2. APRESENTAÇÃO
Esta exposição trata de uma análise dos resultados finais da Pesquisa mercado de
trabalho e o exercício profissional dos assistentes sociais no Espírito Santo – ES. A
pesquisa foi realizada num esforço conjunto entre o Conselho Regional de Serviço
Social – CRESS/17ª Região e três Instituições de Ensino Superior – IES: Faculdade
Salesiana de Vitória – FSV, Universidade Federal do Espírito Santo – UFES
(Departamento de Serviço Social e Programa de PósGraduação em Política Social) e
Faculdade de Ciências Administrativas e Econômicas de Vila Velha – UNIVILA. O
lançamento da pesquisa ocorreu em maio de 2006, na Semana do Assistente Social. No
entanto, devido a uma série de dificuldades, a coleta de dados só foi iniciada em
novembro de 2006, só sendo possível o término em dezembro de 2007.
A pesquisa foi baseada em uma metodologia qualiquantitativa. A análise quantitativa
foi feita através de estatística simples. Os dados foram tabulados no programa Epidata e
posteriormente transportados para o programa Excel e organizados em formas de
gráficos e tabelas, permitindo uma compreensão dos mesmos para posterior análise e
confronto com a bibliografia.
Já a análise qualitativa foi realizada numa tentativa de compreensão da forma como os
sujeitos profissionais se inserem no exercício profissional. Foram analisadas as questões
nas quais os assistentes sociais explicitavam sua inserção no mercado de trabalho, bem
como os determinantes cotidianos e sua relação com as demandas sociais emanadas das
expressões da questão social e suas mediações nas políticas sociais, instituições e
demandas dos usuários. Assim, buscouse uma compreensão desses dados numa análise
mais profunda, resgatando o referencial teórico e problematizando os dados empíricos,
tentando inserir na totalidade social mais ampla.
O universo da pesquisa foi constituído pelos assistentes sociais filiados ao CRESS até
novembro de 2006. Para a escolha da amostra, solicitouse a listagem dos profissionais
inscritos até aquele período. Observando os dados cadastrais, percebeuse a grande
concentração de assistentes sociais na Grande Vitória (Vitória, Vila Velha, Serra e
Cariacica). Naquele momento, o total de assistentes sociais no Espírito Santo era de
1773 profissionais. O número de assistentes sociais, cujos dados cadastrais
apresentavam como local de moradia ou trabalho a Grande Vitória, era de 1434. Desse
3. modo, em virtude da grande concentração de assistentes sociais na Grande Vitória,
optouse por esse universo. Além das dificuldades de realização da pesquisa com
profissionais do interior do estado.
A escolha da amostra foi aleatória, por meio de sorteio realizado com os nomes
constantes na lista fornecida pelo Conselho. Do universo total de assistentes sociais
filiados cadastrados com endereços da Grande Vitória (1434), foram sorteados 286
profissionais. Porém, o número de pesquisados ao final foi de 202, em função de
dificuldades de contactar os profissionais cujos dados não estavam atualizados junto ao
CRESS e ainda dificuldades em agendar horário para aplicação de questionários. O
estudo estatístico da amostra indicou uma margem de erro de 6 %, segundo estudos
estatísticos de Lúcio Patrocínio.
O instrumental de pesquisa utilizado foi um questionário com perguntas fechadas e
abertas que foram aplicadas pelos estudantes de graduação das 3 instituições,
majoritariamente, no local do trabalho, mas, em alguns casos, em residências. O
instrumento passou por um préteste e foi reformulado para uma melhor adequação e
entendimento das questões.
O questionário continha os seguintes itens: perfil; instituição; relações e condições de
trabalho; prática profissional; militância e participação. Sendo assim, a pesquisa
identificou informações desses diferentes eixos. No entanto, para o presente artigo
limitaremos à análise de três eixos centrais, sendo eles: Prática Profissional, Política
Social e Demandas.
Analisar a prática profissional, a política social e as demandas que circundam o trabalho
dos assistentes sociais pressupõem compreender as relações sociais numa perspectiva de
totalidade, ou seja, compreendendo essa realidade a partir das transformações ocorridas
na sociedade capitalista que, efetivamente, provocaram mudanças expressivas no
mundo do trabalho.
A partir dessa análise geral, buscamse as conexões com a realidade do Espírito Santo e
o processo de reorganização do capital, do Estado e do trabalho. Os assistentes sociais,
como assalariados, inseremse na dinâmica desses processos sociais, portanto, sua
4. inserção no mercado de trabalho está determinada pela dinâmica que reorganiza a
produção e a reprodução social do capital e do trabalho.
Ao analisar o eixo referente à prática profissional constatouse que havia, por parte dos
profissionais, dificuldades em compreender a realidade acerca das atribuições do
assistente social no que tange às políticas sociais, a prática profissional e as demandas.
A importância desse estudo vem exatamente na perspectiva de identificar e ampliar a
compreensão dos profissionais em relação às políticas sociais, das demandas que
circundam a atuação profissional e a prática profissional.
1 DESVENDANDO A REALIDADE DO ESPÍRITO SANTO
No eixo da pesquisa que analisou a compreensão desses profissionais acerca das
demandas, das políticas sociais e da prática profissional, continha no questionário
perguntas com as seguintes categorias: 1 Demandas (institucionais e do usuário); 2 –
Política Social ao qual o trabalho está inserido; 3 Prática Profissional – 3.1 Atividades
desenvolvidas (desenvolvimento de atividades que não competem à profissão e
profissional de outra área que exerce atividades que são privativas ao Assistente Social);
3.2 Mudanças no perfil dos usuários nos últimos 5 anos; 3.3 A forma como desenvolve
as atividades.
Quando questionamos sobre as demandas institucionais procuramos identificar o grau
de compreensão que os profissionais têm sobre as relações estabelecidas nos espaços
sócioorganizacionais, quais as interfaces existentes entre as suas atribuições e a área de
atuação, além do motivo pelo qual foram contratados.
Ao analisarmos os dados identificamos que grande parte dos assistentes sociais não
soube responder em qual demanda institucional se encontra. Alguns profissionais
confundiram as demandas institucionais com suas atividades diárias, além de citarem os
usuários como demandas institucionais (QUADRO 01).
De forma geral há uma relação equivocada entre demanda institucional e cumprimento
de tarefas e a realização das ações para cumprir seu papel institucional.
5. Quadro 01: Demandas Institucionais
Com relação às demandas do usuário, a maior parte dos entrevistados tem uma visão
fragmentada sobre esse questionamento porque se restringem apenas às necessidades
imediatas da população (QUADRO 02).
DEMANDAS INSTITUCIONAIS
O
profissional
associa
demanda
institucional
às
requisições
apresentadas
pelo usuário
Demanda
institucional
apresentada
como descrição
do usuário
Demanda
institucional
apresentada como
atividades
desenvolvidas no
cotidiano
profissional
Falta de clareza
do que é uma
demanda
institucional
Compreensão das
demandas institucionais
como requisições
apresentadas pela
instituição
“Cesta básica,
previdência,
bolsafamília”
(Q. 207).
“Bolsa
Família;
BPC” (Q.
235).
“Idoso, Criança,
Família” (Q. 6).
“Criança e
adolescente;
Família”
(Q.171).
“Encaminhamentos
; realização de
visitas; orientações;
participação em
reuniões” (Q.63).
“Elaboração de
laudos” (Q. 211).
“Pressão da
sociedade por
resultados
imediatos;
pressão da mídia;
pressão da própria
instituição” (Q.
176).
“Estrutura; maior
organização
burocrática;
falta de uma
administração
consistente” (Q.
182).
“Implementação do Sistema
Único da Assistência nessa
gestão; organização de um
diagnóstico preciso das
áreas de vulnerabilidade
social; mapeamento da rede
de proteção social para
atingirmos o nível pleno de
gestão” (Q. 15).
6. Quadro 02: Demandas do usuário
Sobre essa questão, o profissional precisa conhecer a demanda explícita, ou seja,
demanda aparente e a demanda implícita do usuário, mesmo que este tenha claro do que
realmente necessite. É a partir do conhecimento das questões objetivas e subjetivas que
o profissional pode ultrapassar as demandas imediatas dos usuários.
É pertinente frisar que o trabalho do assistente social fica submetido, em alguns casos,
ao movimento interno da instituição, ou seja, seu trabalho é restringido pelas
determinações sócioorganizacionais.
DEMANDAS DO USUÁRIO
Necessida
des
imediatas
Geração de
emprego e
renda
Direitos /
Benefícios
Informaçõe
s e
orientações
Encaminham
entos
Questões subjetivas
“Carência
alimentar”
(Q. 63).
“Ainda
muito
imediatista
, curativa e
assistencia
lista”
(Q.65b).
“Doações
diversas”
(Q.68).
“Estágio,
cursos de
capacitação,
formação”
(Q.14).
“Encaminha
mento para
estágio e
emprego;
desenvolver
ações
voltadas
para geração
de renda”
(Q.133).
“Bolsa
Família,
BPC” (Q.16).
“Auxílio
natalidade;
auxílio
funeral”
(Q.18a).
“Benefícios
previdenciário
s e de
assistência”
(Q.50).
“Esclarecim
ento quanto
aos
programas
sociais do
município”
(Q.25).
“Informaçõe
s básicas
sobre
programas,
direitos e
serviços
públicos”
(Q.41).
“Encaminham
entos para
recursos da
comunidade”
(Q.08).
“Encaminham
entos nas mais
diversas
áreas” (Q.94).
“Questões de relacionamento
familiar; criação de filhos”
(Q.18a).
“Necessidade de ter com
quem conversar” (Q.37a).
7. No que se refere à política social, compreendese que esta foi construída no sistema
capitalista a partir das mobilizações da classe operária no decorrer das primeiras
Revoluções Industriais. Seu surgimento está diretamente vinculado às reivindicações
populares, uma vez que o Estado, durante sua trajetória histórica, acaba assumindo
algumas destas reivindicações. Assim, os direitos sociais expressam, principalmente, a
consagração jurídica de reivindicações da classe trabalhadora. Todavia, não expressam a
consagração de todas as demandas populares, mas somente aquelas que estão em
consonância com os interesses da classe dominante. Dessa forma, a política social pode
ser compreendida como uma estratégia estatal de intervenção nas relações sociais
(VIEIRA, 1992).
Segundo Pereira (1994), a política social surge como um programa de ação que,
mediante esforço organizado, tem como objetivo atender às necessidades sociais, cuja
solução transcende as ações privadas, individuais e espontâneas, exigindo uma decisão
conjunta, subsidiada por leis impessoais e objetivas que garantam a efetivação dos
direitos sociais. A implementação das políticas sociais exige uma participação mais
ativa do Estado no planejamento e na execução de mecanismos e métodos direcionados
para o atendimento das necessidades coletivas.
A política social, na verdade, está relacionada às transformações quantitativa e
qualitativa das relações econômicas que são originárias do processo de acumulação
capitalista, à medida que surgem não apenas como resultado complexo da mobilização e
luta da classe operária, mas também como recurso para manutenção dos superlucros do
capital monopolista (NETTO, 2005).
Do ponto de vista dialético, as políticas sociais devem ser analisadas considerando
alguns elementos essenciais que facilitem a explicação de seu surgimento e
desenvolvimento. Assim, primeiramente, devese levar em conta a natureza do
capitalismo, seu grau de desenvolvimento e suas estratégias de acumulação. O segundo
ponto a ser observado é o papel do Estado na regulamentação e implementação das
políticas sociais. Já o terceiro é o papel das classes sociais nesse processo (BEHRING E
BOSCHETTI, 2007).
No caso específico do Brasil, o que podemos observar é que a política social se
apresenta como um “[...] sistema de ação, com vistas a transformar a estrutura de uma
8. comunidade no que diz respeito aos principais entraves que se opõem a uma sociedade
gerada, basicamente, apenas pelo desenvolvimento econômico” (VIEIRA, 1981, p.117).
Além do mais, “[...] o desenho das políticas sociais brasileiras deixa longe dos critérios
de uniformização, universalização e unificação em que se pautam [...] em contraposição
à universalização utilizarão, sim, mecanismos seletivos como forma de ingresso das
demandas sociais” (SPOSATI et al, 2003, p. 23).
A partir da consolidação do ideário neoliberal, a política social passa a ter uma maior
vinculação ao movimento de acumulação capitalista, o que intensifica ainda mais o
processo de focalização, seletividade, descentralização e privatização dessas políticas.
Intensificamse também as teses economicistas que defendem a existência de uma
escassez de recursos e a necessidade de contenção do déficit público por meio dos
cortes dos gastos estatais. A política social passa, então, a ser vista como um elemento
causador de desequilíbrio, devendo ser acessada via mercado e não como direito social.
É justamente nesse contexto que o assistente social tem sido reconhecido como o
profissional que operacionaliza as políticas sociais, seja através da realização de
programas sociais e da prestação de serviços, seja na gestão social. O Serviço Social, ao
se institucionalizar e desenvolverse como profissão, assume como espaço privilegiado
de atuação as políticas sociais, principalmente, os programas assistenciais. As políticas
sociais por exigirem um conjunto de procedimentos técnicooperativos necessitam de
profissionais capacitados para atuar na sua formulação e na sua implementação.
Mediante essas reflexões, vale citar que nesta pesquisa foi solicitado que os
entrevistados informassem em qual política social está inserida a sua prática
profissional. Ao sistematizarmos as respostas apresentadas, constatamos que 43,56%
dos entrevistados identificaram corretamente em qual política social está inserido na
instituição. Dentre esses profissionais, identificamos que o número mais expressivo de
assistentes sociais atua nas políticas de saúde, compreendendo 31,68% dos profissionais
entrevistados. Em segundo lugar, aparece a política de Assistência com 27,72%.
Já por outro lado, 38,61% dos participantes da pesquisa demonstraram uma imprecisão
ao identificar a política, à medida que apresentaram como resposta os programas
institucionais, as leis específicas da área de atuação e até mesmo as atividades
10. p. 11) “[...] desenvolveu alternativas de ruptura com o tradicionalismo nos planos
metodológicointerventivo e políticoideológico”.
Esse Movimento que foi heterogêneo e contraditório trouxe para o Serviço Social a
articulação da profissão na América Latina, a explicitação da dimensão política da ação
profissional, a inauguração do pluralismo profissional e, principalmente, a superação de
um profissional meramente executor de políticas sociais, valorizando nas funções
profissionais o exercício intelectual, abrindo espaço para a inserção da pesquisa como
atributo da prática profissional (NETTO, 2005a).
Hoje, os assistentes sociais atuam não somente na execução das políticas sociais, mas
também na formulação, na avaliação, no planejamento e na gestão das mesmas. Essas
alterações provocaram uma redefinição profissional, redimensionando o Serviço Social
que, após um longo processo de renovação, passa a ter a opção de vincularse a um
projeto que objetiva a construção de uma nova ordem societária comprometendose com
os interesses da população trabalhadora.
Assim, visa pautar a sua atuação no reconhecimento da liberdade como valor central e
das demandas políticas a ela inerente (autonomia, emancipação e plena expansão dos
indivíduos sociais), na defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e
do autoritarismo, na busca pela ampliação e consolidação da cidadania, na defesa do
aprofundamento da democracia, no posicionamento em favor da equidade e justiça
social, no empenho para eliminação de todas as formas de preconceito, na articulação
com os movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos princípios do
Código de Ética da categoria e com a luta geral dos trabalhadores, no compromisso com
a qualidade dos serviços prestados à população exercendo a prática profissional sem
discriminar por questões de inserção de classe, gênero, etnia, religião, nacionalidade,
opção sexual, idade e condição física (CFESS, 2001).
Levando em conta essas questões quando analisamos o exercício profissional do
assistente social no Espírito Santo, questionamos se esses profissionais desenvolviam
atividades que não competem à profissão, 56,44% (114) dos assistentes sociais
entrevistados afirmaram que não realizam atividades que não competem ao Serviço
Social e 33,66% (68) afirmaram que realizam atividades fora da sua área de
competência, que incluem desde atividades administrativas rotineiras e até mesmo
serviços de limpeza.
11. Com relação aos profissionais de outras áreas que exercem atividades privativas do
Serviço Social, 165 (81,68%) assistentes sociais informaram que não existem
profissionais de outras áreas exercendo atividades privativas do Serviço Social em seu
local de trabalho. Já 15 (7,43%) entrevistados afirmaram que outros profissionais –
como, por exemplo, psicólogos e médicos – exercem atividades que são privativas do
Serviço Social.
Ao questionarmos quais atividades privativas são desenvolvidas por outros
profissionais, os entrevistados relataram as seguintes atividades:
“Atividades relativas ao RH” (Q.23)
“Confecção de cadastro de visitas” (Q.411)
“Entrevista com a família” (Q.214)
“Entrevista Individual” (Q.161).
Diante dos relatos apresentados, constatamos que alguns assistentes sociais têm
dificuldade de nomear as atribuições que são específicas e privativas do Serviço Social
mesmo sendo estabelecidas em Lei, uma vez que entrevistas, confecções de cadastro e
atividades relacionadas ao setor de recursos humanos podem ser desenvolvidas por
outros profissionais. Isso muitas vezes acaba acarretando uma dificuldade do próprio
assistente social em reconhecer o significado social da profissão. Além disso, espera que
a própria instituição defina suas atribuições e atividades, como se não fosse capaz de
identificálas a partir de suas habilidades e saberes.
Acreditamos que isso pode decorrer do desconhecimento da Lei de Regulamentação da
Profissão 4
, que estabelece com maior clareza princípios, competências e atribuições
privativas do Serviço Social. Essa Lei, além de clarificar as competências relativas ao
Serviço Social, também é um instrumento que delimita a atuação do assistente social
para os profissionais de outras áreas, bem como deixa claro o papel do assistente social
diante de seus empregadores.
4
Lei 8.662 de 07 de junho de 1993 dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras
providências.
12. O reconhecimento dessa Lei, portanto, permite ao assistente social orientar suas ações,
assim como compreender, defender ou até mesmo se contrapor às determinações
demandadas pela instituição. Ao se apropriar da Lei de Regulamentação, o profissional
passa a ter maior clareza da sua atuação e do espaço ocupado pelo Serviço Social na
divisão social e técnica do trabalho. Do mesmo modo, a Lei pode demarcar qual direção
ídeopolítica que o assistente social pode imprimir à sua prática profissional.
Para uma melhor compreensão das questões relativas às atribuições privativas, o
assistente social precisa ter claro que essas atribuições não são imutáveis, mas resultam
do contexto sóciohistórico do qual o Serviço Social faz parte, o que confirma “a
necessidade ou utilidade social dessa especialização do trabalho” (IAMAMOTO, 2002,
p. 18).
Dessa forma, a construção de mediações entre o contexto sóciohistórico e as questões
que peculiarizam a atuação profissional permitem ao Assistente Social reconhecer os
múltiplos determinantes presentes na realidade social e uma melhor qualificação de sua
prática profissional.
Quando questionados se houve mudança no perfil dos usuários nos últimos 5 anos,
46,53% (94) dos profissionais afirmaram que não houve mudanças e 37,13% (75)
afirmaram que essas mudanças ocorreram.
Dentre as principais mudanças identificadas pelos profissionais no perfil dos usuários,
podemos apontar as seguintes respostas:
“Na clientela, antes era de 17 a 18 e agora é de 14 a 18anos” (Q.13)
“Antes adolescentes de baixa renda, agora o foco é o Programa Adolescente Aprendiz”
(Q. 244)
“Maior número de idosos, maior número de usuários de classes baixas” (Q.258)
“Carentes, maltratados, abandonados etc.” (Q.338)
“Foco atual é o paciente com vírus HIV centrado na população de baixa renda”
(Q.353)
13. “Mais exigentes em relação aos direitos, mas não reconhecem os próprios deveres”
(Q.640).
Realizando uma análise mais criteriosa das respostas dos profissionais que participaram
da pesquisa notase que à medida que caracterizam os usuários, alguns assistentes
sociais ficaram restritos ao nível da imediaticidade e da superficialidade. Os usuários
foram caracterizados de acordo com a sua necessidade imediata, ou, em alguns casos,
foram considerados usuários somente aqueles que participam dos programas sócio
institucionais.
Já outros profissionais relacionaram a mudança de perfil do usuário com o aumento do
número de usuários atendidos pela instituição. Além do mais, em determinados
depoimentos também ficou claro que muitos profissionais não conseguiram superar
alguns modelos de atuação que buscam adequar os usuários às determinações
institucionais, reforçando o caráter conservador ainda presente no exercício profissional.
A partir desse enquadramento, o atendimento é submetido aos critérios organizacionais,
negligenciando, assim, as condições objetivas e subjetivas de vida do usuário, bem
como a realidade social. Sob essa perspectiva, a atuação profissional tende a ser
superficial, cristalizando processos de trabalho que já não conseguem contemplar os
interesses dos usuários.
Analisar o perfil do usuário e se houve mudança ou não nesse perfil requer apreender
como as transformações societárias incidem sobre o exercício profissional e quais as
formas de enfrentamento adotadas pela sociedade, pelo Estado e pelo grande capital às
novas expressões da questão social. É necessário, portanto, questionar como essas
transformações têm repercutido não somente sobre as condições de vida e de trabalho
do assistente social, mas também sobre a população que demanda o trabalho desse
profissional. Assim, “pensar o Serviço Social na contemporaneidade requer os olhos
abertos para o mundo contemporâneo para decifrálo e participar da sua recriação [...]”
(IAMAMOTO, 2003, p. 19).
É preciso, pois, ultrapassar a imediaticidade e tudo aquilo que obscurece as relações
sociais e reconhecer quem são realmente esses usuários, bem como suas experiências de
vida e as estratégias adotadas por eles para o atendimento de suas necessidades. Ao
atuar nessa direção, o profissional tende a apreender o usuário como sujeito partícipe do
14. processo interventivo, deixando claro para ele quais as atividades que serão
desenvolvidas, quais as responsabilidades que precisam ser compartilhadas e quais
respostas sócioprofissionais que serão construídas (IAMAMOTO, 2003).
Perguntados como desenvolvem as suas atividades no campo de trabalho, de acordo
com o gráfico abaixo, 39,60% dos assistentes sociais entrevistados desenvolvem suas
atividades em equipe multidisciplinar e 32,18% em equipe interdisciplinar, o que nos
mostra que um número expressivo de profissionais desenvolve suas atividades de forma
articulada e integrada a outras áreas de conhecimento.
15,35
17,82
39,6
32,18
0
10
20
30
40
Sozinho(a) Em equipe de
S.S.
Em equipe
Multidisciplinar
Em equipe
Interdisciplinar
Gráfico 03: Como desenvolvem as atividades
O trabalho em equipe agrega uma unidade de diversidades que, ao mesmo tempo em
que enriquece, também preserva as particularidades profissionais de cada participante,
desmistificando, assim, a concepção de que o trabalho desenvolvido em equipe
promove uma identidade entre seus integrantes que conduz à diluição das
especificidades inerentes a cada profissão. Mesmo desenvolvendo atividades
compartilhadas com outros profissionais, o assistente social dispõe de elementos
específicos de observação na análise dos processos sociais, bem como detém uma
competência particular para o encaminhamento das ações que o diferencia dos demais
profissionais (IAMAMOTO, 2002).
No entanto, o trabalho em equipe também pode reforçar o discurso disseminado pela
dinâmica capitalista que defende que o profissional seja polivalente, que saiba trabalhar
em equipe, que tenha raciocínio lógico, que seja capaz de exercer novas qualificações e
15. que tenha iniciativa para resolução de problemas. Nesse processo, todos os profissionais
se sentem responsáveis e comprometidos com os objetivos sócioorganizacionais de tal
forma que, muitas vezes, o próprio assistente social, como integrante dessa equipe,
acaba negligenciando os princípios defendidos pelo projeto éticopolítico da profissão.
Isso não significa que o assistente social não possa trabalhar em equipe. O queremos
dizer é que, dependendo do modo como esse profissional desempenha suas atividades e
da direção ideopolítica que a sua prática assume, o trabalho em equipe pode fortalecer
o seu papel profissional ou até mesmo reforçar o discurso dominante.
Nessa mesma análise não podemos desconsiderar a importância da atuação individual –
15,35% – e em equipe de Serviço Social – 17,82% –, à medida que se constituem
mecanismos primordiais para o atendimento de determinadas demandas apresentadas
pelo usuário.
2 NOTAS CONCLUSIVAS
As conclusões do processo investigativo nos permitiram apreender também que as
características da atuação profissional dependerão da qualidade da relação profissional
estabelecida com a totalidade social. Dessa forma, desenvolver uma atuação com o
objetivo de romper com as práticas de caráter reacionário e conservador exige a
compreensão de uma totalidade complexa nos seus mais diferentes aspectos e
determinações (VASCONCELOS, 2007).
A visibilidade do exercício profissional pressupõe a presença do conhecimento como
um diferencial e como possibilidade de construção crítica. É preciso, pois, conhecer a
realidade nas suas particularidades e singularidades a fim de reconhecer as contradições
presentes e identificadas na realidade social. Além disso, o reconhecimento do fazer
profissional do assistente social é perpassado pelo modo como ele conduz e direciona
seu exercício profissional e como ele particulariza o seu saber por meio da identificação
de demandas de atendimento, das políticas sociais e do conhecimento das condições
objetivas e subjetivas de vida do usuário e da realidade social.
16. Os assistentes sociais, na verdade, só podem apreender o movimento, o sentido e o
significado do exercício profissional, relacionandoos com o movimento histórico da
realidade social. É a partir da apreensão desse movimento em sua historicidade,
inscrevendo a prática profissional no contexto das relações sociais, que é possível
construir respostas às demandas apresentadas “[...] que rompam com práticas que
reproduzem ou mantêm o status quo [...], supõe uma competência política, teórica e
ética para um desvendamento do movimento da realidade social que explicite
tendências, possibilidades e limites da prática na direção pretendida”
(VASCONCELOS, 2007, p.29).
Apresentar soluções de forma crítica e criativa, defender as condições de trabalho em
que se inscreve sua prática profissional e mostrarse resistente às práticas de
subalternidade são alguns desafios colocados para o assistente social no seu cotidiano
profissional. Outro desafio colocado para a profissão é desenvolver uma ação pautada
nos princípios do projeto éticopolítico, privilegiando a articulação das dimensões
teórica, jurídicopolítica e políticoorganizativa da profissão.
A questão central que se apresenta para o Serviço Social no contexto atual não se
constitui somente no fato de o profissional ter a capacidade de atender às demandas que
lhe são postas cotidianamente e que se transformam com certa fluidez, mas de ter
clareza de quais habilidades técnicas, sociais e comportamentais que as novas
configurações do mundo do trabalho exigem. O profissional tem que ser capaz de, ao
superar as exigências impostas pelo mercado, manterse em um processo contínuo de
construção do conhecimento e de um projeto profissional que reforce a ruptura com o
conservadorismo da profissão (MOTA; AMARAL, 2006).
Construir e reconstruir respostas profissionais, mesmo que não sejam homogêneas,
apontam para a importância de se compreender a nova dinâmica social, suprimindo o
imediatismo e interpretando as demandas a partir de uma inserção criativa e qualificada
no espaço institucional. As múltiplas expressões da questão social demandam, além de
respostas qualificadas, fundamentadas em um arcabouço teóricometodológico, também
a conquista de legitimidade sociopolítica no espaço institucional.
Finalizando as reflexões sobre a prática profissional dos assistentes sociais do Espírito
Santo ficam claros alguns aspectos importantes. Em primeiro lugar, a atuação
17. profissional é extremamente complexa e requer uma fundamentação teórico
metodológica, ética e política. E, em segundo lugar, os profissionais precisam
compreender e clarificar as diferenças existentes entre as atividades, os procedimentos
técnicooperativos e as habilidades profissionais.
E, por fim, restanos lançar o seguinte questionamento: qual a direção ídeopolítica e
social que esses profissionais imprimem à sua prática profissional, dada as atuais
exigências da dinâmica de acumulação capitalista e a orientação éticopolítica do
projeto profissional do Serviço Social?
18. REFERÊNCIAS
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história. São Paulo: Cortez, 2007.
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ed. São Paulo: Cortez, 2003.
IAMAMOTO, Marilda Vilela; CARVALHO, Raul. Relações sociais e Serviço Social
no Brasil: esboço de uma interpretação históricometodológico. 18 ed. São Paulo,
Cortez, 2005.
MOTA, Ana Elizabete; AMARAL, Ângela Santana do. Reestruturação do capital,
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de Consensos. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1998. p.2344.
NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 4 ed. São Paulo:
Cortez, 2005.
_______. O Movimento de Reconceituação 40 anos depois. In: Revista Serviço Social e
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contexto brasileiro. In: Necessidades humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais.
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SPOSATI, Aldaíza de Oliveira et al. Assistência na trajetória das políticas sociais
brasileira: uma questão em análise. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
VASCONCELOS, Ana Maria de. A prática do Serviço Social: cotidiano, formação e
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VIERA, Evaldo Amaro. Democracia e Política Social. São Paulo: Cortez / Autores
Associados, 1992.
VIEIRA, Pedro José Meirelles. Glossário de Serviço Social: terminologia, expressões e
atividades ligadas ao Serviço Social e ao BemEstar Social. Rio de Janeiro: Interciência,
1981.