As obras Dom Casmurro de Machado de Assis e O Bom Ladrão de Fernando Sabino possuem narrativas em primeira pessoa com narradores protagonistas marcados pela dúvida. Ambos vivem reclusos e resolvem relatar fatos passados, em Dom Casmurro a possível traição da esposa e em O Bom Ladrão os furtos não solucionados e a suspeita de traição da esposa. As obras diferem no foco narrativo, sendo Dom Casmurro um romance e O Bom Ladrão uma novela.
UMA PITADA DE LITERATURA: ANÁLISE DOS NARRADORES DE DOM CASMURRO E BOM LADRÃO.
1. INTRODUÇÃO
Ao analisar o narrador de Dom casmurro de machado de Assis lançado em
1900 e o narrador de e O Bom Ladrão de Fernando Sabino lançado oitenta e cinco
anos depois, vamos encontrar muita semelhança entre eles até mesmo porque O
Bom Ladrão trata-se de uma revisitação dos personagens de Bentinho e Capitu,
onde se pode compará-los com Dimas e Isabel.
Ambos são escritos em primeira pessoa e relata as lembranças de Bentinho
(dom casmurro) e Dimas (o bom ladrão). Vivendo solitários os dois personagens
resolvem relatar os motivos os quais os levaram a escolher este tipo de vida
afastados dos demais.
Os principais traços que ligam as duas obras são a dúvida, onde no primeiro
diz respeito à possível traição de Capitu e no segundo é quem será o verdadeiro
cleptomaníaco Dimas? Isabel, sua mulher? Ou os dois? Alem desta surge uma
segunda dúvida, terá Isabel traído Dimas?
Apesar das semelhanças, as duas obras vão se distanciar, quando se
analisa o foco narrativo. Dom casmurro é um romance com vários personagens,
mais de núcleo e com tempo e espaço melhor definido. O narrador caracteriza-se
como narrador- personagem intruso, pois o tempo todo ele interrompe a narrativa
para tecer comentários e chamar a atenção do leitor. O “O Bom Ladrão” é uma
novela, com numero de personagens limitados e apenas um núcleo. O narrador é
também, o personagem principal, e diferente do primeiro, este não é intruso, apena
relata o que aconteceu e em momento algum tenta convencer o leitor de que a
verdade esta do lado dele.
2. ANÁLISE DO NARRADOR DE DOM CASMURRO DE MACHADO DE
ASSIS
Dom Casmurro é um romance escrito por um dos maiores escritores do
Brasil, Machado de Assis, que escolhe o pseudônimo de “Dom Casmurro”, para
narrar o romance. A obra apresenta a autobiografia amorosa do narrador-
personagem Bentinho, que logo no começo da narrativa trata de explicar o porquê
do nome Dom Casmurro, segundo o narrador, este nome foi-lhe atribuído por um
rapaz que encontrando-se com ele, não conseguiu travar uma conversa amigável,
pois, o mesmo estava de mal humor, como sempre, explica: “Não consulte
dicionários. Casmurro não esta aqui com o sentido que eles lhes dão, mas no que
lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia ,para
atribuir-me fumos de fidalgo.” O ponto principal e o que deixa leitores fascinados
pela obra, ainda hoje, é o eixo que o narrador estabelece com o leitor, apresentando
um dialogo vivo e em tempo real com quem lê a obra, tornando a leitura muito mais
interessante.
Machado de Assis oferece ao leitor uma inovação ao criar o narrador como
um pseudo-autor a quem lhe confere o ato de escrever seu próprio romance,
caracterizando-se como um narrador-protagonista intruso, que se mete na trama o
tempo todo para tecer comentários “Talvez abuso um pouco das reminiscências
osculares; mas a saudade é isso mesmo: é o passar e repassar das memórias
antigas.” O narrador usa desta artimanha de envolver os leitores, para estes
acreditem em seus argumentos.
A dúvida, de um homem apaixonado, se foi traído ou não, pela esposa com
seu melhor amigo, o ciúme doentio, a suposta infidelidade da esposa, a paternidade
do suposto filho e a moralidade de outras personagens, são posto em duvida pelo
narrador quando este afirma "A imaginação foi a companheira de toda a minha
existência".
Outro ponto a destacar é que o narrador não é confiável, pois a narrativa é
escrita com base em suas lembranças e Bentinho admite ter falhas de memória.
Como eu invejo os que não esqueceram a cor das primeiras calças que
vestiram! Eu não atino com a das que enfiei ontem. Juro só que não eram
amarelas por que execro essa cor; mas isso mesmo pode ser olvido ou
confusão. E antes seja olvido que confusão; explico-me. Nada se emenda
3. bem nos livros confusos, mas tudo se pode meter nos livros omissos. Eu,
quando leio algum desta outra casta, não me aflijo nunca. O que faço em
chegando ao fim é cerrar os olhos e evocar todas as coisas que não achei
nele. [...] É que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim
preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas.
(ASSIS, 2010, p. 96)
Um pouco dissimulado o narrador deixa uma dúvida no ar ao final de cada
capítulo influenciando o leitor a acreditar em suas versões. O modo como bentinho
amarra a trama, faz do narrador de Dom Casmurro o que se pode dizer: “a alma do
livro”.
Com base em tudo que foi exposto, pode-se afirmar que em Dom Casmurro,
o narrador e o foco narrativo são as partes mais fascinantes da obra, onde a traição
e as personagens principais tornam-se secundarias diante da genial colocação do
autor em dar vida e diálogo em tempo real, com seus leitores, através da técnica
de chamar a atenção a cada novo assunto ao qual o narrador deseja enfatizar.
ANÁLISE DO NARRADOR DE BOM LADRÃO DE FERNANDO SABINO
Nesta novela, o narrador é classificado como narrador personagem-
protagonista, pois o “eu” que narra se identifica com o “eu” do personagem principal
que vive os fatos. Ele conta uma história por ele vivida, a história de uma parcela de
sua existência. É através de seus olhos e sentimentos que são apresentados os
elementos constitutivos da narrativa: os fatos, as outras personagens, os temas, os
motivos, as categorias do tempo e do espaço.
Dimas, narrador-personagem, se apresenta na história revivendo as
lembranças do passado, seus dramas conjugais, e principalmente os furtos não
solucionados. Apesar dos anos decorridos Dimas ainda se atormenta com a
incerteza da traição de Isabel com Garcia (de quem ela afirmava ser prima) e o
desconhecimento de quem de fato é o ladrão: Dimas, o marido, ou Isabel, a mulher?
Além de se debater com a possibilidade de ter feito de sua vida o reflexo de uma
mente perdida entre o liame da dúvida que arruinou o que poderia ter sido um
casamento feliz. Dimas escreve com a consciência e postura de um escritor, que
semelhantemente ao personagem machadiano em Dom Casmurro, passa seu último
4. dia recluso em uma propriedade afastada da vida cotidiana, uma chácara em
Barbacena, Minas Gerais, e conforme afirma mostra interesse em se dedicar aos
assuntos literários, mais precisamente a um ensaio sobre o enigma de Capitu.
O narrador tem grande influência sobre o leitor no desenvolvimento e
compreensão do enredo, pois é o responsável pelo desencadeamento de toda a
dúvida e mistério que envolve a compreensão da história e que não deixa o leitor
definir, claramente, quem foi o responsável por tantos furtos e desaparecimentos de
pequenos objetos e pertences seus durante o casamento com Isabel. Ao final da
história, o narrador consegue levantar até mesmo a suspeita da sanidade de sua
consciência, quando relata duas visões distintas da mesma Isabel, após muitos sem
vê-la.
Na obra, todos os fatos, suspeitas e impressões, são descritos por um único
ponto de vista, que é do narrador Dimas, que se inclui como personagem
protagonista que desenvolve o enredo com base em suas análises e observações,
porém é importante destacar que nesta obra, o narrador não é onisciente, ele expõe
na história tudo aquilo que ele foi somente capaz de ver ou ouvir. Observa-se que
pensamentos e considerações dos outros personagens da história não são de
domínio do narrador, e por isso estiveram ausentes nessa novela.
Dimas se mostra amedrontado pela forte figura de Isabel e a descreve como
uma mulher segura de si, furtadora exímia de objetos “... era extraordinário, mas
nem por um instante Isabel se deixara perturbar. E agora ia a minha frente como se
nada houvesse acontecido,com toda a segurança...acima do comercio do mundo e
das suas leis...impunha respeito com a sua simples presença e depois saía como
havia entrado,serena ,absoluta, ela na frente e eu atrás” e perde-se em um labirinto
de devaneios para esclarecer a desconfianças que tem da esposa.
COMPARANDO AS DUAS OBRAS
Logo no primeiro momento, é importante destacar que “Dom Casmurro” de
Machado de Assis, trata-se de um romance, pois possui um texto longo e detalhado,
5. com mais personagens, embora exista apenas um núcleo principal, outras histórias
acontecem paralelas a ele, a passagem do tempo e lento e o espaço é mais bem
definido. “O Bom Ladrão” é denominado uma novela, pois, apresenta apenas um
núcleo, é uma narrativa de extensão média na qual toda a ação acompanha a
trajetória de um único personagem e a passagem do tempo é mais rápida.
A diferença que predomina no narrador de O Bom Ladrão, em relação ao
narrador Bentinho, de Dom Casmurro é que no primeiro, o narrador não é intruso,
pois em nenhum momento nota-se que Dimas tenha interrompido a narração para
tecer juízos de valor sobre os personagens ou circunstâncias, ou ainda chamar a
atenção do leitor para que atente para algum fato que considere importante para o
entendimento do próximo capítulo ou acontecimento. Ele simplesmente descreve
aquilo que esteve ao alcance de seus olhos e ouvidos, relacionando os fatos sempre
de acordo com seu entendimento. O tom da narração de Dimas é misterioso e
sempre envolto por suspeitas e receios, o que instiga o leitor a duvidar de tudo o que
venha a ser dito ao longo da novela. “... guardadas as proporções - pois não se trata
de nenhuma traição de Isabel--, o que foi que houve realmente entre nós dois? Onde
estaria a verdade?” Em Dom Casmurro, Bentinho interrompe a narrativa por varias
vezes para chamar a atenção do leitor e tecer sua opinião sobre o assunto,
influenciando o leitor em sua conclusão. “... se isto lhe parecer enfático, desgraçado
leitor, é que nunca penteaste uma pequena...”.
Porém o ponto forte dos dois textos é a descrição em primeira pessoa. A
subjetividade também é um fator comum aos dois narradores protagonista, pois eles
narram de acordo com suas lembranças, ambas carregadas de ressentimento e
dúvidas e saudades de uma vida que poderiam terem vivido. “o meu fim evidente era
atar as duas pontas da minha vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, não
consegui recompor o que foi nem o que fui... Se só me faltassem os outros, vá; um
homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e
esta lacuna é tudo”. (Bentinho) “... Muita coisa pode ter acontecido antes e depois;
hoje, todavia, se olho para o passado, vejo minha vida inteira nos dois anos que
vivemos juntos. Isabel na frente e eu atrás.” (Dimas) Outra semelhança entre as
duas narrativas é que tanto Bentinho quanto Dimas terminam seus dias afastados
da vida da cidade, envoltos em lembranças do passado e resolvem contar seus
dissabores amorosos. Se foram traídos ou não? Quem é o verdadeiro
6. cleptomaníaco Dimas ou Isabel ou talvez os dois? São perguntas que continuarão
sem respostas, pois as únicas testemunhas, Bentinho e Dimas são maridos
enciumados, motivo suficiente para gerar contradições às suas versões. Toda a
narrativa é apresentada ao leitor, pela voz dos narradores personagens.
Bom Ladrão é um livro fácil de ler, por ser contemporâneo, sem palavras
complexas é de fácil entendimento, enquanto Dom Casmurro é o oposto.
Como dica de leitura para aqueles que ainda não leram, nenhum dos dois
exemplares, recomendamos ler primeiro o Bom Ladrão, pois Dimas faz uma
intertextualidade com Dom Casmurro, mencionando a personagem de Capitu, o
que pode levar o leitor a curiosidade de saber quem é Capitu? E por conseqüência
ler Dom Casmurro. Vale à pena!
POR ELOINE REGINA DE MARQUI, ACADÊMICA DO 4º PERÍODO DE
LETRAS/ESPANHOL DAS FACULDADES INTEGRADAS DE ARIQUEMES(FIAR),
NO ANO DE 2011.
7. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
ASSIS, Machado. Dom Casmurro. São Paulo: Editora Martin Claret, 2010.
SABINO, Fernando. O Bom Ladrão. São Paulo: Editora Ática, 2010.
RIBEIRO, Ormezinda Maria. De Fernando Sabino a Machado de Assis: Uma
releitura de “Dom Casmurro”. Disponível no Site:
http://rle.ucpel.tche.br/php/edicoes/v7n1/H_ormezinda2.pdf. Acesso em 25/11/2010.
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