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INSTITUTO BRASILEIRO DE POLÍTICA E DIREITO DO CONSUMIDOR
CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Vol. 1
EDITORA AFILIADA
BIBLIOTECA DE DIREITO DO CONSUMIDOR (p. 1)
INSTITUTO BRASILEIRO DE POLÍTICA E DIREITO DO CONSUMIDOR
Vol. 1 - Contratos no Código de Defesa do Consumidor - 3ª edição,
revista, atualizada e ampliada - Cláudia Lima Marques.
BIBLIOTECA DE DIREITO DO CONSUMIDOR
1. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. revista, atualizada
e ampliada - Cláudia Lima Marques.
2. Proteção do consumidor no contrato de compra e venda - Alberto do Amaral
Júnior.
3. Responsabilidade civil do fabricante e a defesa do consumidor - José
Reinaldo de Lima Lopes.
4. Responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto no direito
brasileiro - Sílvio Luís Peneira Rocha.
5. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto (Os acidentes do
consumo no Código de Proteção e Defesa do Consumidor) - James Marins.
6. Controle das cláusulas contratuais abusivas - Teoria e prática - Coordena-
ção: Antonio Herman V. Benjamin.
7. Proteção ao Consumidor - Maria Antonieta Zanardo Donato.
8. Código do Consumidor comentado. 2. ed. revista e ampliada, 2ª tiragem -
Arruda Alvim, Thereza Alvim, Eduardo Arruda Alvim e James Marins.
9. Condições gerais do contrato de adesão e contratos de consumo sob a ótica
do Código do Consumidor - Renata Mandelbaum.
10. Direito do consumidor - Aspectos práticos - Perguntas e respostas - Newton
de Lucca.
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Marques, Cláudia Lima
Contratos no Código de Defesa do Consumidor. o novo regime das relações
contratuais / Cláudia Lima Marques. - 3. ed. rev., atual, e ampl., incluindo
mais de
250 decisões jurísprudenciais. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais,
1998. -
(Biblioteca de direito do consumidor; v. 1).
Bibliografia.
ISBN 85.203.1691-3
1. Consumidores - Leis e legislação - Brasil. 2. Consumidores - Proteção -
Brasil. 3. Contratos. 4. Contratos - Brasil. I. Titulo.
II. Série.
98-4620 CDU-347.44:381.6 (81)
Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil : Contratos e consumidores -
Direito
347.44:381.6(81) (p. 2)
CLÁUDIA LIMA MARQUES
CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
O novo regime das relações contratuais
3ª edição
revista, atualizada e ampliada,
incluindo mais de 625 decisões jurisprudenciais
BIBLIOTECA DE DIREITO DO CONSUMIDOR - 1
EDITORA RT
REVISTA DOS TRIBUNAIS (p. 3)
INSTITUTO BRASILEIRO DE POLÍTICA E DIREITO DO CONSUMIDOR - v. 1
Biblioteca de Direito do Consumidor
CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
3ª edição - revista, atualizada e ampliada,
incluindo mais de 625 decisões jurisprudenciais
CLÀUDIA LIMA MARQUES
1ª edição: 1992 - 2ª edição: 1995.
© desta edição: 1999
EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA.
Diretor Responsável: CARLOS HENRIQUE DE CARVALHO FILHO
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(art. 184
e parágrafos do Código Penal) com pena de prisão e multa, busca e apreensão e
indenizações
diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos
Autorais).
Impresso no Brasil (01 - 1999*)
ISBN 85-203-1691-3 (p. 4)
Aos meus mestres, brasileiros e alemães
e ao amigo Antônio Herman Benjamin,
em agradecimento pelo estímulo
e segura orientação intelectual.
A Johannes Doll, esposo e companheiro. (p. 5)
(p. 6, em branco)
APRESENTAÇÃO
"qui dit contractuel dit juste"{1}
Em 1933, Louis Josserand manifestava sua preocupação com o
fim daquilo que chamou a "idade de ouro"{2} da liberdade contratual. Ao
revés do que temia o grande jurista francês, o princípio da autonomia
da vontade - e de resto toda a teoria do contrato - hoje está mais forte
do que nunca, já que mecanismos foram e estão sendo idealizados para
corrigir suas imperfeições. E, entre todos os afetados por tais imper-
feições e exageros da teoria contratual clássica, o consumidor desponta
como sua maior vítima.
Na Exposição de Motivos do Segundo Substitutivo do Projeto de
Código de Defesa do Consumidor (CDC), de autoria do Deputado
Geraldo Alckmin e que está na origem do texto hoje vigente, assim
escrevemos: "a proteção do consumidor deve abranger todos os
aspectos do mercado de consumo. Muitas vezes - como no caso de
publicidade enganosa - o consumidor é lesado sem que sequer tenha
chegado a firmar efetivo contrato com o fornecedor. Mas é no instante
da contratação que a fragilidade do consumidor mais se destaca. É
também neste momento que as normas legais existentes, especialmente
aquelas do Código Civil, se mostram incapazes de lhe assegurar
proteção eficaz".
A proteção contratual do consumidor, de fato, está no âmago do
direito do consumidor E, passado um ano da vigência do CDC, não
se publicou nenhuma obra que cuide, com exclusividade, do novo
regime contratual instaurado.
* (1) Palavras de Fouillée, inspirado no pensamento de Kant.
(2) Josserand, Louis "Le contrat dirigé". In Recueil Hebdømadaire, n.
32,
chronique, 1933, p. 19. (p. 7)
Não é, pois, sem razão que o Instituto Brasileiro de Política e
Direito do Consumidor sente-se profundamente honrado em iniciar sua
coleção Biblioteca de Direito do Consumidor, editada pela Revista dos
Tribunais, com o livro Contratos no Código de Defesa do Consumidor.
O Novo Regime das Relações Contratuais, de autoria da professora
Cláudia Lima Marques.
Conheci a professora Cláudia Lima Marques no "1.º Congresso
Europeu Sobre Condições Gerais dos Contratos", realizado em Coimbra,
em maio de 1988, quando eu era o relator brasileiro. Logo em seguida
a visitei na Alemanha, onde ela concluía seu mestrado.
Em contato com seus professores alemães pude perceber a imensa
estima que eles sentiam pela agora autora. Seu campo de pesquisa, já
naquela época, se encaminhava para a proteção contratual do consu-
midor.
Alguns aspectos da personalidade de Cláudia Lima Marques não
posso deixar de ressaltar aqui, mesmo correndo o risco de dizer muito
menos do que gostaria ou do que ela merece.
Sua juventude é o primeiro traço que chama atenção de qualquer
um que a encontre pela primeira vez. Mas por trás de suas feições
jovens, de imediato se percebe duas outras de suas qualidades: um
grande senso de responsabilidade - "germânica", se preferirem - e uma
vinculação perene com a defesa do interesse público. Realmente, em
todos os seus escritos e trabalhos vamos sempre encontrar o fio da
preocupação com os "vulneráveis" ou "débeis" da sociedade industrial
(weaker parties), massificados ou não. E, entre estes, a autora escolheu
o consumidor como seu objeto de pesquisa e de formulação jurídica.
Professora concursada da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, um dos membros mais ativos do Instituto Brasileiro de Política e
Direito do Consumidor, com importante papel na criação de sua seção
gaúcha, a autora tem diversos artigos sobre esta matéria publicados. É,
sem dúvida, um dos expoentes da nova geração de juristas que desponta
no país.
Mas será que o tema em questão merece realmente os estudos de
pessoa tão qualificada? Será que o consumidor e os contratos em que
é parte (contratos de consumo) são realmente dignos de uma pesquisa
aprofundada? Ou, indo mais longe, não seria pretensioso desejar,
através do estudo da posição jurídica do consumidor, reformar toda a
teoria dos contratos? (p. 8)
A resposta é bem simples: sem consumidor não há sociedade de
consumo, sem esta não há mercado e sem mercado não há contratação
massificada. Assim, estudar e regular o status contratual do consumidor
é, em último caso, afetar a grande maioria dos contratos firmados no
cotidiano do mercado.
A revolução industrial trouxe consigo a revolução do consumo.
Com isso, as relações privadas assumiram uma conotação massificada,
substituindo-se a contratação individual pela coletiva. Os contratos
passaram a ser assinados sem qualquer negociação prévia, sendo que,
mais e mais, as empresas passaram a uniformizar seus contratos,
apresentando-os aos seus consumidores como documentos pré-impres-
sos, verdadeiros formulários. Foi, por um lado, um movimento positivo
de transformação contratual ao conferir rapidez e segurança às transa-
ções na sociedade massificada. Mas o fenômeno trouxe, igualmente,
perigos parA os consumidores que aderem globalmente ao contrato,
sem conhecer todas as cláusulas".{3}
Mas não se imagine que a proteção contratual do consumidor seja
um problema brasileiro ou de terceiro mundo apenas. É um tema
universal que, de uma forma ou de outra, vem sendo enfrentado pelo
legislador desde o Código Civil italiano de 1942.
No Brasil, antes do CDC, não fazia mesmo sentido se falar em
proteção contratual do consumidor, já que este, assim denominado,
inexistia como entidade jurídica com perfil próprio. Havia, isso sim, ja
um esforço da jurisprudência no sentido de mitigar o rigor do nosso
Código Civil e o apego descomedido da doutrina a certos princípios que,
diante da sociedade de produção e consumo em massa, gritavam por
reforma.
Quando falamos em contratos no Código de Defesa do Consumi-
dor estamos, efetivamente, cuidando de contratos de consumo. E
quando estudamos os contratos de consumo ou sobre eles legislamos
assim o fazemos em razão de algo que poderíamos denominar de
vulnerabilidade contratual do consumidor. É esse fenômeno jurídico
- mas também econômico e social - que leva o legislador a buscar
formas de proteger o consumidor
* (3) Calais-Auloy, Jean. Droit de la Consommation. Paris, Dalloz, 1986,
p. 143. (p. 9)
No plano da teoria do contrato, proteger o consumidor é, antes de
mais nada, um esforço de pesquisa da tipologia dessa vulnerabilidade,
de resto reconhecida ope legis (CDC, art. 4.º, I).
Na vida do mercado, busca-se tutelar o consumidor principalmen-
te em dois aspectos: na sua integridade físico-psíquica e na sua
integridade econômica. Muitos, com acerto, dirão que a tutela da saúde
do consumidor sobrepõe-se à sua proteção econômica. Mas a verdade
é que, além dessa preocupação sobre em relação a que proteger o
consumidor (integridade físico-psíquica ou integridade econômica), há
também uma outra sobre o quando tutelá-lo. E, neste ponto, a questão
contratual se torna central.
A fragilidade do consumidor manifesta-se com maior destaque em
três momentos principais de sua existência no mercado: antes, durante
e após a contratação. É, portanto, com os olhos voltados para o iter
contratual do consumidor que o legislador e os órgãos de implemen-
tação atuam. Em outras palavras: toda a vulnerabilidade do Consumidor
decorre, direta ou indiretamente, do empreendimento contratual e toda
a proteção é ofertada na direção do contrato. Daí a importância que
assume a matéria contratual no amplo círculo de proteção do consu-
midor.
Muito mais do que ocorre com o resguardo da saúde do consu-
midor, a tutela da sua integridade econômica (aí se incluindo a proteção
contratual) é uma questão de posição jurídica do sujeito amparado.
Aqui a proteção se dá em favor de quem contrata ou é estimulado a
contratar. O que se quer, por essa via, é a alteração da correlação de
forças, no plano econômico e jurídico, entre consumidores e fornece-
dores, francamente desfavorável àqueles. Como se vê, e não há como
fugir, tal tutela opera sobre ou ao redor do contrato de consumo.
Para auxiliar na superação das dificuldades contratuais do consu-
midor o direito tem articulado soluções as mais diversas, muitas de
caráter cosmético, outras atuando apenas no plano da informação e
umas poucas reconhecendo, pura e simplesmente, que o princípio da
autonomia da vontade exige uma profunda reflexão e, a partir, daí,
verdadeira revisão.
É importante, contudo, salientar que todo o esforço de reforma do
regime contratual encetado pelo direito do consumidor não visa arrasar
e sim aperfeiçoar a liberdade contratual. Seria, por assim dizer, uma
tentativa - nem a primeira, nem a última - de preservar a essência do (p. 10)
princípio. Conseqüentemente, o direito do consumidor não contesta a
validade da liberdade contratual (da mesma forma que não ataca o
regime da propriedade privada) mas, simplesmente, se insurge contra
a forma como ela tem se manifestado, em especial no mercado de
consumo.
Já em 1943, Friedrich Kessler, com muita propriedade, escrevia
que "a liberdade contratual permite que as empresas legislem através
de contratos e, o que é até mais importante, legislem de uma forma
autoritária sem que para tanto tenham que usar uma aparência autori-
tária. Os contratos de adesão, em particular, podem, pois, se tornar
instrumentos eficazes nas mãos de senhores feudais todo poderosos da
indústria e do comércio, permitindo-lhes impor sua própria nova ordem
feudal e subjugando um grande número de vassalos".{4}
A liberdade contratual, realmente como princípio absoluto -
sempre deu azo a inúmeros abusos. Ora, eram exageros, relacionados
com o discernimento do contratante débil, ora eram percalços oriundos
da liberdade plena de um dos contratantes e da ausência de liberdade
do outro. Tudo a provocar discrepância entre a vontade real e a vontade
declarada do consumidor. A teoria jurídica, em tais circunstâncias,
servia somente para amparar um mito de equilíbrio.
Os institutos clássicos de contenção dos abusos criados pelo
princípio da autonomia da vontade não amparavam, em absoluto, o
consumidor. Na fase da sociedade pessoal, antes do surgimento da
sociedade de consumo, na medida em que, de regra, só uma pequena
parcela da população detinha os meios de produção, é evidente que só
uns poucos, de fato, contratavam repetidamente. E para esta minoria
os instrumentos tradicionais se mostravam eficazes, que não fossem
para impedir, mas ao menos para reparar os vícios da liberdade
contratual.
Com o aparecimento da sociedade de massa os partícipes no
mercado se multiplicaram e os contratos explodiram em quantidade. Na
sociedade moderna o contrato deixou de ser um privilégio da minoria
e incorporou-se ao dia a dia do cidadão comum, em especial do
consumidor E em uma situação de explosão contratual os remédios
contratuais clássicos mostraram-se totalmente inadequados.
* (4) Kessler, Friedrich. "Contracts of adhesion - Some thoughts about
freedom
of contrat". In Columbia Law Review, vol. XLIII, maio, 1943, n. 4, p. 640. (p.
11)
É sob esse pano de fundo que surge o CDC e, agora, o livro da
professora Cláudia Lima Marques.
A autora, evidentemente, conhece o assunto da proteção contratual
do consumidor, mas não o esgota em seu livro. Como diz muito
modestamente, logo no pórtico de seu trabalho, trata-se de "uma
contribuição ao estudo dos reflexos do Código de Defesa do Consu-
midor no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no que se
refere ao regime das relações contratuais". Uma excelente e oportuna
contribuição.
Na primeira metade da Parte I, verdadeira introdução crítica,
Cláudia Lima Marques analisa "a renovação da teoria contratual",
distinguindo, nos passos da Comissão das Comunidades Européias,
contrato de adesão e contratos submetidos a condições gerais. Conclui
afirmando que o CDC, como "conseqüência da nova teoria contratual",
"é um reflexo de uma nova concepção mais social do contrato, onde
a vontade das partes não é a única fonte das obrigações contratuais,
onde a posição dominante passa a ser a da lei, que dota ou não de
eficácia jurídica aquele contrato de consumo".
Em seguida, na segunda metade da Parte I, a autora enfrenta um
dos maiores desafios da interpretação do CDC, ou seja, a identificação,
dentre as diversas modalidades de contratos, daqueles que se submetem
ou não ao regime codificado. A questão é da mais alta relevância. Basta
que lembremos a polêmica levantada pelos bancos - hoje totalmente
superada - sobre a inclusão de seus contratos na malha do CDC. Mais
recentemente, discutiu-se, nas páginas de O Estado de S. Paulo, a
questão dos contratos de transporte aéreo internacional.
A primeira metade da Parte II cuida da proteção do consumidor
na formação do contrato, analisando em profundidade o desapareci-
mento da regra do caveat emptor e o surgimento de uma obrigação geral
de informar, seja no momento publicitário, seja em instante mais
próximo da contratação propriamente dita ou até mesmo no âmbito do
próprio contrato.
Finalmente, na última metade da Parte II, a autora dedica-se a
proteção do consumidor quando da execução do contrato. É aí que
analisa as regras básicas norteadoras da interpretação dos contratos de
consumo, a proibição das cláusulas contratuais abusivas, o controle
judicial dos contratos de consumo e os diversos tipos de vícios de
produtos e serviços. (p. 12)
Se é certo que não concordamos em tudo e tudo com as posições
da autora, também podemos afirmar que não vacilaríamos em subscre-
ver sua obra por inteiro. E foi exatamente com esse espírito que a
recomendamos à editora e ao próprio Instituto de Política e Direito do
Consumidor.
ANTONIO HERMAN V. BENJAMIN
Membro do Ministério Público de SÃo Paulo
Mestre em Direito pela University of Illinois, EUA.
um dos redatores do Código de Defesa do Consumidor
e presidente do Instituto Brasileiro de Política
e Direito do consumidor. (p. 13)
(p. 14, em branco)
SUMÁRIO
Abreviaturas 21
Introdução à terceira edição 23
Introdução à segunda edição 27
Introdução à primeira edição 31
PARTE I - A RENOVAÇÃO DA TEORIA CONTRATUAL
1. A NOVA TEORIA CONTRATUAL 35
1. A concepção tradicional do contrato 37
1.1 Características principais 38
1.2 Origens da concepção tradicional de contrato 40
a) O direito canônico 40
b) A teoria do direito natural 41
c) Teorias de ordem política e a revolução francesa 42
d) Teorias econômicas e o Liberalismo 43
1.3 Reflexos da teoria contratual e do dogma da autonomia da
vontade 44
a) A liberdade contratual 45
b) A força obrigatória dos contratos 47
c) Os vícios do consentimento 47
2. A nova realidade contratual 49
2.1 Noções preliminares: Os contratos de massa 49
2.2 Os contratos de adesão 53
a) Descrição do fenômeno 53
b) A formação do vínculo 56
c) A disciplina dos contratos de adesão 58 (p. 15)
2.3 As condições gerais dos contratos (cláusulas contratuais ge-
rais) 59
a) Descrição do fenômeno 59
b) A inclusão de condições gerais nos contratos 62
c) A disciplina das condições gerais dos contratos 66
2.4 Os contratos cativos de longa duração 68
a) Descrição do fenômeno 68
b) A estrutura dos contratos cativos de longa duração 74
c) Disciplina 77
2.5 As cláusulas abusivas nos contratos de massa 80
3. Crise na teoria contratual clássica 84
3.1 Crise da massificação das relações contratuais 84
3.2 Crise da pós-modernidade 89
4. A nova concepção de contrato e o Código de Defesa do Consu-
midor 101
4.1 A nova concepção social do contrato 101
a) Socialização da teoria contratual 102
b) Imposição do princípio da boa-fé objetiva 105
c) Intervencionismo dos Estados 116
4.2 O Código de Defesa do Consumidor como conseqüência da nova
teoria contratual 117
a) Limitação da liberdade contratual 118
b) Relativização da força obrigatória dos contratos 122
c) Proteção da confiança e dos interesses legítimos 126
d) Nova noção de equilíbrio mínimo das relações contra-
tuais 133
2. CONTRATOS SUBMETIDOS ÀS REGRAS DO CÓDIGO DE DE-
FESA DO CONSUMIDOR 139
1. Contratos entre consumidor e fornecedor de bens ou serviços 140
1.1 Conceitos de consumidor e de fornecedor 140
a) O consumidor stricto sensu 140
b) Agentes equiparados a consumidores 153
c) O fornecedor 162 (p. 16)
1.2 Contratos de fornecimento de produtos e serviços 163
a) Contratos imobiliários 166
b) Contratos de transporte, de turismo e viagem 174
c) Contratos de hospedagem, de depósito e estacionamento 182
d) Contratos de seguro e de previdência privada 187
e) Contratos bancários e de financiamento 197
f) Contratos de administração de consórcios e afins 206
g) Contratos de fornecimento de serviços públicos 209
h) Compra e venda e suas cláusulas 215
i) Compra e venda com alienação fiduciária 216
2. Contratos de consumo e conflitos de leis no tempo 218
2.1 Aplicação do Código de Defesa do Consumidor e conflitos de
leis 219
a) Características do Código de Defesa do Consumidor e refle-
xos na sua aplicação 220
b) O papel da Constituição Federal na interpretação e aplicação
do Código de Defesa do Consumidor 225
c) Os critérios de solução de conflitos de leis e suas dificul-
dades 229
d) Conflitos entre normas do Código Civil, de leis especiais e de
leis anteriores com o Código de Defesa do Consumidor 242
e) Conflitos entre normas do Código de Defesa do Consumidor
e de leis especiais e gerais posteriores 246
2.2 Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos
anteriores 254
a) As garantias constitucionais do direito adquirido e do ato
jurídico perfeito 257
b) A garantia constitucional da defesa do consumidor 271
c) A aplicação imediata das normas de ordem pública 272
CONCLUSÃO DA PARTE I 279
PARTE II - REFLEXOS CONTRATUAIS DO CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR
3. A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR QUANDO DA FORMAÇÃO
DO CONTRATO 283
1. Princípio básico de transparência 286
1.1 Nova noção de oferta (art. 30) 288
a) Vinculação própria através da atuação negocial 294 (p. 17)
b) Publicidade como oferta 304
c) Informações e pré-contratos 318
d) Cláusulas contratuais gerais 321
e) Sanção 323
1.2 Dever de informar sobre o produto ou serviço (art. 31) 324
a) Amplitude do dever de informar do art. 31 325
b) A publicidade como meio de informação 327
c) Sanção. As regras sobre o vício do produto 333
1.3 Dever de oportunizar a informação sobre o conteúdo do contrato
(art. 46) 335
a) Amplitude do dever de informar do art. 46, 1.º 336
b) Sanção 337
1.4 Dever de redação clara dos contratos 339
a) Redação clara e precisa (art. 46) 339
b) Cuidados na utilização de contratos de adesão 340
c) Sanção 341
2. Princípio básico de boa-fé 342
2.1 Publicidade abusiva e enganosa 343
a) Conceito de publicidade 344
b) Publicidade como ilícito civil - A publicidade enganosa 347
c) Publicidade como ilícito civil - A publicidade abusiva 349
2.2 Práticas comerciais abusivas 352
a) Práticas comerciais expressamente vedadas 353
b) Obrigação de fornecer orçamento prévio discriminado 360
c) Respeito às normas técnicas e ao tabelamento de preços 361
2.3 Direito de arrependimento do consumidor (art. 49) 362
a) A venda de porta-em-porta (door-to-door) 363
b) Regime legal da venda de porta-em-porta 365
c) Vendas emocionais de time-sharing e vendas a distancia 374
4. PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR QUANDO DA EXECUÇÃO DO
CONTRATO 389
1. Princípio básico da eqüidade (equilíbrio) contratual 390
1.1 Interpretação pró-consumidor. Visão geral 391
1.2 Proibição de cláusulas abusivas 401
a) Características gerais das cláusulas abusivas 402 (p. 18)
b) Da nulidade absoluta das cláusulas abusivas 409
b.1 Lista única de cláusulas abusivas 410
b.2 Autorização excepcional de modificação de cláusulas 412
c) As cláusulas consideradas abusivas 415
c.1 A lista do art. 51 416
c.2 A norma geral do inciso IV do art. 51 421
c.3 As cláusulas identificadas pela jurisprudência 424
1.3 Controle judicial dos contratos de consumo 548
a) Controle formal e controle do conteúdo dos contratos 549
b) Controle concreto e em abstrato 550
c) Papel do Ministério Público e das entidades de proteção ao
consumidor 552
1.4 Novas linhas jurisprudenciais de controle do sinalagma contratual
e de recurso à ineficácia de cláusulas 553
a) A tendência de ineficácia de cláusulas não informadas ou
destacadas corretamente 554
b) A tendência de revitalização do sinalagma no tempo e corre-
ção monetária 557
c) A tendência de controle da novação contratual e do equilí-
brio 562
2. Princípio da confiança 573
2.1 Novo regime para os vícios do produto 576
a) Vícios de qualidade - vícios por inadequação 582
b) Vícios de qualidade por falha na informação 590
c) Vícios de quantidade 591
2.2 Novo regime para os vícios do serviço 592
a) Vícios de qualidade dos serviços 593
b) Vícios nos serviços de reparação 598
c) Vícios de informação 599
2.3 Garantia legal de adequação do produto e do serviço 600
a) Noções gerais 600
b) Garantia legal e novo prazo decadencial 604
c) Relação da garantia contratual com a garantia legal 609
2.4 Garantia legal de segurança do produto ou do serviço (Respon-
sabilidade extracontratual do fornecedor) 615
a) Deveres do fornecedor de produtos perigosos 618
b) Limites da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço
- (A responsabilidade do comerciante) 620
c) Direito de regresso 630 (p. 19)
2.5 Inexecução contratual pelo consumidor e cobrança de dívidas 632
2.6 Inexecução contratual pelo fornecedor e desconsideração da
personalidade da pessoa jurídica 636
a) Noções gerais 636
b) A desconsideração da personalidade da pessoa jurídica 637
CONCLUSÃO DA PARTE II E OBSERVAÇÕES FINAIS 641
BIBLIOGRAFIA 647 (p. 20)
ABREVIATURAS
CC ou CCB - Código Civil Brasileiro
CF - Constituição Federal
CDC - Código de Defesa do Consumidor
CNDC/MI - Conselho Nacional de Defesa do Consumi-
dor, Ministério da Justiça
CONDGs - condições gerais dos contratos
Brasilcon - Instituto Brasileiro de Política e Direito do
Consumidor
BGB - Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Alemão)
BGH - Bundesgerichtshof (Corte Federal Alemã)
Dir. do Consumidor - Revista de Direito do Consumidor (São Paulo
Brasilcon)
DROITS - Revue française de Theorie Juridique (Revis-
ta, Paris)
JECP - Juizados Especiais e de Pequenas Causas
JZ - Juristen Zeitung (Revista, Tübingen)
NJW - Neue Juristische Wochenschrift (Revista,
Frankfurt)
RDM - Revista de Direito Mercantil (São Paulo)
Rev. AJURIS - Revista da Associação de Juízes do Rio Gran-
de do SuL (Porto Alegre)
Rev. eur. dr. consommation - Revue Européenne de Droit de la Consomma-
tion (Louvain. Bélgica)
Rev. int. dr. comp. - Revue internationale de droit comparé (Revis-
ta, Paris)
Rev. inf. legisl. - Revista de Informação Legislativa (Senado
Federal, Brasília)
RT - Revista dos Tribunais (São Paulo) (p. 21)
RF - Revista Forense (Rio de Janeiro)
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
TA - Tribunal de Alçada
TACiv - Tribunal de Alçada Cível
TJ - Tribunal de Justiça (p. 22)
INTRODUÇÃO À TERCEIRA EDIÇÃO
Sete anos após a sua entrada em vigor, o Código de Defesa do
Consumidor, Lei 8.078/90, continua a despertar o interesse da doutrina
brasileira e, principalmente, dos práticos do direito. Sua incorporação
ao sistema jurídico nacional foi surpreendente, sua assimilação na
jurisprudência lenta, mas decisiva, e hoje o direito contratual brasileiro
não pode ser completamente entendido sem um estudo profundo dos
princípios e avanços impostos por essa lei. A jurisprudência brasileira
assimilou a maioria de seus novos conceitos e normas, mas resistiu a
alguns avanços, como demonstrará a análise de mais de 625 julgados
incorporados a esta obra. Nesse sentido, esta terceira edição deve-se
não só ao aparecimento de abundante doutrina especializada, mas,
principalmente, à necessidade de traçar um panorama nacional realista
sobre a aceitação e utilização do Código de Defesa do Consumidor na
jurisprudência brasileira. Ainda é cedo para esboçar um balanço da
efetividade dessa lei, mas as linhas jurisprudenciais já começam a
cristalizar-se, por vezes, em interpretações mais ousadas do que as da
doutrina, por vezes, ainda com um conservadorismo receoso com o
momento atual da ciência do direito. O cômputo geral foi, porém,
extremamente positivo e o CDC pode ser considerado uma lei de grande
utilização prática, como comprova o expressivo número de jurisprudên-
cias citadas.
Assim, na primeira parte mais teórica deste estudo, procuramos
aprofundar a análise desse momento atual, em que pese uma certa crise
da ciência do direito, crise na insegurança jurídica, crise na multiplicidade
das leis, e propor novas saídas através de figuras e princípios tradici-
onais do direito, agora revitalizados. Incluímos assim um novo estudo
sobre a chamada crise da pós-modernidade, procurando captar os seus
reflexos no direito contratual brasileiro, pois, mesmo ciente da insegu-
rança dessa denominação e da ousadia de uma tal análise, pareceu-me
necessário e positivo propor uma discussão científica e crítica desse (p. 23)
novo tema, frente aos belos estudos da doutrina estrangeira que pude
acompanhar durante meu Doutorado na Alemanha.
Na prática, a grande discussão nacional continua sendo a definição
exata do campo de aplicação do Código de Defesa do Consumidor,
discussão esta que tende a aumentar com a eventual aprovação de um
novo Código Civil, de um ainda maior número de leis especiais e
mesmo de uma legislação internacional com origem no Mercosul.
Motivo pelo qual aumentamos e atualizamos, nesta edição, a análise
do campo de aplicação da Lei 8.078/90 e dos eventuais conflitos com
outras normas. O CDC já possui sete anos de vigência e, com o
aumento da atividade Legislativa, resolvemos incluir um estudo sobre
os conflitos do CDC com as já existentes leis especiais posteriores em
matéria de contratos de consumo.
Na segunda parte desta obra, ao analisarmos os reflexos contra-
tuais do Código, procuramos trazer as linhas jurisprudcnciais mais
significativas, as novas discussões judiciais e extrajudiciais sobre a
forma e o conteúdo dos contratos de consumo, sem modificar, porém,
o espírito, nem o plano da obra. A idéia básica continua sendo
identificar no direito brasileiro, no mercado e na prática dos profissio-
nais do direito (law in action) as inovações e as discussões oriundas
dos novos princípios introduzidos ou concretizados no Código de
Defesa do Consumidor.
A pesquisa jurisprudencial executada não pode ser exaustiva, em
virtude da enorme produção jurisprudencial nacional existente sobre o
tema em face dos limites da autora. Tivemos como base a Revista de
Direito do Consumidor, do Instituto Brasileiro de Direito do Consumi-
dor, que já se encontra no 26º número, as pesquisas realizadas em todo
o Brasil do Departamento acadêmico do Brasilcon e as publicações em
revistas e repertórios especializados. Também a abundante doutrina
sobre o tema, em especial, os excelentes artigos e livros especializados,
não podem ser totalmente exauridos, mas, na medida do possível, foram
considerados.
Nesta edição, priorizamos a análise da jurisprudência (já abundan-
te) dos Tribunais estaduais e aumentamos a análise da jurisprudência
dos Tribunais Superiores sobre temas que se referem a relações de
consumo. Por fim, mantivemos o plano e o caráter da obra, que
demonstrou ser útil aos profissionais do direito e aos estudantes
universitários. (p. 24)
Aumentada a parte teórica e, especialmente, atualizada e
complementada a análise da jurisprudência brasileira e das novas
práticas do mercado de consumo, espero que esta terceira edição possa
contribuir efetivamente para um ainda maior entendimento e aplicação
prática do Código de Defesa do Consumidor e das demais leis de
consumo no mercado brasileiro.
Junho 1998. (p. 25)
(p. 26, em branco)
INTRODUÇÃO À SEGUNDA EDIÇÃO
A necessidade de uma nova edição atualizada desta obra nasceu,
em parte, da boa recepção que mereceu no Brasil inteiro; mas nasceu,
principalmente, do forte impacto das normas protetivas dos direitos do
consumidor no ordenamento jurídico nacional, especialmente no direito
civil. Nestes três primeiros anos de vigência do Código de Defesa do
Consümidor formou-se uma abundante e frutífera doutrina especializa-
da no tema, que só agora pôde ser considerada e analisada conjunta-
mente com a doutrina estrangeira no assunto.
Esta segunda edição, porém, somente ganha verdadeiro sentido,
quando analisada a prática contratual do mercado brasileiro após a
entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor. Foram as
mudanças voluntárias no dia-a-dia das relações de consumo e os
reflexos da imposição dos novos princípios do Código nas relações
litigiosas que nos levaram a atualizar e a modificar - esperamos que
para melhor - esta obra, complementando a visão teórica com os novos
reflexos práticos do CDC no regime dos contratos.
O núcleo principal desta segunda edição é, portanto, a atual
jurisprudência brasileira e a análise de suas tradicionais ou renovadas
linhas de pensamento em matéria de relações contratuais de consumo.
Esta nova edição traz cerca de 267 decisões jurisprudenciais brasileiras,
não só dos Tribunais Superiores e Tribunais Estaduais principais, mas
também algumas decisões originais de magistrados de primeiro grau
e das Câmaras Recursais dos juizados Especiais e de Pequenas Causas.
Trata-se naturalmente, de uma pesquisa aleatória e incompleta, vincu-
lada em muito as fontes limitadas da autora.
A pesquisa jurisprudencial executada não teve pretensões de ser
exaustiva, nem foi seu intento reproduzir em detalhes as linhas
tradicionais do direito contratual clássico, ao contrário, o levantamento
tem caráter exemplificativo e concentrou-se na influência do CDC e das (p. 27)
novas linhas doutrinárias do direito contratual na atuação diária e
efetiva do Judiciário.
Face a experiência acumulada nestes primeiros anos de aplicação
do Código, esperamos que semelhante obra possa ajudar ao profissional
do direito e aplicador da lei a identificar rapidamente a influência
modificadora - ou não - dos princípios da boa-fé objetiva e de eqüidade
contratual no sistema do direito civil brasileiro, servindo a pesquisa
jurisprudencial especialmente para identificar a eficácia prática da lei
nova e os campos onde sua aplicação ainda não é aquela desejada.
A jurisprudência brasileira tem contribuído muito para o desen-
volvimento e interpretação do Código de Defesa do Consumidor,
mesmo se observarmos que sua atuação é ainda diferenciada, e, por
vezes, até contraditória de Estado para Estado da Federação. Conside-
ramos, porém, que a atuação concreta e prudente dos juízes brasileiros
está a merecer um destaque especial da doutrina, e se possível no
sentido original do pensamento dos julgadores. De forma a poder
reproduzir com a máxima sinceridade intelectual o pensamento e a ratio
do julgador, superando a sua simples utilização como apoio às opiniões
emitidas na primeira edição, optamos por reproduzir nas notas de
rodapé muitas das ementas das decisões citadas, mesmo conscientes de
que as ementas são pálida representação do conteúdo dos acórdãos e
do pungente direito dos juízes nesta matéria. Esperamos que esta
opção não torne a leitura excessivamente pesada, e que, ao contrário,
possa ser um efetivo instrumento de pesquisa e de convencimento para
o profissional do direito, ao possibilitar uma visualização mais imediata
da argumentação e da motivação aceita pela jurisprudência citada.
Entre a jurisprudência analisada e reproduzida incluímos também
decisões dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, tendo em vista
a importância conquistada por estes Juizados na efetiva (e rápida)
defesa dos interesses dos consumidores. De forma a evitar qualquer
discussão sobre a legitimidade desta "fonte jurisprudencial", mencio-
naremos apenas as decisões das Câmaras Recursais, constituídas por
magistrados de carreira, decisões que foram reproduzidas nos veículos
oficiais de publicação dos Tribunais de Justiça de cada Estado. A
jurisprudência oriunda dos Juizados é pouco conhecida ou divulgada,
mesmo entre os conciliadores, árbitros e juízes. Nesse sentido, consi-
deramos que sua divulgação pode ser fator importante para a conquista
de uma maior harmonia de decisões no país, assim como contribuir para (p. 28)
uma salutar - e pouco existente - "troca de experiências" com as vias
tradicionais da Justiça.
Quanto às modificações executadas no texto, foram incluídas, na
primeira parte do livro, análise mais detalhada sobre os contratos de
longa duração, sobre a definição de consumidor stricto sensu e agentes
equiparados pelo CDC a consumidores, assim como sobre a aplicação
do CDC no tempo e os conflitos de leis oriundos de sua entrada em
vigor. Especialmente modificada e complementada pela atual prática
jurisprudencial apresenta-se a parte dois desta obra, onde foi incluída
uma análise mais detalhada do fenômeno da vinculação própria através
da negociação contratual, assim como novos títulos sobre as caracte-
rísticas das cláusulas abusivas, sobre a autorização excepcional de
modificação de algumas cláusulas pelo Judiciário e sobre as principais
cláusulas abusivas identificadas pela jurisprudência brasileira nestes
primeiros anos de vigência do CDC.
O Código de Defesa do Consumidor, como lei nova e
rejuvenescedora do Direito Civil brasileiro, tem atraído a atenção de
juristas interessados na evolução da ciência jurídica e dos instrumentos
legais garantidores de relações sociais mais equilibradas e leais; tem
despertado contínuo interesse nos profissionais do direito em geral,
advogados, conciliadores, membros do Ministério Público e magistra-
dos. O CDC conseguiu em poucos anos transformar-se em uma
realidade, uma lei de assumida função social a impor um novo patamar
de harmonia e de boa-fé objetiva no mercado de consumo. Sua
importância e seus reflexos positivos no ordenamento jurídico brasilei-
ro, especialmente no que se refere ao novo regime das relações
contratuais, não podem mais ser negados. Esperamos que este trabalho,
renovado e atualizado com a nova doutrina e jurisprudência brasileira
possa ser uma contribuição válida ao estudo e à prática das novas linhas
positivadas no Direito Civil pátrio pelo Código de Defesa do Consu-
midor.
Dezembro 1994. (p. 29)
(p. 30, em branco)
INTRODUÇÃO À PRIMEIRA EDIÇÃO
1. Plano da obra
I - O presente trabalho pretende ser uma contribuição ao estudo
dos reflexos do Código de Defesa do Consumidor no ordenamento
jurídico brasileiro, especialmente no que se refere ao regime das
relações contratuais. Trata-se de analisar o Código, enquanto inovação,
mas de explicitá-lo, enquanto resultado da evolução teórica e doutrinária
do direito como ciência. Este aspecto foi até agora pouco observado
pelos autores que comentam as normas do Código, como se este
rompesse com a história e a evolução do pensamento jurídico. Bem ao
contrário, o Código rompe com o pensamento individualista, liberal da
concepção clássica de contrato, mas representa a própria evolução, a
própria positivação da teoria da função social do contrato, que desde
o século XIX aparecia nos ensinamentos ideais de mestres como
Jehring, Morin e outros. Os juristas, acostumados com o pensamento
tradicional, poderão assim situar-se e situando-se, interpretar as normas
do Código com maior embasamento, com maior segurança, entendendo
e sua ratio, evitando assim interpretações que deturpem o seu fim, que
as tornem inócuas ou radicais em excesso. O chamado Direito do
Consumidor é parte do Direito, é parte da ciência, é parte da evolução
do pensamento jurídico, criando novos conceitos, pensando topicamente
e dando novo conteúdo a noções-chaves como a boa-fé, a eqüidade
contratual, a válida manifestação de vontade, a equivalência de pres-
tações, a transparência e o respeito entre parceiros Na fase pré-
contratual.
Este estudo volta-se, assim, tanto para aqueles que estão agora
aprendendo, quanto para os profissionais do direito, que a todo
momento devem sugerir condutas, julgar e resolver problemas envol-
vendo as relações contratuais entre consumidores (todos) e fornecedo-
res (profissionais). (p. 31)
II - O presente trabalho divide-se em duas grandes partes. uma
mais teórica, dedicada ao estudo da evolução da Teoria Contratual, que
tem por fim apresentar o Código de Defesa do Consumidor (CDC)
como conseqüência desta renovação no pensamento jurídico, e uma
segunda, mais prática, onde será analisado o novo regime legal imposto
pelas normas do Código quando da formação dos contratos de consumo
e quando da execução destes. Esta segunda parte estudará uma a uma
das normas do Código que possuem algum reflexo nas relações
contratuais, mesmo que este reflexo seja indireto, eventual ou futuro,
pois as novas normas acompanham as relações de consumo desde a sua
fase pré-contratual até uma nova proteção na fase pós-contratual. A
apresentação das normas do Código será sistematizada tendo em vista
os novos princípios básicos que o CDC introduz no ordenamento
jurídico brasileiro, de forma a facilitar a sua interpretação e o enten-
dimento de sua ratio. Da mesma forma optamos pela transcrição das
principais normas no texto, para facilitar a leitura e a rapidez no
entendimento de nossas observações.
Em face da novidade do tema, recorremos, em muito nesta
primeira edição, à experiência do direito comparado, que nos foi
transmitida, tão sensatamente, pelos mestres alemães e suíços. Por fim,
cabe esclarecer que a exposição sobre o novo regime das cláusulas
abusivas é propositalmente sintática, porque o tema comporta, em face
da experiência do direito comparado, uma análise monográfica, que já
está sendo preparada.
O presente trabalho é, portanto, amplo em sua análise, pois ampla
é a aplicação da nova lei nas relações contratuais no mercado brasileiro,
mas não pretende ser mais do que um primeiro passo, uma primeira
contribuição para o entendimento desse fato novo, deste novo espírito
introduzido no ordenamento brasileiro. É um estímulo à discussão, uma
modesta tentativa de sistematização, aberta à crítica e crescimento, em
face da novidade e da importância do tema.
2. Introdução ao tema
A Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida como
Código de Defesa do Consumidor ou CDC, entrou em vigor em 11 de
março de 1991, representando uma considerável inovação no ordena-
mento jurídico brasileiro, uma verdadeira mudança na ação protetora (p. 32)
do direito. De uma visão liberal e individualista do Direito Civil,
passamos a uma visão social, que valoriza a função do direito como
ativo garante do equilíbrio, como protetor da confiança e das legítimas
expectativas nas relações de consumo no mercado.
Em matéria contratual, não mais se acredita que assegurando a
autonomia de vontade e a liberdade contratual se alcançará, automa-
ticamente, a necessária harmonia e eqüidade nas relações contratuais.
Nas sociedades de consumo, com seu sistema de produção e de
distribuição em massa, as relações contratuais se despersonalizaram,
aparecendo os métodos de contratação estandardizados, como os
contratos de adesão e as condições gerais dos contratos. Hoje estes
métodos predominam em quase todas as relações entre empresas e
consumidores, deixando claro o desnível entre os contratantes - um,
autor efetivo das cláusulas, e outro, simples aderente. É uma realidade
social bem diversa daquela do século XIX, que originou a concepção
tradicional e individualista de contrato, presente em nosso Código Civil
de 1917. Ao Estado coube, portanto, intervir nas relações de consumo,
reduzindo o espaço para a autonomia de vontade, impondo normas
imperativas de maneira a restabelecer o equilíbrio e a igualdade de
forças nas relações entre consumidores e fornecedores.
O art. 1º do Código de Defesa do Consumidor deixa claro que a
nova Lei representa exatamente esta intervenção estatal, ordenada pela
Constituição Federal de 1988, em seus arts. 5º, inciso XXXII e 170, inciso
V. No Código estão positivadas as novas regras para a proteção do
consumidor, as quais têm como fim justamente harmonizar e dar
transparência às relações de consumo (veja art. 4º, caput in fine CDC).
O novo Código pretende regular todas as matérias conexas às
relações de consumo na sociedade; ao nosso estudo, porém, interessa
somente a mais representativa e abrangente destas relações: a relação
contratual entre o consumidor e o fornecedor de bens ou serviços.
Vários enfoques poderiam ser dados ao estudo do novo regime das
relações contratuais entre consumidor e fornecedor de bens e serviços.
Neste estudo, vamos sistematizar as novas normas, relacionando-as
com os princípios básicos instituídos pelo Código de Defesa do
Consumidor, destacando o que elas têm de novo em relação ao
ordenamento jurídico brasileiro tradicional, pois somente o conheci-
mento e o domínio dessas mudanças possibilitará uma adaptação sem
grandes traumas dos contratos e das práticas comerciais existentes no
mercado. (p. 33)
(p. 34, em branco)
Parte 1 - A RENOVAÇÃO DA TEORIA CONTRATUAL
1 - A NOVA TEORIA CONTRATUAL
SUMARIO: 1. A concepção tradicional do contrato - 1.1 Caracterís-
ticas principais - 1.2 Origens da concepção tradicional de contrato: a)
O direito canônico; b) A teoria do direito natural; c) Teorias de ordem
política e a revolução francesa; d) Teorias econômicas e o Liberalismo
- 1.3 Reflexos da teoria contratual e do dogma da autonomia da
vontade: a) A liberdade contratual; b) A força obrigatória dos contratos;
c) Os vícios do consentimento - 2. A nova realidade contratual - 2.1
Noções preliminares: Os contratos de massa - 2.2 Os contratos de
adesão: a) Descrição do fenômeno; b) A formação do vínculo; c) A
disciplina dos contratos de adesão - 2.3 As condições gerais dos
contratos (cláusulas contratuais gerais): a) Descrição do fenômeno; b)
A inclusão de condições gerais nos contratos; c) A disciplina das
condições gerais dos contratos - 2.4 Os contratos cativos de longa
duração: a) Descrição do fenômeno; b) A estrutura dos contratos
cativos de longa duração; c) Disciplina - 2.5 As cláusulas abusivas nos
contratos de massa - 3. Crise na teoria contratual clássica - 3.1 Crise
da massificação das relações contratuais - 3.2 Crise da pós-modernidade
- 4. A nova concepção de contrato e o Código de Defesa do Consu-
midor - 4.1 A nova concepção social do contrato: a) Socialização da
teoria contratual; b) Imposição do princípio da boa-fé objetiva; c)
Intervencionismo dos Estados - 4.2 O Código de Defesa do Consumi-
dor como conseqüência da nova teoria contratual: a) Limitação da
liberdade contratual; b) Relativização da força obrigatória dos contra-
tos; c) Proteção da confiança e dos interesses legítimos; d) Nova noção
de equilíbrio mínimo das relações contratuais.
A idéia de contrato vem sendo moldada, desde os romanos, tendo
sempre como base as práticas sociais, a moral e o modelo econômico
da época. O contrato, por assim dizer, nasceu da realidade social. (p. 35)
Efetivamente, sem os contratos de troca econômica, especial-
mente os contratos de compra e venda, de empréstimo e de permuta,
a sociedade atual de consumo não existiria como a conhecemos. O
valor decisivo do contrato está, portanto, em ser o instrumento jurídico
que possibilita e regulamenta o movimento de riquezas dentro da
sociedade.{1}
Para as partes, o contrato objetiva, fundamentalmente, uma troca
de prestações, um receber e prestar recíproco. Assim, contrato de
compra e venda é um sinalagma, em que um contratante assume a
obrigação de pagar certo preço para alcançar um novo status jurídico,
status de proprietário (seja de um automóvel, televisão ou mesmo de
bens alimentícios), enquanto o outro assume a obrigação de transferir
um direito seu de propriedade, porque lhe é mais interessante, no
momento, ser credor daquela quantia. A idéia de troca, de reciprocidade
de obrigações e de direitos serve para frisarmos a existência dentro da
noção de contrato de um equilíbrio mínimo das prestações e
contraprestações, equilíbrio mínimo de direitos e deveres. Note-se que
o contrato remedia a desconfiança básica entre os homens e funciona
como instrumento, antes individual, hoje social, de alocação de riscos
para a segurança dos envolvidos e a viabilização dos objetivos alme-
jados pelas partes.{2}
Para a teoria jurídica, o contrato é um conceito importantíssimo,
uma categoria jurídica fundamental trabalhada pelo poder de abstração
dos juristas, especialmente os alemães do século XIX, quando sistema-
tizaram a ciência do direito.{3} É o negócio jurídico por excelência, onde
o consenso de vontades dirige-se para um determinado fim. É ato
jurídico vinculante, que criará ou modificará direitos e obrigações para
as partes contraentes, sendo tanto o ato como os seus efeitos permitidos
e, em princípio, protegidos pelo Direito.
* (1) Assim ensinam os mestres comparatistas Zweigert/Koetz, p. 7, sobre
a
evolução desta visão econômica do contrato e sua importância ainda nos
dias de hoje, Poughon, Le contrat, pp. 47 e ss.
(2) Como relembram os mestres da common law, o contrato, além da
exchange
functíon, possui uma importante função de alocação de riscos na sociedade
moderna, veja o excelente Atiyah, p. 716.
(3) Sobre o sistema do direito e a evolução dos conceitos da Teoria do
Direito,
veja a obra basilar de Karl Larenz, Metodologia e sobre a história do
pensamento jurídico, veja o excelente Wieacker. (p. 36)
A concepção de contrato, a idéia de relação contratual, sofreu,
porém, nos últimos tempos uma evolução sensível, em face da criação
de um novo tipo de sociedade, sociedade industrializada, de consumo,
massificada, em face, também, da evolução natural do pensamento
teórico-jurídico.
O contrato evoluirá, então, de espaço reservado e protegido pelo
direito para a livre e soberana manifestação da vontade das partes, para
ser um instrumento jurídico mais social, controlado e submetido a uma
série de imposições cogentes, mas eqUitativas.
Este primeiro capítulo é, portanto, dedicado ao estudo da referida
evolução da teoria contratual, evolução esta oriunda da realidade social
e da ciência do Direito, que, no Brasil, culminará com a criação do
Código de Defesa do Consumidor.
1. A concepçâo tradicional do contrato
Na ciência jurídica do século XIX, a autonomia de vontade era
a pedra angular do Direito.{4} A concepção de vínculo contratual desse
período está centrada na idéia de valor da vontade, como elemento
principal, como fonte única e como legitimação para o nascimento de
direitos e obrigações oriundas da relação jurídica contratual.{5} Como
afirma Gounot,{6} "da vontade livre tudo procede e à ela tudo se destina".
É a época do liberalismo na economia e do chamado voluntarismo
no direito. A função das leis referentes a contratos era, portanto,
somente a de proteger esta vontade criadora e de assegurar a realização
dos efeitos queridos pelos contraentes.{7} A tutela jurídica limita-se a
* (4) Veja os clássicos ensaios de Michel Villey, "Essor et décadence du
voluntarisme juridique" e de A. Rieg, "Le rôle de la volonté dans la
formation de l’acte juridique d’aprés les doctrines allemandes du XIX
siécle", ambos nos Archives de Philosophie du Droit, vol. 4, Paris, Sirey,
1957, pp. 87/98 e 126-132.
(5) Assim, os comparatistas alemães Zweigert/Koetz, p. 7; veja também o
recente Jacques Ghestin, "La notion de contrat", in Recueil Dalloz/Sirey,
1990, n. 23, p. 147.
(6) No original, "de la volonté libre tout procede, à elle tout
aboutit", apud
Bessone, Natura Ideologica, p. 944.
(7) Relembre-se aqui a noção clássica de negócio jurídico, como
declaração de
vontade dirigida a um fim, tutelando o direito tanto esta vontade como os
efeitos pretendidos pelas partes, veja a obra de Azevedo, pp. 6 e ss. (p. 37)
possibilitar a estruturação pelos indivíduos destas relações jurídicas
próprias assegurando uma teórica autonomia, igualdade e liberdade no
momento de Contratar, e desconsiderando por completo a situação
econômica e social dos contraentes.
Na concepção clássica, portanto, as regras contratuais deveriam
compor um quadro de normas supletivas, meramente interpretativas,
para permitir e assegurar a plena autonomia de vontade dos indivíduos,
assim como a liberdade contratual. Esta concepção voluntarista e liberal
influenciará as grandes codificações do Direito e repercutirá no
pensamento jurídico do Brasil, sendo aceita e positivada pelo Código
Civil Brasileiro de 1917.{8}
1.1 Características principais
Como primeira aproximação ao estudo da concepção tradicional
de contrato vamos examinar a definição do grande sistematizador do
século XIX, Friedrich Karl von Savigny, segundo a qual, o contrato é
a união de mais de um indivíduo para uma declaração de vontade em
consenso, através da qual se define a relação jurídica entre estes
("Vertrag ist die Vereiningung mehrerer zu einer übereinstimmenden
Willenserklärung, wodurch ihre Rechtsverhältnisse bestimmt werden"){9}.
Esta definição, em princípio simples, tem grande valor para a
nossa análise, pois nela já podemos encontrar os elementos básicos que
caracterizarão a concepção tradicional de contrato até os nossos dias:
(1) a vontade (2) do indivíduo (3) livre (4) definindo, criando direitos
e obrigações protegidos e reconhecidos pelo direito. Em outras pala-
vras, na teoria do direito, a concepção clássica de contrato está
diretamente ligada à doutrina da autonomia da vontade e ao seu
reflexo{10} mais importante, qual seja, o dogma da liberdade contratual.
* (8) Assim Couto e Silva, Perspectivas, p. 134.
(9) Apud Zweigert/Koetz, p. 6.
(10) Concordam Weil/Terré, p. 25, Rieg, p. 126, Larenz/AT, p. 35, Laufs,
p. 255,
Raizer, p. 12, Almeida Costa, p. 77, Reale/Nova Fase, p. 87, Couto e Silva,
RT 655, p. 7, Gomes/Transformações, p. 9, porém, para os comparatistas
Zweigert/Koetz, p. 9, Koendgen, p. 119 e Kramer/Muenchener, p. 1090, os
dogmas teriam o mesmo nível, sendo a característica mais importante a
liberdade contratual, a qual não seria simples "reflexo" ou elemento do dogma
da autonomia da vontade. A tradição brasileira e francesa é a que seguimos. (p.
38)
Para esta concepção, portanto, a vontade dos contraentes, decla-
rada ou interna, é o elemento principal do contrato. A vontade
representa não só a genesis, como também a legitimação do contrato{11}
e de seu poder vinculante e obrigatório.
Tendo em vista o papel decisivo da vontade a doutrina, a
legislação e a jurisprudência, influenciadas por esta concepção, irão
concentrar seus esforços no problema da realização dessa autonomia
da vontade;{12} somente a vontade livre e real, isenta de vícios ou
defeitos, pode dar origem a um contrato válido, fonte de obrigações e
de direitos.
Nesse sentido, a função da ciência do direito será a de proteger
a vontade criadora e de assegurar a realização dos efeitos queridos pelas
partes contratantes. A tutela jurídica limita-se, nesta época, portanto,
a possibilitar a estruturação pelos indivíduos de relações jurídicas
próprias através dos contratos,{13} desinteressando-se totalmente pela
situação econômica e social dos contraentes{14} e pressupondo a existên-
cia de uma igualdade e liberdade no momento de contrair a obrigação.
Esta concepção clássica de contrato, individualista, liberal e
centrada na idéia de valor da vontade, influenciará o pensamento
brasileiro,{15} sendo aceita pelo Código Civil de 1917.{16}
Mas a concepção clássica de contrato não é fruto de um único
momento histórico, ao contrário, ela representa o ponto culminante
e aglutinador da evolução teórica do direito após a idade média e da
evolução social e política ocorrida nos séculos XVIII e XIX, com
a revolução francesa, o nacionalismo crescente e o liberalismo
econômico. A compreensão desta teoria clássica contratual exige,
portanto, que se analise igualmente as origens dessa concepção,
sempre tendo em vista o reflexo que estas influências teóricas e sociais
tiveram no nascimento da doutrina da autonomia da vontade (1.2).
* (11) Assim, Kramer/Muenchener, p. 1091 (ver § 145, 3, b).
(12) Concordam Zweigert/Koetz, p. 8.
(13) Nesse sentido Raizer, p. 12.
(14) Assim, o mestre de Porto Alegre, Couto e Silva/Perspectiva, p. 134.
(15) Veja sobre a repercussão do pensamento Filosófico-jurídico europeu
no
pensamento jurídico brasileiro, a lição de Reale, Nova Fase, p. 219.
(16) Assim, Pontes de Miranda/Fontes, p. 377 e Couto e
Silva/Perspectiva,
p. 137. (p. 39)
É necessário, igualmente, que se identifique que conseqüências
jurídicas se originaram, nos ordenamentos jurídicos de quase todos
os povos europeus e também entre nós, da aceitação desta concepção
clássica de contrato (1.3).
1.2 Origens da concepção tradicional de contrato
A concepção tradicional de contrato, segundo frisamos, está
intimamente ligada a idéia de autonomia da vontade, eis porque é
possível identificar suas origens analisando a evolução deste dogma
basilar do direito. Segundo doutrinadores franceses,{17} quatro são as
principais origens da doutrina da autonomia da vontade no direito:
a) O direito canônico - O direito canônico contribuiu decisiva-
mente para a formação da doutrina da autonomia da vontade e,
portanto, para a visão clássica do contrato, ao defender a validade e
a força obrigatória da promessa por ela mesma, libertando o direito
do formalismo exagerado e da solenidade típicos da regra romana.{18}
O simples pacto faz nascer a obrigação jurídica, como fruto do ato
do homem. É o direito canônico que vulgariza a fórmula ex nudo pacto
nascitur. Para os canonistas, a palavra dada conscientemente criava
uma obrigação de caráter moral e jurídico para o indivíduo. Assim,
livre do formalismo excessivo do direito romano, o contrato se
estabelece como um instrumento abstrato e como uma categoria
jurídica.{19}
* (17) Assim Weill/Terré, p. 50 sobre as origens da doutrina da autonomia
da
vontade.
(18) Segundo Puig Peña, p. 2, o pactum ou conventio, no direito romano,
significava um simples acordo que por si só não gerava uma actio, nem
vínculo obrigacional, sendo necessário um plus (causa civilis) para se
transformar em contractus: a forma especial, ou mais tarde, a execução por
uma das partes. De outro lado, se Roma possuía um conceito mais objetivo
de contrato e diferenciado do atual, isto não impede que alguns doutrina-
dores visualizem na relação de forças entre o disposto na lex e as
instituições do ius (incluindo aqui os atos jurídicos) um conceito de
autonomia privada bastante semelhante ao atual, como espaço reservado
para a auto-determinação dos indivíduos, veja a controvérsia em Frezza, p.
481 e Carressi, p. 265.
(19) Assim concluem também Mazeaud/Mazeaud/Chabas, p. 53. (p. 40)
b) A teoria do direito natural - É na teoria do direito natural que
encontramos, porém, a base teórico-filosófica mais importante na
formação dos dogmas da concepção clássica: a autonomia da vontade
e a liberdade contratual. Como ensina Reale,{20} à luz do Direito Natural,
especialmente devido às idéias de Kant, a pessoa humana tornou-se um
ente de razão, uma fonte fundamental do direito, pois, é através de seu
agir, de sua vontade, que a expressão jurídica se realiza. Kant{21} chegaria
mesmo a afirmar que a autonomia da vontade seria "o único princípio
de todas as leis morais e dos deveres que lhes correspondem". Estas
idéias de Kant tiveram muita influência na Alemanha à época da
sistematização do direito e serão uma das bases da Willenstheorie,{22}
para a qual a vontade interna, manifestada sem vícios, é a verdadeira
fonte do contrato, a fonte que legitima os direitos e obrigações daí
resultantes, os quais devem ser reconhecidos e protegidos pelo direito.
Para Wieacker,{23} os pandectistas do século XIX, ao sistematizarem
a ciência do direito e os conceitos jurídicos, basearam-se na ética da
liberdade - e do dever de Kant. Para este famoso historiador do direito,
é na ideologia do jusnaturalismo que vamos encontrar a fonte do que
ele chama "paixão burguesa pela liberdade". Efetivamente, é no direito
natural que encontramos a base do dogma da liberdade contratual, uma
vez que a liberdade de contratar seria uma das liberdades naturais do
homem, liberdade esta que só poderia ser restringida pela vontade
(Wille) do próprio homem.{24} O próprio Kant{25} afirmada que as pessoas
* (20) Reale/Nova, p. 61.
(21) Kant, "Kritik der Praktischen Vernunft" apud Reale/Nova, p. 60.
(22) Assim concluem tb. Zweigert/Koetz, p. 8.
(23) Wieacker, p. 280.
(24) Concordam igualmente Zweigert/Koetz, p. 8, em interessante estudo.
Ernst
Wolf relembra que o § 823 do BGB ao citar os bens e valores, os quais
lesados originam a pretensão de ressarcimento por ato ilícito no direito
alemão, inclui "a liberdade", como interesse e direito natural do homem.
Wolf, Ernst, "Vertragsfreiheit - eine Illusion?", FSKeller, p. 360.
(25) Kant/Grundlegung zur Methaphysik der Sitten, p. 375: "Man sah den
Menschen Durch seine Pflicht an Gesetze gebunden, man liess es sich aber
nicht einfailen, dass er nur seiner eigenen und dennoch allgemeinen
Gesetsgebung unterworíen sei, und dass er nur verbunden sei, seinen
eigenen, den Naturzweck nach aber allgemeinen gesetzgebenden Willen
gemaess zu handeln". (p. 41)
só podem se submeter às leis que elas mesmas se dão, no caso, o
contrato. Wieacker chega a considerar o jusnaturalismo, com as
influências por ele recebidas da tradição católica, como a força mais
poderosa no desenvolvimento do direito, depois do Corpus Iuris
Civile.{26} Mas não só as teorias ético-jurídicas tiveram influência na
formação de concepção clássica de contrato, também as teorias de
ordem política e econômica ajudaram a moldá-la.
c) Teorias de ordem política e a revolução francesa - Já se afirmou
que o direito moderno nasce com a Revolução Francesa,{27} neste sentido
queremos destacar a influência que a famosa teoria do contrato social
exerceu sobre o direito contratual. Esta teoria de Rousseau lança a idéia
do contrato como base da sociedade, sociedade politicamente organi-
zada, isto é, o Estado. Aqui vamos reencontrar o dogma da vontade livre
do homem, pois, segundo esta revolucionária teoria francesa, a auto-
ridade estatal tem o seu fundamento no consentimento dos sujeitos de
direito, isto é, os cidadãos. Suas vontades se unem (em contrato) para
formar a sociedade, o Estado como hoje o conhecemos. Nas palavras
célebres de Rousseau: "Já que nenhum homem possui uma autoridade
natural sobre o seu semelhante, e uma vez que a força não produz
nenhum direito, restam, portanto, os contratos (as convenções) como
base de toda a autoridade legítima no meio dos homens".{28}
Note-se que também aqui está presente a idéia de renúncia à parte
da liberdade individual. É necessário renunciar através do contrato
social, mas a própria renúncia é expressão do valor da vontade. O
contrato é, assim, não só a fonte das obrigações entre indivíduos, ele
é a base de toda a autoridade. Mesmo o Estado retira sua autoridade
de um contrato, logo a própria lei estatal encontra aí sua base. O
contrato não obriga porque assim estabeleceu o direito, é o direito que
vale porque deriva de um contrato. O contrato, tornando-se um a priori
do direito, revela possuir uma base outra, uma legitimidade essencial
* (26) Wieacker, p. 297.
(27) Assim Reale/Nova, p. 73.
(28) Nas palavras originais, Rousseau, p. 45, L. I., Cap. IV: "puisque
aucun
homme n’a une autorité naturelle sur son semblable, et puisque la force ne
produit aucun droit, restent donc les conventions pour base de toute autorité
légitime parmi les hommes". (p. 42)
e autônoma em relação às normas: a vontade dos cidadãos.{29} A teoria
do contrato social conduz, portanto, à idéia de importância da vontade
do homem.{30}
Destaque-se, por fim, a maior realização da Revolução Francesa
no campo do Direito Civil, o Código Civil Francês de 1804. O Code
Civil, elaborado na época napoleônica, conjuga as influências indivi-
dualistas e voluntaristas da época com as idéias do Direito Natural
Moderno: tendo, segundo Reale,{31} remota fonte hobbesiana. Marco da
história do direito, esta codificação, que influenciada grande parte dos
ordenamentos jurídicos do mundo, coloca como valor supremo de seu
sistema contratual a autonomia da vontade, afirmando, em seu art.
1.134, que as convenções legalmente formadas têm lugar das leis para
aqueles que as fizeram.{32} Esta visão extremamente voluntarista do
direito contratual influenciará várias codificações, inclusive a nossa,
moldando para sempre a concepção clássica de contrato.
d) Teorias econômicas e o Liberalismo - As teorias econômicas
do século XVIII, em resposta ao corporativismo e as limitações
impostas pela igreja católica, propõem a liberdade como panacéia
universal.{33} Para estas teorias, é basicamente necessária a livre movi-
mentação das riquezas na sociedade.{34}
Uma vez que o contrato é o instrumento colocado à disposição
pelo direito para que esta movimentação aconteça, defendem a neces-
* (29) Assim Puig Peña, p. 3. Já o mestre alemão Coing/Rechtsphilosophie,
p. 33,
observa que exatamente neste momento, o homem (Menschen) volta a ser
visto como cidadão (Bürger) e o direito dos homens (direito natural) vai
cedendo espaço para o direito dos cidadãos (direito civil ou bürgerliches
Recht, em alemão), direito dos iguais na sociedade civil.
(30) Assim Weil/Terré, p. 51.
(31) Reale, Nova Fase, p. 87 e Villey, p. 683.
(32) No original: "Art. 1.134 - Les conventions légalment formées
tiennet lieu
de li à ceux qui les ont faites", nossa tradução no texto foi influenciada por
aquela de Reale, Nova Fase, p. 90, veja também sobre o sistema contratual
do Code Civil, Morin, Révolte, p. 13 a 17.
(33) Kramer/Krise, p. 22.
(34) Veja Amaral, Autonomia, p. 26 e tb. o excelente Atiyah, p. 277, o
qual
destaca a importância da idéia de propriedade privada, a possibilitar essa
liberdade de trocas de mercadorias na sociedade. (p. 43)
sidade da liberdade contratual. Acreditava-se, na época, que o contrato
traria em si uma natural eqüidade, proporcionaria a harmonia social e
econômica, se fosse assegurada a liberdade contratual. O contrato seria
justo e eqüitativo por sua própria natureza. Na expressão da época: "Qui
dit contractuelle, dit juste".{35}
O modelo do synalagma serve como base para esta visão econô-
mica do contrato, a qual reafirmará ser este precipuamente um
instrumento de troca do "inútil" pelo "útil", visando a realização de
interesses individuais daqueles que contrataram. Note-se aqui uma
dupla função econômica do contrato: instrumentalizar a livre circulação
das riquezas na sociedade e ao mesmo tempo indicar o valor de
mercado de cada objeto cedido (sua nova "utilidade"). Evolui-se, assim,
para considerar o contrato menos um instrumento de troca de objetos,
mas sim uma troca de valores.{36}
No século XIX, auge do Liberalismo, do chamado Estado Moder-
no, coube a teoria do direito dar forma conceitual ao individualismo
econômico da época, criando a concepção tradicional de contrato,{37} em
consonância com os imperativos da liberdade individual e principal-
mente do dogma máximo da autonomia da vontade.{38}
1.3 Reflexos da teoria contratual e do dogma da autonomia da vontade
A doutrina da autonomia da vontade considera que a obrigação
contratual tem por única fonte a vontade das partes. A vontade humana
é assim o elemento nuclear, a fonte e a legitimação da relação jurídica
contratual e não a autoridade da lei. Sendo assim, é da vontade que se
origina a força obrigatória dos contratos, cabendo à lei simplesmente
colocar à disposição das partes instrumentos para assegurar o cumpri-
mento das promessas e limitar-se a uma posição supletiva. A doutrina
da autonomia da vontade terá também outras conseqüências jurídicas
* (35) Assim Koendgen, p. 119, segundo Ghestin, "L’utile", p. 36 a
expressão é
de Fouillée, veja em português Schwab/Ajuris 39, p. 17 "quem diz
contratual, diz justo".
(36) Assim conclui tb. Poughon, pp. 54 e ss.
(37) Veja detalhes na tese de Lobo, pp. 35 e ss. e em Bessone, Natura
ideologica,
p. 945.
(38) Assim também, excelente, Reale, Nova Fase, p. 91. (p. 44)
importantes como a necessidade do direito assegurar que a vontade
criadora do contrato seja livre de vícios ou de defeitos, nascendo aí a
teoria dos vícios do consentimento. Acima de tudo o princípio da
autonomia da vontade exige que exista, pelo menos abstratamente, a
liberdade de contratar ou de se abster, de escolher o parceiro contratual,
o conteúdo e a forma do contrato. É o famoso dogma da liberdade
contratual.
Vejamos, portanto, em detalhes estas conseqüências e reflexos no
mundo do direito da aceitação da doutrina da autonomia da vontade:
a) A liberdade contratual - A idéia de autonomia de vontade está
estreitamente ligada a idéia de uma vontade livre, dirigida pelo próprio
indivíduo sem influências externas imperativas. A liberdade contratual
significa, então, a liberdade de contratar ou de se abster de contratar,
liberdade de escolher o seu parceiro contratual, de fixar o conteúdo e
os limites das obrigações que quer assumir, liberdade de poder exprimir
a sua vontade na forma que desejar, contando sempre com a proteção
do direito.
Para alguns novos autores alemães,{39} os dogmas da autonomia da
vontade e da liberdade contratual deveriam ter o mesmo nível e
importância na caracterização da teoria tradicional do contrato. Evitan-
do teorizar se o dogma da liberdade contratual teria sua origem na
doutrina da autonomia da vontade ou não, eles preferem uma análise
funcional da teoria contratual, destacando que o contrato é, para o
liberalismo econômico do século XIX, um dos mais importantes
institutos jurídicos, pois instrumentaliza a movimentação de riquezas
na sociedade. Para estes autores,{40} a idéia de liberdade contratual
preencheu três importantes funções à época do liberalismo, momento
de maturação da concepção tradicional de contrato. De um lado
permitia que os indivíduos agissem de maneira autônoma e livre no
mercado, utilizando assim de maneira optimal as potencialidades da
economia, baseada em um mercado livre, e criando, assim, outra
importante figura: a livre concorrência. De outro lado, nesta economia
livre e descentralizada, deveria ser assegurado a cada contraente a
* (39) Assim os comparatistas famosos, Zweigert/Koetz, p. 9, o respeitado
comentário do BGB, Kramer/Muenchener, p. 1090 e a Habilitationsschrift
de Koendgen, p. 119.
(40) Koendgen, p. 119 a Kramer/Muenchener, p. 1091. (p. 45)
maior independência possível para se auto-obrigar nos limites que
desejasse, ficando apenas adstrito à observância do princípio máximo:
pacta sunt servanda. Koendgen{41} destaca aqui, que esta ampla liberdade
de contratar pressupõe juridicamente a aceitação de que a obrigação
assumida é limitada a determinado ato e em determinado espaço de
tempo. Ganha, assim, importância para o direito o consenso, a vontade
de indivíduo, o Conteúdo e os limites desta vontade, interna ou
declarada. A terceira função do dogma da liberdade contratual pode ser
denominada como função "protetora". Na visão liberal, o Estado
deveria abster-se de qualquer intervenção nas relações entre indivíduos.
Assim, se o indivíduo era livre e tinha a possibilidade de se auto-
obrigar, tinha direito também de defender-se contra a imputação de
outras obrigações para as quais não tenha manifestado a sua vontade.
Como se observa, mesmo nesta exposição alternativa do dogma
da liberdade contratual este aparece intrinsecamente ligado à autonomia
da vontade, pois é a vontade, que, na visão tradicional, legitima o
contrato e é fonte das obrigações, sendo a liberdade um pressuposto
desta vontade criadora, uma exigência, como veremos, mais teórica do
que prática.
Preferimos aqui destacar os reflexos que ambos os dogmas
tiveram na teoria contratual tradicional, assim temos, por exemplo, o
princípio da liberdade de forma das convenções, o da livre estipulação
de cláusulas e a possibilidade de criar novos tipos de contratos, não
tipificados nos Códigos.
Na teoria do direito, a liberdade contratual encontra um obstáculo
somente: as regras imperativas que a lei formula.{42} Mas no direito
contratual tradicional estas regras são raras e têm como função
justamente proteger a vontade dos indivíduos, como, por exemplo, as
regras sobre capacidade. No mais, as normas legais restringem-se a
fornecer parâmetros para a interpretação correta das vontades das partes
e a oferecer regras supletivas para o caso dos contratantes não
desejarem regular eles mesmos determinados pontos da obrigação
assumida, como, por exemplo, as regras sobre o lugar e o tempo do
pagamento.
* (41) Koendgen, pp. 119 e 120.
(42) Assim Carbonnier, p. 146 e Weil/Terré, p. 53. (p. 46)
b) A força obrigatória dos contratos - Se, para a concepção
clássica de contrato, a vontade é o elemento essencial, a fonte, a
legitimação da relação contratual; se, como vimos, até mesmo a
sociedade politicamente organizada tem sua fonte em um contrato
social; se o homem é livre para manifestar a sua vontade e para aceitar
somente as obrigações que sua vontade cria; fica claro que, por trás da
teoria da autonomia da vontade, está a idéia de superioridade da
vontade sobre a lei.{43} O direito deve moldar-se à vontade, deve protegê-
la e reconhecer a sua força criadora. O contrato, como diz o art. 1.134
do Código Civil francês, será a lei entre as partes. A própria lei, oriunda
do Estado, vai buscar o seu poder vinculante na idéia de um contrato
entre todos os indivíduos desta sociedade. A vontade é, portanto, a força
fundamental que vincula os indivíduos.
À idéia de força obrigatória dos contratos significa que uma vez
manifestada a vontade as partes estão ligadas por um contrato, têm
direitos e obrigações e não poderão se desvincular, a não ser através
de outro acordo de vontade ou pelas figuras da força maior e do caso
fortuito (acontecimentos fáticos incontroláveis pela vontade do ho-
mem). Esta força obrigatória vai ser reconhecida pelo direito e vai se
impor frente à tutela jurisdicional. Ao juiz não cabe modificar e adequar
à eqüidade a vontade das partes, manifestada no contrato, ao contrário,
na visão tradicional, cabe-lhe respeitá-la e assegurar que as partes
atinjam os efeitos queridos pelo seu ato. Lembre-se por último que,
como corolário da liberdade e autonomia da vontade, a força obriga-
tória dos contratos fica limitada às pessoas que dele participaram,
manifestando a sua vontade (inter partes).
c) Os vícios do consentimento - Do dogma da autonomia da
vontade, como elemento criador das relações contratuais, retira-se o
postulado que só a vontade livre e consciente, manifestada sem
influências externas coatoras, deverá ser considerada pelo direito. Aqui,
portanto, a base da teoria dos vícios do consentimento, presente no
Código Civil brasileiro, nos arts. 86 a 113. Se na formação do contrato
estiver viciada a vontade de uma das partes, o negócio jurídico é
passível de anulação. Como se vê, a validade (e a eficácia) jurídica do
contrato mais uma vez dependem da vontade criadora. A própria
* (43) Assim concluem Weil/Terré, p. 55. (p. 47)
escolha, no art. 147, II do CC, da figura da anulabilidade rende
homenagem a autonomia da vontade, pois ao contrário da nulidade, que
deve ser declarada ex officio pelo juiz, a anulabilidade só repercutirá
na validade e eficácia do ato se for manifestado o interesse das partes
neste sentido e antes da prescrição da ação.
Ao direito interessava, portanto, identificar qual vontade serve
de fonte e legitimação do contrato, se a vontade interna (posição
defendida pela Willenstheorie) ou se a vontade declarada (posição
defendida pela Erklärungstheorie).{44} Apesar da grande influência
exercida por Savigny, defendendo a prevalência da vontade interna,
os códigos se dividiram, especialmente o Código Civil Alemão (BGB)
de 1900, de um lado aceitando a figura do erro e de outro,
preocupados com a segurança e a estabilidade das relações jurídicas
e a proteção do terceiro de boa-fé, confirmando o conteúdo do que
foi efetivamente declarado.{45}
Ainda quanto às conseqüências do dogma da autonomia da
vontade, cabe destacar que se o consentimento viciado não obriga o
indivíduo, o consentimento livre de vícios o obriga de tal maneira que
mesmo sendo o conteúdo do contrato injusto ou abusivo, não poderá
ele, na visão tradicional, recorrer ao direito a não ser em casos
especialíssimos de lesão.{46} Os motivos que levaram o indivíduo a
contratar, suas expectativas originais, são irrelevantes.
Nas discussões do fim do século XIX, no início do século XX,
sobre a prevalência da vontade interna ou da vontade declarada
encontra-se já a semente da nova concepção de direito dos contratos.
É a discussão entre a visão filosófica e metafísica do contrato e uma
visão mais social ou funcional do processo. Vejamos, portanto, como
a posterior evolução da sociedade, com a revolução industrial e
massificação do consumo, acentuou ainda mais esta discrepância entre
o que os norte-americanos, corretamente, denominam law-in-the-books
e law-in-action.{47}
* (44) Veja Nery, pp. 8 a 15.
(45) Sobre a posição de compromisso dos §§ 116 e seguintes do BGB, veja
Koendgen, p. 3.
(46) Veja sobre a lesão e cláusula rebus sic stantibus. Couto e
Silva/RT, p. 7 e
a obra específica de Caio M. da Silva Pereira.
(47) Expressão de Friedman, apud Koendgen, p. 2. (p. 48)
2. A nova realidade contratual
2.1 Noções preliminares: Os contratos de massa
Na concepção tradicional de contrato, a relação contratual seria
obra de dois parceiros em posição de igualdade perante o direito e a
sociedade, os quais discutiriam individual e livremente as cláusulas de
seu acordo de vontade. Seria o que hoje denominaríamos de contratos
paritários ou individuais.{48} Contratos paritários, discutidos individual-
mente, cláusula a cláusula, em condições de igualdade e com o tempo
para tratativas preliminares, ainda hoje existem, mas em número muito
limitado e geralmente nas relações entre dois particulares (consumido-
res), mais raramente, entre dois profissionais e somente quando de um
mesmo nível econômico.
Na sociedade de consumo, com seu sistema de produção e de
distribuição em grande quantidade, o comércio jurídico se despersona-
lizou{49} e os métodos de contratação em massa, ou estandardizados,
predominam em quase todas as relações contratuais entre empresas e
consumidores.{50} Dentre as técnicas de conclusão e disciplina dos
chamados contratos de massa, destacaremos, neste estudo, os contratos
de adesão e as condições gerais dos contratos ou cláusulas gerais
contratuais.
Como se observa na sociedade de massa atual, a empresa ou
mesmo o Estado, pela sua posição econômica e pelas suas atividades
de produção ou de distribuição de bens ou serviços, encontram-se na
iminência de estabelecer uma série de contratos no mercado. Estes
contratos são homogêneos em seu conteúdo (por exemplo, vários
contratos de seguro de vida, de compra e venda a prazo de bem móvel),
mas concluídos com uma série ainda indefinida de contratantes. Logo,
por uma questão de economia, de racionalização, de praticidade e
mesmo de segurança, a empresa predispõe antecipadamente um esque-
* (48) Em nosso trabalho O Controle Judicial das Cláusulas Abusivas nos
Contratos de Consumo usamos o termo contratos paritários, já Alpa, em "Le
contrat "individuel" et sa définition", Rev. int. dir. comp. 1988, 327, prefere
a expressão contrato individual.
(49) Assim Pasqualotto/RT, p. 55.
(50) Assim tb. Roppo, p. 313. (p. 49)
ma contratual, oferecido à simples adesão dos consumidores, isto é,
pré-redige um complexo uniforme de cláusulas, que serão aplicáveis
indistintamente a toda esta série de futuras relações contratuais.
Alguns comparam esta predisposição do texto contratual a um
poder paralelo de fazer leis e regulamentos privados (lawmaking
power).{51} Poder este que, legitimado pela economia e reconhecido pelo
direito, acabaria por desequilibrar a sociedade, dividindo os seus
indivíduos entre aqueles que detêm a posição negocial de elaboradores
da "lex" privada e os que a ela se submetem, podendo apenas aderir
a vontade manifestada pelo outro contratante.
Certo é que os fenômenos da predisposição de cláusulas ou
condições gerais dos contratos e do fechamento de contratos de adesão
tornaram-se inerentes à sociedade industrializada moderna: em espe-
cial, nos contratos de seguros e de transportes já se observa a utilização
destas técnicas de contratação desde o século XIX.{52} Hoje, elas
dominam quase todos os setores da vida privada, onde há superioridade
econômica ou técnica entre os contratantes, seja nos contratos das
empresas com seus clientes, seja com seus fornecedores, seja com seus
assalariados.{53}
Note-se que estas novas técnicas contratuais, de pré-elaboração
unilateral do conteúdo do contrato, também são utilizadas por empresas
públicas ou concessionárias de serviços públicos (por exemplo, no
fornecimento de água, luz, serviços de transporte, correios,
telefonia).{54}
* (51) Veja sobre a discussão proposta, Bessone, Natura Ideologica, pp.
947-951;
o tema da natureza das cláusulas predispostas e dos contratos por adesão,
se predominantemente normativos ou voluntários, já foi objeto de vários
estudos, entre os quais destacam-se as obras pioneiras de Saleilles e Raiser.
A doutrina atual aceita o caráter contratual, privado e voluntário do negócio
jurídico concluído através da utilização dessas novas técnicas contratuais,
o que não invalida a discussão proposta, pois como lembra Calais-Auloy,
p. 121, a legitimação e o reconhecimento de um "poder regulamentador"
a ser atribuído a determinados agentes sociais é fenômeno conhecido no
direito público.
(52) Assim Ulmer/Brandner/Hensen, p. 21 (Einl. 7), lembrando que Raiser
visualizava os primórdios destas técnicas já no séc. XV (?).
(53) Assim o mestre francês Calais-Auloy, p. 141.
(54) Veja a excelente exposição sobre o tema do mestre italiano
Alpa/Diritto,
pp. 185 e ss. (p. 50)
Também em matéria de contratos de trabalho, as técnicas de contratar
em massa são utilizadas.{55} A análise dos contratos de trabalho, porém,
escapa aos limites deste estudo. A nós interessa especialmente as
relações contratuais entre consumidores e seus fornecedores de bens ou
serviços, sejam pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas,
segundo as definições dos arts. 2º e 3º do novo Código de Defesa do
Consumidor.
Por fim cabe lembrar que nas relações de massa nem sempre os
contratos serão feitos por escrito, pois ao lado dos contratos de adesão,
expressos em formulários, existem os contratos orais, a aceitação
através das chamadas condutas sociais típicas{56} os simples recibos, os
tickets de caixas automáticas.{57} Em nosso estudo, todos estes fenôme-
nos devem ser levados em conta.
A prefixação de todo o conteúdo do contrato, ou de parte deste,
de maneira unilateral e uniforme por só uma das partes contratantes não
passou despercebida aos estudiosos do Direito, existindo duas expres-
sões para descrever esta realidade. De um lado prefere a doutrina
germânica a expressão "condições gerais dos contratos", ou na tradução
de Portugal "cláusulas gerais contratuais", de outro, a doutrina francesa
utiliza a expressão "contratos de adesão".
Note-se que a expressão "condições gerais dos contratos" enfatiza
mais a fase pré-contratual, onde são elaboradas estas listas independen-
tes de cláusulas gerais a serem oferecidas ao público contratante,
enquanto utilizando a expressão contrato de adesão a doutrina francesa
destaca o momento de celebração do contrato, dando ênfase à vontade
criadora do contrato, vontade esta que somente adere à vontade já
manifestada do outro contratante.
Poderíamos chegar à conclusão que os dois conceitos possuem o
mesmo conteúdo, visualizado de momentos diferentes. Esta conclusão,
porém, é apenas superficial e por sua simplificação não serve ao
objetivo de nosso estudo, que é analisar estas modernas técnicas, as
* (55) Veja sobre o tema Gomes/transformações, pp. 178 e ss.
(56) A expressão é de Larenz/AT, p. 471 (§ 28, II).
(57) Veja o interessante artigo de Koehler sobre a problemática da
contratação
automatizada, muito em voga na Europa, tratando também da prestação de
serviços através de robôs e computadores. (p. 51)
quais abrangem tanto os contratos de massa por escrito como os
contratos orais ou não escritos.{58}
Neste sentido, para dar maior clareza à exposição, vamos inici-
almente acatar a diferenciação feita pela Comissão das Comunidades
Européias{59} entre contratos de adesão e contratos submetidos a
condições gerais. Como contratos de adesão entenderemos restritiva-
mente os contratos por escrito, preparados e impressos com anteriori-
dade pelo fornecedor, nos quais só resta preencher os espaços referentes
à identificação do comprador e do bem ou serviços, objeto do contrato.
Já por contratos submetidos a condições gerais dos negócios entende-
remos aqueles, escritos ou não escritos, em que o comprador aceita,
tácita ou expressamente, que cláusulas, pré-elaboradas unilateral e
uniformemente pelo fornecedor para um número indeterminado de
relações contratuais, venham a disciplinar o seu contrato específico.
Típico aqui seriam os contratos de transporte, contratos de administra-
ção de imóveis e mesmo alguns contratos bancários.
As expressões condições gerais dos contratos e contratos de
adesão não são, portanto, sinônimas, mas, segundo a doutrina e a lei
alemã,{60} a expressão condições gerais pode englobar todos os contratos
de adesão com formulários impressos, contratos modelo e os contratos
autorizados ou ditados pelos órgãos públicos, pois estes também são
compostos por cláusulas pré-elaboradas unilateral e uniformemente
pelos fornecedores, com a única diferença que nestes casos as condi-
ções gerais estão inseridas no próprio texto do contrato e não em anexo.
Eis porque muitos autores utilizam indistintamente os termos.{61}
Neste estudo, vamos tratar separadamente os temas para que se
possa estudar os aspectos individuais de cada técnica de contratação
em massa. Assim, analisaremos no primeiro título os contratos de
adesão, reservando o segundo título para o estudo das chamadas
condições gerais dos contratos.
* (58) Concorda tb. Nery/Anteprojeto, p. 292, retirando, porém, outras
conclusões.
(59) Em seu Bulletin des Communautés Européennes Supplément 1/84, p. 6,
item 10.
(60) Veja o parágrafo primeiro da lei alemã (AGBG) e
Ulmer/Brandner/Hensen,
p. 95, nota 66.
(61) Os autores argentinos costumam denominar "contratos por adhesión a
condiciones generales", pois o contrato de adesão está integrado por cláu-
sulas, e estas cláusulas são condições gerais, veja Stiglitz/Stiglitz, p. 52.
(p. 52)
Hoje, estas novas técnicas contratuais são indispensáveis ao
moderno sistema de produção e de distribuição em massa, não havendo
como retroceder o processo e eliminá-las da realidade social. Elas
trazem vantagens evidentes para as empresas (rapidez, segurança,
previsão dos riscos, etc.), mas ninguém duvida de seus perigos para os
contratantes vulneráveis ou consumidores. Estes aderem sem conhecer
as cláusulas, confiando nas empresas que as pré-elaboraram e na
proteção que, esperam, lhes seja dada por um Direito mais social.{62} Esta
confiança nem sempre encontra correspondente no instrumento contra-
tual elaborado unilateralmente, porque as empresas tendem a redigi-los
da maneira que mais lhe convém, incluindo uma série de cláusulas
abusivas e inequitativas.{63}
Nesta segunda edição, parece-nos útil incluir, além de uma análise
dos métodos ou técnicas de contratação de massa, uma análise, ainda
que preliminar, das atuais relações contratuais complexas, por alguns
chamadas de "pós-modernas". Esta nova realidade aliaria os métodos
conhecidos de contratação de massa a relações complexas de longa
duração, envolvendo serviços, uma cadeia de fornecedores organizados
internamente e com uma característica determinante; a posição de
catividade dos clientes-consumidores. Denominaremos este fenômeno
de "contratos cativos de longa duração", face a incerteza que cerca o
movimento pós-moderno e sua eventual importância na ciência do
direito, e face também a nossa opinião pessoal de que a nova teoria
contratual, como aqui vamos analisá-la, e as linhas "modernas" e
científicas de defesa dos interesses dos consumidores são suficientes
e aptas a fornecer respostas eqüitativas a essa nova realidade contratual,
já vislumbrada no mercado.
2.2 Os contratos de adesão
a) Descrição do fenômeno - Contrato de adesão é aquele cujas
cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual
economicamente mais forte (fornecedor), ne varietur, isto é, sem que
* (62) Neste sentido vale lembrar a conclusão de Mallinvaud, p. 50, que o
Direito
do Consumidor teria como função "restabelecer nas relações contratuais o
equilíbrio", logo a mesma função que visualisamos no novo direito dos
contratos (veja nesse Capítulo, o título 4).
(63) No mesmo sentido Calais/Auloy, p. 143. (p. 53)
o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancial-
mente o conteúdo do contrato escrito.{64}
O contrato de adesão é oferecido ao público em um modelo
uniforme, geralmente impresso, faltando apenas preencher os dados
referentes à identificação do consumidor-contratante, do objeto e do
preço. Assim, aqueles que, como consumidores, desejarem contratar
com a empresa para adquirirem bens ou serviços já receberão pronta
e regulamentada a relação contratual, não poderão efetivamente discu-
tir, nem negociar singularmente os termos e condições mais importan-
tes do contrato.
Desta maneira, limita-se o consumidor a aceitar em bloco (muitas
vezes sem sequer ler completamente) as cláusulas, que foram unilateral
e uniformemente pré-elaboradas pela empresa, assumindo, assim, um
papel de simples aderente à vontade manifestada pela empresa no
instrumento contratual massificado.{65} O elemento essencial do contrato
de adesão, portanto, é a ausência de uma fase pré-negocial, a falta de
um debate prévio das cláusulas contratuais e sim, a sua predisposição
unilateral, restando ao outro parceiro a mera alternativa de aceitar ou
rejeitar o contrato, não podendo modificá-lo de maneira relevante. O
consentimento do consumidor manifesta-se por simples adesão ao
conteúdo preestabelecido pelo fornecedor de bens ou serviços.
Podemos destacar como características do contrato de adesão: 1)
a sua pré-elaboração unilateral; 2) a sua oferta uniforme e de caráter
geral, para um número ainda indeterminado de futuras relações con-
tratuais; 3) seu modo de aceitação, onde o consentimento se dá por
simples adesão à vontade manifestada pelo parceiro contratual econo-
micamente mais forte.
O fenômeno dos contratos de adesão é cada vez mais comum
na experiência contemporânea, produzindo-se em múltiplos domínios
como, por exemplo, o dos seguros, o dos planos de saúde, o das
operações bancárias, o da venda e aluguel de bens. Também as
empresas públicas e as concessionárias de serviços públicos empre-
gam esta técnica de contratação em massa. O Poder Público utiliza-
se de contratos de adesão nas suas relações diretas com os consu-
* (64) Veja Bricks, p. 5, sobre as criticas a esta expressão veja, por
todos, Nery,
Anteprojeto, p. 288.
(65) Assim Roppo, pp. 311 e 312. (p. 54)
midores de seus serviços e, na maioria das vezes, predispõe as
cláusulas dos contratos que serão oferecidos pelos concessionários
aos consumidores.{66}
Em regra os contratos de adesão são elaborados pelo próprio
fornecedor-ofertante, mas também existem contratos oferecidos à
adesão, cujo conteúdo deriva de recomendações ou imposições de
associações profissionais. Neste caso a doutrina francesa os denomi-
nava de "contratos-tipo" (contrats-types), pois a imposição é como se
fosse um regulamento que restringe a liberdade dos membros daquela
profissão, hoje a expressão é utilizada quase como um sinônimo de
contrato de adesão.{67}
Também a lei ou um regulamento administrativo pode "ditar" o
conteúdo de um determinado contrato, neste caso são denominados
"contratos dirigidos" ou contratos "ditados", como por exemplo, no
Brasil, os contratos oferecidos por administradoras de consórcios,
ditados através de Portaria Ministerial.
A expressão contrats d’adhesion costuma ser atribuída ao profes-
sor francês Raymond Saleilles, em sua obra do início do século, o qual
pretendia destacar através desta denominação que nestes contratos
somente uma vontade predomina, a que dita a sua "lei", dita o conteúdo
do contrato não mais a um individuo somente, mas a uma coletividade
indeterminada de pessoas, as quais vão se limitar a aderir à sua vontade.
Para o autor francês, o contrato de adesão se aproxima de uma
declaração unilateral de vontade, aproxima-se mesmo da lex romana,
do regulamento, devendo esta característica ser levada em conta quando
da interpretação dos contratos.{68}
Realmente, no contrato de adesão não há liberdade contratual de
definir conjuntamente os termos do contrato, podendo o consumidor
somente aceitá-lo ou recusá-lo. É o que os doutrinadores anglo-
americanos denominam contrato em uma take-it-or-leave-it basis.{69}
Sendo assim, por muito tempo discutiu a doutrina o caráter
contratual ou não dos contratos de adesão. Para alguns, por sua
* (66) Veja a excelente exposição sobre o tema do mestre brasileiro
Gomes,
Transformações. Contratos, p. 15.
(67) Assim ensina Ghestin, Clauses Abusives, p. IX.
(68) Veja por todos Nery, Anteprojeto, p. 288.
(69) Assim Cheshire and Fifoot’s, Contract, p. 21. (p. 55)
estrutura pré-elaborada unilateralmente, por suas características que
eliminam a fase de discussão pré-contratual, estes contratos se apro-
ximariam dos atos de direito público, dos atos regulamentares. Para
outros não haveria um real acordo de vontades, mas sim um ato
unilateral.
Hoje a doutrina é unânime em aceitar o caráter contratual dos
contratos de adesão (veja título 3). Trata-se de um acordo de vontades
representado pela adesão, não sendo essencial ao contrato que seu
conteúdo seja discutido cláusula a cláusula em uma fase preliminar,
assim também a igualdade de forças dos contratantes não é essencial.
Mesmo existindo, na prática, um desigual poder de barganha (unequal
bargaining power){70}, não se deve negar o caráter contratual do contrato
de adesão (ou por adesão), pois a manutenção do vínculo, na maioria
das vezes, beneficia o contratante mais fraco, deve-se sim criar normas
e uma disciplina específica adaptada às suas características especiais
e que permita um controle efetivo da eqüidade contratual. Passemos,
pois, ao exame da formação deste vínculo contratual.
b) A formação do vínculo - Enquanto não houver a manifestação
de vontade do consumidor, o simples modelo pré-elaborado do contrato
de adesão não passa, na feliz expressão alemã, de um pedaço de papel
(Stück Papier).{71} O consentimento do consumidor, a sua adesão, é que
provoca o nascimento do contrato, a concretização do vínculo contra-
tual entre as partes.
Declaração de vontade - Uma vez que nos contratos de adesão
o consumidor tem de aceitar em bloco as cláusulas preestabelecidas
pelo fornecedor, na maioria das vezes, o consumidor sequer lê com-
pletamente o instrumento contratual ao qual vai aderir. Modernamente,
porém, considera-se que exista um dever de transparência nas relações
de consumo. Assim, o consumidor deve ser informado, pelo menos,
deve ter a oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo do
contrato. Além do que deverá o contrato de adesão ser redigido de tal
forma a possibilitar a sua compreensão pelo homem comum.
* (70) Veja Bessone, Law of Contract, p. 499, tb. Calais-Auloy, Clauses
Abusivcs,
p. 155.
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  • 2. 3ª edição revista, atualizada e ampliada, incluindo mais de 625 decisões jurisprudenciais BIBLIOTECA DE DIREITO DO CONSUMIDOR - 1 EDITORA RT REVISTA DOS TRIBUNAIS (p. 3) INSTITUTO BRASILEIRO DE POLÍTICA E DIREITO DO CONSUMIDOR - v. 1 Biblioteca de Direito do Consumidor CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 3ª edição - revista, atualizada e ampliada, incluindo mais de 625 decisões jurisprudenciais CLÀUDIA LIMA MARQUES 1ª edição: 1992 - 2ª edição: 1995. © desta edição: 1999 EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA. Diretor Responsável: CARLOS HENRIQUE DE CARVALHO FILHO CENTRO DE ATENDIMENTO AO CONSUMIDOR: Tel. 0800-11-2433 Rua Tabatinguera, 140, Tel. (011) 3115-2433 CEP 01020-901 - São Paulo, SP, Brasil Térreo, Loja 1 - Caixa Postal 678 Fax (011) 3106-3772 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfilmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a Inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos do Código Penal) com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais). Impresso no Brasil (01 - 1999*) ISBN 85-203-1691-3 (p. 4) Aos meus mestres, brasileiros e alemães e ao amigo Antônio Herman Benjamin, em agradecimento pelo estímulo e segura orientação intelectual. A Johannes Doll, esposo e companheiro. (p. 5) (p. 6, em branco) APRESENTAÇÃO "qui dit contractuel dit juste"{1} Em 1933, Louis Josserand manifestava sua preocupação com o fim daquilo que chamou a "idade de ouro"{2} da liberdade contratual. Ao revés do que temia o grande jurista francês, o princípio da autonomia da vontade - e de resto toda a teoria do contrato - hoje está mais forte do que nunca, já que mecanismos foram e estão sendo idealizados para corrigir suas imperfeições. E, entre todos os afetados por tais imper-
  • 3. feições e exageros da teoria contratual clássica, o consumidor desponta como sua maior vítima. Na Exposição de Motivos do Segundo Substitutivo do Projeto de Código de Defesa do Consumidor (CDC), de autoria do Deputado Geraldo Alckmin e que está na origem do texto hoje vigente, assim escrevemos: "a proteção do consumidor deve abranger todos os aspectos do mercado de consumo. Muitas vezes - como no caso de publicidade enganosa - o consumidor é lesado sem que sequer tenha chegado a firmar efetivo contrato com o fornecedor. Mas é no instante da contratação que a fragilidade do consumidor mais se destaca. É também neste momento que as normas legais existentes, especialmente aquelas do Código Civil, se mostram incapazes de lhe assegurar proteção eficaz". A proteção contratual do consumidor, de fato, está no âmago do direito do consumidor E, passado um ano da vigência do CDC, não se publicou nenhuma obra que cuide, com exclusividade, do novo regime contratual instaurado. * (1) Palavras de Fouillée, inspirado no pensamento de Kant. (2) Josserand, Louis "Le contrat dirigé". In Recueil Hebdømadaire, n. 32, chronique, 1933, p. 19. (p. 7) Não é, pois, sem razão que o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor sente-se profundamente honrado em iniciar sua coleção Biblioteca de Direito do Consumidor, editada pela Revista dos Tribunais, com o livro Contratos no Código de Defesa do Consumidor. O Novo Regime das Relações Contratuais, de autoria da professora Cláudia Lima Marques. Conheci a professora Cláudia Lima Marques no "1.º Congresso Europeu Sobre Condições Gerais dos Contratos", realizado em Coimbra, em maio de 1988, quando eu era o relator brasileiro. Logo em seguida a visitei na Alemanha, onde ela concluía seu mestrado. Em contato com seus professores alemães pude perceber a imensa estima que eles sentiam pela agora autora. Seu campo de pesquisa, já naquela época, se encaminhava para a proteção contratual do consu- midor. Alguns aspectos da personalidade de Cláudia Lima Marques não posso deixar de ressaltar aqui, mesmo correndo o risco de dizer muito menos do que gostaria ou do que ela merece. Sua juventude é o primeiro traço que chama atenção de qualquer um que a encontre pela primeira vez. Mas por trás de suas feições jovens, de imediato se percebe duas outras de suas qualidades: um grande senso de responsabilidade - "germânica", se preferirem - e uma vinculação perene com a defesa do interesse público. Realmente, em todos os seus escritos e trabalhos vamos sempre encontrar o fio da preocupação com os "vulneráveis" ou "débeis" da sociedade industrial (weaker parties), massificados ou não. E, entre estes, a autora escolheu o consumidor como seu objeto de pesquisa e de formulação jurídica. Professora concursada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, um dos membros mais ativos do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor, com importante papel na criação de sua seção gaúcha, a autora tem diversos artigos sobre esta matéria publicados. É, sem dúvida, um dos expoentes da nova geração de juristas que desponta no país. Mas será que o tema em questão merece realmente os estudos de pessoa tão qualificada? Será que o consumidor e os contratos em que é parte (contratos de consumo) são realmente dignos de uma pesquisa aprofundada? Ou, indo mais longe, não seria pretensioso desejar, através do estudo da posição jurídica do consumidor, reformar toda a teoria dos contratos? (p. 8) A resposta é bem simples: sem consumidor não há sociedade de consumo, sem esta não há mercado e sem mercado não há contratação
  • 4. massificada. Assim, estudar e regular o status contratual do consumidor é, em último caso, afetar a grande maioria dos contratos firmados no cotidiano do mercado. A revolução industrial trouxe consigo a revolução do consumo. Com isso, as relações privadas assumiram uma conotação massificada, substituindo-se a contratação individual pela coletiva. Os contratos passaram a ser assinados sem qualquer negociação prévia, sendo que, mais e mais, as empresas passaram a uniformizar seus contratos, apresentando-os aos seus consumidores como documentos pré-impres- sos, verdadeiros formulários. Foi, por um lado, um movimento positivo de transformação contratual ao conferir rapidez e segurança às transa- ções na sociedade massificada. Mas o fenômeno trouxe, igualmente, perigos parA os consumidores que aderem globalmente ao contrato, sem conhecer todas as cláusulas".{3} Mas não se imagine que a proteção contratual do consumidor seja um problema brasileiro ou de terceiro mundo apenas. É um tema universal que, de uma forma ou de outra, vem sendo enfrentado pelo legislador desde o Código Civil italiano de 1942. No Brasil, antes do CDC, não fazia mesmo sentido se falar em proteção contratual do consumidor, já que este, assim denominado, inexistia como entidade jurídica com perfil próprio. Havia, isso sim, ja um esforço da jurisprudência no sentido de mitigar o rigor do nosso Código Civil e o apego descomedido da doutrina a certos princípios que, diante da sociedade de produção e consumo em massa, gritavam por reforma. Quando falamos em contratos no Código de Defesa do Consumi- dor estamos, efetivamente, cuidando de contratos de consumo. E quando estudamos os contratos de consumo ou sobre eles legislamos assim o fazemos em razão de algo que poderíamos denominar de vulnerabilidade contratual do consumidor. É esse fenômeno jurídico - mas também econômico e social - que leva o legislador a buscar formas de proteger o consumidor * (3) Calais-Auloy, Jean. Droit de la Consommation. Paris, Dalloz, 1986, p. 143. (p. 9) No plano da teoria do contrato, proteger o consumidor é, antes de mais nada, um esforço de pesquisa da tipologia dessa vulnerabilidade, de resto reconhecida ope legis (CDC, art. 4.º, I). Na vida do mercado, busca-se tutelar o consumidor principalmen- te em dois aspectos: na sua integridade físico-psíquica e na sua integridade econômica. Muitos, com acerto, dirão que a tutela da saúde do consumidor sobrepõe-se à sua proteção econômica. Mas a verdade é que, além dessa preocupação sobre em relação a que proteger o consumidor (integridade físico-psíquica ou integridade econômica), há também uma outra sobre o quando tutelá-lo. E, neste ponto, a questão contratual se torna central. A fragilidade do consumidor manifesta-se com maior destaque em três momentos principais de sua existência no mercado: antes, durante e após a contratação. É, portanto, com os olhos voltados para o iter contratual do consumidor que o legislador e os órgãos de implemen- tação atuam. Em outras palavras: toda a vulnerabilidade do Consumidor decorre, direta ou indiretamente, do empreendimento contratual e toda a proteção é ofertada na direção do contrato. Daí a importância que assume a matéria contratual no amplo círculo de proteção do consu- midor. Muito mais do que ocorre com o resguardo da saúde do consu- midor, a tutela da sua integridade econômica (aí se incluindo a proteção contratual) é uma questão de posição jurídica do sujeito amparado. Aqui a proteção se dá em favor de quem contrata ou é estimulado a contratar. O que se quer, por essa via, é a alteração da correlação de forças, no plano econômico e jurídico, entre consumidores e fornece- dores, francamente desfavorável àqueles. Como se vê, e não há como
  • 5. fugir, tal tutela opera sobre ou ao redor do contrato de consumo. Para auxiliar na superação das dificuldades contratuais do consu- midor o direito tem articulado soluções as mais diversas, muitas de caráter cosmético, outras atuando apenas no plano da informação e umas poucas reconhecendo, pura e simplesmente, que o princípio da autonomia da vontade exige uma profunda reflexão e, a partir, daí, verdadeira revisão. É importante, contudo, salientar que todo o esforço de reforma do regime contratual encetado pelo direito do consumidor não visa arrasar e sim aperfeiçoar a liberdade contratual. Seria, por assim dizer, uma tentativa - nem a primeira, nem a última - de preservar a essência do (p. 10) princípio. Conseqüentemente, o direito do consumidor não contesta a validade da liberdade contratual (da mesma forma que não ataca o regime da propriedade privada) mas, simplesmente, se insurge contra a forma como ela tem se manifestado, em especial no mercado de consumo. Já em 1943, Friedrich Kessler, com muita propriedade, escrevia que "a liberdade contratual permite que as empresas legislem através de contratos e, o que é até mais importante, legislem de uma forma autoritária sem que para tanto tenham que usar uma aparência autori- tária. Os contratos de adesão, em particular, podem, pois, se tornar instrumentos eficazes nas mãos de senhores feudais todo poderosos da indústria e do comércio, permitindo-lhes impor sua própria nova ordem feudal e subjugando um grande número de vassalos".{4} A liberdade contratual, realmente como princípio absoluto - sempre deu azo a inúmeros abusos. Ora, eram exageros, relacionados com o discernimento do contratante débil, ora eram percalços oriundos da liberdade plena de um dos contratantes e da ausência de liberdade do outro. Tudo a provocar discrepância entre a vontade real e a vontade declarada do consumidor. A teoria jurídica, em tais circunstâncias, servia somente para amparar um mito de equilíbrio. Os institutos clássicos de contenção dos abusos criados pelo princípio da autonomia da vontade não amparavam, em absoluto, o consumidor. Na fase da sociedade pessoal, antes do surgimento da sociedade de consumo, na medida em que, de regra, só uma pequena parcela da população detinha os meios de produção, é evidente que só uns poucos, de fato, contratavam repetidamente. E para esta minoria os instrumentos tradicionais se mostravam eficazes, que não fossem para impedir, mas ao menos para reparar os vícios da liberdade contratual. Com o aparecimento da sociedade de massa os partícipes no mercado se multiplicaram e os contratos explodiram em quantidade. Na sociedade moderna o contrato deixou de ser um privilégio da minoria e incorporou-se ao dia a dia do cidadão comum, em especial do consumidor E em uma situação de explosão contratual os remédios contratuais clássicos mostraram-se totalmente inadequados. * (4) Kessler, Friedrich. "Contracts of adhesion - Some thoughts about freedom of contrat". In Columbia Law Review, vol. XLIII, maio, 1943, n. 4, p. 640. (p. 11) É sob esse pano de fundo que surge o CDC e, agora, o livro da professora Cláudia Lima Marques. A autora, evidentemente, conhece o assunto da proteção contratual do consumidor, mas não o esgota em seu livro. Como diz muito modestamente, logo no pórtico de seu trabalho, trata-se de "uma contribuição ao estudo dos reflexos do Código de Defesa do Consu- midor no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no que se refere ao regime das relações contratuais". Uma excelente e oportuna contribuição. Na primeira metade da Parte I, verdadeira introdução crítica, Cláudia Lima Marques analisa "a renovação da teoria contratual",
  • 6. distinguindo, nos passos da Comissão das Comunidades Européias, contrato de adesão e contratos submetidos a condições gerais. Conclui afirmando que o CDC, como "conseqüência da nova teoria contratual", "é um reflexo de uma nova concepção mais social do contrato, onde a vontade das partes não é a única fonte das obrigações contratuais, onde a posição dominante passa a ser a da lei, que dota ou não de eficácia jurídica aquele contrato de consumo". Em seguida, na segunda metade da Parte I, a autora enfrenta um dos maiores desafios da interpretação do CDC, ou seja, a identificação, dentre as diversas modalidades de contratos, daqueles que se submetem ou não ao regime codificado. A questão é da mais alta relevância. Basta que lembremos a polêmica levantada pelos bancos - hoje totalmente superada - sobre a inclusão de seus contratos na malha do CDC. Mais recentemente, discutiu-se, nas páginas de O Estado de S. Paulo, a questão dos contratos de transporte aéreo internacional. A primeira metade da Parte II cuida da proteção do consumidor na formação do contrato, analisando em profundidade o desapareci- mento da regra do caveat emptor e o surgimento de uma obrigação geral de informar, seja no momento publicitário, seja em instante mais próximo da contratação propriamente dita ou até mesmo no âmbito do próprio contrato. Finalmente, na última metade da Parte II, a autora dedica-se a proteção do consumidor quando da execução do contrato. É aí que analisa as regras básicas norteadoras da interpretação dos contratos de consumo, a proibição das cláusulas contratuais abusivas, o controle judicial dos contratos de consumo e os diversos tipos de vícios de produtos e serviços. (p. 12) Se é certo que não concordamos em tudo e tudo com as posições da autora, também podemos afirmar que não vacilaríamos em subscre- ver sua obra por inteiro. E foi exatamente com esse espírito que a recomendamos à editora e ao próprio Instituto de Política e Direito do Consumidor. ANTONIO HERMAN V. BENJAMIN Membro do Ministério Público de SÃo Paulo Mestre em Direito pela University of Illinois, EUA. um dos redatores do Código de Defesa do Consumidor e presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do consumidor. (p. 13) (p. 14, em branco) SUMÁRIO Abreviaturas 21 Introdução à terceira edição 23 Introdução à segunda edição 27 Introdução à primeira edição 31 PARTE I - A RENOVAÇÃO DA TEORIA CONTRATUAL 1. A NOVA TEORIA CONTRATUAL 35 1. A concepção tradicional do contrato 37 1.1 Características principais 38 1.2 Origens da concepção tradicional de contrato 40 a) O direito canônico 40 b) A teoria do direito natural 41 c) Teorias de ordem política e a revolução francesa 42 d) Teorias econômicas e o Liberalismo 43 1.3 Reflexos da teoria contratual e do dogma da autonomia da vontade 44 a) A liberdade contratual 45 b) A força obrigatória dos contratos 47 c) Os vícios do consentimento 47
  • 7. 2. A nova realidade contratual 49 2.1 Noções preliminares: Os contratos de massa 49 2.2 Os contratos de adesão 53 a) Descrição do fenômeno 53 b) A formação do vínculo 56 c) A disciplina dos contratos de adesão 58 (p. 15) 2.3 As condições gerais dos contratos (cláusulas contratuais ge- rais) 59 a) Descrição do fenômeno 59 b) A inclusão de condições gerais nos contratos 62 c) A disciplina das condições gerais dos contratos 66 2.4 Os contratos cativos de longa duração 68 a) Descrição do fenômeno 68 b) A estrutura dos contratos cativos de longa duração 74 c) Disciplina 77 2.5 As cláusulas abusivas nos contratos de massa 80 3. Crise na teoria contratual clássica 84 3.1 Crise da massificação das relações contratuais 84 3.2 Crise da pós-modernidade 89 4. A nova concepção de contrato e o Código de Defesa do Consu- midor 101 4.1 A nova concepção social do contrato 101 a) Socialização da teoria contratual 102 b) Imposição do princípio da boa-fé objetiva 105 c) Intervencionismo dos Estados 116 4.2 O Código de Defesa do Consumidor como conseqüência da nova teoria contratual 117 a) Limitação da liberdade contratual 118 b) Relativização da força obrigatória dos contratos 122 c) Proteção da confiança e dos interesses legítimos 126 d) Nova noção de equilíbrio mínimo das relações contra- tuais 133 2. CONTRATOS SUBMETIDOS ÀS REGRAS DO CÓDIGO DE DE- FESA DO CONSUMIDOR 139 1. Contratos entre consumidor e fornecedor de bens ou serviços 140 1.1 Conceitos de consumidor e de fornecedor 140 a) O consumidor stricto sensu 140 b) Agentes equiparados a consumidores 153 c) O fornecedor 162 (p. 16) 1.2 Contratos de fornecimento de produtos e serviços 163 a) Contratos imobiliários 166 b) Contratos de transporte, de turismo e viagem 174 c) Contratos de hospedagem, de depósito e estacionamento 182 d) Contratos de seguro e de previdência privada 187 e) Contratos bancários e de financiamento 197 f) Contratos de administração de consórcios e afins 206 g) Contratos de fornecimento de serviços públicos 209 h) Compra e venda e suas cláusulas 215 i) Compra e venda com alienação fiduciária 216 2. Contratos de consumo e conflitos de leis no tempo 218 2.1 Aplicação do Código de Defesa do Consumidor e conflitos de leis 219 a) Características do Código de Defesa do Consumidor e refle- xos na sua aplicação 220 b) O papel da Constituição Federal na interpretação e aplicação do Código de Defesa do Consumidor 225 c) Os critérios de solução de conflitos de leis e suas dificul- dades 229 d) Conflitos entre normas do Código Civil, de leis especiais e de leis anteriores com o Código de Defesa do Consumidor 242 e) Conflitos entre normas do Código de Defesa do Consumidor
  • 8. e de leis especiais e gerais posteriores 246 2.2 Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos anteriores 254 a) As garantias constitucionais do direito adquirido e do ato jurídico perfeito 257 b) A garantia constitucional da defesa do consumidor 271 c) A aplicação imediata das normas de ordem pública 272 CONCLUSÃO DA PARTE I 279 PARTE II - REFLEXOS CONTRATUAIS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 3. A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR QUANDO DA FORMAÇÃO DO CONTRATO 283 1. Princípio básico de transparência 286 1.1 Nova noção de oferta (art. 30) 288 a) Vinculação própria através da atuação negocial 294 (p. 17) b) Publicidade como oferta 304 c) Informações e pré-contratos 318 d) Cláusulas contratuais gerais 321 e) Sanção 323 1.2 Dever de informar sobre o produto ou serviço (art. 31) 324 a) Amplitude do dever de informar do art. 31 325 b) A publicidade como meio de informação 327 c) Sanção. As regras sobre o vício do produto 333 1.3 Dever de oportunizar a informação sobre o conteúdo do contrato (art. 46) 335 a) Amplitude do dever de informar do art. 46, 1.º 336 b) Sanção 337 1.4 Dever de redação clara dos contratos 339 a) Redação clara e precisa (art. 46) 339 b) Cuidados na utilização de contratos de adesão 340 c) Sanção 341 2. Princípio básico de boa-fé 342 2.1 Publicidade abusiva e enganosa 343 a) Conceito de publicidade 344 b) Publicidade como ilícito civil - A publicidade enganosa 347 c) Publicidade como ilícito civil - A publicidade abusiva 349 2.2 Práticas comerciais abusivas 352 a) Práticas comerciais expressamente vedadas 353 b) Obrigação de fornecer orçamento prévio discriminado 360 c) Respeito às normas técnicas e ao tabelamento de preços 361 2.3 Direito de arrependimento do consumidor (art. 49) 362 a) A venda de porta-em-porta (door-to-door) 363 b) Regime legal da venda de porta-em-porta 365 c) Vendas emocionais de time-sharing e vendas a distancia 374 4. PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR QUANDO DA EXECUÇÃO DO CONTRATO 389 1. Princípio básico da eqüidade (equilíbrio) contratual 390 1.1 Interpretação pró-consumidor. Visão geral 391 1.2 Proibição de cláusulas abusivas 401 a) Características gerais das cláusulas abusivas 402 (p. 18) b) Da nulidade absoluta das cláusulas abusivas 409 b.1 Lista única de cláusulas abusivas 410 b.2 Autorização excepcional de modificação de cláusulas 412 c) As cláusulas consideradas abusivas 415 c.1 A lista do art. 51 416 c.2 A norma geral do inciso IV do art. 51 421 c.3 As cláusulas identificadas pela jurisprudência 424 1.3 Controle judicial dos contratos de consumo 548 a) Controle formal e controle do conteúdo dos contratos 549 b) Controle concreto e em abstrato 550 c) Papel do Ministério Público e das entidades de proteção ao
  • 9. consumidor 552 1.4 Novas linhas jurisprudenciais de controle do sinalagma contratual e de recurso à ineficácia de cláusulas 553 a) A tendência de ineficácia de cláusulas não informadas ou destacadas corretamente 554 b) A tendência de revitalização do sinalagma no tempo e corre- ção monetária 557 c) A tendência de controle da novação contratual e do equilí- brio 562 2. Princípio da confiança 573 2.1 Novo regime para os vícios do produto 576 a) Vícios de qualidade - vícios por inadequação 582 b) Vícios de qualidade por falha na informação 590 c) Vícios de quantidade 591 2.2 Novo regime para os vícios do serviço 592 a) Vícios de qualidade dos serviços 593 b) Vícios nos serviços de reparação 598 c) Vícios de informação 599 2.3 Garantia legal de adequação do produto e do serviço 600 a) Noções gerais 600 b) Garantia legal e novo prazo decadencial 604 c) Relação da garantia contratual com a garantia legal 609 2.4 Garantia legal de segurança do produto ou do serviço (Respon- sabilidade extracontratual do fornecedor) 615 a) Deveres do fornecedor de produtos perigosos 618 b) Limites da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço - (A responsabilidade do comerciante) 620 c) Direito de regresso 630 (p. 19) 2.5 Inexecução contratual pelo consumidor e cobrança de dívidas 632 2.6 Inexecução contratual pelo fornecedor e desconsideração da personalidade da pessoa jurídica 636 a) Noções gerais 636 b) A desconsideração da personalidade da pessoa jurídica 637 CONCLUSÃO DA PARTE II E OBSERVAÇÕES FINAIS 641 BIBLIOGRAFIA 647 (p. 20) ABREVIATURAS CC ou CCB - Código Civil Brasileiro CF - Constituição Federal CDC - Código de Defesa do Consumidor CNDC/MI - Conselho Nacional de Defesa do Consumi- dor, Ministério da Justiça CONDGs - condições gerais dos contratos Brasilcon - Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor BGB - Bürgerliches Gesetzbuch (Código Civil Alemão) BGH - Bundesgerichtshof (Corte Federal Alemã) Dir. do Consumidor - Revista de Direito do Consumidor (São Paulo Brasilcon) DROITS - Revue française de Theorie Juridique (Revis- ta, Paris) JECP - Juizados Especiais e de Pequenas Causas JZ - Juristen Zeitung (Revista, Tübingen) NJW - Neue Juristische Wochenschrift (Revista, Frankfurt) RDM - Revista de Direito Mercantil (São Paulo) Rev. AJURIS - Revista da Associação de Juízes do Rio Gran- de do SuL (Porto Alegre) Rev. eur. dr. consommation - Revue Européenne de Droit de la Consomma- tion (Louvain. Bélgica)
  • 10. Rev. int. dr. comp. - Revue internationale de droit comparé (Revis- ta, Paris) Rev. inf. legisl. - Revista de Informação Legislativa (Senado Federal, Brasília) RT - Revista dos Tribunais (São Paulo) (p. 21) RF - Revista Forense (Rio de Janeiro) STF - Supremo Tribunal Federal STJ - Superior Tribunal de Justiça TA - Tribunal de Alçada TACiv - Tribunal de Alçada Cível TJ - Tribunal de Justiça (p. 22) INTRODUÇÃO À TERCEIRA EDIÇÃO Sete anos após a sua entrada em vigor, o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, continua a despertar o interesse da doutrina brasileira e, principalmente, dos práticos do direito. Sua incorporação ao sistema jurídico nacional foi surpreendente, sua assimilação na jurisprudência lenta, mas decisiva, e hoje o direito contratual brasileiro não pode ser completamente entendido sem um estudo profundo dos princípios e avanços impostos por essa lei. A jurisprudência brasileira assimilou a maioria de seus novos conceitos e normas, mas resistiu a alguns avanços, como demonstrará a análise de mais de 625 julgados incorporados a esta obra. Nesse sentido, esta terceira edição deve-se não só ao aparecimento de abundante doutrina especializada, mas, principalmente, à necessidade de traçar um panorama nacional realista sobre a aceitação e utilização do Código de Defesa do Consumidor na jurisprudência brasileira. Ainda é cedo para esboçar um balanço da efetividade dessa lei, mas as linhas jurisprudenciais já começam a cristalizar-se, por vezes, em interpretações mais ousadas do que as da doutrina, por vezes, ainda com um conservadorismo receoso com o momento atual da ciência do direito. O cômputo geral foi, porém, extremamente positivo e o CDC pode ser considerado uma lei de grande utilização prática, como comprova o expressivo número de jurisprudên- cias citadas. Assim, na primeira parte mais teórica deste estudo, procuramos aprofundar a análise desse momento atual, em que pese uma certa crise da ciência do direito, crise na insegurança jurídica, crise na multiplicidade das leis, e propor novas saídas através de figuras e princípios tradici- onais do direito, agora revitalizados. Incluímos assim um novo estudo sobre a chamada crise da pós-modernidade, procurando captar os seus reflexos no direito contratual brasileiro, pois, mesmo ciente da insegu- rança dessa denominação e da ousadia de uma tal análise, pareceu-me necessário e positivo propor uma discussão científica e crítica desse (p. 23) novo tema, frente aos belos estudos da doutrina estrangeira que pude acompanhar durante meu Doutorado na Alemanha. Na prática, a grande discussão nacional continua sendo a definição exata do campo de aplicação do Código de Defesa do Consumidor, discussão esta que tende a aumentar com a eventual aprovação de um novo Código Civil, de um ainda maior número de leis especiais e mesmo de uma legislação internacional com origem no Mercosul. Motivo pelo qual aumentamos e atualizamos, nesta edição, a análise do campo de aplicação da Lei 8.078/90 e dos eventuais conflitos com outras normas. O CDC já possui sete anos de vigência e, com o aumento da atividade Legislativa, resolvemos incluir um estudo sobre os conflitos do CDC com as já existentes leis especiais posteriores em matéria de contratos de consumo. Na segunda parte desta obra, ao analisarmos os reflexos contra- tuais do Código, procuramos trazer as linhas jurisprudcnciais mais significativas, as novas discussões judiciais e extrajudiciais sobre a forma e o conteúdo dos contratos de consumo, sem modificar, porém,
  • 11. o espírito, nem o plano da obra. A idéia básica continua sendo identificar no direito brasileiro, no mercado e na prática dos profissio- nais do direito (law in action) as inovações e as discussões oriundas dos novos princípios introduzidos ou concretizados no Código de Defesa do Consumidor. A pesquisa jurisprudencial executada não pode ser exaustiva, em virtude da enorme produção jurisprudencial nacional existente sobre o tema em face dos limites da autora. Tivemos como base a Revista de Direito do Consumidor, do Instituto Brasileiro de Direito do Consumi- dor, que já se encontra no 26º número, as pesquisas realizadas em todo o Brasil do Departamento acadêmico do Brasilcon e as publicações em revistas e repertórios especializados. Também a abundante doutrina sobre o tema, em especial, os excelentes artigos e livros especializados, não podem ser totalmente exauridos, mas, na medida do possível, foram considerados. Nesta edição, priorizamos a análise da jurisprudência (já abundan- te) dos Tribunais estaduais e aumentamos a análise da jurisprudência dos Tribunais Superiores sobre temas que se referem a relações de consumo. Por fim, mantivemos o plano e o caráter da obra, que demonstrou ser útil aos profissionais do direito e aos estudantes universitários. (p. 24) Aumentada a parte teórica e, especialmente, atualizada e complementada a análise da jurisprudência brasileira e das novas práticas do mercado de consumo, espero que esta terceira edição possa contribuir efetivamente para um ainda maior entendimento e aplicação prática do Código de Defesa do Consumidor e das demais leis de consumo no mercado brasileiro. Junho 1998. (p. 25) (p. 26, em branco) INTRODUÇÃO À SEGUNDA EDIÇÃO A necessidade de uma nova edição atualizada desta obra nasceu, em parte, da boa recepção que mereceu no Brasil inteiro; mas nasceu, principalmente, do forte impacto das normas protetivas dos direitos do consumidor no ordenamento jurídico nacional, especialmente no direito civil. Nestes três primeiros anos de vigência do Código de Defesa do Consümidor formou-se uma abundante e frutífera doutrina especializa- da no tema, que só agora pôde ser considerada e analisada conjunta- mente com a doutrina estrangeira no assunto. Esta segunda edição, porém, somente ganha verdadeiro sentido, quando analisada a prática contratual do mercado brasileiro após a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor. Foram as mudanças voluntárias no dia-a-dia das relações de consumo e os reflexos da imposição dos novos princípios do Código nas relações litigiosas que nos levaram a atualizar e a modificar - esperamos que para melhor - esta obra, complementando a visão teórica com os novos reflexos práticos do CDC no regime dos contratos. O núcleo principal desta segunda edição é, portanto, a atual jurisprudência brasileira e a análise de suas tradicionais ou renovadas linhas de pensamento em matéria de relações contratuais de consumo. Esta nova edição traz cerca de 267 decisões jurisprudenciais brasileiras, não só dos Tribunais Superiores e Tribunais Estaduais principais, mas também algumas decisões originais de magistrados de primeiro grau e das Câmaras Recursais dos juizados Especiais e de Pequenas Causas. Trata-se naturalmente, de uma pesquisa aleatória e incompleta, vincu- lada em muito as fontes limitadas da autora. A pesquisa jurisprudencial executada não teve pretensões de ser exaustiva, nem foi seu intento reproduzir em detalhes as linhas tradicionais do direito contratual clássico, ao contrário, o levantamento
  • 12. tem caráter exemplificativo e concentrou-se na influência do CDC e das (p. 27) novas linhas doutrinárias do direito contratual na atuação diária e efetiva do Judiciário. Face a experiência acumulada nestes primeiros anos de aplicação do Código, esperamos que semelhante obra possa ajudar ao profissional do direito e aplicador da lei a identificar rapidamente a influência modificadora - ou não - dos princípios da boa-fé objetiva e de eqüidade contratual no sistema do direito civil brasileiro, servindo a pesquisa jurisprudencial especialmente para identificar a eficácia prática da lei nova e os campos onde sua aplicação ainda não é aquela desejada. A jurisprudência brasileira tem contribuído muito para o desen- volvimento e interpretação do Código de Defesa do Consumidor, mesmo se observarmos que sua atuação é ainda diferenciada, e, por vezes, até contraditória de Estado para Estado da Federação. Conside- ramos, porém, que a atuação concreta e prudente dos juízes brasileiros está a merecer um destaque especial da doutrina, e se possível no sentido original do pensamento dos julgadores. De forma a poder reproduzir com a máxima sinceridade intelectual o pensamento e a ratio do julgador, superando a sua simples utilização como apoio às opiniões emitidas na primeira edição, optamos por reproduzir nas notas de rodapé muitas das ementas das decisões citadas, mesmo conscientes de que as ementas são pálida representação do conteúdo dos acórdãos e do pungente direito dos juízes nesta matéria. Esperamos que esta opção não torne a leitura excessivamente pesada, e que, ao contrário, possa ser um efetivo instrumento de pesquisa e de convencimento para o profissional do direito, ao possibilitar uma visualização mais imediata da argumentação e da motivação aceita pela jurisprudência citada. Entre a jurisprudência analisada e reproduzida incluímos também decisões dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, tendo em vista a importância conquistada por estes Juizados na efetiva (e rápida) defesa dos interesses dos consumidores. De forma a evitar qualquer discussão sobre a legitimidade desta "fonte jurisprudencial", mencio- naremos apenas as decisões das Câmaras Recursais, constituídas por magistrados de carreira, decisões que foram reproduzidas nos veículos oficiais de publicação dos Tribunais de Justiça de cada Estado. A jurisprudência oriunda dos Juizados é pouco conhecida ou divulgada, mesmo entre os conciliadores, árbitros e juízes. Nesse sentido, consi- deramos que sua divulgação pode ser fator importante para a conquista de uma maior harmonia de decisões no país, assim como contribuir para (p. 28) uma salutar - e pouco existente - "troca de experiências" com as vias tradicionais da Justiça. Quanto às modificações executadas no texto, foram incluídas, na primeira parte do livro, análise mais detalhada sobre os contratos de longa duração, sobre a definição de consumidor stricto sensu e agentes equiparados pelo CDC a consumidores, assim como sobre a aplicação do CDC no tempo e os conflitos de leis oriundos de sua entrada em vigor. Especialmente modificada e complementada pela atual prática jurisprudencial apresenta-se a parte dois desta obra, onde foi incluída uma análise mais detalhada do fenômeno da vinculação própria através da negociação contratual, assim como novos títulos sobre as caracte- rísticas das cláusulas abusivas, sobre a autorização excepcional de modificação de algumas cláusulas pelo Judiciário e sobre as principais cláusulas abusivas identificadas pela jurisprudência brasileira nestes primeiros anos de vigência do CDC. O Código de Defesa do Consumidor, como lei nova e rejuvenescedora do Direito Civil brasileiro, tem atraído a atenção de juristas interessados na evolução da ciência jurídica e dos instrumentos legais garantidores de relações sociais mais equilibradas e leais; tem despertado contínuo interesse nos profissionais do direito em geral, advogados, conciliadores, membros do Ministério Público e magistra- dos. O CDC conseguiu em poucos anos transformar-se em uma
  • 13. realidade, uma lei de assumida função social a impor um novo patamar de harmonia e de boa-fé objetiva no mercado de consumo. Sua importância e seus reflexos positivos no ordenamento jurídico brasilei- ro, especialmente no que se refere ao novo regime das relações contratuais, não podem mais ser negados. Esperamos que este trabalho, renovado e atualizado com a nova doutrina e jurisprudência brasileira possa ser uma contribuição válida ao estudo e à prática das novas linhas positivadas no Direito Civil pátrio pelo Código de Defesa do Consu- midor. Dezembro 1994. (p. 29) (p. 30, em branco) INTRODUÇÃO À PRIMEIRA EDIÇÃO 1. Plano da obra I - O presente trabalho pretende ser uma contribuição ao estudo dos reflexos do Código de Defesa do Consumidor no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no que se refere ao regime das relações contratuais. Trata-se de analisar o Código, enquanto inovação, mas de explicitá-lo, enquanto resultado da evolução teórica e doutrinária do direito como ciência. Este aspecto foi até agora pouco observado pelos autores que comentam as normas do Código, como se este rompesse com a história e a evolução do pensamento jurídico. Bem ao contrário, o Código rompe com o pensamento individualista, liberal da concepção clássica de contrato, mas representa a própria evolução, a própria positivação da teoria da função social do contrato, que desde o século XIX aparecia nos ensinamentos ideais de mestres como Jehring, Morin e outros. Os juristas, acostumados com o pensamento tradicional, poderão assim situar-se e situando-se, interpretar as normas do Código com maior embasamento, com maior segurança, entendendo e sua ratio, evitando assim interpretações que deturpem o seu fim, que as tornem inócuas ou radicais em excesso. O chamado Direito do Consumidor é parte do Direito, é parte da ciência, é parte da evolução do pensamento jurídico, criando novos conceitos, pensando topicamente e dando novo conteúdo a noções-chaves como a boa-fé, a eqüidade contratual, a válida manifestação de vontade, a equivalência de pres- tações, a transparência e o respeito entre parceiros Na fase pré- contratual. Este estudo volta-se, assim, tanto para aqueles que estão agora aprendendo, quanto para os profissionais do direito, que a todo momento devem sugerir condutas, julgar e resolver problemas envol- vendo as relações contratuais entre consumidores (todos) e fornecedo- res (profissionais). (p. 31) II - O presente trabalho divide-se em duas grandes partes. uma mais teórica, dedicada ao estudo da evolução da Teoria Contratual, que tem por fim apresentar o Código de Defesa do Consumidor (CDC) como conseqüência desta renovação no pensamento jurídico, e uma segunda, mais prática, onde será analisado o novo regime legal imposto pelas normas do Código quando da formação dos contratos de consumo e quando da execução destes. Esta segunda parte estudará uma a uma das normas do Código que possuem algum reflexo nas relações contratuais, mesmo que este reflexo seja indireto, eventual ou futuro, pois as novas normas acompanham as relações de consumo desde a sua fase pré-contratual até uma nova proteção na fase pós-contratual. A apresentação das normas do Código será sistematizada tendo em vista os novos princípios básicos que o CDC introduz no ordenamento jurídico brasileiro, de forma a facilitar a sua interpretação e o enten- dimento de sua ratio. Da mesma forma optamos pela transcrição das principais normas no texto, para facilitar a leitura e a rapidez no
  • 14. entendimento de nossas observações. Em face da novidade do tema, recorremos, em muito nesta primeira edição, à experiência do direito comparado, que nos foi transmitida, tão sensatamente, pelos mestres alemães e suíços. Por fim, cabe esclarecer que a exposição sobre o novo regime das cláusulas abusivas é propositalmente sintática, porque o tema comporta, em face da experiência do direito comparado, uma análise monográfica, que já está sendo preparada. O presente trabalho é, portanto, amplo em sua análise, pois ampla é a aplicação da nova lei nas relações contratuais no mercado brasileiro, mas não pretende ser mais do que um primeiro passo, uma primeira contribuição para o entendimento desse fato novo, deste novo espírito introduzido no ordenamento brasileiro. É um estímulo à discussão, uma modesta tentativa de sistematização, aberta à crítica e crescimento, em face da novidade e da importância do tema. 2. Introdução ao tema A Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor ou CDC, entrou em vigor em 11 de março de 1991, representando uma considerável inovação no ordena- mento jurídico brasileiro, uma verdadeira mudança na ação protetora (p. 32) do direito. De uma visão liberal e individualista do Direito Civil, passamos a uma visão social, que valoriza a função do direito como ativo garante do equilíbrio, como protetor da confiança e das legítimas expectativas nas relações de consumo no mercado. Em matéria contratual, não mais se acredita que assegurando a autonomia de vontade e a liberdade contratual se alcançará, automa- ticamente, a necessária harmonia e eqüidade nas relações contratuais. Nas sociedades de consumo, com seu sistema de produção e de distribuição em massa, as relações contratuais se despersonalizaram, aparecendo os métodos de contratação estandardizados, como os contratos de adesão e as condições gerais dos contratos. Hoje estes métodos predominam em quase todas as relações entre empresas e consumidores, deixando claro o desnível entre os contratantes - um, autor efetivo das cláusulas, e outro, simples aderente. É uma realidade social bem diversa daquela do século XIX, que originou a concepção tradicional e individualista de contrato, presente em nosso Código Civil de 1917. Ao Estado coube, portanto, intervir nas relações de consumo, reduzindo o espaço para a autonomia de vontade, impondo normas imperativas de maneira a restabelecer o equilíbrio e a igualdade de forças nas relações entre consumidores e fornecedores. O art. 1º do Código de Defesa do Consumidor deixa claro que a nova Lei representa exatamente esta intervenção estatal, ordenada pela Constituição Federal de 1988, em seus arts. 5º, inciso XXXII e 170, inciso V. No Código estão positivadas as novas regras para a proteção do consumidor, as quais têm como fim justamente harmonizar e dar transparência às relações de consumo (veja art. 4º, caput in fine CDC). O novo Código pretende regular todas as matérias conexas às relações de consumo na sociedade; ao nosso estudo, porém, interessa somente a mais representativa e abrangente destas relações: a relação contratual entre o consumidor e o fornecedor de bens ou serviços. Vários enfoques poderiam ser dados ao estudo do novo regime das relações contratuais entre consumidor e fornecedor de bens e serviços. Neste estudo, vamos sistematizar as novas normas, relacionando-as com os princípios básicos instituídos pelo Código de Defesa do Consumidor, destacando o que elas têm de novo em relação ao ordenamento jurídico brasileiro tradicional, pois somente o conheci- mento e o domínio dessas mudanças possibilitará uma adaptação sem grandes traumas dos contratos e das práticas comerciais existentes no mercado. (p. 33)
  • 15. (p. 34, em branco) Parte 1 - A RENOVAÇÃO DA TEORIA CONTRATUAL 1 - A NOVA TEORIA CONTRATUAL SUMARIO: 1. A concepção tradicional do contrato - 1.1 Caracterís- ticas principais - 1.2 Origens da concepção tradicional de contrato: a) O direito canônico; b) A teoria do direito natural; c) Teorias de ordem política e a revolução francesa; d) Teorias econômicas e o Liberalismo - 1.3 Reflexos da teoria contratual e do dogma da autonomia da vontade: a) A liberdade contratual; b) A força obrigatória dos contratos; c) Os vícios do consentimento - 2. A nova realidade contratual - 2.1 Noções preliminares: Os contratos de massa - 2.2 Os contratos de adesão: a) Descrição do fenômeno; b) A formação do vínculo; c) A disciplina dos contratos de adesão - 2.3 As condições gerais dos contratos (cláusulas contratuais gerais): a) Descrição do fenômeno; b) A inclusão de condições gerais nos contratos; c) A disciplina das condições gerais dos contratos - 2.4 Os contratos cativos de longa duração: a) Descrição do fenômeno; b) A estrutura dos contratos cativos de longa duração; c) Disciplina - 2.5 As cláusulas abusivas nos contratos de massa - 3. Crise na teoria contratual clássica - 3.1 Crise da massificação das relações contratuais - 3.2 Crise da pós-modernidade - 4. A nova concepção de contrato e o Código de Defesa do Consu- midor - 4.1 A nova concepção social do contrato: a) Socialização da teoria contratual; b) Imposição do princípio da boa-fé objetiva; c) Intervencionismo dos Estados - 4.2 O Código de Defesa do Consumi- dor como conseqüência da nova teoria contratual: a) Limitação da liberdade contratual; b) Relativização da força obrigatória dos contra- tos; c) Proteção da confiança e dos interesses legítimos; d) Nova noção de equilíbrio mínimo das relações contratuais. A idéia de contrato vem sendo moldada, desde os romanos, tendo sempre como base as práticas sociais, a moral e o modelo econômico da época. O contrato, por assim dizer, nasceu da realidade social. (p. 35) Efetivamente, sem os contratos de troca econômica, especial- mente os contratos de compra e venda, de empréstimo e de permuta, a sociedade atual de consumo não existiria como a conhecemos. O valor decisivo do contrato está, portanto, em ser o instrumento jurídico que possibilita e regulamenta o movimento de riquezas dentro da sociedade.{1} Para as partes, o contrato objetiva, fundamentalmente, uma troca de prestações, um receber e prestar recíproco. Assim, contrato de compra e venda é um sinalagma, em que um contratante assume a obrigação de pagar certo preço para alcançar um novo status jurídico, status de proprietário (seja de um automóvel, televisão ou mesmo de bens alimentícios), enquanto o outro assume a obrigação de transferir um direito seu de propriedade, porque lhe é mais interessante, no momento, ser credor daquela quantia. A idéia de troca, de reciprocidade de obrigações e de direitos serve para frisarmos a existência dentro da noção de contrato de um equilíbrio mínimo das prestações e contraprestações, equilíbrio mínimo de direitos e deveres. Note-se que o contrato remedia a desconfiança básica entre os homens e funciona como instrumento, antes individual, hoje social, de alocação de riscos para a segurança dos envolvidos e a viabilização dos objetivos alme- jados pelas partes.{2} Para a teoria jurídica, o contrato é um conceito importantíssimo, uma categoria jurídica fundamental trabalhada pelo poder de abstração dos juristas, especialmente os alemães do século XIX, quando sistema- tizaram a ciência do direito.{3} É o negócio jurídico por excelência, onde
  • 16. o consenso de vontades dirige-se para um determinado fim. É ato jurídico vinculante, que criará ou modificará direitos e obrigações para as partes contraentes, sendo tanto o ato como os seus efeitos permitidos e, em princípio, protegidos pelo Direito. * (1) Assim ensinam os mestres comparatistas Zweigert/Koetz, p. 7, sobre a evolução desta visão econômica do contrato e sua importância ainda nos dias de hoje, Poughon, Le contrat, pp. 47 e ss. (2) Como relembram os mestres da common law, o contrato, além da exchange functíon, possui uma importante função de alocação de riscos na sociedade moderna, veja o excelente Atiyah, p. 716. (3) Sobre o sistema do direito e a evolução dos conceitos da Teoria do Direito, veja a obra basilar de Karl Larenz, Metodologia e sobre a história do pensamento jurídico, veja o excelente Wieacker. (p. 36) A concepção de contrato, a idéia de relação contratual, sofreu, porém, nos últimos tempos uma evolução sensível, em face da criação de um novo tipo de sociedade, sociedade industrializada, de consumo, massificada, em face, também, da evolução natural do pensamento teórico-jurídico. O contrato evoluirá, então, de espaço reservado e protegido pelo direito para a livre e soberana manifestação da vontade das partes, para ser um instrumento jurídico mais social, controlado e submetido a uma série de imposições cogentes, mas eqUitativas. Este primeiro capítulo é, portanto, dedicado ao estudo da referida evolução da teoria contratual, evolução esta oriunda da realidade social e da ciência do Direito, que, no Brasil, culminará com a criação do Código de Defesa do Consumidor. 1. A concepçâo tradicional do contrato Na ciência jurídica do século XIX, a autonomia de vontade era a pedra angular do Direito.{4} A concepção de vínculo contratual desse período está centrada na idéia de valor da vontade, como elemento principal, como fonte única e como legitimação para o nascimento de direitos e obrigações oriundas da relação jurídica contratual.{5} Como afirma Gounot,{6} "da vontade livre tudo procede e à ela tudo se destina". É a época do liberalismo na economia e do chamado voluntarismo no direito. A função das leis referentes a contratos era, portanto, somente a de proteger esta vontade criadora e de assegurar a realização dos efeitos queridos pelos contraentes.{7} A tutela jurídica limita-se a * (4) Veja os clássicos ensaios de Michel Villey, "Essor et décadence du voluntarisme juridique" e de A. Rieg, "Le rôle de la volonté dans la formation de l’acte juridique d’aprés les doctrines allemandes du XIX siécle", ambos nos Archives de Philosophie du Droit, vol. 4, Paris, Sirey, 1957, pp. 87/98 e 126-132. (5) Assim, os comparatistas alemães Zweigert/Koetz, p. 7; veja também o recente Jacques Ghestin, "La notion de contrat", in Recueil Dalloz/Sirey, 1990, n. 23, p. 147. (6) No original, "de la volonté libre tout procede, à elle tout aboutit", apud Bessone, Natura Ideologica, p. 944. (7) Relembre-se aqui a noção clássica de negócio jurídico, como declaração de vontade dirigida a um fim, tutelando o direito tanto esta vontade como os efeitos pretendidos pelas partes, veja a obra de Azevedo, pp. 6 e ss. (p. 37) possibilitar a estruturação pelos indivíduos destas relações jurídicas próprias assegurando uma teórica autonomia, igualdade e liberdade no momento de Contratar, e desconsiderando por completo a situação econômica e social dos contraentes.
  • 17. Na concepção clássica, portanto, as regras contratuais deveriam compor um quadro de normas supletivas, meramente interpretativas, para permitir e assegurar a plena autonomia de vontade dos indivíduos, assim como a liberdade contratual. Esta concepção voluntarista e liberal influenciará as grandes codificações do Direito e repercutirá no pensamento jurídico do Brasil, sendo aceita e positivada pelo Código Civil Brasileiro de 1917.{8} 1.1 Características principais Como primeira aproximação ao estudo da concepção tradicional de contrato vamos examinar a definição do grande sistematizador do século XIX, Friedrich Karl von Savigny, segundo a qual, o contrato é a união de mais de um indivíduo para uma declaração de vontade em consenso, através da qual se define a relação jurídica entre estes ("Vertrag ist die Vereiningung mehrerer zu einer übereinstimmenden Willenserklärung, wodurch ihre Rechtsverhältnisse bestimmt werden"){9}. Esta definição, em princípio simples, tem grande valor para a nossa análise, pois nela já podemos encontrar os elementos básicos que caracterizarão a concepção tradicional de contrato até os nossos dias: (1) a vontade (2) do indivíduo (3) livre (4) definindo, criando direitos e obrigações protegidos e reconhecidos pelo direito. Em outras pala- vras, na teoria do direito, a concepção clássica de contrato está diretamente ligada à doutrina da autonomia da vontade e ao seu reflexo{10} mais importante, qual seja, o dogma da liberdade contratual. * (8) Assim Couto e Silva, Perspectivas, p. 134. (9) Apud Zweigert/Koetz, p. 6. (10) Concordam Weil/Terré, p. 25, Rieg, p. 126, Larenz/AT, p. 35, Laufs, p. 255, Raizer, p. 12, Almeida Costa, p. 77, Reale/Nova Fase, p. 87, Couto e Silva, RT 655, p. 7, Gomes/Transformações, p. 9, porém, para os comparatistas Zweigert/Koetz, p. 9, Koendgen, p. 119 e Kramer/Muenchener, p. 1090, os dogmas teriam o mesmo nível, sendo a característica mais importante a liberdade contratual, a qual não seria simples "reflexo" ou elemento do dogma da autonomia da vontade. A tradição brasileira e francesa é a que seguimos. (p. 38) Para esta concepção, portanto, a vontade dos contraentes, decla- rada ou interna, é o elemento principal do contrato. A vontade representa não só a genesis, como também a legitimação do contrato{11} e de seu poder vinculante e obrigatório. Tendo em vista o papel decisivo da vontade a doutrina, a legislação e a jurisprudência, influenciadas por esta concepção, irão concentrar seus esforços no problema da realização dessa autonomia da vontade;{12} somente a vontade livre e real, isenta de vícios ou defeitos, pode dar origem a um contrato válido, fonte de obrigações e de direitos. Nesse sentido, a função da ciência do direito será a de proteger a vontade criadora e de assegurar a realização dos efeitos queridos pelas partes contratantes. A tutela jurídica limita-se, nesta época, portanto, a possibilitar a estruturação pelos indivíduos de relações jurídicas próprias através dos contratos,{13} desinteressando-se totalmente pela situação econômica e social dos contraentes{14} e pressupondo a existên- cia de uma igualdade e liberdade no momento de contrair a obrigação. Esta concepção clássica de contrato, individualista, liberal e centrada na idéia de valor da vontade, influenciará o pensamento brasileiro,{15} sendo aceita pelo Código Civil de 1917.{16} Mas a concepção clássica de contrato não é fruto de um único momento histórico, ao contrário, ela representa o ponto culminante e aglutinador da evolução teórica do direito após a idade média e da evolução social e política ocorrida nos séculos XVIII e XIX, com a revolução francesa, o nacionalismo crescente e o liberalismo
  • 18. econômico. A compreensão desta teoria clássica contratual exige, portanto, que se analise igualmente as origens dessa concepção, sempre tendo em vista o reflexo que estas influências teóricas e sociais tiveram no nascimento da doutrina da autonomia da vontade (1.2). * (11) Assim, Kramer/Muenchener, p. 1091 (ver § 145, 3, b). (12) Concordam Zweigert/Koetz, p. 8. (13) Nesse sentido Raizer, p. 12. (14) Assim, o mestre de Porto Alegre, Couto e Silva/Perspectiva, p. 134. (15) Veja sobre a repercussão do pensamento Filosófico-jurídico europeu no pensamento jurídico brasileiro, a lição de Reale, Nova Fase, p. 219. (16) Assim, Pontes de Miranda/Fontes, p. 377 e Couto e Silva/Perspectiva, p. 137. (p. 39) É necessário, igualmente, que se identifique que conseqüências jurídicas se originaram, nos ordenamentos jurídicos de quase todos os povos europeus e também entre nós, da aceitação desta concepção clássica de contrato (1.3). 1.2 Origens da concepção tradicional de contrato A concepção tradicional de contrato, segundo frisamos, está intimamente ligada a idéia de autonomia da vontade, eis porque é possível identificar suas origens analisando a evolução deste dogma basilar do direito. Segundo doutrinadores franceses,{17} quatro são as principais origens da doutrina da autonomia da vontade no direito: a) O direito canônico - O direito canônico contribuiu decisiva- mente para a formação da doutrina da autonomia da vontade e, portanto, para a visão clássica do contrato, ao defender a validade e a força obrigatória da promessa por ela mesma, libertando o direito do formalismo exagerado e da solenidade típicos da regra romana.{18} O simples pacto faz nascer a obrigação jurídica, como fruto do ato do homem. É o direito canônico que vulgariza a fórmula ex nudo pacto nascitur. Para os canonistas, a palavra dada conscientemente criava uma obrigação de caráter moral e jurídico para o indivíduo. Assim, livre do formalismo excessivo do direito romano, o contrato se estabelece como um instrumento abstrato e como uma categoria jurídica.{19} * (17) Assim Weill/Terré, p. 50 sobre as origens da doutrina da autonomia da vontade. (18) Segundo Puig Peña, p. 2, o pactum ou conventio, no direito romano, significava um simples acordo que por si só não gerava uma actio, nem vínculo obrigacional, sendo necessário um plus (causa civilis) para se transformar em contractus: a forma especial, ou mais tarde, a execução por uma das partes. De outro lado, se Roma possuía um conceito mais objetivo de contrato e diferenciado do atual, isto não impede que alguns doutrina- dores visualizem na relação de forças entre o disposto na lex e as instituições do ius (incluindo aqui os atos jurídicos) um conceito de autonomia privada bastante semelhante ao atual, como espaço reservado para a auto-determinação dos indivíduos, veja a controvérsia em Frezza, p. 481 e Carressi, p. 265. (19) Assim concluem também Mazeaud/Mazeaud/Chabas, p. 53. (p. 40) b) A teoria do direito natural - É na teoria do direito natural que encontramos, porém, a base teórico-filosófica mais importante na formação dos dogmas da concepção clássica: a autonomia da vontade e a liberdade contratual. Como ensina Reale,{20} à luz do Direito Natural, especialmente devido às idéias de Kant, a pessoa humana tornou-se um ente de razão, uma fonte fundamental do direito, pois, é através de seu
  • 19. agir, de sua vontade, que a expressão jurídica se realiza. Kant{21} chegaria mesmo a afirmar que a autonomia da vontade seria "o único princípio de todas as leis morais e dos deveres que lhes correspondem". Estas idéias de Kant tiveram muita influência na Alemanha à época da sistematização do direito e serão uma das bases da Willenstheorie,{22} para a qual a vontade interna, manifestada sem vícios, é a verdadeira fonte do contrato, a fonte que legitima os direitos e obrigações daí resultantes, os quais devem ser reconhecidos e protegidos pelo direito. Para Wieacker,{23} os pandectistas do século XIX, ao sistematizarem a ciência do direito e os conceitos jurídicos, basearam-se na ética da liberdade - e do dever de Kant. Para este famoso historiador do direito, é na ideologia do jusnaturalismo que vamos encontrar a fonte do que ele chama "paixão burguesa pela liberdade". Efetivamente, é no direito natural que encontramos a base do dogma da liberdade contratual, uma vez que a liberdade de contratar seria uma das liberdades naturais do homem, liberdade esta que só poderia ser restringida pela vontade (Wille) do próprio homem.{24} O próprio Kant{25} afirmada que as pessoas * (20) Reale/Nova, p. 61. (21) Kant, "Kritik der Praktischen Vernunft" apud Reale/Nova, p. 60. (22) Assim concluem tb. Zweigert/Koetz, p. 8. (23) Wieacker, p. 280. (24) Concordam igualmente Zweigert/Koetz, p. 8, em interessante estudo. Ernst Wolf relembra que o § 823 do BGB ao citar os bens e valores, os quais lesados originam a pretensão de ressarcimento por ato ilícito no direito alemão, inclui "a liberdade", como interesse e direito natural do homem. Wolf, Ernst, "Vertragsfreiheit - eine Illusion?", FSKeller, p. 360. (25) Kant/Grundlegung zur Methaphysik der Sitten, p. 375: "Man sah den Menschen Durch seine Pflicht an Gesetze gebunden, man liess es sich aber nicht einfailen, dass er nur seiner eigenen und dennoch allgemeinen Gesetsgebung unterworíen sei, und dass er nur verbunden sei, seinen eigenen, den Naturzweck nach aber allgemeinen gesetzgebenden Willen gemaess zu handeln". (p. 41) só podem se submeter às leis que elas mesmas se dão, no caso, o contrato. Wieacker chega a considerar o jusnaturalismo, com as influências por ele recebidas da tradição católica, como a força mais poderosa no desenvolvimento do direito, depois do Corpus Iuris Civile.{26} Mas não só as teorias ético-jurídicas tiveram influência na formação de concepção clássica de contrato, também as teorias de ordem política e econômica ajudaram a moldá-la. c) Teorias de ordem política e a revolução francesa - Já se afirmou que o direito moderno nasce com a Revolução Francesa,{27} neste sentido queremos destacar a influência que a famosa teoria do contrato social exerceu sobre o direito contratual. Esta teoria de Rousseau lança a idéia do contrato como base da sociedade, sociedade politicamente organi- zada, isto é, o Estado. Aqui vamos reencontrar o dogma da vontade livre do homem, pois, segundo esta revolucionária teoria francesa, a auto- ridade estatal tem o seu fundamento no consentimento dos sujeitos de direito, isto é, os cidadãos. Suas vontades se unem (em contrato) para formar a sociedade, o Estado como hoje o conhecemos. Nas palavras célebres de Rousseau: "Já que nenhum homem possui uma autoridade natural sobre o seu semelhante, e uma vez que a força não produz nenhum direito, restam, portanto, os contratos (as convenções) como base de toda a autoridade legítima no meio dos homens".{28} Note-se que também aqui está presente a idéia de renúncia à parte da liberdade individual. É necessário renunciar através do contrato social, mas a própria renúncia é expressão do valor da vontade. O contrato é, assim, não só a fonte das obrigações entre indivíduos, ele é a base de toda a autoridade. Mesmo o Estado retira sua autoridade de um contrato, logo a própria lei estatal encontra aí sua base. O
  • 20. contrato não obriga porque assim estabeleceu o direito, é o direito que vale porque deriva de um contrato. O contrato, tornando-se um a priori do direito, revela possuir uma base outra, uma legitimidade essencial * (26) Wieacker, p. 297. (27) Assim Reale/Nova, p. 73. (28) Nas palavras originais, Rousseau, p. 45, L. I., Cap. IV: "puisque aucun homme n’a une autorité naturelle sur son semblable, et puisque la force ne produit aucun droit, restent donc les conventions pour base de toute autorité légitime parmi les hommes". (p. 42) e autônoma em relação às normas: a vontade dos cidadãos.{29} A teoria do contrato social conduz, portanto, à idéia de importância da vontade do homem.{30} Destaque-se, por fim, a maior realização da Revolução Francesa no campo do Direito Civil, o Código Civil Francês de 1804. O Code Civil, elaborado na época napoleônica, conjuga as influências indivi- dualistas e voluntaristas da época com as idéias do Direito Natural Moderno: tendo, segundo Reale,{31} remota fonte hobbesiana. Marco da história do direito, esta codificação, que influenciada grande parte dos ordenamentos jurídicos do mundo, coloca como valor supremo de seu sistema contratual a autonomia da vontade, afirmando, em seu art. 1.134, que as convenções legalmente formadas têm lugar das leis para aqueles que as fizeram.{32} Esta visão extremamente voluntarista do direito contratual influenciará várias codificações, inclusive a nossa, moldando para sempre a concepção clássica de contrato. d) Teorias econômicas e o Liberalismo - As teorias econômicas do século XVIII, em resposta ao corporativismo e as limitações impostas pela igreja católica, propõem a liberdade como panacéia universal.{33} Para estas teorias, é basicamente necessária a livre movi- mentação das riquezas na sociedade.{34} Uma vez que o contrato é o instrumento colocado à disposição pelo direito para que esta movimentação aconteça, defendem a neces- * (29) Assim Puig Peña, p. 3. Já o mestre alemão Coing/Rechtsphilosophie, p. 33, observa que exatamente neste momento, o homem (Menschen) volta a ser visto como cidadão (Bürger) e o direito dos homens (direito natural) vai cedendo espaço para o direito dos cidadãos (direito civil ou bürgerliches Recht, em alemão), direito dos iguais na sociedade civil. (30) Assim Weil/Terré, p. 51. (31) Reale, Nova Fase, p. 87 e Villey, p. 683. (32) No original: "Art. 1.134 - Les conventions légalment formées tiennet lieu de li à ceux qui les ont faites", nossa tradução no texto foi influenciada por aquela de Reale, Nova Fase, p. 90, veja também sobre o sistema contratual do Code Civil, Morin, Révolte, p. 13 a 17. (33) Kramer/Krise, p. 22. (34) Veja Amaral, Autonomia, p. 26 e tb. o excelente Atiyah, p. 277, o qual destaca a importância da idéia de propriedade privada, a possibilitar essa liberdade de trocas de mercadorias na sociedade. (p. 43) sidade da liberdade contratual. Acreditava-se, na época, que o contrato traria em si uma natural eqüidade, proporcionaria a harmonia social e econômica, se fosse assegurada a liberdade contratual. O contrato seria justo e eqüitativo por sua própria natureza. Na expressão da época: "Qui dit contractuelle, dit juste".{35} O modelo do synalagma serve como base para esta visão econô- mica do contrato, a qual reafirmará ser este precipuamente um instrumento de troca do "inútil" pelo "útil", visando a realização de interesses individuais daqueles que contrataram. Note-se aqui uma dupla função econômica do contrato: instrumentalizar a livre circulação
  • 21. das riquezas na sociedade e ao mesmo tempo indicar o valor de mercado de cada objeto cedido (sua nova "utilidade"). Evolui-se, assim, para considerar o contrato menos um instrumento de troca de objetos, mas sim uma troca de valores.{36} No século XIX, auge do Liberalismo, do chamado Estado Moder- no, coube a teoria do direito dar forma conceitual ao individualismo econômico da época, criando a concepção tradicional de contrato,{37} em consonância com os imperativos da liberdade individual e principal- mente do dogma máximo da autonomia da vontade.{38} 1.3 Reflexos da teoria contratual e do dogma da autonomia da vontade A doutrina da autonomia da vontade considera que a obrigação contratual tem por única fonte a vontade das partes. A vontade humana é assim o elemento nuclear, a fonte e a legitimação da relação jurídica contratual e não a autoridade da lei. Sendo assim, é da vontade que se origina a força obrigatória dos contratos, cabendo à lei simplesmente colocar à disposição das partes instrumentos para assegurar o cumpri- mento das promessas e limitar-se a uma posição supletiva. A doutrina da autonomia da vontade terá também outras conseqüências jurídicas * (35) Assim Koendgen, p. 119, segundo Ghestin, "L’utile", p. 36 a expressão é de Fouillée, veja em português Schwab/Ajuris 39, p. 17 "quem diz contratual, diz justo". (36) Assim conclui tb. Poughon, pp. 54 e ss. (37) Veja detalhes na tese de Lobo, pp. 35 e ss. e em Bessone, Natura ideologica, p. 945. (38) Assim também, excelente, Reale, Nova Fase, p. 91. (p. 44) importantes como a necessidade do direito assegurar que a vontade criadora do contrato seja livre de vícios ou de defeitos, nascendo aí a teoria dos vícios do consentimento. Acima de tudo o princípio da autonomia da vontade exige que exista, pelo menos abstratamente, a liberdade de contratar ou de se abster, de escolher o parceiro contratual, o conteúdo e a forma do contrato. É o famoso dogma da liberdade contratual. Vejamos, portanto, em detalhes estas conseqüências e reflexos no mundo do direito da aceitação da doutrina da autonomia da vontade: a) A liberdade contratual - A idéia de autonomia de vontade está estreitamente ligada a idéia de uma vontade livre, dirigida pelo próprio indivíduo sem influências externas imperativas. A liberdade contratual significa, então, a liberdade de contratar ou de se abster de contratar, liberdade de escolher o seu parceiro contratual, de fixar o conteúdo e os limites das obrigações que quer assumir, liberdade de poder exprimir a sua vontade na forma que desejar, contando sempre com a proteção do direito. Para alguns novos autores alemães,{39} os dogmas da autonomia da vontade e da liberdade contratual deveriam ter o mesmo nível e importância na caracterização da teoria tradicional do contrato. Evitan- do teorizar se o dogma da liberdade contratual teria sua origem na doutrina da autonomia da vontade ou não, eles preferem uma análise funcional da teoria contratual, destacando que o contrato é, para o liberalismo econômico do século XIX, um dos mais importantes institutos jurídicos, pois instrumentaliza a movimentação de riquezas na sociedade. Para estes autores,{40} a idéia de liberdade contratual preencheu três importantes funções à época do liberalismo, momento de maturação da concepção tradicional de contrato. De um lado permitia que os indivíduos agissem de maneira autônoma e livre no mercado, utilizando assim de maneira optimal as potencialidades da economia, baseada em um mercado livre, e criando, assim, outra
  • 22. importante figura: a livre concorrência. De outro lado, nesta economia livre e descentralizada, deveria ser assegurado a cada contraente a * (39) Assim os comparatistas famosos, Zweigert/Koetz, p. 9, o respeitado comentário do BGB, Kramer/Muenchener, p. 1090 e a Habilitationsschrift de Koendgen, p. 119. (40) Koendgen, p. 119 a Kramer/Muenchener, p. 1091. (p. 45) maior independência possível para se auto-obrigar nos limites que desejasse, ficando apenas adstrito à observância do princípio máximo: pacta sunt servanda. Koendgen{41} destaca aqui, que esta ampla liberdade de contratar pressupõe juridicamente a aceitação de que a obrigação assumida é limitada a determinado ato e em determinado espaço de tempo. Ganha, assim, importância para o direito o consenso, a vontade de indivíduo, o Conteúdo e os limites desta vontade, interna ou declarada. A terceira função do dogma da liberdade contratual pode ser denominada como função "protetora". Na visão liberal, o Estado deveria abster-se de qualquer intervenção nas relações entre indivíduos. Assim, se o indivíduo era livre e tinha a possibilidade de se auto- obrigar, tinha direito também de defender-se contra a imputação de outras obrigações para as quais não tenha manifestado a sua vontade. Como se observa, mesmo nesta exposição alternativa do dogma da liberdade contratual este aparece intrinsecamente ligado à autonomia da vontade, pois é a vontade, que, na visão tradicional, legitima o contrato e é fonte das obrigações, sendo a liberdade um pressuposto desta vontade criadora, uma exigência, como veremos, mais teórica do que prática. Preferimos aqui destacar os reflexos que ambos os dogmas tiveram na teoria contratual tradicional, assim temos, por exemplo, o princípio da liberdade de forma das convenções, o da livre estipulação de cláusulas e a possibilidade de criar novos tipos de contratos, não tipificados nos Códigos. Na teoria do direito, a liberdade contratual encontra um obstáculo somente: as regras imperativas que a lei formula.{42} Mas no direito contratual tradicional estas regras são raras e têm como função justamente proteger a vontade dos indivíduos, como, por exemplo, as regras sobre capacidade. No mais, as normas legais restringem-se a fornecer parâmetros para a interpretação correta das vontades das partes e a oferecer regras supletivas para o caso dos contratantes não desejarem regular eles mesmos determinados pontos da obrigação assumida, como, por exemplo, as regras sobre o lugar e o tempo do pagamento. * (41) Koendgen, pp. 119 e 120. (42) Assim Carbonnier, p. 146 e Weil/Terré, p. 53. (p. 46) b) A força obrigatória dos contratos - Se, para a concepção clássica de contrato, a vontade é o elemento essencial, a fonte, a legitimação da relação contratual; se, como vimos, até mesmo a sociedade politicamente organizada tem sua fonte em um contrato social; se o homem é livre para manifestar a sua vontade e para aceitar somente as obrigações que sua vontade cria; fica claro que, por trás da teoria da autonomia da vontade, está a idéia de superioridade da vontade sobre a lei.{43} O direito deve moldar-se à vontade, deve protegê- la e reconhecer a sua força criadora. O contrato, como diz o art. 1.134 do Código Civil francês, será a lei entre as partes. A própria lei, oriunda do Estado, vai buscar o seu poder vinculante na idéia de um contrato entre todos os indivíduos desta sociedade. A vontade é, portanto, a força fundamental que vincula os indivíduos. À idéia de força obrigatória dos contratos significa que uma vez manifestada a vontade as partes estão ligadas por um contrato, têm direitos e obrigações e não poderão se desvincular, a não ser através de outro acordo de vontade ou pelas figuras da força maior e do caso fortuito (acontecimentos fáticos incontroláveis pela vontade do ho-
  • 23. mem). Esta força obrigatória vai ser reconhecida pelo direito e vai se impor frente à tutela jurisdicional. Ao juiz não cabe modificar e adequar à eqüidade a vontade das partes, manifestada no contrato, ao contrário, na visão tradicional, cabe-lhe respeitá-la e assegurar que as partes atinjam os efeitos queridos pelo seu ato. Lembre-se por último que, como corolário da liberdade e autonomia da vontade, a força obriga- tória dos contratos fica limitada às pessoas que dele participaram, manifestando a sua vontade (inter partes). c) Os vícios do consentimento - Do dogma da autonomia da vontade, como elemento criador das relações contratuais, retira-se o postulado que só a vontade livre e consciente, manifestada sem influências externas coatoras, deverá ser considerada pelo direito. Aqui, portanto, a base da teoria dos vícios do consentimento, presente no Código Civil brasileiro, nos arts. 86 a 113. Se na formação do contrato estiver viciada a vontade de uma das partes, o negócio jurídico é passível de anulação. Como se vê, a validade (e a eficácia) jurídica do contrato mais uma vez dependem da vontade criadora. A própria * (43) Assim concluem Weil/Terré, p. 55. (p. 47) escolha, no art. 147, II do CC, da figura da anulabilidade rende homenagem a autonomia da vontade, pois ao contrário da nulidade, que deve ser declarada ex officio pelo juiz, a anulabilidade só repercutirá na validade e eficácia do ato se for manifestado o interesse das partes neste sentido e antes da prescrição da ação. Ao direito interessava, portanto, identificar qual vontade serve de fonte e legitimação do contrato, se a vontade interna (posição defendida pela Willenstheorie) ou se a vontade declarada (posição defendida pela Erklärungstheorie).{44} Apesar da grande influência exercida por Savigny, defendendo a prevalência da vontade interna, os códigos se dividiram, especialmente o Código Civil Alemão (BGB) de 1900, de um lado aceitando a figura do erro e de outro, preocupados com a segurança e a estabilidade das relações jurídicas e a proteção do terceiro de boa-fé, confirmando o conteúdo do que foi efetivamente declarado.{45} Ainda quanto às conseqüências do dogma da autonomia da vontade, cabe destacar que se o consentimento viciado não obriga o indivíduo, o consentimento livre de vícios o obriga de tal maneira que mesmo sendo o conteúdo do contrato injusto ou abusivo, não poderá ele, na visão tradicional, recorrer ao direito a não ser em casos especialíssimos de lesão.{46} Os motivos que levaram o indivíduo a contratar, suas expectativas originais, são irrelevantes. Nas discussões do fim do século XIX, no início do século XX, sobre a prevalência da vontade interna ou da vontade declarada encontra-se já a semente da nova concepção de direito dos contratos. É a discussão entre a visão filosófica e metafísica do contrato e uma visão mais social ou funcional do processo. Vejamos, portanto, como a posterior evolução da sociedade, com a revolução industrial e massificação do consumo, acentuou ainda mais esta discrepância entre o que os norte-americanos, corretamente, denominam law-in-the-books e law-in-action.{47} * (44) Veja Nery, pp. 8 a 15. (45) Sobre a posição de compromisso dos §§ 116 e seguintes do BGB, veja Koendgen, p. 3. (46) Veja sobre a lesão e cláusula rebus sic stantibus. Couto e Silva/RT, p. 7 e a obra específica de Caio M. da Silva Pereira. (47) Expressão de Friedman, apud Koendgen, p. 2. (p. 48) 2. A nova realidade contratual 2.1 Noções preliminares: Os contratos de massa
  • 24. Na concepção tradicional de contrato, a relação contratual seria obra de dois parceiros em posição de igualdade perante o direito e a sociedade, os quais discutiriam individual e livremente as cláusulas de seu acordo de vontade. Seria o que hoje denominaríamos de contratos paritários ou individuais.{48} Contratos paritários, discutidos individual- mente, cláusula a cláusula, em condições de igualdade e com o tempo para tratativas preliminares, ainda hoje existem, mas em número muito limitado e geralmente nas relações entre dois particulares (consumido- res), mais raramente, entre dois profissionais e somente quando de um mesmo nível econômico. Na sociedade de consumo, com seu sistema de produção e de distribuição em grande quantidade, o comércio jurídico se despersona- lizou{49} e os métodos de contratação em massa, ou estandardizados, predominam em quase todas as relações contratuais entre empresas e consumidores.{50} Dentre as técnicas de conclusão e disciplina dos chamados contratos de massa, destacaremos, neste estudo, os contratos de adesão e as condições gerais dos contratos ou cláusulas gerais contratuais. Como se observa na sociedade de massa atual, a empresa ou mesmo o Estado, pela sua posição econômica e pelas suas atividades de produção ou de distribuição de bens ou serviços, encontram-se na iminência de estabelecer uma série de contratos no mercado. Estes contratos são homogêneos em seu conteúdo (por exemplo, vários contratos de seguro de vida, de compra e venda a prazo de bem móvel), mas concluídos com uma série ainda indefinida de contratantes. Logo, por uma questão de economia, de racionalização, de praticidade e mesmo de segurança, a empresa predispõe antecipadamente um esque- * (48) Em nosso trabalho O Controle Judicial das Cláusulas Abusivas nos Contratos de Consumo usamos o termo contratos paritários, já Alpa, em "Le contrat "individuel" et sa définition", Rev. int. dir. comp. 1988, 327, prefere a expressão contrato individual. (49) Assim Pasqualotto/RT, p. 55. (50) Assim tb. Roppo, p. 313. (p. 49) ma contratual, oferecido à simples adesão dos consumidores, isto é, pré-redige um complexo uniforme de cláusulas, que serão aplicáveis indistintamente a toda esta série de futuras relações contratuais. Alguns comparam esta predisposição do texto contratual a um poder paralelo de fazer leis e regulamentos privados (lawmaking power).{51} Poder este que, legitimado pela economia e reconhecido pelo direito, acabaria por desequilibrar a sociedade, dividindo os seus indivíduos entre aqueles que detêm a posição negocial de elaboradores da "lex" privada e os que a ela se submetem, podendo apenas aderir a vontade manifestada pelo outro contratante. Certo é que os fenômenos da predisposição de cláusulas ou condições gerais dos contratos e do fechamento de contratos de adesão tornaram-se inerentes à sociedade industrializada moderna: em espe- cial, nos contratos de seguros e de transportes já se observa a utilização destas técnicas de contratação desde o século XIX.{52} Hoje, elas dominam quase todos os setores da vida privada, onde há superioridade econômica ou técnica entre os contratantes, seja nos contratos das empresas com seus clientes, seja com seus fornecedores, seja com seus assalariados.{53} Note-se que estas novas técnicas contratuais, de pré-elaboração unilateral do conteúdo do contrato, também são utilizadas por empresas públicas ou concessionárias de serviços públicos (por exemplo, no fornecimento de água, luz, serviços de transporte, correios, telefonia).{54} * (51) Veja sobre a discussão proposta, Bessone, Natura Ideologica, pp. 947-951; o tema da natureza das cláusulas predispostas e dos contratos por adesão,
  • 25. se predominantemente normativos ou voluntários, já foi objeto de vários estudos, entre os quais destacam-se as obras pioneiras de Saleilles e Raiser. A doutrina atual aceita o caráter contratual, privado e voluntário do negócio jurídico concluído através da utilização dessas novas técnicas contratuais, o que não invalida a discussão proposta, pois como lembra Calais-Auloy, p. 121, a legitimação e o reconhecimento de um "poder regulamentador" a ser atribuído a determinados agentes sociais é fenômeno conhecido no direito público. (52) Assim Ulmer/Brandner/Hensen, p. 21 (Einl. 7), lembrando que Raiser visualizava os primórdios destas técnicas já no séc. XV (?). (53) Assim o mestre francês Calais-Auloy, p. 141. (54) Veja a excelente exposição sobre o tema do mestre italiano Alpa/Diritto, pp. 185 e ss. (p. 50) Também em matéria de contratos de trabalho, as técnicas de contratar em massa são utilizadas.{55} A análise dos contratos de trabalho, porém, escapa aos limites deste estudo. A nós interessa especialmente as relações contratuais entre consumidores e seus fornecedores de bens ou serviços, sejam pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, segundo as definições dos arts. 2º e 3º do novo Código de Defesa do Consumidor. Por fim cabe lembrar que nas relações de massa nem sempre os contratos serão feitos por escrito, pois ao lado dos contratos de adesão, expressos em formulários, existem os contratos orais, a aceitação através das chamadas condutas sociais típicas{56} os simples recibos, os tickets de caixas automáticas.{57} Em nosso estudo, todos estes fenôme- nos devem ser levados em conta. A prefixação de todo o conteúdo do contrato, ou de parte deste, de maneira unilateral e uniforme por só uma das partes contratantes não passou despercebida aos estudiosos do Direito, existindo duas expres- sões para descrever esta realidade. De um lado prefere a doutrina germânica a expressão "condições gerais dos contratos", ou na tradução de Portugal "cláusulas gerais contratuais", de outro, a doutrina francesa utiliza a expressão "contratos de adesão". Note-se que a expressão "condições gerais dos contratos" enfatiza mais a fase pré-contratual, onde são elaboradas estas listas independen- tes de cláusulas gerais a serem oferecidas ao público contratante, enquanto utilizando a expressão contrato de adesão a doutrina francesa destaca o momento de celebração do contrato, dando ênfase à vontade criadora do contrato, vontade esta que somente adere à vontade já manifestada do outro contratante. Poderíamos chegar à conclusão que os dois conceitos possuem o mesmo conteúdo, visualizado de momentos diferentes. Esta conclusão, porém, é apenas superficial e por sua simplificação não serve ao objetivo de nosso estudo, que é analisar estas modernas técnicas, as * (55) Veja sobre o tema Gomes/transformações, pp. 178 e ss. (56) A expressão é de Larenz/AT, p. 471 (§ 28, II). (57) Veja o interessante artigo de Koehler sobre a problemática da contratação automatizada, muito em voga na Europa, tratando também da prestação de serviços através de robôs e computadores. (p. 51) quais abrangem tanto os contratos de massa por escrito como os contratos orais ou não escritos.{58} Neste sentido, para dar maior clareza à exposição, vamos inici- almente acatar a diferenciação feita pela Comissão das Comunidades Européias{59} entre contratos de adesão e contratos submetidos a condições gerais. Como contratos de adesão entenderemos restritiva- mente os contratos por escrito, preparados e impressos com anteriori- dade pelo fornecedor, nos quais só resta preencher os espaços referentes à identificação do comprador e do bem ou serviços, objeto do contrato. Já por contratos submetidos a condições gerais dos negócios entende-
  • 26. remos aqueles, escritos ou não escritos, em que o comprador aceita, tácita ou expressamente, que cláusulas, pré-elaboradas unilateral e uniformemente pelo fornecedor para um número indeterminado de relações contratuais, venham a disciplinar o seu contrato específico. Típico aqui seriam os contratos de transporte, contratos de administra- ção de imóveis e mesmo alguns contratos bancários. As expressões condições gerais dos contratos e contratos de adesão não são, portanto, sinônimas, mas, segundo a doutrina e a lei alemã,{60} a expressão condições gerais pode englobar todos os contratos de adesão com formulários impressos, contratos modelo e os contratos autorizados ou ditados pelos órgãos públicos, pois estes também são compostos por cláusulas pré-elaboradas unilateral e uniformemente pelos fornecedores, com a única diferença que nestes casos as condi- ções gerais estão inseridas no próprio texto do contrato e não em anexo. Eis porque muitos autores utilizam indistintamente os termos.{61} Neste estudo, vamos tratar separadamente os temas para que se possa estudar os aspectos individuais de cada técnica de contratação em massa. Assim, analisaremos no primeiro título os contratos de adesão, reservando o segundo título para o estudo das chamadas condições gerais dos contratos. * (58) Concorda tb. Nery/Anteprojeto, p. 292, retirando, porém, outras conclusões. (59) Em seu Bulletin des Communautés Européennes Supplément 1/84, p. 6, item 10. (60) Veja o parágrafo primeiro da lei alemã (AGBG) e Ulmer/Brandner/Hensen, p. 95, nota 66. (61) Os autores argentinos costumam denominar "contratos por adhesión a condiciones generales", pois o contrato de adesão está integrado por cláu- sulas, e estas cláusulas são condições gerais, veja Stiglitz/Stiglitz, p. 52. (p. 52) Hoje, estas novas técnicas contratuais são indispensáveis ao moderno sistema de produção e de distribuição em massa, não havendo como retroceder o processo e eliminá-las da realidade social. Elas trazem vantagens evidentes para as empresas (rapidez, segurança, previsão dos riscos, etc.), mas ninguém duvida de seus perigos para os contratantes vulneráveis ou consumidores. Estes aderem sem conhecer as cláusulas, confiando nas empresas que as pré-elaboraram e na proteção que, esperam, lhes seja dada por um Direito mais social.{62} Esta confiança nem sempre encontra correspondente no instrumento contra- tual elaborado unilateralmente, porque as empresas tendem a redigi-los da maneira que mais lhe convém, incluindo uma série de cláusulas abusivas e inequitativas.{63} Nesta segunda edição, parece-nos útil incluir, além de uma análise dos métodos ou técnicas de contratação de massa, uma análise, ainda que preliminar, das atuais relações contratuais complexas, por alguns chamadas de "pós-modernas". Esta nova realidade aliaria os métodos conhecidos de contratação de massa a relações complexas de longa duração, envolvendo serviços, uma cadeia de fornecedores organizados internamente e com uma característica determinante; a posição de catividade dos clientes-consumidores. Denominaremos este fenômeno de "contratos cativos de longa duração", face a incerteza que cerca o movimento pós-moderno e sua eventual importância na ciência do direito, e face também a nossa opinião pessoal de que a nova teoria contratual, como aqui vamos analisá-la, e as linhas "modernas" e científicas de defesa dos interesses dos consumidores são suficientes e aptas a fornecer respostas eqüitativas a essa nova realidade contratual, já vislumbrada no mercado. 2.2 Os contratos de adesão
  • 27. a) Descrição do fenômeno - Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual economicamente mais forte (fornecedor), ne varietur, isto é, sem que * (62) Neste sentido vale lembrar a conclusão de Mallinvaud, p. 50, que o Direito do Consumidor teria como função "restabelecer nas relações contratuais o equilíbrio", logo a mesma função que visualisamos no novo direito dos contratos (veja nesse Capítulo, o título 4). (63) No mesmo sentido Calais/Auloy, p. 143. (p. 53) o outro parceiro (consumidor) possa discutir ou modificar substancial- mente o conteúdo do contrato escrito.{64} O contrato de adesão é oferecido ao público em um modelo uniforme, geralmente impresso, faltando apenas preencher os dados referentes à identificação do consumidor-contratante, do objeto e do preço. Assim, aqueles que, como consumidores, desejarem contratar com a empresa para adquirirem bens ou serviços já receberão pronta e regulamentada a relação contratual, não poderão efetivamente discu- tir, nem negociar singularmente os termos e condições mais importan- tes do contrato. Desta maneira, limita-se o consumidor a aceitar em bloco (muitas vezes sem sequer ler completamente) as cláusulas, que foram unilateral e uniformemente pré-elaboradas pela empresa, assumindo, assim, um papel de simples aderente à vontade manifestada pela empresa no instrumento contratual massificado.{65} O elemento essencial do contrato de adesão, portanto, é a ausência de uma fase pré-negocial, a falta de um debate prévio das cláusulas contratuais e sim, a sua predisposição unilateral, restando ao outro parceiro a mera alternativa de aceitar ou rejeitar o contrato, não podendo modificá-lo de maneira relevante. O consentimento do consumidor manifesta-se por simples adesão ao conteúdo preestabelecido pelo fornecedor de bens ou serviços. Podemos destacar como características do contrato de adesão: 1) a sua pré-elaboração unilateral; 2) a sua oferta uniforme e de caráter geral, para um número ainda indeterminado de futuras relações con- tratuais; 3) seu modo de aceitação, onde o consentimento se dá por simples adesão à vontade manifestada pelo parceiro contratual econo- micamente mais forte. O fenômeno dos contratos de adesão é cada vez mais comum na experiência contemporânea, produzindo-se em múltiplos domínios como, por exemplo, o dos seguros, o dos planos de saúde, o das operações bancárias, o da venda e aluguel de bens. Também as empresas públicas e as concessionárias de serviços públicos empre- gam esta técnica de contratação em massa. O Poder Público utiliza- se de contratos de adesão nas suas relações diretas com os consu- * (64) Veja Bricks, p. 5, sobre as criticas a esta expressão veja, por todos, Nery, Anteprojeto, p. 288. (65) Assim Roppo, pp. 311 e 312. (p. 54) midores de seus serviços e, na maioria das vezes, predispõe as cláusulas dos contratos que serão oferecidos pelos concessionários aos consumidores.{66} Em regra os contratos de adesão são elaborados pelo próprio fornecedor-ofertante, mas também existem contratos oferecidos à adesão, cujo conteúdo deriva de recomendações ou imposições de associações profissionais. Neste caso a doutrina francesa os denomi- nava de "contratos-tipo" (contrats-types), pois a imposição é como se fosse um regulamento que restringe a liberdade dos membros daquela profissão, hoje a expressão é utilizada quase como um sinônimo de contrato de adesão.{67} Também a lei ou um regulamento administrativo pode "ditar" o conteúdo de um determinado contrato, neste caso são denominados "contratos dirigidos" ou contratos "ditados", como por exemplo, no
  • 28. Brasil, os contratos oferecidos por administradoras de consórcios, ditados através de Portaria Ministerial. A expressão contrats d’adhesion costuma ser atribuída ao profes- sor francês Raymond Saleilles, em sua obra do início do século, o qual pretendia destacar através desta denominação que nestes contratos somente uma vontade predomina, a que dita a sua "lei", dita o conteúdo do contrato não mais a um individuo somente, mas a uma coletividade indeterminada de pessoas, as quais vão se limitar a aderir à sua vontade. Para o autor francês, o contrato de adesão se aproxima de uma declaração unilateral de vontade, aproxima-se mesmo da lex romana, do regulamento, devendo esta característica ser levada em conta quando da interpretação dos contratos.{68} Realmente, no contrato de adesão não há liberdade contratual de definir conjuntamente os termos do contrato, podendo o consumidor somente aceitá-lo ou recusá-lo. É o que os doutrinadores anglo- americanos denominam contrato em uma take-it-or-leave-it basis.{69} Sendo assim, por muito tempo discutiu a doutrina o caráter contratual ou não dos contratos de adesão. Para alguns, por sua * (66) Veja a excelente exposição sobre o tema do mestre brasileiro Gomes, Transformações. Contratos, p. 15. (67) Assim ensina Ghestin, Clauses Abusives, p. IX. (68) Veja por todos Nery, Anteprojeto, p. 288. (69) Assim Cheshire and Fifoot’s, Contract, p. 21. (p. 55) estrutura pré-elaborada unilateralmente, por suas características que eliminam a fase de discussão pré-contratual, estes contratos se apro- ximariam dos atos de direito público, dos atos regulamentares. Para outros não haveria um real acordo de vontades, mas sim um ato unilateral. Hoje a doutrina é unânime em aceitar o caráter contratual dos contratos de adesão (veja título 3). Trata-se de um acordo de vontades representado pela adesão, não sendo essencial ao contrato que seu conteúdo seja discutido cláusula a cláusula em uma fase preliminar, assim também a igualdade de forças dos contratantes não é essencial. Mesmo existindo, na prática, um desigual poder de barganha (unequal bargaining power){70}, não se deve negar o caráter contratual do contrato de adesão (ou por adesão), pois a manutenção do vínculo, na maioria das vezes, beneficia o contratante mais fraco, deve-se sim criar normas e uma disciplina específica adaptada às suas características especiais e que permita um controle efetivo da eqüidade contratual. Passemos, pois, ao exame da formação deste vínculo contratual. b) A formação do vínculo - Enquanto não houver a manifestação de vontade do consumidor, o simples modelo pré-elaborado do contrato de adesão não passa, na feliz expressão alemã, de um pedaço de papel (Stück Papier).{71} O consentimento do consumidor, a sua adesão, é que provoca o nascimento do contrato, a concretização do vínculo contra- tual entre as partes. Declaração de vontade - Uma vez que nos contratos de adesão o consumidor tem de aceitar em bloco as cláusulas preestabelecidas pelo fornecedor, na maioria das vezes, o consumidor sequer lê com- pletamente o instrumento contratual ao qual vai aderir. Modernamente, porém, considera-se que exista um dever de transparência nas relações de consumo. Assim, o consumidor deve ser informado, pelo menos, deve ter a oportunidade de tomar conhecimento do conteúdo do contrato. Além do que deverá o contrato de adesão ser redigido de tal forma a possibilitar a sua compreensão pelo homem comum. * (70) Veja Bessone, Law of Contract, p. 499, tb. Calais-Auloy, Clauses Abusivcs, p. 155.