1. O documento discute três tipos de razão: razão teórica, razão prática e razão estética.
2. A razão pode atingir verdades de forma imediata ou mediata através do raciocínio.
3. O documento argumenta que a razão é importante para a liberdade humana e que a anti-razão pode levar à perda da liberdade e escravidão.
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APONTAMENTOS SOBRE – DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA
A RAZÃO OU NÃO‐RAZÃO DESTE TEMPO
Ao conceber uma ideia, o espírito exerce a função de elaboração e de
combinação, pela qual descobre e afirma as diversas relações que ligam as ideias entre si
e com os respectivos objectos. Esta função do espírito compreende duas operações, que
se chamam juízo e raciocínio. Podemos distinguir três ordens de princípios e, por
conseguinte, três domínios da inteligência.
Razão teórica – A razão teórica ou especulativa é a razão enquanto se exerce
no domínio da verdade pura. Fornece os princípios directivos do conhecimento, que
estabelecem a ordem nos nossos pensamentos. S. Tomás chama-a: habitus principiorum
speculabilium. O seu objectivo adequado é a verdade absoluta.(Razão enquanto nos
fornece os princípios directivos do conhecimento)
Razão prática - A razão prática é a razão enquanto se exerce no domínio da
moralidade com o nome de consciência moral. Vê a obrigação que nos assiste de querer
o bem, e fornece assim os princípios directivos do proceder moral, que põem ordem na
vida. S. Tomás chama-a habitus naturalis principiorum operabilium. O seu objecto
adequado é o bem e a justiça absolutos.(Esta razão constitui o o objecto da moral).
Razão estética – Finalmente a razão estética é a razão enquanto se exer ce
no domínio da beleza com o nome de gosto. Fornece os princípios directivos da
concepção artística. O seu objecto adequado é a beleza absoluta. (Beleza e arte).
RAZÃO E RACIOCÍNIO:
A razão pode atingir as essências e as relações necessárias de duas maneiras:
a) – Imediatamente – com acto directo, quando se trata das verdades primeiras, dos
princípios de evidência imediata e das relações evidentes por si mesmas.
b) Mediatamente – por via de raciocínio, quando se trata de relações mais ou menos
distantes e não evidentes por si mesmas.
O raciocínio não é pois faculdade diferente, mas modo especial de operação da razão,
uma razão que se procura e desenvolve. Daí o parentesco que existe entre as palavras
razão e raciocínio, ratio et ratiocinatio.
Não será difícil encontrar máximas como, esta de Kant: «O homem jamais deve ser
considerado um fim, permanecerá sempre um fim para si próprio», ou esta de Platão: «A
ignorância é o maior dos males», ou citar os dez mandamentos e todos os grandes
pensamentos filosóficos; contudo, para verdadeiramente os compreendermos e deles nos
apropriarmos, requer-se mais do que a inteligência, requer-se a razão.
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Quando o homem, perscrutando o futuro previsível, se vê afastado das suas fronteiras
políticas, não deverá tentar incorporar-se numa outra pátria – ela não é a sua – mas pedir
uma pátria e uma história à humanidade e ao mundo. Deve sentir-se, na sua terra, no
meio dos homens. Como homem deve estender o seu amor a todos os homens junto dos
quais reencontra uma maior família. Se decidir-se a isso, não obedece a uma propensão
natural, alcança-o através de um novo nascimento, facultado pela razão. Esta existência
animada pela razão faz da vida um risco mas não uma aventura; prodigaliza-a mas não a
malbarata.
Se o homem, como diz Kierkegäard, se perde no mundo da objectividade pura; se a
razão se perde, a filosofia encontra-se igualmente perdida. É que a razão oferece-nos
uma imagem da liberdade humana tal como esperamos fazê-la surgir, na medida em que
nos é possível semelhante empresa; ela, esta liberdade, é acessível a todos os homens.
Dizer «isso não existe» é dizer «isso não me interessa».
A razão não está contudo no conhecimento que dela posso haver mas na minha
maneira de a praticar, nas ciências, na vida, na criação artística ou intelectual, que
penetra mais fundamente o coração da verdade do que poderia lográ-lo a ciência. Num
mundo que a ignora ou lhe é adverso, a razão toma sobre si o encargo de resistir. É claro
que a razão tem os seus adversários, é um inimigo, decidido a ada saber da verdade, é o
espírito antifilosófico; sob o rótulo do verdadeiro, exalta tudo quanto contradiz,
menospreza e desnatura a verdade.
Uma vez que predomine, a sua violência impede qualquer exame reflectido. Abre a
porta ao arbitrário, interdiz o domínio do indivíduo sobre si próprio. O seu capricho prefere
à seriedade uma afectividade apaixonada e movediça. Faz do incrédulo um fanático
imbuído de convicções enganadoras, para depois o deixar novamente cair no niilismo.
São formas de anti-razão, originadas numa negação simultânea da verdade e da
liberdade humana, são a corrupção de uma verdade inicial; a anti-razão e a antifilosofia
servem-se da linguagem da razão e da filosofia.
Em todos os tempos as massas seguiram os adivinhos; em todos os tempos estes as
enganaram, prometendo-lhes o conhecimento e atribuindo um sentido sobrenatural aos
discursos e gestos que destinam ao seu público. Quem se deixar atrair por tais miragens,
em vez de fazer brilhar em si próprio a luz da razão, está mais ou menos perdido. Embora
não pareça, mas isto tem repercussões políticas. Fazendo-o renunciar à liberdade da
razão, prepara o homem para a escravidão. Predisposta para o mito, deixa afundar-se
tudo quanto constitui compreensão da liberdade. Ensina-nos a acantonar-nos no terreno
de uma fé irracional e insusceptível de ser discutida. E se a liberdade cessa de nos
alimentar em breve esqueceremos o que ela significa, renunciando à razão renunciamos
também à liberdade.
Desde há, pelos menos, perto dos cem anos, e em face do nacional-socialismo e do
comunismo, ouvimos repetir que seria necessário opor a uma fé desse género uma outra
fé e que, se nos encontramos fracos, o estamos por nenhuma nos sustentar. Também a
filosofia, por vezes parece desencorajada na sua confiança na razão.
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A razão é como o ar, que nós não vemos. O seu papel é o mesmo. Ela é com efeito
uma ra puro, de que teríamos a maior necessidade e que todavia repudiamos, pois
preferimos uma atmosfera capitosa e inebriante. Analisando o aspecto histórico das
coisas, poder-se-ia acreditar que todos os grandes movimentos de fé se originaram em
algo absurdo e que foi justamente essa circunstância que lhes conferiu a sua maior
influência. A razão encontra-se sempre em presença deste facto: certos crentes recusam-
-se a escutar seja o que for, não admitem qualquer argumento, mantêm firmemente, como
uma premissa intangível, o seu credo quia absurdum, e a sua fé parece real. Na
sequência de reflexões deste género, a razão, longe de nos aparecer como simplesmente
despojada de ilusões, parece-nos timorata.
Uma só coisa protegerá o homem deste desencorajamento: se ele pretende
seriamente vencer o nevoeiro, fará por si próprio a experiência da sua liberdade,
experiência que jamais é um dado natural; possuirá uma certeza que não se estriba em
qualquer garantia objectiva; avançará com o sentimento de servir esta verdade que não
possui.
Dentro do reino das miragens, ele quer salvar a razão, esperar a sua mensagem com
uma paciência que não será iludida e, no entanto, sem nunca ouvir o eco por que em vão
espera.
A fé da razão é diferente de todas as outras crenças que estão garantidas por dados
do conhecimento e por realidades objectivas. Existem, hoje como em todos os tempos,
homens rectos e que pensam com clareza. Existem homens que desde a sua juventude
seguiram com sinceridade os caminhos da razão, mesmo sem disso possuírem
consciência. A razão não faz ruído.
Os mais negros prognósticos sobre o declínio das civilizações, sobre a situação
histórica, as verificações igualmente pessimistas das características da humanidade
média, da predisposição do homem para se lançar na servidão, do seu esquecimento de
Deus, que emparelha com o esquecimento de si próprio – tudo isto, e mesmo nos piores
momentos, será inicialmente considerado incerto pela razão. Ela acha-se penetrada da
recordação de experiências análogas que, contra toda a expectativa, tiveram um desfecho
favorável. Não concluirá daí que tudo se deva passar idênticamente, mas extrairá uma
indicação que ditará a sua atitude. Não obstante, os «porque» e os «talvez» não podem
prevalecer para a razão. Ela não vive de argumentos pró e contra mas da sua
autenticidade própria e com a lúcida consciência de não possuir a verdade e somente
caminhar em sua busca. É dentro da humildade, dentro da generosidade, que um
indivíduo tem a possibilidade de colaborar, numa parte ínfima, imperceptível, no
nascimento de um mundo onde a liberdade possa plenamente manifestar-se.
A razão assemelha-se à revelação de um mistério perpetuamente acessível a cada um
de nós; ela é o silencioso espaço para onde, graças ao pensamento, é consentido a todos
retirarem-se.