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TEORIA DO SENTIDO EM DELEUZE
Luiz Manoel Lopes*
UNIOESTE


Resumo: O propósito deste artigo é o de apresentar a teoria do sentido em Deleuze
inserida em um contexto filosófico contemporâneo. O nosso percurso seguirá as indica-
ções de Deleuze em “Lógica do sentido”, sobretudo quando indica que o sentido foi des-
coberto três vezes: a primeira, como lekton pelos estóicos no século III a C, a segunda,
como complexe significabile, por Gregório de Rimini no século XIV e a terceira no século
XIX, como objektiv, por Alexius Meinong. O nosso estudo se deterá nesta ultima, devido
ao nosso interesse em pesquisar a lógica do sentido como um problema na filosofia
transcendental. Nos propomos a estudar tal problema, a partir do paradoxo das repre-
sentações sem objeto o qual tem sua origem, no século XIX, em Bernhard Bolzano. O
paradoxo das representações sem objeto remete para a questão do sentido. O que nos
permite afirmar que este encontra-se nas origens da fenomenologia e da filosofia analíti-
ca. A teoria do sentido em Deleuze, deste modo, pode ser apresentada como fora destas
duas correntes de filosofia contemporânea.

Palavras-chave: Deleuze. Filosofia transcendental. Sentido. Filosofia contemporânea.


Introdução

        ste trabalho pretende aproxi-                 indicar sua inserção no âmbito filosó-

E       mar-se da difícil obra do filó-
        sofo francês Gilles Deleuze,
ainda pouco explorada e raramente
                                                      fico contemporâneo.

                                                      Segundo Deleuze, o sentido aparece
                                                      em três momentos diversos: primei-
compreendida - tomando, no en-
tanto, como base alguns trabalhos                     ramente entre os estóicos no século
esclarecedores, que servirão de es-                   III a.C.; uma segunda descoberta
tímulo e apoio em nossa pesquisa -                    sendo feita no século XIV por Gregó-
que se centrará na obra: “Lógica do                   rio de Rimini1 e Nicolas d’Autrecourt;
sentido”.
                                                      1
                                                        Elie, H. Le Complexe Significabile, Paris,
Deleuze, nesta obra, articula o senti-                Vrin, 136, p.7: “Em suas Categorias ( Cap. X,
do à noção de incorporal - cuja or    i-              12 b). Aristóteles disse: ‘A afirmação é um
                                                      enunciado (ëïãïò ) afirmativo, a negação um
gem é a filosofia estóica -, e por esta               enunciado negativo. Quando as coisas que se
via procura mostrar uma linha de                      colocam sob uma dessas enunciações, não
pensamento que percorre a história                    poderíamos dizer que são julgamentos: são
da filosofia desde o século III a C. O                coisas’. Em 1344, um monge italiano, Gregó-
                                                      rio de Rimini, estimou, que nessa passagem,
nosso propósito será explorar a teoria
                                                      por coisa (ðñáãìá ) o Estagirita não teria
do sentido de Deleuze, procurando                     querido falar de coisa exterior existente, mas
                                                      de uma entidade não existente que se exprime


                      An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
204                         LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze



e uma terceira vez, como objektiv2,                   após Bertrand Russell5 ter atacado a
no século XIX, com o filósofo alemão                  posição do lógico alemão acerca do
Alexius Von Meinong.3                                 objektiv6. Desse modo, Deleuze rom-

De início, pode soar um pouco estra-
nho o fato de Deleuze ter escrito um                  sequer seriam genuinamente julgamentos.
                                                      Reciprocamente, ter-se-ia que admitir que
livro apoiado em Meinong4, mesmo                      todo genuíno julgamento de existência seria
                                                      sempre verdadeiro, pois seus objetos seriam
por um complexo, «especialmente pela oração           sempre objetos existentes. Para evitar esta
infinitiva. Considerava essa ‘coisa’, significa-      situação paradoxal, Meinong postula que os
do total e adequado da proposição, como e             objetos enquanto tais são neutros à existência
denominou-o ‘Significado por complexo’                ou inexistência (doutrina do Außersein do
(Complexe significabile).”                            objeto puro). É certo que um objeto inteira-
2
   Cf. Elie, H. Le Complexe Significabile,            mente absurdo como o círculo quadrado (mas
Paris, Vrin, 1936, p.148. “Do mesmo que as            não a montanha de ouro), traz consigo a ga-
palavras e as frases possuem uma dupla fun-           rantia de sua inexistência , mas ele deve ser,
ção, a de exprimir nossas experiências interio-       ainda assim, ser capaz de configurar no con-
res ou idéias, e de significar os objetos dessas      teúdo do julgamento que assevera sua inexis-
experiências, também as proposições expri-            tência. É isso que permite, em última instân-
mem nossos julgamentos ou assunções e                 cia, que o julgamento de que o círculo qua-
significam alguma outra coisa. Essa ‘alguma           drado não existe seja, afinal, diferente de que
coisa’ que julgamos e examinamos é, segundo           a montanha de ouro não existe, pois seus
Meinong, uma entidade a qual ele denomina             objetos, embora inexistentes, são distintos e
‘Objektiv’ que, reservando nesse momento              têm propriedades distintas (doutrina da inde-
toda a questão de terminologia, traduziremos          pendência do Sein e do Sosein)”.
                                                      5
para o francês por ‘objectiv’. Se, entendemos           Bertrand Russell no Cap XXXI: A filosofia
por ‘objeto’ todo o objeto do conhecimento            da análise lógica, in : História da Filosofia
em geral, diremos que os objetos se dividem           Ocidental VIII, São Paulo, Companhia Edito-
em duas classes: os objetivos e os objetos no         ra Nacional, 1977. p.385, comenta que a teo-
sentido estrito da palavra (esses que são ex-         ria das descrições trata de designar uma pes-
pressos por uma palavra ou frase)”.                   soa ou uma coisa não pelo seu nome, mas sim
3
   Deleuze cita o livro de Hubert Elie, Le            por alguma propriedade que se supõe ou se
Complexe Significabile, Paris, Vrin, 1936.            sabe peculiar e afirma: ‘Suponhamos que
como a fonte em que aparecem as semelhan-             digo: ‘A montanha dourada não existe, e
ças entre as doutrinas de Gregório de Rimini,         suponhamos que o leitor pergunte: ‘Que é que
Nicolas d’Autrecourt e as teorias de Meinong,         não existe?’ Pareceria que, se eu dissesse ‘a
sem deixar de assinalar que este autor não            montanha dourada, estaria atribuindo a ela
indica a origem estóica do problema.                  uma espécie de existência. Evidentemente não
4
  José Oscar de Oliveira Marques in A Onto-           estou fazendo o mesmo tipo de afirmação que
logia do Tractatus e o Problema do Sa-                faria se dissesse: ‘O quadrado redondo não
chverhalte Não- Subsistentes esclarece que a          existe’. Isto pareceria implicar que a monta-
posição de Meinong acerca dos objetos puros:          nha dourada é uma coisa e que o quadrado
“Para Meinong, quando se julga que um certo           redondo é outra, embora nenhum dos dois
objeto (eg, a montanha de ouro, ou o círculo          exista. A teoria das descrições era destinada a
quadrado) não existe, esse julgamento é,              resolver esta e outras dificuldades”.
                                                      6
ainda assim, acerca desse objeto, embora seja           Bertrand Russell, Lógica e Conhecimento,
sua inexistência que torna o julgamento ver-          São Paulo, Abril Cultural, Col. “Os Pensado-
dadeiro. Restringir o domínio dos objetos à s         res”, 1978, p.89. “Meinong sustenta que
coisas reais ou existentes tornaria inexplicá-        existe um objeto tal como o quadrado redon-
vel, para Meinong, a ocorrência de julga-             do somente que ele não existe, e nem mesmo
mentos verdadeiros de inexistências, pois tais        subsiste, mas apesar disto existe tal objeto, e
julgamentos seriam acerca de nada, isto é             quando dizemos ‘o quadrado redondo é uma
                                                                                                204
                      An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze                      205


pe com toda a tradição inaugurada                     gundo, o sentido remete ao conceito.
por Frege e se estende por Bertrand                   A idéia de acontecimento dá ao con-
Russell. Qual a importância da                        ceito um aspecto diferente daquele
questão do sentido para Deleuze? O                    pensado por Aristóteles. Desta ma-
que pode ser construído, em filosofia,                neira, o pensamento de Deleuze pro-
a partir dessa abordagem? É espan-                    cura apontar novas saídas para a
toso como Deleuze tende mais para                     filosofia. O nosso contacto com o
Meinong do que para Frege7, o que                     mundo, dando-se através da superfí-
de imediato nos leva a consideração                   cie das coisas, nos faria apreender
do sentido como entidade não-                         além das coisas e suas imagens os
existente, ou seja, à tese capital do                 acontecimentos que as envolvem.
livro. No desenvolvimento de sua                      Deleuze quer tornar relevante a idéia
filosofia, após o livro “Lógica do sen-               de que a linguagem e a superfície
tido, assistiremos a afirmação de que                 estão relacionadas. O que pensamos
a filosofia é uma disciplina que trata                e falamos sobre as coisas passa pela
da criação e invenção de conceitos. A                 superfície. O estatuto da idéia é su-
tese de Deleuze é que o conceito                      perficial. A linguagem, somente atin-
remete ao acontecimento. Ora, pro-                    ge a significação quando se dá na
curaremos distinguir e compreender                    superfície. A significação somente é
como se dá esta passagem do livro                     possível pelo sentido que a envolve.
“Lógica do sentido” para o livro “O                   O acontecimento sinaliza para o sen-
que é a filosofia?”. No primeiro, a                   tido como a proposição para a lin-
questão do sentido está diretamente                   guagem. O que deve ser esclarecido
relacionada a proposição; já, no se-                  é que Deleuze aposta no conceito
                                                      filosófico como incorporal.
ficção’, ele considera que existe um objeto ‘o
quadrado redondo’ e existe um predicado               Cláudio Ulpiano nos indica, em seu
ficção. Ninguém com um senso de realidade             trabalho Afetos: um sorriso, um ges-
teria analisado aquela proposição. Teria visto        to, como se dá essa aproximação
que a proposição requer uma análise de tal
modo que não tenhamos que considerar o
                                                      que Deleuze faz entre Meinong e os
quadrado redondo como um constituinte da-             estóicos na “Lógica do sentido”:
quela proposição. Supor que no mundo real
da natureza existe todo um conjunto de pro-                  O circulo quadrado, do qual jamais po-
posições falsas que se dizem é para a minha                  deremos constituir uma forma, o exclui,
mente algo de monstruoso. Não me consigo                     em definitivo, do campo existencial. A
persuadir em supô-lo. Não posso acreditar
que existem no sentido que existem os fatos”.                impossibilidade do círculo quadrado,
7                                                            seu absurdo é em si- absoluto e incon-
  O nosso espanto aqui se dá, sobretudo por
ser a partir de Frege que a questão da propo-                dicionado. Em qualquer situação, o cír-
sição e sentido começa a ser delineada culmi-                culo quadrado estará sempre em im-
nando em Wittgenstein. Tal espanto, também
                                                             possibilidade existencial. Objeto im-
é fruto do silêncio de Deleuze em relação ao
Tracatatus Lógico-Philosophicus de Wi-                       possível, inconcebível na série causal,
ttgenstein onde aparece o tema da proposição                 física e lógica. Logo, sua aparição se
e sentido de modo inteiramente original. O                   dá na outra série – na série temporal,
que aconteceu para que tal silêncio paira-se                 que os estóicos nomeiam como sendo
sobre Lógica do sentido?
                                                                                               205
                      An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
206                        LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze



      a linha aiônica – a do acontecimento,                  É curioso constatar que toda a obra ló-
      semelhante à s linhas da plástica barr
                                           o-                gica diz respeito diretamente à signif-
                                                                                                  i
      ca, do rosto de Joana d’Arc e de seus                  cação, à s implicações e conclusões e
      cruéis julgadores, teólogos e juristas”8.              não se refere ao sentido a não ser indi-
                                                             retamente – precisamente por intermé-
Por outro lado, há também um fascí-                          dio dos paradoxos que a significação
nio do autor da Lógica do sentido                            não resolve ou até mesmo que ela cria.
pela obra de Lewis Carroll; diante                           Ao contrário, a obra fantástica se refere
desta, procura mostrar que a obra                            imediatamente ao sentido e relaciona
lógica de Carroll difere de sua obra                         diretamente a ela a potência do para-
fantástica exatamente pelo trata-                            doxo. O que corresponde os dois esta-
mento dado ao sentido.                                       dos do sentido, de fato e de direito, a
                                                             posteriori e a priori, um pelo qual o in-
       É exatamente neste mundo plano do                     ferimos indiretamente do círculo da
       sentido-acontecimento, ou do expri-                   proposição, outro pelo qual o fazemos
       mível-atributo, que Lewis Carroll ins-                parecer por si mesmo desdobrando o
       tala toda a sua obra. Disso decorre a                 circulo ao longo da fronteira entre as
       relação entre toda a obra fantástica                  proposições e as coisas10.
       assinada Carroll e a obra matemático-
       lógica assinada Dodgson. Parece difí-          O livro: “Lógica do sentido” parece
       cil aceitar que se diga, como já se fez,       lançar-nos numa contracorrente filo-
       que a obra fantástica apresenta sim-           sófica, sobretudo, por tentar situar-se
       plesmente a amostra das armadilhas             fora da linha platônica-aristotélica.
       e   dificuldades   nas   quais   caímos        Entretanto, este abalo nos induz,
       quando não observamos as regras e              cada vez mais, em direção à pesqu     i-
       as leis formuladas na obra lógica. Não         sa filosófica, forçando-nos a procurar
       somente porque muitas das armadi-              uma maior aproximação com os te-
       lhas subsistem na própria obra lógica,         mas apresentados. Deleuze mostra
       mas porque a partilha parece nos ou-           que a origem do problema do sentido
       tras9.                                         é a filosofia estóica; de modo que,
                                                      nesse aspecto, procuraremos seguir
O apreço de Deleuze por Lewis Car-                    os textos referentes ao tema, fazendo
roll fá-lo afirmar que este, ao distin-               incursões naqueles que remetem ao
guir diferentes modos de tratar o sen-                estatuto dos incorporais.11
tido, sinaliza também para a diferen-
ça entre significação e sentido.                      A filosofia antiga, como sabemos, é
                                                      um forte pilar para a compreensão

8                                                     10
  Cláudio Ulpiano, Afetos: um sorriso, um                Idem, ibdem, p.23
                                                      11
gesto, in: Pontos de Fuga: Visão, Tato e                  Os textos em que Deleuze pesquisa estes
Outros Pedaços, Rio de Janeiro, Taurus,               temas são: La Theorie des incorporels dans
1996, p.116.                                          l’ancien stoicisme, Paris, Vrin, 1928 de Émile
9
  Gilles Deleuze, Lógica do sentido, tradução         Brehier e Le systeme stoicien et l’idée de
de Luiz Roberto Salinas Fortes, São Paulo,            temps, Paris, Vrin, 1953 de Victor
Perspectiva, 1974, p.23                               Goldschimdt.
                                                                                                 206
                      An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze                        207


dos diversos temas que percorrem a                primível, o vazio, o lugar e o tempo.12
história da filosofia. O nosso projeto,           O exprimível é tratado com um esta-
em torno do livro “Lógica do sentido”,            tuto “positivo”, ou seja, é o que nos
procurará também demonstrar a sua                 permite falar dos acontecimentos que
importância para o ensino filosófico.             ocorrem no mundo envolvendo as
Donde, podemos dizer que o estudo                 coisas e estados de coisas.
da lógica dos estóicos servirá de pe-
dagogia para a compreensão, por                          A realidade lógica, o elemento principal
exemplo, da diferença entre a lógica                     da lógica aristotélica é o conceito. Esse
dos termos e a lógica das proposi-                       elemento para os estóicos é uma coisa
ções. É oportuno afirmar que este                        inteiramente outra; não é nem a repre-
termo, lógica, foi forjado pelos estói-                  sentação (öáíôáòéá) que é a modifica-
cos; antes deles, o modo correto e                       ção da alma por um corpo exterior;
coerente de raciocinar era o que                         nem a noção (å í í éá), que se forma na
                                                                            ï
Aristóteles chamava de analítica.                        alma sob a ação de experiências se-
                                                         melhantes. Na realidade é alguma coi-
Os estóicos admitem que no limite                        sa de inteiramente nova que os estói-
dos corpos e das coisas ocorrem                          cos denominam exprimível (ëåêôïí). 13
efeitos de superfície. É no plano da
física que se encontram os corpos                 O estatuto do sentido, a partir da filo-
com seus limites e tensões internas.              sofia estóica, tem no exprimível, no
Os corpos são causas uns para os                  lekton, seu ponto de partida. Deleuze,
outros de certos efeitos de superfície.           na Lógica do sentido, procura mostrar
O plano da lógica diz respeito aos                os filósofos que tratam o sentido de
incorporais, aos acontecimentos e                 modo direto, fazendo-o aparecer na
aos laços dos efeitos entre si. A im-             fronteira entre as proposições e as
portância que Deleuze dá para o                   coisas. Pela via dos incorporais, ele
sentido, como acontecimento incor-                acredita que temos um novo modo de
poral – o qual não possui as caracte-             pensar a lógica, sobretudo pelo fato
rísticas de uma coisa e nem de um                 do princípio de não-contradição não
estado de coisas – permite-lhe consi-             atingir os incorporais. (Desde Aristó-
derar que os estóicos tratam positi-              teles14, este princípio fundamenta e
vamente aquilo que Platão chamava                 garante a verdade das premissas, e
de simulacros. O que seria esta posi-             conseqüentemente permite observar
tividade? Platão dava o nome de si-               se, de premissas verdadeiras, se-
mulacro a tudo aquilo que se furtava
                                                  12
a Idéia. Os estóicos concebem que                    Sextus Empiricus, Adv. Math, X.218, in Les
no limite dos corpos dão-se os acon-              Stoiciens, Paris, PUF, 1973, p.53.
                                                  13
                                                     Emile Bréhier, La Theorie des incorporels
tecimentos, os quais são expressos
                                                  dans l’ancien stoicisme, Paris, Vrin, 1980,
pela proposição. Os simulacros pla-               p.14.
                                                  14
tônicos sobem a superfície e tornam-                  Os estudiosos de lógica paraconsistentes
se sentido. Os incorporais estóicos               assinalam que Aristóteles já apontava para
dividem-se em quatro modos: o ex-                 uma derrogação do princípio de não-
                                                  contradição. Lukasiewski e Vassileiev são
                                                  dois lógicos que afirmam esta tese.
                                                                                             207
                  An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
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guem-se necessariamente conclu-                             causalidades físicas, as contradições
sões verdadeiras, ou seja, a prova da                       lógicas e através de ressonâncias,
validade dos argumentos). Nesse                             ecos, correspondências não-causais,
livro, ele também estabelece uma                            compatibilidades e incompatibilidades
relação entre o sentido e o tempo,                          alógicas: o acontecimento puro, con-
destacando a dimensão presente –                            ceber uma nova imagem do pensa-
que pertence aos corpos, o reino de                         mento.15
Cronos -, e o tempo dos incorporais
denominado Aion. Na linguagem, o                     Deleuze, ao longo de sua obra, ob-
substantivo e os verbos apareceriam                  serva que sempre pensou o aconte-
relacionados a essas dimensões do                    cimento16; tal observação, nós pode-
tempo.                                               mos comprovar em seu livro: “O que
                                                     é a filosofia?” quando procura mos-
O trabalho, enfim, procurará desen-                  trar que esta disciplina trata da cria-
volver essas questões que passam                     ção de conceitos. Desse modo, tudo
pela história da filosofia e trazem uma              o que tinha sido desenvolvido a partir
luz para a compreensão da pesquisa                   de Lógica do sentido, em relação ao
deleuziana, assinalando que o seu                    acontecimento e sentido, é retomado
propósito é o de construir uma nova                  e modificado. A contra-efetuação do
imagem do pensamento. Nesse sen-                     Acontecimento é relacionada ao
tido, o autor, em certo momento do                   campo transcendental sem sujeito, ao
livro, rompe com os estóicos, afir-                  plano de imanência, a uma vida; con-
mando que estes não resistiram a                     ceitos que aparecem, sobretudo, em
tentação de relacionar o aconteci-                   seu último texto escrito publicado em
mento à causalidade física, e cita                   1995 em um número especial da re-
Leibniz como o primeiro grande teóri-                vista Philosophique produzido em sua
co do acontecimento. A tese de De-                   homenagem: “A imanência: uma
leuze é pensar o acontecimento, o                    vida”.
sentido, inteiramente independente
de qualquer aspecto redutor, seja ele                A paixão de Deleuze pela filosofia
físico, lógico ou psicológico. O acon-               leva-o afirmar que o conceito filosófi-
tecimento não se reduz a nenhuma                     co jamais deve ser reduzido a função
coisa, indivíduo ou pessoa, antes os                 científica; o conceito filosófico diz
envolvem.
                                                     15
                                                        Cláudio Ulpiano, O Pensamento de Deleu-
      Logique du sens é um texto profunda-           ze ou A Grande Aventura do Espírito, Tese de
      mente afetado pela cisão causal; é sua         Doutoramento apresentada ao Departamento
      essência, do texto, a cisão causal e to-       de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciên-
      das as suas conseqüências: que lhe             cias Humanas da UNICAMP sobre a orienta-
                                                     ção do Prof. Dr, Luiz. B. L. Orlandi, p.77.
      são imensas. O extra-ser, como a parte         16
                                                        Gilles Deleuze, Conversações tradução de
      inefetuada do acontecimento é a obra           Peter Pal Pelbart, Rio de Janeiro, Ed. 34,
      de Deleuze. Uma idéia propriamente             1992, p.177. “Em todos os meus livros bus-
      estóica, para a qual o pensamento se           quei a natureza do acontecimento; este é um
      volta a fim de suprimir a psicologia, as       conceito filosófico. O único capaz de destituir
                                                     o verbo ser e o atributo”.
                                                                                               208
                     An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
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respeito somente ao acontecimento;                     Deleuze investe numa nova imagem
Deleuze entra em confronto com to-                     do pensamento. Esta imagem, não é
das as posições filosóficas que ten-                   apenas para salvar o reino das me-
tam tirar da filosofia a condição real                 táforas, pois sabemos que tangencia
de criar e inventar conceitos. A cria-                 a poesia; nem tampouco para ficar-
ção de conceitos é inseparável das                     mos apenas no domínio da conota-
circunstâncias, dos acontecimentos                     ção; trata-se de uma revitalização da
que envolvem a vida do filósofo em                     filosofia, de um acréscimo diferencial
seu mergulho no pensamento.                            nesta disciplina que percorre os sé-
                                                       culos.
Bento Prado Júnior aponta a inserção
da filosofia de Deleuze no âmbito                             O campo transcendental é a-subjetivo.
contemporâneo.                                                É ininteligível sem o modelo de uma
                                                              nova imagem do pensamento. Esta
      A crítica deleuziana a subjetividade                    nova imagem confronta-se com o re-
      como fundamento é menos uma origi-                      conhecimento, com a recognição e
      nalidade de sua filosofia do que um                     todo o seu séqüito – sobretudo a cor-
      ponto pacífico de toda reflexão con-                    relação sujeito-objeto. Para se enten-
      temporânea de vocação antifenome-                       der o pensamento como ato de cria-
      nológica, da filosofia analítica aos fa-                ção, como rompimento com o eu pes-
      mosos ‘desconstrucionismos’, passan-                    soal, é necessário arrancá-lo de suas
      do por todos os neopragmatismos (o                      possibilidades abstratas, separa-lo do
      naturalista, norte-americano, e o trans-                senso comum e do bom senso. Noutra
      cendental, alemão) e por todos os es-                   linguagem, quebrar por dentro o es-
      truturalismos. O que a distingue, talvez,               quema sensório-motor. Para fazer apa-
      é ver no sujeito fundante (cartesiano,                  recer o eu dissolvido – um conjunto de
      kantiano, husserliano e mesmo hegeli-                   eus larvares contraentes e contempla-
      ano – cf. Gerard Lebrun, O avesso da                    tivos. Liberar as singularidades nôma-
      dialética, São Paulo, Cia das Letras,                   des das individualidades fixas e do su-
      pp.254-7) um sujeito essencialmente                     jeito finito – rompendo com o equívoco
      representativo e submetido ao regime                    de considerar que esta prática conduzi-
      de identidade, arque unificadora e sín-                 ria a um abismo indiferenciado. Ao
      tese prévia da experiência capaz de                     contrário, será, sim, alguma coisa que
      exorcizar toda forma de diferença re-                   não é nem individual nem pessoal; que
      belde. Trata-se de inverter a linha de                  não será nem formal nem informe; mas
      pensamento, para leva-la para algo                      o aformal puro. Ë a renovação quando
      como um camporévio, pré-subjetivo e                     o transcendental perde a forma da
      pré-objetivo, donde constituir tanto su-                consciência e expande a sua aventura
                        17                                                 18
      jeito como objeto.                                      involuntária.




17                                                     18
   Bento Prado Junior, A Idéia de “Plano de              Cláudio Ulpiano, Afetos: um gesto, um
Imanência” , in Gilles Deleuze: uma vida               sorriso, in; Visão, Tatos e Outros Pedaços,
filosófica, São Paulo, Ed. 34, 2000, p.34.             Rio de Janeiro, Taurus, 1998, p.116.
                                                                                                 209
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210                   LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze



O trabalho tratará de apresentar,                tribuíram para que a questão se de-
através da teoria do sentido, os mei-            senrolasse do modo que pretende-
os e vias que nos permitam desen-                mos estudá-la. Iniciaremos por des-
volver com consistência os pormeno-              tacar dois pensadores que irão
res desta renovação da filosofia.                acrescentar muito para o trabalho
                                                 que pretendemos desenvolver sobre
Dando, por exemplo, prosseguimento               a teoria do sentido em Deleuze; é
as investigações iniciadas em nossa              oportuno lembrar que Deleuze no seu
dissertação de mestrado, procurare-              livro: “Lógica do sentido” faz algumas
mos fazer um paralelo entre uma tese             citações em relação à “controvérsia”
que aparece em Lógica do sentido,                que envolve os filósofos Meinong e
que, de um certo modo, pode ser                  Bertrand Russell, porém são citações
considerada inversa à tese bergsoni-             ligeiras. Tais citações nos levam a
ana exposta em sua crítica à idéia de            tentar aprofundarmos a pesquisa
Nada. Nesta crítica Bergson mostra,              buscando os pontos principais que
por diferentes vias, que jamais po-              são discutidos nesta controvérsia.
demos pensar o Ser após o Nada. A                Não começaremos por confrontar a
ilusão teórica, o falso problema da              fenomenologia com a filosofia analíti-
anterioridade do Nada sobre o Ser é              ca, mas sim dois pensadores que
dissipada. O Ser é a realidade que               fazem parte, ainda que indiretamente,
possui duração. Entretanto, o incor-             destas escolas. Meinong, não é pro-
poral não é o Nada. Deleuze, de ou-              priamente um fenomenologo, mas é
tro modo, esforça-se por nos mostrar,            influenciado pela linha de pensa-
com a idéia de Acontecimento que                 mento que descende dos filósofos
este apesar de não existir, possui               austríacos aparecidos no século XIX
sentido e realidade. A realidade do              orientados pelos trabalhos de Ber-
Acontecimento é de natureza dife-                nhard Bolzano – que era tcheco de
rente da dos corpos, como já disse-              nascimento. Tais filósofos propõem
mos, é incorporal; não é um ser, mas             um afastamento de Kant, ou seja,
um extra-ser. Enfim, é nesta direção             deixam de ter uma preocupação níti-
que aparecerão as conexões reais e               da com o sujeito voltando-se para o
as conjugações virtuais. A comunica-             objeto19.    Bertrand Russell, como
ção entre acontecimentos resulta
numa lógica que trata o sentido fora             19
                                                    Bento Prado Junior, em“Presença e campo
do campo da representação e da                   transcendental: consciência e negatividade
significação.                                    em Bergson, São Paulo : Edusp, 1964, ensi-
                                                 nou-nos como Kant, na refutação do idealis-
O Problema do Sentido na Filo-                   mo – analítica transcendental da Crítica da
sofia Contemporânea                              Razão Pura – teria mostrado a dependência da
                                                 consciência em relação ao objeto externo.
                                                 Neste sentido a fenomenologia seria herdeira
O nosso trabalho começará indicando              de Kant, por considerar a tendência para o
a origem do problema do sentido na               objeto como bem indicou o filósofo de
filosofia contemporânea, sobretudo               Könisberg. Deste modo, considerar que os
sublinhando os pensadores que con-               filósofos austríacos, liderados por Bolzano,
                                                 afastam-se de Kant é estranho, pois o idealis-
                                                                                          210
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sabemos, é um dos mais importantes                    não é satisfatória, sobretudo, por
nomes da filosofia da análise lógica,                 considerar toda e qualquer expressão
uma vez que foi a partir de seu con-                  denotativa, gramaticalmente correta,
tato com Frege que procurou pesqui-                   como representante de um objeto e
sar a forma lógica da proposição fora                 também por infringir o princípio de
das categorias de sujeito e objeto20.                 contradição.

1.1 Bertrand Russell e Meinong                               Por conseguinte, ‘o atual rei da Fran-
                                                             ça’, ‘o quadrado redondo’, etc., su-
O presente trabalho, ao tratar da                            põem-se ser objetos genuínos. Admite-
questão do sentido, insere-se numa                           se que tais objetos não subsistem,
discussão que ocupa um capítulo                              mas, entretanto, eles são supostos ser
importante na história da filosofia: a                       objetos. Esta é em si mesma uma
controvérsia entre Bertrand Russell e                        perspectiva difícil; mas a principal ob-
Meinong. O lógico inglês quando pro-                         jeção é que tais objetos, reconhecida-
cura expor, em Lógica e Conheci-                             mente, estão prontos a infringir a lei de
mento, o que entende por denotação                           contradição. Sustenta-se, por exemplo,
depara-se com duas teorias: a de                             que o existente atual rei da França
Meinong e a de Frege as quais, se-                           existe e também que não existe; o que
gundo ele, não satisfazem o seu pro-                         o quadrado redondo é redondo e tam-
pósito. A teoria dos objetos de Mei-                         bém não redondo, e também não re-
nong e a teoria do sentido e referên-                        dondo etc. Mas isto é intolerável; e se
cia de Frege seriam destituídas pela                         puder estabelecer qualquer teoria para
teoria das descrições de Russell.                            evitar este resultado, esta deve ser
                                                             certamente preferida21
De início, Russell apresenta os moti-
vos pelos quais a teoria de Meinong                   O texto de Russell é esclarecedor
                                                      principalmente no que tange ao nos-
mo transcendental não prescinde do realismo           so conhecimento sobre Meinong. É
empírico. Kant afirma que a minha existência          comum ouvirmos considerações so-
somente pode ser experimentada em relação a
existência de objetos exteriores a mim. A             bre Meinong pela ótica de Russell, o
realidade, mais imediata, segundo Kant, não é         que nos deixa com idéias inadequa-
a interna, e sim a externa. O tempo possui            das a respeito de sua filosofia. A teo-
dependência em relação ao espaço e, também            ria de Meinong é apresentada de um
o sentido íntimo depende do sentido externo.          modo que nos deixa sem entender
20
   Luiz Henrique Lopes dos Santos in Russell          qual é o seu propósito. Não nos resta
(1872-1970) Vida e Obra, São Paulo, Abril             outra alternativa a não ser a de apre-
Cultural, 1978, p.VII afirma: “A análise lógi-        sentar o próprio Meinong; o que tam-
ca das proposições matemáticas e o contato            bém nos permite enfocar o ponto de
com as doutrinas lógicas de Peano (1858-
1932) e Frege (1848-1925) levaram Russell a
                                                      partida das preocupações de Russell.
reconhecer a irrelevância lógica das categori-        Tal enfoque também nos deixa com
as de sujeito e predicado, e particularmente a
                                                      21
incorreção da análise de proposições que                 Bertrand Russell, Lógica e Conhecimento,
enunciam relações entre objetos, fundada              tradução de Pablo Rubén Mariconda, São
sobre tais categorias.                                Paulo : Abril Cultural, 1978, p.6.
                                                                                                 211
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uma visão mais próxima das ques-                       Neste sentido é oportuno apresen-
tões que envolvem a filosofia con-                     tarmos o próprio Meinong esclare-
temporânea, sobretudo, no que diz                      cendo o seu propósito.
respeito à fenomenologia e à filosofia
analítica. A teoria da denotação a                            Que não se pode conhecer sem co-
qual Russell diz ser proveitosa não                           nhecer algo; mais genericamente, que
apenas para a lógica e a matemática,                          não se pode julgar e também não re-
mas também para todo o conheci-                               presentar sem julgar sobre algo ou re-
mento, tem sua origem justamente                              presentar algo, isto pertence ao mais
nesta controvérsia com Meinong22.                             evidente sob uma consideração ele-
                                                              mentar dessas experiências. Que no
22
   Luiz Henrique Lopes Santos em texto pro-                   domínio da suposição não é diferente,
fundamente esclarecedor nos mostra que                        eu pude mostrar sem recorrer a um
Russell entra em contro- vérsia com Meinong                   exame especial, embora a pesquisa
quando procura solucionar o problema de                       psicológica sobre isso mal tenha co-
expressões denotativas que tentam denotar
                                                              meçado. O problema é mais complexo
objetos tipo: “o atual rei da França” mostran-
do-os como símbolos incompletos e não como                    no caso dos sentimentos, onde a lin-
elementos independentes da proposição, po-                    guagem, sem dúvida, mais nos induz
rém com significados em contexto. “O pres-                    ao erro, com a indicação do que se
suposto de que toda expressão denotativa                      sente, o gozo, a dor, assim como a pi-
denota algo acarreta problemas insolúveis;
                                                              edade, a inveja, etc., e no caso dos
torna impossível, por exemplo, a negação de
existência. Tome-se por exemplo a proposi-                    objetos, na medida em que, a despeito
ção “O atual rei da França não existe”; se ela                do testemunho da ocorrência muito cla-
for reconhecida como significativa, dever-se-                 ra na linguagem, sempre tem-se que
ia reconhecer a existência de algo denotado                   enfrentar a eventualidade de desejos
por “o atual rei da França” e, portanto, a fal-
sidade da proposição. Nenhuma negação de                      que não desejam nada. Mas, mesmo
existência seria então verdadeira, pois sua                   aqueles que não compartilham a minha
significatividade implicaria necessariamente                  opinião – qual seja, tantos os senti-
sua falsidade. Uma linha de solução, assumi-                  mentos quanto os desejos não são fa-
da entre outros por Meinong (1853-1921),
                                                              tos psíquicos independentes porque
consiste em distinguir entre existência e sub-
sistência e exigir que expressões denotativas                 eles são representações a título de
denotem não apenas entidades existentes mas                   inelutável “pressuposição psicológica”
simplesmente subsistentes. Sem falar na obs-                  – concederão sem reservas que se
curidade da noção de subsistência, se essa                    goza de alguma coisa, que se interes-
distinção resolvesse o problema no que con-
cerne a “o atual rei da França’, certamente                   sa por alguma coisa e, ao menos na
não o resolveria no que concerne a “o círculo                 extrema maioria dos casos, que se não
quadrado”, visto que o caráter contraditório                  quer ou deseja sem querer ou desejar
das proposições que a entidade supostamente                   qualquer coisa, em suma, ninguém ig-
denotada por essa expressão deveria possuir
                                                              nora que o processo psíquico tão fre-
impede até mesmo que seja admitida como
subsistente, seja qual for o sentido que se dê a              qüentemente esteja de par com esta
“subsistência”. Problemas semelhantes pode-                   propriedade de “ser orientada para
riam ser também levantados com respeito a                     algo” que se está bem perto de ver nis-
expressões como “um centauro”, “todos os                      so um aspecto característico que dis-
anjos”, etc. Cf. Russell (1872-1970) Vida e
Obra, São Paulo, Abril Cultural, 1978, p.VIII.
                                                                                                212
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      tingue o que pertence ao psíquico do                     tratar de maneira científica estes obje-
      que não é da ordem psíquica23.                           tos não deve permanecer sem res-
                                                               posta.
A citação acima nos faz buscar recur-
sos para tentarmos compreender em                     A questão de Meinong envolve a ci-
que ponto Russell pode desqualificar                  ência do objeto que possa explicar a
a empresa de Meinong. A preocupa-                     diversidade de casos em que esta-
ção do segundo é com a diversidade                    mos orientados para “nada. Em suas
de casos que se apresentam quando                     pesquisas já aparece uma preocupa-
estamos direcionados para algo. O                     ção com o que atualmente chama-se
conhecimento, segundo ele, não pode                   transdisciplinaridade. A existência de
ser estudado sem seu objeto. O ob-                    uma “zona neutra” entre os diversos
jeto do conhecimento cumpre esta                      domínios teóricos que procuram pen-
tendência, de modo que, quando per-                   sar o objeto, somente dificulta o en-
guntamos pelo conhecimento, está                      contro desta ciência. Meinong expõe
implícito que estamos direcionados                    magistralmente que a existência de
para o objeto do conhecimento. Deste                  uma zona neutra é eficaz no domínio
modo quando queremos conhecer,                        prático, por permitir a relação de boa-
por exemplo, os casos em que esta-                    vizinhança – a interpenetração de
mos direcionados para nada, deve-                     fronteiras é caso de conflito. Já no
mos perguntar se o nada é um objeto                   domínio teórico, caso as fronteiras
ou apenas um sentido. A postura de                    não se interpenetrem não existirá
Meinong é tratar cientificamente estes                avanço na ciência do objeto. A zona
casos, por isto a pertinência de suas                 neutra separa os diversos domínios
indagações nos faz olhar Russell com                  teóricos causando a estagnação da
certa desconfiança.                                   ciência do objeto.

      Todavia, não é a tarefa das considera-                   Interrogar-se sobre um determinado
      ções seguintes explanar porque eu te-                    domínio do saber, negligenciado a
      nho esta suposição como a melhor                         ponto de ele não ter reconhecido ao
      fundada a despeito das muitas dificul-                   menos a medida de sua especificidade,
      dades que a ela se opõem. Os casos                       eis o que visa o problema aqui posto
      em que a referência, o estar expres-                     de saber qual é de fato o lugar, de
      samente orientado para ‘algo’ ou, como                   qualquer maneira legítimo, do trata-
      se diz muito grosseiramente, a um ob-                    mento rigoroso do objeto enquanto tal
      jeto, são tantos que se impõe, mesmo                     e em sua generalidade; trata-se da
      que seja para dar conta desses casos,                    questão seguinte: existe entre as disci-
      que a questão acerca de a quem cabe                      plinas reconhecidas por sua proveni-
                                                               ência científica uma ciência onde se
23                                                             pode encontrar um tratamento rigoroso
     Alexius Meinong, Sobre a Teoria dos
Objetos, (tradução de Celso R. Braida, no                      do objeto enquanto tal ou, ao menos,
prelo, p.1 (Original A Meinong, Über Ge-                       onde tem valor esta exigência?.24
genstandtheorie; Selbstdarstellung; Mit. Einl.,
Bibliogr. U. Reg.hrsg. von Josef M. Werle;
                                                      24
Hamburg, Meiner, 1988. ppl-51).                            Idem, ibdem.
                                                                                                   213
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A indagação de Meinong tem uma                     dos pelo objektiv. O julgamento ne-
resposta negativa por não termos                   gativo não poderia ter sentido se o
conhecimento de um tratamento rigo-                objektiv, fora do ser, não o garantis-
roso que tenha sido dado ao objeto                 se. Meinong mostra-nos que para
por parte de qualquer ciência. A pes-              além da não existência do sujeito do
quisa de Meinong segue examinando                  juízo há o objektiv. Deste modo, po-
o que ele denomina: “pré-juízo a fa-               deríamos discernir as várias espécies
vor do efetivo” sendo neste ponto que              de julgamentos negativos. O que a
aparecerá o “objektiv” o qual remete-              Metafísica diria sobre este aspecto?
rá para o sentido dos objetos que
existem quanto dos que não existem:                         Quando se recorda a que ponto a Me-
a doutrina do “Auâersein”, ou seja, da                      tafísica sempre teve a intenção de in-
indiferença do objektiv em relação à                        tegrar ao domínio de suas colocações
existência quanto à subsistência. Tal                       o mais próximo como o mais distante,
doutrina afirma que o objektiv está                         o maior como o menor, pode parecer
fora do ser, o que é conseqüência da                        estranho que ela não possa assumir a
reflexão sobre a tendência que pos-                         tarefa que estamos evocando pela ra-
suímos em favorecer o efetivo. O                            zão que, malgrado a universalidade de
ensinamento que se retira desta dou-                        suas intenções, a Metafísica não teve
trina é que os objetos ideais, apesar                       sempre, de longe, a visada suficiente-
de não existirem, são passíveis de                          mente universal para ser uma ciência
entrarem no rol do conhecimento.                            do objeto. A Metafísica lida, sem dúvi-
Tome-se como exemplo os números                             da, com a totalidade do que existe.
e as relações entre eles, diz Meinong.                      Mas, a totalidade do que existe, inclu-
Todavia não é este o ponto que que-                         indo aí o que existiu e o que existirá, é
remos destacar, e sim aquele que                            infinitamente pequena em relação a
remete aos objetos subsistentes. O                          totalidade dos objetos de conheci-
preconceito, a favor daquilo que                            mento; e que se tenha negligenciado
existe, deixou sua marca na história                        isto tão facilmente tem, bem entendi-
da filosofia quando se procurou en-                         mento, o seu fundamento no fato que o
contrar uma ciência que subsumisse                          interesse vivo pelo efetivo, que está em
todos os objetos existentes. A metafí-                      nossa natureza, favorece este excesso
sica foi considerada como a ciência                         que consiste em tratar o não-efetivo
primeira que forneceria os funda-                           como um simples nada, mais precisa-
mentos para as ciências particulares                        mente, a trata-lo como algo que não
sendo definida como: “a ciência do                          oferece    ao   conhecimento    nenhum
ser enquanto ser”.                                          ponto de apreensão ou nenhum que
                                                                                    25
                                                            seja digno de interesse.
O pré-juízo a favor do efetivo consiste
justamente nisto, ou seja, em não                  Meinong diz que os objetos ideais os
levar em conta objetos subsistentes.               quais são dotados de subsistência
A replica de Meinong visa sobretudo                (bestehen), mas em nenhum caso de
à questão do julgamento onde o ve     r-
dadeiro e o falso aparecem sustenta-               25
                                                        Idem, ibdem.
                                                                                                214
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existência (existierien), mostram o               Deleuze como aquele que apresenta
quanto esta tendência é insustentá-               a importância de Gregório de Rimini e
vel.                                              de Meinong, porém sem citar a ori-
                                                  gem estóica do problema. Deleuze
O sentido seria muito fácil de ser de-            aponta que desde a filosofia antiga –
finido como alguma coisa que se si-               século III a C - o problema do sentido
tua entre as coisas e as proposições.             vem percorrendo a história da filoso-
Ora, não discordamos que assim                    fia. O nosso propósito é a aprofundar
possa ser definido, porém é necessá-              esta indicação de Deleuze em rela-
rio avançarmos em nosso estudo                    ção a Meinong, por considerarmos
apresentando nuances que tornam o                 que é a partir do século XIX que co-
trabalho filosófico cada vez mais es-             meçam as pesquisas de Bolzano em
timulante. A pesquisa remete aos                  torno das representações em objeto.
pontos que são citados por Deleuze                Meinong começou a ter conheci-
em Lógica do sentido, mas não expli-              mento sobre tais questões a partir de
citado em seus pormenores. O nosso                Twardowski. Os filósofos austríacos,
trabalho consiste em trazer a luz es-             sobretudo os da escola de Brentano
tas contendas filosóficas apontando               – Husserl, Twardowski e Meinong –
para aquilo que Deleuze quer tratar               são bastante influenciados pelas es-
com um problema que percorre a                    peculações de Bolzano. Tais pesqui-
filosofia ao longo dos tempos. O sen-             sas giram em torno do problema dos
tido foi descoberto por Meinong como              julgamentos falsos. Vários pensado-
objektiv afirma Deleuze. Entretanto,              res inscrevem-se neste propósito; a
nós temos que ir atrás dos problemas              escola de filósofos austríacos - con-
e, sobretudo da critica de Russell a              siderando o sentido como fruto de um
Meinong apresentando-a, dentro de                 ato intencional - será confrontada
seu contexto.                                     pela filosofia analítica. Frege será o
                                                  filósofo que dará o respaldo necessá-
O tratamento rigoroso em relação à                rio para que o ato lógico seja pensa-
ciência do objeto, o qual foi exigido             do de modo diferente do ato psicoló-
por Meinong, teve através da filosofia            gico. Husserl ao receber esta influên-
varias teorias. Husserl, por exemplo,             cia de Frege tratará de fazer da fe-
afirmou o ato intencional como doa-               nomenologia o fundamento da lógica.
dor de sentido. O noema - situado
entre a noesis e a coisa - estaria pró-           Deleuze tece vários comentários so-
ximo do objektiv. Em Lógica do senti-             bre o noema husserliano, porém em
do é justamente o que vemos, uma                  determinado ponto do texto começa
vez que Deleuze cita Husserl como                 por indicar a insuficiência da doação
um filósofo que lhe permite pensar o              de sentido proveniente da fenome-
sentido como entidade não existente.              nologia. Tal insuficiência, a primeira
A escola de Husserl e Meinong serve               vista, parece provir da comparação
para Deleuze pensar o sentido. pró-               com “a estrutura”, uma vez que a
ximo do exprimível preconizado pelos              doação de sentido fenomenológica
estóicos. Hubert Elie é citado por                não apresenta o elemento paradoxal,
                                                                                    215
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o ponto aleatório que ele denomina                singularidades nômades e anônimas,
simultaneamente: casa vazia e objeto              impessoais e pré-individuais. Simon-
supranumerário; lugar sem ocupante                don inspira Deleuze a indicar cinco
e ocupante sem lugar. A doação de                 características do campo transcen-
sentido deriva, através da inspiração             dental, a saber: 1) As singularidades-
da estrutura, do não-sentido; sendo               acontecimentos correspondem à s
que neste aspecto podemos observar                séries heterogêneas que se organi-
porque Deleuze não segue a consci-                zam num sistema meta-estável. 2) As
ência intencional como doadora de                 singularidades gozam de um proces-
sentido. O noema apesar de se situar              so de auto-unificação sempre móvel
entra as proposições e as coisas – as             e deslocado na medida em que um
quais são consideradas duas séries                elemento paradoxal percorre as séri-
heterogêneas – não poderia ser                    es faz ressoar as séries envolvendo
apreendido como o não-sentido que                 os pontos singulares em um mesmo
doa sentido. O não-sentido que opõe-              ponto aleatório. 3) As singularidades
se ausência de sentido serve muito                ou potenciais freqüentam a superfí-
mais a Deleuze para que, de outro                 cie. 4) A superfície é o lugar do senti-
modo, faça remissão a um campo                    do: os signos
transcendental como aquele que
Sartre pensou a partir da Le Trans-               Meinong parece continuar servindo a
cendence de l’Ego. A fenomenologia,               Deleuze, devido ao objektiv dos ob-
como vemos, não deixa de estar                    jetos subsistentes não remeter a
sempre próxima das considerações                  consciência. O campo transcendental
de Deleuze acerca do sentido. En-                 pré-subjetivo e pré-objetivo esboça-
tretanto, a crítica ao campo transcen-            se aqui para mais tarde ganhar uma
dental sartreano não tardará a ser                importância maior ao longo do livro.
feita. Deleuze, no entanto conserva a             A indicação de que Meinong continua
noção de campo transcendental re-                 a servi-lo é apontada quando Deleu-
metendo-o para o sistema metaestá-                ze começa a pensar a 6a série: ”So-
vel de Gilbert Simondon. O ponto                  bre a colocação em séries” onde pela
mais importante desta viragem – a                 primeira vez é feita remissão a Ja-
qual começa a nos remeter para a                  cques Lacan. A 5a série: “Do Parado-
ontologia – é a indicação de que o                xo” onde Deleuze termina por citar o
sentido é produzido e não dado como               paradoxo dos objetos impossíveis de
uma essência. A Lógica do sentido é               Meinong alinhava-se com os ele-
um problema dentro da filosofia                   mentos paradoxais que percorrem as
transcendental. A filosofia transcen-             séries da estrutura. A doação de sen-
dental começa apontar para um cam-                tido é dada pelo não-sentido que não
po transcendental sem as formas da                tem a forma de uma consciência fe-
consciência e do sujeito. Seria possí-            nomenológica. Deleuze, como já ti-
vel em algum tempo e lugar ensinar                nha afirmado que os objetos contra-
uma filosofia fora da consciência e do            ditórios são plenos de sentido, ali-
sujeito? O campo transcendental é                 nhava a teoria do objeto de Meinong
denominado por Deleuze: mundo das                 com a estrutura. Como podemos ver
                                                                                     216
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ao longo de toda obra não faz ne-                filosofia. De inicio, poderíamos dizer
nhuma crítica ao filósofo de Graz.               que esta reversão dá-se em relação a
Entretanto, de imediato caímos em                dois filósofos: Platão e Aristóteles.
um problema, pois não sabemos se                 Em relação a Platão a diferença é a
Deleuze vai das concepções estrutu-              seguinte: a Idéia platônica deixa de
ralistas à filosofia antiga ou desta             ser um modelo, uma causa exemplar
aquela.                                          e constitui-se como um efeito de su-
                                                 perfície.; os estóicos atribuem como
O livro começa, em sua primeira série            sendo efeitos todo o tipo de idealida-
de paradoxos: “Do puro devir”, citan-            des, ou seja, os exprimíveis: não as
do Lewis Carroll e os paradoxos que              coisas, mas aquilo que se pensa e se
aparecem em “Alice no país das ma-               diz sobre elas. Os corpos com suas
ravilhas”; em seguida começa a parte             tensões e limites tem as característi-
propriamente filosófica onde é feita a           cas da substância. A diferença para
remissão a Platão sobre a dualidade              com Aristóteles dá-se justamente em
do limite e do ilimitado contida no              relação à s categorias que se repo   r-
Filebo. Os paradoxos começam a ser               tam à substância. Nesse sentido, é
pensados em relação à linguagem e                que podemos constatar a inovação
o Crátilo também é citado. Na segun-             estóica; os acidentes em Aristóteles
da série de paradoxos: “Do sentido”,             se dizem como ser no outro, ou seja,
os estóicos começam a ser apresen-               sem a substância não seriam; donde
tados através da distinção entre os              se conclui que possuiriam hierarqui-
corpos e os incorporais. Os estóicos,            camente um nível inferior à substâ   n-
diz Deleuze, são amantes de parado-              cia. Os estóicos revertem - segundo
xos e estes são os incorporais, os               Deleuze apoiado em Emile Bréhier e
efeitos de superfícies que possuem               Victor Goldschimdt - este procedi-
uma natureza diferente das dos cor-              mento por apontarem para os corpos
pos. Os corpos possuem limites em                como possuidores de ser, o que im-
seus contornos, ações e paixões que              pede que existam graus hierárquicos
emanam de suas profundidades. Os                 no interior de sua substancialidade.
incorporais são ilimitados, impassí-             Tomemos, como exemplo, uma árvo-
veis, efeitos que acontecem na su-               re verde; para Aristóteles essa árvore
perfície dos corpos. O acontecimento             é uma substância que é denominada
tem sua diferença para os estados de             o ser em si; o acidente verde possui
coisas justamente por não apresentar             um grau inferior em relação à sub    s-
as características das coisas; não               tância árvore por existir em função
existe, mas, antes subsiste ou insiste           dela. Deste modo, os estóicos rever-
nas coisas. O acontecimento ocorre               tem Aristóteles por dizerem que a
nas coisas e é expresso pela propo-              árvore e o verde possuem ser, mas o
sição.                                           verdejar é um acontecimento na su-
                                                 perfície da árvore verde. A hierarquia,
Deleuze, a partir da segunda série de            em relação ao Ser, é destituída em
paradoxos, começa a apontar para a               prol de uma outra relação que envol-
reversão que os estóicos operam na               ve os corpos e incorporais. O termo
                                                                                   217
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mais alto, diz Deleuze, não é mais o               Tais representações possuem rela-
Ser, mas Alguma coisa que envolve                  ções intrínsecas com a proposição
os corpos e incorporais.                           sendo neste aspecto que não possu-
                                                   em objeto. No caso da representação
1.2 Bolzano e Meinong                              do nada não encontramos objeto al-
                                                   gum, mas Bolzano aponta que tal
As questões que viemos apontando,                  representação possui uma relação
desde o inicio deste trabalho, reme-               intrínseca com a proposição. O con-
tem à s especulações tecidas por                   teúdo semântico é que possibilita a
Bernhard Bolzano acerca das repre-                 questão do nada. O propósito de
sentações sem objeto. O desenvol-                  Bolzano não é esclarecer que o nada
vimento de tais questões chegou até                não passa apenas de uma palavra.
Meinong via Twardowski. Bolzano no                 Não é seu objetivo afirmar que o
§ 67 da Wissenschaftlehre apresenta                nada seja uma palavra formada por
a questão das representações em si;                quatro letras onde duas são vogais e
o seu propósito é elucidar que as                  duas consoantes. A sua especulação,
representações subjetivas possuem                  também não visa de modo nenhum
como conteúdo uma representação                    elucidar que a palavra nada seja
objetiva, mas nem toda representa-                 constituída de dois fonemas: “na” e
ção objetiva remete para uma repre-                “da”. Bolzano não quer dizer que os
sentação subjetiva. As representa-                 dois fonemas somente possuem dife-
ções em si levaram-no à s especul -   a            rença quando relacionados entre si. A
ções do paradoxo das representa-                   sua pesquisa não caminha em dire-
ções sem objeto. Entretanto, a ques-               ção ao simbólico. Na proposição:
tão das representações sem objeto                  “Não existem quadrados redondos”; o
parece contradizer o que tinha sido                sujeito não é “os quadrados redon-
afirmado acerca das representações                 dos”, mas as representações de qua-
subjetivas. Não é difícil compreender              drados redondos. Deste modo, suas
que toda representação subjetiva                   especulações remetem ao conteúdo
remeta para uma representação ob-                  semântico estando estritamente liga-
jetiva, mas não é fácil compreender                da a linguagem. A sua postura não é
que representações em si sejam re-                 intencionalista, pois não pensa as
presentações objetivas e sem objeto.               representações em si como sendo
Bolzano elucida que representações                 objetos de um ato intencional.
do tipo: “nada”, “virtude viciosa”, “cír-
culo quadrado” não possuem objeto.

* Luiz Manoel Lopes é doutorando do Programa de pós -graduação em Filosofia da
UFSCar – Universidade Federal de São Carlos – SP, sob a orientação do Prof. Dr. Bento
Prado Júnior.

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                   An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze              219


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                                                                                     219
                    An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
220                     LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze



PRADO JÚNIOR, Bento. A Idéia de “plano de imanência” in: Gilles Deleuze: uma vida
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PETIT, Jean-Luc. Solipsisme et intersubjectivité, Quinze Leçons sur Husserl et Wittgen-
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ROUILHAN, Philippe. Frege, Les Paradoxes de la representation. Paris: Les Éditions de
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RUSSELL, Bertrand. Significação e verdade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1973.
SILVA, Mariluze. Introdução à semântica de Gottlob Frege, Londrina, CEFIL, 1999.
SEXTUS EMPIRICUS. Adversus Mathemathicus. In: Les Stoicïens, Paris, PUF, 1973.
ULPIANO, Cláudio. Do Saber em Platão e do sentido nos estóicos como reversão do
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UFRJ em 1983.

_____ . O Pensamento de Deleuze ou A grande aventura do espírito. Tese de Doutorado
apresentada ao Departamento de Filosofia do IFCH da UNICAMP em 1998, sob a orien-
tação de Luiz B. L. Orlandi.

_____ . Afetos: um sorriso, um gesto in: Pontos de Fuga: visão, tato e outros pedaços.
Rio de Janeiro: Taurus Editora, 1996.
VIRIEUX-REYMOND, Antoinette. Pour connaître la pensée des Stoiciens. Paris: Bordas,
1976.
WITTGENSTEIN, Tractatus Lógico-Philosophicus, São Paulo, Edusp, 1985.
ZOURABICHVILI, François. Deleuze une philosophie de l’evenement. Paris: PUF, 1994.




                                                                                   220
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  • 1. TEORIA DO SENTIDO EM DELEUZE Luiz Manoel Lopes* UNIOESTE Resumo: O propósito deste artigo é o de apresentar a teoria do sentido em Deleuze inserida em um contexto filosófico contemporâneo. O nosso percurso seguirá as indica- ções de Deleuze em “Lógica do sentido”, sobretudo quando indica que o sentido foi des- coberto três vezes: a primeira, como lekton pelos estóicos no século III a C, a segunda, como complexe significabile, por Gregório de Rimini no século XIV e a terceira no século XIX, como objektiv, por Alexius Meinong. O nosso estudo se deterá nesta ultima, devido ao nosso interesse em pesquisar a lógica do sentido como um problema na filosofia transcendental. Nos propomos a estudar tal problema, a partir do paradoxo das repre- sentações sem objeto o qual tem sua origem, no século XIX, em Bernhard Bolzano. O paradoxo das representações sem objeto remete para a questão do sentido. O que nos permite afirmar que este encontra-se nas origens da fenomenologia e da filosofia analíti- ca. A teoria do sentido em Deleuze, deste modo, pode ser apresentada como fora destas duas correntes de filosofia contemporânea. Palavras-chave: Deleuze. Filosofia transcendental. Sentido. Filosofia contemporânea. Introdução ste trabalho pretende aproxi- indicar sua inserção no âmbito filosó- E mar-se da difícil obra do filó- sofo francês Gilles Deleuze, ainda pouco explorada e raramente fico contemporâneo. Segundo Deleuze, o sentido aparece em três momentos diversos: primei- compreendida - tomando, no en- tanto, como base alguns trabalhos ramente entre os estóicos no século esclarecedores, que servirão de es- III a.C.; uma segunda descoberta tímulo e apoio em nossa pesquisa - sendo feita no século XIV por Gregó- que se centrará na obra: “Lógica do rio de Rimini1 e Nicolas d’Autrecourt; sentido”. 1 Elie, H. Le Complexe Significabile, Paris, Deleuze, nesta obra, articula o senti- Vrin, 136, p.7: “Em suas Categorias ( Cap. X, do à noção de incorporal - cuja or i- 12 b). Aristóteles disse: ‘A afirmação é um enunciado (ëïãïò ) afirmativo, a negação um gem é a filosofia estóica -, e por esta enunciado negativo. Quando as coisas que se via procura mostrar uma linha de colocam sob uma dessas enunciações, não pensamento que percorre a história poderíamos dizer que são julgamentos: são da filosofia desde o século III a C. O coisas’. Em 1344, um monge italiano, Gregó- rio de Rimini, estimou, que nessa passagem, nosso propósito será explorar a teoria por coisa (ðñáãìá ) o Estagirita não teria do sentido de Deleuze, procurando querido falar de coisa exterior existente, mas de uma entidade não existente que se exprime An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 2. 204 LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze e uma terceira vez, como objektiv2, após Bertrand Russell5 ter atacado a no século XIX, com o filósofo alemão posição do lógico alemão acerca do Alexius Von Meinong.3 objektiv6. Desse modo, Deleuze rom- De início, pode soar um pouco estra- nho o fato de Deleuze ter escrito um sequer seriam genuinamente julgamentos. Reciprocamente, ter-se-ia que admitir que livro apoiado em Meinong4, mesmo todo genuíno julgamento de existência seria sempre verdadeiro, pois seus objetos seriam por um complexo, «especialmente pela oração sempre objetos existentes. Para evitar esta infinitiva. Considerava essa ‘coisa’, significa- situação paradoxal, Meinong postula que os do total e adequado da proposição, como e objetos enquanto tais são neutros à existência denominou-o ‘Significado por complexo’ ou inexistência (doutrina do Außersein do (Complexe significabile).” objeto puro). É certo que um objeto inteira- 2 Cf. Elie, H. Le Complexe Significabile, mente absurdo como o círculo quadrado (mas Paris, Vrin, 1936, p.148. “Do mesmo que as não a montanha de ouro), traz consigo a ga- palavras e as frases possuem uma dupla fun- rantia de sua inexistência , mas ele deve ser, ção, a de exprimir nossas experiências interio- ainda assim, ser capaz de configurar no con- res ou idéias, e de significar os objetos dessas teúdo do julgamento que assevera sua inexis- experiências, também as proposições expri- tência. É isso que permite, em última instân- mem nossos julgamentos ou assunções e cia, que o julgamento de que o círculo qua- significam alguma outra coisa. Essa ‘alguma drado não existe seja, afinal, diferente de que coisa’ que julgamos e examinamos é, segundo a montanha de ouro não existe, pois seus Meinong, uma entidade a qual ele denomina objetos, embora inexistentes, são distintos e ‘Objektiv’ que, reservando nesse momento têm propriedades distintas (doutrina da inde- toda a questão de terminologia, traduziremos pendência do Sein e do Sosein)”. 5 para o francês por ‘objectiv’. Se, entendemos Bertrand Russell no Cap XXXI: A filosofia por ‘objeto’ todo o objeto do conhecimento da análise lógica, in : História da Filosofia em geral, diremos que os objetos se dividem Ocidental VIII, São Paulo, Companhia Edito- em duas classes: os objetivos e os objetos no ra Nacional, 1977. p.385, comenta que a teo- sentido estrito da palavra (esses que são ex- ria das descrições trata de designar uma pes- pressos por uma palavra ou frase)”. soa ou uma coisa não pelo seu nome, mas sim 3 Deleuze cita o livro de Hubert Elie, Le por alguma propriedade que se supõe ou se Complexe Significabile, Paris, Vrin, 1936. sabe peculiar e afirma: ‘Suponhamos que como a fonte em que aparecem as semelhan- digo: ‘A montanha dourada não existe, e ças entre as doutrinas de Gregório de Rimini, suponhamos que o leitor pergunte: ‘Que é que Nicolas d’Autrecourt e as teorias de Meinong, não existe?’ Pareceria que, se eu dissesse ‘a sem deixar de assinalar que este autor não montanha dourada, estaria atribuindo a ela indica a origem estóica do problema. uma espécie de existência. Evidentemente não 4 José Oscar de Oliveira Marques in A Onto- estou fazendo o mesmo tipo de afirmação que logia do Tractatus e o Problema do Sa- faria se dissesse: ‘O quadrado redondo não chverhalte Não- Subsistentes esclarece que a existe’. Isto pareceria implicar que a monta- posição de Meinong acerca dos objetos puros: nha dourada é uma coisa e que o quadrado “Para Meinong, quando se julga que um certo redondo é outra, embora nenhum dos dois objeto (eg, a montanha de ouro, ou o círculo exista. A teoria das descrições era destinada a quadrado) não existe, esse julgamento é, resolver esta e outras dificuldades”. 6 ainda assim, acerca desse objeto, embora seja Bertrand Russell, Lógica e Conhecimento, sua inexistência que torna o julgamento ver- São Paulo, Abril Cultural, Col. “Os Pensado- dadeiro. Restringir o domínio dos objetos à s res”, 1978, p.89. “Meinong sustenta que coisas reais ou existentes tornaria inexplicá- existe um objeto tal como o quadrado redon- vel, para Meinong, a ocorrência de julga- do somente que ele não existe, e nem mesmo mentos verdadeiros de inexistências, pois tais subsiste, mas apesar disto existe tal objeto, e julgamentos seriam acerca de nada, isto é quando dizemos ‘o quadrado redondo é uma 204 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 3. LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze 205 pe com toda a tradição inaugurada gundo, o sentido remete ao conceito. por Frege e se estende por Bertrand A idéia de acontecimento dá ao con- Russell. Qual a importância da ceito um aspecto diferente daquele questão do sentido para Deleuze? O pensado por Aristóteles. Desta ma- que pode ser construído, em filosofia, neira, o pensamento de Deleuze pro- a partir dessa abordagem? É espan- cura apontar novas saídas para a toso como Deleuze tende mais para filosofia. O nosso contacto com o Meinong do que para Frege7, o que mundo, dando-se através da superfí- de imediato nos leva a consideração cie das coisas, nos faria apreender do sentido como entidade não- além das coisas e suas imagens os existente, ou seja, à tese capital do acontecimentos que as envolvem. livro. No desenvolvimento de sua Deleuze quer tornar relevante a idéia filosofia, após o livro “Lógica do sen- de que a linguagem e a superfície tido, assistiremos a afirmação de que estão relacionadas. O que pensamos a filosofia é uma disciplina que trata e falamos sobre as coisas passa pela da criação e invenção de conceitos. A superfície. O estatuto da idéia é su- tese de Deleuze é que o conceito perficial. A linguagem, somente atin- remete ao acontecimento. Ora, pro- ge a significação quando se dá na curaremos distinguir e compreender superfície. A significação somente é como se dá esta passagem do livro possível pelo sentido que a envolve. “Lógica do sentido” para o livro “O O acontecimento sinaliza para o sen- que é a filosofia?”. No primeiro, a tido como a proposição para a lin- questão do sentido está diretamente guagem. O que deve ser esclarecido relacionada a proposição; já, no se- é que Deleuze aposta no conceito filosófico como incorporal. ficção’, ele considera que existe um objeto ‘o quadrado redondo’ e existe um predicado Cláudio Ulpiano nos indica, em seu ficção. Ninguém com um senso de realidade trabalho Afetos: um sorriso, um ges- teria analisado aquela proposição. Teria visto to, como se dá essa aproximação que a proposição requer uma análise de tal modo que não tenhamos que considerar o que Deleuze faz entre Meinong e os quadrado redondo como um constituinte da- estóicos na “Lógica do sentido”: quela proposição. Supor que no mundo real da natureza existe todo um conjunto de pro- O circulo quadrado, do qual jamais po- posições falsas que se dizem é para a minha deremos constituir uma forma, o exclui, mente algo de monstruoso. Não me consigo em definitivo, do campo existencial. A persuadir em supô-lo. Não posso acreditar que existem no sentido que existem os fatos”. impossibilidade do círculo quadrado, 7 seu absurdo é em si- absoluto e incon- O nosso espanto aqui se dá, sobretudo por ser a partir de Frege que a questão da propo- dicionado. Em qualquer situação, o cír- sição e sentido começa a ser delineada culmi- culo quadrado estará sempre em im- nando em Wittgenstein. Tal espanto, também possibilidade existencial. Objeto im- é fruto do silêncio de Deleuze em relação ao Tracatatus Lógico-Philosophicus de Wi- possível, inconcebível na série causal, ttgenstein onde aparece o tema da proposição física e lógica. Logo, sua aparição se e sentido de modo inteiramente original. O dá na outra série – na série temporal, que aconteceu para que tal silêncio paira-se que os estóicos nomeiam como sendo sobre Lógica do sentido? 205 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 4. 206 LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze a linha aiônica – a do acontecimento, É curioso constatar que toda a obra ló- semelhante à s linhas da plástica barr o- gica diz respeito diretamente à signif- i ca, do rosto de Joana d’Arc e de seus cação, à s implicações e conclusões e cruéis julgadores, teólogos e juristas”8. não se refere ao sentido a não ser indi- retamente – precisamente por intermé- Por outro lado, há também um fascí- dio dos paradoxos que a significação nio do autor da Lógica do sentido não resolve ou até mesmo que ela cria. pela obra de Lewis Carroll; diante Ao contrário, a obra fantástica se refere desta, procura mostrar que a obra imediatamente ao sentido e relaciona lógica de Carroll difere de sua obra diretamente a ela a potência do para- fantástica exatamente pelo trata- doxo. O que corresponde os dois esta- mento dado ao sentido. dos do sentido, de fato e de direito, a posteriori e a priori, um pelo qual o in- É exatamente neste mundo plano do ferimos indiretamente do círculo da sentido-acontecimento, ou do expri- proposição, outro pelo qual o fazemos mível-atributo, que Lewis Carroll ins- parecer por si mesmo desdobrando o tala toda a sua obra. Disso decorre a circulo ao longo da fronteira entre as relação entre toda a obra fantástica proposições e as coisas10. assinada Carroll e a obra matemático- lógica assinada Dodgson. Parece difí- O livro: “Lógica do sentido” parece cil aceitar que se diga, como já se fez, lançar-nos numa contracorrente filo- que a obra fantástica apresenta sim- sófica, sobretudo, por tentar situar-se plesmente a amostra das armadilhas fora da linha platônica-aristotélica. e dificuldades nas quais caímos Entretanto, este abalo nos induz, quando não observamos as regras e cada vez mais, em direção à pesqu i- as leis formuladas na obra lógica. Não sa filosófica, forçando-nos a procurar somente porque muitas das armadi- uma maior aproximação com os te- lhas subsistem na própria obra lógica, mas apresentados. Deleuze mostra mas porque a partilha parece nos ou- que a origem do problema do sentido tras9. é a filosofia estóica; de modo que, nesse aspecto, procuraremos seguir O apreço de Deleuze por Lewis Car- os textos referentes ao tema, fazendo roll fá-lo afirmar que este, ao distin- incursões naqueles que remetem ao guir diferentes modos de tratar o sen- estatuto dos incorporais.11 tido, sinaliza também para a diferen- ça entre significação e sentido. A filosofia antiga, como sabemos, é um forte pilar para a compreensão 8 10 Cláudio Ulpiano, Afetos: um sorriso, um Idem, ibdem, p.23 11 gesto, in: Pontos de Fuga: Visão, Tato e Os textos em que Deleuze pesquisa estes Outros Pedaços, Rio de Janeiro, Taurus, temas são: La Theorie des incorporels dans 1996, p.116. l’ancien stoicisme, Paris, Vrin, 1928 de Émile 9 Gilles Deleuze, Lógica do sentido, tradução Brehier e Le systeme stoicien et l’idée de de Luiz Roberto Salinas Fortes, São Paulo, temps, Paris, Vrin, 1953 de Victor Perspectiva, 1974, p.23 Goldschimdt. 206 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 5. LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze 207 dos diversos temas que percorrem a primível, o vazio, o lugar e o tempo.12 história da filosofia. O nosso projeto, O exprimível é tratado com um esta- em torno do livro “Lógica do sentido”, tuto “positivo”, ou seja, é o que nos procurará também demonstrar a sua permite falar dos acontecimentos que importância para o ensino filosófico. ocorrem no mundo envolvendo as Donde, podemos dizer que o estudo coisas e estados de coisas. da lógica dos estóicos servirá de pe- dagogia para a compreensão, por A realidade lógica, o elemento principal exemplo, da diferença entre a lógica da lógica aristotélica é o conceito. Esse dos termos e a lógica das proposi- elemento para os estóicos é uma coisa ções. É oportuno afirmar que este inteiramente outra; não é nem a repre- termo, lógica, foi forjado pelos estói- sentação (öáíôáòéá) que é a modifica- cos; antes deles, o modo correto e ção da alma por um corpo exterior; coerente de raciocinar era o que nem a noção (å í í éá), que se forma na ï Aristóteles chamava de analítica. alma sob a ação de experiências se- melhantes. Na realidade é alguma coi- Os estóicos admitem que no limite sa de inteiramente nova que os estói- dos corpos e das coisas ocorrem cos denominam exprimível (ëåêôïí). 13 efeitos de superfície. É no plano da física que se encontram os corpos O estatuto do sentido, a partir da filo- com seus limites e tensões internas. sofia estóica, tem no exprimível, no Os corpos são causas uns para os lekton, seu ponto de partida. Deleuze, outros de certos efeitos de superfície. na Lógica do sentido, procura mostrar O plano da lógica diz respeito aos os filósofos que tratam o sentido de incorporais, aos acontecimentos e modo direto, fazendo-o aparecer na aos laços dos efeitos entre si. A im- fronteira entre as proposições e as portância que Deleuze dá para o coisas. Pela via dos incorporais, ele sentido, como acontecimento incor- acredita que temos um novo modo de poral – o qual não possui as caracte- pensar a lógica, sobretudo pelo fato rísticas de uma coisa e nem de um do princípio de não-contradição não estado de coisas – permite-lhe consi- atingir os incorporais. (Desde Aristó- derar que os estóicos tratam positi- teles14, este princípio fundamenta e vamente aquilo que Platão chamava garante a verdade das premissas, e de simulacros. O que seria esta posi- conseqüentemente permite observar tividade? Platão dava o nome de si- se, de premissas verdadeiras, se- mulacro a tudo aquilo que se furtava 12 a Idéia. Os estóicos concebem que Sextus Empiricus, Adv. Math, X.218, in Les no limite dos corpos dão-se os acon- Stoiciens, Paris, PUF, 1973, p.53. 13 Emile Bréhier, La Theorie des incorporels tecimentos, os quais são expressos dans l’ancien stoicisme, Paris, Vrin, 1980, pela proposição. Os simulacros pla- p.14. 14 tônicos sobem a superfície e tornam- Os estudiosos de lógica paraconsistentes se sentido. Os incorporais estóicos assinalam que Aristóteles já apontava para dividem-se em quatro modos: o ex- uma derrogação do princípio de não- contradição. Lukasiewski e Vassileiev são dois lógicos que afirmam esta tese. 207 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 6. 208 LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze guem-se necessariamente conclu- causalidades físicas, as contradições sões verdadeiras, ou seja, a prova da lógicas e através de ressonâncias, validade dos argumentos). Nesse ecos, correspondências não-causais, livro, ele também estabelece uma compatibilidades e incompatibilidades relação entre o sentido e o tempo, alógicas: o acontecimento puro, con- destacando a dimensão presente – ceber uma nova imagem do pensa- que pertence aos corpos, o reino de mento.15 Cronos -, e o tempo dos incorporais denominado Aion. Na linguagem, o Deleuze, ao longo de sua obra, ob- substantivo e os verbos apareceriam serva que sempre pensou o aconte- relacionados a essas dimensões do cimento16; tal observação, nós pode- tempo. mos comprovar em seu livro: “O que é a filosofia?” quando procura mos- O trabalho, enfim, procurará desen- trar que esta disciplina trata da cria- volver essas questões que passam ção de conceitos. Desse modo, tudo pela história da filosofia e trazem uma o que tinha sido desenvolvido a partir luz para a compreensão da pesquisa de Lógica do sentido, em relação ao deleuziana, assinalando que o seu acontecimento e sentido, é retomado propósito é o de construir uma nova e modificado. A contra-efetuação do imagem do pensamento. Nesse sen- Acontecimento é relacionada ao tido, o autor, em certo momento do campo transcendental sem sujeito, ao livro, rompe com os estóicos, afir- plano de imanência, a uma vida; con- mando que estes não resistiram a ceitos que aparecem, sobretudo, em tentação de relacionar o aconteci- seu último texto escrito publicado em mento à causalidade física, e cita 1995 em um número especial da re- Leibniz como o primeiro grande teóri- vista Philosophique produzido em sua co do acontecimento. A tese de De- homenagem: “A imanência: uma leuze é pensar o acontecimento, o vida”. sentido, inteiramente independente de qualquer aspecto redutor, seja ele A paixão de Deleuze pela filosofia físico, lógico ou psicológico. O acon- leva-o afirmar que o conceito filosófi- tecimento não se reduz a nenhuma co jamais deve ser reduzido a função coisa, indivíduo ou pessoa, antes os científica; o conceito filosófico diz envolvem. 15 Cláudio Ulpiano, O Pensamento de Deleu- Logique du sens é um texto profunda- ze ou A Grande Aventura do Espírito, Tese de mente afetado pela cisão causal; é sua Doutoramento apresentada ao Departamento essência, do texto, a cisão causal e to- de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciên- das as suas conseqüências: que lhe cias Humanas da UNICAMP sobre a orienta- ção do Prof. Dr, Luiz. B. L. Orlandi, p.77. são imensas. O extra-ser, como a parte 16 Gilles Deleuze, Conversações tradução de inefetuada do acontecimento é a obra Peter Pal Pelbart, Rio de Janeiro, Ed. 34, de Deleuze. Uma idéia propriamente 1992, p.177. “Em todos os meus livros bus- estóica, para a qual o pensamento se quei a natureza do acontecimento; este é um volta a fim de suprimir a psicologia, as conceito filosófico. O único capaz de destituir o verbo ser e o atributo”. 208 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 7. LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze 209 respeito somente ao acontecimento; Deleuze investe numa nova imagem Deleuze entra em confronto com to- do pensamento. Esta imagem, não é das as posições filosóficas que ten- apenas para salvar o reino das me- tam tirar da filosofia a condição real táforas, pois sabemos que tangencia de criar e inventar conceitos. A cria- a poesia; nem tampouco para ficar- ção de conceitos é inseparável das mos apenas no domínio da conota- circunstâncias, dos acontecimentos ção; trata-se de uma revitalização da que envolvem a vida do filósofo em filosofia, de um acréscimo diferencial seu mergulho no pensamento. nesta disciplina que percorre os sé- culos. Bento Prado Júnior aponta a inserção da filosofia de Deleuze no âmbito O campo transcendental é a-subjetivo. contemporâneo. É ininteligível sem o modelo de uma nova imagem do pensamento. Esta A crítica deleuziana a subjetividade nova imagem confronta-se com o re- como fundamento é menos uma origi- conhecimento, com a recognição e nalidade de sua filosofia do que um todo o seu séqüito – sobretudo a cor- ponto pacífico de toda reflexão con- relação sujeito-objeto. Para se enten- temporânea de vocação antifenome- der o pensamento como ato de cria- nológica, da filosofia analítica aos fa- ção, como rompimento com o eu pes- mosos ‘desconstrucionismos’, passan- soal, é necessário arrancá-lo de suas do por todos os neopragmatismos (o possibilidades abstratas, separa-lo do naturalista, norte-americano, e o trans- senso comum e do bom senso. Noutra cendental, alemão) e por todos os es- linguagem, quebrar por dentro o es- truturalismos. O que a distingue, talvez, quema sensório-motor. Para fazer apa- é ver no sujeito fundante (cartesiano, recer o eu dissolvido – um conjunto de kantiano, husserliano e mesmo hegeli- eus larvares contraentes e contempla- ano – cf. Gerard Lebrun, O avesso da tivos. Liberar as singularidades nôma- dialética, São Paulo, Cia das Letras, des das individualidades fixas e do su- pp.254-7) um sujeito essencialmente jeito finito – rompendo com o equívoco representativo e submetido ao regime de considerar que esta prática conduzi- de identidade, arque unificadora e sín- ria a um abismo indiferenciado. Ao tese prévia da experiência capaz de contrário, será, sim, alguma coisa que exorcizar toda forma de diferença re- não é nem individual nem pessoal; que belde. Trata-se de inverter a linha de não será nem formal nem informe; mas pensamento, para leva-la para algo o aformal puro. Ë a renovação quando como um camporévio, pré-subjetivo e o transcendental perde a forma da pré-objetivo, donde constituir tanto su- consciência e expande a sua aventura 17 18 jeito como objeto. involuntária. 17 18 Bento Prado Junior, A Idéia de “Plano de Cláudio Ulpiano, Afetos: um gesto, um Imanência” , in Gilles Deleuze: uma vida sorriso, in; Visão, Tatos e Outros Pedaços, filosófica, São Paulo, Ed. 34, 2000, p.34. Rio de Janeiro, Taurus, 1998, p.116. 209 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 8. 210 LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze O trabalho tratará de apresentar, tribuíram para que a questão se de- através da teoria do sentido, os mei- senrolasse do modo que pretende- os e vias que nos permitam desen- mos estudá-la. Iniciaremos por des- volver com consistência os pormeno- tacar dois pensadores que irão res desta renovação da filosofia. acrescentar muito para o trabalho que pretendemos desenvolver sobre Dando, por exemplo, prosseguimento a teoria do sentido em Deleuze; é as investigações iniciadas em nossa oportuno lembrar que Deleuze no seu dissertação de mestrado, procurare- livro: “Lógica do sentido” faz algumas mos fazer um paralelo entre uma tese citações em relação à “controvérsia” que aparece em Lógica do sentido, que envolve os filósofos Meinong e que, de um certo modo, pode ser Bertrand Russell, porém são citações considerada inversa à tese bergsoni- ligeiras. Tais citações nos levam a ana exposta em sua crítica à idéia de tentar aprofundarmos a pesquisa Nada. Nesta crítica Bergson mostra, buscando os pontos principais que por diferentes vias, que jamais po- são discutidos nesta controvérsia. demos pensar o Ser após o Nada. A Não começaremos por confrontar a ilusão teórica, o falso problema da fenomenologia com a filosofia analíti- anterioridade do Nada sobre o Ser é ca, mas sim dois pensadores que dissipada. O Ser é a realidade que fazem parte, ainda que indiretamente, possui duração. Entretanto, o incor- destas escolas. Meinong, não é pro- poral não é o Nada. Deleuze, de ou- priamente um fenomenologo, mas é tro modo, esforça-se por nos mostrar, influenciado pela linha de pensa- com a idéia de Acontecimento que mento que descende dos filósofos este apesar de não existir, possui austríacos aparecidos no século XIX sentido e realidade. A realidade do orientados pelos trabalhos de Ber- Acontecimento é de natureza dife- nhard Bolzano – que era tcheco de rente da dos corpos, como já disse- nascimento. Tais filósofos propõem mos, é incorporal; não é um ser, mas um afastamento de Kant, ou seja, um extra-ser. Enfim, é nesta direção deixam de ter uma preocupação níti- que aparecerão as conexões reais e da com o sujeito voltando-se para o as conjugações virtuais. A comunica- objeto19. Bertrand Russell, como ção entre acontecimentos resulta numa lógica que trata o sentido fora 19 Bento Prado Junior, em“Presença e campo do campo da representação e da transcendental: consciência e negatividade significação. em Bergson, São Paulo : Edusp, 1964, ensi- nou-nos como Kant, na refutação do idealis- O Problema do Sentido na Filo- mo – analítica transcendental da Crítica da sofia Contemporânea Razão Pura – teria mostrado a dependência da consciência em relação ao objeto externo. Neste sentido a fenomenologia seria herdeira O nosso trabalho começará indicando de Kant, por considerar a tendência para o a origem do problema do sentido na objeto como bem indicou o filósofo de filosofia contemporânea, sobretudo Könisberg. Deste modo, considerar que os sublinhando os pensadores que con- filósofos austríacos, liderados por Bolzano, afastam-se de Kant é estranho, pois o idealis- 210 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 9. LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze 211 sabemos, é um dos mais importantes não é satisfatória, sobretudo, por nomes da filosofia da análise lógica, considerar toda e qualquer expressão uma vez que foi a partir de seu con- denotativa, gramaticalmente correta, tato com Frege que procurou pesqui- como representante de um objeto e sar a forma lógica da proposição fora também por infringir o princípio de das categorias de sujeito e objeto20. contradição. 1.1 Bertrand Russell e Meinong Por conseguinte, ‘o atual rei da Fran- ça’, ‘o quadrado redondo’, etc., su- O presente trabalho, ao tratar da põem-se ser objetos genuínos. Admite- questão do sentido, insere-se numa se que tais objetos não subsistem, discussão que ocupa um capítulo mas, entretanto, eles são supostos ser importante na história da filosofia: a objetos. Esta é em si mesma uma controvérsia entre Bertrand Russell e perspectiva difícil; mas a principal ob- Meinong. O lógico inglês quando pro- jeção é que tais objetos, reconhecida- cura expor, em Lógica e Conheci- mente, estão prontos a infringir a lei de mento, o que entende por denotação contradição. Sustenta-se, por exemplo, depara-se com duas teorias: a de que o existente atual rei da França Meinong e a de Frege as quais, se- existe e também que não existe; o que gundo ele, não satisfazem o seu pro- o quadrado redondo é redondo e tam- pósito. A teoria dos objetos de Mei- bém não redondo, e também não re- nong e a teoria do sentido e referên- dondo etc. Mas isto é intolerável; e se cia de Frege seriam destituídas pela puder estabelecer qualquer teoria para teoria das descrições de Russell. evitar este resultado, esta deve ser certamente preferida21 De início, Russell apresenta os moti- vos pelos quais a teoria de Meinong O texto de Russell é esclarecedor principalmente no que tange ao nos- mo transcendental não prescinde do realismo so conhecimento sobre Meinong. É empírico. Kant afirma que a minha existência comum ouvirmos considerações so- somente pode ser experimentada em relação a existência de objetos exteriores a mim. A bre Meinong pela ótica de Russell, o realidade, mais imediata, segundo Kant, não é que nos deixa com idéias inadequa- a interna, e sim a externa. O tempo possui das a respeito de sua filosofia. A teo- dependência em relação ao espaço e, também ria de Meinong é apresentada de um o sentido íntimo depende do sentido externo. modo que nos deixa sem entender 20 Luiz Henrique Lopes dos Santos in Russell qual é o seu propósito. Não nos resta (1872-1970) Vida e Obra, São Paulo, Abril outra alternativa a não ser a de apre- Cultural, 1978, p.VII afirma: “A análise lógi- sentar o próprio Meinong; o que tam- ca das proposições matemáticas e o contato bém nos permite enfocar o ponto de com as doutrinas lógicas de Peano (1858- 1932) e Frege (1848-1925) levaram Russell a partida das preocupações de Russell. reconhecer a irrelevância lógica das categori- Tal enfoque também nos deixa com as de sujeito e predicado, e particularmente a 21 incorreção da análise de proposições que Bertrand Russell, Lógica e Conhecimento, enunciam relações entre objetos, fundada tradução de Pablo Rubén Mariconda, São sobre tais categorias. Paulo : Abril Cultural, 1978, p.6. 211 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 10. 212 LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze uma visão mais próxima das ques- Neste sentido é oportuno apresen- tões que envolvem a filosofia con- tarmos o próprio Meinong esclare- temporânea, sobretudo, no que diz cendo o seu propósito. respeito à fenomenologia e à filosofia analítica. A teoria da denotação a Que não se pode conhecer sem co- qual Russell diz ser proveitosa não nhecer algo; mais genericamente, que apenas para a lógica e a matemática, não se pode julgar e também não re- mas também para todo o conheci- presentar sem julgar sobre algo ou re- mento, tem sua origem justamente presentar algo, isto pertence ao mais nesta controvérsia com Meinong22. evidente sob uma consideração ele- mentar dessas experiências. Que no 22 Luiz Henrique Lopes Santos em texto pro- domínio da suposição não é diferente, fundamente esclarecedor nos mostra que eu pude mostrar sem recorrer a um Russell entra em contro- vérsia com Meinong exame especial, embora a pesquisa quando procura solucionar o problema de psicológica sobre isso mal tenha co- expressões denotativas que tentam denotar meçado. O problema é mais complexo objetos tipo: “o atual rei da França” mostran- do-os como símbolos incompletos e não como no caso dos sentimentos, onde a lin- elementos independentes da proposição, po- guagem, sem dúvida, mais nos induz rém com significados em contexto. “O pres- ao erro, com a indicação do que se suposto de que toda expressão denotativa sente, o gozo, a dor, assim como a pi- denota algo acarreta problemas insolúveis; edade, a inveja, etc., e no caso dos torna impossível, por exemplo, a negação de existência. Tome-se por exemplo a proposi- objetos, na medida em que, a despeito ção “O atual rei da França não existe”; se ela do testemunho da ocorrência muito cla- for reconhecida como significativa, dever-se- ra na linguagem, sempre tem-se que ia reconhecer a existência de algo denotado enfrentar a eventualidade de desejos por “o atual rei da França” e, portanto, a fal- sidade da proposição. Nenhuma negação de que não desejam nada. Mas, mesmo existência seria então verdadeira, pois sua aqueles que não compartilham a minha significatividade implicaria necessariamente opinião – qual seja, tantos os senti- sua falsidade. Uma linha de solução, assumi- mentos quanto os desejos não são fa- da entre outros por Meinong (1853-1921), tos psíquicos independentes porque consiste em distinguir entre existência e sub- sistência e exigir que expressões denotativas eles são representações a título de denotem não apenas entidades existentes mas inelutável “pressuposição psicológica” simplesmente subsistentes. Sem falar na obs- – concederão sem reservas que se curidade da noção de subsistência, se essa goza de alguma coisa, que se interes- distinção resolvesse o problema no que con- cerne a “o atual rei da França’, certamente sa por alguma coisa e, ao menos na não o resolveria no que concerne a “o círculo extrema maioria dos casos, que se não quadrado”, visto que o caráter contraditório quer ou deseja sem querer ou desejar das proposições que a entidade supostamente qualquer coisa, em suma, ninguém ig- denotada por essa expressão deveria possuir nora que o processo psíquico tão fre- impede até mesmo que seja admitida como subsistente, seja qual for o sentido que se dê a qüentemente esteja de par com esta “subsistência”. Problemas semelhantes pode- propriedade de “ser orientada para riam ser também levantados com respeito a algo” que se está bem perto de ver nis- expressões como “um centauro”, “todos os so um aspecto característico que dis- anjos”, etc. Cf. Russell (1872-1970) Vida e Obra, São Paulo, Abril Cultural, 1978, p.VIII. 212 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 11. LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze 213 tingue o que pertence ao psíquico do tratar de maneira científica estes obje- que não é da ordem psíquica23. tos não deve permanecer sem res- posta. A citação acima nos faz buscar recur- sos para tentarmos compreender em A questão de Meinong envolve a ci- que ponto Russell pode desqualificar ência do objeto que possa explicar a a empresa de Meinong. A preocupa- diversidade de casos em que esta- ção do segundo é com a diversidade mos orientados para “nada. Em suas de casos que se apresentam quando pesquisas já aparece uma preocupa- estamos direcionados para algo. O ção com o que atualmente chama-se conhecimento, segundo ele, não pode transdisciplinaridade. A existência de ser estudado sem seu objeto. O ob- uma “zona neutra” entre os diversos jeto do conhecimento cumpre esta domínios teóricos que procuram pen- tendência, de modo que, quando per- sar o objeto, somente dificulta o en- guntamos pelo conhecimento, está contro desta ciência. Meinong expõe implícito que estamos direcionados magistralmente que a existência de para o objeto do conhecimento. Deste uma zona neutra é eficaz no domínio modo quando queremos conhecer, prático, por permitir a relação de boa- por exemplo, os casos em que esta- vizinhança – a interpenetração de mos direcionados para nada, deve- fronteiras é caso de conflito. Já no mos perguntar se o nada é um objeto domínio teórico, caso as fronteiras ou apenas um sentido. A postura de não se interpenetrem não existirá Meinong é tratar cientificamente estes avanço na ciência do objeto. A zona casos, por isto a pertinência de suas neutra separa os diversos domínios indagações nos faz olhar Russell com teóricos causando a estagnação da certa desconfiança. ciência do objeto. Todavia, não é a tarefa das considera- Interrogar-se sobre um determinado ções seguintes explanar porque eu te- domínio do saber, negligenciado a nho esta suposição como a melhor ponto de ele não ter reconhecido ao fundada a despeito das muitas dificul- menos a medida de sua especificidade, dades que a ela se opõem. Os casos eis o que visa o problema aqui posto em que a referência, o estar expres- de saber qual é de fato o lugar, de samente orientado para ‘algo’ ou, como qualquer maneira legítimo, do trata- se diz muito grosseiramente, a um ob- mento rigoroso do objeto enquanto tal jeto, são tantos que se impõe, mesmo e em sua generalidade; trata-se da que seja para dar conta desses casos, questão seguinte: existe entre as disci- que a questão acerca de a quem cabe plinas reconhecidas por sua proveni- ência científica uma ciência onde se 23 pode encontrar um tratamento rigoroso Alexius Meinong, Sobre a Teoria dos Objetos, (tradução de Celso R. Braida, no do objeto enquanto tal ou, ao menos, prelo, p.1 (Original A Meinong, Über Ge- onde tem valor esta exigência?.24 genstandtheorie; Selbstdarstellung; Mit. Einl., Bibliogr. U. Reg.hrsg. von Josef M. Werle; 24 Hamburg, Meiner, 1988. ppl-51). Idem, ibdem. 213 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 12. 214 LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze A indagação de Meinong tem uma dos pelo objektiv. O julgamento ne- resposta negativa por não termos gativo não poderia ter sentido se o conhecimento de um tratamento rigo- objektiv, fora do ser, não o garantis- roso que tenha sido dado ao objeto se. Meinong mostra-nos que para por parte de qualquer ciência. A pes- além da não existência do sujeito do quisa de Meinong segue examinando juízo há o objektiv. Deste modo, po- o que ele denomina: “pré-juízo a fa- deríamos discernir as várias espécies vor do efetivo” sendo neste ponto que de julgamentos negativos. O que a aparecerá o “objektiv” o qual remete- Metafísica diria sobre este aspecto? rá para o sentido dos objetos que existem quanto dos que não existem: Quando se recorda a que ponto a Me- a doutrina do “Auâersein”, ou seja, da tafísica sempre teve a intenção de in- indiferença do objektiv em relação à tegrar ao domínio de suas colocações existência quanto à subsistência. Tal o mais próximo como o mais distante, doutrina afirma que o objektiv está o maior como o menor, pode parecer fora do ser, o que é conseqüência da estranho que ela não possa assumir a reflexão sobre a tendência que pos- tarefa que estamos evocando pela ra- suímos em favorecer o efetivo. O zão que, malgrado a universalidade de ensinamento que se retira desta dou- suas intenções, a Metafísica não teve trina é que os objetos ideais, apesar sempre, de longe, a visada suficiente- de não existirem, são passíveis de mente universal para ser uma ciência entrarem no rol do conhecimento. do objeto. A Metafísica lida, sem dúvi- Tome-se como exemplo os números da, com a totalidade do que existe. e as relações entre eles, diz Meinong. Mas, a totalidade do que existe, inclu- Todavia não é este o ponto que que- indo aí o que existiu e o que existirá, é remos destacar, e sim aquele que infinitamente pequena em relação a remete aos objetos subsistentes. O totalidade dos objetos de conheci- preconceito, a favor daquilo que mento; e que se tenha negligenciado existe, deixou sua marca na história isto tão facilmente tem, bem entendi- da filosofia quando se procurou en- mento, o seu fundamento no fato que o contrar uma ciência que subsumisse interesse vivo pelo efetivo, que está em todos os objetos existentes. A metafí- nossa natureza, favorece este excesso sica foi considerada como a ciência que consiste em tratar o não-efetivo primeira que forneceria os funda- como um simples nada, mais precisa- mentos para as ciências particulares mente, a trata-lo como algo que não sendo definida como: “a ciência do oferece ao conhecimento nenhum ser enquanto ser”. ponto de apreensão ou nenhum que 25 seja digno de interesse. O pré-juízo a favor do efetivo consiste justamente nisto, ou seja, em não Meinong diz que os objetos ideais os levar em conta objetos subsistentes. quais são dotados de subsistência A replica de Meinong visa sobretudo (bestehen), mas em nenhum caso de à questão do julgamento onde o ve r- dadeiro e o falso aparecem sustenta- 25 Idem, ibdem. 214 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 13. LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze 215 existência (existierien), mostram o Deleuze como aquele que apresenta quanto esta tendência é insustentá- a importância de Gregório de Rimini e vel. de Meinong, porém sem citar a ori- gem estóica do problema. Deleuze O sentido seria muito fácil de ser de- aponta que desde a filosofia antiga – finido como alguma coisa que se si- século III a C - o problema do sentido tua entre as coisas e as proposições. vem percorrendo a história da filoso- Ora, não discordamos que assim fia. O nosso propósito é a aprofundar possa ser definido, porém é necessá- esta indicação de Deleuze em rela- rio avançarmos em nosso estudo ção a Meinong, por considerarmos apresentando nuances que tornam o que é a partir do século XIX que co- trabalho filosófico cada vez mais es- meçam as pesquisas de Bolzano em timulante. A pesquisa remete aos torno das representações em objeto. pontos que são citados por Deleuze Meinong começou a ter conheci- em Lógica do sentido, mas não expli- mento sobre tais questões a partir de citado em seus pormenores. O nosso Twardowski. Os filósofos austríacos, trabalho consiste em trazer a luz es- sobretudo os da escola de Brentano tas contendas filosóficas apontando – Husserl, Twardowski e Meinong – para aquilo que Deleuze quer tratar são bastante influenciados pelas es- com um problema que percorre a peculações de Bolzano. Tais pesqui- filosofia ao longo dos tempos. O sen- sas giram em torno do problema dos tido foi descoberto por Meinong como julgamentos falsos. Vários pensado- objektiv afirma Deleuze. Entretanto, res inscrevem-se neste propósito; a nós temos que ir atrás dos problemas escola de filósofos austríacos - con- e, sobretudo da critica de Russell a siderando o sentido como fruto de um Meinong apresentando-a, dentro de ato intencional - será confrontada seu contexto. pela filosofia analítica. Frege será o filósofo que dará o respaldo necessá- O tratamento rigoroso em relação à rio para que o ato lógico seja pensa- ciência do objeto, o qual foi exigido do de modo diferente do ato psicoló- por Meinong, teve através da filosofia gico. Husserl ao receber esta influên- varias teorias. Husserl, por exemplo, cia de Frege tratará de fazer da fe- afirmou o ato intencional como doa- nomenologia o fundamento da lógica. dor de sentido. O noema - situado entre a noesis e a coisa - estaria pró- Deleuze tece vários comentários so- ximo do objektiv. Em Lógica do senti- bre o noema husserliano, porém em do é justamente o que vemos, uma determinado ponto do texto começa vez que Deleuze cita Husserl como por indicar a insuficiência da doação um filósofo que lhe permite pensar o de sentido proveniente da fenome- sentido como entidade não existente. nologia. Tal insuficiência, a primeira A escola de Husserl e Meinong serve vista, parece provir da comparação para Deleuze pensar o sentido. pró- com “a estrutura”, uma vez que a ximo do exprimível preconizado pelos doação de sentido fenomenológica estóicos. Hubert Elie é citado por não apresenta o elemento paradoxal, 215 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 14. 216 LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze o ponto aleatório que ele denomina singularidades nômades e anônimas, simultaneamente: casa vazia e objeto impessoais e pré-individuais. Simon- supranumerário; lugar sem ocupante don inspira Deleuze a indicar cinco e ocupante sem lugar. A doação de características do campo transcen- sentido deriva, através da inspiração dental, a saber: 1) As singularidades- da estrutura, do não-sentido; sendo acontecimentos correspondem à s que neste aspecto podemos observar séries heterogêneas que se organi- porque Deleuze não segue a consci- zam num sistema meta-estável. 2) As ência intencional como doadora de singularidades gozam de um proces- sentido. O noema apesar de se situar so de auto-unificação sempre móvel entra as proposições e as coisas – as e deslocado na medida em que um quais são consideradas duas séries elemento paradoxal percorre as séri- heterogêneas – não poderia ser es faz ressoar as séries envolvendo apreendido como o não-sentido que os pontos singulares em um mesmo doa sentido. O não-sentido que opõe- ponto aleatório. 3) As singularidades se ausência de sentido serve muito ou potenciais freqüentam a superfí- mais a Deleuze para que, de outro cie. 4) A superfície é o lugar do senti- modo, faça remissão a um campo do: os signos transcendental como aquele que Sartre pensou a partir da Le Trans- Meinong parece continuar servindo a cendence de l’Ego. A fenomenologia, Deleuze, devido ao objektiv dos ob- como vemos, não deixa de estar jetos subsistentes não remeter a sempre próxima das considerações consciência. O campo transcendental de Deleuze acerca do sentido. En- pré-subjetivo e pré-objetivo esboça- tretanto, a crítica ao campo transcen- se aqui para mais tarde ganhar uma dental sartreano não tardará a ser importância maior ao longo do livro. feita. Deleuze, no entanto conserva a A indicação de que Meinong continua noção de campo transcendental re- a servi-lo é apontada quando Deleu- metendo-o para o sistema metaestá- ze começa a pensar a 6a série: ”So- vel de Gilbert Simondon. O ponto bre a colocação em séries” onde pela mais importante desta viragem – a primeira vez é feita remissão a Ja- qual começa a nos remeter para a cques Lacan. A 5a série: “Do Parado- ontologia – é a indicação de que o xo” onde Deleuze termina por citar o sentido é produzido e não dado como paradoxo dos objetos impossíveis de uma essência. A Lógica do sentido é Meinong alinhava-se com os ele- um problema dentro da filosofia mentos paradoxais que percorrem as transcendental. A filosofia transcen- séries da estrutura. A doação de sen- dental começa apontar para um cam- tido é dada pelo não-sentido que não po transcendental sem as formas da tem a forma de uma consciência fe- consciência e do sujeito. Seria possí- nomenológica. Deleuze, como já ti- vel em algum tempo e lugar ensinar nha afirmado que os objetos contra- uma filosofia fora da consciência e do ditórios são plenos de sentido, ali- sujeito? O campo transcendental é nhava a teoria do objeto de Meinong denominado por Deleuze: mundo das com a estrutura. Como podemos ver 216 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 15. LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze 217 ao longo de toda obra não faz ne- filosofia. De inicio, poderíamos dizer nhuma crítica ao filósofo de Graz. que esta reversão dá-se em relação a Entretanto, de imediato caímos em dois filósofos: Platão e Aristóteles. um problema, pois não sabemos se Em relação a Platão a diferença é a Deleuze vai das concepções estrutu- seguinte: a Idéia platônica deixa de ralistas à filosofia antiga ou desta ser um modelo, uma causa exemplar aquela. e constitui-se como um efeito de su- perfície.; os estóicos atribuem como O livro começa, em sua primeira série sendo efeitos todo o tipo de idealida- de paradoxos: “Do puro devir”, citan- des, ou seja, os exprimíveis: não as do Lewis Carroll e os paradoxos que coisas, mas aquilo que se pensa e se aparecem em “Alice no país das ma- diz sobre elas. Os corpos com suas ravilhas”; em seguida começa a parte tensões e limites tem as característi- propriamente filosófica onde é feita a cas da substância. A diferença para remissão a Platão sobre a dualidade com Aristóteles dá-se justamente em do limite e do ilimitado contida no relação à s categorias que se repo r- Filebo. Os paradoxos começam a ser tam à substância. Nesse sentido, é pensados em relação à linguagem e que podemos constatar a inovação o Crátilo também é citado. Na segun- estóica; os acidentes em Aristóteles da série de paradoxos: “Do sentido”, se dizem como ser no outro, ou seja, os estóicos começam a ser apresen- sem a substância não seriam; donde tados através da distinção entre os se conclui que possuiriam hierarqui- corpos e os incorporais. Os estóicos, camente um nível inferior à substâ n- diz Deleuze, são amantes de parado- cia. Os estóicos revertem - segundo xos e estes são os incorporais, os Deleuze apoiado em Emile Bréhier e efeitos de superfícies que possuem Victor Goldschimdt - este procedi- uma natureza diferente das dos cor- mento por apontarem para os corpos pos. Os corpos possuem limites em como possuidores de ser, o que im- seus contornos, ações e paixões que pede que existam graus hierárquicos emanam de suas profundidades. Os no interior de sua substancialidade. incorporais são ilimitados, impassí- Tomemos, como exemplo, uma árvo- veis, efeitos que acontecem na su- re verde; para Aristóteles essa árvore perfície dos corpos. O acontecimento é uma substância que é denominada tem sua diferença para os estados de o ser em si; o acidente verde possui coisas justamente por não apresentar um grau inferior em relação à sub s- as características das coisas; não tância árvore por existir em função existe, mas, antes subsiste ou insiste dela. Deste modo, os estóicos rever- nas coisas. O acontecimento ocorre tem Aristóteles por dizerem que a nas coisas e é expresso pela propo- árvore e o verde possuem ser, mas o sição. verdejar é um acontecimento na su- perfície da árvore verde. A hierarquia, Deleuze, a partir da segunda série de em relação ao Ser, é destituída em paradoxos, começa a apontar para a prol de uma outra relação que envol- reversão que os estóicos operam na ve os corpos e incorporais. O termo 217 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 16. 218 LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze mais alto, diz Deleuze, não é mais o Tais representações possuem rela- Ser, mas Alguma coisa que envolve ções intrínsecas com a proposição os corpos e incorporais. sendo neste aspecto que não possu- em objeto. No caso da representação 1.2 Bolzano e Meinong do nada não encontramos objeto al- gum, mas Bolzano aponta que tal As questões que viemos apontando, representação possui uma relação desde o inicio deste trabalho, reme- intrínseca com a proposição. O con- tem à s especulações tecidas por teúdo semântico é que possibilita a Bernhard Bolzano acerca das repre- questão do nada. O propósito de sentações sem objeto. O desenvol- Bolzano não é esclarecer que o nada vimento de tais questões chegou até não passa apenas de uma palavra. Meinong via Twardowski. Bolzano no Não é seu objetivo afirmar que o § 67 da Wissenschaftlehre apresenta nada seja uma palavra formada por a questão das representações em si; quatro letras onde duas são vogais e o seu propósito é elucidar que as duas consoantes. A sua especulação, representações subjetivas possuem também não visa de modo nenhum como conteúdo uma representação elucidar que a palavra nada seja objetiva, mas nem toda representa- constituída de dois fonemas: “na” e ção objetiva remete para uma repre- “da”. Bolzano não quer dizer que os sentação subjetiva. As representa- dois fonemas somente possuem dife- ções em si levaram-no à s especul - a rença quando relacionados entre si. A ções do paradoxo das representa- sua pesquisa não caminha em dire- ções sem objeto. Entretanto, a ques- ção ao simbólico. Na proposição: tão das representações sem objeto “Não existem quadrados redondos”; o parece contradizer o que tinha sido sujeito não é “os quadrados redon- afirmado acerca das representações dos”, mas as representações de qua- subjetivas. Não é difícil compreender drados redondos. Deste modo, suas que toda representação subjetiva especulações remetem ao conteúdo remeta para uma representação ob- semântico estando estritamente liga- jetiva, mas não é fácil compreender da a linguagem. A sua postura não é que representações em si sejam re- intencionalista, pois não pensa as presentações objetivas e sem objeto. representações em si como sendo Bolzano elucida que representações objetos de um ato intencional. do tipo: “nada”, “virtude viciosa”, “cír- culo quadrado” não possuem objeto. * Luiz Manoel Lopes é doutorando do Programa de pós -graduação em Filosofia da UFSCar – Universidade Federal de São Carlos – SP, sob a orientação do Prof. Dr. Bento Prado Júnior. Referencias Bibliograficas BRÉHIER, Émile. La théorie des incorporels dans l’ancien stoïcisme. Paris: Vrin, 1980. 218 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 17. LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze 219 _____ . Chrysippe & l’ancien stoïcisme. Paris: PUF, 1971. _____ . Études de Philosophie Antique. Paris, PUF, 1955. BRENTANO, Franz. Aristote et les significations de l’être. Paris, Vrin, 1992. CICERON. Traité du Destin, in: Les Stoiciens. Paris: Bibliotéque de la Pléiade, Gallimard, 1962. CONCHE, Marcel. Temps et destin. Paris: PUF, 1992. DELEUZE, Gilles. Logique du sens. Paris: Les éditions de Minuit, 1969. _____ . Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1974. _____ . O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34, 1992. DIAS, Sousa. Lógica do acontecimento, Deleuze e a filosofia. Porto: Afrontamento, 1995. ENGEL, Pascal. La norme du vrai. Paris: Gallimard, 1989. ELIE, Hubert. Le Complexe Significabile. Paris: Vrin, 1936. FREGE, Gottlob. Écrits logiques et philosophiques. Paris: Éditions du Seuil. 1979. FREGE-HUSSERL. Correspondance. Paris: Éditions T.E.R., 1987. GOLDSCHMIDT, Victor. Le système Stoïcien et l’idee de temps. Paris: Vrin, 1985. GRANGER, Gilles-Gaston. Le probable, le possible et le virtuel. Paris: Odile Jacob, 1991. HADOT, Pierre. Sur le divers sens du mot Pragma dans la tradition philosophique grec- que, in: Concepts et categories dans la pensée antique. Paris: Vrin, 1980. DUHOT, Jean-Joël. La conception stoïcienne de la causalité. Paris: Vrin, 1989. KNEALE, William & KNEALE, Martha. O Desenvolvimento da lógica. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1962. LINSKY, Leonard. Le problème de la référence. Paris: Éditons du Seuil, 1967. LOTURCO DA SILVA, Valéria. O Empirismo Transcendental na Filosofia de Gilles Deleu- ze. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de Filosofia da FFLCH em 2001 sob orientação do Prof. Dr. Bento Prado Jr. MARQUES, José. A Ontologia do Tractatus e o Problema dos Sachverhalte Não- Subsistentes, texto retirado da Internet em 03/01/02. MATES, Benson. Stoic Logic. Berkeley: University of Californis Press, 1973. MAXIME-SCHULL, Pierre. Le Dominateur et les possibles. Paris: PUF, 1960. MOREAU, Joseph. Stoïcisme-Épicurisme. Tradition Hellenique. Paris: Vrin, 1979. PASQUINO, Pascale. Le statut ontologique des incorporels dans l’ancien stoïcisme in: Les stoïciens et leur logique. Paris: Vrin, 1978. 219 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003
  • 18. 220 LOPEZ,Luiz Manoel. Teoria do Sentido em Deleuze PRADO JÚNIOR, Bento. A Idéia de “plano de imanência” in: Gilles Deleuze: uma vida filosófica. São Paulo: Ed. 34, 2000. PETIT, Jean-Luc. Solipsisme et intersubjectivité, Quinze Leçons sur Husserl et Wittgen- stein. Paris: CERF, 1996. ROUILHAN, Philippe. Frege, Les Paradoxes de la representation. Paris: Les Éditions de Minuit, 1988. RUSSELL, Bertrand. Significação e verdade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1973. SILVA, Mariluze. Introdução à semântica de Gottlob Frege, Londrina, CEFIL, 1999. SEXTUS EMPIRICUS. Adversus Mathemathicus. In: Les Stoicïens, Paris, PUF, 1973. ULPIANO, Cláudio. Do Saber em Platão e do sentido nos estóicos como reversão do platonismo. Tese de Mestrado apresentada ao Departamento de Filosofia do IFCHS – UFRJ em 1983. _____ . O Pensamento de Deleuze ou A grande aventura do espírito. Tese de Doutorado apresentada ao Departamento de Filosofia do IFCH da UNICAMP em 1998, sob a orien- tação de Luiz B. L. Orlandi. _____ . Afetos: um sorriso, um gesto in: Pontos de Fuga: visão, tato e outros pedaços. Rio de Janeiro: Taurus Editora, 1996. VIRIEUX-REYMOND, Antoinette. Pour connaître la pensée des Stoiciens. Paris: Bordas, 1976. WITTGENSTEIN, Tractatus Lógico-Philosophicus, São Paulo, Edusp, 1985. ZOURABICHVILI, François. Deleuze une philosophie de l’evenement. Paris: PUF, 1994. 220 An. Filos. São João del-Rei, n. 10. p. 203-220, jul. 2003