. Com a sobreposição pós-moderna
do “fim da história” pela total disponibilidade do passado em memória digital,
nesta época em que vivemos a utopia atemporal como a experiência ideológica
do dia a dia, a utopia se torna o anseio pela Realidade da própria História,
pela memória, pelos traços do passado real, numa tentativa de sair da cúpula
fechada e sentir o cheiro da deteriorização da crua realidade7
.
Matrix8
acentua isso, porque combina utopia com distopia, nossa realida-
de é apresentada como uma realidade virtual criada por um computador, de
maneira que nos restringimos a baterias humanas para a Matriz.
SEGURANÇA NO FUTURO
Em tempos remotos, estudar e economizar faziam parte de uma garantia
de futuro, mesmo que isso estivesse diretamente relacionado com a escravidão
do salário. De qualquer forma, hoje essas atitudes já não garantem o futuro,
mas apenas um presente momentâneo, repleto de angústias: “Numa sociedade
dinâmica, as pessoas passivas murcham”9
.
A FC indica alguns futuros possíveis. Sugere, em seus enredos, que o de-
sespero não é justificável, pois as respostas serão encontradas pelo próprio homo
futurus, talvez “mutantes adolescentes”, oriundos de uma mutação de ideias e
de conhecimentos, que misturados à criatividade, proporcionariam alternativas
ainda inimagináveis para a sociedade em que vivemos. Portanto, o desespero
pelo futuro pode não ser justificável, pois as novas gerações poderão encontrar
soluções interessantes para os problemas de sua época. Nosso trabalho é criar
moldando a história de nossas próprias vidas.
Os adolescentes de hoje se juntam por interesses comuns, seja em um
clube, seja em um posto de gasolina, seja através de uma comunidade digital.
Têm seus próprios grupos, suas próprias tribos, o que muitas vezes preocupa
seus pais, como lembra Sennett, quando comenta sobre um de seus pesquisa-
dos: “perseguia-o o receio da falta de disciplina ética, sobretudo o temor de
os filhos se tornarem ‘pequenos ratos’, rondando ao léu pelos estacionamentos
5. Zardoz (1974), EUA, de
Jonh Boorman.
6. Logan’s Run [Fuga
das Estrelas] (1976), de
Michael Anderson.
7. ZIZEK, S. Matrix: ou os
dois lados da perversão.
In: IRWIN, W. Matrix: bem
vindo ao deserto do real.
São Paulo: Madras, 2003,
p. 280.
8. Matrix (1999), de
Andy Wachowski e Larry
Wachowski.
9. SENNETT, op. cit., p. 103.
29
Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado
dos shopping centers à tarde, enquanto os pais permaneciam fora de alcance
em seus escritórios”10
.
E Maturana acrescenta: “a tragédia dos adolescentes é que começam a
viver um mundo que nega os valores que lhes foram ensinados”11
. A negação
dos adultos acaba sendo um problema. Hoje, os adolescentes se organizam
também de outras maneiras. Ficam reunidos por um tipo de som (música)
que, para nós, não justifica ou que não explica. Mesmo assim é um mundo de
responsabilidades. Se eles estão nesse mundo, é porque eles assim o querem
ou há “a emergência de um novo tipo de estudante, com novas necessidades
e novas capacidades” 12
.
Novas soluções poderiam ser aspiradas ou exploradas pelos jovens que um
dia serão os donos do mundo. “Como educadores/as, devemos avaliar aquilo
que já está ocorrendo em nossas salas de aula, quando os alienígenas entram
e tomam seus assentos, esperando (im)pacientemente suas instruções sobre
como herdar a terra”13
.
EXISTE UM “OUTRO ESTRANHO” NA FICÇÃO
CIENTÍFICA?
A “pílula dourada” de Jacoby, retratando o multiculturalismo da pós-mo-
dernidade, nos recorda a “pílula vermelha” de Matrix, como símbolo das muitas
possibilidades do que virá a acontecer ou do que decidimos em nossas vidas.
O filme demonstra a dualidade entre o escolher a pílula azul ou a vermelha,
entre o ficar preso a uma realidade virtual ou acordar para a verdadeira reali-
dade, mesmo que dolorosa. A decisão é difícil, mas o personagem Neo acaba
decidindo enfrentar uma realidade ainda mais dura do que a da ficção gestada
pela Matrix, a da pílula vermelha. Sem dúvida, uma condição que muitas vezes
costumamos enfrentar em nosso cotidiano.
Apesar de Jacoby apresentar o conto de FC 1984, de George Orwell, como
sendo uma obra utópica, alguns autores, como Bressand e Distler, apresentam-
-no como um conto antiutópico ou distópico. No fim do século XX e início
do XXI, o discurso vigente das lideranças costumava afirmar que câmaras nas
ruas, que geralmente passam despercebidas, são apenas para nossa segurança e
não para o controle. Ora, controle e segurança estão intimamente relacionados,
como nos alertava Foucault em seu Vigiar e punir. Nesse caso, onde ficaria o
livre-arbítrio?
O mesmo vale para os chips epidérmicos de que trata Violação de Privacida-
de14
. O filme, cuja história se desenvolve em um futuro mais ou menos próximo,
mostra a vida monótona de um editor de imagens (Robin Willians) que edita
lembranças gravadas de pessoas que deixaram de existir. Esse tipo de controle,
criticado na trama do filme, vem existindo na prática, onde verificamos chips
localizadores nos cartões de crédito ou, nos recentes: chips intraepidérmicos.
10. Ibid., p. 21.
11. MATURANA, H. Emo-
ções e linguagem na
educação e na políti-
ca. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 2002, p. 33.
12. GREEN, B.; BIGUM,
C. Alienígenas na sala de
aula. In: SILVA, T. T. (org.).
Alienígenas na sala de
aula; uma introdução aos
estudos culturais em edu-
cação. Petrópolis: Vozes,
1995, p. 209.
13. Id., p. 218.
14. Violação de privaci-
dade (Final CUT) (2004),
EUA, de Omar Naim.
30
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
De certa forma, estes sistemas de rastreamento individual ofendem a “li-
berdade” dos indivíduos, expondo a ilegitimidade dessas novas formas de con-
trole, mais sutis e imperceptíveis. Os processos foram invertidos do pan-óptico
de Foucault para o sinóptico sugerido por Bauman: “A obediência aos padrões
tende a ser alcançada hoje em dia pela tentação e pela sedução e não mais pela
coerção – e aparece sob o disfarce do livre-arbítrio, em vez de revelar-se como
força externa”15
. O “Grande Irmão” tomou uma nova forma, mais perspicaz do
que a prevista por Orwell, maior e invisível, o manipulador das marionetes. “A
repulsa à rotina burocrática e a busca da flexibilidade produziram novas estru-
turas de poder e controle, em vez de criarem as condições que nos libertam”16
.
Em se tratando de estranhos e de seu papel na sociedade, Bauman nos
alerta para suas possíveis utilidades.
Esses poucos fatos anunciam o novo papel atribuído aos pobres na nova versão
da “classe baixa”, ou da “classe além das classes”: ela não é mais o “exército de
reserva da mão de obra” mas, verdadeiramente, a “população redundante”. Para
que serve? Para o fornecimento de peças sobressalentes para consertar outros
corpos?17
.
Na FC a “classe baixa” também pode ser vista de forma diferente, todos
os que morreram podem ser cobaias do futuro, como verificamos no filme
Free Jack18
, com Mick Jagger e Anthony Hopkins – onde não existe o tráfico de
órgãos para peças sobressalentes, mas, em contrapartida, existe o tráfico de
corpos inteiros! Espelhando-se nos estranhos de Bauman, um piloto de provas
(Emilio Estevez), que historicamente já havia morrido, é raptado um segundo
antes de sua morte por viajantes do tempo vindos do futuro. O objetivo deles
era utilizá-lo — visto que historicamente estava morto — como hospedeiro de
uma nova mente milionária (Hopkins), que recusava aceitar sua morte, mas
que podia pagar por toda essa operação.
Numa sociedade sinóptica de viciados em comprar/assistir, os pobres não podem
desviar os olhos; não há mais para onde olhar. Quanto maior a liberdade na tela
(…) tanto mais irresistível se torna o desejo de experimentar, ainda que por um
momento fugaz, o êxtase da escolha19
.
Vídeo Drome20
é a FC que mais se aproxima dessa realidade, mostrando
a “classe baixa” totalmente dependente da televisão, a ponto de os estranhos
terem que frequentar clínicas públicas especializadas no atendimento dos vi-
ciados em raios catódicos.
Nós também esquecemos os estranhos de Bauman, quando mergulhamos
em nossa vida diária, quando caminhamos pelas ruas e evitamos certos lugares
(ou não lugares), pois sabemos que ali existem os que não queremos lembrar
que existem. Lamentavelmente essa imposição pós-moderna está piorando a
cada dia, quando, em vez de nos preocuparmos em diminuir a pobreza, em
atingir sua raiz, nos preocupamos com a segurança de nós e de nossos filhos.
Sempre procuramos o caminho mais fácil, o menos doloroso, o mais egoísta,
sem dúvida, e o pior é que não temos vergonha disso.
15. Id. Modernidade lí-
quida. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 2001,
p. 101.
16. SENNETT, op. cit., p. 54.
17. BAUMAN, Z. O mal
estar da pós-modernida-
de. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1998, p. 54.
18. Free Jack (1992), EUA,
de Geoff Murphy.
19. BAUMAN, Z. Moderni-
dade líquida, cit., p. 104.
20. Vídeo Drome (1983),
CANADÁ/EUA, de David
Cronemberg.
31
Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado
A IMAGEM DO ESCOLHIDO EM “MATRIX”
De uma forma análoga à risada enlatada (das comédias de situação na
TV), temos aqui algo semelhante a uma dignidade enlatada, em que o Outro
(o “Escolhido”) retém minha dignidade em meu lugar, ou, mais precisamente,
em que eu retenho minha dignidade por meio do Outro. Eu posso ser redu-
zido à cruel luta pela sobrevivência, mas a própria percepção de que existe o
“Escolhido” retém minha dignidade e permite-me manter um elo mínimo com
a humanidade21
.
O escolhido, que pode ser a imagem do pai, do amigo ou do professor,
muitas vezes é derrubado ou desmascarado, e nesses casos a vontade de viver
desaba, a vontade de sobreviver desaparece com ele, com o outro. Matrix apre-
senta isso em seu primeiro filme, na imagem de Neo, o protagonista da trilogia.
Ele mesmo tinha dúvidas quanto à existência dele ser o outro, o escolhido.
Essa dúvida gera tensão entre Neo e seus companheiros, que acabam traindo-o.
SOMOS LIVRES?
A liberdade “ameaça mais sombria [porém] atormentava o coração dos
filósofos: que as pessoas pudessem simplesmente não querer ser livres e rejei-
tassem a perspectiva da libertação pelas dificuldades que o exercício da liber-
dade pode acarretar”22
. Matrix é, sem dúvida, o melhor exemplo das bênçãos
mistas da liberdade que podemos encontrar na FC cinematográfica citadas
como exemplo na versão apócrifa da Odisseia, em que Ulisses descobre, após
21. IRWIN, op. cit., p. 274.
22. BAUMAN, Z. Moder-
nidade líquida, cit., p. 25.
Matrix (1999), combina utopia com distopia.
Divulgação
32
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
libertar seus “leais” e decepcionados marinheiros, que preferiam continuar na
forma de porcos.
Em um momento de clímax do filme, Cypher, um dos protagonistas secun-
dários, para surpresa do público, opta por continuar sendo escravo da máquina,
para não perder os prazeres de sua mordomia utópica. Ele está no mundo virtual,
sentado à mesa em um restaurante, em frente ao agente Smith, degustando um
saboroso filé e negociando sua liberdade e a de seus companheiros23
. A ilusão
foi preferida, em detrimento da realidade nua e crua. Jacoby, parafraseando
David Bromwich, pergunta-se: “Os intelectuais se oporiam a escravidão?”.
Sair da Caverna de Platão em Matrix é o mesmo que sair do controle das
máquinas que dominavam a humanidade. O problema é que, apesar da eston-
teante realidade demonstrar um conceito de liberdade, existiam pessoas livres
que preferiam a liberdade vigiada, retornando à Caverna e preferencialmente,
ao contrário de Platão, levando consigo todo o restante, para que ninguém mais
pudesse enxergar a verdade. A liberdade aparente que temos ou a liberdade
que não queremos.
“Esforços para manter a distância o outro, o diferente, o estranho e o
estrangeiro, e a decisão de evitar a necessidade de comunicação”24
. Na série
Além da Imaginação, da década de 1985, o episódio denominado “O Homem
Invisível”25
retrata exatamente isso. O protagonista Cotter Smith, que feriu a lei
de sua cidade cometendo um crime antissocial, leva uma marca em sua testa
e, apesar de estar sendo visto pela população, todos fingem não vê-lo e, dessa
forma, o personagem sofre as consequências de ser um homem invisível ou um
estranho. Apenas quando retirarem sua marca, ou seja, após ter cumprido sua
pena, é que voltarão a falar com ele, como se tivesse retornado de uma longa
viagem. A sequência final é brilhante: o protagonista avista uma colega com a
tal marca, vivendo a mesma situação que ele , e tendo se tornado uma mulher
invisível, mas cede às pressões e conversa com ela. Sabia que era apenas questão
de tempo para que a marca não tivesse mais efeito cultural.
Jacoby alerta para o fato de que os estadunidenses, apesar do discurso
multicultural, não demonstram na prática interesse pelas línguas de outras
culturas. Analogamente ao filme, agem como se as outras línguas estivessem
portando a marca da invisibilidade social.
Os estranhos de Bauman também podem ser evidenciados no filme distó-
pico Blade Runner [O Caçador de Androides]26
, em uma história de androides
idênticos aos seres humanos que, para escapar do trabalho nas minas do planeta
Marte, fogem para a Terra, no intuito de viverem em meio às pessoas, para
dessa forma passarem-se por humanos (serem livres). O policial Rick Deckard
(Harrison Ford) é contratado pela polícia de Los Angeles (que mais parece
uma Hong Kong em decadência) para descobrir onde estão os androides e
recapturá-los. Deckard aprofunda-se na investigação e descobre, ao final do
filme, que o fato de querer ser humano em uma sociedade decadente como a
Terra era impraticável para os androides. Também questiona se os estranhos
eram eles, os androides, ou nós, os humanos. A própria identidade de Deckard é
23. DANAHAY, M. A.;
RIEDER, D. Matrix, Marx
e a vida de uma bateria.
In: IRWIN, op. cit.
24. BAUMAN, Z. Mo-
dernidade líquida, cit.,
p. 126.
25. O Homem Invisível
[To See the Invisible Man]
(1985), EUA, de Robert
Silverberg.
26. Blade Runner, o
Caçador de Andróides
(1982), EUA, de Ridley
Scott.
33
Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado
colocada em dúvida quanto a sua autenticidade humana, por um colega policial
Hannibal Chew (James Hong), que a certa altura do filme o trata como um
estranho. Essa evidência é demonstrada na cena em que seu colega deixa, em
frente ao elevador, uma réplica em papel de um unicórnio, imagem principal
implantada nos sonhos de Deckard. Um final para levar muitos a refletirem sobre
a situação de Deckard e sobre o rumo que a humanidade pode vir a tomar.
ALGUMA CONCLUSÃO?
Como toda a encruzilhada evolutiva, não sabemos para onde esta nos
levará. As classes dominantes jamais abdicam do poder, mesmo que este as
leve à destruição. Assim, inteligências artificiais cada vez mais possantes serão
desenvolvidas com o objetivo de serem utilizadas nesse grande xadrez mundial
pelo poder, abrindo as portas, talvez, para a nossa destruição27
.
A contemporaneidade mostra uma busca pelo prazer diário, mesmo que
supérfluo, um consumo no sentido de digerir. Literatura, cinema, jogos virtuais,
comida e bebida. Tudo que esteja sendo comentado, divulgado na cultura de
massa. Essa fuga pelo consumo não apazigua sua busca por si mesmo, confun-
dido-se com a busca pela sociedade, pelo reconhecimento nela. A busca por si
deve ser constante. A dificuldade é que, no meio dessa busca, devemos mudar,
e toda mudança implica não só uma perda, mas também aceitar a perda, e
não é fácil. O processo de mudança é essencial, mas difícil.
Sennet aponta para a falta de relacionamentos objetivos e duráveis como
uma solução para o problema da inquietação e da angústia. Isso também se
evidencia nos jogos virtuais de computador, que estão cada vez mais reais e
sedutores.
Matrix pode servir de alerta para situações análogas que estão por vir? A
escola por sua vez tem que aprender a trabalhar com esse processo de cons-
trução social que, além das experiências educacionais, também inclui, como
lembra Green e Bigum, os meios de comunicação de massa, rock, cultura da
droga e outros fatores subculturais. Eles também recordam que é cada vez
mais urgente a necessidade de “pensarmos de forma diferente”. Precisamos
reimaginar a “imaginação investigativa educacional”28
.
Dessa forma, os autores concluem que:
argumentamos que é importante interagir ativamente com os novos insights e
imagens proporcionados pelo pós-modernismo cultural e pela nova ciência. Como
tem sido assinalado por vários analistas [...], parece haver uma convergência geral
e extremamente produtiva entre a teoria social e a ficção científica29
.
Desse modo, explorá-la no conceito educacional, como esse artigo, se torna
essencial.
Jacoby, em seu O fim da utopia, admite que a linguagem é reveladora e a
diversidade determina os caminhos a serem seguidos. Os conservadores que o
negam ficam à beira do caminho.
27. TORRIGO, M. Prólogo
a Matrix. In: IRWIN, op.
cit., p. 28.
28. GREEN, B.; BIGUM,
C. Alienígenas na sala de
aula. In: SILVA, T. T. (org.).
Alienígenas na sala de
aula: uma introdução aos
estudos culturais em edu-
cação. Petrópolis: Vozes,
1995, p. 211.
29. Id.
34
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
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ZIZEK, S. Matrix: ou os dois lados da perversão. In: IRWIN, Willian. Matrix: bem-
vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras, 2003.
35
Histórias em quadrinhos
como suporte
pedagógico: o caso
Watchmen
Waldomiro Vergueiro
Professor titular e coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
E-mail: wdcsverg@usp.br
Douglas Pigozzi
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.
E-mail: douglas.pigozzi@usp.br
Resumo: Discute a importância das his-
tórias em quadrinhos como suporte nos
procedimentos pedagógicos, em especial
sua aplicação no ensino de temas próprios
das Ciências Sociais, por meio de um es-
tudo de caso utilizando a obra Watchmen,
do roteirista britânico Alan Moore. Busca
estudar a proficiência no entendimento
das mensagens transmitidas pelos códigos
escritos e visuais, quando apresentados
em conjunto. Relaciona especificamente as
características da aplicação da linguagem
gráfica sequencial às técnicas de ensino.
Palavras-chave: Histórias em quadrinhos;
Educação; Ciências Sociais; Sociologia; Teoria
do Caos.
Abstract: The paper discusses the im-
portance of comics as support in the
educational procedures, particularly its
application in the teaching of Social Sci-
ences subjects, through a case study us-
ing the work Watchmen, by the English
writer Alan Moore. It also studies the
proficiency in the understanding of the
messages conveyed by written and visual
codes, when presented together. Finally, it
relates the characteristics of application of
graphic sequential language to the teach-
ing techniques.
Keywords: Comics; Education; Social Sci-
ences; Sociology; Chaos Theory.
INTRODUÇÃO
As histórias em quadrinhos possuem várias aplicações didáticas nas disci-
plinas do Ensino Médio. No caso específico das Ciências Sociais, é adequado
mencionar que seria possível, por meio do suporte de informação quadrinhos,
tratar dos diversos processos que auxiliam numa melhor compreensão das ca-
racterísticas tidas como “naturais” nas sociedades contemporâneas.
Recebido: 29/05/2012
Aprovado: 15/08/2012
36
comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013
Os quadrinhos têm significativa importância pedagógica, por ser um meio
facilitador de transmissão de informação, ou seja, por auxiliar na transmissão
dos fluxos de mensagens. Além disso, também possibilitam construir sentido e
produzir informações de forma singular, quando comparados a outros recursos
informacionais1
.
Também se ressalta que os quadrinhos apresentam uma linguagem diferen-
ciada dos outros meios de acesso à informação, possuindo vários mecanismos
comunicativos de destacada riqueza, o que permite potencializar a sua capacidade
de expressão e comunicação. Neles existem dois códigos que interagem para a
transmissão das mensagens: o linguístico (as palavras utilizadas nas narrações)
e o pictórico (imagens). Além desses dois códigos, existem também diversos
elementos característicos da linguagem quadrinística, como os balões, as linhas
de movimento, as onomatopeias e as metáforas visuais.
Entre as diversas obras em quadrinhos que podem colaborar no objetivo
antes mencionado, a graphic novel Watchmen, escrita pelo autor britânico Alan
Moore2
, destaca-se por sua complexidade nas esferas da estética, da política e
da sociedade. Sua aplicação na área educativa tem sido abordada na literatura
da área, revelando benefícios palpáveis no processo de aprendizagem3
.
A GRAPHIC NOVEL WATCHMEN
É adequado ressaltar que, antes de Watchmen, Alan Moore escreveu várias
obras importantes, buscando temas de complexo entendimento na sociedade
contemporânea, tais como o fascismo, as greves, a guerra nuclear, os protestos
sociais e políticos, além de seres alienígenas.
Originalmente, uma minissérie produzida em 12 edições mensais,
Watchmen foi escrita por Moore entre 1986 e 1987. A obra contou também com
a participação de Dave Gibbons e John Higgins, no trabalho de ilustração e
cores, respectivamente. Seu sucesso fez com que, posteriormente, em 2009, ela
fosse transposta à linguagem cinematográfica4
.
Watchmen traz conteúdos que tratam de diversos aspectos culturais, econô-
micos, políticos e sociais, sendo uma produção já clássica nos quadrinhos. Tem
como ponto de partida o real impacto da presença de vigilantes e super-humanos
em nosso mundo e o modo como eles se relacionariam com os seres humanos
comuns. A graphic novel Watchmen expõe ao leitor um grupo de super-heróis
que combate o crime, mas que, ao mesmo tempo, apresenta distúrbios mentais
e, por vezes, sexuais. A obra fala de questões que os quadrinhos mainstream
– ou seja, produzidos pela grande indústria – raramente tratavam até aquele
momento, tais como a degradação humana em função da ignorância de uma
maioria. Anteriormente, apenas os quadrinhos underground – ou independentes
– discutiam com mais constância essas temáticas.
São 6 os protagonistas da história: Rorschach; Ozymandias; o Comediante;
o Coruja (que, na verdade, são dois personagens, o idoso e já aposentado Coruja
1. A esse respeito, ver:
BARI, Valéria Aparecida.
O potencial das histórias
em quadrinhos na forma-
ção de leitores. 2008.
Tese (Doutorado em Ci-
ências da Comunicação).
Escola de Comunicações
e Artes, Universidade de
São Paulo, 2008; CAPU-
TO, Maria Alice Romano.
História em quadrinhos:
um potencial de informa-
ção inexplorado. 2003.
Dissertação (Mestrado em
Ciências da Informação).
Escola de Comunicações
e Artes, Universidade de
São Paulo, 2003; RAMA,
Ângela; VERGUEIRO, Wal-
domiro (org.). Como usar
as histórias em quadri-
nhos na sala de aula. São
Paulo: Contexto, 2005;
VERGUEIRO, Waldomiro;
RAMOS, Paulo. Quadri-
nhos na educação. São
Paulo: Contexto, 2009.
2. MOORE, Alan; GIB-
BONS, Dave. Watchmen.
São Paulo: Panini Brasil,
2009.
3. HARRIS-FAIN. Dar-
ren. Revisionist superhero
graphic novels: teach-
ing Alan Moore’s Watch-
men and Frank Miller’s
Dark Knight Books. In:
TABACHNICK, Stephen.
Teaching the graphic
novel. New York: The
Modern Language Asso-
ciation of America, 2009.
p. 147-154.
4. WATCHMEN. Direção:
Zack Snyder.Legendary
Pictures; DC Comics,
2009. 1 bobina cinema-
tográfica (162 min.), color.
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Comunicação & Educação: 18 anos de reflexão sobre comunicação e educação

  • 1. Comunicação & educação Revista do Departamento de Comunicação e Arte do ECA/USP – Ano XVIII – n. 1 – jan/jun 2013 Comunicação & educação
  • 2. Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Comunicação & Educação / Revista do Departamento de Comunicações e Artes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. – Ano 18, n. 1 (jan – jun. 2013). – São Paulo : CCA/ECA/USP : Paulinas, 2013 - 27 cm Semestral. ISSN 0104-6829 1. Comunicação 2. Educação I. Universidade de São Paulo. Escola de Comunicações e Artes. Departamento de Comunicações e Artes. II. Paulinas. CDD – 21 ed. – 302.2 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Reitor: Prof. Dr. João Grandino Rodas ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES Diretor: Prof. Dr. Mauro Wilton de Sousa Vice‑Diretora: Profa. Dra. Maria Dora Genis Mourão DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÕES E ARTES Chefe: Profa. Dra. Roseli Fígaro Vice-chefe: Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares CONSELHO EDITORIAL Adílson Jose Ruiz (Universidade Estadual de Campinas, Unicamp); Adilson Odair Citelli (Universidade de São Paulo, USP); Alberto Efendy Maldonado de la Torre (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos); Albino Canelas Rubim (Universidade Federal da Bahia, UFBA); Alice Vieira (Universidade de São Paulo, USP); Antonio Fausto Neto (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos); Benjamin Abdala Junior (Universidade de São Paulo, USP); Christa Berger (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos); Clovis de Barros Filho (Universidade de São Paulo, USP/Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM); Cremilda Medina (Universidade de São Paulo, USP); Elza Dias Pacheco (†) (Universidade de São Paulo, USP); Irene Tourinho (Universidade Federal de Goiás, UFG); Ismail Xavier (Universidade de São Paulo, USP); Ismar de Oliveira Soares (Universidade de São Paulo, USP); Jose Luiz Braga (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos); José Manuel Morán (Universidade de São Paulo, USP/ Universidade Norte do Paraná, Unopar); José Marques de Melo (Universidade de São Paulo, USP/Universidade Metodista de São Paulo, Umesp); Lindinalva Silva Oliveira Rubim (Universidade Federal da Bahia, UFBA); Marcius Freire (Universidade Estadual de Campinas, Unicamp); Margarida Maria Krohling Kunsch (Universidade de São Paulo, USP); Maria Aparecida Baccega (Universidade de São Paulo, USP/ Escola Superior de Propaganda e Marketing, ESPM); Maria Cristina Castilho Costa (Universidade de São Paulo, USP); Maria Cristina Palma Mungioli (Universidade de São Paulo, USP); Maria Immacolata Vassalo de Lopes (Universidade de São Paulo, USP); Maria Louder Motter (†) (Universidade de São Paulo, USP); Maria Thereza Fraga Rocco (Universidade de São Paulo, USP); Marília Franco (Universidade de São Paulo, USP); Mayra Rodrigues Gomes (Universidade de São Paulo, USP); Muniz Sodré Cabral (Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ); Nilda Jacks (Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS); Raquel Paiva Araujo Soares (Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ); Renata Pallottini (Universidade de São Paulo, USP); Rosa Maria Dalla Costa (Universidade Federal do Paraná, UFPR); Rosana de Lima Soares (Universidade de São Paulo, USP); Roseli Fígaro (Universidade de São Paulo, USP); Ruth Ribas Itacarambi (Universidade de São Paulo, USP/Faculdades Oswaldo Cruz, FOC); Solange Martins Couceiro (Universidade de São Paulo, USP); Suely Fragoso (Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos); Virgílio B. Noya Pinto (†) (Universidade de São Paulo, USP) CONSELHO DE COLABORADORES INTERNACIONAIS Cristina Baccin (Decana da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Nacional do Centro da Prov. de Buenos Aires, Argentina); Geneviève Jacquinot-Daleunay (Université de Paris-VIII e Laboratoire Communication et Politique - CNRS, Paris); Giovanni Bechelloni (Università di Firenze); Guillermo Orozco Gómez (Universidade de Guadalajara, Jalisco, México); Isabel Ferin da Cunha (Universidade de Coimbra); Jesús Martín-Barbero (Universidade de Guadalajara, México); Jorge A. González (LabCOMplex – Universidade Nacional Autónoma de México); José Ignácio Aguaded Gómez (Universidad de Huelva - España); José Martínez de Toda y Terrero (Centro Interdisciplinar de Comunicação Social – Pontifícia Universidade Gregoriana, Itália); Lúcia Villela Kracke (Chicago State University); Luís Busato (Diretor de Comunicação – Universidade de Grenoble, França); Marcial Murciano Martínez (Decano da Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha); Maria Teresa Quiroz Velasco (Universidad de Lima, Peru); Mario Kaplún (†) (Especialista em Comunicação e consultor independente no Uruguai); Milly Buonanno (Università di Firenze); Raul Fuentes (Iteso – Universidade Católica de Guadalajara); Valerio Fuenzalida Fernandez (Pontifícia Universidad Católica de Chile) Comunicação & Educação é uma publicação do Departamento de Comunicações e Artes da ECA-USP. Integrante da Rede Ibero-Americana de Revistas de Comunicação e Cultura. Indexada no PortCOM/Portdata (Brasil), Portal Infoamerica (Espanha) e Rebeca (ECA/USP). CREDENCIAMENTO E APOIO FINANCEIRO DO: PROGRAMA DE APOIO ÀS PUBLICAÇÕES CIENTÍFICAS PERIÓDICAS DA USP COMISSÃO DE CREDENCIAMENTO Editores: Adilson Odair Citelli e Maria Cristina Castilho Costa Comissão de publicação: Adilson Odair Citelli; Ismar de Oliveira Soares; Maria Aparecida Baccega; Maria Cristina Palma Mungioli; Maria Immacolata Vassalo de Lopes; Maria Lourdes Motter (†); Roseli Fígaro; Solange M. Couceiro de Lima; Virgílio B. Noya Pinto (†) Editora-executiva: Cláudia Nonato – MTB 21.992 Jornalista responsável: Ismar de Oliveira Soares – MTB 10.104 Assessora editorial: Carolina Boros Estagiário: Adriano Leonel Projeto gráfico – Capa: Telma Custódio Miolo: Midiamix Soluções Editoriais Produção de arte: Jéssica Diniz Souza Tradutores: Denise Monteiro de Lima Demange e Mariane Harumi Murakami (Inglês); e Wilson Alves Bezerra (Espanhol) Coordenação de revisão: Marina Mendonça Revisão: Ana Cecília Mari Produção e distribuição Paulinas Editora Rua Dona Inácia Uchoa, 62 04110-020 – São Paulo – SP Tel.: (11) 2125-3500 http://www.paulinas.org.br e-mail: editora@paulinas.com.br Telemarketing e SAC: 0800-7010081 Pedidos e assinaturas Números avulsos: você adquire a revista na Rede Paulinas de Livrarias. Se preferir, ligue: 0800-7010081 ou acesse: www.paulinas.org.br Assinatura: para receber os próximos números da revista Comunicação & Educação utilize o e-mail: livirtual@paulinas.com.br Como publicar Comunicadores e educadores que desejarem colaborar com a revista Comunicação & Educação devem enviar seus textos (indicando a seção para a qual são destinados) de acordo com os critérios para publicação no final da revista. Endereço para correspondência: Revista Comunicação & Educação (CCA-ECA-USP) Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443 – Ala A – sala 12 Bloco Central – Cidade Universitária 05508-900 – São Paulo – SP – Brasil Telefax: (+5511) 3091-4063 http://www.eca.usp.br/comueduc
  • 3. Editorial Com o primeiro número da revista Comunicação & Educação de 2013, comemoramos dezoito anos de vida. Trata-se de um momento especialmente adequado para lembranças e reminiscências. Foram dezoito anos que começaram com a iniciativa dos professores do Departamento de Comunicações e Artes – CCA – da ECA/USP para produzir, coletivamente, uma revista dirigida, sobretudo, aos educadores, auxiliando-os nas reflexões e ações didático-pedagógicas, tendo em vista os recursos possibilitados pelas Comunicações. Esse modelo foi planejado com diferentes seções, orientadas por preocupações academicamente consistentes, procedimentos de trabalho colaborativo, atualização no afeito aos temas pertinentes aos âmbitos das Ciências da Comunicação e da Educação. Estabeleceram-se parcerias com editoras comerciais que se incumbiram da publicação e circulação da revista. No CCA, sob a liderança da Profa. Dra. Maria Aparecida Baccega, primeira editora da Comunicação & Educação, ocorria a concepção de cada número, assim como o recebimento e análise preliminar dos textos enviados pelos autores, a distribuição aos pareceristas, a revisão, diagramação, encaminhamento e acompanhamento final da edição, e tudo isto em uma pequena sala ocupada pela secretária, editora e editora-executiva. Essas tarefas compreendiam o auxílio de um diligente e competente conselho editorial, com nomes importantes dentro e fora do Brasil. Desde os primeiros números, Comunicação & Educação desenvolve uma trajetória de reconhecimento e plena inserção nas áreas do saber com as quais se vincula e dialoga. Foi credenciada pela Universidade de São Paulo como um dos seus periódicos científicos representativos, fazendo parte, hoje, do Portal de Periódicos da USP. Está qualificada pelo Comitê de Comunicação, assim como por outros comitês, a exemplo de Educação e Letras, da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. E, reiterando os seus propósitos iniciais, mantém viva a interlocução com pesquisadores, professores e alunos dos diferentes níveis do sistema educativo, incluindo o ensino fundamental e a pós-graduação. Trata-se de uma das revistas com maior número de acessos na área de Comunicação, segundo informa pesquisa bibliométrica do grupo EC3 (Evaluación de la Ciencia y de la Comunicación Científica), da Universidade de Granada, Espanha, que, baseada no Google Scholar Metrics (2007-2012), identificou a Comunicação & Educação entre as cem mais referidas no mundo, e a quarta no Brasil, no âmbito das pesquisas em Comunicação. A revista reúne centenas de artigos e entrevistas de nomes importantes dentro e fora do Brasil, nos campos da Comunicação, da Educação e em áreas conexas, constituindo-se em fonte permanente de pesquisa, em manancial bibliográfico refletido em teses, livros e artigos.
  • 4. Além disso, mantém suas atividades dentro do CCA/ECA/USP, sendo produzida por uma equipe editorial, contando com grande número de colaboradores e frutífera parceria, nos últimos oito anos, com a Paulinas Editora. Chegamos, enfim, à maioridade. Acompanhando o desenvolvimento dos meios de comunicação e das tecnologias, as discussões sobre educação e cidadania, alcançamos os dezoito anos com todo o vigor e energia dos jovens adultos. E, nesse aniversário, queremos convidar você, leitor, principal responsável por essa trajetória, para comemorar conosco. Vamos levantar um brinde e celebrar, juntos, outros tantos aniversários da Comunicação & Educação. Evoé! Os Editores
  • 5. Sumário Apresentação / Presentation Educomunicação: quando pesquisa, extensão e ensino se imbricam! / Educommunication: when research, extension and education are interlinked Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares.................................................................................................. 7 Artigos Nacionais / Nacional Articles Digital Storytelling e formação corporativa: possibilidades para a aprendizagem de adultos / Digital Storytelling and corporate training: possibilities in adult education Josias Ricardo Hack, Fernando Ramos e Arnaldo Santos............................................................... 15 Ficção científica: utopia ou distopia? Felicidade, angústia e prazer na pós-modernidade / Science fiction: Utopia or dystopia? Happiness, anguish and pleasure in the post-modernity Carlos Alberto Machado ............................................................................................................. 25 Histórias em quadrinhos como suporte pedagógico: o caso Watchmen / Comics as educatinal matirial: the Watchman case Waldomiro Vergueiro e Douglas Pigozzi......................................................................................... 35 Cruzando espaços: proposta de contribuição para a Wikipédia / Crossing spaces: a contribution proposal to Wikipedia Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti.................................................................................... 43 Artigos Internacionais / International Articles Redescobrindo o interesse pelas ciências: a chave para uma sociedade tecnológica / Rediscovering the interest in sciences, keystone of technological society Carlos Busón Buesa.................................................................................................................... 55 Dos paradigmas interculturais à ação educacional autogerida / From intercultural paradigms to self managed educational action Martha Lucia Izquierdo Barrera.................................................................................................. 63 Gestão da Comunicação / Communication Management Cedeca Interlagos: Fotografia e educomunicação para o desenvolvimento humano / Cedeca Interlagos: photografy and educommunication for human development André Bueno.............................................................................................................................. 75 Entrevista / Interview Pais, adolescentes, internet e escola: uma relação delicada / Parents, teenagers, internet an school: a delicate relationship Cláudia Nonato.......................................................................................................................... 87
  • 6. Crítica / Review Rebelde(s): consumo e valores nas telenovelas brasileira e mexicana / Rebelde(s): consumption and values in Brazilian and Maxican telenovelas Maria Aparecida Baccega, Fernanda Elouise Budag e Lucas Máximo Ribeiro.................................. 95 Depoimento / Testimony Circo e sociabilidade em São Paulo / Circus and sociability in São Paulo Walter de Sousa Junior...............................................................................................................105 Experiência / Experience Produção coletiva de webnovelas: um estudo sobre metodologias dialógicas e participativas / Colletive production of web series: a study on dialogical and participatory methodologies Maria Isabel Rodrigues Orofino..................................................................................................111 Poesia / Poetry O poema do mau agouro / The poem of misfortune Adilson Citelli..........................................................................................................................121 Resenhas / Digests Reinventando a educação para reinventar a mídia / Reiventing education to reinvent media Ismar de Oliveira Soares.............................................................................................................125 Transnacionalização e transmidiação da ficção televisiva em países ibero-americanos / Transnacionalization and transmediation of television fiction in Ibero-American countries: some notes Maria Cristina Palma Mungioli e Issaaf Karhawi.......................................................................131 Meia-noite em Paris. Na hora aberta da meia-noite: o cinema, as artes e a sedução da Modernidade / Midnight in Paris. In Midnight Open Hour: the Cinema, the Arts and the Modernity Seduction Maria Ignês Carlos Magno.........................................................................................................137 Atividades em sala de aula / Activities in the Classroom Atividades com Comunicação & Educação – Ano XIII – n. 1/ Activities with articles of Communication & Education – Year XVIII – n. 1 Ruth Ribas Itacarambi...............................................................................................................145
  • 7. apresentação 7 Educomunicação: quando pesquisa, extensão e ensino se imbricam! Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares Professor titular da ECA/USP, supervisor do Curso a distância "Mídias na Educação", do MEC, no Estado de São Paulo, e coordenador da Licenciatura em Educomunicação da ECA/USP. E-mail: ismarolive@yahoo.com Resumo: O texto faz um breve resumo do percurso percorrido pela prática de edu- comunicação, a começar pela pesquisa e extensão cultural, parte das quais destina- das a estudar ações geradas em programas de extensão universitária, passando pelo ensino regular e formal, com a criação dos cursos de graduação e especialização, até a sua difusão com a revista Comunicação & Educação. Palavras-chave: Educomunicação; pesqui- sa; extensão cultural; prática acadêmica; difusão acadêmica. Abstract: The paper outlines a sum- mary of the journey of educommunica- tion practice, starting with the research and cultural extension, some of them aimed at studying actions developed in university extension programs, passing by regular and formal education, with the undergraduate and specialization courses, and finally, with the Communication & Education journal. Keywords: Educommunication; research; cultural extension; academic practice; academic diffuse. Costuma-se afirmar que a relevância de uma universidade pode ser medida pela articulação que souber promover entre as três áreas constitutivas de sua missão: pesquisa (o avanço do conhecimento mediante a investigação metódica e inédita), ensino regular e formal (a formação profissional dos alunos para atender as demandas por trabalhadores qualificados) e difusão (a socialização do saber junto à sociedade, para criar referenciais para a condução das práticas sociais e laborais). Em geral, estanques ou fechados em si mesmos, estes três setores da prática acadêmica comportam-se, em alguns casos, como trilhas de um mesmo caminho, ou braços de um mesmo delta que, percorridos ou navegados por um pensa- mento transdisciplinar, garantem visibilidade, legitimação e reconhecimento a determinadas áreas da prática social. Foi o que ocorreu com a educomunicação1 . Presente no cenário das lutas sociais latino-americanas, ao longo do século XX, a prática ganha identidade no embate entre a pesquisa e a extensão cultural, facilitando e dando coe- rência à aplicação dos resultados da investigação na solução de problemas 1. Sobre o conceito, ver Ismar de Oliveira Soares. Gestão comunicativa e educação: caminhos da educomunicação. Comu- nicação & Educação, São Paulo, Ano VIII, n. 23, p. 16-25, jan./abr. 2002.
  • 8. 8 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 contemporâneos. As intervenções – próprias da extensão – propõem novos problemas que, pesquisados, fazem avançar os conceitos originais, mediante especificações que agregam, modulam e fazem crescer2 . Como a fazer girar o ciclo de mútuas interferências, as pesquisas em torno do conceito da educomunicação (parte das quais destinadas a estudar ações geradas em programas de extensão universitária) chegam – 13 anos após a divulgação da pesquisa fundante – ao expressivo número de 97 teses e dissertações. É o que registra o banco de teses da CAPES, no último mês de 2012. Deste total, 41 pesquisas foram produzidas na USP, sendo que 37 delas no Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação, da ECA/USP. UM NAMORO COM O EDUCOM! Uma das pesquisas desenvolvidas no espaço da USP pertence ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da USP, campus de Ribeirão Preto. Trata-se da dissertação de mestrado de Helenita Sommerhalder Miike, defendida em 2008 com o título: “Oficina de TV, uma prática educomunicativa: estudo de caso de uma criança abrigada”3 . O projeto investigativo buscou compreender que possibilidades de ganhos psicossociais e educativos a realização de práticas educomunicativas poderia trazer para crianças em situação de risco social. Para tanto, tomou como estudo de caso a realidade de uma menina de onze anos que vivia em um abrigo de uma cidade de porte médio, no interior de São Paulo. A pesquisa procurou identificar mudanças na condição de desenvolvimento desta criança, expressas no seu contexto de vida cotidiana, e que poderiam ser consideradas como possivelmente decorrentes da sua participação no projeto. Miike adotou como suporte teórico-metodológico dois gêneros distintos de referenciais: um primeiro, no âmbito da educomunicação, tendo como referência as conclusões do trabalho do Núcleo de Comunicação e Educação da USP, rea- lizado, entre 1997 e 1999, junto a especialistas em Comunicação/Educação de 12 países da América Latina; um segundo, na perspectiva da psicologia social, fazendo uso dos estudos em torno das redes de significações. As oficinas de vídeo, oferecidas a um grupo de crianças abrigadas, entre as quais a menina em observação, foram realizadas em 30 encontros, num total de 60 horas, seguindo alguns procedimentos como o “aprender fazendo” e a identificação de conceitos teóricos a partir do contato direto dos participantes com os equipamentos e a linguagem próprios da televisão. O educador e o técnico do abrigo responsável pelo caso, assim como os professores e a mãe da adolescente, foram ouvidos antes da realização e após a implantação dos instrumentos, visando fazer um levantamento das histórias de vida e uma des- crição das crianças nos momentos específicos. 2. Patrícia Horta Alves, em sua tese doutoral intitula- da “O Projeto Educom.rá- dio como política pública” (ECA/USP, 2007), trabalha a relação entre pesquisa e extensão cultural como ação própria do âmbito das políticas públicas. 3. MIIKE, H. S. Oficina de TV, uma proposta educomunicativa: estudo de caso de uma criança abrigada. (Dissertação de Mestrado). Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, 2008.
  • 9. 9 Educomunicação:quandopesquisa,extensãoeensinoseimbricam! • IsmardeOliveiraSoares A descrição inicial da criança em observação foi muito semelhante à exis- tente na literatura sobre a população infantil abrigada, especialmente no que se refere à autoimagem negativa e ao desempenho escolar ruim. Pois bem, após a participação da menina nas oficinas, o exame de seu retrato presente nos depoimentos dessas pessoas apontou para a existência de efetivas e súbitas mudanças, sempre em sentido positivo. A autora compreen- deu que essas diferenças possivelmente foram motivadas pela combinação da maneira com que dialogicamente se estabeleceram interações entre ela e as pessoas com quem conviveu no período do projeto, os papéis atribuídos a ela e a forma como ela os assumiu. Na conclusão do trabalho, a autora constatou, ainda, que o projeto per- mitiu visualizar o uso da linguagem audiovisual (câmera de vídeo) como um dispositivo de desenvolvimento humano capaz de potencializar a experiência de vida das crianças, ao quebrar a relação mítica com o objeto TV e auxiliar a percepção de recursos próprios, especialmente para crianças que ainda não dominam a leitura e a escrita. A dissertação defendida em Ribeirão Preto revelou o que dezenas de ou- tras, voltadas para a análise dos procedimentos educomunicativos, acabaram confirmando. Referimo-nos a pesquisas realizadas a partir de amostragens dis- tintas, algumas constituídas por pequenos grupos (como, por exemplo, a tese doutoral sobre a ação educomunicativa na prática das ONGs, em diferentes regiões do Brasil, de autoria de Genésio Zeferino Silva Filho, de 20044 , e outras, abrangendo contingentes maiores de estudantes vinculados a complexas redes de ensino, como a dissertação de Renato Tavares, de 2007, sobre a produção midiática de professores e alunos de 455 escolas de São Paulo5 ). Em todos os casos, revelou-se que a educomunicação traz como vantagem a imediata manifestação da autoestima das pessoas envolvidas, sejam estas profissionais comprometidos com os projetos na área ou mesmo as crianças e jovens em sua busca por um lugar no mundo. Com a autoestima, vêm a disposição para o estudo, a motivação para aprender, o compromisso com a solidariedade, facilmente traduzidos em ações transformadoras, em nível pes- soal, grupal, comunitário. O trabalho de extensão realizado, por exemplo, a partir de 2006, pelo NCE/USP junto à FUNDHAS – Fundação Helio Augusto de Souza, órgão da Prefeitura de São José dos Campos responsável por atender, no contraturno escolar, a um público de 8 mil pessoas, entre crianças e jovens de 8 a 18 anos. Esse trabalho garantiu a criação, na maior cidade do Vale do Paraíba, de um Centro de Referência em Educomunicação e Educação Ambiental que, com autonomia, garante, no presente, a formação continuada de educadores e es- tudantes não apenas da própria fundação, mas, com o mesmo empenho, de professores e alunos da rede municipal de ensino. No caso específico da experiência da FUNDHAS, a adesão ao conceito por parte dos beneficiados ficou registrada no “slogan” do banner inteira- mente desenhado por seus estudantes, por ocasião do 5o Encontro de Jovens 4. SILVA FILHO, Genésio Zeferino. Educomunica- ção e sua metodologia: um estudo a partir de ONGs no Brasil. (Tese de Doutorado). São Paulo, ECA/USP, 2004. 5. TAVARES JUNIOR, Re- nato. Educomunicação e expressão comunicativa: a produção radiofônica de crianças e jovens no projeto educom.rádio. Dissertação de Mestra- do. São Paulo, ECA/USP, 2007.
  • 10. 10 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Educomunicadores, ocorrido em 2008, com os dizeres: “Um namoro com o Educom”. Não há quem desconheça a força da palavra “namoro” no contexto das descobertas que fazem os adolescentes sobre a vida e seus relacionamentos, em busca da construção de suas identidades. DA ESPECIALIZAÇÃO À GRADUAÇÃO Outro dado revelador da imbricação entre pesquisa e extensão cultural no tratamento do tema da educomunicação vem sendo revelado pela produção acadêmica dos alunos dos cursos de especialização da própria ECA/USP. A título de exemplo, o levantamento junto à produção dos trabalhos conclusivos da Especialização em Gestão da Comunicação informa que, entre 1997 e 2010, aproximadamente 20% dos 500 trabalhos conclusivos voltaram-se para o tema da relação entre comunicação e educação. Uma segunda experiência de especialização, intitulada “Mídias na educa- ção”, oferecida, no território do Estado de São Paulo, desde 2006, pelo NCE/ USP, mediante uma parceria com o MEC e a UFPE, levou à produção de um total de 483 pesquisas voltadas explicitamente para a comunicação e o uso de mídias na prática educativa. (Importante: todas estas pesquisas foram realiza- das por professores das redes públicas estaduais e municipais, contando com a orientação de uma equipe de mais de 75 especialistas na área, formados pelo próprio núcleo.) É surpreendente observar, por outro lado, que a produção de referenciais sobre a educomunicação não tem sido obra exclusiva da academia. O trabalho de difusão cultural de diferentes centros e organizações não governamentais tem levado o conceito da educomunicação para ambientes que vão além das fronteiras geográficas de suas respectivas atuações. Caso paradigmático foi a produção, por parte da Rede CEP – Comunicação, Educação e Participação, do manual que dá suporte ao macrocampo sobre Comunicação e Uso de Mí- dias, do programa Mais Educação do MEC, tendo a Educomunicação como referência. O material, elaborado entre em 2007 e 2008, continua disponível, ainda hoje, para mais de 5 mil escolas matriculadas no programa, em todo o país, atendendo a mais de 900 mil alunos. De seu lado, como é sabido, a Revista Comunicação & Educação que, com o mesmo empenho, trabalha com a teoria e a prática, ao acompanhar e refletir o que ocorre no Brasil na interface comunicação/educação, vem se apresentando como um dos principais espaços de consolidação dos novos referenciais que nascem das possíveis conexões entre pesquisa e extensão cultural. Tais fatos, pelas evidências reveladas, levou a Universidade de São Paulo a criar, em novembro de 2009, no espaço do Departamento Comunicações e Artes da ECA, uma licenciatura voltada especificamente ao tema da educo- municação. Completava-se o ciclo de embricamento entre pesquisa, extensão cultural e graduação.
  • 11. 11 Educomunicação:quandopesquisa,extensãoeensinoseimbricam! • IsmardeOliveiraSoares ARTIGOS NACIONAIS A seção de artigos de autores nacionais traz quadro-textos relacionados ao tema dos procedimentos pedagógicos, circunstanciados em ambientes diferentes e para distintos propósitos. O primeiro, de Josias Ricardo Hack, Fernando Ra- mos e Arnaldo Santos, foca o estudo da linguagem, na busca de uma didática extraescolar possibilitada pelo emprego da metodologia do Digital Storytelling, aplicada como estratégia de aprendizagem no contexto de capacitação corporati- va. O segundo, de Carlos Alberto Machado, faz uma leitura de cunho didático- -filosófico sobre a literatura vigente, preocupando-se com o vício tecnológico e a desnaturalização da sociedade, testemunhados na ficção científica. Para tanto, faz um estudo sobre a angústia, a felicidade e liberdade no contexto da pós-modernidade, e sobre sua presença nos romances contemporâneos, em que o tema da sobrevivência individual se sobrepõe aos de interesse social. No terceiro artigo, de Waldomiro Vergueiro e Douglas Pigozzi, o assunto é a proficiência no entendimento de mensagens, verificada a partir do estudo dos códigos escritos e visuais possibilitados pelas histórias em quadrinhos. No caso, é analisada a obra Watchmen, do roteirista britânico Alan Moore. Finalmente, Mayra Rodrigues Gomes e Ivan Paganotti voltam-se para a didática do ensino do jornalismo, relatando a experiência de adoção de sítio wiki em sala de aula. Em extensão a essa prática, o artigo apresenta os primeiros passos em direção ao aproveitamento dos trabalhos dos alunos com o intuito de complementar tópicos ou de criar temas relevantes na Wikipédia. ARTIGOS INTERNACIONAIS Os artigos internacionais nos reportam à Espanha e à Colômbia. Têm em comum a preocupação com o sujeito do processo educativo, quer no contexto da sociedade tecnológico-industrial, quer no contexto da sociedade tradicional- -indígena. Carlos Busón Buesa, com larga trajetória na UNED – Universidade Nacional de Educação a Distância, de Madri, aborda o problema dos efeitos motivacionais sobre os processos de aprendizagem em torno de conteúdos cien- tíficos, exercidos pela maneira como os assuntos dessa natureza são tratados pelo sistema educacional. “Apesar de vivermos em tempos de tecnologias da informação, os alunos contemporâneos mostram uma tendência em se afastar destas questões”, afirma o autor, para quem “é preciso adotar novas formas de aprender a aprender.” O segundo texto, de Martha Lucia Izquierdo Barrera, coordenadora da Licenciatura em Etnoeducação e Desenvolvimento Comunitário, da Universi- dade Tecnólogica de Pereira, na Colômbia, traz para os leitores da revista o paper apresentado durante o IV Encontro Brasileiro de Educomunicação (São Paulo, outubro de 2012), tendo como título “De los paradigmas interculturales a la acción educativa autogestionaria”. O artigo permite ao leitor conhecer uma experiência inovadora de formação de membros de comunidades indígenas por
  • 12. 12 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 parte de uma instituição de ensino superior, mediante o emprego dos pressu- postos da educomunicação, que é o diálogo intercultural. GESTÃO DA COMUNICAÇÃO Em seu relato de gestão da comunicação em espaço educativo, André Bueno nos traz a experiência do Ponto de Cultura “Centro de Defesa da Criança e Adolescente – CEDECA Interlagos”. O artigo descreve especificamente como são oferecidas as oficinas de fotografia, analisando entrevistas com os participan- tes, colhidas entre 2007 e 2012. Em sua conclusão, o texto possibilita entender como a fotografia e a Educomunicação podem se associar a projetos voltados para o desenvolvimento humano. ENTREVISTA As recentes pesquisas intituladas, respectivamente, “TIC Educação 2001” (sobre o uso das tecnologias da informação e comunicação nas escolas brasi- leiras) e “TIC Kids Online Brasil, 2012” (sobre o consumo de internet entre adolescentes de 9 a 16 anos), desenvolvidas pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br), órgão que perten- ce ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), são objetos da entrevista da presente edição. Tatiana Jereissati e Juliano Cappi disponibilizam os dados e comentam os resultados, afirmando que a partir deste serviço torna-se mais fácil às autori- dades e aos responsáveis pelos processos de educação definir políticas públicas mais adequadas no que diz respeito tanto às oportunidades quantos aos riscos relacionados ao uso da internet em nosso país. Informam também os entrevis- tados que com esse tipo de coleta e processamento de dados o CGI coloca-se em sintonia com procedimentos semelhantes, em andamento na comunidade europeia. CRÍTICA Maria Aparecida Baccega, Fernanda Elouise Budag e Lucas Máximo Ribei- ro apresentam um estudo comparado da recepção de dois produtos midiáticos afins, exibidos em dois países latino-americanos: Rebelde (veiculado no Brasil, entre 2006-2007) e Rebeldes (veiculado no México, entre 2011-2012). A intenção do relato é permitir identificar conexões sobre questões relacionadas a consumo presentes nas pautas centrais de ambas as telenovelas, bem como os valores prezados por seus respectivos sujeitos receptores.
  • 13. 13 Educomunicação:quandopesquisa,extensãoeensinoseimbricam! • IsmardeOliveiraSoares DEPOIMENTO A seção traz o depoimento de Janete Souza Oliveira, uma “quase socióloga” que abandonou o curso da Escola Livre de Sociologia e Política para morar na África, onde passou oito anos de sua vida. Janete havia crescido ouvindo dos pais – a doméstica dona Gersina e o motorista Joaquim Adão – histórias do Circo Piolin, instalado, desde 1943, na Praça Marechal Deodoro, na região central da cidade de São Paulo. O depoimento permite ao leitor descobrir a importância do circo e das comédias na vida social das classes menos privile- giadas da pauliceia, nos meados do século XX. EXPERIÊNCIA A presente edição da revista Comunicação & Educação disponibiliza para o leitor uma experiência que a autora – Maria Isabel Rodrigues Orofino – iden- tifica como pertencente à esfera teórico-metodológica da “mídia-educação”. Trata-se da produção e veiculação, no Youtube, de 5 webnovelas realizadas por crianças de classe popular moradoras de uma comunidade na periferia urbana da cidade de São Paulo. Com o relato, que envolve 30 crianças da EMEF Caíra Atayde Alvarenga Midéia, fica demonstrado que a utilização das tecnologias da informação numa perspectiva colaborativa contribui decididamente para mudar o ecossistema comunicativo inerente ao espaço educativo tradicional. RESENHAS A seção destaca três lançamentos próximos ao universo da Educomunicação, a saber: Educomunicação: imagens do professor na mídia, coordenado por Adilson Citelli; Reinventando a educação: diversidade, descolonização e redes, de Muniz Sodré, e, por último, Idade mídia, de Alexandre Sayad. Privilegia também a história da arte cinematográfica, com um comentário sobre o livro de Maria Inês Carlos Magno em torno do filme Meia-noite em Paris, de 2011, abordando o movimento artístico do início do século XX. Finalmente, a seção apresenta os principais apontamentos do Anuário Obi- tel 2012, com o texto intitulado “Transnacionalização da ficção televisiva nos países ibero-americanos”, num trabalho de coautoria entre Cristina Mungioli e Issaaf Karhawi. POESIA A revista oferece aos seus leitores o texto completo de “O corvo” (“The Raven”), de Edgard Allan Poe. Considerado um dos mais importantes poemas de todos os tempos, nele é representada a misteriosa figura de um corvo, que encarna o inevitável caráter da morte. O texto, contudo, expande outras área
  • 14. 14 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 de significação, promovendo diálogos com a tradição do ultrarromantismo e do sofrimento com a perda da mulher amada. A tradução é do poeta português Fernando Pessoa. ATIVIDADES EM SALA DE AULA Como ocorre em todas as edições, a última parte da revista é dedicada às propostas de tratamento dos temas das revistas nos espaços de sala de aula, mediante o desenvolvimento de projetos pedagógicos. Responde pela seção a educadora e jornalista Ruth Ribas Itacarambi Leão.
  • 15. artigosnacionais 15 Digital Storytelling e formação corporativa: possibilidades para a aprendizagem de adultos Josias Ricardo Hack Professor adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: professor.hack@hotmail.com Fernando Ramos Professor catedrático da Universidade de Aveiro (Portugal). Arnaldo Santos Engenheiro da direção de inovação exploratória da Portugal Telecom Inovação Portugal. Resumo: Neste artigo, discutimos o uso de estratégias de aprendizagem colaborativa baseadas em tecnologias audiovisuais digitais num contexto de capacitação corporativa. O texto tem início com uma revisão concisa sobre os fundamentos teóricos e técnicos da comunicação educativa, por meio do uso de produtos audiovisuais. Em seguida, explicitamos como o uso de histórias pessoais digitais pode contribuir com os processos de aprendizagem colaborativa em treinamentos corporativos, oferecen- do meios para a entrega rápida de ma- teriais contextualizados que permitam a partilha de experiências entre formandos e formadores. Por fim, concluímos que o uso de histórias pessoais digitais pode ser uma oportunidade para se incremen- tar interações múltiplas no processo de construção do conhecimento corporativo. Palavras-chave: Digital Storytelling; tec- nologias digitais; Comunicação; capaci- tação corporativa. Abstract: In this paper we discuss the use of collaborative learning strategies based on Digital Storytelling in corpora- tive training. The text includes a concise review on theoretical and technical basis about educational communication through the use of audiovisual prod- ucts. The paper will also argue that digital storytelling may contribute to the improvement of the effectiveness of collaborative learning processes in cor- porative training, providing swift delivery of highly contextualized learning materi- als, which allows the sharing of relevant personal experiences between trainers and trainees. Furthermore, we conclude that Digital Storytelling provides an op- portunity to value, respect and promote the multiple and different cultural and social interactions in the corporative knowledge construction process. Keywords: Digital Storytelling; Digital technologies; Communication; Corpora- tive training. Recebido: 28/04/2012 Aprovado: 18/06/2012
  • 16. 16 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 INTRODUÇÃO O ato de contar histórias está intimamente associado ao senso de identi- dade dos povos,1 constituindo-se ainda em um dos componentes fundamentais da memória humana e em fundamento de vários eventos mentais básicos2 . Vygotsky3 afirmou que, para entender e representar sua experiência no mundo, as pessoas fazem uso de linguagens compostas por signos, que acabam por for- mar a base da cultura humana. O autor destaca, inclusive, que as ferramentas que construímos para mediar essas atividades simbólicas mudam a maneira pela qual os seres humanos pensam. Em outras palavras, através da constru- ção de ferramentas, as pessoas constroem a base material para a consciência, transformando os ambientes e reestruturando os sistemas funcionais em que atuam e aprendem. Ao fazer isso, lançam-se trajetórias de desenvolvimento do pensamento e da ação que repercutem amplamente, abrangendo as dimensões individual e coletiva, material e semiótica. O processo descrito anteriormente é o que pode ocorrer, em nossa in- terpretação, com a introdução do Digital Storytelling (doravante denominado DS) no cotidiano – já que seu ponto de partida é a vivência individual, sendo seu principal objetivo propiciar um espaço de enunciação e narrativa sobre as próprias vivências, provocando reflexões a respeito das conquistas e das derrotas que cada indivíduo experimentou em sua caminhada. Dentro das atividades de DS, os participantes gravam pequenas narrativas de vida em primeira pessoa, ilustradas com fotos, imagens, gravuras e músicas significativas para si. Por meio da socialização da história digital produzida individualmente, podem ter início trajetórias coletivas e colaborativas de desenvolvimento do pensamento e da ação. No que tange ao uso do recurso de DS em contextos de ensino e apren- dizagem, Jonassen e Hernandez-Serrano4 sugerem três maneiras de apoio ao processo de construção do conhecimento com o uso de histórias digitais. Elas podem exemplificar determinados conceitos ou princípios ensinados por instru- ção direta; podem servir como casos ou problemas a serem investigados pelos alunos; ou, numa terceira hipótese, podem possibilitar o acesso dos alunos a informações que os ajudarão a resolver problemas. Vale lembrar que, segundo Vygotsky5 , a interação social é imprescindível para a aprendizagem e o desen- volvimento do ser humano, pois as pessoas adquirem novos saberes a partir das várias relações com o ambiente que as cerca. Na concepção sócio-histórica6 , a mediação é primordial na construção do conhecimento – ocorrendo, dentre outras formas, pela linguagem. A singulari- dade do indivíduo enquanto sujeito sócio-histórico se constitui em suas relações na sociedade, enquanto o modo de pensar ou agir das pessoas depende de interações sociais e culturais com o ambiente. Isto quer dizer que um grande contador de histórias pode evocar uma ligação emocional com seus ouvintes, contribuindo com o processo de construção do conhecimento. Para Frazel7 , a ligação pessoal entre o público e o contador de histórias é emocionalmente carregada de contato visual, linguagem corporal e narração. 1. VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e lingua- gem. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 38. 2. SCHANK, Roger C. Lessons in learning, e-learning, and train- ing: Perspectives and guidance for the enlight- ened trainer [Lições em aprendizagem, e-learning e treinamento: perspec- tivas e orientação para o educador esclarecido]. San Francisco: Pfeiffer, 2005, p. 57. 3. VYGOTSKY, Lev S. Pen- samento e linguagem, cit., p. 38. 4. JONASSEN, David. H.; HERNANDEZ-SERRANO, Julien. Case-based rea- soning and instructional design using stories to support problem solving [Raciocínio baseado em casos e design instrucio- nal usando histórias para apoiar a resolução de problemas]. Educational Technology Research and Development, 50, n. 2, p. 7-8, 2002. 5. VYGOTSKY, Lev S. Pensamento e lingua- gem, cit., p. 46. 6. VYGOTSKY, Lev S. et al. Linguagem, desenvolvi- mento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988, p. 117-118. 7. FRAZEL, Midge. Digi- tal Storytelling: guide for educators [Digital Storytelling: guia para educadores]. Washington, DC: ISTE, 2010, p. 36-37.
  • 17. 17 DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos Segundo a autora, conectar-se com uma plateia e trazê-la para dentro da his- tória pode ser uma experiência profundamente gratificante para estudantes e professores. Em suma, como vimos nessas breves linhas introdutórias e como também apontou Barret8 , a narração com tecnologias digitais facilita a convergência de estratégias diferenciadas de aprendizagem e, se bem equacionada, poderá promover: • o envolvimento dos aprendizes; • a reflexão para o aprendizado profundo; • a aprendizagem baseada em projetos; • a integração efetiva da tecnologia na instrução. No entanto, apesar deste potencial, o DS é aparentemente subutilizado em contextos de aprendizagem de adultos em formação corporativa. APRENDIZAGEM DE ADULTOS Vygostsky9 enunciou que, quando uma pessoa ata um nó em um lenço para ajudá-la a se lembrar de algo, está, essencialmente, concluindo o processo de memorização. Em outras palavras, ela transforma o processo de lembran- ça numa atividade externa. Para o autor, a verdadeira essência da memória humana está no fato de os seres humanos serem capazes de se lembrar de algo, ativamente, com a ajuda de signos. Poder-se-ia dizer que a característica básica do comportamento humano, em geral, é que as pessoas influenciam sua própria relação com o ambiente, bem como modificam seu comportamento através desse ambiente. Na concepção de Vygotsky10 , a interação social é uma peça essencial no processo de aprendizagem e no desenvolvimento do ser humano, já que as pessoas adquirem novos saberes a partir de suas várias relações sociais. No entanto, ainda é preciso aprofundar a compreensão de como se processa a construção desse conhecimento. Segundo Knowles11 , tradicionalmente nós sabemos mais sobre como os animais aprendem do que sobre como as crianças aprendem, bem como sa- bemos muito mais sobre como as crianças aprendem do que sobre como os adultos aprendem. Para o autor, tal cenário se configurou assim, possivelmente, devido ao fato de o estudo da aprendizagem ter sido assumido, inicialmente, por psicólogos experimentais cujos cânones exigiam o controle de variáveis. Além disso, é com- provado que as condições em que os animais aprendem são mais controláveis do que aquelas sob as quais as crianças aprendem. Também as condições em que as crianças aprendem, por sua vez, são muito mais controláveis do que aquelas sob as quais os adultos aprendem. Em síntese, o fato é que muitas das teorias da aprendizagem derivam do estudo da aprendizagem de animais e crianças. 8. BARRETT, Helen. Re- searching and evaluating Digital Storytelling as a deep learning tool [Pes- quisando e avaliando o Digital Storytelling como uma vasta ferramenta de aprendizagem]. In C. Crawford, et al. (ed.). Pro- ceedings of Society for Information Technology and Teacher Education International [Anais da Sociedade para Tecno- logia da Informação e do Ensino de Educação Internacional]. Chesape- ake: AACE, 2006, p. 648. 9. VYGOTSKY, Lev S. et al. Linguagem, desenvolvi- mento e aprendizagem, cit., p. 68. 10. Ibid., p. 70. 11. KNOWLES, Malcolm S.; HOLTON, Elwood F.; SWANSON, Richard A. The adult learner: the definitive classic in Adult Education and Human Resource Development [O aluno adulto: o clássico definitivo em Educação de Adultos e o Desen- volvimento de Recur- sos Humanos]. Woburn: Butterworth-Heinemann, 1998, p. 18.
  • 18. 18 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Knowles12 ainda nos lembra de que alguns dos grandes mestres dos tem- pos antigos – Confúcio e Lao Tse, na China; Jesus e os profetas hebreus, nos textos bíblicos; Aristóteles, Sócrates e Platão, na antiga Grécia; e Cícero, Evelid e Quintiliano, na Roma antiga – foram todos professores de adultos, não de crianças. Dessa forma, a partir de suas experiências com os adultos, desenvol- veram um conceito muito específico de ensino e aprendizagem, considerando- -os como um processo de investigação mental e não como recepção passiva de conteúdos difundidos. As técnicas desenvolvidas por eles, portanto, são voltadas a envolver os alunos no processo de investigação. Os antigos chineses e hebreus inventaram o que hoje chamamos de método do caso, em que o líder ou um dos membros do grupo descreve uma situação – muitas vezes na forma de uma parábola – e, juntamente com o grupo, explora suas características e possíveis resoluções. Os gregos, por sua vez, inventaram o que hoje chamamos diálogo socrático, em que o líder ou um membro do gru- po coloca uma questão ou dilema para que se possa buscar uma resposta ou solução. Já os romanos usaram técnicas de confrontação: propunham desafios aos membros do grupo, que eram forçados a pensar em suas posições para defendê-las. O modelo andragógico (para aprendizagem de adultos), proposto por Kno- wles13 , também é baseado em suposições diferentes das do modelo pedagógico (para aprendizagem de crianças). Segundo o autor, os adultos precisam saber por que é necessário aprender algo antes de iniciar a aprendizagem. Quando os adultos se comprometem a aprender algo por conta própria, investem conside- rável energia na sondagem dos benefícios que irão obter com a aprendizagem e das consequências negativas de não aprender. Sendo assim, a primeira tarefa do facilitador é a de ajudar o aluno a tomar consciência da necessidade de saber. Uma boa estratégia para aumentar o nível dessa consciência é o uso de experiências reais ou simuladas em que os alunos descobrem, por si mesmos, as diferenças entre o estágio em que estão agora e aquele onde querem chegar. Frisamos que, embora eles saibam aonde querem chegar, a presença de um mediador é de extrema importância, podendo ser esse mediador o contador de histórias. Para Knowles, os adultos se motivam a aprender quando percebem que o novo conhecimento os ajudará a lidar eficazmente com situações enfrentadas em seu cotidiano. Além disso, aprendem novos conhecimentos, habilidades, valores e atitudes de forma mais eficaz quando tais questões são apresentadas de modo contextualizado. O autor explica, ainda, que mesmo que alguns adultos sejam sensíveis a motivadores externos de aprendizagem (possibilidade de conseguir um novo emprego, promoções, salários mais elevados e assim por diante), os motivadores mais potentes são pressões internas (o desejo de maior satisfação no trabalho, autoestima, qualidade de vida). Em suma, o processo de aprendizagem do adulto, defendido por Knowles14 , se fundamenta nos seguintes aspectos: 12. Ibid., p. 35-36. 13. Ibid., p. 62-69. 14. Ibid., p. 40.
  • 19. 19 DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos • Os adultos são motivados a aprender coisas que satisfaçam necessidades e interesses imediatos. Portanto, estes são os pontos de partida adequados à organização de atividades de aprendizagem de adultos. • A orientação dos adultos para a aprendizagem é centrada na vida cotidia- na. Dessa forma, as unidades apropriadas para organizar a aprendizagem de adultos são situações da vida, não temas. • A experiência é o mais rico recurso para a aprendizagem dos adultos. Por isso, a metodologia central da educação de adultos deve ser a análise de experiências. • Os adultos têm uma profunda necessidade de se autodirigir. Portanto, o papel do professor é engajar-se em um processo de investigação mútua com seus alunos, ao invés de transmitir seu conhecimento a eles e, em seguida, avaliar sua conformidade. • As diferenças individuais entre as pessoas aumentam com a idade. Dessa forma, a educação de adultos deve prever diferenças de estilo, tempo, lugar e ritmo de aprendizagem. Como veremos na próxima seção, a utilização de histórias digitais em processos de formação de adultos pode oferecer uma oportunidade para a promoção de interações múltiplas (colaborações) no processo de construção do conhecimento – uma vez que, através de histórias pessoais, os formadores e formandos discutirão assuntos centrados em suas próprias experiências que satisfaçam suas necessidades e interesses imediatos. O DS NO CONTEXTO CORPORATIVO A pesquisa qualitativa que originou o presente artigo analisou casos bra- sileiros e portugueses sobre o uso do DS em contexto corporativo. Ao todo, foram sondados 111 artigos acadêmicos e 9 livros abordando a temática DS em algum âmbito. Os artigos internacionais foram obtidos nas bases eletrônicas de dados SciVerse Scopus (banco de dados pertencente à Elsevier) e B-on (Biblioteca do Conhecimento On-line das instituições de investigação e de ensino supe- rior em Portugal). O corte temporal da análise teve a seguinte definição: a) artigos publicados em 2008, 2009, 2010 e primeiro semestre de 2011; b) livros publicados nos últimos 10 anos. Durante o estudo bibliográfico, percebemos que o ato de contar histórias com tecnologias digitais tem sido largamente explorado por publicitários para alavancar um produto ou empresa. Em alguns casos, o DS é utilizado para provocar no consumidor a identificação com o narrador ou com um dos per- sonagens da história. Já em outras experiências, as corporações dão suporte, inclusive, à criação de comunidades de consumidores em redes sociais. Também
  • 20. 20 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 foi possível encontrar relatos de uso do DS para a motivação de equipes, prin- cipalmente de vendas. No que tange ao uso de narrativas digitais em contextos de capacitação corporativa, Savvidou (2010) destaca a importância do conceito de “diálogo” na narrativa. Segundo a autora, embora seja dada pouca atenção ao conceito de narrativa como um diálogo em contextos educacionais, esta é uma rica frente de investigação no âmbito da pesquisa organizacional e comunicacional. Nesta área, o ato de contar histórias é representado como uma prática social compar- tilhada, através da qual o conhecimento explícito e tácito pode ser transmitido e as identidades adquiridas. O conceito de narrativa que Savvidou15 apresenta em seu texto está anco- rado em teorias de comunicação verbal e na ideia de que contar histórias é, inerentemente, um ato dialógico – de modo que, sempre que uma história é contada, provoca uma resposta. Em outras palavras, as histórias que contamos são moldadas pelas respostas reais ou potenciais dos interlocutores. Essa ideia representa uma visão de narrativa como forma de diálogo, desafiando a noção de história como construção individual. Savvidou16 salienta que, se observarmos as interações sociais cotidianas, verificaremos que o ato de contar histórias pessoais não é apresentado como monólogo, mas sim como parte de um evento interacional, uma conversa na qual histórias são mutuamente construídas pelos participantes. Neste processo, inclusive os papéis de contador da história e destinatário são intercambiáveis. Para a autora, dentro do campo da pesquisa organizacional e comunica- cional, os estudos incluem frequentemente as histórias de pessoas cujas vozes raramente são ouvidas, ou que desafiam as normas vigentes e as estruturas organizacionais. Em toda corporação, podem-se ouvir histórias que permeiam sua existên- cia e solidificam comportamentos específicos de seus colaboradores. Em nossa interpretação, tais histórias podem ser contadas no formato digital e utilizadas favoravelmente em contextos de formação corporativa para: a) comunicar a missão, os objetivos e as políticas corporativas; b) mobilizar e fomentar o espí- rito de equipe; c) envolver as pessoas em determinadas ações estratégicas; d) proporcionar a estruturação e divulgação da memória corporativa; e) fortalecer valores e traços característicos da corporação; e f) outras possibilidades que o próprio leitor poderá enumerar. Apesar de nossos estudos identificarem o uso de DS em organizações no Brasil e em Portugal, a investigação não encontrou nenhum relato que explici- tasse a utilização da narratividade digital em contexto de ensino e aprendiza- gem corporativos. Entretanto, ficou patente em nossas leituras a importância de se realizar uma reflexão ampla sobre os conteúdos a serem transformados em roteiros de DS, bem como a necessidade de se pensar em estratégias au- diovisuais que desencadeiem percepções semelhantes às de origem natural, ao se centrarem em desenvolver códigos e convenções sígnicas não arbitrárias17 . 15. SAVVIDOU, Christine. Storytelling as dialogue: how teachers construct professional knowledge [Storytelling como diálo- go: como professores constroem conhecimento professional]. Teachers and Teaching, 16, n. 6, p. 649, 2010. 16. Ibid., p. 654. 17. RODRIGUEZ, Angel. A dimensão sonora da linguagem audiovisual. São Paulo: Senac, 2006, p. 268.
  • 21. 21 DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos Tais estratégias audiovisuais, em nossa interpretação, podem potenciali- zar a comunicação do conhecimento, bem como contribuir para a melhoria da eficácia de alguns processos de treinamento corporativo. Afinal, devido às características ágeis de concepção e produção de audiovisuais com a aplicação do DS, existe a possibilidade de se oferecerem meios para a rápida entrega de materiais educativos altamente contextualizados. Consideramos relevante destacar que introduzir o DS no ambiente de for- mação corporativa não é uma decisão meramente instrumental. Para Porter18 , há muito a se considerar na construção de uma história digital – já que existem abordagens infinitas, dependendo da finalidade e do público que se quer atingir. Àqueles que pretendem utilizar este estilo de narrativa, a autora chama a atenção para alguns procedimentos fundamentais: • Deve-se levar os outros a vivenciarem sua história. Em outras palavras, cada história tem uma perspectiva pessoal e precisa ser narrada pelo próprio autor. • Trazer sempre uma lição a ser aprendida. Uma das características mais originais do DS é a expectativa de que cada história expresse um significado pessoal ou insight sobre como um determinado evento ou situação tocou a vida do autor (e quiçá poderá tocar a vida dos ouvintes). • Desenvolver uma tensão criativa. Uma boa história cria intriga ou tensão em torno de uma situação que se coloca já em seu início, sendo desenvolvida no decorrer da trama. • Ser econômico. Uma boa história tem um destino, um objetivo a cumprir e procura o caminho mais curto para chegar a ele. Uma peça de DS deve ter entre 3 e 5 minutos, com base em um roteiro de uma página ou 500 palavras. • Mostrar e não apenas narrar uma história. Boas histórias usam de- talhes vívidos para revelar sentimentos e informações, ao invés de apenas dizer algo. • Ser técnica e, ao mesmo tempo, uma obra de arte. Uma boa história incorpora a tecnologia e a arte de forma astuta, ao demonstrar ha- bilidade em se comunicar com imagens, som, voz, cor, espaços em branco, animações, design, transições e efeitos especiais. Por fim, nossos estudos também identificaram que o DS pode oferecer uma oportunidade para a promoção de interações múltiplas no processo de construção do conhecimento em ambientes corporativos. Por exemplo, em cer- tas propostas de formação em uma organização, poder-se-á introduzir tarefas, via DS, que provoquem os formandos à partilha de suas próprias histórias – novamente via DS. Assim, tanto formadores quanto formandos colaborarão na aprendizagem por meio de curtos relatos digitais em uma via de mão dupla. 18. PORTER, Bernaje- an. DigiTales: the art of telling digital stories [Di- giTales: a arte de contar histórias digitais]. Sedalia: Porter, 2004, p. 115.
  • 22. 22 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Em síntese, a pesquisa sinaliza que o processo comunicacional dialógico, que utiliza estratégias de aprendizagem colaborativa, pode ser uma alternativa para a valorização e o respeito às múltiplas interações sociais e culturais dos envolvidos no contexto de formação – desempenhando, dessa forma, o papel de alavanca dos movimentos individuais e coletivos de aprendizagem, tão salutares no processo de construção do conhecimento em qualquer nível ou modalidade de ensino. CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente qualquer cidadão, desde que tenha acesso e saiba utilizar determinadas tecnologias e técnicas, pode contar a sua própria história digital- mente. No contexto educacional e de formação corporativa, tal potencialidade redimensiona a necessidade de produção audiovisual por equipes altamente especializadas – e aponta a possibilidade de dar voz e visibilidade às histórias digitais elaboradas por aqueles que estão nas duas pontas do processo de ensino e aprendizagem: o aluno/formando e seu professor/formador. Nosso intuito, ao elaborar o presente artigo, foi refletir sobre o DS em processos de construção do saber nas organizações. O documento foi baseado em pesquisa bibliográfica qualitativa e argumentou que o DS pode contribuir para a melhoria da eficácia dos processos de ensino em treinamento corpo- rativo, oferecendo meios para a entrega rápida de materiais de aprendizagem altamente contextualizados. Além disso, o uso da narratividade digital pode constituir-se em oportunidade para a promoção de interações múltiplas no processo de construção do conhecimento nas organizações, introduzindo, em certas propostas de capacitação, estratégias que incentivem a partilha de histórias digitais entre formadores e formandos, numa “via de mão dupla”. Por fim, queremos enfatizar a necessidade de a comunidade científica dar atenção à investigação sobre a questão do uso de histórias digitais pessoais em formação corporativa. Percebemos, por meio dessa pesquisa, que suas possibili- dades são múltiplas e devem abranger discussões epistemológicas, metodológicas, tecnológicas, operacionais, éticas e legais. A título de ilustração, mencionamos nosso projeto atual, uma parceria entre a Universidade de Aveiro (Portugal) e a Portugal Telecom, que visa operaciona- lizar e validar uma metodologia de utilização de histórias digitais pessoais em contexto de formação profissional, através da reflexão crítica e experimentação empírica. O intuito do projeto é desenvolver roteiros de pequenas histórias pes- soais digitais, produzi-los e testar a eficiência e eficácia do uso de tais vídeos em ambientes de ensino e aprendizagem corporativa.
  • 23. 23 DigitalStorytellingeformaçãocorporativa • JosiasR.Hack,FernandoRamoseArnaldoSantos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETT, Helen. Researching and evaluating Digital Storytelling as a deep learning tool [Pesquisando e avaliando o Digital Storytelling como uma vasta ferramenta de aprendizagem]. In: CRAWFORD, C. et al. (ed.). Proceedings of Society for Information Technology and Teacher Education International [Anais da sociedade para tecnologia da informação e do ensino de educação internacional]. Chesapeake: AACE, 2006. FRAZEL, Midge. Digital Storytelling: guide for educators [Digital Storytelling; guia para educadores]. Washington, DC: ISTE, 2010. JONASSEN, David. H.; HERNANDEZ-SERRANO, Julien. Case-based reasoning and instructional design using stories to support problem solving [Raciocínio baseado em casos e design instrucional usando histórias para apoiar a resolução de problemas]. Educational Technology Research and Development, 50, n. 2, 2002. KEARNEY, M. A learning design for student-generated digital storytelling [Um projeto de aprendizagem para estudantes gerarem suas histórias digitais]. Learning, Media and Technology, v. 36, n. 2, p. 169-188, 2011. KNOWLES, Malcolm S.; HOLTON, Elwood F.; SWANSON, Richard A. The adult learner: the definitive classic in Adult Education and Human Resource Development [O aluno adulto: o clássico definitivo em Educação de Adultos e o Desenvolvimento de Recursos Humanos]. Woburn: Butterworth-Heinemann, 1998. PORTER, Bernajean. DigiTales: the art of telling digital stories [DigiTales: a arte de contar histórias digitais]. Sedalia: Porter, 2004. POSTMAN, Neil. Learning by story [Aprendendo pela história]. The Atlantic, 1989. RODRIGUEZ, Angel. A dimensão sonora da linguagem audiovisual. São Paulo: Senac, 2006. SAVVIDOU, Christine. Storytelling as dialogue: how teachers construct professional knowledge [Storytelling como diálogo: como professores constroem conhecimento professional]. Teachers and Teaching, 16, n. 6, 2010. SCHANK, Roger C. Lessons in learning, e-learning, and training: perspectives and guidance for the enlightened trainer [Lições em aprendizagem, e-learning e treinamento: perspectivas e orientação para o educador esclarecido]. San Francisco: Pfeiffer, 2005. VYGOTSKY, Lev S. et al. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1988. _______. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
  • 24. Você escolhe como quer pagar! Assine a revista Comunicação & Educação Uma parceria de Paulinas com a Escola de Comunica- ções e Artes, da Universidade de São Paulo (ECA-USP), que tem por objetivo ajudar a formar profissionais mais conscientes, críticos e interativos, por meio da discussão séria a respeito da natureza dos meios de comunicação de massa, dos direitos da audiência e da crítica estética à produção midiática. Revista Comunicação & Educação Periodicidade: semestral Ligue 0800-7010081 ramal 9448 ou assine pela livraria virtual Paulinas, acessando www.paulinas.org.br Informações: livirtual@paulinas.com.br • Cartão de crédito – Visa, Mastercard ou Dinners • Boleto bancário • Depósito bancário identificado • DOC ou transferência bancária Adquira também os exemplares avulsos! Ensaios, entrevistas e debates com os maiores especialistas da área auxiliam educadores a incluir em suas práticas novas linguagens e novos recursos pedagógicos.
  • 25. 25 Ficção científica: utopia ou distopia? Felicidade, angústia e prazer na pós-modernidade Carlos Alberto Machado Doutor pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e docente na Unicentro, departamento de Educação. E-mail: cipexbr@yahoo.com Resumo: A proposta do artigo está base- ada no interesse em aprofundar estudos de ficção científica, e em procurar fazer um paralelo dos problemas existenciais do mundo contemporâneo, mormente a angústia, citados principalmente pelos autores Richard Sennett, Russsell Jacoby e Zygmunt Bauman, considerados por alguns como pós-modernos. Vários exemplos são citados para corroborar as observações apontadas no texto. Conceitos como felicidade e liberdade são colocados à prova e a ficção científica é usada como exemplo, mostrando o vício tecnológico e a desnaturalização da sociedade. Conclui-se que a imagem da realidade evidenciada em filmes de ficção científica pode auxiliar na reflexão de nossos atos e, dessa forma, tentar contribuir para atitudes futuras. Palavras-chave: Angústia. Ficção científica. Pós- -modernidade. Educomunicação. Sociedade. Abstract: The aim of this paper is based on the interest in further studies of sci- ence fiction, and seek to draw a paral- lel between the existential problems of the contemporary world, especially the anxiety, mainly cited by Richard Sennett, Russsell Jacoby and Zygmunt Bauman, con- sidered by some as postmodern authors. Several examples are cited to support the comments made in the paper. Concepts such as happiness and freedom are put to the test, while science fiction is used as an example, emphasising the technol- ogy addiction and the denaturalization of society. It is ultimately a reflection that the reality seen in science fiction movies may help in the reflection of our actions and thus, trying to contribute to future actions. Keywords: Anguish; Science Fiction; Post- modernity; Educommunication; Society. POR QUE ESCOLHEMOS A FICÇÃO CIENTÍFICA (FC)? Inicialmente porque na contemporaneidade esse gênero de filme é o mais procurado pela população em geral. Essa busca é consequência, por um lado, da avançada tecnologia que Hollywood vem utilizando cada vez mais em seus produtos cinematográficos e televisivos e, por outro, da forte atração que nar- rativas sobre o futuro exercem, principalmente, sobre os jovens. Recebido: 22/03/2012 Aprovado: 7/05/2012
  • 26. 26 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 São os filmes de FC que costumam ter mais sucesso na bilheteria ou uma audiência maior, e são também os mais comentados pela mídia, devido, em grande parte, aos efeitos especiais. A tão almejada felicidade, que é constantemente buscada pelo ser humano contemporâneo, em todas as suas ações, acaba se tornando utópica. A alegria do dia a dia, constantemente confundida com felicidade por alguns, nada mais é do que um pré-requisito desta. A ideologia cartesiana ou “visão reacionária”, que vem carregada nas costas da ciência, demonstra que o homem é recortado ou lido como um livro, algo que se pode perceber em Gattaca1 , um filme de ficção científica que analisa uma possibilidade assustadora de seletividade: você só será aquilo que seu gene diz que você pode ser. Seus sentimentos não contam em absoluto. Roteiro que lembra muito a ideia original de Huxley, em sua utopia “Admirável Mundo Novo”. 1. Gattaca (1997), EUA, de Andrew Niccol. 2. Metrópolis (1927), de Fritz Lang. 3. SENNETT, R. A cor- rosão do caráter: con- sequências pessoais do trabalho no novo capita- lismo. 9. ed. Rio de Janei- ro: Record, 2005, p. 50. Gattaca, 1997: filme de ficção científica que mostra uma possibilidade assustadora de seletividade. Divulgação Com a era da industrialização, em meados do século XIX, tanto Diderot quanto Voltaire acreditavam que a dominação da rotina acalmaria as pessoas. Mas, junto com a rotina, evidenciada em Metrópolis2 – e em Tempos Modernos, de Charles Chaplin (Carlitos) –, também veio o tédio com a morte espiritual e a rebelião, tão temida por Platão em sua utópica República. De qualquer forma, mesmo Sennett concorda que um pouco de rotina não faz mal a ninguém, ao contrário: “Imaginar uma vida de impulsos momentâneos, de ação a curto prazo, despida de rotinas sustentáveis, uma vida sem hábitos, é imaginar na verdade uma existência irracional”3 . A era da mundialização evidencia seres humanos “locais” que, ao mesmo tempo que olham com cobiça e desejo os mundos dos outros, procuram aquietar- -se em seu próprio meio. Muitos procuram guias para orientá-los, lançando-se numa busca frenética pelos livros de autoajuda, procurando receitas milagrosas.
  • 27. 27 Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado Entretanto, as receitas não funcionam. Essa busca pode ser identificada em O guia dos mochileiros das galáxias4 , que fala da necessidade de termos um guia para transitar pelo universo. A ironia está em que, no filme, o guia, na prática, não ajuda em absolutamente nada. A corrosão de caráter de que fala Sennett começa pela fragilidade das relações entre as pessoas na contemporaneidade. A solidariedade espontânea é abandonada e substituída por uma solidão encontrada na tecnologia eletrônica e no consumismo exacerbado e individual. Troca-se uma forma de submissão de poder por outra, a da carne pela da eletrônica. A legimitividade emocional não é mais encontrada, pois foi substituída pela clara operacionalidade. Apesar disso, o reconhecimento é necessário, como nos recorda Jacoby, a dialogia é uma necessidade humana vital, sem ela não sobrevivemos. Essa necessidade de conexão com o outro é evidenciada por David Cronenberg com o filme eXistenZ (1999), onde jogadores de uma espécie de video game penetram no jogo de forma total, sentimental e corpórea (mente e corpo). O fio de conexão com o jogo é ligado diretamente na medula espinhal, e os estímulos audiovisuais são inseridos diretamente no córtex cerebral. 4. O guia dos mochilei- ros das galáxias (2005), EUA, de Garth Jennings. O guia dos mochileiros das galáxias (2005) fala da necessidade de se ter um guia para transitar pelo universo. Divulgação
  • 28. 28 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 No mundo real, a noção de futuro, tão cara à FC moderna, parece ter desaparecido. O presente é forte e constante. Não há longo prazo. Esse presente realista, que dói também, pode ser evidenciado na FC pós-moderna. O alto nível tecnológico e o baixo nível social são espelhados nos contos e roteiros atuais, transbordando realidades que espantam ou assustam os mais desavisados. Sua similaridade com nossa realidade é tanta, que, em alguns casos, o termo ficção pode até ser revisto. Décadas atrás, filmes de ficção científica como Zardoz5 ou Logan’s Run6 previam o predicamento pós-moderno de hoje: o grupo isolado vivendo uma vida ascética, numa área restrita, anseia pela experiência do mundo real, de barro material. Até o pós-modernismo, a utopia era uma tentativa de romper com o real do tempo histórico e entrar no Outro atemporal. Com a sobreposição pós-moderna do “fim da história” pela total disponibilidade do passado em memória digital, nesta época em que vivemos a utopia atemporal como a experiência ideológica do dia a dia, a utopia se torna o anseio pela Realidade da própria História, pela memória, pelos traços do passado real, numa tentativa de sair da cúpula fechada e sentir o cheiro da deteriorização da crua realidade7 . Matrix8 acentua isso, porque combina utopia com distopia, nossa realida- de é apresentada como uma realidade virtual criada por um computador, de maneira que nos restringimos a baterias humanas para a Matriz. SEGURANÇA NO FUTURO Em tempos remotos, estudar e economizar faziam parte de uma garantia de futuro, mesmo que isso estivesse diretamente relacionado com a escravidão do salário. De qualquer forma, hoje essas atitudes já não garantem o futuro, mas apenas um presente momentâneo, repleto de angústias: “Numa sociedade dinâmica, as pessoas passivas murcham”9 . A FC indica alguns futuros possíveis. Sugere, em seus enredos, que o de- sespero não é justificável, pois as respostas serão encontradas pelo próprio homo futurus, talvez “mutantes adolescentes”, oriundos de uma mutação de ideias e de conhecimentos, que misturados à criatividade, proporcionariam alternativas ainda inimagináveis para a sociedade em que vivemos. Portanto, o desespero pelo futuro pode não ser justificável, pois as novas gerações poderão encontrar soluções interessantes para os problemas de sua época. Nosso trabalho é criar moldando a história de nossas próprias vidas. Os adolescentes de hoje se juntam por interesses comuns, seja em um clube, seja em um posto de gasolina, seja através de uma comunidade digital. Têm seus próprios grupos, suas próprias tribos, o que muitas vezes preocupa seus pais, como lembra Sennett, quando comenta sobre um de seus pesquisa- dos: “perseguia-o o receio da falta de disciplina ética, sobretudo o temor de os filhos se tornarem ‘pequenos ratos’, rondando ao léu pelos estacionamentos 5. Zardoz (1974), EUA, de Jonh Boorman. 6. Logan’s Run [Fuga das Estrelas] (1976), de Michael Anderson. 7. ZIZEK, S. Matrix: ou os dois lados da perversão. In: IRWIN, W. Matrix: bem vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras, 2003, p. 280. 8. Matrix (1999), de Andy Wachowski e Larry Wachowski. 9. SENNETT, op. cit., p. 103.
  • 29. 29 Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado dos shopping centers à tarde, enquanto os pais permaneciam fora de alcance em seus escritórios”10 . E Maturana acrescenta: “a tragédia dos adolescentes é que começam a viver um mundo que nega os valores que lhes foram ensinados”11 . A negação dos adultos acaba sendo um problema. Hoje, os adolescentes se organizam também de outras maneiras. Ficam reunidos por um tipo de som (música) que, para nós, não justifica ou que não explica. Mesmo assim é um mundo de responsabilidades. Se eles estão nesse mundo, é porque eles assim o querem ou há “a emergência de um novo tipo de estudante, com novas necessidades e novas capacidades” 12 . Novas soluções poderiam ser aspiradas ou exploradas pelos jovens que um dia serão os donos do mundo. “Como educadores/as, devemos avaliar aquilo que já está ocorrendo em nossas salas de aula, quando os alienígenas entram e tomam seus assentos, esperando (im)pacientemente suas instruções sobre como herdar a terra”13 . EXISTE UM “OUTRO ESTRANHO” NA FICÇÃO CIENTÍFICA? A “pílula dourada” de Jacoby, retratando o multiculturalismo da pós-mo- dernidade, nos recorda a “pílula vermelha” de Matrix, como símbolo das muitas possibilidades do que virá a acontecer ou do que decidimos em nossas vidas. O filme demonstra a dualidade entre o escolher a pílula azul ou a vermelha, entre o ficar preso a uma realidade virtual ou acordar para a verdadeira reali- dade, mesmo que dolorosa. A decisão é difícil, mas o personagem Neo acaba decidindo enfrentar uma realidade ainda mais dura do que a da ficção gestada pela Matrix, a da pílula vermelha. Sem dúvida, uma condição que muitas vezes costumamos enfrentar em nosso cotidiano. Apesar de Jacoby apresentar o conto de FC 1984, de George Orwell, como sendo uma obra utópica, alguns autores, como Bressand e Distler, apresentam- -no como um conto antiutópico ou distópico. No fim do século XX e início do XXI, o discurso vigente das lideranças costumava afirmar que câmaras nas ruas, que geralmente passam despercebidas, são apenas para nossa segurança e não para o controle. Ora, controle e segurança estão intimamente relacionados, como nos alertava Foucault em seu Vigiar e punir. Nesse caso, onde ficaria o livre-arbítrio? O mesmo vale para os chips epidérmicos de que trata Violação de Privacida- de14 . O filme, cuja história se desenvolve em um futuro mais ou menos próximo, mostra a vida monótona de um editor de imagens (Robin Willians) que edita lembranças gravadas de pessoas que deixaram de existir. Esse tipo de controle, criticado na trama do filme, vem existindo na prática, onde verificamos chips localizadores nos cartões de crédito ou, nos recentes: chips intraepidérmicos. 10. Ibid., p. 21. 11. MATURANA, H. Emo- ções e linguagem na educação e na políti- ca. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002, p. 33. 12. GREEN, B.; BIGUM, C. Alienígenas na sala de aula. In: SILVA, T. T. (org.). Alienígenas na sala de aula; uma introdução aos estudos culturais em edu- cação. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 209. 13. Id., p. 218. 14. Violação de privaci- dade (Final CUT) (2004), EUA, de Omar Naim.
  • 30. 30 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 De certa forma, estes sistemas de rastreamento individual ofendem a “li- berdade” dos indivíduos, expondo a ilegitimidade dessas novas formas de con- trole, mais sutis e imperceptíveis. Os processos foram invertidos do pan-óptico de Foucault para o sinóptico sugerido por Bauman: “A obediência aos padrões tende a ser alcançada hoje em dia pela tentação e pela sedução e não mais pela coerção – e aparece sob o disfarce do livre-arbítrio, em vez de revelar-se como força externa”15 . O “Grande Irmão” tomou uma nova forma, mais perspicaz do que a prevista por Orwell, maior e invisível, o manipulador das marionetes. “A repulsa à rotina burocrática e a busca da flexibilidade produziram novas estru- turas de poder e controle, em vez de criarem as condições que nos libertam”16 . Em se tratando de estranhos e de seu papel na sociedade, Bauman nos alerta para suas possíveis utilidades. Esses poucos fatos anunciam o novo papel atribuído aos pobres na nova versão da “classe baixa”, ou da “classe além das classes”: ela não é mais o “exército de reserva da mão de obra” mas, verdadeiramente, a “população redundante”. Para que serve? Para o fornecimento de peças sobressalentes para consertar outros corpos?17 . Na FC a “classe baixa” também pode ser vista de forma diferente, todos os que morreram podem ser cobaias do futuro, como verificamos no filme Free Jack18 , com Mick Jagger e Anthony Hopkins – onde não existe o tráfico de órgãos para peças sobressalentes, mas, em contrapartida, existe o tráfico de corpos inteiros! Espelhando-se nos estranhos de Bauman, um piloto de provas (Emilio Estevez), que historicamente já havia morrido, é raptado um segundo antes de sua morte por viajantes do tempo vindos do futuro. O objetivo deles era utilizá-lo — visto que historicamente estava morto — como hospedeiro de uma nova mente milionária (Hopkins), que recusava aceitar sua morte, mas que podia pagar por toda essa operação. Numa sociedade sinóptica de viciados em comprar/assistir, os pobres não podem desviar os olhos; não há mais para onde olhar. Quanto maior a liberdade na tela (…) tanto mais irresistível se torna o desejo de experimentar, ainda que por um momento fugaz, o êxtase da escolha19 . Vídeo Drome20 é a FC que mais se aproxima dessa realidade, mostrando a “classe baixa” totalmente dependente da televisão, a ponto de os estranhos terem que frequentar clínicas públicas especializadas no atendimento dos vi- ciados em raios catódicos. Nós também esquecemos os estranhos de Bauman, quando mergulhamos em nossa vida diária, quando caminhamos pelas ruas e evitamos certos lugares (ou não lugares), pois sabemos que ali existem os que não queremos lembrar que existem. Lamentavelmente essa imposição pós-moderna está piorando a cada dia, quando, em vez de nos preocuparmos em diminuir a pobreza, em atingir sua raiz, nos preocupamos com a segurança de nós e de nossos filhos. Sempre procuramos o caminho mais fácil, o menos doloroso, o mais egoísta, sem dúvida, e o pior é que não temos vergonha disso. 15. Id. Modernidade lí- quida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 101. 16. SENNETT, op. cit., p. 54. 17. BAUMAN, Z. O mal estar da pós-modernida- de. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 54. 18. Free Jack (1992), EUA, de Geoff Murphy. 19. BAUMAN, Z. Moderni- dade líquida, cit., p. 104. 20. Vídeo Drome (1983), CANADÁ/EUA, de David Cronemberg.
  • 31. 31 Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado A IMAGEM DO ESCOLHIDO EM “MATRIX” De uma forma análoga à risada enlatada (das comédias de situação na TV), temos aqui algo semelhante a uma dignidade enlatada, em que o Outro (o “Escolhido”) retém minha dignidade em meu lugar, ou, mais precisamente, em que eu retenho minha dignidade por meio do Outro. Eu posso ser redu- zido à cruel luta pela sobrevivência, mas a própria percepção de que existe o “Escolhido” retém minha dignidade e permite-me manter um elo mínimo com a humanidade21 . O escolhido, que pode ser a imagem do pai, do amigo ou do professor, muitas vezes é derrubado ou desmascarado, e nesses casos a vontade de viver desaba, a vontade de sobreviver desaparece com ele, com o outro. Matrix apre- senta isso em seu primeiro filme, na imagem de Neo, o protagonista da trilogia. Ele mesmo tinha dúvidas quanto à existência dele ser o outro, o escolhido. Essa dúvida gera tensão entre Neo e seus companheiros, que acabam traindo-o. SOMOS LIVRES? A liberdade “ameaça mais sombria [porém] atormentava o coração dos filósofos: que as pessoas pudessem simplesmente não querer ser livres e rejei- tassem a perspectiva da libertação pelas dificuldades que o exercício da liber- dade pode acarretar”22 . Matrix é, sem dúvida, o melhor exemplo das bênçãos mistas da liberdade que podemos encontrar na FC cinematográfica citadas como exemplo na versão apócrifa da Odisseia, em que Ulisses descobre, após 21. IRWIN, op. cit., p. 274. 22. BAUMAN, Z. Moder- nidade líquida, cit., p. 25. Matrix (1999), combina utopia com distopia. Divulgação
  • 32. 32 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 libertar seus “leais” e decepcionados marinheiros, que preferiam continuar na forma de porcos. Em um momento de clímax do filme, Cypher, um dos protagonistas secun- dários, para surpresa do público, opta por continuar sendo escravo da máquina, para não perder os prazeres de sua mordomia utópica. Ele está no mundo virtual, sentado à mesa em um restaurante, em frente ao agente Smith, degustando um saboroso filé e negociando sua liberdade e a de seus companheiros23 . A ilusão foi preferida, em detrimento da realidade nua e crua. Jacoby, parafraseando David Bromwich, pergunta-se: “Os intelectuais se oporiam a escravidão?”. Sair da Caverna de Platão em Matrix é o mesmo que sair do controle das máquinas que dominavam a humanidade. O problema é que, apesar da eston- teante realidade demonstrar um conceito de liberdade, existiam pessoas livres que preferiam a liberdade vigiada, retornando à Caverna e preferencialmente, ao contrário de Platão, levando consigo todo o restante, para que ninguém mais pudesse enxergar a verdade. A liberdade aparente que temos ou a liberdade que não queremos. “Esforços para manter a distância o outro, o diferente, o estranho e o estrangeiro, e a decisão de evitar a necessidade de comunicação”24 . Na série Além da Imaginação, da década de 1985, o episódio denominado “O Homem Invisível”25 retrata exatamente isso. O protagonista Cotter Smith, que feriu a lei de sua cidade cometendo um crime antissocial, leva uma marca em sua testa e, apesar de estar sendo visto pela população, todos fingem não vê-lo e, dessa forma, o personagem sofre as consequências de ser um homem invisível ou um estranho. Apenas quando retirarem sua marca, ou seja, após ter cumprido sua pena, é que voltarão a falar com ele, como se tivesse retornado de uma longa viagem. A sequência final é brilhante: o protagonista avista uma colega com a tal marca, vivendo a mesma situação que ele , e tendo se tornado uma mulher invisível, mas cede às pressões e conversa com ela. Sabia que era apenas questão de tempo para que a marca não tivesse mais efeito cultural. Jacoby alerta para o fato de que os estadunidenses, apesar do discurso multicultural, não demonstram na prática interesse pelas línguas de outras culturas. Analogamente ao filme, agem como se as outras línguas estivessem portando a marca da invisibilidade social. Os estranhos de Bauman também podem ser evidenciados no filme distó- pico Blade Runner [O Caçador de Androides]26 , em uma história de androides idênticos aos seres humanos que, para escapar do trabalho nas minas do planeta Marte, fogem para a Terra, no intuito de viverem em meio às pessoas, para dessa forma passarem-se por humanos (serem livres). O policial Rick Deckard (Harrison Ford) é contratado pela polícia de Los Angeles (que mais parece uma Hong Kong em decadência) para descobrir onde estão os androides e recapturá-los. Deckard aprofunda-se na investigação e descobre, ao final do filme, que o fato de querer ser humano em uma sociedade decadente como a Terra era impraticável para os androides. Também questiona se os estranhos eram eles, os androides, ou nós, os humanos. A própria identidade de Deckard é 23. DANAHAY, M. A.; RIEDER, D. Matrix, Marx e a vida de uma bateria. In: IRWIN, op. cit. 24. BAUMAN, Z. Mo- dernidade líquida, cit., p. 126. 25. O Homem Invisível [To See the Invisible Man] (1985), EUA, de Robert Silverberg. 26. Blade Runner, o Caçador de Andróides (1982), EUA, de Ridley Scott.
  • 33. 33 Ficção científica: utopia ou distopia? • Carlos Alberto Machado colocada em dúvida quanto a sua autenticidade humana, por um colega policial Hannibal Chew (James Hong), que a certa altura do filme o trata como um estranho. Essa evidência é demonstrada na cena em que seu colega deixa, em frente ao elevador, uma réplica em papel de um unicórnio, imagem principal implantada nos sonhos de Deckard. Um final para levar muitos a refletirem sobre a situação de Deckard e sobre o rumo que a humanidade pode vir a tomar. ALGUMA CONCLUSÃO? Como toda a encruzilhada evolutiva, não sabemos para onde esta nos levará. As classes dominantes jamais abdicam do poder, mesmo que este as leve à destruição. Assim, inteligências artificiais cada vez mais possantes serão desenvolvidas com o objetivo de serem utilizadas nesse grande xadrez mundial pelo poder, abrindo as portas, talvez, para a nossa destruição27 . A contemporaneidade mostra uma busca pelo prazer diário, mesmo que supérfluo, um consumo no sentido de digerir. Literatura, cinema, jogos virtuais, comida e bebida. Tudo que esteja sendo comentado, divulgado na cultura de massa. Essa fuga pelo consumo não apazigua sua busca por si mesmo, confun- dido-se com a busca pela sociedade, pelo reconhecimento nela. A busca por si deve ser constante. A dificuldade é que, no meio dessa busca, devemos mudar, e toda mudança implica não só uma perda, mas também aceitar a perda, e não é fácil. O processo de mudança é essencial, mas difícil. Sennet aponta para a falta de relacionamentos objetivos e duráveis como uma solução para o problema da inquietação e da angústia. Isso também se evidencia nos jogos virtuais de computador, que estão cada vez mais reais e sedutores. Matrix pode servir de alerta para situações análogas que estão por vir? A escola por sua vez tem que aprender a trabalhar com esse processo de cons- trução social que, além das experiências educacionais, também inclui, como lembra Green e Bigum, os meios de comunicação de massa, rock, cultura da droga e outros fatores subculturais. Eles também recordam que é cada vez mais urgente a necessidade de “pensarmos de forma diferente”. Precisamos reimaginar a “imaginação investigativa educacional”28 . Dessa forma, os autores concluem que: argumentamos que é importante interagir ativamente com os novos insights e imagens proporcionados pelo pós-modernismo cultural e pela nova ciência. Como tem sido assinalado por vários analistas [...], parece haver uma convergência geral e extremamente produtiva entre a teoria social e a ficção científica29 . Desse modo, explorá-la no conceito educacional, como esse artigo, se torna essencial. Jacoby, em seu O fim da utopia, admite que a linguagem é reveladora e a diversidade determina os caminhos a serem seguidos. Os conservadores que o negam ficam à beira do caminho. 27. TORRIGO, M. Prólogo a Matrix. In: IRWIN, op. cit., p. 28. 28. GREEN, B.; BIGUM, C. Alienígenas na sala de aula. In: SILVA, T. T. (org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em edu- cação. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 211. 29. Id.
  • 34. 34 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. ______. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. DANAHAY, M. A.; RIEDER, D. Matrix, Marx e a vida de uma bateria. In: IRWIN, Willian. Matrix: bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras, 2003. FOUCAULT, M. Vigiar e punir. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. GREEN, B.; BIGUM, C. Alienígenas na sala de aula. In: SILVA, T. T. (org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995. IRWIN, W. Matrix: bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras. 2003. JACOBY, R. O fim da utopia: política e cultura na era da apatia. Rio de Janeiro: Record, 2001. MATURANA, H. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Russel, 1996. SENNETT, R. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. 9. ed. Rio de Janeiro: Record, 2005. TORRIGO, M. Prólogo a Matrix. In: IRWIN, Willian. Matrix: bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras, 2003. ZIZEK, S. Matrix: ou os dois lados da perversão. In: IRWIN, Willian. Matrix: bem- vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras, 2003.
  • 35. 35 Histórias em quadrinhos como suporte pedagógico: o caso Watchmen Waldomiro Vergueiro Professor titular e coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. E-mail: wdcsverg@usp.br Douglas Pigozzi Mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. E-mail: douglas.pigozzi@usp.br Resumo: Discute a importância das his- tórias em quadrinhos como suporte nos procedimentos pedagógicos, em especial sua aplicação no ensino de temas próprios das Ciências Sociais, por meio de um es- tudo de caso utilizando a obra Watchmen, do roteirista britânico Alan Moore. Busca estudar a proficiência no entendimento das mensagens transmitidas pelos códigos escritos e visuais, quando apresentados em conjunto. Relaciona especificamente as características da aplicação da linguagem gráfica sequencial às técnicas de ensino. Palavras-chave: Histórias em quadrinhos; Educação; Ciências Sociais; Sociologia; Teoria do Caos. Abstract: The paper discusses the im- portance of comics as support in the educational procedures, particularly its application in the teaching of Social Sci- ences subjects, through a case study us- ing the work Watchmen, by the English writer Alan Moore. It also studies the proficiency in the understanding of the messages conveyed by written and visual codes, when presented together. Finally, it relates the characteristics of application of graphic sequential language to the teach- ing techniques. Keywords: Comics; Education; Social Sci- ences; Sociology; Chaos Theory. INTRODUÇÃO As histórias em quadrinhos possuem várias aplicações didáticas nas disci- plinas do Ensino Médio. No caso específico das Ciências Sociais, é adequado mencionar que seria possível, por meio do suporte de informação quadrinhos, tratar dos diversos processos que auxiliam numa melhor compreensão das ca- racterísticas tidas como “naturais” nas sociedades contemporâneas. Recebido: 29/05/2012 Aprovado: 15/08/2012
  • 36. 36 comunicação & educação • Ano XVIII • número 1 • jan/jun 2013 Os quadrinhos têm significativa importância pedagógica, por ser um meio facilitador de transmissão de informação, ou seja, por auxiliar na transmissão dos fluxos de mensagens. Além disso, também possibilitam construir sentido e produzir informações de forma singular, quando comparados a outros recursos informacionais1 . Também se ressalta que os quadrinhos apresentam uma linguagem diferen- ciada dos outros meios de acesso à informação, possuindo vários mecanismos comunicativos de destacada riqueza, o que permite potencializar a sua capacidade de expressão e comunicação. Neles existem dois códigos que interagem para a transmissão das mensagens: o linguístico (as palavras utilizadas nas narrações) e o pictórico (imagens). Além desses dois códigos, existem também diversos elementos característicos da linguagem quadrinística, como os balões, as linhas de movimento, as onomatopeias e as metáforas visuais. Entre as diversas obras em quadrinhos que podem colaborar no objetivo antes mencionado, a graphic novel Watchmen, escrita pelo autor britânico Alan Moore2 , destaca-se por sua complexidade nas esferas da estética, da política e da sociedade. Sua aplicação na área educativa tem sido abordada na literatura da área, revelando benefícios palpáveis no processo de aprendizagem3 . A GRAPHIC NOVEL WATCHMEN É adequado ressaltar que, antes de Watchmen, Alan Moore escreveu várias obras importantes, buscando temas de complexo entendimento na sociedade contemporânea, tais como o fascismo, as greves, a guerra nuclear, os protestos sociais e políticos, além de seres alienígenas. Originalmente, uma minissérie produzida em 12 edições mensais, Watchmen foi escrita por Moore entre 1986 e 1987. A obra contou também com a participação de Dave Gibbons e John Higgins, no trabalho de ilustração e cores, respectivamente. Seu sucesso fez com que, posteriormente, em 2009, ela fosse transposta à linguagem cinematográfica4 . Watchmen traz conteúdos que tratam de diversos aspectos culturais, econô- micos, políticos e sociais, sendo uma produção já clássica nos quadrinhos. Tem como ponto de partida o real impacto da presença de vigilantes e super-humanos em nosso mundo e o modo como eles se relacionariam com os seres humanos comuns. A graphic novel Watchmen expõe ao leitor um grupo de super-heróis que combate o crime, mas que, ao mesmo tempo, apresenta distúrbios mentais e, por vezes, sexuais. A obra fala de questões que os quadrinhos mainstream – ou seja, produzidos pela grande indústria – raramente tratavam até aquele momento, tais como a degradação humana em função da ignorância de uma maioria. Anteriormente, apenas os quadrinhos underground – ou independentes – discutiam com mais constância essas temáticas. São 6 os protagonistas da história: Rorschach; Ozymandias; o Comediante; o Coruja (que, na verdade, são dois personagens, o idoso e já aposentado Coruja 1. A esse respeito, ver: BARI, Valéria Aparecida. O potencial das histórias em quadrinhos na forma- ção de leitores. 2008. Tese (Doutorado em Ci- ências da Comunicação). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2008; CAPU- TO, Maria Alice Romano. História em quadrinhos: um potencial de informa- ção inexplorado. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciências da Informação). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, 2003; RAMA, Ângela; VERGUEIRO, Wal- domiro (org.). Como usar as histórias em quadri- nhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2005; VERGUEIRO, Waldomiro; RAMOS, Paulo. Quadri- nhos na educação. São Paulo: Contexto, 2009. 2. MOORE, Alan; GIB- BONS, Dave. Watchmen. São Paulo: Panini Brasil, 2009. 3. HARRIS-FAIN. Dar- ren. Revisionist superhero graphic novels: teach- ing Alan Moore’s Watch- men and Frank Miller’s Dark Knight Books. In: TABACHNICK, Stephen. Teaching the graphic novel. New York: The Modern Language Asso- ciation of America, 2009. p. 147-154. 4. WATCHMEN. Direção: Zack Snyder.Legendary Pictures; DC Comics, 2009. 1 bobina cinema- tográfica (162 min.), color.