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Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo



GEOGRAFIA E ÉTICA: A PERTINÊNCIA DO                                                    DISCURSO
ONTOLÓGICO NO PENSAMENTO GEOGRÁFICO

                                                                                 Altemar Amaral Rocha 1
                                                                                Carley Rodrigues Alves 2



INTRODUÇÃO

                         O lugar, [que é] assim a identidade posta do espaço e do tempo, é
                         primeiramente por igual a contradição posta que é o espaço e o
                         tempo, cada um em si mesmo. O lugar é a singularidade espacial, e
                         também indiferente, e é isto somente como agora espacial, como
                          tempo, de modo que o lugar é imediatamente indiferente ante si,
                          como este exterior a si, a negação de si e um outro lugar. Este
                          desaparecer e regenerar-se do espaço no tempo e do tempo no
                          espaço, de modo que o tempo para si é posto espacialmente como
                          lugar, mas esta espacialidade indiferente do mesmo modo e de
                          imediato é posta temporalmente – é o movimento. Este vir-a-ser é
                          porém ele mesmo igualmente o colapsar sobre si [interno] de sua
                          contradição, a unidade imediatamente idêntica aí-essente de ambos,
                          a matéria. (HEGEL, 1997, p.47,53-54)

        A Ciência Moderna foi responsável por uma ruptura sem precedentes na história do
pensamento humano. A modernidade científica suprimiu a épisteme, e a liberdade de
expressão dos saberes totais, traduzindo-os numa forma excludente e autoritária de
conhecimento: o conhecimento científico. Os últimos quatro séculos consolidaram uma
épisteme hegemônica, na forma de ciência desvinculada de uma orientação crítico-filosófica.
Esta forma universal e universalizante de saber sufocou a tradição polissêmica/polimórfica
de produção do conhecimento, reduzindo o quadro de diversidade típico dos sistemas
interpretativos filosóficos, para uma forma de conhecimento incapaz de abarcar a
complexidade da realidade, principalmente, quando considerada a partir da singularidade
subjetiva de quem lhe dá sentido.

        Consolidada sobre uma base paradigmática, quase que dogmática, a comunidade
científica forma um grupo homogêneo e usurpa o papel da sociedade enquanto produtora do
conhecimento, para tanto, definindo o método científico como sua ferramenta exclusiva. A


1
  Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB /Universidade do Estado da Bahia-UNEB -
altemar@uesb.br
2
  Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB
carley@uesb.br

12534
Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


explicação científica como objetivo final da trajetória metodológica distancia-se, em função
do próprio método, do ser humano. O mundo da ciência deixou de ser o mundo das
pessoas.

       Esta simplificação teórica do mundo só foi possível graças à técnica de
generalização. Por meio dela, o cientista confinou os fenômenos factuais na realidade
empírica, simplesmente, enquanto fonte sensível de informação, passando a produzir uma
realidade virtual, caracterizada por modelos teóricos. Esses modelos, construídos via
indução, representariam a síntese laboratorial de etapas de observação sistemática sobre
um determinado aspecto da realidade, sob condições controladas. Esta perda da
integralidade do fenômeno, sob pretextos epistemológicos, representaria a condição
científica de abarcar a realidade total por meio do estudo de suas partes constituintes.
Segundo Prigogine (1996, p.157)

                         A ciência é um diálogo com a natureza. [...] Mas como é possível um
                         tal diálogo? Um mundo simétrico em relação ao tempo seria um
                         mundo incognoscível. Toda a medição, prévia à criação dos
                         conhecimentos, pressupõe a possibilidade de ser afetado pelo
                         mundo, quer sejamos nós os afetados, quer sejam os nossos
                         instrumentos. Mas o conhecimento não pressupõe apenas um
                         vínculo entre o que conhece e o que é conhecido, ele exige que esse
                         vínculo crie uma diferença entre passado e futuro. A realidade do
                         devir é a condição sine qua non de nosso diálogo com a natureza.

       A necessidade de construir um conhecimento lógico, pautado pela racionalidade e
objetividade, motivou o cientista a formular explicações incompletas e insuficientes. A
complexidade da natureza estudada de forma fragmentada pelos diversos ramos científicos,
das chamadas Ciências Naturais, resultou numa ilusão de controle do mundo, a partir do
conhecimento compartimentado do mundo natural.

                         Compreender        a   natureza    foi   um    dos grandes projetos do
                         pensamento ocidental. Ele não deve ser identificado com o de
                         controlar a natureza. Seria cego o senhor que acreditasse
                         compreender seus escravos sob o pretexto de que eles obedecem
                         às suas ordens. Evidentemente, quando nos dirigimos à natureza,
                         sabemos que não se trata de compreende-la da mesma forma como
                         compreendemos um animal ou um homem [...]. (PRIGOGINE, 1996,
                         p.157-158)

       A relação entre a comunidade científica e a natureza transformou-se numa relação
sujeito e objeto. O homem comum foi relegado à condição de terceiro elemento indesejado,

                                                                                                 12535
Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


até que os processos de consumo e produção, típicos do sistema capitalista, catalisassem o
processo de coisificação do homem. Esse homem-objeto passaria a compor o cenário de
uma natureza convertida em matéria-prima, através do trabalho.

        A comunidade científica, enquanto sacerdotes de um novo éden virtual, passa a
condição de sujeito epistêmico e, neste pólo, deixam de se enxergar em seus atributos
empíricos, ou seja, deixam de se ver enquanto seres humanos. Essa ruptura metafísica
definiu um patamar de superioridade supranatural à classe científica. A história universal do
pensamento universal foi convertida em história do pensamento ocidental. O pensamento
geográfico, conformado à rigidez disciplinar dos ramos da ciência moderna, é traduzido em
ciência paradigmática, no momento de sua sistematização científica, caminhando na direção
de uma hiperespecialização.

        Na atualidade, a ciência geográfica, sufocada durante dois séculos, tenta reconstruir
seus vínculos com a sociedade, por meio da renovação de um discurso de interface
amigável, comportando uma linguagem independente, construída a partir de uma proposta
holística de religação dos saberes. Essa restauração do seu caráter generalista é a
condição de restabelecimento de sua proposta ontológica original.

        Sistematizada      no    século    XVII     a   geografia     difere,    em    suas     versões
teorética/tradiocional e crítico/dialética, em muito da geografia produzida por Heródoto e,
mais recentemente, Humboldt. Daquela geografia não sobraram mais do que saudosismos
de uma época não vivida. Uma época de aventuras explicativas intelectuais livres da camisa
de força do discurso-minuta da ciência clássica. Uma época densamente leve que permitia
um descarregar de idéias, afloradas de uma sensibilidade ainda intocada, isenta do esforço
de tradução estéril para um discurso paralítico e dependente, dos atuais ramos científicos
racionais.

        Pretende-se discutir o pensamento geográfico reconhecendo suas origens nas fases
iniciais de desenvolvimento da linguagem e pensamento nos seres humanos. O pensamento
geográfico é a própria tradução do significado da presença humana no mundo, a condição
ontológica de sua existência e a vida em sociedade. Ao mesmo tempo, representa um
constructo explicativo, a posteriori, porém, e sobretudo, caracteriza uma contínua reflexão e
juízo moral sobre o significado e abrangência da ação humana no Planeta.

        A questão ontológica é visitada por meio de um contraponto entre o éthos humano e
a ética científica. A tentativa de construir um discurso geográfico pós-moderno, afina-se com
uma abertura para os novos elementos conceituais oriundos dos ramos científicos que
fomentam a discussão do momento de crise do paradigma vigente, premente, a Física.
Assim, a noção de espaço-tempo da física é recebida e traduzida como categoria de análise
geográfica, na medida em que traduz espaço e tempo absolutos e relativos, em uma

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Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


categoria explicativa moderna e condizente com a natureza contraditória e complementar do
espaço geográfico. Para Harvey (1993, p.187), “O espaço e o tempo são categorias básicas
da existência humana”.

       Este texto representa uma pequena contribuição à discussão da modernidade do
pensamento geográfico à luz do momento de crise e ruptura do paradigma vigente.
Compreendemos que a Geografia tem amplas condições de ser o carro-chefe desse
processo de transformação. Concordamos com Lacoste (1989, p.215) que:

                         Os geógrafos devem refletir sobre sua profissão, sobre seu papel
                         individual e coletivo no seio da sociedade. Para tanto, não é
                         suficiente examinar as dificuldades epistemológicas do presente: é
                         preciso compreender como e por que elas foram, pouco a pouco,
                         aparecendo na geografia, enquanto todas as demais disciplinas
                         conhecem um progresso brilhante. (LACOSTE, 1989, p.215)




                                                                                                 12537
Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


I. A GÊNESE DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO

        Antes mesmo de discutir as origens do pensamento geográfico se faz necessário
analisar o significado e a abrangência de questões que perpassam pela própria noção de
origem e evolução do pensamento humano, bem como os processos e fatores que atuaram
sobre o ser humano, os quais, em algum momento da história, culminaram no
desenvolvimento de uma estrutura cerebral potencializada para a reflexão filosófico-
existencial. Esta, por sua vez, surge gradativamente, na medida em que o ser humano
transcende metafisicamente a sua realidade empírica e, enquanto ser pensante, questiona o
significado de sua existência no mundo.

Pensamento e linguagem

        A principal característica distintiva do ser humano, dentro do seu processo evolutivo,
com relação às demais espécies animais, foi o desenvolvimento de uma linguagem. Essa
linguagem facultou ao homem, que se afastava do mundo natural enquanto se via preso na
extensão material do seu corpo físico e por contingências biológicas, o acesso ao mundo,
funcionando como agente intermediário, no campo das idéias.

        Não se pode estabelecer a origem temporal (ou mesmo espacial) do pensamento
geográfico. Desde sempre, em algum momento e em todos os momentos (ou mesmo em
algum espaço e em todos dos espaços) o ser humano se expressou através da linguagem
[...] “e é na linguagem que as coisas chegam a ser e são” (Heidegger, 1969).

        Segundo Vigotsky (1998, p.43,45), apesar de sua profunda e natural imbricação, em
primeira análise, historicamente:

                                  O pensamento e a linguagem têm origens diferentes e
                         desenvolvem-se segundo trajetórias diferentes e independentes,
                         antes que ocorra uma estreita ligação entre esses dois fenômenos.
                         [...]

                                  Existe, assim, a trajetória do pensamento desvinculado da
                         linguagem e a trajetória da linguagem independente do pensamento.
                         Num determinado momento do desenvolvimento, filogenético, essas
                         duas trajetórias se unem e o pensamento se torna verbal e a
                         linguagem racional.[...]

        Pode-se, dessa forma, afirmar que o domínio espacial pelo homem está ligado
intimamente com o desenvolvimento do pensamento verbal e da linguagem. Vigotsky (1998,
p.45) afirma que “o surgimento do pensamento verbal e da linguagem como sistema de



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Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


signos é um momento crucial no desenvolvimento da espécie humana”, [..] momento da
passagem do ser biológico para o ser sócio-histórico.

       A questão ontológica, dessa forma, surge espontaneamente em um homem que
passa a se ver no mundo enquanto movimento e construção, ou seja, um ser que através de
processos evolutivos cria a possibilidade de debater a sua condição de existência no
mundo. No entanto, esse processo de ruptura, ação e movimento do ser no espaço não
ocorreu apenas mediante a linguagem. Para Lef (2002, p.24), tal condição ontológica é dada
da seguinte forma:

                         A    emergência      da    função    da    linguagem      não    produz    uma
                         correspondência ontológica entre as palavras e as coisas; a
                         referencia nominalista emerge sempre das práticas sociais e
                         produtivas da cultura, condicionadas pelos efeitos de sentido que se
                         produzem nas práticas discursivas como efeito da ordem simbólica e
                         das formações ideológicas de grupos sociais diversos que
                         atravessam o campo do poder e do saber.

       Neste caso, justifica-se a idéia de produção e reprodução espacial, em que exprime
a base ontológica do saber geográfico, na medida em que o ser social produz e reproduz
suas diversas formas de organizar-se e de viver em sociedade. Nesta condição, deve-se
estar atento para não incorrer no erro de “reduzir o papel dos indivíduos a meros
receptáculos dos imperativos institucionais, ou de acreditar na autonomia absoluta da ação
dos indivíduos” [...]. (COSTA, in COSTA e GONDAR (orgs), 2000, p.57). Dessa forma,
condicionado ao campo ideológico, o homem experimenta essa tensão entre o racional e o
simbólico:

                                Divididos entre um mundo exterior construído na lógica da
                          razão matemática e um mundo interior edificado no imaginário dos
                          símbolos, crescemos num todo tensionado por essa dualidade.
                          Prisioneiros da nossa rígida formação lógica, rejeitamos indagar se
                          somos a razão ou o símbolo, ou admitir que somos razão e símbolo.
                          (MOREIRA in SOUZA ET AL (orgs), 1997, p.46).

       Como conseqüência lógica, a evolução do pensamento geográfico pressupõe formas
primitivas/insipientes, nos primórdios da espécie humana. É, pois, possível dizer que o
pensamento geográfico se diferencia no tempo e no espaço, sendo, portanto, uma forma
relativa de conhecimento. A relatividade do pensamento geográfico é função direta do
processo de subjetivização do ser humano em detrimento de um gradativo e exponencial
processo de objetivização da natureza.



                                                                                                 12539
Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


          O homem é, ao mesmo tempo, ser que pensa e ser pensado, dentro de uma relação
dialética de alteridade e de auto-alteridade. O pensamento geográfico é, a priori, uma auto-
reflexão do homem sobre a sua condição de existência no mundo e, somente num segundo
momento, passa a ser um regulador para a sua conduta em sociedade e, como
conseqüência, em relação à natureza, como um todo.

                         [...] A relação entre o “eu” e o “mundo” não pode ser concebida no
                         estranho e no alheio, sem o outro e o outrem, o próximo e o
                         longínquo, que são mesmos (dois aspectos da mesma relação). O
                          “mundo” chega a esse “eu”, que sou eu, por dois caminhos: a história
                          inteira, o passado, o tempo biológico e social – e a biografia
                          individual, o tempo singular. [...] (LEFEBVRE, 1995, p.23)

          Não pode existir pensamento geográfico em um homem natural, a menos que o
pensamento geográfico seja um atributo comum à vida orgânica em geral ou, pelo menos,
um atributo do reino animal. Para Marx (In Souza, 1999, p.344), o pensamento geográfico
evolui para a concretude material do espaço geográfico por meio do trabalho humano.

          É, assim, possível afirmar que o pensamento geográfico é um atributo do ser
humano que, em algum momento de sua evolução olha, de longe, para a natureza e, nela,
misteriosamente, se vê. Esta metafísica permite-o enxergar novos elementos que evoluiriam
para uma visão dual de mundo, bem como, para uma necessária dualidade na construção
de conhecimento de base empírica, baseado na relação metodológica do sujeito com o
objeto.

          Assim, a gênese e evolução do pensamento geográfico está para a gênese e
evolução do pensamento humano, em qualidade e quantidade, na mesma razão em que a
gênese e ampliação do abismo que, na atualidade, separa o homem da natureza, se torna,
na atualidade, um imperativo das discussões epistemológicas e metodológicas da ciência
geográfica contemporânea.

          O pensamento geográfico evolui para conhecimento geográfico sobre um tripé:
autoconhecimento,      conhecimento       social   e    conhecimento      da    natureza.    Assim,     o
conhecimento geográfico surge no indivíduo que se reconhece enquanto ser-no-mundo,
depois evolui para o significado do indivíduo dentro do grupo social e, só então, passa a ser
conhecimento da natureza, perpassando, sobretudo, pela questão ética. Neste contexto, a
gênese do pensamento geográfico confunde-se com a própria gênese do pensamento
filosófico e, de certa forma, a antecede no tempo. Confundem-se, uma vez que ambos
surgem da discussão ontológica da presença humana no Planeta. No entanto, enquanto a
questão ontológica aparece de forma sistematizada no discurso que é próprio ao filósofo, a



12540
Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


mesma questão surge de forma implícita, espontânea/natural, generalizada e irrefletida nos
primeiros homo-sapiens.

                          A consciência se forma na relação do sujeito com o objeto e do
                          objeto com o sujeito. Ela é uma propriedade da matéria mais
                          desenvolvida entre todas as formas da matéria: a estrutura cerebral
                          do homem. Todavia, sem imagens advindas do exterior (realidade
                          circundante), captadas pelos sentidos e conduzidas pelo sistema
                          nervoso central até a estrutura cerebral, não se formaria a
                          consciência que temos das coisas. (GOMES, 1991, p.21)

       Do ponto de vista histórico/cronológico, para Moreira (1985), “a geografia nasce
colada, de um lado, às lutas democráticas que se desenrolam nas cidades gregas e
atravessam praticamente toda a sua história e, de outro lado, aos interesses dos
mercadores que impõem aos gregos uma talassocracia”. Não há dúvida do papel que a
Grécia desempenhou para o desenvolvimento do pensamento ocidental. É certo que suas
características   geográficas      permitiam     uma     significativa   mobilidade     por    terra   e,
principalmente, pelo mar. Essa conectividade e polarização estratégica da Grécia foram um
marco decisivo para o desenvolvimento da Geografia. No entanto, a Geografia antecede
temporalmente, em muito, as relações mercantis desenvolvidas no mundo grego antigo. Ela
está ligada, diretamente, a um momento evolutivo espontâneo do homem, na medida em
que este se depara com questões de ordem ontológica, ética e moral. Questionando a sua
condição de existência no mundo, as conseqüências/repercussões de suas ações e
estabelecendo juízo de valor sobre as mesmas.

Bases ontológicas do pensamento geográfico

       As questões ontológicas moldam a relação do homem com a natureza e inauguram o
discurso geográfico na medida em que se constituem no elo que torna indivisível a
dimensão do ser e do pensamento, responsável pela construção do conhecimento. A
discussão ontológica é o embrião do pensamento geográfico.

       A priori, o conhecimento surge enquanto conhecimento de mundo, e surge a partir do
momento em que o homem epistêmico se desprende do homem empírico. Neste momento o
homem se vê no mundo. Essa metafísica permitiu-lhe refletir sobre a condição de sua
existência no mundo, por meio do desenvolvimento de uma linguagem própria diferenciada
dos demais seres vivos. Esta linguagem surge na forma de discurso que materializa a
realidade empírica, dando condição de existência real ao homem, nas práticas sociais em
grupo. Piaget dedicou especial atenção ao homem enquanto ser epistêmico. Para este autor
“o estudo dos processos de pensamento presentes desde a infância inicial até a idade



                                                                                                 12541
Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


adulta. Interessou-se basicamente pela necessidade de conhecimento típico do homem, que
o define como espécie ‘homo sapiens’”.(RAPPAPORT in FIORI e DAVIS, 1981, p.51)

        O discurso geográfico revela a dimensão simbólica e ideológica que surge como
conseqüência da presença e ação do homem no mundo. Neste sentido este discurso deve
ser ontológico, para que garanta a busca da essência da realidade dentro da totalidade
complexa, holística e dialógica do ser no mundo.

        As origens do poder vinculam-se as próprias origens do homem enquanto ser social,
por meio do surgimento de hierarquias locais. Sabendo-se que o substrato terrestre,
permeado por seres humanos, é o objeto máximo de estudo da geografia e, sendo este
substrato correspondente ao que hoje conhecemos como ambiente terrestre, incluindo todas
as demais formas de vida, tem-se caracterizada a complexidade do mundo vivido e do
mundo pensado pelo homem. Lef (2002) classifica essa complexidade como um saber sobre
as formas de apropriação do mundo e da natureza através das relações de poder que se
inscreveram nas formas dominantes do conhecimento.

        Este desprendimento metafísico em relação à natureza fez surgir um homem
epistêmico. Tal mecanismo permitiu aos seres humanos construir se próprio mundo, um
mundo idealizado/planejado, graças ao livre-arbítrio característico da essência subjetiva da
espécie humana.

        Pode-se dizer, que a chegada do homo sapiens promoveu a ruptura entre um espaço
natural pretérito concebido/idealizado como uma espécie de primeira natureza, para um
espaço artificial/virtual, imagem projetada do mundo empírico desenvolvida especialmente, e
intencionalmente, para um homem epistêmico.

        Assim a teoria geográfica explica que “na história humana, todo saber, todo
conhecimento sobre o mundo e sobre as coisas tem estado condicionado pelo contexto
geográfico, ecológico e cultural em que produz e se reproduz determinada formação social”
(LEF 2002, p.21). A reação contrária aos desígnios de uma natureza consciente e misteriosa
forçaria o homem a assumir uma posição defensiva, acreditando poder, por meio do
conhecimento sistematizado, estabelecer as leis para, posteriormente, controlar os
fenômenos naturais que, de certa forma, determinavam a condição da presença humana
nos diversos espaços terrestres.

        Segundo Bachelard (1996, p.29), ensaiando uma crítica sobre o projeto de ciência
racionalista, inspirada na alienação do homem, do espaço natural, considera que:

                                  [...] o espírito científico deve formar-se contra a Natureza,
                         contra o que é, em nós e fora de nós, o impulso e a informação da
                         Natureza, contra o arrebatamento natural, contra o fato colorido e

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                         corriqueiro. O espírito científico deve formar-se enquanto se reforma.
                         Só pode aprender com a Natureza se purificar as substâncias
                         naturais e puser em ordem os fenômenos baralhados [...].

       Essa ausência da percepção de pertencimento e a insatisfação frente a indiferença
do mundo levou o ser humano a construir mundos paralelos. Espaços perfeitos em sua
representação matemática. Novo éden abstrato de leis frias, em tudo previsível e, em tudo,
controlável. Irreal e ilusório. Novo mundo reduzido em escala. Miniaturizado através de
técnicas geométricas. O mundo das cartas passa a ser o mundo dos geógrafos. E, na
condição de deuses desses novos mundos, o transportam em suas bolsas e, às vezes, em
seu bolso.

   Esse é o mundo que os geógrafos construíram para si através da ciência cartográfica.
Nele, eles apontam com o dedo e localizam precisamente as suas pequenas casas
quadradas e retangulares. Ensinam a todos as pessoas que elas também moram ali. Dentro
daquelas linhas. Na superfície de uma folha de papel.

   Nesse mundo racional as questões ontológicas foram subtraídas. A ação do homem é
representada de forma absoluta, na alteração de um determinado trecho de uma curva de
nível. No desenho de novas linhas paralelas ou perpendiculares, ou, ainda, formando
ângulos intermediários. O geógrafo contemporâneo, preso no próprio espaço que construiu,
e que, ao invés de espaço-prisão, chamou de espaço geográfico, deve almejar liberta-se
desses velhos sistemas interpretativos de inspiração iluminista que construiu, reencontrar-se
com o mundo empírico e reconstruir seus vínculos de pertinência com a natureza.

O Ser e o espaço geográfico

       Mediado pela linguagem, numa perspectiva ontológica do ser, o homem transforma o
espaço abstrato em espaço concreto. As origens do espaço geográfico derivam dessa
derivação na qual o sujeito cria topônimos e toponímias, para se relacionar com as coisas.
Para a compreensão deste processo, destina-se a análise espacial e a sucessão das
categorias ditas espaciais. A ciência geográfica moderna desenvolvida tendo como
referência o racionalismo iluminista, não pode abarcar a profundidade do pensamento
geográfico, tendo construído um discurso fracionado e heterogêneo, baseado em métodos
reducionistas, que não apresentam condições, nem perspectivas, de traduzirem-se por meio
de uma única linguagem.

       O espaço geográfico, assim concebido, é, antes de tudo, um modelo. Uma
construção teórica que avança e se adapta as novas condições paradigmáticas impostas.
Enquanto modelo, é relativamente flexível à abordagem metodológica, ou seja, responde na




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mesma linguagem de quem pergunta. Mas, não está livre da intencionalidade do inquisidor
e, portanto, da manipulação das respostas que oferece.

        Dessa forma, o espaço geográfico concebido no pós-Iluminismo não passa de um
espaço cartesiano, de matriz aristotélica (BETTANINI, 1982), exceto quanto experienciado
no cotidiano das pessoas. Neste nível, o espaço geográfico passa despercebido no
emaranhado das formas fenomênicas do aparente. Assim estabelecido, o espaço geográfico
torna-se, na análise geográfica, o espaço modificado pela ação humana. Ele diferencia-se
do espaço geométrico, no ato que dimensiona a forma. Neste sentido, o geométrico está
contido nele, tornando-o singular, permeado de formas únicas e particulares, mas, ao
mesmo tempo, universalizados por fatores exteriores.

        A ação humana sempre foi um agente de produção e multiplicação das formas e das
coisas, neste sentido, o espaço geográfico é concebido como a dimensão das formas das
coisas e potencialidade da análise teórica do seu conteúdo. Ele está intimamente ligado aos
primórdios da ação humana, em termos de sua abrangência temporal conceitual. Dessa
forma, o espaço geográfico não tem significado isento de seres humanos e, portanto,
deixaria de ter significante, num efeito de circularidade. Para Gomes (1991, p.9), o conceito
de espaço geográfico é excludente na medida em que destrói os espaços naturais
pretéritos, ao ser convertido, mediante a relação homem/meio, em natureza transformada,
por força do discurso:

                                  O    seu     caminhar      interdependente       no    espaço/tempo
                         geográfico, produzido pelo seu trabalho social, o tem conduzido, na
                         maioria das vezes, a um patamar superior na proporção em que
                         transforma as duas categorias (física e social) numa única natureza
                         (podemos denomina-la de “transformada”). Este, por sua vez, passa
                         a ser o objeto central de análise do inquérito geográfico. (GOMES,
                         1991, p.9),

        Por mais que queiramos definir origens temporais para o espaço geográfico, estas
não diferem das próprias origens do homem. O próprio surgimento do espaço geográfico,
em termos conceituais, está relacionado com a construção de um discurso, de uma
explicação, a posteriori. Enquanto discurso, o espaço geográfico é um espaço exclusivo, ou
seja, não admite a coexistência de outras concepções espaciais. Assim, mesmo quando se
diz espaço natural ou humano/artificial, está se falando, na verdade, de representações
interiores ao espaço geográfico.

        Nestes termos ele é, e sempre foi, um espaço natural artificializado (e/ou um espaço
artificial naturalizado), tendo, em tese, como origem histórica, o surgimento do homo
sapiens, enquanto sujeito consciente. Pode-se, dessa forma, considerar o espaço

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geográfico em sua origem antropológica. Assim, o discurso conduz a conceitos teóricos
explicativos das transformações impetradas pelo ser humano, enquanto sujeito consciente,
representadas nas alterações do meio físico/natural, no processo de construção das
paisagens humanizadas, fruto de interesses, por vezes, específicos e, às vezes,
aparentemente, vagos, em cada momento de sua história.

                                  A idéia de sujeito origina-se, portanto, no ser vivo mais
                         arcaico, mas não se reduz a ele. Desenvolve-se com a animalidade,
                         com     a   afetividade     e,   no   homem,      aparece     esta    novidade
                         extraordinária: o sujeito consciente. Mas, mesmo no homem, há uma
                         realidade “sujeito”, inconsciente, orgânica, que se manifesta na e
                         pela distinção imunológica que nosso organismo faz entre o si e o
                         não-si. (MORIN, 1998, p.326-327)

       Para a geografia o espaço geográfico é concreto e abstrato, abarcando aspectos
visíveis e invisíveis da realidade e, por fim, a dualidade do ser humano, entre seus atributos
intelectivos e biológicos, acreditando-se superior em função do desenvolvimento de sua
consciência, e, ao mesmo tempo, figurando na classificação animal enquanto primata.
Assim a dualidade do espaço geográfico demonstra equivalência com a própria natureza do
homem cartesiano. Desta abordagem, tem-se que os aspectos da paisagem podem ser
entendidos enquanto “dimensão da percepção” (SANTOS, 1997, p.62), e, a crise da
geografia tradicional enquanto “crise de percepção” (CAPRA, 2001).

       O espaço geográfico pretende ser um conceito inclusivo e popular, como o foi em
suas origens, porém, enquanto constructo de leis cartesianas, deve evoluir, na perspectiva
neo-paradigmática, para um espaço geográfico semi-teórico e metempírico. Não se pode
acreditar que o conceito de espaço geográfico de um índio corresponda ao de um “homem
branco”. Da mesma forma, o espaço geográfico como estabelecido é um conceito que não
faz qualquer sentido para as pessoas em geral. Segundo Harvey (1993, p.188), “os índios
das planícies [...] de modo algum seguiam o mesmo conceito de espaço dos colonos
brancos que o substituíram”.

       A única forma de se enxergar a essência do espaço geográfico é através da teoria.
Na análise geográfica, o espaço geográfico é, por natureza, um espaço abstrato convertido
em espaço concreto no momento em que o homem se movimenta e atua sobre ele. O
espaço geográfico é um conceito/recorte que determina qual é o espaço que interessa ao
geógrafo, espaço teórico. É um espaço epistemológico construído por um sujeito
epistemológico a partir de leis físicas/naturais.

       O espaço geográfico tem dupla origem, uma vez que tem por gênese primária a ação
do homem e, por outro lado, algo que antecede a ação, na medida em que esta é precedida

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por um planejamento, fruto de uma imagem ideal pré-existente. Assim, pode-se dizer que, o
espaço geográfico resulta e é, simultaneamente, a resultante da ação criadora da
consciência humana. Espécie de sub-produto de reminiscências platônicas: do que ele é, foi
e sempre será.

        No espaço geográfico homem/sociedade e natureza são dois pólos distintos que se
complementam na dupla hélice da relação dialética natural de movimento e do esforço de
retificação determinista/positivista. Essa dupla hélice pode ser demonstrada na prática por
meio das imagens do barqueiro tentando atingir a outra margem de um rio de corredeira, ou
ainda, de um piloto de avião tentando manter a trajetória retilínea contra a resultante da
força dos ventos da alta atmosfera. A natureza subjetiva do homem transforma o espaço
geográfico num ambiente real e virtual, no intuito de conformá-la as suas necessidades
totais. A complexidade da realidade aparece na forma de simplicidade aparente na projeção
imagética do espaço geográfico, ou seja, nos espaços de convivência das pessoas.

        No entanto, convém ressaltar que o aspecto quase-sempre multicolorido da
paisagem camufla a informação sutil e invisível que ela comporta. A geografia desenvolveu-
se aprimorando a resolução e o foco de sua análise, por meio de um olhar geográfico
adaptado para enxergar o invisível das relações entre os objetos empíricos. No invisível
residem as verdadeiras causas para as quais os aspectos visíveis são a conseqüência.
Nessa perspectiva que surge a noção de espaço geográfico. Um espaço camuflado pela
realidade empírica.

                         De     modo     que,    por    natureza,     a    geografia    tem     de    ser
                         metodologicamente heterogênea. [...] Seu caráter pode mudar,
                         dependendo de ser ela considerada como um processo descendente
                         ou, em outras palavras, como uma culminância das relações naturais
                         numa paisagem natural, que define uma ecologia do homem, ou
                         então como um processo ascendente e conquistador, a partir da
                         ação do homem, cujo ponto de partida é o estabelecimento humano
                         e o campo de aplicação, seu meio circundante no sentido mais
                         apropriado a cada caso, desde a célula local até o conjunto
                         planetário. (GEORGE, 1978, p.12-13)

        O espaço geográfico é um conceito teórico e também uma práxis. Práxis porque
surge da ação concreta do homem, num processo complexo de construção de seu éthos, ou
seja, de sua morada. Que, em todos os níveis, representa, o próprio ecúmeno planetário.
Enquanto conceito teórico evolui no tempo (e no espaço), exprimindo/explicando o grau de
desenvolvimento técnico e de compreensão de mundo das sociedades em determinado
período (ou espaço).


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Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


       Criado por meio de relações de poder estabelecidas desde as primeiras sociedades
humanas, o espaço geográfico é o espaço artificial de controle criado por um e para um ser
humano artificial, que criou contingências artificiais, na tentativa de controlar seu próprio
destino. Destas relações surge o ambiente pós-moderno, que representa, em última análise,
o momento de apogeu no desenvolvimento do espaço geográfico e, na atualidade, um
momento de descontinuidade no gradiente isostático médio das formas clássicas de
produção do saber científico, com a ruptura crítica de sistemas conceituais, que força o
surgimento de novas estruturas teóricas explicativas. Tal fato, pode, segundo Lyotard
(1998), ser representado em termos da velocidade da vida contemporânea, “quando a teoria
está sempre correndo atrás da parologia dos inventores”.

Origens do fazer geográfico

       No raciocínio clássico, a condição para um fazer geográfico é um espaço potencial
do vir-a-ser geográfico. Este espaço potencial é reconhecido como natureza, primeira
natureza, meio natural, entre outros. Daí as origens da distinção entre natureza e sociedade
humana. No entanto, essa distinção perde o sentido prático quando a condição lógica de
existência da natureza não pode anteceder a origem do espaço geográfico sob pena do
espaço geográfico existir antes mesmo do surgimento do homem e, dessa forma, a auto-
negação lógica. Pode-se, assim, dizer que, como um pintor, ao surgir o homem trás consigo
tinta, pincel e tela, para pintar as paisagens geográficas. Para o geógrafo clássico o mundo
é uma construção da consciência cartesiana do res cogitans.

       O homem é um animal geográfico não só porque deixa suas marcas na natureza
(etim. geo=terra + gráfico=escrita         escrita na terra), mas, e, sobretudo, porque criou um
novo mundo para si, um mundo geográfico. Assim é que o surgimento da geografia
antecede qualquer outra forma de conhecimento. Ela surge enquanto proto-conhecimento-
de-mundo, ou seja, o conhecimento de mundo dos homo sapiens. Desde esse momento ela
avança, até consolidar-se, a posteriori, num leque conceitual/categórico explicativo,
constituindo-se no conhecimento de mundo de cada época.

       O fazer geográfico é ação e reação. Na medida em que o homem deixa suas marcas
no planeta, este inscreve seu signo no homem. Neste novo mundo, o homo sapiens
erradicou toda e qualquer forma natural pretérita. Dessa forma, o fazer geográfico é uma
ação prática que tem por origem uma atitude pró-ativa da subjetividade humana. O fazer
geográfico é um fazer natural do homem. Não resta dúvida que antes mesmo do homem
fazer história, fez geografia. Historicamente, a geografia era apenas o resultado empírico
dos relatos das viagens de caravanas, onde estas foram construindo, a partir das suas
observações, a espacialidade geográfica. A popularização do conhecimento geográfico se




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deu basicamente em função da curiosidade universal do homem acerca das características
diversas dos lugares.

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                         homem descobriu que o seu mundo variava acentuadamente de
                         lugar a lugar. Para satisfazer-lhe a curiosidade acerca de tais
                         diferenças é que a Geografia se desenvolveu como matéria de
                         interesse popular. Desde os tempos mais remotos, esperava-se que
                         os viajantes, ao retornarem de lugares “estrangeiros”, narrassem aos
                         que haviam permanecido em suas casas como eram as coisas e as
                         pessoas dos lugares que tinham visitado, quer se tratasse de
                         distritos vizinhos, mas relativamente inacessíveis, quer de partes
                         mais remotas. (HARTSHORNE, 1978, p.16).

        A popularização das formas primitivas do conhecimento geográfico derivou de seu
caráter empírico original. No entanto, a Geografia enquanto ramo de saber científico
esforça-se no sentido de produzir uma interface teórica amigável com a sociedade,
apostando no seu atributo idiográfico como meio eficaz de perceber o mundo em seus
aspectos fenomênicos, compreendendo que é neste nível que se processam as relações
empíricas. Para tanto, a Geografia utiliza-se de metáforas e outras abstrações para
caracterizar no empírico as relações essencialmente metempírica que investiga, na
expectativa de aproximação entre o mundo do geógrafo e o mundo dos demais seres
humanos. Em última análise, corresponde a uma aproximação do conceito de espaço
geográfico à realidade espaço-temporal do mundo.

        No fazer geográfico o homem arruma sua morada, lançando mão dos materiais
disponíveis, transformando-os, modelando e configurando o espaço. Segundo Rosa, (1992),
“O espaço geográfico, como ente de construção, da sobrevida, foi tônica das migrações,
ocupações e dominações”. Nesta construção, seguida de etapas intermediárias prévias de
configuração, emerge o território.

        No entanto, o espaço geográfico é abrange e antecede a gênese do conceito de
território. Segundo Raffestin (1993), os geógrafos vêm confundindo território com espaço.
Afirma que apenas quando os atores se apropriam de um espaço é que este se torna
território, ou seja, territorializam o espaço. A partir deste momento, o espaço geográfico
formaliza-se enquanto entidade multidimensional, e, reduz-se aos limites físicos do território,
e, desse momento, para a ser caracterizado enquanto espaço-forma-das-coisas. Lefebvre
(1980), demonstra que as transformações do espaço em função dos circuitos e fluxos que
se instalam, tais como: rodovias, canais, estradas de ferro circuitos comerciais e industriais
etc. caracterizam o território enquanto o espaço onde se instalou uma sociedade movida


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Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


pelo trabalho. É neste contexto que se pode analisar a dinâmica interna das formações
territoriais locais ou mesmo em nível nacional.

Conhecimento filosófico e geografia

       O conhecimento filosófico caracteriza-se por ser um conhecimento inclusivo.
Conhecimento popular, artístico, técnico e mítico/religioso, se fundem na perspectiva
filosófica. Este caráter inclusivo transformou o conhecimento filosófico em uma forma de
conhecimento mais próxima da sociedade, uma forma mais humana de conhecimento.

       Na filosofia, a relação metodológica do sujeito e objeto na produção do
conhecimento, é, diretamente, a própria relação entre a sociedade e a natureza. Promissora
em relação ao método científico que a ciência clássica inauguraria a partir do século XVI,
porém, dual, na medida em que estabelece a polaridade homem/meio como condição de
produção do conhecimento.

       O caráter atemporal da Geografia pode ser explicado por meio do discurso
ontológico. Assim, o discurso ontológico pode ser visto enquanto a primeira manifestação do
pensamento geográfico. Em conseqüência, o conhecimento filosófico deriva da evolução
das formas primitivas do fazer geográfico. O produto/significado desse fazer geográfico
primitivo sobre um espaço geográfico criado pela consciência evoluída do homo sapiens foi
o primeiro objeto de inquietação/discussão do homem, enquanto ser empírico dotado de
uma possibilidade projecional metempírica/metafísica.

       O fazer geográfico necessariamente proposital, nos primórdios, relacionava-se com a
condição biológica/genética de sobrevivência da espécie, frente às adversidades naturais.
Organizar o espaço geográfico desde então passou a ser um atributo humano. Um atributo
existencial necessário à consolidação da sua presença num Planeta, que passaria, então, a
ser seu. Até que ponto pode-se afirmar que conhecimento filosófico é uma fase do
conhecimento geográfico? Quais as implicações disso no pensamento geográfico moderno?
Não há dúvida de que a pertinência destas relações é o dispositivo que coloca a Geografia,
na atualidade, como ciência capaz de romper com os grilhões que, inclusive, a aprisionaram
na camisa de força das formas pré-moldadas do reducionismo cartesiano, e que representa
a própria crise atual da ciência clássica, com a possibilidade de largar na linha de frente do
processo de construção de um novo paradigma para as ciências. O processo que, de certa
forma, já se iniciou encontra dificuldade em responder a estas perguntas, na medida em que
ainda depende da formalização de um discurso homogêneo, por meio de uma linguagem
independente.

       O pensamento geográfico possui todas as características do pensar filosófico.
Pretende entender o homem enquanto ser-no-mundo. A repercussão de suas ações, e,


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Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


mesmo a avaliação subjetiva positiva que antecede este fazer e previamente o justifica,
depende de uma reflexão interior, de um auto-conhecimento, e, posteriormente, de uma
abertura para o mundo, no sentido de compreende-lo, compreendendo-se.

        O fazer geográfico é, por força da lógica, anterior ao pensar geográfico. Este, por sua
vez, quando surge, revela-se elaborado em um discurso. Pode-se dizer que as origens do
pensar geográfico estão vinculadas ao desenvolvimento dos processos de linguagem.
Dessa forma, possivelmente, ambos surgiram concomitantemente. As etapas de
sistematização deste discurso equivalem ao desenrolar da história filosófica do homem.
Pode-se afirmar que a filiação recíproca entre conhecimento filosófico e conhecimento
geográfico responde pela própria natureza e constituição do homem epistêmico. Assim, a
presença da filosofia na história do pensamento geográfico é tão forte que o objeto
metodológico de sua pesquisa poderia ser (e, de certa forma é) a própria ética na relação
homem/homem e homem/meio, ou seja, na relação sociedade/natureza, no espaço-tempo.

Geografia e ética

        Para Bartholo Jr. (1986, p.104), “O poder científico-tecnológico se desenvolve na
modernidade no interior de um ‘vácuo ético’ que potencializa o risco de autodestruição para
um Homem alienado de seu vínculo de pertinência com a Natureza”. Este vácuo ético
representa a própria compartimentação estabelecida pela modernidade, que interrompeu o
fluxo das coisas, inaugurando um período de profunda solidão, na humanidade. Essa
solidão, caracterizada pelo distanciamento do homem do seu entorno, representa a
sensação de vazio ético.

        Aristóteles (2001) ao apresentar sua concepção de ética ao mundo, compreende que
esta representa o elemento da condição existencial do zoon politikon (homem político).
Assim, demonstra que a ética (éthos) é um conjunto de normas e valores que respondem
pela convivência/coexistência do homem em sociedade. O vocábulo ética origina-se do
grego éthos       morada, modo de ser, convivência. O éthos foi convertido em ética pela
modernidade científica, atribuindo ao conceito uma característica formal/nomotética,
distanciando-se de seu significado original.

        A ética moderna difere da ética aristotélica na medida que deixa de significar a
condição da alteridade na relação homem/homem, em sociedade, e, por conseqüência, da
relação homem/meio. Traduzindo-se na ética fria dos códigos de ética.

        Por outro lado, a virtualização do mundo relegou a ética a um patamar secundário.
As relações irreais da tela são interpretadas como realidade possível, por uma sociedade
alienada dos vínculos éticos de pertinência com o outro e com a natureza. Para Baudrillard




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Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


(1992, 63), “se caímos com tanta facilidade nessa espécie de coma imaginário da tela, é
porque ela traça um vácuo perpétuo que somos solicitados a preencher”.

        A geografia surge como um problema ético, ou seja, que visa discutir as perspectivas
da convivência do homem, ser social, com relação a suas atitudes e valores. Tem a
condição de enxergar essas relações nos gêneros de vida produzidos numa determinada
parcela da superfície terrestre e, dessa forma, compreende a evolução social e cultural dos
povos como interdependentes em relação ao meio físico. Dessa forma, não se pode
desvincular as questões geográficas das questões éticas e, portanto, das questões de
ordem moral que regem a conduta do homem.

        Não existe uma natureza empírica que não seja humana. No entanto, a ciência
moderna destitui do cientista o seu vínculo natural com a terra. Esse indivíduo alienígena
passa de sujeito empírico para sujeito epistêmico, na medida em que se constitui em
comunidade      científica,   tentando    se    encontrar     em    modelos      teóricos    produzidos
grosseiramente via indução. O restante da humanidade, ou seja, a grande maioria, pede seu
significado na medida em que não se enquadra nos requisitos exigidos pelo método
científico.

        A ciência geográfica ao se enquadrar nas regras do conhecimento científico moderno
deixa de ser épisteme e passa a ser uma forma de conhecimento objetivo e geral. A
tentativa de estabelecer um conceito de espaço geográfico regido por leis mecânica, esbarra
na imprevisibilidade humana, própria de sua natureza subjetiva. Assim, a presença dos
seres humanos no espaço geográfico é o principal vetor de catalisação do processo de
reforma do conhecimento geográfico, para além dos limites estabelecidos pela ciência
moderna.

        Na atualidade, esta superação depende da construção de uma nova ética. Essa
construção pode ser um retorno ao éthos e uma retomada do fluxo interrompido a partir
século XV pela modernidade científica. Esse retorno possibilitará reconstruir os caminhos e
elos perdidos durante o Iluminismo e restaurar no homem o sentido ontológico de sua
presença no mundo.

        A possibilidade de considerar e enxergar o papel das formas de conhecimento
relegadas ao obscurantismo, como o conhecimento popular, teológico, mítico, e todas as
manifestações da mente humana é um dos temas mais importantes da atualidade. A
construção de uma integralização das formas de saber é um dos caminhos em direção a
reconstrução do éthos original, no momento em que o homem reconstrói os vínculos de
pertinência com o mundo, ele reencontra o significado de sua existência e volta a perceber,
em sociedade, o significado recíproco da alteridade, implicando num restabelecimento da
justiça e equidade apregoada por Aristóteles.

                                                                                                 12551
Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


        Segundo       Morin     (1998,     p.129),    é    preciso   atentar    para    o   problema      da
hiperespecialização das ciências humanas. Segundo o Autor, este fenômeno “[...] destrói e
desloca a noção de homem; as diferenças sociais, a demografia e a economia não precisam
mais da noção de homem. [...] A idéia de homem foi desintegrada”. Conservando o seu
aspecto de ciência generalista, a ciência geográfica deverá ser o carro-chefe do processo de
superação do paradigma vigente. Deve traduzir o seu discurso em efetiva práxis social
propondo uma nova alfabetização para as ciências, premente as ciências exatas e naturais,
propondo a transgressão do método científico, por meio de um envolvimento direto entre o
sujeito e o objeto na produção do conhecimento científico, como única condição de
aceitação desta forma de conhecimento na realidade vindouro neo-paradigmática.

REFERÊNCIAS
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12552
Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


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                                                                                                        12553
Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo


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Anthropomorphism to zoomorphism
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Geografia e ética

  • 1. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo GEOGRAFIA E ÉTICA: A PERTINÊNCIA DO DISCURSO ONTOLÓGICO NO PENSAMENTO GEOGRÁFICO Altemar Amaral Rocha 1 Carley Rodrigues Alves 2 INTRODUÇÃO O lugar, [que é] assim a identidade posta do espaço e do tempo, é primeiramente por igual a contradição posta que é o espaço e o tempo, cada um em si mesmo. O lugar é a singularidade espacial, e também indiferente, e é isto somente como agora espacial, como tempo, de modo que o lugar é imediatamente indiferente ante si, como este exterior a si, a negação de si e um outro lugar. Este desaparecer e regenerar-se do espaço no tempo e do tempo no espaço, de modo que o tempo para si é posto espacialmente como lugar, mas esta espacialidade indiferente do mesmo modo e de imediato é posta temporalmente – é o movimento. Este vir-a-ser é porém ele mesmo igualmente o colapsar sobre si [interno] de sua contradição, a unidade imediatamente idêntica aí-essente de ambos, a matéria. (HEGEL, 1997, p.47,53-54) A Ciência Moderna foi responsável por uma ruptura sem precedentes na história do pensamento humano. A modernidade científica suprimiu a épisteme, e a liberdade de expressão dos saberes totais, traduzindo-os numa forma excludente e autoritária de conhecimento: o conhecimento científico. Os últimos quatro séculos consolidaram uma épisteme hegemônica, na forma de ciência desvinculada de uma orientação crítico-filosófica. Esta forma universal e universalizante de saber sufocou a tradição polissêmica/polimórfica de produção do conhecimento, reduzindo o quadro de diversidade típico dos sistemas interpretativos filosóficos, para uma forma de conhecimento incapaz de abarcar a complexidade da realidade, principalmente, quando considerada a partir da singularidade subjetiva de quem lhe dá sentido. Consolidada sobre uma base paradigmática, quase que dogmática, a comunidade científica forma um grupo homogêneo e usurpa o papel da sociedade enquanto produtora do conhecimento, para tanto, definindo o método científico como sua ferramenta exclusiva. A 1 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB /Universidade do Estado da Bahia-UNEB - altemar@uesb.br 2 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia-UESB carley@uesb.br 12534
  • 2. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo explicação científica como objetivo final da trajetória metodológica distancia-se, em função do próprio método, do ser humano. O mundo da ciência deixou de ser o mundo das pessoas. Esta simplificação teórica do mundo só foi possível graças à técnica de generalização. Por meio dela, o cientista confinou os fenômenos factuais na realidade empírica, simplesmente, enquanto fonte sensível de informação, passando a produzir uma realidade virtual, caracterizada por modelos teóricos. Esses modelos, construídos via indução, representariam a síntese laboratorial de etapas de observação sistemática sobre um determinado aspecto da realidade, sob condições controladas. Esta perda da integralidade do fenômeno, sob pretextos epistemológicos, representaria a condição científica de abarcar a realidade total por meio do estudo de suas partes constituintes. Segundo Prigogine (1996, p.157) A ciência é um diálogo com a natureza. [...] Mas como é possível um tal diálogo? Um mundo simétrico em relação ao tempo seria um mundo incognoscível. Toda a medição, prévia à criação dos conhecimentos, pressupõe a possibilidade de ser afetado pelo mundo, quer sejamos nós os afetados, quer sejam os nossos instrumentos. Mas o conhecimento não pressupõe apenas um vínculo entre o que conhece e o que é conhecido, ele exige que esse vínculo crie uma diferença entre passado e futuro. A realidade do devir é a condição sine qua non de nosso diálogo com a natureza. A necessidade de construir um conhecimento lógico, pautado pela racionalidade e objetividade, motivou o cientista a formular explicações incompletas e insuficientes. A complexidade da natureza estudada de forma fragmentada pelos diversos ramos científicos, das chamadas Ciências Naturais, resultou numa ilusão de controle do mundo, a partir do conhecimento compartimentado do mundo natural. Compreender a natureza foi um dos grandes projetos do pensamento ocidental. Ele não deve ser identificado com o de controlar a natureza. Seria cego o senhor que acreditasse compreender seus escravos sob o pretexto de que eles obedecem às suas ordens. Evidentemente, quando nos dirigimos à natureza, sabemos que não se trata de compreende-la da mesma forma como compreendemos um animal ou um homem [...]. (PRIGOGINE, 1996, p.157-158) A relação entre a comunidade científica e a natureza transformou-se numa relação sujeito e objeto. O homem comum foi relegado à condição de terceiro elemento indesejado, 12535
  • 3. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo até que os processos de consumo e produção, típicos do sistema capitalista, catalisassem o processo de coisificação do homem. Esse homem-objeto passaria a compor o cenário de uma natureza convertida em matéria-prima, através do trabalho. A comunidade científica, enquanto sacerdotes de um novo éden virtual, passa a condição de sujeito epistêmico e, neste pólo, deixam de se enxergar em seus atributos empíricos, ou seja, deixam de se ver enquanto seres humanos. Essa ruptura metafísica definiu um patamar de superioridade supranatural à classe científica. A história universal do pensamento universal foi convertida em história do pensamento ocidental. O pensamento geográfico, conformado à rigidez disciplinar dos ramos da ciência moderna, é traduzido em ciência paradigmática, no momento de sua sistematização científica, caminhando na direção de uma hiperespecialização. Na atualidade, a ciência geográfica, sufocada durante dois séculos, tenta reconstruir seus vínculos com a sociedade, por meio da renovação de um discurso de interface amigável, comportando uma linguagem independente, construída a partir de uma proposta holística de religação dos saberes. Essa restauração do seu caráter generalista é a condição de restabelecimento de sua proposta ontológica original. Sistematizada no século XVII a geografia difere, em suas versões teorética/tradiocional e crítico/dialética, em muito da geografia produzida por Heródoto e, mais recentemente, Humboldt. Daquela geografia não sobraram mais do que saudosismos de uma época não vivida. Uma época de aventuras explicativas intelectuais livres da camisa de força do discurso-minuta da ciência clássica. Uma época densamente leve que permitia um descarregar de idéias, afloradas de uma sensibilidade ainda intocada, isenta do esforço de tradução estéril para um discurso paralítico e dependente, dos atuais ramos científicos racionais. Pretende-se discutir o pensamento geográfico reconhecendo suas origens nas fases iniciais de desenvolvimento da linguagem e pensamento nos seres humanos. O pensamento geográfico é a própria tradução do significado da presença humana no mundo, a condição ontológica de sua existência e a vida em sociedade. Ao mesmo tempo, representa um constructo explicativo, a posteriori, porém, e sobretudo, caracteriza uma contínua reflexão e juízo moral sobre o significado e abrangência da ação humana no Planeta. A questão ontológica é visitada por meio de um contraponto entre o éthos humano e a ética científica. A tentativa de construir um discurso geográfico pós-moderno, afina-se com uma abertura para os novos elementos conceituais oriundos dos ramos científicos que fomentam a discussão do momento de crise do paradigma vigente, premente, a Física. Assim, a noção de espaço-tempo da física é recebida e traduzida como categoria de análise geográfica, na medida em que traduz espaço e tempo absolutos e relativos, em uma 12536
  • 4. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo categoria explicativa moderna e condizente com a natureza contraditória e complementar do espaço geográfico. Para Harvey (1993, p.187), “O espaço e o tempo são categorias básicas da existência humana”. Este texto representa uma pequena contribuição à discussão da modernidade do pensamento geográfico à luz do momento de crise e ruptura do paradigma vigente. Compreendemos que a Geografia tem amplas condições de ser o carro-chefe desse processo de transformação. Concordamos com Lacoste (1989, p.215) que: Os geógrafos devem refletir sobre sua profissão, sobre seu papel individual e coletivo no seio da sociedade. Para tanto, não é suficiente examinar as dificuldades epistemológicas do presente: é preciso compreender como e por que elas foram, pouco a pouco, aparecendo na geografia, enquanto todas as demais disciplinas conhecem um progresso brilhante. (LACOSTE, 1989, p.215) 12537
  • 5. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo I. A GÊNESE DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO Antes mesmo de discutir as origens do pensamento geográfico se faz necessário analisar o significado e a abrangência de questões que perpassam pela própria noção de origem e evolução do pensamento humano, bem como os processos e fatores que atuaram sobre o ser humano, os quais, em algum momento da história, culminaram no desenvolvimento de uma estrutura cerebral potencializada para a reflexão filosófico- existencial. Esta, por sua vez, surge gradativamente, na medida em que o ser humano transcende metafisicamente a sua realidade empírica e, enquanto ser pensante, questiona o significado de sua existência no mundo. Pensamento e linguagem A principal característica distintiva do ser humano, dentro do seu processo evolutivo, com relação às demais espécies animais, foi o desenvolvimento de uma linguagem. Essa linguagem facultou ao homem, que se afastava do mundo natural enquanto se via preso na extensão material do seu corpo físico e por contingências biológicas, o acesso ao mundo, funcionando como agente intermediário, no campo das idéias. Não se pode estabelecer a origem temporal (ou mesmo espacial) do pensamento geográfico. Desde sempre, em algum momento e em todos os momentos (ou mesmo em algum espaço e em todos dos espaços) o ser humano se expressou através da linguagem [...] “e é na linguagem que as coisas chegam a ser e são” (Heidegger, 1969). Segundo Vigotsky (1998, p.43,45), apesar de sua profunda e natural imbricação, em primeira análise, historicamente: O pensamento e a linguagem têm origens diferentes e desenvolvem-se segundo trajetórias diferentes e independentes, antes que ocorra uma estreita ligação entre esses dois fenômenos. [...] Existe, assim, a trajetória do pensamento desvinculado da linguagem e a trajetória da linguagem independente do pensamento. Num determinado momento do desenvolvimento, filogenético, essas duas trajetórias se unem e o pensamento se torna verbal e a linguagem racional.[...] Pode-se, dessa forma, afirmar que o domínio espacial pelo homem está ligado intimamente com o desenvolvimento do pensamento verbal e da linguagem. Vigotsky (1998, p.45) afirma que “o surgimento do pensamento verbal e da linguagem como sistema de 12538
  • 6. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo signos é um momento crucial no desenvolvimento da espécie humana”, [..] momento da passagem do ser biológico para o ser sócio-histórico. A questão ontológica, dessa forma, surge espontaneamente em um homem que passa a se ver no mundo enquanto movimento e construção, ou seja, um ser que através de processos evolutivos cria a possibilidade de debater a sua condição de existência no mundo. No entanto, esse processo de ruptura, ação e movimento do ser no espaço não ocorreu apenas mediante a linguagem. Para Lef (2002, p.24), tal condição ontológica é dada da seguinte forma: A emergência da função da linguagem não produz uma correspondência ontológica entre as palavras e as coisas; a referencia nominalista emerge sempre das práticas sociais e produtivas da cultura, condicionadas pelos efeitos de sentido que se produzem nas práticas discursivas como efeito da ordem simbólica e das formações ideológicas de grupos sociais diversos que atravessam o campo do poder e do saber. Neste caso, justifica-se a idéia de produção e reprodução espacial, em que exprime a base ontológica do saber geográfico, na medida em que o ser social produz e reproduz suas diversas formas de organizar-se e de viver em sociedade. Nesta condição, deve-se estar atento para não incorrer no erro de “reduzir o papel dos indivíduos a meros receptáculos dos imperativos institucionais, ou de acreditar na autonomia absoluta da ação dos indivíduos” [...]. (COSTA, in COSTA e GONDAR (orgs), 2000, p.57). Dessa forma, condicionado ao campo ideológico, o homem experimenta essa tensão entre o racional e o simbólico: Divididos entre um mundo exterior construído na lógica da razão matemática e um mundo interior edificado no imaginário dos símbolos, crescemos num todo tensionado por essa dualidade. Prisioneiros da nossa rígida formação lógica, rejeitamos indagar se somos a razão ou o símbolo, ou admitir que somos razão e símbolo. (MOREIRA in SOUZA ET AL (orgs), 1997, p.46). Como conseqüência lógica, a evolução do pensamento geográfico pressupõe formas primitivas/insipientes, nos primórdios da espécie humana. É, pois, possível dizer que o pensamento geográfico se diferencia no tempo e no espaço, sendo, portanto, uma forma relativa de conhecimento. A relatividade do pensamento geográfico é função direta do processo de subjetivização do ser humano em detrimento de um gradativo e exponencial processo de objetivização da natureza. 12539
  • 7. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo O homem é, ao mesmo tempo, ser que pensa e ser pensado, dentro de uma relação dialética de alteridade e de auto-alteridade. O pensamento geográfico é, a priori, uma auto- reflexão do homem sobre a sua condição de existência no mundo e, somente num segundo momento, passa a ser um regulador para a sua conduta em sociedade e, como conseqüência, em relação à natureza, como um todo. [...] A relação entre o “eu” e o “mundo” não pode ser concebida no estranho e no alheio, sem o outro e o outrem, o próximo e o longínquo, que são mesmos (dois aspectos da mesma relação). O “mundo” chega a esse “eu”, que sou eu, por dois caminhos: a história inteira, o passado, o tempo biológico e social – e a biografia individual, o tempo singular. [...] (LEFEBVRE, 1995, p.23) Não pode existir pensamento geográfico em um homem natural, a menos que o pensamento geográfico seja um atributo comum à vida orgânica em geral ou, pelo menos, um atributo do reino animal. Para Marx (In Souza, 1999, p.344), o pensamento geográfico evolui para a concretude material do espaço geográfico por meio do trabalho humano. É, assim, possível afirmar que o pensamento geográfico é um atributo do ser humano que, em algum momento de sua evolução olha, de longe, para a natureza e, nela, misteriosamente, se vê. Esta metafísica permite-o enxergar novos elementos que evoluiriam para uma visão dual de mundo, bem como, para uma necessária dualidade na construção de conhecimento de base empírica, baseado na relação metodológica do sujeito com o objeto. Assim, a gênese e evolução do pensamento geográfico está para a gênese e evolução do pensamento humano, em qualidade e quantidade, na mesma razão em que a gênese e ampliação do abismo que, na atualidade, separa o homem da natureza, se torna, na atualidade, um imperativo das discussões epistemológicas e metodológicas da ciência geográfica contemporânea. O pensamento geográfico evolui para conhecimento geográfico sobre um tripé: autoconhecimento, conhecimento social e conhecimento da natureza. Assim, o conhecimento geográfico surge no indivíduo que se reconhece enquanto ser-no-mundo, depois evolui para o significado do indivíduo dentro do grupo social e, só então, passa a ser conhecimento da natureza, perpassando, sobretudo, pela questão ética. Neste contexto, a gênese do pensamento geográfico confunde-se com a própria gênese do pensamento filosófico e, de certa forma, a antecede no tempo. Confundem-se, uma vez que ambos surgem da discussão ontológica da presença humana no Planeta. No entanto, enquanto a questão ontológica aparece de forma sistematizada no discurso que é próprio ao filósofo, a 12540
  • 8. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo mesma questão surge de forma implícita, espontânea/natural, generalizada e irrefletida nos primeiros homo-sapiens. A consciência se forma na relação do sujeito com o objeto e do objeto com o sujeito. Ela é uma propriedade da matéria mais desenvolvida entre todas as formas da matéria: a estrutura cerebral do homem. Todavia, sem imagens advindas do exterior (realidade circundante), captadas pelos sentidos e conduzidas pelo sistema nervoso central até a estrutura cerebral, não se formaria a consciência que temos das coisas. (GOMES, 1991, p.21) Do ponto de vista histórico/cronológico, para Moreira (1985), “a geografia nasce colada, de um lado, às lutas democráticas que se desenrolam nas cidades gregas e atravessam praticamente toda a sua história e, de outro lado, aos interesses dos mercadores que impõem aos gregos uma talassocracia”. Não há dúvida do papel que a Grécia desempenhou para o desenvolvimento do pensamento ocidental. É certo que suas características geográficas permitiam uma significativa mobilidade por terra e, principalmente, pelo mar. Essa conectividade e polarização estratégica da Grécia foram um marco decisivo para o desenvolvimento da Geografia. No entanto, a Geografia antecede temporalmente, em muito, as relações mercantis desenvolvidas no mundo grego antigo. Ela está ligada, diretamente, a um momento evolutivo espontâneo do homem, na medida em que este se depara com questões de ordem ontológica, ética e moral. Questionando a sua condição de existência no mundo, as conseqüências/repercussões de suas ações e estabelecendo juízo de valor sobre as mesmas. Bases ontológicas do pensamento geográfico As questões ontológicas moldam a relação do homem com a natureza e inauguram o discurso geográfico na medida em que se constituem no elo que torna indivisível a dimensão do ser e do pensamento, responsável pela construção do conhecimento. A discussão ontológica é o embrião do pensamento geográfico. A priori, o conhecimento surge enquanto conhecimento de mundo, e surge a partir do momento em que o homem epistêmico se desprende do homem empírico. Neste momento o homem se vê no mundo. Essa metafísica permitiu-lhe refletir sobre a condição de sua existência no mundo, por meio do desenvolvimento de uma linguagem própria diferenciada dos demais seres vivos. Esta linguagem surge na forma de discurso que materializa a realidade empírica, dando condição de existência real ao homem, nas práticas sociais em grupo. Piaget dedicou especial atenção ao homem enquanto ser epistêmico. Para este autor “o estudo dos processos de pensamento presentes desde a infância inicial até a idade 12541
  • 9. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo adulta. Interessou-se basicamente pela necessidade de conhecimento típico do homem, que o define como espécie ‘homo sapiens’”.(RAPPAPORT in FIORI e DAVIS, 1981, p.51) O discurso geográfico revela a dimensão simbólica e ideológica que surge como conseqüência da presença e ação do homem no mundo. Neste sentido este discurso deve ser ontológico, para que garanta a busca da essência da realidade dentro da totalidade complexa, holística e dialógica do ser no mundo. As origens do poder vinculam-se as próprias origens do homem enquanto ser social, por meio do surgimento de hierarquias locais. Sabendo-se que o substrato terrestre, permeado por seres humanos, é o objeto máximo de estudo da geografia e, sendo este substrato correspondente ao que hoje conhecemos como ambiente terrestre, incluindo todas as demais formas de vida, tem-se caracterizada a complexidade do mundo vivido e do mundo pensado pelo homem. Lef (2002) classifica essa complexidade como um saber sobre as formas de apropriação do mundo e da natureza através das relações de poder que se inscreveram nas formas dominantes do conhecimento. Este desprendimento metafísico em relação à natureza fez surgir um homem epistêmico. Tal mecanismo permitiu aos seres humanos construir se próprio mundo, um mundo idealizado/planejado, graças ao livre-arbítrio característico da essência subjetiva da espécie humana. Pode-se dizer, que a chegada do homo sapiens promoveu a ruptura entre um espaço natural pretérito concebido/idealizado como uma espécie de primeira natureza, para um espaço artificial/virtual, imagem projetada do mundo empírico desenvolvida especialmente, e intencionalmente, para um homem epistêmico. Assim a teoria geográfica explica que “na história humana, todo saber, todo conhecimento sobre o mundo e sobre as coisas tem estado condicionado pelo contexto geográfico, ecológico e cultural em que produz e se reproduz determinada formação social” (LEF 2002, p.21). A reação contrária aos desígnios de uma natureza consciente e misteriosa forçaria o homem a assumir uma posição defensiva, acreditando poder, por meio do conhecimento sistematizado, estabelecer as leis para, posteriormente, controlar os fenômenos naturais que, de certa forma, determinavam a condição da presença humana nos diversos espaços terrestres. Segundo Bachelard (1996, p.29), ensaiando uma crítica sobre o projeto de ciência racionalista, inspirada na alienação do homem, do espaço natural, considera que: [...] o espírito científico deve formar-se contra a Natureza, contra o que é, em nós e fora de nós, o impulso e a informação da Natureza, contra o arrebatamento natural, contra o fato colorido e 12542
  • 10. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo corriqueiro. O espírito científico deve formar-se enquanto se reforma. Só pode aprender com a Natureza se purificar as substâncias naturais e puser em ordem os fenômenos baralhados [...]. Essa ausência da percepção de pertencimento e a insatisfação frente a indiferença do mundo levou o ser humano a construir mundos paralelos. Espaços perfeitos em sua representação matemática. Novo éden abstrato de leis frias, em tudo previsível e, em tudo, controlável. Irreal e ilusório. Novo mundo reduzido em escala. Miniaturizado através de técnicas geométricas. O mundo das cartas passa a ser o mundo dos geógrafos. E, na condição de deuses desses novos mundos, o transportam em suas bolsas e, às vezes, em seu bolso. Esse é o mundo que os geógrafos construíram para si através da ciência cartográfica. Nele, eles apontam com o dedo e localizam precisamente as suas pequenas casas quadradas e retangulares. Ensinam a todos as pessoas que elas também moram ali. Dentro daquelas linhas. Na superfície de uma folha de papel. Nesse mundo racional as questões ontológicas foram subtraídas. A ação do homem é representada de forma absoluta, na alteração de um determinado trecho de uma curva de nível. No desenho de novas linhas paralelas ou perpendiculares, ou, ainda, formando ângulos intermediários. O geógrafo contemporâneo, preso no próprio espaço que construiu, e que, ao invés de espaço-prisão, chamou de espaço geográfico, deve almejar liberta-se desses velhos sistemas interpretativos de inspiração iluminista que construiu, reencontrar-se com o mundo empírico e reconstruir seus vínculos de pertinência com a natureza. O Ser e o espaço geográfico Mediado pela linguagem, numa perspectiva ontológica do ser, o homem transforma o espaço abstrato em espaço concreto. As origens do espaço geográfico derivam dessa derivação na qual o sujeito cria topônimos e toponímias, para se relacionar com as coisas. Para a compreensão deste processo, destina-se a análise espacial e a sucessão das categorias ditas espaciais. A ciência geográfica moderna desenvolvida tendo como referência o racionalismo iluminista, não pode abarcar a profundidade do pensamento geográfico, tendo construído um discurso fracionado e heterogêneo, baseado em métodos reducionistas, que não apresentam condições, nem perspectivas, de traduzirem-se por meio de uma única linguagem. O espaço geográfico, assim concebido, é, antes de tudo, um modelo. Uma construção teórica que avança e se adapta as novas condições paradigmáticas impostas. Enquanto modelo, é relativamente flexível à abordagem metodológica, ou seja, responde na 12543
  • 11. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo mesma linguagem de quem pergunta. Mas, não está livre da intencionalidade do inquisidor e, portanto, da manipulação das respostas que oferece. Dessa forma, o espaço geográfico concebido no pós-Iluminismo não passa de um espaço cartesiano, de matriz aristotélica (BETTANINI, 1982), exceto quanto experienciado no cotidiano das pessoas. Neste nível, o espaço geográfico passa despercebido no emaranhado das formas fenomênicas do aparente. Assim estabelecido, o espaço geográfico torna-se, na análise geográfica, o espaço modificado pela ação humana. Ele diferencia-se do espaço geométrico, no ato que dimensiona a forma. Neste sentido, o geométrico está contido nele, tornando-o singular, permeado de formas únicas e particulares, mas, ao mesmo tempo, universalizados por fatores exteriores. A ação humana sempre foi um agente de produção e multiplicação das formas e das coisas, neste sentido, o espaço geográfico é concebido como a dimensão das formas das coisas e potencialidade da análise teórica do seu conteúdo. Ele está intimamente ligado aos primórdios da ação humana, em termos de sua abrangência temporal conceitual. Dessa forma, o espaço geográfico não tem significado isento de seres humanos e, portanto, deixaria de ter significante, num efeito de circularidade. Para Gomes (1991, p.9), o conceito de espaço geográfico é excludente na medida em que destrói os espaços naturais pretéritos, ao ser convertido, mediante a relação homem/meio, em natureza transformada, por força do discurso: O seu caminhar interdependente no espaço/tempo geográfico, produzido pelo seu trabalho social, o tem conduzido, na maioria das vezes, a um patamar superior na proporção em que transforma as duas categorias (física e social) numa única natureza (podemos denomina-la de “transformada”). Este, por sua vez, passa a ser o objeto central de análise do inquérito geográfico. (GOMES, 1991, p.9), Por mais que queiramos definir origens temporais para o espaço geográfico, estas não diferem das próprias origens do homem. O próprio surgimento do espaço geográfico, em termos conceituais, está relacionado com a construção de um discurso, de uma explicação, a posteriori. Enquanto discurso, o espaço geográfico é um espaço exclusivo, ou seja, não admite a coexistência de outras concepções espaciais. Assim, mesmo quando se diz espaço natural ou humano/artificial, está se falando, na verdade, de representações interiores ao espaço geográfico. Nestes termos ele é, e sempre foi, um espaço natural artificializado (e/ou um espaço artificial naturalizado), tendo, em tese, como origem histórica, o surgimento do homo sapiens, enquanto sujeito consciente. Pode-se, dessa forma, considerar o espaço 12544
  • 12. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo geográfico em sua origem antropológica. Assim, o discurso conduz a conceitos teóricos explicativos das transformações impetradas pelo ser humano, enquanto sujeito consciente, representadas nas alterações do meio físico/natural, no processo de construção das paisagens humanizadas, fruto de interesses, por vezes, específicos e, às vezes, aparentemente, vagos, em cada momento de sua história. A idéia de sujeito origina-se, portanto, no ser vivo mais arcaico, mas não se reduz a ele. Desenvolve-se com a animalidade, com a afetividade e, no homem, aparece esta novidade extraordinária: o sujeito consciente. Mas, mesmo no homem, há uma realidade “sujeito”, inconsciente, orgânica, que se manifesta na e pela distinção imunológica que nosso organismo faz entre o si e o não-si. (MORIN, 1998, p.326-327) Para a geografia o espaço geográfico é concreto e abstrato, abarcando aspectos visíveis e invisíveis da realidade e, por fim, a dualidade do ser humano, entre seus atributos intelectivos e biológicos, acreditando-se superior em função do desenvolvimento de sua consciência, e, ao mesmo tempo, figurando na classificação animal enquanto primata. Assim a dualidade do espaço geográfico demonstra equivalência com a própria natureza do homem cartesiano. Desta abordagem, tem-se que os aspectos da paisagem podem ser entendidos enquanto “dimensão da percepção” (SANTOS, 1997, p.62), e, a crise da geografia tradicional enquanto “crise de percepção” (CAPRA, 2001). O espaço geográfico pretende ser um conceito inclusivo e popular, como o foi em suas origens, porém, enquanto constructo de leis cartesianas, deve evoluir, na perspectiva neo-paradigmática, para um espaço geográfico semi-teórico e metempírico. Não se pode acreditar que o conceito de espaço geográfico de um índio corresponda ao de um “homem branco”. Da mesma forma, o espaço geográfico como estabelecido é um conceito que não faz qualquer sentido para as pessoas em geral. Segundo Harvey (1993, p.188), “os índios das planícies [...] de modo algum seguiam o mesmo conceito de espaço dos colonos brancos que o substituíram”. A única forma de se enxergar a essência do espaço geográfico é através da teoria. Na análise geográfica, o espaço geográfico é, por natureza, um espaço abstrato convertido em espaço concreto no momento em que o homem se movimenta e atua sobre ele. O espaço geográfico é um conceito/recorte que determina qual é o espaço que interessa ao geógrafo, espaço teórico. É um espaço epistemológico construído por um sujeito epistemológico a partir de leis físicas/naturais. O espaço geográfico tem dupla origem, uma vez que tem por gênese primária a ação do homem e, por outro lado, algo que antecede a ação, na medida em que esta é precedida 12545
  • 13. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo por um planejamento, fruto de uma imagem ideal pré-existente. Assim, pode-se dizer que, o espaço geográfico resulta e é, simultaneamente, a resultante da ação criadora da consciência humana. Espécie de sub-produto de reminiscências platônicas: do que ele é, foi e sempre será. No espaço geográfico homem/sociedade e natureza são dois pólos distintos que se complementam na dupla hélice da relação dialética natural de movimento e do esforço de retificação determinista/positivista. Essa dupla hélice pode ser demonstrada na prática por meio das imagens do barqueiro tentando atingir a outra margem de um rio de corredeira, ou ainda, de um piloto de avião tentando manter a trajetória retilínea contra a resultante da força dos ventos da alta atmosfera. A natureza subjetiva do homem transforma o espaço geográfico num ambiente real e virtual, no intuito de conformá-la as suas necessidades totais. A complexidade da realidade aparece na forma de simplicidade aparente na projeção imagética do espaço geográfico, ou seja, nos espaços de convivência das pessoas. No entanto, convém ressaltar que o aspecto quase-sempre multicolorido da paisagem camufla a informação sutil e invisível que ela comporta. A geografia desenvolveu- se aprimorando a resolução e o foco de sua análise, por meio de um olhar geográfico adaptado para enxergar o invisível das relações entre os objetos empíricos. No invisível residem as verdadeiras causas para as quais os aspectos visíveis são a conseqüência. Nessa perspectiva que surge a noção de espaço geográfico. Um espaço camuflado pela realidade empírica. De modo que, por natureza, a geografia tem de ser metodologicamente heterogênea. [...] Seu caráter pode mudar, dependendo de ser ela considerada como um processo descendente ou, em outras palavras, como uma culminância das relações naturais numa paisagem natural, que define uma ecologia do homem, ou então como um processo ascendente e conquistador, a partir da ação do homem, cujo ponto de partida é o estabelecimento humano e o campo de aplicação, seu meio circundante no sentido mais apropriado a cada caso, desde a célula local até o conjunto planetário. (GEORGE, 1978, p.12-13) O espaço geográfico é um conceito teórico e também uma práxis. Práxis porque surge da ação concreta do homem, num processo complexo de construção de seu éthos, ou seja, de sua morada. Que, em todos os níveis, representa, o próprio ecúmeno planetário. Enquanto conceito teórico evolui no tempo (e no espaço), exprimindo/explicando o grau de desenvolvimento técnico e de compreensão de mundo das sociedades em determinado período (ou espaço). 12546
  • 14. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo Criado por meio de relações de poder estabelecidas desde as primeiras sociedades humanas, o espaço geográfico é o espaço artificial de controle criado por um e para um ser humano artificial, que criou contingências artificiais, na tentativa de controlar seu próprio destino. Destas relações surge o ambiente pós-moderno, que representa, em última análise, o momento de apogeu no desenvolvimento do espaço geográfico e, na atualidade, um momento de descontinuidade no gradiente isostático médio das formas clássicas de produção do saber científico, com a ruptura crítica de sistemas conceituais, que força o surgimento de novas estruturas teóricas explicativas. Tal fato, pode, segundo Lyotard (1998), ser representado em termos da velocidade da vida contemporânea, “quando a teoria está sempre correndo atrás da parologia dos inventores”. Origens do fazer geográfico No raciocínio clássico, a condição para um fazer geográfico é um espaço potencial do vir-a-ser geográfico. Este espaço potencial é reconhecido como natureza, primeira natureza, meio natural, entre outros. Daí as origens da distinção entre natureza e sociedade humana. No entanto, essa distinção perde o sentido prático quando a condição lógica de existência da natureza não pode anteceder a origem do espaço geográfico sob pena do espaço geográfico existir antes mesmo do surgimento do homem e, dessa forma, a auto- negação lógica. Pode-se, assim, dizer que, como um pintor, ao surgir o homem trás consigo tinta, pincel e tela, para pintar as paisagens geográficas. Para o geógrafo clássico o mundo é uma construção da consciência cartesiana do res cogitans. O homem é um animal geográfico não só porque deixa suas marcas na natureza (etim. geo=terra + gráfico=escrita escrita na terra), mas, e, sobretudo, porque criou um novo mundo para si, um mundo geográfico. Assim é que o surgimento da geografia antecede qualquer outra forma de conhecimento. Ela surge enquanto proto-conhecimento- de-mundo, ou seja, o conhecimento de mundo dos homo sapiens. Desde esse momento ela avança, até consolidar-se, a posteriori, num leque conceitual/categórico explicativo, constituindo-se no conhecimento de mundo de cada época. O fazer geográfico é ação e reação. Na medida em que o homem deixa suas marcas no planeta, este inscreve seu signo no homem. Neste novo mundo, o homo sapiens erradicou toda e qualquer forma natural pretérita. Dessa forma, o fazer geográfico é uma ação prática que tem por origem uma atitude pró-ativa da subjetividade humana. O fazer geográfico é um fazer natural do homem. Não resta dúvida que antes mesmo do homem fazer história, fez geografia. Historicamente, a geografia era apenas o resultado empírico dos relatos das viagens de caravanas, onde estas foram construindo, a partir das suas observações, a espacialidade geográfica. A popularização do conhecimento geográfico se 12547
  • 15. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo deu basicamente em função da curiosidade universal do homem acerca das características diversas dos lugares. [...] desde muito cedo, no decurso da evolução da humanidade, o homem descobriu que o seu mundo variava acentuadamente de lugar a lugar. Para satisfazer-lhe a curiosidade acerca de tais diferenças é que a Geografia se desenvolveu como matéria de interesse popular. Desde os tempos mais remotos, esperava-se que os viajantes, ao retornarem de lugares “estrangeiros”, narrassem aos que haviam permanecido em suas casas como eram as coisas e as pessoas dos lugares que tinham visitado, quer se tratasse de distritos vizinhos, mas relativamente inacessíveis, quer de partes mais remotas. (HARTSHORNE, 1978, p.16). A popularização das formas primitivas do conhecimento geográfico derivou de seu caráter empírico original. No entanto, a Geografia enquanto ramo de saber científico esforça-se no sentido de produzir uma interface teórica amigável com a sociedade, apostando no seu atributo idiográfico como meio eficaz de perceber o mundo em seus aspectos fenomênicos, compreendendo que é neste nível que se processam as relações empíricas. Para tanto, a Geografia utiliza-se de metáforas e outras abstrações para caracterizar no empírico as relações essencialmente metempírica que investiga, na expectativa de aproximação entre o mundo do geógrafo e o mundo dos demais seres humanos. Em última análise, corresponde a uma aproximação do conceito de espaço geográfico à realidade espaço-temporal do mundo. No fazer geográfico o homem arruma sua morada, lançando mão dos materiais disponíveis, transformando-os, modelando e configurando o espaço. Segundo Rosa, (1992), “O espaço geográfico, como ente de construção, da sobrevida, foi tônica das migrações, ocupações e dominações”. Nesta construção, seguida de etapas intermediárias prévias de configuração, emerge o território. No entanto, o espaço geográfico é abrange e antecede a gênese do conceito de território. Segundo Raffestin (1993), os geógrafos vêm confundindo território com espaço. Afirma que apenas quando os atores se apropriam de um espaço é que este se torna território, ou seja, territorializam o espaço. A partir deste momento, o espaço geográfico formaliza-se enquanto entidade multidimensional, e, reduz-se aos limites físicos do território, e, desse momento, para a ser caracterizado enquanto espaço-forma-das-coisas. Lefebvre (1980), demonstra que as transformações do espaço em função dos circuitos e fluxos que se instalam, tais como: rodovias, canais, estradas de ferro circuitos comerciais e industriais etc. caracterizam o território enquanto o espaço onde se instalou uma sociedade movida 12548
  • 16. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo pelo trabalho. É neste contexto que se pode analisar a dinâmica interna das formações territoriais locais ou mesmo em nível nacional. Conhecimento filosófico e geografia O conhecimento filosófico caracteriza-se por ser um conhecimento inclusivo. Conhecimento popular, artístico, técnico e mítico/religioso, se fundem na perspectiva filosófica. Este caráter inclusivo transformou o conhecimento filosófico em uma forma de conhecimento mais próxima da sociedade, uma forma mais humana de conhecimento. Na filosofia, a relação metodológica do sujeito e objeto na produção do conhecimento, é, diretamente, a própria relação entre a sociedade e a natureza. Promissora em relação ao método científico que a ciência clássica inauguraria a partir do século XVI, porém, dual, na medida em que estabelece a polaridade homem/meio como condição de produção do conhecimento. O caráter atemporal da Geografia pode ser explicado por meio do discurso ontológico. Assim, o discurso ontológico pode ser visto enquanto a primeira manifestação do pensamento geográfico. Em conseqüência, o conhecimento filosófico deriva da evolução das formas primitivas do fazer geográfico. O produto/significado desse fazer geográfico primitivo sobre um espaço geográfico criado pela consciência evoluída do homo sapiens foi o primeiro objeto de inquietação/discussão do homem, enquanto ser empírico dotado de uma possibilidade projecional metempírica/metafísica. O fazer geográfico necessariamente proposital, nos primórdios, relacionava-se com a condição biológica/genética de sobrevivência da espécie, frente às adversidades naturais. Organizar o espaço geográfico desde então passou a ser um atributo humano. Um atributo existencial necessário à consolidação da sua presença num Planeta, que passaria, então, a ser seu. Até que ponto pode-se afirmar que conhecimento filosófico é uma fase do conhecimento geográfico? Quais as implicações disso no pensamento geográfico moderno? Não há dúvida de que a pertinência destas relações é o dispositivo que coloca a Geografia, na atualidade, como ciência capaz de romper com os grilhões que, inclusive, a aprisionaram na camisa de força das formas pré-moldadas do reducionismo cartesiano, e que representa a própria crise atual da ciência clássica, com a possibilidade de largar na linha de frente do processo de construção de um novo paradigma para as ciências. O processo que, de certa forma, já se iniciou encontra dificuldade em responder a estas perguntas, na medida em que ainda depende da formalização de um discurso homogêneo, por meio de uma linguagem independente. O pensamento geográfico possui todas as características do pensar filosófico. Pretende entender o homem enquanto ser-no-mundo. A repercussão de suas ações, e, 12549
  • 17. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo mesmo a avaliação subjetiva positiva que antecede este fazer e previamente o justifica, depende de uma reflexão interior, de um auto-conhecimento, e, posteriormente, de uma abertura para o mundo, no sentido de compreende-lo, compreendendo-se. O fazer geográfico é, por força da lógica, anterior ao pensar geográfico. Este, por sua vez, quando surge, revela-se elaborado em um discurso. Pode-se dizer que as origens do pensar geográfico estão vinculadas ao desenvolvimento dos processos de linguagem. Dessa forma, possivelmente, ambos surgiram concomitantemente. As etapas de sistematização deste discurso equivalem ao desenrolar da história filosófica do homem. Pode-se afirmar que a filiação recíproca entre conhecimento filosófico e conhecimento geográfico responde pela própria natureza e constituição do homem epistêmico. Assim, a presença da filosofia na história do pensamento geográfico é tão forte que o objeto metodológico de sua pesquisa poderia ser (e, de certa forma é) a própria ética na relação homem/homem e homem/meio, ou seja, na relação sociedade/natureza, no espaço-tempo. Geografia e ética Para Bartholo Jr. (1986, p.104), “O poder científico-tecnológico se desenvolve na modernidade no interior de um ‘vácuo ético’ que potencializa o risco de autodestruição para um Homem alienado de seu vínculo de pertinência com a Natureza”. Este vácuo ético representa a própria compartimentação estabelecida pela modernidade, que interrompeu o fluxo das coisas, inaugurando um período de profunda solidão, na humanidade. Essa solidão, caracterizada pelo distanciamento do homem do seu entorno, representa a sensação de vazio ético. Aristóteles (2001) ao apresentar sua concepção de ética ao mundo, compreende que esta representa o elemento da condição existencial do zoon politikon (homem político). Assim, demonstra que a ética (éthos) é um conjunto de normas e valores que respondem pela convivência/coexistência do homem em sociedade. O vocábulo ética origina-se do grego éthos morada, modo de ser, convivência. O éthos foi convertido em ética pela modernidade científica, atribuindo ao conceito uma característica formal/nomotética, distanciando-se de seu significado original. A ética moderna difere da ética aristotélica na medida que deixa de significar a condição da alteridade na relação homem/homem, em sociedade, e, por conseqüência, da relação homem/meio. Traduzindo-se na ética fria dos códigos de ética. Por outro lado, a virtualização do mundo relegou a ética a um patamar secundário. As relações irreais da tela são interpretadas como realidade possível, por uma sociedade alienada dos vínculos éticos de pertinência com o outro e com a natureza. Para Baudrillard 12550
  • 18. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo (1992, 63), “se caímos com tanta facilidade nessa espécie de coma imaginário da tela, é porque ela traça um vácuo perpétuo que somos solicitados a preencher”. A geografia surge como um problema ético, ou seja, que visa discutir as perspectivas da convivência do homem, ser social, com relação a suas atitudes e valores. Tem a condição de enxergar essas relações nos gêneros de vida produzidos numa determinada parcela da superfície terrestre e, dessa forma, compreende a evolução social e cultural dos povos como interdependentes em relação ao meio físico. Dessa forma, não se pode desvincular as questões geográficas das questões éticas e, portanto, das questões de ordem moral que regem a conduta do homem. Não existe uma natureza empírica que não seja humana. No entanto, a ciência moderna destitui do cientista o seu vínculo natural com a terra. Esse indivíduo alienígena passa de sujeito empírico para sujeito epistêmico, na medida em que se constitui em comunidade científica, tentando se encontrar em modelos teóricos produzidos grosseiramente via indução. O restante da humanidade, ou seja, a grande maioria, pede seu significado na medida em que não se enquadra nos requisitos exigidos pelo método científico. A ciência geográfica ao se enquadrar nas regras do conhecimento científico moderno deixa de ser épisteme e passa a ser uma forma de conhecimento objetivo e geral. A tentativa de estabelecer um conceito de espaço geográfico regido por leis mecânica, esbarra na imprevisibilidade humana, própria de sua natureza subjetiva. Assim, a presença dos seres humanos no espaço geográfico é o principal vetor de catalisação do processo de reforma do conhecimento geográfico, para além dos limites estabelecidos pela ciência moderna. Na atualidade, esta superação depende da construção de uma nova ética. Essa construção pode ser um retorno ao éthos e uma retomada do fluxo interrompido a partir século XV pela modernidade científica. Esse retorno possibilitará reconstruir os caminhos e elos perdidos durante o Iluminismo e restaurar no homem o sentido ontológico de sua presença no mundo. A possibilidade de considerar e enxergar o papel das formas de conhecimento relegadas ao obscurantismo, como o conhecimento popular, teológico, mítico, e todas as manifestações da mente humana é um dos temas mais importantes da atualidade. A construção de uma integralização das formas de saber é um dos caminhos em direção a reconstrução do éthos original, no momento em que o homem reconstrói os vínculos de pertinência com o mundo, ele reencontra o significado de sua existência e volta a perceber, em sociedade, o significado recíproco da alteridade, implicando num restabelecimento da justiça e equidade apregoada por Aristóteles. 12551
  • 19. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina – 20 a 26 de março de 2005 – Universidade de São Paulo Segundo Morin (1998, p.129), é preciso atentar para o problema da hiperespecialização das ciências humanas. Segundo o Autor, este fenômeno “[...] destrói e desloca a noção de homem; as diferenças sociais, a demografia e a economia não precisam mais da noção de homem. [...] A idéia de homem foi desintegrada”. Conservando o seu aspecto de ciência generalista, a ciência geográfica deverá ser o carro-chefe do processo de superação do paradigma vigente. Deve traduzir o seu discurso em efetiva práxis social propondo uma nova alfabetização para as ciências, premente as ciências exatas e naturais, propondo a transgressão do método científico, por meio de um envolvimento direto entre o sujeito e o objeto na produção do conhecimento científico, como única condição de aceitação desta forma de conhecimento na realidade vindouro neo-paradigmática. REFERÊNCIAS ABRAMCZUK, André Ambrósio, O mito da ciência moderna. Proposta de análise da Física como base da ideologia totalitária. São Paulo, Cortez: 1981. AMIN, Samir. O desenvolvimento desigual. Rio de Janeiro: Forense Universitário, 1976. ANDRADE, Maria margarida de. Introdução à metodologia do trabalho cientifico. São Paulo: Atlas, 1995. ARISTÓTELES. Ética a nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2001. BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. BAUDRILARD, Jean. A sombra das maiorias silenciosas. O fim do social e o surgimento das massas. São Paulo: Brasiliense, 1994. BENKO, Georges. Economia Espaço e Globalização na aurora do séc. XXI. São Paulo: Hucitec, 1999. BETTANINI, Tonino. Espaço e ciências humanas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. BUZZI, Arcângelo R. Filosofia para principiantes. Petrópoles: Vozes, 1992. CAPRA, Fritjof. O tao da física. 20ª ed. São Paulo: Cultrix, 2000. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. 22ª ed. São Paulo: Cultrix, 2001. CASTRO, Iná Elias de.(ogr). Conceitos e temas da geografia. Rio de Janeiro: Bertrand-Brasil, 1995. CHORLEY, Richard J. Modelos físicos e de informação em geografia. São Paulo: Ed. USP, 1975. CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização Espacial(série princípios). 4a ed. Rio de Janeiro: Ática, 1991. CORRÊA, Roberto Lobato. A Rede Urbana (princípios). Rio de Janeiro: Ática, 1991. CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano (princípios). 4a ed. Rio de Janeiro: Ática 1989. COSTA, Icléia T. M. Cidadania, ética e alteridade. In. COSTA, I. T. M. e GONDAR, J. (orgs). Memória e espaço. Rio de Janeiro: 7letras, 2000. DAVIS, K. et Alli. A urbanização da humanidade. Rio de Janeiro: Zahar,1972. DOLFUSS, Olivier. A análise geográfica. São Paulo: Saber Atual, 1973. DREW, David. Processos interativos homem-meio ambiente. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1994. DURANT, Will. A história da filosofia. Rio de Janeiro: Nova Cultural, 1996. ENTRIKIN, J. Nicholas. O humanismo contemporâneo em geografia. In Bol. Geog. Teorética Rio Claro. Rio Claro: 1980. FANI, Ana. CARLOS. A. A Cidade( Repensando a Geografia). 5a ed. São Paulo: Contexto, 1992. GEORGE, Pierre. Geografia Industrial no mundo. São Paulo: Difel, 1979. 12552
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