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Fica comigo esta noite
Personagens
EDU – Jeferson de Jesus
LAURA – Aline Silva
CORAÇÃO DE PEDRA – Abenildo Carvalho
MARIANA – Thays Lie
PADRE – Jônatas Rodrigues
SENSITIVA – Tamires Silva
TOMÁZ – Ângelo Santos
MÃE – Dalila
AGENTE – Alexandre
Narração:
EDU – Eu morri repentinamente e quem já morreu repentinamente sabe do que eu
estou falando. Pode compreender melhor o meu drama. O que eu teria feito da última
noite da minha vida se eu soubesse que ela seria a última? Não sei. Mas suponho que
não ficaria sentado tranquilamente lendo gibis. Possivelmente teria passado a última
noite da minha vida brincando de me lembrar do dia em que Laura apareceu pra mim
pela primeira vez. (Edu vê Laura e se aproxima)
EDU – Você também é fã do Dhonatham Shimit?
LAURA – Ah! Muito.
EDU – O fantasma do coração de pedra eu acho a obra prima dele.
LAURA – Ah, pois é, sem dúvida.
EDU – Qual é o seu episódio favorito? Da trilogia?
LAURA – O terceiro.
EDU - É o melhor! E essa edição é a original 68 (risos). Na sua opinião, qual é o segredo
do fantasma do coração de pedra? E como é que ele faz para se transportar pro
mundo dos vivos?
LAURA – Bom, eu acho que ele se transporta para o mundo dos vivos quando alguém
que ele amou de repente chora por ele.
EDU – O fantasma do coração de pedra nunca amou ninguém, nem nunca se deixou
ser amado.
LAURA - Olha eu não tenho ideia do quê que esse coração de ferro faz...
EDU – (interrompendo) de pedra.
LAURA – É pois é. Olha eu nem sei o que eu to fazendo com essa revista na mão, eu
nunca li nada sobre esse Dhonatham Shimit, eu não conheço esse senhor não sei do
quê que se trata.
EDU – Na verdade ninguém sabe, até porque ele não existe (risos) fui eu que inventei o
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Dhonatham Shimit. Sou eu quem escreve e desenha os gibis. Eu também imprimo,
envelheço, distribuo e divulgo (risos). Ta difícil viver só de música hoje em dia, quem
sabe você não aparece lá uma terça – feira dessas (entrega um folheto).
LAURA – Tudo é possível, não é?!
2ª CENA (show de Edu. Laura chega e o vê cantar. O show termina e Laura se
aproxima)
EDU – Eu estava rezando pra você vir.
LAURA – Eu não falei pra você que tudo é possível?
EDU – Faz sentido. Mas me fala de você.
LAURA – Ah não, eu vim pra te conhecer. Sei lá... me fala sobre as janelas do seu
quarto.
EDU – Ah, eu morria de medo da janela do meu quarto. Eu morria de medo do meu
quarto, aliás, eu morria de medo da casa inteira. Eu sempre achei que ali morava um
fantasma.
LAURA – E ai?
EDU – Eu era muito pequeno quando minha mãe morreu, meu pai vivia viajando pra
cima e pra baixo, vida de músico. Daí que eu ficava sozinho morrendo de medo de
tudo. Mas eu tenho uma vizinha que sempre cuidou de mim, a dona Mariana. Ela
sempre ficava na janela da casa dela tocando pra eu dormir.
LAURA – Coitadinho (risos).
EDU – E a janela do seu quarto?
LAURA – Ah, são quadradas, de vidro, tem uma cortina meio florida assim na frente.
EDU – É só isso que você tem pra me falar da sua vida?
LAURA – Adoro Tabacaria!
EDU – Ah, você fuma?
LAURA – Não. Adoro Tabacaria, o poema de Fernando Pessoa.
EDU – Claro!
LAURA – Não sou nada, nunca serei nada...
EDU – (interrompe e falam juntos) jamais poderei querer ser nada, a partir disso tenho
em mim todos os sonhos do mundo.
LAURA – E depois vem , as janelas do meu quarto...
EDU – Eu? Na verdade só decorei a primeira parte para impressionar você, a primeira
vez que eu te vi na livraria você estava com um livro, você saiu e eu peguei o livro nem
sabia quem era tal pessoa, eu só peguei abri uma página lá e copiei o verso (risos) mas
eu sei um monte de poema decorado. Vale letra de música?
LAURA – Jura? Eu adoro aquela música.
EDU - Que música?
LAURA – Fica comigo esta noite.
EDU – Fico! E fica combinado que a partir de agora, que essa é a música da gente.
LAURA – (risos) como você é rápido!
EDU – O melhor de ter encontrado você é que eu nunca mais vou ter medo da noite.
LAURA – Hum... eu não sou exatamente um guarda noturno.
EDU – Eu não ia escolher exatamente um guarda noturno pra ficar o resto das minhas
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noites comigo.
LAURA – Tem um detalhe sobre o resto das minhas noites. A princípio elas estão meio
comprometidas.
EDU – Ah, você arranjou um emprego de guarda noturno?
LAURA – Não. Eu vou me casar! É semana que vem, eu fugi pra ouvir você cantar. Ah
meu Deus! (Edu encosta em Laura e a beija enquanto o noivo se aproxima).
TOMÁZ – Vamos pra casa.
LAURA – Tchau!
EDU – Não!
TOMÁZ – Acabou a despedida de solteiro.
LAURA – Desculpa!
EDU - Não vai embora.
LAURA – Eu adorei a música.
EDU – Por favor!
TOMÁZ – Tá na hora.
EDU – Não!
TOMÁZ – Eu não tô falando com você.
EDU – Meu nome é Eduardo.
TOMÁZ – Não quero saber.
EDU - E o seu?
TOMÁZ – Não me interessa.
EDU – Eu não tô falando com você. Eu tô falando com ela. E o seu?
TOMÁZ – Você beijou uma pessoa que você nem sabia o nome?
EDU – Eu quero dizer que eu te amo, só pra você saber.
TOMÁZ – Você não é pra ela e ela não é pra você.
EDU – Vem cá, você é responsável pela distribuição dos casais do hemisfério sul?
TOMÁZ – A gente vai casar.
EDU – Casar? Eu também caso se o problema for esse.
TOMÁZ – Vai casar com alguém que você não sabe nem o nome?
EDU – E você vai casar com alguém que beijou um cara que não sabe nem o nome?
TOMÁZ – Vou!
LAURA – Vambora!
TOMÁZ – Você é o carinha, só esse carinha que ela beijou sem saber nem o nome e vai
ser só isso cada vez mais.
LAURA – Bora!
TOMÁZ – Me solta! E é comigo que ela vai ficar essa noite. Essa e as próximas até a
gente não querer mais. Sacô?
LAURA – É, mais eu vou embora sozinha.
EDU – Ei, pera aí! Fica comigo?
TOMÁZ – Aí, deixa ela em paz cara (empurra Edu. Edu cai no chão e finge que
desmaiou) mas eu não... (sem entender).
LAURA – Ele desmaiou.
TOMÁZ – Vambora!
LAURA – Não. Mas ele morreu? A gente não pode deixar ele aqui!
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TOMÁZ – Vamos! A gente pode, a gente deve e a gente vai!
LAURA - Não. Não. Vai você!
TOMÁZ – Vamos não há nada que a gente possa fazer mulher. Vamos!
LAURA – Vai você!
TOMÁZ – Eu vou, hein?
EDU – (toca a sirene e Edu fala com Laura) disfarça! (beija Laura).
3ª CENA (Laura entra vestida de noiva com sua mãe ao lado)
MÃE – Minha filha, você enlouqueceu que nem seu pai que morreu louco.
LAURA – Mãe, você vai repetir isso até eu ser obrigada a dizer que foi você que
enlouqueceu o meu pai?
MÃE – Se você disser isso, eu vou ter um ataque.
LAURA – Se você não parar de ter ataques, eu vou ter que dizer.
MÃE – Enlouqueceu que nem o pai que morreu louco.
PADRE – (marcha nupcial). Estamos aqui hoje para celebrar o casamento de Eduardo e
Laura. Vamos para os votos.
EDU – Eu, Eduardo Pedroso de Albuquerque, prometo ser fiel... (olha para o padre)
PADRE – Na alegria e na tristeza...
EDU – Na alegria e na tristeza...
PADRE – Na saúde e na doença...
EDU – Na saúde e na doença...
PADRE – Amando-te e respeitando-te...
EDU – Amando-te e respeitando-te...
PADRE – Até que a morte nos separe.
EDU – O senhor há de convir, que não é nada agradável lembrar que a morte
inevitavelmente vai nos separar. E essa não é uma boa ocasião para lembrar a gente
desse detalhe.
PADRE – Sinto lhe informar que o seu papel aqui se limita a repetir o que eu digo, sem
direito a filosofia. Na sua cabeça o senhor só está autorizado a dizer sim ou não, isto
quando for solicitado. Podemos prosseguir?
EDU – Será que não dava para eliminar, só até que a noite nos separe?
PADRE – Se o senhor acha que até que a morte nos separe é muito, é porque não está
plenamente convicto da sua decisão. O senhor deveria ter pensando melhor antes de
colocar essa roupa patética e obrigado a moça se vestir toda de noiva. Eu botar essa
batina quente e permitir que isso viesse até aqui com essa decoração ridícula.
EDU – Eu estou tão convicto, que eu sugiro trocar o até que a morte nos separe por
para sempre. O que é que o senhor acha?
PADRE – Quem acha aqui meu filho é Deus.
EDU – Mas eu acho extremamente desnecessário lembrar desse maldito dia em que
um de nós vai morrer, só pra ficar pensando: será que eu vou morrer primeiro meu
Deus? Tomara que não seja ela, tomara que eu morra logo, tomara que eu morra logo.
PADRE – O seu tempo acabou!
EDU – Sim!
LAURA – Eu, Laura Pires de Melo, prometo ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e
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na doença, amando-te e respeitando-te (pausa).
PADRE- Até que a morte nos separe.
LAURA – Eu preciso checar uma coisinha com ele, afinal sua benção é tão abrangente
que eu preciso especificar melhor as condições.
PADRE – Isso aqui é um casamento ou um concílio do vaticano?
LAURA – Você promete que vai continuar me fazendo sorrir, mesmo depois que a
morte nos separe? (Edu cai e finge de morto. Laura o levanta e o beija. Saem de cena).
3ª CENA (Edu está no sofá fingindo-se de morto e Laura reclama)
LAURA – Levanta daí Edu! Cê vai passar a vida inteira se fingindo de morto? A gente
tava no meio de uma briga.
EDU – Então vamos parar de brigar, vamos fazer as pazes.
LAURA – Pazes?
EDU – Eu vou viajar amanhã, vou passar dez dias fora, a gente não pode se despedir
assim.
LAURA – Você é engraçado! A gente briga porque você vai viajar e vai passar dez dias
fora e tem que fazer as pazes porque você vai viajar e passar dez dias fora.
EDU – Porque cê não vem comigo?
LAURA – Ficar no hotel enquanto você dá entrevista, passa o som e depois ter que ficar
no camarim lotado, até que o último fã pipoca e o último flash dessas malditas
câmeras digitais tiram foto sem limite.
EDU – Não fui eu que inventei essas câmeras. Você fala como se a culpa fosse minha.
LAURA – Eu não falei nada.
EDU – Você não fala nada com se a culpa fosse minha.
LAURA – Boa viagem Edu!
EDU – Você fala boa viagem Edu, como se a culpa fosse minha (Edu fica irritado).
LAURA – Vamos fazer as pazes, você vai viajar amanhã vai passar dez dias fora e a
gente não pode se despedir assim. (beijam-se. Blackout. Laura senta-se no sofá).
Narração:
EDU – Possivelmente teria sonhado com a nossa despedida, detalhe por detalhe, se eu
soubesse que aqueles eram os meus últimos momentos de vida. Pena que as pessoas
não sejam avisadas dos seus daqui a pouco com antecedência para poder aproveitar
melhor os seus agora. Desavisado que eu era, só parei no portão e olhei para a janela
de Dona Mariana como eu fazia quando era criança e rezei para que ela cuidasse de
mim onde quer que ela estivesse. (Edu entra e encontra Laura sentada no sofá lendo
um livro).
EDU – Oi! Não sei se deu pra você perceber mas chegou uma pessoa. (Laura o ignora)
portas não se abrem e pessoas que não são pessoas geralmente não entram em casa e
dizem oi! (Risos) e como eu entrei em casa e disse oi, provavelmente eu sou uma
pessoa (risos) e pessoas costumam dizer oi umas ás outras (com seriedade) cê não vai
dizer nada?
LAURA – A respeito de quê?
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EDU- Uê? A respeito de eu ter chegado, por exemplo, oi meu amor você chegou!
LAURA – (Ironicamente) oi meu amor você chegou, e eu nem esperava.
EDU – Ah, mais eu não disse que chegava hoje?
LAURA – Ontem você disse que ia chegar ontem e eu esperei, e traz anteontem você
disse que chegava anteontem e eu também esperei. Eu passo a vida toda esperando
por você Edu. Agora veja só que coincidência incrível, logo hoje quando eu decidi não
esperar por você, você chegou.
EDU – Tudo bem. Eu prometi e não cheguei, você tá irritada eu compreendo.
LAURA – Compreender é esquecer de amar!
EDU – Hãn?
LAURA - Fernando Pessoa(...) Quando a gente gosta é claro que a gente cuida.
EDU – Fernando Pessoa.
LAURA – Peninha!
EDU – (Edu encosta em Laura e tenta beijá-la). Você tá escondendo alguma coisa de
mim?
LAURA – Tô!
EDU – O quê?
LAURA – Se eu tô escondendo é porque eu não quero dizer.
EDU – Faz sentido.
LAURA – Faz!
EDU – Eu também tô escondendo uma coisa de você(...) Eu tenho uma história secreta.
LAURA – (Rindo). Você não tem cara de quem tem uma história secreta.
EDU – Quem tem uma história secreta, costuma ter duas caras.
LAURA – Faz sentido.
EDU – Faz. E eu não digo mais nada enquanto você não me contar o que você está
escondendo de mim.
LAURA – Eu quebrei a sua guitarra de estimação, de propósito. As quatro da manhã
estraçalhei a coitada!
EDU – Era isso que cê estava escondendo de mim?
LAURA – Era.
EDU – Mentira! (risos).
LAURA – Tá vendo! Eu não queria contar porque eu sabia que cê ia ficar assim.
EDU – Cê não ia fazer esse mistério todo por causa de uma guitarra aposentada.
LAURA – Porque eu ia inventar essa história?
EDU – Pra me obrigar a contar a minha.
LAURA – Então vai, procura pela casa inteira pra ver se você acha. Agora é a sua vez de
contar a sua história.
EDU – Não vou contar. Eu achei que você estivesse me escondendo um outro tipo de
história.
LAURA – Que tipo de história você tá me escondendo? É sério? Você tem mesmo uma
história secreta?
EDU – Hein? Não!
LAURA – Uma mulher? Filhos? Uma vida paralela?
EDU – Calma! Eu estava blefando. Não existe história nenhuma.
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LAURA – Ah não!
EDU – Eu inventei que tinha uma história secreta pra você me contar a sua.
LAURA – Cê tá mentindo!
EDU – Eu estava mentindo.
LAURA – Eu acho melhor você me contar agora.
EDU - Eu não posso inventar uma história falsa só pra você acreditar que eu não estou
mentindo.
LAURA – E porque não? Cê faz isso tão bem! Cê podia inventar qualquer história e eu
acabava acreditando como sempre e a gente ficava de bem. Mas não você bateu o pé
que não ia contar, aí você se entregou.
EDU – Eu não bati o pé!
LAURA – Em sentido figurado (irritada).
EDU – Eu não sou uma pessoa que bate o pé. Nem em sentido figurado eu bato o pé.
LAURA – Vai me contar ou cê não vai?
EDU - O quê? (risos).
LAURA – (Dá uma pausa). Eu vou sair.
EDU – Pra onde?
LAURA – Não sei.
EDU – Sozinha?
LAURA – Com alguém. Era isso que eu estava escondendo de você. Eu inventei a
história da guitarra.
EDU – Mentira!
LAURA – Agora você já sabe.
EDU – Eu não acredito em você.
LAURA – Paciência!
EDU – A que horas você volta?
LAURA – Amanhã.
EDU – O quê?
LAURA – Ou depois de amanhã.
EDU – A gente precisa conversar.
LAURA – A gente já tá conversando.
EDU – A gente precisa decidir, você não vai.
LAURA – Já tá decidido e não tem mais volta.
EDU – Do que você está falando? Eu não tenho história secreta nenhuma pra contar.
Fora isso eu faço o que você quiser pra você não ir embora. Eu faço as pazes com a sua
mãe(..) Eu faço uma canção nova pra você(...) Eu imploro(...) Eu grito(...) Eu mato(...)
Eu morro! Vale morrer? Eu morro! Aí! (Edu cai no sofá e Laura fica irritada)
LAURA – Eu odeio quando você faz isso. (Vai se arrumar. Edu levanta e sai atrás dela).
EDU – Desculpa, eu não faço mas isso, foi a última vez, eu sei que já perdeu a graça faz
tempo, cê não tem ninguém, né? Cê só queria que eu me tocasse do quanto é chato
ficar esperando pela outra pessoa. Não foi isso? Então a partir de hoje eu não viajo
mais. Eu vou dar aula de violão e guitarra pra criança, que cê acha? Eu também posso
tocar com a banda por aqui. É claro que quando eu chegar na banda e falar, olha gente
é o seguinte eu toco mais não viajo, é melhor eu dizer logo, valeu galera podem
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procurar outro. Não, mais eu vou dizer. Valeu galera podem procurar outro que eu vou
viver pro meu amor, vou dar aula de violão e guitarra e viver só pra você. Eu só não
vou deixar você fazer nenhuma besteira, e você só vai sair daqui se passar por cima do
meu cadáver! (Laura está se arrumando, termina e sai. Edu vai atrás de Laura e é
puxado por Coração de Pedra).
CORAÇÃO – Você quer que todos descubram que nessa casa moram fantasma, hein?
Você quer ver essa casa cheia de padre, pai de santo, benzedeira e esotérico fazendo
descarrego? Quer? Você não sabe como dói um descarrego. (Agarrando Edu pela
camisa).
EDU – Você não é o Fantasma do Coração de Pedra? É? (Surpreso).
CORAÇÃO – Búúú... (riso histérico)
EDU – Esse aqui é o outro mundo?
CORAÇÃO – Não. O outro mundo é o outro, aqui é só o mundo dos mortos.
EDU – O mundo dos mortos não seria exatamente como eu imaginava que fosse.
CORAÇÃO – E porque não?
EDU – Era coincidência demais.
CORAÇÃO – Coincidência nenhuma, quem sabe o mundo dos mortos não seria
exatamente como cada um imaginou que fosse.
EDU – Eu não morri, eu estava fingindo que eu morri. E enquanto eu fingia eu peguei
no sono e comecei a sonhar que estava morto, mas eu não estou. Eu estava fingindo
meu Deus! Isso é um pesadelo e vai chegar a hora em que eu vou levar um susto. Eu
levo um susto faço hãm! E acordo. ( Enquanto isso Coração de Pedra pega uma faca e
corta a garganta de Edu).
CORAÇÃO – Você está morto, o mundo dos vivos é dos que ficaram lá.
EDU – Pera aí, me explica direito! (Saem do palco e entram Laura e Mariana).
4ª CENA (Mariana vê Laura e choca-se com ela de propósito)
LAURA – Cê tá doida?
MARIANA – Cê tá doida?
LAURA – Uma pessoa normal não entra na frente dos outros.
MARIANA – Uma pessoa normal não anda insanamente pelas cidades.
LAURA – Quem disse pra você que eu sou uma pessoa normal?
MARIANA – E quem disse pra você que eu sou?
LAURA – Cê tá bem?
MARIANA – Tô ótima!
LAURA – Cê tem certeza?
MARIANA – Absoluta!
LAURA – Então tchau!
MARIANA – Pra onde você vai?
LAURA – Pra lugar nenhum.
MARIANA – Eu também. Posso ir com você?
LAURA – Não.
MARIANA – Eu não tenho pra onde ir. Eu não tenho mais casa, eu não tenho mais
nada, agora eu só tenho você. Foram eles que botaram você no meu caminho.
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LAURA – Quem?
MARIANA – Eles lá do céu!
LAURA – Eles erraram, eu não sou seu anjo da guarda.
MARIANA – (Rindo). É claro que não é, o anjo da guarda aqui sou eu!
LAURA – Então você já cumpriu sua missão, muito obrigada! Agora eu tenho que ir.
Sabe o que é que é? Eu não tô num bom dia.
MARIANA – Você vai deixar uma pobre garota abandonada sozinha aqui na escuridão
da noite?
LAURA – É a vida.
MARIANA – Droga! (Mariana faz o tempo voltar atrás e Laura entra novamente. As
duas voltam a se esbarrar).
LAURA – Você quer morrer?
MARIANA – Você quer morrer?
LAURA – Uma pessoa normal não entra assim na frente dos outros.
MARIANA – Uma pessoa normal não anda insanamente pela cidade.
LAURA – E quem disse pra você que eu sou uma pessoa normal?
MARIANA – E quem disse pra você que eu sou?
LAURA – (Sente-se estranha) Engraçado, eu tive a sensação de já ter vivido esse
momento antes.
MARIANA – São os anjos que fazem repetir os acontecimentos para poder terem outra
chance de conseguir o que querem.
LAURA – Você tá bem?
MARIANA – Como é que uma pessoa que caiu pode estar bem?
LAURA – Mas eu não me esbarrei em você.
MARIANA – Esbarrou sim e eu caí.
LAURA – Mas você não se machucou, né?
MARIANA – (Fingindo-se). Me machuquei sim, aí!
LAURA – Eu vou te levar pro hospital.
MARIANA – Para o hospital eu não vou! Você não tem gases, esparadrapo, tesoura e
mertiolate na sua casa?
LAURA – Pra minha casa quem não vai sou eu! (Laura sai e Mariana se irrita).
MARIANA – Pô dois a zero! (Saem de cena).
5ª CENA (Edu e Coração de Pedra entram)
EDU – Eu não podia morrer agora.
CORAÇÃO DE PEDRA – Todos dizem isso.
EDU – Eu tenho muita coisa pra fazer no mundo dos vivos. A Laura tá lá solta meu
Deus, com não sei quem fazendo sei lá o quê. Cê não entende? Eu não posso ficar aqui.
CORAÇÃO DE PEDRA – Você agora vai pro terceiro mundo.
EDU – Que terceiro mundo?
CORAÇÃO DE PEDRA – O lugar pra onde todo espírito deve ir, se não quiser virar uma
alma penada e ficar aqui nesse mundo do meio sentindo todos os desejos que gente
sente, porém, impedido de realiza-los.
EDU – O terceiro mundo não deve ser muito melhor do que isso.
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CORAÇÃO DE PEDRA – Deve ser um lugar muito agradável, visto que quem foi pra lá
nunca mais voltou.
EDU – Pode ser o inferno.
CORAÇÃO DE PEDRA – Pode ser o paraíso.
EDU – Se fosse o paraíso provavelmente não se chamaria terceiro mundo.
CORAÇÃO DE PEDRA – Eu imagino que esse nome seja um disfarce, é... pra não
superlotar, pra evitar farofeiro.
EDU – Então porque você não vai pra lá?
CORAÇÃO DE PEDRA – E quem vai tomar conta da minha casa? (Tom dramático). Eu
não consigo me afastar do que é meu por direito, você sabe eu simplesmente não
consigo! (Risos). Não foi assim que você me imaginou?
EDU – O fantasma que eu imaginei não teria a bondade de me apontar o caminho do
paraíso. Qual é sua real intenção?
CORAÇÃO DE PEDRA – Livrar-me de você.
EDU – Infelizmente você vai ter que me aturar, ou então me contar como é que faz
para visitar o mundo dos vivos.
CORAÇÃO DE PEDRA – Mas esse é o meu segredo, eu não conto pra ninguém, eu sou
avarento, eu quero tudo, tudo pra mim... Isso está escrito, desenhado, envelhecido e
devidamente encalhado. Foi você que inventou tudo isso.
EDU – Então eu posso mudar tudo isso. Transformar você em um poço de
generosidade e você vai me contar seu segredo (risos).
CORAÇÃO DE PEDRA – (rindo exaltadamente). Você não inventa mais nada. Acabou!
Quem manda aqui sou eu. Ainda mais agora que Deus está morto (sai de cena).
EDU – (encontra a guitarra). Se Laura tava dizendo a verdade quando disse que tava
mentindo, quando disse que tinha quebrado a guitarra, então ela tava dizendo a
verdade quando disse que tinha alguém. (Edu sai de cena).
6ª CENA (Laura e Mariana se encontram novamente)
LAURA – Cê quer morrer?
MARIANA – Não. Eu já morri muito obrigada!
LAURA – Eu vou levar você pro hospital.
MARIANA – Não, eu não preciso de hospital, eu já tô devidamente morta. Parece que
você já viveu esse momento outra vez, não é? É o que os anjos chamam de nova
chance e os franceses de Dejaví.
LAURA – Quem é você?
MARIANA – Eu não voou dizer.
LAURA – Porque?
MARIANA – Você não vai acreditar em mim.
LAURA – É claro que vou.
MARIANA – Ninguém acreditaria.
LAURA – Mas eu vou acreditar.
MARIANA – Nem eu acreditaria se eu chegasse pra mim e dissesse, olha eu morri e
virei anjo da guarda, quer dizer eu ainda tô em período de experiência.
LAURA – Eu não acredito!
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MARIANA – E quando eu recebi minha primeira missão eu pensei, essa eu vou ganhar.
A parte mais difícil era fazer você parar de bancar a vítima. Ai pobre de mim que
achava que o nosso amor era perfeito, apresentando meus argumentos a gente nem
precisa ir tão fundo no assunto, se você voltar pra casa e ficar só essa noite com ele,
pra mim já tá de bom tamanho.
LAURA – Quais são os seus argumentos?
MARIANA – Não existem amores perfeitos, existem amantes acomodados. Isso é de
um poeta que morreu jovem de amor e fumaça.
LAURA – Você também gosta de poesia?
MARIANA – Anhãn!
LAURA – Quantos anos você tem?
MARIANA – 90. (Laura não acredita e sai de cena). Ei volta aqui! (Sai também).
7ª CENA
EDU – Eu ia parar de viajar, eu ia dar aulas de violão e guitarra para crianças. Eu ia viver
só pra ela, nosso amor ia ser perfeito.
CORAÇÃO DE PEDRA – Não existem amores perfeitos, existem amantes acomodados.
EDU – Quem é você pra falar de amor? Justo você Coração de Pedra, que nunca amou
ninguém nem nunca se deixou ser amado.
CORAÇÃO DE PEDRA – Isso foi o que eu soprei em seu pensamento enquanto você
inventava a minha história. O que você sabe sobre mim é só o que eu deixei
transparecer, mas o que se passa realmente na pedra desse meu coração só eu sei.
(Olha em direção a janela de Dona Mariana). Você não sabe a dor, o que é a dor de um
amor nunca realizado. Eu não me importaria de ter perdido a vida se isso não
significasse ter perdido também o meu amor. Por que ela não tem aparecido na
janela?
EDU – Dona Mariana?
CORAÇÃO DE PEDRA – Será que ela esqueceu de mim?
EDU – Você é o tal cavalheiro por quem ela passou a vida apaixonada? O tal poeta que
morreu jovem de amor e fumaça?
CORAÇÃO DE PEDRA – Como é que você sabe?
EDU – Era só no que ela falava.
CORAÇÃO DE PEDRA – (Surpreso e contente). Falava?
EDU – Eu não tenho boas notícias.
CORAÇÃO DE PEDRA – Ela foi embora pra longe?
EDU – Ela morreu.
CORAÇÃO DE PEDRA – (Rindo). Morreu?
EDU – (Triste). Faz uma semana, eu tava viajando.
CORAÇÃO DE PEDRA – Cê tem certeza? Então ela está aqui.
EDU – Onde?
CORAÇÃO DE PEDRA – No mundo dos mortos. Finalmente! (Dançando e cantando). A
gente vai se abraçar, vai se encontrar, vai se beijar e vai se amar pela primeira vez.
EDU – E se ela foi pro terceiro mundo?
CORAÇÃO DE PEDRA – Ela não iria sem se despedir de mim.
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EDU – Então você entende como eu me sinto.
CORAÇÃO DE PEDRA – Perfeitamente!
EDU – Então você vai me contar como faz para ir pro mundo dos vivos.
CORAÇAO DE PEDRA – Não.
EDU – Mas eu te dei uma ótima notícia.
CORAÇÃO DE PEDRA – Eu não posso contar o meu segredo, é só meu. Escolha um pra
você.
EDU – Como?
CORAÇÃO DE PEDRA – A primeira coisa que lhe vier a cabeça..
EDU – 3 palminhas. Não funcionou!
CORAÇÃO DE PEDRA – É claro, você não pode contar pra ninguém. É só seu.
EDU – Então vira pra lá! (Blackout).
8ª CENA (Laura encontra o ex noivo)
TOMÁZ – Oi, você tá bem? Não gostei do seu tom de voz no telefone.
LAURA – Ah! Eu briguei com o Edu. Ele não leva nada a sério, aí eu disse que tinha
alguém.
TOMÁZ – Você disse alguém?
LAURA – Disse.
TOMÁZ – E porque você disse que era alguém. Porque você não disse que era eu?
LAURA - Porque não era você, não era ninguém eu inventei essa história pra ver se ele
tinha alguma reação.
TOMÁZ – Eu sei. Mas se era mentira mesmo, porquê que você não mentiu também
que era eu?
LAURA – Pra quê?
TOMÁZ – Não sei. Acho que eu ia gostar de ser usado por você.
LAURA – Eu não disse que era você pra não correr o risco de inventar uma mentira que
podia muito bem ser verdade. (Laura pega na mão de Tomáz)
TOMÁZ – Cê tá me usando?
LAURA – Acho que sim.
TOMÁZ – Eu deixo. (Beijo. Mariana entra e olha-os)
LAURA – Essa música, porque foi tocar logo essa música?
TOMÁZ – Que música? Não tem música nenhuma.
LAURA – Justo essa música. Eu não quero usar você.
TOMÁZ – Que pena.
LAURA – Desculpa. (Sai de cena. Volta pra casa e encontra a Mãe e o Padre
conversando)
MÃE – Ô padre é tão ruim isso.
PADRE – Ela vai ter que superar minha filha.
AGENTE FUNERÁRIO – Nós já retiramos o corpo do quarto. (Laura chega)
LAURA – O que está acontecendo aqui? Quem são essas pessoas? O que o padre está
fazendo aqui?
MÃE – Minha filha você tem que ser forte.
LAURA – Porque? Cadê o Edu?
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PADRE – Ele se foi minha filha.
LAURA – Pra onde?
MÃE – Ele morreu!
LAURA – Mentira a senhora tá falando isso porque nunca gostou dele.
MÃE – Você tem que aceitar.
LAURA – Mentira, sai daqui. (Se ajoelha e chora, de repente Edu fala)
EDU – Laura?
LAURA – Edu? Dú?
EDU – Pode falar eu escuto você. Você me escuta?
LAURA – Escuto de dentro do meu coração. O que a gente pode dizer numa situação
dessas?
EDU – Laura você escuta um eco quando eu falo?
LAURA – Não. Você escuta?
EDU – Escuto e as vezes você some, deve ser alguma interferência.
PADRE – Minha filha se acalme.
LAURA – Eu tô calma padre.
PADRE – Ele está muito melhor do que a gente, ele está ao lado do senhor.
LAURA – Edu o padre está dizendo que você está ao lado do senhor. Você tá ao lado do
senhor?
EDU – Que senhor?
LAURA – Que senhor?
PADRE – O senhor Deus.
LAURA – Ele tá dizendo que você está ao lado do senhor Deus.
EDU – Como é que ele é?
LAURA – Como é que ele é? Fisicamente?
PADRE – Deus?
EDU – Por acaso ele não é um tísico megalomaníaco que mora no andar de cima?
LAURA – Por acaso ele não é um tísico megalomaníaco que mora no andar de cima?
PADRE – Deus?
SENSITIVA – Ele está aqui! ( Edu olha e estranha, pois ela não pode vê-lo)
PADRE – Deus?
SENSITIVA – Não. O morto, está aqui, aqui na minha frente, disse que quer ser
enterrado logo, quer ter sossego, pediu um whisky.
EDU – Laura.
LAURA – Edu? (Sai procurando) Edu eu tô te perdendo.
EDU – Laura?
LAURA – Onde ele tá?
SENSITIVA – Sumiu! (Agente funerário aproxima-se de Laura)
MÃE – Filha eu não queria te deixar nervosa com essa história de caixão, mas alguém
tem que fazer a escolha.
LAURA – Eu não quero caixão.
AGENTE FUNERÁRIO – Não é pra senhora é pro defunto.
MÃE – Essas coisas dependem muito do gosto pessoal
AGENTE FUNERÁRIO – E eu trouxe todos os prospectos, são mais de vinte modelos de
14
urnas em cores e tamanhos diferenciados. O defunto é de tamanho normal?
MÃE – Maior que o senhor.
AGENTE FUNERÁRIO – Mais pra gordo ou mais pra magro?
MÃE – Brutamontes.
AGENTE FUNERÁRIO – Nesse caso recomendo modelo sexto avado com visor e sobre
tampo duplo, alças em varão dourado e acabamento interno todo em renda e
acabamento externo em verniz, polido na cor magno. E tem no modelo oval que é
lindo! Com adorno opcional de Bíblia ou de cruz. O defunto era católico?
LAURA – O senhor é casado?
AGENTE FUNERÁRIO – Como assim?
LAURA – Casado, com alguém, perguntei se o senhor é casado.
AGENTE FUNERÁRIO – Sim. Sou casado com a minha esposa, sim senhora.
LAURA – E como é que ela se chama?
AGENTE FUNERÁRIO – Rosimeire Cunha da Costa.
LAURA – Imagina o senhor , se eu começasse a chamar dona Rosimeire de defunta. Se
eu resolvesse colocar ela dentro de um caixão de acabamento não sei como e ficasse
perguntando se ela é gorda, magra ou católica.
MÃE – Minha filha eu compreendo que você esteja triste por ter perdido seu marido,
ainda que nunca tenha compreendido o que você viu nele. Mais de tristeza à loucura,
há uma diferença enorme.
LAURA – Eu compreendo que você esteja feliz, já que não esperava ter a sorte dele
morrer primeiro que você. Mas mandar enterrar ele isso não, eu não vou te dá esse
prazer. ( Edu volta)
EDU – Laura, Laura! (Gritando e as pessoas escutam)
SENSITIVA – Ele está aqui! Na minha frente. Calma meu filho, fique tranquilo, calma
você está em boas mãos. Calma, eu te expulso? Não, eu? O que? (Risos) Ele está
muito, muito excitado, calma não me pegue, calma meu filho. Não. Ah! Sumiu. ( Edu
sai. Pessoas saem atrás da sensitiva. Laura está no sofá, Edu na frente do palco e
Mariana aproxima-se)
EDU – Dona Mariana, ele tá esperando pela senhora.
MARIANA – Mas como está me reconhecendo, eu estou no corpo em que eu era
jovem?
EDU – Eu já vi tantas fotos da senhora quando jovem, nunca iria esquecer.
MARIANA – Mas como é que você pode me ver? Os vivos não podem me ver, só
quando eu resolvo aparecer pra eles. Como é que você... (Fala interrompida por Edu)
EDU – Eu não sou mais um deles.
MARIANA – Você morreu antes de se despedir dela?
EDU – Foi.
MARIANA – Ah! Droga! (Sai e encontra Laura) Eu vim pedir desculpas. Eu insisti tanto
pra você voltar pra ele e aí...
LAURA – Quem é você?
MARIANA – Não sou ninguém.
LAURA – A gente já não se viu antes?
MARIANA – (Cabisbaixa) Não.
15
LAURA – Por acaso você não é um anjo?
MARIANA – Como é que você sabe?
LAURA – Cê tem toda pinta de um anjo.
MARIANA – Imagina, eu ainda tô em período de experiência.
LAURA – Jura? Cê parece que tem anos de ofício.
MARIANA – Sério?
LAURA – Você podia me ajudar, cê também faz parte do outro mundo e eu tava
precisando dá uma passadinha por lá.
MARIANA – No mundo dos mortos?
LAURA – Por favor!
MARIANA – Não estou autorizada.
LAURA – A gerência não precisa saber.
MARIANA – Eu vou tentar te ajudar de outro jeito.
9ª CENA (Laura sai e entra coração de pedra)
CORAÇÃO DE PEDRA – Você está aqui?
MARIANA – Meu amor?
CORAÇÃO DE PEDRA – Meu amor?
MARIANA – Você está aqui?
CORAÇÃO DE PEDRA – Eu sei que você está aqui!
MARIANA – E u sei que você está aqui!
CORAÇÃO DE PEDRA – Meu amor... (Edu entra e encontra os dois)
MARIANA – Ele está aqui!
CORAÇÃO DE PEDRA – Ela está aqui!
MARIANA – Dentro deste quarto.
CORAÇÃO DE PEDRA – Dentro deste quarto.
MARIANA – Mas a gente não pode se ver nem se ouvir.
CORAÇÃO DE PEDRA – Mas a gente não pode se ver nem se ouvir.
MARIANA – Porque ele está em outro plano e não tem convênio com o meu.
CORAÇÃO DE PEDRA – Porque ela está em outro plano e não tem convênio com o
meu.
EDU – Eu não vejo mais a Laura.
MARIANA – Aí que droga, eu não devia ter deixado ela sozinha. Eu fiz tudo errado,
agora minha missão foi pro espaço. Como anjo sou um fracasso, por mais que eu tente
eu não consigo que vocês dois se encontrem. Você sabia que anjo incompetente vira
encosto? Meu Deus será que eu virei encosto? É um plano infeliz que não cobre quase
nada. É por isso que a gente não pode se ver nem se ouvir.
EDU – Então onde ela está?
CORAÇÃO DE PEDRA – Está aqui.
EDU – Eu estou falando de Laura.
CORAÇÃO DE PEDRA – E eu estou falando de Mariana.
EDU – Eu estou falando com ela.
MARIANA – Não, você não pode estar falando com ela, porque ela está no mundo dos
vivos.
16
EDU - Eu estou falando com ele.
CORAÇÃO DE PEDRA - Você está falando com ela?
MARIANA – Ele está aqui.
EDU – Eu estou falando com os dois. O meu plano tem convênio com o dele e com o
seu. E vocês... Estão frente a frente. (Viram-se e começam a falar)
MARIANA – Então.
CORAÇÃO DE PEDRA – Então.
MARIANA – Diga pra ele.
CORAÇÃO DE PEDRA – Diga pra ela.
MARIANA – Que mesmo que a gente nunca se encontre.
CORAÇÃO DE PEDRA – Que mesmo que a gente nunca se encontre.
MARIANA – Nosso amor vai existir eternamente.
CORAÇÃO DE PEDRA – Nosso amor vai existir eternamente.
MARIANA – Mesmo que eu vire poeira.
CORAÇÃO DE PEDRA – Mesmo que eu vire vento.
MARIANA – Mesmo que eu vire anjo com carteira assinada.
CORAÇÃO DE PEDRA – Mesmo que eu vire gente de novo.
EDU – Vocês não preferem dizer isso pessoalmente um pro outro, então somos todos
fantasmas mesmo. Vamos juntar nossos interesses, eu preciso encontrar com a Laura,
pra isso eu preciso e você que precisa encontrar com você que precisa cumprir sua
missão de me fazer encontrar com a Laura. E assim começamos o próximo episódio do
fantasma do coração de pedra por Dhonathan Shimit. Eu quero incorporar no morto,
eu preciso falar com a Laura em corpo presente.
MARIANA – É uma ótima ideia!
CORAÇÃO DE PEDRA – Me inclua fora dessa.
EDU – Ela achou uma ótima ideia.
CORAÇAO DE PEDRA – Então me reinclua.
EDU – Ele disse que concorda plenamente com a senhora.
MARIANA – Então vamos ser rápido, porque eles já vem com o caixão. E o padre
também.
EDU - Ela disse que é pra incorporar no padre.
MARIANA – Incorporar no padre?
CORAÇÃO DE PEDRA – Eu?
EDU – Pra você começar a reza e impedir que eles fechem o caixão. Pra eu incorporar
no meu defunto.
CORAÇÃO DE PEDRA – Porque eu faria isso por você?
EDU - Porque você faz o que eu inventar e eu inventei que o nome desse episódio é a
redenção do fantasma. Você vai praticar uma boa ação pela primeira vez na vida.
CORAÇÃO DE PEDRA – Mas eu preciso de uma motivação. Meu personagem não pode
se transformar em um fantasma bonzinho, assim a troco de nada. O que é que eu
ganho com isso?
EDU - A elevação do seu espírito.
CORAÇÃO DE PEDRA – Eu não quero ir pro terceiro mundo. (Rindo)
EDU – Você não vai pro terceiro mundo, você vai nascer de novo.
17
CORAÇÃO DE PEDRA – Eu não quero nascer de novo, eu quero encontrar o meu amor.
(Tom esperançoso)
EDU – Todo fantasma que reencarna tem direito a um último pedido.
MARIANA – Quem disse isso?
EDU – Eu acabei de inventar.
MARIANA – Vão entrar com o caixão.
CORAÇÃO DE PEDRA – Eu quero encontrar o meu amor.
EDU – Isso é uma ótima motivação pra uma virada.
CORAÇÃO DE PEDRA – Eu tenho medo de incorporar em padre.
EDU – Só tem coragem que tem medo primeiro.
CORAÇÃO DE PEDRA – Então tá bom. Vamos!
10ª CENA (Entra um grupo com o caixão)
PADRE – Receba senhor em sua infinita bondade essa alma pecadora.
LAURA – Quem disse ao senhor que essa é uma alma pecadora?
PADRE – Mas todos nós somos almas pecadoras minha filha, o Edu não seria uma
exceção.
LAURA – O senhor padre acha uma boa hora pra lembrar os pecados do Edu? Justo no
momento em que está pedindo a Deus que o receba bem? O senhor acha que ajuda
salientar o fato de que se trata de uma alma pecadora? E se todos somos pecadores,
porque não dizer somente alma? O senhor vende muito mal seus agenciados. (Coração
de pedra entra e senta)
CORAÇÃO DE PEDRA – Eu tenho tanto medo de incorporar em padre. Mas, é tudo pelo
meu amor. Eu vou!
PADRE – Eu acho melhor fechar o caixão, antes que... (Coração de pedra incorpora no
padre). Antes que... Eu mude de ideia. Mudei! Eu acho que eu quero dar mais uma
rezadinha antes de empacotar o presunto. E eu convoco toda a armada para rezar
comigo, toda alma penada, todo fantasma, todo espírito errante, escolha uma matéria
viva e se manifeste. (Rindo, aponta para a plateia. Música com coreografia. Todos
ficam parados, Mariana e Coração de pedra se encontram, aproximam-se ao recitar de
um poema. Fecha-se a tampa do caixão)
EDU – (Abre a tampa do caixão). Vocês querem me matar sufocado? Hein? (Pausa
seguida de gritos e correria. Todos saem)
LAURA – Porque você tem que ir embora?
EDU – Porque eu morri. Esqueceu?
LAURA – Você não tem cara de morto.
EDU – Você sabe que esse momento não pode durar, na verdade eu tô cometendo
uma infração.
LAURA – Tem tanta gente que vive a vida inteira na clandestinidade, a gerência não
precisa saber que você ficou por aqui.
EDU – Eu queria ver você sorrindo mais uma vez.
LAURA – Como é que eu posso sorrir sabendo que você pode ir embora a qualquer
momento.
EDU- Por favor! Queria ver essa boca de céu sorrir mais uma vez.
18
LAURA – Só se você contar sua história secreta.
EDU – Eu não tenho cara de quem tem uma história secreta, e não tenho outra cara.
(Os dois riem e beijam-se)
EDU – Tchau!
LAURA – Só mais um pouquinho.
EDU – Eu tô morto.
LAURA – Não parece.
EDU – Será que a gente pode?
LAURA – Pode!
EDU – Se é pra pecar, vamos pecar direito. (Começam as carícias e beijos. As luzes se
apagam logo depois)
EDU – Eu morri repentinamente e se eu não tivesse morrido repentinamente não teria
feito tanta confusão no mundo dos mortos, só pra passar mais uma noite com Laura
no mundo dos vivos. E aí o Coração de Pedra não teria nascido e não se chamaria
Isabela minha filha. E talvez a gerência não tivesse aprovado o bom desempenho de
Dona Mariana durante seu período de experiência, e ela hoje não seria o anjo da
guarda de Isabela com carteira assinada e tudo, como ela tanto queria.
FIM

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Fica comigo esta noite

  • 1. 1 Fica comigo esta noite Personagens EDU – Jeferson de Jesus LAURA – Aline Silva CORAÇÃO DE PEDRA – Abenildo Carvalho MARIANA – Thays Lie PADRE – Jônatas Rodrigues SENSITIVA – Tamires Silva TOMÁZ – Ângelo Santos MÃE – Dalila AGENTE – Alexandre Narração: EDU – Eu morri repentinamente e quem já morreu repentinamente sabe do que eu estou falando. Pode compreender melhor o meu drama. O que eu teria feito da última noite da minha vida se eu soubesse que ela seria a última? Não sei. Mas suponho que não ficaria sentado tranquilamente lendo gibis. Possivelmente teria passado a última noite da minha vida brincando de me lembrar do dia em que Laura apareceu pra mim pela primeira vez. (Edu vê Laura e se aproxima) EDU – Você também é fã do Dhonatham Shimit? LAURA – Ah! Muito. EDU – O fantasma do coração de pedra eu acho a obra prima dele. LAURA – Ah, pois é, sem dúvida. EDU – Qual é o seu episódio favorito? Da trilogia? LAURA – O terceiro. EDU - É o melhor! E essa edição é a original 68 (risos). Na sua opinião, qual é o segredo do fantasma do coração de pedra? E como é que ele faz para se transportar pro mundo dos vivos? LAURA – Bom, eu acho que ele se transporta para o mundo dos vivos quando alguém que ele amou de repente chora por ele. EDU – O fantasma do coração de pedra nunca amou ninguém, nem nunca se deixou ser amado. LAURA - Olha eu não tenho ideia do quê que esse coração de ferro faz... EDU – (interrompendo) de pedra. LAURA – É pois é. Olha eu nem sei o que eu to fazendo com essa revista na mão, eu nunca li nada sobre esse Dhonatham Shimit, eu não conheço esse senhor não sei do quê que se trata. EDU – Na verdade ninguém sabe, até porque ele não existe (risos) fui eu que inventei o
  • 2. 2 Dhonatham Shimit. Sou eu quem escreve e desenha os gibis. Eu também imprimo, envelheço, distribuo e divulgo (risos). Ta difícil viver só de música hoje em dia, quem sabe você não aparece lá uma terça – feira dessas (entrega um folheto). LAURA – Tudo é possível, não é?! 2ª CENA (show de Edu. Laura chega e o vê cantar. O show termina e Laura se aproxima) EDU – Eu estava rezando pra você vir. LAURA – Eu não falei pra você que tudo é possível? EDU – Faz sentido. Mas me fala de você. LAURA – Ah não, eu vim pra te conhecer. Sei lá... me fala sobre as janelas do seu quarto. EDU – Ah, eu morria de medo da janela do meu quarto. Eu morria de medo do meu quarto, aliás, eu morria de medo da casa inteira. Eu sempre achei que ali morava um fantasma. LAURA – E ai? EDU – Eu era muito pequeno quando minha mãe morreu, meu pai vivia viajando pra cima e pra baixo, vida de músico. Daí que eu ficava sozinho morrendo de medo de tudo. Mas eu tenho uma vizinha que sempre cuidou de mim, a dona Mariana. Ela sempre ficava na janela da casa dela tocando pra eu dormir. LAURA – Coitadinho (risos). EDU – E a janela do seu quarto? LAURA – Ah, são quadradas, de vidro, tem uma cortina meio florida assim na frente. EDU – É só isso que você tem pra me falar da sua vida? LAURA – Adoro Tabacaria! EDU – Ah, você fuma? LAURA – Não. Adoro Tabacaria, o poema de Fernando Pessoa. EDU – Claro! LAURA – Não sou nada, nunca serei nada... EDU – (interrompe e falam juntos) jamais poderei querer ser nada, a partir disso tenho em mim todos os sonhos do mundo. LAURA – E depois vem , as janelas do meu quarto... EDU – Eu? Na verdade só decorei a primeira parte para impressionar você, a primeira vez que eu te vi na livraria você estava com um livro, você saiu e eu peguei o livro nem sabia quem era tal pessoa, eu só peguei abri uma página lá e copiei o verso (risos) mas eu sei um monte de poema decorado. Vale letra de música? LAURA – Jura? Eu adoro aquela música. EDU - Que música? LAURA – Fica comigo esta noite. EDU – Fico! E fica combinado que a partir de agora, que essa é a música da gente. LAURA – (risos) como você é rápido! EDU – O melhor de ter encontrado você é que eu nunca mais vou ter medo da noite. LAURA – Hum... eu não sou exatamente um guarda noturno. EDU – Eu não ia escolher exatamente um guarda noturno pra ficar o resto das minhas
  • 3. 3 noites comigo. LAURA – Tem um detalhe sobre o resto das minhas noites. A princípio elas estão meio comprometidas. EDU – Ah, você arranjou um emprego de guarda noturno? LAURA – Não. Eu vou me casar! É semana que vem, eu fugi pra ouvir você cantar. Ah meu Deus! (Edu encosta em Laura e a beija enquanto o noivo se aproxima). TOMÁZ – Vamos pra casa. LAURA – Tchau! EDU – Não! TOMÁZ – Acabou a despedida de solteiro. LAURA – Desculpa! EDU - Não vai embora. LAURA – Eu adorei a música. EDU – Por favor! TOMÁZ – Tá na hora. EDU – Não! TOMÁZ – Eu não tô falando com você. EDU – Meu nome é Eduardo. TOMÁZ – Não quero saber. EDU - E o seu? TOMÁZ – Não me interessa. EDU – Eu não tô falando com você. Eu tô falando com ela. E o seu? TOMÁZ – Você beijou uma pessoa que você nem sabia o nome? EDU – Eu quero dizer que eu te amo, só pra você saber. TOMÁZ – Você não é pra ela e ela não é pra você. EDU – Vem cá, você é responsável pela distribuição dos casais do hemisfério sul? TOMÁZ – A gente vai casar. EDU – Casar? Eu também caso se o problema for esse. TOMÁZ – Vai casar com alguém que você não sabe nem o nome? EDU – E você vai casar com alguém que beijou um cara que não sabe nem o nome? TOMÁZ – Vou! LAURA – Vambora! TOMÁZ – Você é o carinha, só esse carinha que ela beijou sem saber nem o nome e vai ser só isso cada vez mais. LAURA – Bora! TOMÁZ – Me solta! E é comigo que ela vai ficar essa noite. Essa e as próximas até a gente não querer mais. Sacô? LAURA – É, mais eu vou embora sozinha. EDU – Ei, pera aí! Fica comigo? TOMÁZ – Aí, deixa ela em paz cara (empurra Edu. Edu cai no chão e finge que desmaiou) mas eu não... (sem entender). LAURA – Ele desmaiou. TOMÁZ – Vambora! LAURA – Não. Mas ele morreu? A gente não pode deixar ele aqui!
  • 4. 4 TOMÁZ – Vamos! A gente pode, a gente deve e a gente vai! LAURA - Não. Não. Vai você! TOMÁZ – Vamos não há nada que a gente possa fazer mulher. Vamos! LAURA – Vai você! TOMÁZ – Eu vou, hein? EDU – (toca a sirene e Edu fala com Laura) disfarça! (beija Laura). 3ª CENA (Laura entra vestida de noiva com sua mãe ao lado) MÃE – Minha filha, você enlouqueceu que nem seu pai que morreu louco. LAURA – Mãe, você vai repetir isso até eu ser obrigada a dizer que foi você que enlouqueceu o meu pai? MÃE – Se você disser isso, eu vou ter um ataque. LAURA – Se você não parar de ter ataques, eu vou ter que dizer. MÃE – Enlouqueceu que nem o pai que morreu louco. PADRE – (marcha nupcial). Estamos aqui hoje para celebrar o casamento de Eduardo e Laura. Vamos para os votos. EDU – Eu, Eduardo Pedroso de Albuquerque, prometo ser fiel... (olha para o padre) PADRE – Na alegria e na tristeza... EDU – Na alegria e na tristeza... PADRE – Na saúde e na doença... EDU – Na saúde e na doença... PADRE – Amando-te e respeitando-te... EDU – Amando-te e respeitando-te... PADRE – Até que a morte nos separe. EDU – O senhor há de convir, que não é nada agradável lembrar que a morte inevitavelmente vai nos separar. E essa não é uma boa ocasião para lembrar a gente desse detalhe. PADRE – Sinto lhe informar que o seu papel aqui se limita a repetir o que eu digo, sem direito a filosofia. Na sua cabeça o senhor só está autorizado a dizer sim ou não, isto quando for solicitado. Podemos prosseguir? EDU – Será que não dava para eliminar, só até que a noite nos separe? PADRE – Se o senhor acha que até que a morte nos separe é muito, é porque não está plenamente convicto da sua decisão. O senhor deveria ter pensando melhor antes de colocar essa roupa patética e obrigado a moça se vestir toda de noiva. Eu botar essa batina quente e permitir que isso viesse até aqui com essa decoração ridícula. EDU – Eu estou tão convicto, que eu sugiro trocar o até que a morte nos separe por para sempre. O que é que o senhor acha? PADRE – Quem acha aqui meu filho é Deus. EDU – Mas eu acho extremamente desnecessário lembrar desse maldito dia em que um de nós vai morrer, só pra ficar pensando: será que eu vou morrer primeiro meu Deus? Tomara que não seja ela, tomara que eu morra logo, tomara que eu morra logo. PADRE – O seu tempo acabou! EDU – Sim! LAURA – Eu, Laura Pires de Melo, prometo ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e
  • 5. 5 na doença, amando-te e respeitando-te (pausa). PADRE- Até que a morte nos separe. LAURA – Eu preciso checar uma coisinha com ele, afinal sua benção é tão abrangente que eu preciso especificar melhor as condições. PADRE – Isso aqui é um casamento ou um concílio do vaticano? LAURA – Você promete que vai continuar me fazendo sorrir, mesmo depois que a morte nos separe? (Edu cai e finge de morto. Laura o levanta e o beija. Saem de cena). 3ª CENA (Edu está no sofá fingindo-se de morto e Laura reclama) LAURA – Levanta daí Edu! Cê vai passar a vida inteira se fingindo de morto? A gente tava no meio de uma briga. EDU – Então vamos parar de brigar, vamos fazer as pazes. LAURA – Pazes? EDU – Eu vou viajar amanhã, vou passar dez dias fora, a gente não pode se despedir assim. LAURA – Você é engraçado! A gente briga porque você vai viajar e vai passar dez dias fora e tem que fazer as pazes porque você vai viajar e passar dez dias fora. EDU – Porque cê não vem comigo? LAURA – Ficar no hotel enquanto você dá entrevista, passa o som e depois ter que ficar no camarim lotado, até que o último fã pipoca e o último flash dessas malditas câmeras digitais tiram foto sem limite. EDU – Não fui eu que inventei essas câmeras. Você fala como se a culpa fosse minha. LAURA – Eu não falei nada. EDU – Você não fala nada com se a culpa fosse minha. LAURA – Boa viagem Edu! EDU – Você fala boa viagem Edu, como se a culpa fosse minha (Edu fica irritado). LAURA – Vamos fazer as pazes, você vai viajar amanhã vai passar dez dias fora e a gente não pode se despedir assim. (beijam-se. Blackout. Laura senta-se no sofá). Narração: EDU – Possivelmente teria sonhado com a nossa despedida, detalhe por detalhe, se eu soubesse que aqueles eram os meus últimos momentos de vida. Pena que as pessoas não sejam avisadas dos seus daqui a pouco com antecedência para poder aproveitar melhor os seus agora. Desavisado que eu era, só parei no portão e olhei para a janela de Dona Mariana como eu fazia quando era criança e rezei para que ela cuidasse de mim onde quer que ela estivesse. (Edu entra e encontra Laura sentada no sofá lendo um livro). EDU – Oi! Não sei se deu pra você perceber mas chegou uma pessoa. (Laura o ignora) portas não se abrem e pessoas que não são pessoas geralmente não entram em casa e dizem oi! (Risos) e como eu entrei em casa e disse oi, provavelmente eu sou uma pessoa (risos) e pessoas costumam dizer oi umas ás outras (com seriedade) cê não vai dizer nada? LAURA – A respeito de quê?
  • 6. 6 EDU- Uê? A respeito de eu ter chegado, por exemplo, oi meu amor você chegou! LAURA – (Ironicamente) oi meu amor você chegou, e eu nem esperava. EDU – Ah, mais eu não disse que chegava hoje? LAURA – Ontem você disse que ia chegar ontem e eu esperei, e traz anteontem você disse que chegava anteontem e eu também esperei. Eu passo a vida toda esperando por você Edu. Agora veja só que coincidência incrível, logo hoje quando eu decidi não esperar por você, você chegou. EDU – Tudo bem. Eu prometi e não cheguei, você tá irritada eu compreendo. LAURA – Compreender é esquecer de amar! EDU – Hãn? LAURA - Fernando Pessoa(...) Quando a gente gosta é claro que a gente cuida. EDU – Fernando Pessoa. LAURA – Peninha! EDU – (Edu encosta em Laura e tenta beijá-la). Você tá escondendo alguma coisa de mim? LAURA – Tô! EDU – O quê? LAURA – Se eu tô escondendo é porque eu não quero dizer. EDU – Faz sentido. LAURA – Faz! EDU – Eu também tô escondendo uma coisa de você(...) Eu tenho uma história secreta. LAURA – (Rindo). Você não tem cara de quem tem uma história secreta. EDU – Quem tem uma história secreta, costuma ter duas caras. LAURA – Faz sentido. EDU – Faz. E eu não digo mais nada enquanto você não me contar o que você está escondendo de mim. LAURA – Eu quebrei a sua guitarra de estimação, de propósito. As quatro da manhã estraçalhei a coitada! EDU – Era isso que cê estava escondendo de mim? LAURA – Era. EDU – Mentira! (risos). LAURA – Tá vendo! Eu não queria contar porque eu sabia que cê ia ficar assim. EDU – Cê não ia fazer esse mistério todo por causa de uma guitarra aposentada. LAURA – Porque eu ia inventar essa história? EDU – Pra me obrigar a contar a minha. LAURA – Então vai, procura pela casa inteira pra ver se você acha. Agora é a sua vez de contar a sua história. EDU – Não vou contar. Eu achei que você estivesse me escondendo um outro tipo de história. LAURA – Que tipo de história você tá me escondendo? É sério? Você tem mesmo uma história secreta? EDU – Hein? Não! LAURA – Uma mulher? Filhos? Uma vida paralela? EDU – Calma! Eu estava blefando. Não existe história nenhuma.
  • 7. 7 LAURA – Ah não! EDU – Eu inventei que tinha uma história secreta pra você me contar a sua. LAURA – Cê tá mentindo! EDU – Eu estava mentindo. LAURA – Eu acho melhor você me contar agora. EDU - Eu não posso inventar uma história falsa só pra você acreditar que eu não estou mentindo. LAURA – E porque não? Cê faz isso tão bem! Cê podia inventar qualquer história e eu acabava acreditando como sempre e a gente ficava de bem. Mas não você bateu o pé que não ia contar, aí você se entregou. EDU – Eu não bati o pé! LAURA – Em sentido figurado (irritada). EDU – Eu não sou uma pessoa que bate o pé. Nem em sentido figurado eu bato o pé. LAURA – Vai me contar ou cê não vai? EDU - O quê? (risos). LAURA – (Dá uma pausa). Eu vou sair. EDU – Pra onde? LAURA – Não sei. EDU – Sozinha? LAURA – Com alguém. Era isso que eu estava escondendo de você. Eu inventei a história da guitarra. EDU – Mentira! LAURA – Agora você já sabe. EDU – Eu não acredito em você. LAURA – Paciência! EDU – A que horas você volta? LAURA – Amanhã. EDU – O quê? LAURA – Ou depois de amanhã. EDU – A gente precisa conversar. LAURA – A gente já tá conversando. EDU – A gente precisa decidir, você não vai. LAURA – Já tá decidido e não tem mais volta. EDU – Do que você está falando? Eu não tenho história secreta nenhuma pra contar. Fora isso eu faço o que você quiser pra você não ir embora. Eu faço as pazes com a sua mãe(..) Eu faço uma canção nova pra você(...) Eu imploro(...) Eu grito(...) Eu mato(...) Eu morro! Vale morrer? Eu morro! Aí! (Edu cai no sofá e Laura fica irritada) LAURA – Eu odeio quando você faz isso. (Vai se arrumar. Edu levanta e sai atrás dela). EDU – Desculpa, eu não faço mas isso, foi a última vez, eu sei que já perdeu a graça faz tempo, cê não tem ninguém, né? Cê só queria que eu me tocasse do quanto é chato ficar esperando pela outra pessoa. Não foi isso? Então a partir de hoje eu não viajo mais. Eu vou dar aula de violão e guitarra pra criança, que cê acha? Eu também posso tocar com a banda por aqui. É claro que quando eu chegar na banda e falar, olha gente é o seguinte eu toco mais não viajo, é melhor eu dizer logo, valeu galera podem
  • 8. 8 procurar outro. Não, mais eu vou dizer. Valeu galera podem procurar outro que eu vou viver pro meu amor, vou dar aula de violão e guitarra e viver só pra você. Eu só não vou deixar você fazer nenhuma besteira, e você só vai sair daqui se passar por cima do meu cadáver! (Laura está se arrumando, termina e sai. Edu vai atrás de Laura e é puxado por Coração de Pedra). CORAÇÃO – Você quer que todos descubram que nessa casa moram fantasma, hein? Você quer ver essa casa cheia de padre, pai de santo, benzedeira e esotérico fazendo descarrego? Quer? Você não sabe como dói um descarrego. (Agarrando Edu pela camisa). EDU – Você não é o Fantasma do Coração de Pedra? É? (Surpreso). CORAÇÃO – Búúú... (riso histérico) EDU – Esse aqui é o outro mundo? CORAÇÃO – Não. O outro mundo é o outro, aqui é só o mundo dos mortos. EDU – O mundo dos mortos não seria exatamente como eu imaginava que fosse. CORAÇÃO – E porque não? EDU – Era coincidência demais. CORAÇÃO – Coincidência nenhuma, quem sabe o mundo dos mortos não seria exatamente como cada um imaginou que fosse. EDU – Eu não morri, eu estava fingindo que eu morri. E enquanto eu fingia eu peguei no sono e comecei a sonhar que estava morto, mas eu não estou. Eu estava fingindo meu Deus! Isso é um pesadelo e vai chegar a hora em que eu vou levar um susto. Eu levo um susto faço hãm! E acordo. ( Enquanto isso Coração de Pedra pega uma faca e corta a garganta de Edu). CORAÇÃO – Você está morto, o mundo dos vivos é dos que ficaram lá. EDU – Pera aí, me explica direito! (Saem do palco e entram Laura e Mariana). 4ª CENA (Mariana vê Laura e choca-se com ela de propósito) LAURA – Cê tá doida? MARIANA – Cê tá doida? LAURA – Uma pessoa normal não entra na frente dos outros. MARIANA – Uma pessoa normal não anda insanamente pelas cidades. LAURA – Quem disse pra você que eu sou uma pessoa normal? MARIANA – E quem disse pra você que eu sou? LAURA – Cê tá bem? MARIANA – Tô ótima! LAURA – Cê tem certeza? MARIANA – Absoluta! LAURA – Então tchau! MARIANA – Pra onde você vai? LAURA – Pra lugar nenhum. MARIANA – Eu também. Posso ir com você? LAURA – Não. MARIANA – Eu não tenho pra onde ir. Eu não tenho mais casa, eu não tenho mais nada, agora eu só tenho você. Foram eles que botaram você no meu caminho.
  • 9. 9 LAURA – Quem? MARIANA – Eles lá do céu! LAURA – Eles erraram, eu não sou seu anjo da guarda. MARIANA – (Rindo). É claro que não é, o anjo da guarda aqui sou eu! LAURA – Então você já cumpriu sua missão, muito obrigada! Agora eu tenho que ir. Sabe o que é que é? Eu não tô num bom dia. MARIANA – Você vai deixar uma pobre garota abandonada sozinha aqui na escuridão da noite? LAURA – É a vida. MARIANA – Droga! (Mariana faz o tempo voltar atrás e Laura entra novamente. As duas voltam a se esbarrar). LAURA – Você quer morrer? MARIANA – Você quer morrer? LAURA – Uma pessoa normal não entra assim na frente dos outros. MARIANA – Uma pessoa normal não anda insanamente pela cidade. LAURA – E quem disse pra você que eu sou uma pessoa normal? MARIANA – E quem disse pra você que eu sou? LAURA – (Sente-se estranha) Engraçado, eu tive a sensação de já ter vivido esse momento antes. MARIANA – São os anjos que fazem repetir os acontecimentos para poder terem outra chance de conseguir o que querem. LAURA – Você tá bem? MARIANA – Como é que uma pessoa que caiu pode estar bem? LAURA – Mas eu não me esbarrei em você. MARIANA – Esbarrou sim e eu caí. LAURA – Mas você não se machucou, né? MARIANA – (Fingindo-se). Me machuquei sim, aí! LAURA – Eu vou te levar pro hospital. MARIANA – Para o hospital eu não vou! Você não tem gases, esparadrapo, tesoura e mertiolate na sua casa? LAURA – Pra minha casa quem não vai sou eu! (Laura sai e Mariana se irrita). MARIANA – Pô dois a zero! (Saem de cena). 5ª CENA (Edu e Coração de Pedra entram) EDU – Eu não podia morrer agora. CORAÇÃO DE PEDRA – Todos dizem isso. EDU – Eu tenho muita coisa pra fazer no mundo dos vivos. A Laura tá lá solta meu Deus, com não sei quem fazendo sei lá o quê. Cê não entende? Eu não posso ficar aqui. CORAÇÃO DE PEDRA – Você agora vai pro terceiro mundo. EDU – Que terceiro mundo? CORAÇÃO DE PEDRA – O lugar pra onde todo espírito deve ir, se não quiser virar uma alma penada e ficar aqui nesse mundo do meio sentindo todos os desejos que gente sente, porém, impedido de realiza-los. EDU – O terceiro mundo não deve ser muito melhor do que isso.
  • 10. 10 CORAÇÃO DE PEDRA – Deve ser um lugar muito agradável, visto que quem foi pra lá nunca mais voltou. EDU – Pode ser o inferno. CORAÇÃO DE PEDRA – Pode ser o paraíso. EDU – Se fosse o paraíso provavelmente não se chamaria terceiro mundo. CORAÇÃO DE PEDRA – Eu imagino que esse nome seja um disfarce, é... pra não superlotar, pra evitar farofeiro. EDU – Então porque você não vai pra lá? CORAÇÃO DE PEDRA – E quem vai tomar conta da minha casa? (Tom dramático). Eu não consigo me afastar do que é meu por direito, você sabe eu simplesmente não consigo! (Risos). Não foi assim que você me imaginou? EDU – O fantasma que eu imaginei não teria a bondade de me apontar o caminho do paraíso. Qual é sua real intenção? CORAÇÃO DE PEDRA – Livrar-me de você. EDU – Infelizmente você vai ter que me aturar, ou então me contar como é que faz para visitar o mundo dos vivos. CORAÇÃO DE PEDRA – Mas esse é o meu segredo, eu não conto pra ninguém, eu sou avarento, eu quero tudo, tudo pra mim... Isso está escrito, desenhado, envelhecido e devidamente encalhado. Foi você que inventou tudo isso. EDU – Então eu posso mudar tudo isso. Transformar você em um poço de generosidade e você vai me contar seu segredo (risos). CORAÇÃO DE PEDRA – (rindo exaltadamente). Você não inventa mais nada. Acabou! Quem manda aqui sou eu. Ainda mais agora que Deus está morto (sai de cena). EDU – (encontra a guitarra). Se Laura tava dizendo a verdade quando disse que tava mentindo, quando disse que tinha quebrado a guitarra, então ela tava dizendo a verdade quando disse que tinha alguém. (Edu sai de cena). 6ª CENA (Laura e Mariana se encontram novamente) LAURA – Cê quer morrer? MARIANA – Não. Eu já morri muito obrigada! LAURA – Eu vou levar você pro hospital. MARIANA – Não, eu não preciso de hospital, eu já tô devidamente morta. Parece que você já viveu esse momento outra vez, não é? É o que os anjos chamam de nova chance e os franceses de Dejaví. LAURA – Quem é você? MARIANA – Eu não voou dizer. LAURA – Porque? MARIANA – Você não vai acreditar em mim. LAURA – É claro que vou. MARIANA – Ninguém acreditaria. LAURA – Mas eu vou acreditar. MARIANA – Nem eu acreditaria se eu chegasse pra mim e dissesse, olha eu morri e virei anjo da guarda, quer dizer eu ainda tô em período de experiência. LAURA – Eu não acredito!
  • 11. 11 MARIANA – E quando eu recebi minha primeira missão eu pensei, essa eu vou ganhar. A parte mais difícil era fazer você parar de bancar a vítima. Ai pobre de mim que achava que o nosso amor era perfeito, apresentando meus argumentos a gente nem precisa ir tão fundo no assunto, se você voltar pra casa e ficar só essa noite com ele, pra mim já tá de bom tamanho. LAURA – Quais são os seus argumentos? MARIANA – Não existem amores perfeitos, existem amantes acomodados. Isso é de um poeta que morreu jovem de amor e fumaça. LAURA – Você também gosta de poesia? MARIANA – Anhãn! LAURA – Quantos anos você tem? MARIANA – 90. (Laura não acredita e sai de cena). Ei volta aqui! (Sai também). 7ª CENA EDU – Eu ia parar de viajar, eu ia dar aulas de violão e guitarra para crianças. Eu ia viver só pra ela, nosso amor ia ser perfeito. CORAÇÃO DE PEDRA – Não existem amores perfeitos, existem amantes acomodados. EDU – Quem é você pra falar de amor? Justo você Coração de Pedra, que nunca amou ninguém nem nunca se deixou ser amado. CORAÇÃO DE PEDRA – Isso foi o que eu soprei em seu pensamento enquanto você inventava a minha história. O que você sabe sobre mim é só o que eu deixei transparecer, mas o que se passa realmente na pedra desse meu coração só eu sei. (Olha em direção a janela de Dona Mariana). Você não sabe a dor, o que é a dor de um amor nunca realizado. Eu não me importaria de ter perdido a vida se isso não significasse ter perdido também o meu amor. Por que ela não tem aparecido na janela? EDU – Dona Mariana? CORAÇÃO DE PEDRA – Será que ela esqueceu de mim? EDU – Você é o tal cavalheiro por quem ela passou a vida apaixonada? O tal poeta que morreu jovem de amor e fumaça? CORAÇÃO DE PEDRA – Como é que você sabe? EDU – Era só no que ela falava. CORAÇÃO DE PEDRA – (Surpreso e contente). Falava? EDU – Eu não tenho boas notícias. CORAÇÃO DE PEDRA – Ela foi embora pra longe? EDU – Ela morreu. CORAÇÃO DE PEDRA – (Rindo). Morreu? EDU – (Triste). Faz uma semana, eu tava viajando. CORAÇÃO DE PEDRA – Cê tem certeza? Então ela está aqui. EDU – Onde? CORAÇÃO DE PEDRA – No mundo dos mortos. Finalmente! (Dançando e cantando). A gente vai se abraçar, vai se encontrar, vai se beijar e vai se amar pela primeira vez. EDU – E se ela foi pro terceiro mundo? CORAÇÃO DE PEDRA – Ela não iria sem se despedir de mim.
  • 12. 12 EDU – Então você entende como eu me sinto. CORAÇÃO DE PEDRA – Perfeitamente! EDU – Então você vai me contar como faz para ir pro mundo dos vivos. CORAÇAO DE PEDRA – Não. EDU – Mas eu te dei uma ótima notícia. CORAÇÃO DE PEDRA – Eu não posso contar o meu segredo, é só meu. Escolha um pra você. EDU – Como? CORAÇÃO DE PEDRA – A primeira coisa que lhe vier a cabeça.. EDU – 3 palminhas. Não funcionou! CORAÇÃO DE PEDRA – É claro, você não pode contar pra ninguém. É só seu. EDU – Então vira pra lá! (Blackout). 8ª CENA (Laura encontra o ex noivo) TOMÁZ – Oi, você tá bem? Não gostei do seu tom de voz no telefone. LAURA – Ah! Eu briguei com o Edu. Ele não leva nada a sério, aí eu disse que tinha alguém. TOMÁZ – Você disse alguém? LAURA – Disse. TOMÁZ – E porque você disse que era alguém. Porque você não disse que era eu? LAURA - Porque não era você, não era ninguém eu inventei essa história pra ver se ele tinha alguma reação. TOMÁZ – Eu sei. Mas se era mentira mesmo, porquê que você não mentiu também que era eu? LAURA – Pra quê? TOMÁZ – Não sei. Acho que eu ia gostar de ser usado por você. LAURA – Eu não disse que era você pra não correr o risco de inventar uma mentira que podia muito bem ser verdade. (Laura pega na mão de Tomáz) TOMÁZ – Cê tá me usando? LAURA – Acho que sim. TOMÁZ – Eu deixo. (Beijo. Mariana entra e olha-os) LAURA – Essa música, porque foi tocar logo essa música? TOMÁZ – Que música? Não tem música nenhuma. LAURA – Justo essa música. Eu não quero usar você. TOMÁZ – Que pena. LAURA – Desculpa. (Sai de cena. Volta pra casa e encontra a Mãe e o Padre conversando) MÃE – Ô padre é tão ruim isso. PADRE – Ela vai ter que superar minha filha. AGENTE FUNERÁRIO – Nós já retiramos o corpo do quarto. (Laura chega) LAURA – O que está acontecendo aqui? Quem são essas pessoas? O que o padre está fazendo aqui? MÃE – Minha filha você tem que ser forte. LAURA – Porque? Cadê o Edu?
  • 13. 13 PADRE – Ele se foi minha filha. LAURA – Pra onde? MÃE – Ele morreu! LAURA – Mentira a senhora tá falando isso porque nunca gostou dele. MÃE – Você tem que aceitar. LAURA – Mentira, sai daqui. (Se ajoelha e chora, de repente Edu fala) EDU – Laura? LAURA – Edu? Dú? EDU – Pode falar eu escuto você. Você me escuta? LAURA – Escuto de dentro do meu coração. O que a gente pode dizer numa situação dessas? EDU – Laura você escuta um eco quando eu falo? LAURA – Não. Você escuta? EDU – Escuto e as vezes você some, deve ser alguma interferência. PADRE – Minha filha se acalme. LAURA – Eu tô calma padre. PADRE – Ele está muito melhor do que a gente, ele está ao lado do senhor. LAURA – Edu o padre está dizendo que você está ao lado do senhor. Você tá ao lado do senhor? EDU – Que senhor? LAURA – Que senhor? PADRE – O senhor Deus. LAURA – Ele tá dizendo que você está ao lado do senhor Deus. EDU – Como é que ele é? LAURA – Como é que ele é? Fisicamente? PADRE – Deus? EDU – Por acaso ele não é um tísico megalomaníaco que mora no andar de cima? LAURA – Por acaso ele não é um tísico megalomaníaco que mora no andar de cima? PADRE – Deus? SENSITIVA – Ele está aqui! ( Edu olha e estranha, pois ela não pode vê-lo) PADRE – Deus? SENSITIVA – Não. O morto, está aqui, aqui na minha frente, disse que quer ser enterrado logo, quer ter sossego, pediu um whisky. EDU – Laura. LAURA – Edu? (Sai procurando) Edu eu tô te perdendo. EDU – Laura? LAURA – Onde ele tá? SENSITIVA – Sumiu! (Agente funerário aproxima-se de Laura) MÃE – Filha eu não queria te deixar nervosa com essa história de caixão, mas alguém tem que fazer a escolha. LAURA – Eu não quero caixão. AGENTE FUNERÁRIO – Não é pra senhora é pro defunto. MÃE – Essas coisas dependem muito do gosto pessoal AGENTE FUNERÁRIO – E eu trouxe todos os prospectos, são mais de vinte modelos de
  • 14. 14 urnas em cores e tamanhos diferenciados. O defunto é de tamanho normal? MÃE – Maior que o senhor. AGENTE FUNERÁRIO – Mais pra gordo ou mais pra magro? MÃE – Brutamontes. AGENTE FUNERÁRIO – Nesse caso recomendo modelo sexto avado com visor e sobre tampo duplo, alças em varão dourado e acabamento interno todo em renda e acabamento externo em verniz, polido na cor magno. E tem no modelo oval que é lindo! Com adorno opcional de Bíblia ou de cruz. O defunto era católico? LAURA – O senhor é casado? AGENTE FUNERÁRIO – Como assim? LAURA – Casado, com alguém, perguntei se o senhor é casado. AGENTE FUNERÁRIO – Sim. Sou casado com a minha esposa, sim senhora. LAURA – E como é que ela se chama? AGENTE FUNERÁRIO – Rosimeire Cunha da Costa. LAURA – Imagina o senhor , se eu começasse a chamar dona Rosimeire de defunta. Se eu resolvesse colocar ela dentro de um caixão de acabamento não sei como e ficasse perguntando se ela é gorda, magra ou católica. MÃE – Minha filha eu compreendo que você esteja triste por ter perdido seu marido, ainda que nunca tenha compreendido o que você viu nele. Mais de tristeza à loucura, há uma diferença enorme. LAURA – Eu compreendo que você esteja feliz, já que não esperava ter a sorte dele morrer primeiro que você. Mas mandar enterrar ele isso não, eu não vou te dá esse prazer. ( Edu volta) EDU – Laura, Laura! (Gritando e as pessoas escutam) SENSITIVA – Ele está aqui! Na minha frente. Calma meu filho, fique tranquilo, calma você está em boas mãos. Calma, eu te expulso? Não, eu? O que? (Risos) Ele está muito, muito excitado, calma não me pegue, calma meu filho. Não. Ah! Sumiu. ( Edu sai. Pessoas saem atrás da sensitiva. Laura está no sofá, Edu na frente do palco e Mariana aproxima-se) EDU – Dona Mariana, ele tá esperando pela senhora. MARIANA – Mas como está me reconhecendo, eu estou no corpo em que eu era jovem? EDU – Eu já vi tantas fotos da senhora quando jovem, nunca iria esquecer. MARIANA – Mas como é que você pode me ver? Os vivos não podem me ver, só quando eu resolvo aparecer pra eles. Como é que você... (Fala interrompida por Edu) EDU – Eu não sou mais um deles. MARIANA – Você morreu antes de se despedir dela? EDU – Foi. MARIANA – Ah! Droga! (Sai e encontra Laura) Eu vim pedir desculpas. Eu insisti tanto pra você voltar pra ele e aí... LAURA – Quem é você? MARIANA – Não sou ninguém. LAURA – A gente já não se viu antes? MARIANA – (Cabisbaixa) Não.
  • 15. 15 LAURA – Por acaso você não é um anjo? MARIANA – Como é que você sabe? LAURA – Cê tem toda pinta de um anjo. MARIANA – Imagina, eu ainda tô em período de experiência. LAURA – Jura? Cê parece que tem anos de ofício. MARIANA – Sério? LAURA – Você podia me ajudar, cê também faz parte do outro mundo e eu tava precisando dá uma passadinha por lá. MARIANA – No mundo dos mortos? LAURA – Por favor! MARIANA – Não estou autorizada. LAURA – A gerência não precisa saber. MARIANA – Eu vou tentar te ajudar de outro jeito. 9ª CENA (Laura sai e entra coração de pedra) CORAÇÃO DE PEDRA – Você está aqui? MARIANA – Meu amor? CORAÇÃO DE PEDRA – Meu amor? MARIANA – Você está aqui? CORAÇÃO DE PEDRA – Eu sei que você está aqui! MARIANA – E u sei que você está aqui! CORAÇÃO DE PEDRA – Meu amor... (Edu entra e encontra os dois) MARIANA – Ele está aqui! CORAÇÃO DE PEDRA – Ela está aqui! MARIANA – Dentro deste quarto. CORAÇÃO DE PEDRA – Dentro deste quarto. MARIANA – Mas a gente não pode se ver nem se ouvir. CORAÇÃO DE PEDRA – Mas a gente não pode se ver nem se ouvir. MARIANA – Porque ele está em outro plano e não tem convênio com o meu. CORAÇÃO DE PEDRA – Porque ela está em outro plano e não tem convênio com o meu. EDU – Eu não vejo mais a Laura. MARIANA – Aí que droga, eu não devia ter deixado ela sozinha. Eu fiz tudo errado, agora minha missão foi pro espaço. Como anjo sou um fracasso, por mais que eu tente eu não consigo que vocês dois se encontrem. Você sabia que anjo incompetente vira encosto? Meu Deus será que eu virei encosto? É um plano infeliz que não cobre quase nada. É por isso que a gente não pode se ver nem se ouvir. EDU – Então onde ela está? CORAÇÃO DE PEDRA – Está aqui. EDU – Eu estou falando de Laura. CORAÇÃO DE PEDRA – E eu estou falando de Mariana. EDU – Eu estou falando com ela. MARIANA – Não, você não pode estar falando com ela, porque ela está no mundo dos vivos.
  • 16. 16 EDU - Eu estou falando com ele. CORAÇÃO DE PEDRA - Você está falando com ela? MARIANA – Ele está aqui. EDU – Eu estou falando com os dois. O meu plano tem convênio com o dele e com o seu. E vocês... Estão frente a frente. (Viram-se e começam a falar) MARIANA – Então. CORAÇÃO DE PEDRA – Então. MARIANA – Diga pra ele. CORAÇÃO DE PEDRA – Diga pra ela. MARIANA – Que mesmo que a gente nunca se encontre. CORAÇÃO DE PEDRA – Que mesmo que a gente nunca se encontre. MARIANA – Nosso amor vai existir eternamente. CORAÇÃO DE PEDRA – Nosso amor vai existir eternamente. MARIANA – Mesmo que eu vire poeira. CORAÇÃO DE PEDRA – Mesmo que eu vire vento. MARIANA – Mesmo que eu vire anjo com carteira assinada. CORAÇÃO DE PEDRA – Mesmo que eu vire gente de novo. EDU – Vocês não preferem dizer isso pessoalmente um pro outro, então somos todos fantasmas mesmo. Vamos juntar nossos interesses, eu preciso encontrar com a Laura, pra isso eu preciso e você que precisa encontrar com você que precisa cumprir sua missão de me fazer encontrar com a Laura. E assim começamos o próximo episódio do fantasma do coração de pedra por Dhonathan Shimit. Eu quero incorporar no morto, eu preciso falar com a Laura em corpo presente. MARIANA – É uma ótima ideia! CORAÇÃO DE PEDRA – Me inclua fora dessa. EDU – Ela achou uma ótima ideia. CORAÇAO DE PEDRA – Então me reinclua. EDU – Ele disse que concorda plenamente com a senhora. MARIANA – Então vamos ser rápido, porque eles já vem com o caixão. E o padre também. EDU - Ela disse que é pra incorporar no padre. MARIANA – Incorporar no padre? CORAÇÃO DE PEDRA – Eu? EDU – Pra você começar a reza e impedir que eles fechem o caixão. Pra eu incorporar no meu defunto. CORAÇÃO DE PEDRA – Porque eu faria isso por você? EDU - Porque você faz o que eu inventar e eu inventei que o nome desse episódio é a redenção do fantasma. Você vai praticar uma boa ação pela primeira vez na vida. CORAÇÃO DE PEDRA – Mas eu preciso de uma motivação. Meu personagem não pode se transformar em um fantasma bonzinho, assim a troco de nada. O que é que eu ganho com isso? EDU - A elevação do seu espírito. CORAÇÃO DE PEDRA – Eu não quero ir pro terceiro mundo. (Rindo) EDU – Você não vai pro terceiro mundo, você vai nascer de novo.
  • 17. 17 CORAÇÃO DE PEDRA – Eu não quero nascer de novo, eu quero encontrar o meu amor. (Tom esperançoso) EDU – Todo fantasma que reencarna tem direito a um último pedido. MARIANA – Quem disse isso? EDU – Eu acabei de inventar. MARIANA – Vão entrar com o caixão. CORAÇÃO DE PEDRA – Eu quero encontrar o meu amor. EDU – Isso é uma ótima motivação pra uma virada. CORAÇÃO DE PEDRA – Eu tenho medo de incorporar em padre. EDU – Só tem coragem que tem medo primeiro. CORAÇÃO DE PEDRA – Então tá bom. Vamos! 10ª CENA (Entra um grupo com o caixão) PADRE – Receba senhor em sua infinita bondade essa alma pecadora. LAURA – Quem disse ao senhor que essa é uma alma pecadora? PADRE – Mas todos nós somos almas pecadoras minha filha, o Edu não seria uma exceção. LAURA – O senhor padre acha uma boa hora pra lembrar os pecados do Edu? Justo no momento em que está pedindo a Deus que o receba bem? O senhor acha que ajuda salientar o fato de que se trata de uma alma pecadora? E se todos somos pecadores, porque não dizer somente alma? O senhor vende muito mal seus agenciados. (Coração de pedra entra e senta) CORAÇÃO DE PEDRA – Eu tenho tanto medo de incorporar em padre. Mas, é tudo pelo meu amor. Eu vou! PADRE – Eu acho melhor fechar o caixão, antes que... (Coração de pedra incorpora no padre). Antes que... Eu mude de ideia. Mudei! Eu acho que eu quero dar mais uma rezadinha antes de empacotar o presunto. E eu convoco toda a armada para rezar comigo, toda alma penada, todo fantasma, todo espírito errante, escolha uma matéria viva e se manifeste. (Rindo, aponta para a plateia. Música com coreografia. Todos ficam parados, Mariana e Coração de pedra se encontram, aproximam-se ao recitar de um poema. Fecha-se a tampa do caixão) EDU – (Abre a tampa do caixão). Vocês querem me matar sufocado? Hein? (Pausa seguida de gritos e correria. Todos saem) LAURA – Porque você tem que ir embora? EDU – Porque eu morri. Esqueceu? LAURA – Você não tem cara de morto. EDU – Você sabe que esse momento não pode durar, na verdade eu tô cometendo uma infração. LAURA – Tem tanta gente que vive a vida inteira na clandestinidade, a gerência não precisa saber que você ficou por aqui. EDU – Eu queria ver você sorrindo mais uma vez. LAURA – Como é que eu posso sorrir sabendo que você pode ir embora a qualquer momento. EDU- Por favor! Queria ver essa boca de céu sorrir mais uma vez.
  • 18. 18 LAURA – Só se você contar sua história secreta. EDU – Eu não tenho cara de quem tem uma história secreta, e não tenho outra cara. (Os dois riem e beijam-se) EDU – Tchau! LAURA – Só mais um pouquinho. EDU – Eu tô morto. LAURA – Não parece. EDU – Será que a gente pode? LAURA – Pode! EDU – Se é pra pecar, vamos pecar direito. (Começam as carícias e beijos. As luzes se apagam logo depois) EDU – Eu morri repentinamente e se eu não tivesse morrido repentinamente não teria feito tanta confusão no mundo dos mortos, só pra passar mais uma noite com Laura no mundo dos vivos. E aí o Coração de Pedra não teria nascido e não se chamaria Isabela minha filha. E talvez a gerência não tivesse aprovado o bom desempenho de Dona Mariana durante seu período de experiência, e ela hoje não seria o anjo da guarda de Isabela com carteira assinada e tudo, como ela tanto queria. FIM