1. CURSO CIENTÍFICO-HUMANÍSTICO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
HISTÓRIA A
GUIA DE ESTUDO
MÓDULO 1 – A DEMOCRACIA ATENIENSE
A palavra Democracia é de origem grega. (…) Desaparecida do uso corrente até ao
século XVIII, o termo, bem como o conceito que exprime, recuperam o seu prestígio
com a Revolução Francesa. Tem-se dito que a Declaração dos Direitos do Homem
(…), e a Declaração da Independência Americana, em 1776, bem como, na
actualidade, a Carta das Nações Unidas, de 1948, não são mais do que aspectos novos
do mesmo processo espiritual. (…)
Algumas diferenças devem, logo de início, acentuar-se. A primeira é que a noção de
Estado como personalidade jurídica é dos Modernos; os Antigos entendiam o Estado
como o conjunto de cidadãos. (…) Diverge também o modo de funcionamento: a
democracia antiga era directa, plebiscitária, ao passo que a moderna é com mais
frequência indirecta ou representativa.
Os Atenienses possuíam igualdade nos direitos (isonomia), no falar (isegoria) e no
poder (isocracia). A isonomia estabelecia que as leis eram iguais para todos os
cidadãos, independentemente da riqueza ou do prestígio destes, garantia que o
cidadão se destacava pelo mérito e não pelos bens ou nascimento. A isocracia era uma
norma que estabelecia que todos os cidadãos tinham igual direito ao voto e a
desempenhar cargos políticos, encorajava a participação na vida política da cidade.
Para que nenhum cidadão, nem mesmo o mais pobre, fosse afastado da vida cívica, os
cargos eram remunerados (mistoforias). No entanto, esse pagamento era mais baixo
do que o de um pedreiro, de modo a que os cargos políticos não fossem procurados
para enriquecimento de quem os executava.
Vários cargos, como o de membro da Bulé), o de arconte e o de membro do tribunal
do Helieu eram sorteados, para que todos pudessem intervir.
Por último, privilegiava-se a rotatividade das funções, de modo a evitar que um tirano
se apoderasse do governo da cidade. Por último, a isegoria – igual direito de todos os
cidadãos ao uso da palavra – favorecia o discurso político como forma de participação
cívica. A oratória (dom da palavra) era altamente valorizada. A palavra isegoria era
algumas vezes empregada pelos escritores gregos como sinónimo de democracia.
Existiam mesmo escolas de bem falar. Isócrates afirmava, por isso, que a maneira de
falar “é o sinal mais seguro da educação de cada um de nós”. No entanto, já nessa
época se alertava contra a prática da demagogia (conquista da confiança do povo
através do discurso vazio ou de promessas irrealizáveis).
Praticava-se, portanto uma democracia directa, bem diferente da democracia
representiva dos nossos dias.
O cidadão é o que tem parte na decisão e no comando. Esta participação exerce-se
através das assembleias, dos conselhos e dos tribunais. Retomando o caso de Atenas,
temos em primeiro lugar um órgão que abrangia a totalidade dos cidadãos, Eclésia ou
assembleia. Composta por cidadãos do sexo masculino com o serviço militar já
cumprido, inscritos nas demos atenienses.
A Eclésia possuía funções legislativas e deliberativas: propunha, discutia e aprovava
as leis e o ostracismo; designava por eleição ou sorteio, os magistrados e fiscalizava a
sua actuação; decidia sobre a guerra ou a paz; negociava e ratifica tratados; controlava
2. as finanças e as obras públicas; julgava crimes políticos. As suas decisões eram
tomadas por maioria de votação, e esta fazia-se geralmente de braço no ar. Para não
afastar os cidadãos dos seus afazeres, a Eclésia reunia três a quatro vezes por mês,
embora algumas sessões durassem mais do que um dia.
Um outro, a Bulé ou conselho, preparava as leis e os projectos para votação na
Eclésia. Para este conselho, qualquer cidadão podia ser nomeado, mas não mais de
duas vezes na vida, e essas não seguidas, o que assegurava a rotatividade de exercício
de tais funções.
Para além dos buletas, o Governo ateniense contava ainda com um corpo de
magistrados que executavam todo o tipo de funções públicas e faziam cumprir as leis.
Eram designados por eleição ou sorteio, consoante os cargos, e possuíam mandatos
anuais. O seu desempenho era fiscalizado pela Bulé e pela Eclésia, a quem tinham de
apresentar contas no final dos seus mandatos, apresentando, inclusive, relatório dos
bens pessoais tidos no início e no fim da função exercida. Os arcontes organizavam as
grandes cerimónias religiosas e fúnebres e presidiam aos tribunais. Os estrategos
ocupavam-se das questões militares, na chefia da marinha e do exército e regiam a
política externa. Não eram sorteados, mas eleitos, mediante listas propostas pelas
tribos, podendo cumprir vários mandatos. Os escolhidos eram, quase todos,
descendentes das famílias nobres.
A aplicação da justiça cabia a dois tribunais. O Areópago era formado pelos arcontes
que haviam cessado funções e que nele possuíam assento vitalício; julgava os crimes
religiosos, os homicídios e os de incêndio. O Helieu julgava todos os restantes delitos;
compunham-no 6000 juízes (600 por cada tribo), sorteados anualmente, que
funcionavam divididos por secções; os julgamentos constavam das alegações do
acusador e do acusado, posto o que se seguia o veredicto dos juízes que decidiam
colectivamente, por maioria, através do voto secreto.
A preocupação de contrabalançar os perigos que eventualmente podiam conduzir à
degeneração do sistema deu origem a duas medidas preventivas famosas: o
ostracismo e a acusação de se ter feito uma proposta ilegal à Assembleia. Pela
primeira, um cidadão demasiado influente era afastado da cena política por um
período que podia ir até dez anos; pela segunda, podia ser castigado que tivesse
apresentado à Assembleia uma proposta ilegal, ainda que aprovada por aquela.
Os detentores de tais direitos eram os cidadãos. Porém, só eram considerados
cidadãos os indivíduos livres (não-escravos) do sexo masculino, filhos de pai e mãe
ateniense, maiores de dezoito anos e com serviço militar (de dois anos) cumprido.
Esses representavam apenas um estrato da população, de modo algum a totalidade.
“Em 430 a.C., 30.000 cidadãos, 120.000 familiares, 50.000 metecos, 100.000
escravos, o que dá, para cerca de 300.000 habitantes da Ática, apenas cerca de 10% da
população” (Pereira, 1998). Os pequenos comerciantes, marinheiros, lavradores,
artesãos, é que constituíam a maioria da população. Assim, a democracia tornava-se o
governo da minoria, e não da maioria.
Em consequência desta contradição, ficavam excluídos dos direitos políticos as
mulheres, os metecos (e suas famílias) e os escravos.
Era uma sociedade desigual e esclavagista, o que contradiz os princípios da noção
actual de democracia.
Apesar disso, a incorporação de tais pessoas na comunidade política como membros
de pleno direito, novidade surpreendente no seu tempo, raramente repetida depois,
salva, por assim dizer, parte do sentido da democracia antiga. Além disso, o princípio
da igualdade natural de todos os homens – livres ou escravos – foi proposto pela
primeira vez no séc. IV a.C., por um Sofista grego, Alcidamante, e o da igualdade
entre homens e mulheres para as mais altas tarefas da polis é, como se sabe, uma das
3. teses sustentadas por Platão na República.
Comparando os princípios da democracia ateniense com os preceitos da democracia
actual, encontramos pontos de convergência e de divergência. As duas formas de
democracia têm em comum:
- a vontade de satisfazer os desejos dos cidadãos (ainda que nos nossos dias o
conceito de cidadão seja diferente);
- a divisão dos poderes – legislativo, executivo, judicial – pelas diferentes instituições;
- o uso da retórica como arma política;
- o tratamento igual de todos os cidadãos perante a lei.
Eram características da democracia ateniense, nomeadamente:
- um corpo cívico reduzido em comparação com o das democracias actuais (porém,
alargado, em comparação com o dos regimes políticos da Antiguidade);
- a aplicação do ostracismo;
- a existência legal da escravatura;
- a discriminação das mulheres e dos estrangeiros;
- a valorização do sorteio como forma de participação política;