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Expediente

Realização:
Federação dos estudantes de agronomia do Brasil – FEAB
Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal – ABEEF

Descrição:
Cartilha de textos de subsídio aos debates sobre Educação Popular

Edição:
Núcleo de trabalho permanente em Educação – Universidade de São Paulo,
Campus “Luiz de Queiroz” em Piracicaba

Diagramação:
Felipe Teixeira Chinen

Revisão:
Camila Dinat, Carla Bueno Chahin, Felipe Teixeira Chinen, Lineu Vianna,
Marcela Cravo Rios e Paola C. C. Estrada Camargo




Piracicaba-SP
Maio – 2008


                                                                          1
Sumário

Apresentação da cartilha......................................................................3


Nossa História

FEAB – Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil.............................5

ABEEF – Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia
Florestal.................................................................................................8


Atualidades em torno da educação

Sobre a educação..................................................................................11

Observações da crise da educação pública.................................................14

Universidade(s) ....................................................................................22


Conceitos e perspectivas da educação popular

Educação popular..................................................................................36

Aplicando a metodologia popular..............................................................38

Mística do educador...............................................................................40


Experiências de educação popular rumo a uma nova sociedade

Introdução............................................................................................44

Educação de Jovens e Adultos e Ensino Médio: A experiência da Turma
Olga Benário.........................................................................................45

Inserção da educação na prática social: A experiência de
Cuba....................................................................................................51


O lugar da educação na resistência.....................................................61


                                                                                                         2
Apresentação

Olá companheiras e companheiros,

        Nós, FEAB (Federação dos Estudantes de Agronomia) e a ABEEF
(Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal) com apoio do
ANDES (Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior) construímos
esse material com o objetivo de esclarecer como enxergamos o processo
histórico da Educação no Brasil e a luta popular pela Educação, trazendo uma
base mais sólida para o Movimento Estudantil nesta temática.
         Nossa idéia foi reunir alguns materiais de diversos autores, com
estudos de caso, metodologias e textos em geral, sobre a educação de um
povo que a enxerga como uma ferramenta importante na luta por sua
soberania.
        A educação sempre desenvolveu papel de destaque em qualquer época
de qualquer sociedade e por aqui não é diferente. Da maneira em que se
desenvolveram as relações sociais como reflexos da histórica dominação
exterior, “educação” virou sinônimo de “opressão”. Atualmente este valor está
de tal modo arraigado na sociedade que se tornou natural uma educação
baseada em relações de poder.
        Hoje, a Educação Popular é uma ferramenta inseparável àquelas
pessoas que lutam por uma transformação social, política e econômica,
essencial para a organização do povo e para o “despertar” das consciências.
        Escolhemos educação popular como temática porque entendemos que
devemos criticar a educação que temos e a sociedade na qual esta se insere,
mas sem perder a perspectiva de propor a verdadeira Educação que queremos
para o nosso Povo, e que, apesar de milhares de limitações, existem propostas
e realizações concretas de Educação Popular, com o Povo e não para o Povo.
Este debate coloca nossa opção pelos oprimidos, explorados e excluídos, e
nossa luta conjunta e solidária com qualquer forma de resistência
verdadeiramente popular.
        Escolhemos o CEPIS (Centro de Educação Popular do Instituto Sedes
Sapientiae) como a nossa principal referência nos conceitos e metodologias de
Educação Popular pela longa trajetória (de mais 30 anos) deste grupo, com
companheiros e companheiras que contribuíram e contribuem nos debates e
ações concretas, assessorando diversas organizações populares e produzindo
materiais de apoio acessíveis e com linguagem popular.
        Juntos nesta luta encontramos diversos espaços e entidades que fazem
esta reflexão, debates, produzem materiais de apoio, e, o essencial, organizam
o povo.
        Podemos dar destaque aos Movimentos Sociais da Via Campesina
(MST, MAB, MPA, MMC, CPT, PJR, FEAB), principalmente o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Escola Nacional Florestan Fernandes
e a Escola Latino Americana de Agroecologia, onde diversas organizações
populares de toda a América Latina realizam espaços educativos do nosso

                                                                            3
Povo, como Cursos Superiores, Cursos de Formação Política, Encontros, entre
outros.
        O ANDES se destaca pelos ótimos materiais produzidos, com conteúdo
e forma acessíveis ao Povo. Além de formar assessores que contribuem em
diversos espaços do Movimento Estudantil e Social, ajudando-nos a clarear
diversas questões e apoiando iniciativas, como esta cartilha.
        As Assembléias populares também se colocam como importantes
espaços democráticos e participativos, onde se discutem diversos temas e a
Educação é um deles.
        Enfim, para compreender um pouco mais a luta do povo pela educação,
convidamos você para iniciar essa leitura e juntar-se a nós na luta por
igualdade, justiça, pelo fim da exploração do homem pelo homem e pela
soberania dos povos.



       Sejam bem vindas e bem vindos e boa leitura!




Núcleo de Trabalho Permanente Educação – FEAB
Coordenação Nacional da FEAB
Coordenação Nacional da ABEEF




                                                                         4
FEAB
A FEAB: Nossa História

         A organização dos estudantes de Agronomia teve inicio há mais de 50
anos. A primeira organização estudantil ocorreu juntamente com os estudantes
de Medicina Veterinária, onde foi criada em 1951 a União dos Estudantes de
Agronomia e Veterinária do Brasil (UEVAB) durante o II Congresso dos
estudantes de Agronomia e Veterinária.
         Essa organização durou somente até 1955, onde os estudantes de
Agronomia criaram sua própria organização. Em 1954 os estudantes de
Agronomia realizaram seu primeiro congresso, na época o CBEA – Congresso
Brasileiro de Estudantes de Agronomia. Durante o II CBEA foi criado o Diretório
Central dos Estudantes de Agronomia do Brasil (DCEAB).
         O DCEAB sofreu duros golpes durante o regime militar, onde a exemplo
da União Nacional dos Estudantes (UNE), movimentos sociais populares e
partidos políticos, em 1968 caíram na clandestinidade, através do Ato
Institucional número 5 (AI-5). Este decreto proibiu a reunião de pessoas para
fins políticos. Ocorreu ainda, prisão de lideres estudantis e o roubo dos
materiais dos arquivos. As atividades dos estudantes de agronomia foram
quase totalmente interrompidas entre os anos de 1968 e 1971.
         Em 1972 realizou-se o 15° Congresso Nacional dos Estudantes de
Agronomia – CONEA, em Santa Maria/rs. Neste evento retorna-se o movimento
a nível nacional, com a fundação da Federação dos Estudantes de Agronomia
do Brasil – FEAB.
         Desde sua fundação a entidade é protagonista de inúmeras conquistas
que asseguram mudanças no curso de agronomia, tais como: o fim da Lei do
Boi (cota de 50 por cento de vagas para filhos de fazendeiros), o Currículo
Mínimo da Agronomia, a Lei dos Agrotóxicos (receituário agronômico); a
discussão diferenciada de Ciência e Tecnologia, frente à necessidade de
modelos agrícolas alternativos ao da “revolução verde”; a participação na
construção da Agroecologia, entre outras.
         Durante seu processo histórico travou varias lutas junto aos
movimentos sociais populares do campo, a exemplo da campanha nacional de
reflexão sobre o gênero; campanha nacional pelo limite da propriedade
                                                                             5
privada; campanha nacional “Sementes Patrimônio da Humanidade”. Além de
contribuir com a organização dos estudantes na América Latina com a criação
de uma entidade que abrange as federações de estudantes de agronomia dos
paises latinos e Caribe, a CONCLAEA – Confederação Caribenha e Latino
América de Entidades Estudantis de Agronomia, com isso sua atuação é um
marco na luta em defesa da Educação e nas ações do movimento estudantil
brasileiro e internacional.

Objetivo

       A FEAB tem como objetivo a construção do socialismo, entendendo-o
como uma sociedade onde não haja a exploração do ser humano pelo ser
humano e não exista a propriedade privada dos meios de produção. Para
chegar no nosso objetivo temos como foco a transformação da universidade,
com vistas a atender as demandas da classe trabalhadora oprimida. Para isso é
necessária a realização de lutas em conjunto com as demais organizações de
estudantes, movimentos sociais populares, e demais organizações que
possuam afinidades políticas com a FEAB. Atuando dessa forma, para fortalecer
o ME através da realização de lutas sociais que concretizem uma coesão
organizativa e reivindicatória e que construa uma política constante de
formação em defesa da universidade publica financiada pelo Estado, de
qualidade, socialmente referenciada, democratizada em seu acesso e popular.

Estrutura organizacional

        A FEAB está estruturada através de uma coordenação Nacional CN, 8
superintendências Regionais, 8 Núcleos de Trabalho Permanente(NTP’s) e os
Centros e Diretórios Acadêmicos – CA’s e DA’s, entidades de representação dos
estudantes nas escolas de Agronomia.
Coordenação Nacional: Responsável por operacionalizar as políticas
deliberadas no Congresso, possui sede em uma única escola, hoje sediada na
Universidade Estadual de Montes Claros.
Superintendência Regional: Cada superintendência tem uma Coordenação
Regional que representa as escolas de Agronomia de determinada região
geográfica. Todos os membros da coordenação devem ser da mesma escola.
Segue abaixo, a relação das superintendências regionais, com a sua respectiva
área de abrangência e escola sede atual.
- Regional I: RS – CR: Santa Maria - RS
- Regional II: PR SC – CR: Florianópolis - SC
- Regional III: MG, RJ e ES – CR: Diamantina - ES
- Regional IV: MT, MS, GO e DF – CR: Tangara da Serra - MT
- Regional V: PE, RN, PB, PI e CE – CR: Mossoró - RN
- Regional VI: MA, PA, AM, AC e RO – CR: Belém - PA
- Regional VII: SP – CR: Botucatu - SP
- Regional VIII: BA, SE e AL – CR: Aracajú - SE

                                                                           6
Núcleos de Trabalho Permanente: Constituem-se em órgãos consultivos e
de elaboração teórica sobre as bandeiras de luta da federação. Os membros
dos NTP’s devem ser da mesma escola. Segue abaixo os NTP’s e suas
respectivas sedes atuais.
- Arquivo e Histórico: Areia
- Educação: Piracicaba
- Estudos Amazônicos: Cuiabá
- Ciência e Tecnologia: Está atualmente sem representante
- Relações Internacionais: Lavras
- Juventude e Cultura: Recife
- Movimentos Sociais Populares: Lages
- Agroecologia: Curitiba

Os Eventos

        A instância máxima de deliberação da FEAB é o CONEA – Congresso
Nacional dos Estudantes de Agronomia. É o encontro anual de todos os
estudantes de agronomia do Brasil de cunho integrativo onde se discute
questões inerentes ao curso, a conjuntura nacional, a situação agrária e
agrícola regional e nacional, a educação, avaliando e apontando perspectivas,
com o intuito de apresentar propostas e formas de encaminhamentos que
visem solucionar os problemas levantados no evento. O ultimo CONEA ocorreu
em 2007 em Aracajú - SE.
        Dentre as principais atividades promovidas atualmente pela FEAB,
estão os ERA’s (Encontros Regionais de Agroecologia), os EREA’s (Encontros
Regionais dos Estudantes de Agronomia), os Seminários de Questão Agrária, os
CEPA’s (Curso de Economia Política e Agricultura) e os EIV’s (Estágios
interdisciplinares de vivência) em comunidades de pequenos agricultore(a)s e
assentamentos de reforma agrária. Os EIV’s foram premiados pela UNESCO em
1992, como iniciativa de destaque da juventude latino-americana.

AS Bandeiras de luta
         São as linhas norteadoras das discussões realizadas pela FEAB,
deliberadas no CONEA, e que devem ser colocadas em pratica por todas as
entidades que compões a FEAB. Devendo assim, priorizadas pela coordenação
nacional e pelas coordenações regionais.Algumas de suas principais bandeiras
são:
- formação profissional
- ciência e tecnologia
- universidade
- juventude, cultura e valores
- agroecologia
- movimentos sociais
- relações internacionais
- gênero e sexualidade
                                                                            7
ABEEF – Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal
A Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal -
ABEEF, fundada em 03 de abril de 1971, entidade sem fins lucrativos,
surgiu da necessidade de representar e articular nacionalmente os
estudantes de Engenharia Florestal. Ao longo de sua história ergueu
diversas bandeiras em defesa de uma sociedade justa, igualitária e que
utilize os recursos naturais de forma equilibrada. Tem a universidade
como principal área de atuação, entendendo que todos devem ter
direito a uma educação pública, gratuita, autônoma e de qualidade.
Através de diversas atividades e eventos, a ABEEF vem trabalhando
para que os estudantes de Engenharia Florestal se sensibilizem
socialmente e tenha uma formação ética, política e critica, para
compreender e atuar sobre a realidade social de nosso país.
Atualmente a Associação tem se aproximado dos Movimentos Sociais
Populares ligados ao campo e a floresta. Esta parceria está
proporcionando uma compreensão do papel da universidade na
transformação social, principalmente na área de atuação da
Engenharia Florestal.

ESTRUTURA ORGANIZATIVA DA ABEEF:

Coordenação Nacional (CN): Tem como função representar a Associação
nacionalmente, planejar e executar atividades e projetos definidos no
Seminário de Planejamento, efetivando as decisões do CBEEF. A CN também
deve auxiliar as Coordenações Regionais, fazendo articulação nas escolas
transmitindo um sentimento mais concreto de ABEEF, bem como convocar e
coordenar as instâncias em espaços nacionais da Associação encaminhando as
deliberações. Além da articulação e integração interna, a CN e responsável por
iniciar e/ou manter relações com outros movimentos e entidades que lutem por
uma sociedade melhor.

Coordenação Regional (CR): Tem como função representar a Associação
regionalmente, fazendo a articulação nas e entre as escolas da região. As CR’s
devem realizar passadas freqüentes para transmitir o “sentimento de ABEEF” e
                                                                            8
acompanhar os trabalhos que são feitos pelos estudantes dos CA’s e DA’s) –
Entidades de base, sem as quais não existiria Associação. Além de levar ao
conhecimento das novas escolas as políticas da ABEEF, bem como transmitir a
importância da organização estudantil.
Atualmente a ABEEF esta estruturada em cinco regionais:
- Regional Amazônia (PA, AM, AC, RO, AP, RR);
- Regional Caatinga (BA, SE, AL, PE, PA, RN, CE, PI, MA);
- Regional Cerrado (DF, GO, MT, TO, MS);
- Regional Mata Atlântica (SP, RJ, MG, ES);
- Regional Araucária (PR, SC, RS);

Núcleo de Conjuntura Política (NCP): Tem como função coletar,
sistematizar, produzir e divulgar materiais que sirvam de subsídio para as
atividades da Associação, servir de órgão consultivo para as ações das
instâncias, bem como pensar eventos que permitam a formação política dos
estudantes.

Núcleo de Trabalho em Agroecologia (NTA): Tem como função coletar,
sistematizar, produzir e divulgar materiais que sirvam de subsidio para as
atividades da Associação, bem como pensar e participar de eventos que
permitam a discussão sobre a matriz tecnológica e produtiva em que nossa
sociedade está atualmente inserida, sendo propositivo para inversão da
mesma, assim cuidando da formação agroecológica e política dos estudantes.

Núcleo Arquivo Histórico (NAH): Localizado permanentemente na UFMT -
Cuiabá, este núcleo reúne o acervo histórico da Associação. Tem como função
guardar e organizar o acervo da Associação de modo a facilitar o acesso e
pesquisa de seus documentos, além de sempre realizar nos eventos da ABEEF
apresentações que permitam aos estudantes conhecer a história de luta da
Associação.

CBEEF: O Congresso Brasileiro dos Estudantes de Engenharia Florestal é a
instância máxima de deliberação da Associação, por reunir o maior número de
estudantes. Acontece anualmente numa das escolas de Engenharia Florestal e
permite aos estudantes um aprofundamento a respeito das linhas defendidas
pela ABEEF, definindo as políticas sobre as mesmas que serão encaminhadas
no período até o próximo CBEEF. A sua realização é feita pela comissão
organizadora formada por estudantes da escola sede e representantes das
Coordenações Nacional e Regional. Seu eixo temático é definido nos conselhos
da Associação. A sucessão das instâncias da ABEEF ocorre no CBEEF.




                                                                           9
Atualidades em torno da
       Educação




                      10
Sobre a educação
             Adaptado do caderno “Concepção de Educação Popular do CEPIS”
            CEPIS – Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae
                                                  São Paulo, Março de 2007

         A educação sozinha não transforma a sociedade. Mas, sem ela,
tampouco a sociedade muda ou se mantém. A educação tem um papel
fundamental na organização da sociedade, podendo tanto ordená-la, quanto
reformá-la ou, até, revolucioná-la. Então, não há só uma forma, tampouco um
único modelo de educação.
         A escola é um dos lugares onde ela acontece e, talvez, não seja o
melhor deles. O ensino escolar não é sua única prática nem o professor
profissional seu único praticante. Em mundos diversos a educação existe de
diferentes formas: existe em cada povo e em povos que se encontram; entre
os povos que submetem outros povos e usam a educação como um recurso a
mais de sua dominação; em um povo que busca sua libertação, tendo a
educação como instrumento para livrar-se de qualquer tipo de dominação. A
educação é uma das maneiras que as pessoas criam para tornar comum o
saber, a idéia, a crença e aquilo que é comum como bem, como trabalho ou
como vida. Pode existir imposta por um sistema centralizado de poder, que usa
o saber e o controle sobre o saber, como armas que reforçam a desigualdade
entre as pessoas, na divisão dos bens, trabalho, dos direitos e dos símbolos.
Mas pode igualmente ser uma construção coletiva, com o envolvimento co-
responsável de quem entra no processo.
         Pode-se dizer, então, que educação é uma fração do modo de vida dos
grupos sociais, que criam ou recriam uma cultura, que dá sentido às relações
humanas. Eles produzem e praticam formas de educação, para que elas
reproduzam, entre todos os que ensinam e aprendem, o saber das palavras, os
códigos sociais, as regras de trabalho, os segredos da arte, a religião e a
tecnologia, que qualquer povo precisa, para re-inventar a vida do grupo e dos
sujeitos.
         Através de trocas sem fim, a educação ajuda a explicar a necessidade
da existência de uma ordem. Às vezes, a ocultá-la, ou até mesmo, a inculcá-la.
Pensando que age por si próprio, livre e em nome de um coletivo, um educador
imagina que serve ao Saber e ao educando. Mas pode estar servindo a quem o
constituiu professor, a fim de usá-lo para usos escusos, ocultos também, na
educação. Quem domina, por exemplo, divulga que o melhor é quem copia, e a
cultura oficial exalta as virtudes do papagaio e a fidelidade do cachorro,
embora o papagaio não pense e o cachorro seja amigo apenas do seu dono.
Toda educação tem uma intencionalidade explícita ou implícita, mas sempre
presente pois todo o conhecimento tem um objetivo, uma direção e uma
finalidade. O conhecimento tem sempre um objeto, uma direção e uma
finalidade. O conhecimento é sempre conhecimento de alguma coisa ou de
alguém, a partir de uma perspectiva. Pode-se ter uma ou várias intenções
diante de um conhecimento, comportamento ou ação. Podem ser intenções

                                                                           11
claras ou intenções ocultas, ou até “segundas intenções”. A intencionalidade
política da educação popular significa que as pessoas que a fazem direcionam
sua educação a partir de uma analogia ou de valores, a partir da finalidade que
pretende dar ás forças sociais políticas presentes no meio dos pobres.
         A educação é sempre uma ferramenta de uma estratégia determinada
de onde não se forma uma pessoa e depois se vê o que ele vai fazer, ao
contrário, primeiro se tem a militância, até porque o conteúdo do processo de
formação, seu método e ritmo dependem de uma concepção de mundo, de
uma visão de sociedade, de uma opção por certos princípios e valores, de um
programa. A educação está sempre a serviço de uma ideologia, de uma
proposta, como instrumento para realizar sua estratégia. Certamente o próprio
processo educativo contribui para a explicitação, formulação e aperfeiçoamento
de uma estratégia.
         Todo tipo de educação está a serviço de uma organização, o que une as
pessoas e os grupos, para além das explicações românticas é a busca da
realização de um anseio comum, a defesa de um interesse ameaçado ou a
consciência da militância. Na luta popular as pessoas não formam grupo de
amigos, embora possam tornar-se amigas, elas se juntam por uma Causa. Para
dar coesão a sua proposta, um grupo ou uma classe constrói processos de
convencimento para fortalecer esse grupo que, por sua vez, vai lutar para
tornar possível uma conquista até a implantação de um sistema que garanta
seus interesses de forma permanente.
         Adotar e discutir princípios e posturas pedagógicas é fazer política. A
educação é um ato político, assim como um ato político é educativo. Não existe
educação politicamente neutra. Numa sociedade de classes, não pode haver
educação que seja a favor de todos – será sempre a favor de alguém e contra
outrem. A educação serve para que uma pessoa se acomode ao mundo ou se
envolva em sua transformação. A politicidade da educação questiona a quem
educa sobre a educação que se pratica na sociedade. Ao ser transformadora,só
ode ficar contra quem se beneficia com a atual situação e se coloca a favor de
quem é prejudicado por ela; ao ser conservadora, estará a favor dos grupos
beneficiados com sua manutenção.
         Nascendo de visões antagônicas, a educação libertadora e a
conservadora têm cada qual a sua metodologia. Na educação conservadora
domesticadora, “tornar comum” pode significar a naturalização da prática
metodológica de enfiar, gela abaixo, diferentes pacotes para perpetuar a ordem
dominante. E as pessoas oprimidas aprendem a assimilar conteúdos modelos,
reduzindo-os e fortalecendo e a estrutura social desumanizante, favorável à
minoria.
         Já na educação libertadora, “tornar comum” significa uma construção
coletiva, que envolve as pessoas no processo de resolver as perguntas do
cotidiano, bem como na luta por sua emancipação. Essa metodologia, onde as
pessoas entram como parte, estimula a classe oprimida a romper com as
estruturas injustas e a construir uma ordem onde haja lugar para elas, como
sujeitos e protagonistas. A educação libertadora, ao estimular a libertação de

                                                                             12
forças “naturalmente” adormecidas e socialmente reprimidas, inclui, ao mesmo
tempo, a consciência e o mundo, a palavra e o poder, o conhecimento e a
política, a teoria e a prática. O capitalismo tenta convencer-nos que não há
alternativa de vida fora desse sistema. Com a ajuda de processos educativos,
hoje, sobretudo através da mídia e da escola, mantém-se ideologicamente
hegemônico.
         Educação é uma disputa de hegemonia, uma classe ou setor busca ter
hegemonia sobre outras classes ou setores, no sentido de exercer sobre elas
um processo de direção política, seja no plano político, cultural ou ideológico.
Essa hegemonia da classe no poder se constrói e se recria na vida cotidiana, e
através dela que se interioriza valores e se constrói sujeitos domesticados ou
críticos. O capitalismo, por exemplo, mesmo sem resolver os problemas da
maioria da população, convence essa gente de que não há alternativa de vida
fora desse sistema. Com a ajuda de processos educativos, hoje, sobretudo
através da mídia e da escola, mantém-se ideologicamente hegemônico.
Hegemonia, então, é também relação política e pedagógica. Uma alternativa de
hegemonia com valores humanistas que não pode seguir uma pedagogia
verticalista, nela educador e educando devem sempre manter uma relação
dinâmica, onde ambos são ativos e precisam, permanente, ser educados.
         Para superar o endoutrinamento ou o dogmatismo, qualquer processo
de educação/formação deve contribuir para que as pessoas tenham capacidade
crítica, porque, ao evitar toda a forma de basismo (elogio oportunista de um
falso saber), não se pode cair nas várias formas de dirigismo, manipulação ou
imposição, que treina obedientes seguidores. Sem visão crítica não pode existir
conhecimento verdadeiro e permanente da realidade. Soldadinhos de chumbo
não são protagonistas, nem a repetição de fórmulas acabadas e receitas
transplantadas servem para a transformação da realidade. Criticar é um dever
– m educando não seria digno de um educador se não se atrevesse a combater
m ponto de vista que percebe equivocado. Uma organização da sociedade não
se constrói com robôs.


“Desconfiai do mais trivial, na aparência singela. E examinai,
sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente:
não
aceites o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de
desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade
consciente de humanidade desumanizada, nada deve parece
natural
nada deve parece impossível de mudar”

Bertold Brech




                                                                             13
Observações da crise da Educação Pública
    Adaptado do texto “Cinco observações sobre a crise da educação pública para
                                  uma estratégia revolucionária” Valério Arcary1

          Este texto resultou de uma comunicação apresentada no seminário do
ILAESE (Instituto Latino-americano de estudos sócio-econômicos) em
novembro de 2005. Comentaremos cinco temas que foram, na ocasião, objeto
de uma discussão coletiva. A primeira idéia é o reconhecimento do fracasso da
educação pública como instrumento da mobilidade social. Uma das premissas
do capitalismo era a igualdade jurídica dos cidadãos. A promessa dos
reformistas brasileiros foi, contudo, ao mesmo tempo, mais audaciosa e
confusa: afirmaram durante os últimos vinte anos de regime democrático
liberal, antes de chegar ao poder, que a educação seria mesmo preservado o
capitalismo, uma via de maior justiça social. A escola poderia mudar o Brasil,
diminuindo as desigualdades sociais através da meritocracia, da igualdade de
oportunidades, a chamada equidade, a justiça diante de obstáculos ou de
barreiras que são ou deveriam ser universais, existiria a possibilidade de
melhorar de vida. Toda promessa reformista esteve construída em cima desta
tese. “Estudem e trabalhem duro” e terão um futuro superior ao dos vossos
pais.
          Educação e trabalho para todos garantiriam, presumia-se, uma maior
coesão social à democracia burguesa na periferia do capitalismo, e serviam de
álibi para a confiança dos reformistas nas possibilidades de “controle social” do
mercado. Abraçados a esse programa, o desenvolvimento econômico
substituía, alegremente, o socialismo como horizonte estratégico da esquerda
eleitoral. A democracia liberal afiançaria, gradualmente, prosperidade para
todos. Seria uma questão de paciência. Mas, quando chegaram ao poder,
fizeram um “desconto” na promessa, e o direito à educação universal foi
subtraído: no lugar de mais verbas para           educação pública, mais isenção
fiscal para a educação privada. Sobraram as políticas compensatórias como o
“Bolsa Família”: uma amarga contrapartida.
          Todos os levantamentos estatísticos disponíveis a partir do censo do
IBGE de 2000 e dos PNAD’s dos anos seguintes informam que, apesar de
melhoras quantitativas modestas dos índices educacionais, o projeto reformista
tem sido um fiasco. O Brasil está mais injusto que há vinte anos atrás, o
desemprego mais alto, os salários médios congelados, enfim, a vida ficou mais
difícil. A expansão da rede pública foi significativa nos anos sessenta, setenta e
oitenta, mas não diminuiu a desigualdade social. Depois, a partir dos anos
noventa, vieram as políticas sociais focadas que o governo Lula está
preservando, e fracassaram, ainda mais estrepitosamente. A mobilidade social,

1
  Valério Arcary é graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, doutor em História Social pela USP. Atualmente leciona História no
Ensino Médio(3º ano) e no Curso de Turismo, ambos no CEFET-SP (Centro
Federal de educação Tecnológica de São Paulo).
                                                                               14
ou seja, a esperança de ascensão social de uma geração para outra permanece
muito pequena. A desigualdade social brasileira continua entre as ais elevadas
o mundo. Vinte anos de democracia burguesa e de alternância no poder
municipal, estadual e nacional entre a centro direita e a esquerda reformista,
que tiveram oportunidade de aplicar os mais variados projetos educacionais,
não trouxeram maior mobilidade social. Segundo os dados do IBGE, os 10%
mais ricos da população ainda são donos de 46% do total da renda nacional. Já
os 50% mais pobres ficam com apenas 13,3%. Há décadas o Brasil anda de
lado, ou seja, fica para trás.

A educação não garante mobilidade social ascendente

         Eis a primeira questão: a mobilidade social e o lugar da educação como
instrumento de ascensão. A primeira constatação da realidade social no
capitalismo periférico é que as possibilidades de ascensão social agora estão
congeladas.
         A    sociedade    brasileira   teve,   durante     algumas     décadas,
comparativamente à situação atual, uma mobilidade social significativa. Se
analisarmos a origem social da maioria da população urbana adulta e, também,
o que podíamos chamar o “repertório cultural” das gerações anteriores nas
nossas próprias famílias, veremos que com raras exceções, uma grande
parcela foi, individualmente, favorecida pelo aumento da escolaridade de um
período histórico anterior. Esse fenômeno é chave para compreendermos a
crise atual, porque foi excepcional. O padrão histórico dominante na história do
Brasil foi outro. Durante gerações nossos antepassados foram vítimas da
imobilidade social e da divisão hereditária do trabalho. Os que nasciam filhos
de escravos, não tinham muitas esperanças sobre qual seria o seu destino. Os
filhos dos sapateiros já sabiam que seriam sapateiros.
         No entanto, a sociedade brasileira entre 1930 e 1980, mesmo
considerando-se os limites impostos pelo seu estatuto subordinado na periferia
capitalista, foi uma das economias com mais dinâmica no mercado mundial.
Perpetuaram-se as desigualdades, por suposto. Mas, existiu durante décadas
um capitalismo com urbanização e industrialização. Os dois processos não
tiveram a mesma proporção dos anos 30 aos 70. O certo, todavia, é que existiu
mobilidade social. Logo, a promessa reformista de que seria possível mudar o
capitalismo e viver melhor, através de uma educação pública universal – a
percepção popular do nacional-desenvolvimentismo - era uma promessa que
alimentava esperanças. Garantia alguma coesão social para a dominação
burguesa. A força de inércia das ilusões reformistas – a ideologia de
colaboração entre capital e trabalho que resiste à necessidade do confronto e
da ruptura - repousava nessa história. A sua superação exigirá uma
experiência prática compartilhada por milhões.
         Nós que defendemos o projeto revolucionário, não ignoramos que as
massas viveram a etapa histórico-política dos últimos vinte anos depositando
expectativa em Lula e no PT, porque permaneciam prisioneiras das ilusões
                                                                             15
reformistas. Não defendemos a revolução socialista porque temos um
temperamento exaltado. Não apostamos que a revolução brasileira possa
vencer sem a mobilização e organização das grandes massas populares. Os
mais apressados e nervosos não resistem, geralmente, aos longos anos de
uma militância contra a corrente. Os mais exasperados, depois das primeiras
decepções, ficam pelo caminho. A luta revolucionária é um assunto para gente
muito equilibrada. A revolução exige dedicação, perseverança, exige espírito de
sacrifício, reflexão, muita crítica, muita autocrítica, muita disposição de mudar.
Gente muito perturbada não tem disposição de mudar, já acha que é perfeita;
os revolucionários, não. Acham que são gente incompleta, gente imperfeita,
gente em construção. Acham que têm que se corrigir uns aos outros. A adesão
ao projeto revolucionário se fundamenta na História: o projeto reformista não
tem viabilidade no tempo que nos tocou viver.
         Quando raciocinamos neste horizonte de perspectiva, verificamos que a
economia brasileira perdeu o impulso que teve até os anos oitenta.
Concretizemos: mobilidade social, neste contexto, significava quais eram as
possibilidades que cada um tinha de melhorar de vida, preservadas as relações
sociais dominantes. Essas taxas são mais acentuadas em uns períodos e menos
acentuadas em outros; há sociedades mais congeladas, numa etapa histórica,
e há sociedades mais dinâmicas. A questão decisiva é que o Brasil é hoje uma
sociedade muito congelada, comparativamente àquilo que ela foi. O capitalismo
brasileiro do século XXI é um capitalismo com taxa de mobilidade social muito
baixa e a educação deixou de ser um trampolim social.
         As possibilidades de se ter recompensas econômicas e sociais, ou uma
vida mais segura e mais confortável, através do ensino, está seriamente em
crise, além disso a crise já foi percebida pelas massas trabalhadoras e mesmo
pelas camadas médias, ainda que façam o possível e até o impossível para
garantir uma escolaridade elevada para os seus filhos. Na verdade, não nos
enganemos, a função social da educação na sociedade contemporânea é
estabelecer a divisão do trabalho que vai permitir a perpetuação das relações
sociais existentes. Ou seja, a educação não questiona as relações sociais. Uma
outra forma de ilusão reformista é acreditar na quimera de que uma população
ais educada mudaria, gradualmente, a realidade política do país. Se fosse
assim, a Argentina ou a Coréia do Sul, entre inúmeros exemplos de sociedades
que tiveram índices elevados de escolaridade, não seriam infernos para os
trabalhadores. Não há maneira de diminuir a desigualdade material e cultural,
sem ruptura com o imperialismo. O que mudará o Brasil será a luta popular
anticapitalista. Todas as promessas reformistas de que a educação seria o
instrumento meritocrático que permitiria que cada um tivesse a sua justa
função na sociedade, isto tudo está numa crise completa. Mas, ainda em crise,
esta ideologia mantém influência entre as massas – porque as ilusões não
morrem sozinhas - em especial entre os professores que são, paradoxalmente,
um dos instrumentos sociais de convencimento de que a escola poderia mudar
a sociedade.


                                                                               16
A ordem capitalista não seria, todavia, possível, se a maioria das
pessoas não acreditasse que esta divisão do trabalho não é algo razoável. É
uma ideologia reacionária porque naturaliza aquilo que não é natural. Legitima
o que é anti-humano. A ideologia de que o capitalista cumpre uma função
necessária, a herança é justa, a desigualdade é inevitável, e a escola é o
instrumento que permite a seleção que justifica a divisão do trabalho e a
divisão em classes é uma fraude. Primeira falsidade: os patrões não são
necessários. Os patrões são inúteis, os proprietários do capital são uma
excrescência parasitária que vive da extração de trabalho que não é
remunerado. Segunda falsidade: a desigualdade não é natural. Não é razoável
vivermos numa sociedade em que a diferença entre o piso e o teto das
remunerações varia de um para quinhentos. Como é possível aceitar que o
trabalho de uma hora de alguém seja centenas de vezes mais valioso que o
trabalho de outro? No Brasil, a desigualdade é tão gigantesca que a classe
capitalista é invisível. (...) A burguesia brasileira só é identificada quando
usamos o microscópio da estatística e as lentes de aumento da sociologia. É
preciso uma análise liliputiana da sociedade brasileira para encontrarmos os
proprietários do capital. A educação perdeu para as famílias populares,
portanto, o significado de promoção social meritocrática.

O atraso cultural da sociedade brasileira é responsabilidade do
Estado

        O segundo tema é a idéia de que nós vivemos numa sociedade que não
superou significativo atraso cultural. Uma aferição de qual é o nível de
escolaridade e o repertório médio da sociedade de hoje, em relação ao que ela
foi no passado, mas, também, uma comparação da sociedade brasileira com
outras sociedades da periferia, como os países do Cone sul, não é nada
animadora. O Brasil é uma sociedade que tem uma forte defasagem cultural. O
balanço é devastador: o número de estudantes matriculados aumentou, mas,
para desespero nosso, tão lentamente que a melhora é quase imperceptível. O
número de certificados emitidos cresceu, mas a qualidade do ensino caiu.
Mesmo com uma presença maior das crianças nas escolas, temos ainda pelo
menos 14,6 milhões de analfabetos. Os iletrados são, contudo, inquantificáveis.
        O analfabetismo funcional – incapacidade de atribuir sentido ao texto
escrito em norma culta - está na escala das dezenas de milhões, talvez mais da
metade dos brasileiros com mais de quinze anos. Da população de 7 a 14 anos
que freqüenta a escola, pelo menos um em cada três não concluem o ensino
fundamental. Na faixa de 18 a 25 anos, apenas 22% terminam o ensino médio
e, mesmo em São Paulo, menos de 20% estão matriculados em cursos
superiores. Segundo Marcio Pochmann, do Instituto de Economia da Unicamp:
“no Chile, 80% dos estudantes de 15 a 17 anos estão no ensino médio. Se
quisermos chegar lá, temos que incluir 5 milhões de jovens, formar 510 mil
professores e construir 47 mil salas”.[2]


                                                                            17
Resumo da ópera: o Estado brasileiro, mesmo na forma do regime
democrático - não importando quais os partidos na sua gestão, se o PMDB,
PSDB, PFL ou PT - continuou drenando recursos dos serviços públicos para o
Capital. Políticas sociais focadas e compensatórias, como o Bolsa Família de
Lula, e outros que o antecederam, não obtiveram resultados significativos. O
Estado a serviço do Capital se demonstrou historicamente incapaz de garantir
uma educação pública e universal. Muitas décadas nos separam do início do
processo de urbanização e industrialização, e a desigualdade material e cultural
não diminuiu.
        O atraso cultural da sociedade brasileira tem, entre outras
manifestações, uma expressão dramática, o Brasil é um país de iletrados e
semi-analfabetos. É cruel constatar isto assim, todavia a realidade é
incontornável. Não é fácil abordar este tema porque a maioria dos
trabalhadores nutre um sentimento de inferioridade cultural que é indivisível do
sentimento de inferioridade social, todos os que nasceram nas classes
trabalhadoras têm, em maior ou menor medida, a percepção de que sabem
muito menos do que gostariam de saber e, portanto, sentem inseguranças
culturais. Mas, essa dor é muito mais intensa nas amplas massas do nosso
país. Não é só uma percepção subjetiva, há um abismo educacional, é um
assunto meio tabu, porque é desconfortável. Em geral o brasileiro médio se
relaciona com sua pobreza material com dificuldades, mas se relaciona com
muito mais constrangimento com sua ignorância. É um tema um pouco
intimidador, porém, inescapável para quem trabalha com educação.
        A sociedade brasileira do início do século XXI continua uma sociedade
Iletrada; a burguesia fracassou em trazer o nosso povo para o que podemos
chamar de um acervo cultural mínimo do século XX, que é dominar a
matemática e a língua; os “gênios” que nos governam descobriram nestes
últimos vinte anos que educação é caro. O Estado não poderia remunerar o
Capital e garantir, ao mesmo tempo, a educação pública, inventaram, em
conseqüência, um sistema brutal: cada classe tem a sua escola. O ensino
passou a ser uma obrigação de responsabilidade, estritamente, familiar e a
grande maioria do nosso povo não tem outro instrumento de comunicação
senão a linguagem coloquial. A televisão não é somente o grande canal de
comunicação, para a maioria é o único, tendo em vista que estão prisioneiros
da oralidade. A norma culta do texto continua um repertório desconhecido para
a esmagadora maioria do nosso povo. Os números oficiais que consideram o
analfabetismo no Brasil como um fenômeno histórico residual, reconhecem algo
abaixo de 15%. O ultimo número de 2003, registrava 12,8% de analfabetos na
população com mais de quinze anos. Aqueles que trabalham em educação
sabem qual é, na verdade, a dificuldade que nós temos. Pelo menos metade do
povo brasileiro reconhece as letras, reconhece que as letras são símbolos
gráficos que reproduzem sons, mas o domínio da escrita não é isso.
        A dinâmica histórica deste atraso cultural não é animadora, se
compararmos o Brasil de hoje com o de nossos pais. O que aconteceu neste 18
intervalo de meio século em que o Brasil deixou de ser uma sociedade agrária,

                                                                             18
basicamente, é que o acesso à escola pública realmente se massificou, mas a
qualidade do ensino público é atroz. Hoje, a grande maioria das crianças
brasileiras com até quatorze anos de idade, em números que superam os 90%,
está matriculada na escola pública. Mas, esta escola não corresponde às suas
necessidades, o fracasso escolar pode se manifestar de diferentes formas:
repetição em alguns Estados, ou evasão em outros, ou ainda péssimos
resultados nas avaliações por provas. Pode ser um fracasso oculto pela
promoção automática, como em São Paulo.
         Temos uma situação na qual a divisão social se manifesta através do
abismo que separa a escola pública da escola privada. Mercantilizaram a
educação. O capitalismo criou um monstro: o apartheid educacional; a escola
privada hoje no Brasil não é somente um fenômeno educacional, é um
fenômeno econômico; o faturamento do ensino privado já tem peso
significativo no PIB; foi estimado pelo IBGE, para o ano de 2004, acima de R$
50 bilhões. Talvez nos surpreenda, mas uma das atividades menos
regulamentadas pela Receita ou, se quiserem, uma das atividades em que há
mais lavagem de dinheiro, é a educação. De tal maneira é a sonegação, que o
principal projeto educacional do governo Lula foi a isenção fiscal do ensino
superior em troca de bolsas: o Prouni, que renegociou dívidas em troca de
matrículas.
         Este desastre político-educacional, um apartheid social na educação,
tem uma história. A burguesia promoveu, conscientemente, através de seus
variados partidos, o desmantelamento da escola pública, cortando as verbas,
restringindo a expansão do sistema público. No Brasil, se constituiu uma
camada média urbana mais ampla a partir dos anos cinqüenta que, com a crise
de estagnação aberta nos anos oitenta e a decadência do ensino público, se viu
obrigada a retirar seus filhos das escolas públicas e os colocou na escola
privada, esse processo foi potencializado por que toda a estrutura educacional
foi organizada em função de um elemento exógeno, exterior ao aprendizado, o
vestibular. O Brasil tem um sistema de acesso à universidade que é peculiar, é
uma instituição brasileira, o exame vestibular, ele ordena todo o edifício, e
explica a privatização.
         Aqueles que já passaram pela experiência do vestibular não valorizam,
freqüentemente, o lugar que ele tem na estrutura educacional, mas, a
morfologia da estrutura educacional no Brasil tem na sua raiz nesse tipo de
exame pré-curso superior e a diferença entre ensino privado e ensino público
fundamental e médio é que o aluno que está no ensino público, tem muito
menos possibilidades de ser bem sucedido numa experiência incontornável que
se chama vestibular. E o vestibular separa os jovens entre aqueles que vão
estudar na universidade pública, que são as melhores do Brasil e são gratuitas,
e aqueles que vão estudar no ensino privado.




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A mercantilização do ensino destruiu a carreira docente

         O terceiro tema é uma avaliação da situação do ensino público. A
educação brasileira contemporânea agoniza, porque foi completamente
mercantilizada. O capitalismo destruiu a escola pública. Não é somente uma
situação conjuntural. A escola primária está em crise, as escolas secundárias
são impossíveis de administrar, o ensino médio e superior foi privatizado em
larga escala. A educação pública é um cadáver insepulto. A promessa liberal do
ensino meritocrático – “estudarás, serás recompensado” - não tem
correspondência com a realidade. Este discurso encontra uma contra-evidência
brutal, esmagadora, e muito simples. Os filhos de diferentes classes estudam
em escolas separadas: segregação educacional. Isto não é secundário.
Estamos tão habituados - até resignados - com o avanço da educação privada
que já não ficamos chocados. A privatização da educação é, por suposto, um
processo mundial,mas em vários países europeus, os filhos das diferentes
classes estudam na mesma escola, do primário até à universidade. (...) No
Brasil, qual é a possibilidade de encontrarmos na escola pública um filho de um
burguês? Ao vivo e a cores, a maioria do povo brasileiro nunca viu e nunca
verá um burguês, muito menos na sala de aula, ao lado dos seus filhos.
         A promessa meritocrática faliu e com ela a escola pública. Todos os
jovens das classes populares sabem que a escola em que eles estão, é uma
escola na qual o seu destino social já está traçado. Aqueles que estão na escola
pública sabem que, por maior que seja o seu talento, a chance de mobilidade
social é reduzida, e os filhos da classe média, que estão na escola privada,
sabem que vão ter que batalhar, desesperadamente, para conseguir uma vaga
na universidade pública. Mesmo para um jovem de classe média argentino, a
comemoração de quem é aprovado na USP – a família toda de lágrimas nos
olhos, como se tivessem ganhado a loteria federal – é incompreensível, já os
poucos que receberão herança e vão viver da renda do capital, estão em
absoluta tranqüilidade, fazendo faculdades privadas no Brasil ou no exterior. A
escola pública afundou em decadência. Ela foi destruída por vários processos.
Além da privatização, o principal foi a desvalorização da carreira docente, a
degradação profissional dos professores.
       O que é a degradação social de uma categoria? Na história do
capitalismo, varias categorias passaram em diferentes momentos por
promoção profissional ou por deterioração profissional. Houve uma época no
Brasil em que os “reis” da classe operária eram os ferramenteiros: nada tinha
maior dignidade, porque eram aqueles que dominavam plenamente o trabalho
no metal, conseguiam manipular as ferramentas mais complexas. Séculos
antes, na Europa, foram os marceneiros, os tapeceiros, e em muitas
sociedades os mineiros foram bem pagos, relativamente, por muito tempo.
Houve períodos históricos na Inglaterra – porque a aristocracia era pomposa -
em que os alfaiates foram excepcionalmente bem remunerados. Na França,
segundo alguns historiadores, os cozinheiros. Houve fases do capitalismo em
que o estatuto do trabalho manual, associada a certas profissões, foi maior ou

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menor. A carreira docente mergulhou nos últimos vinte e cinco anos numa
profunda ruína. Há, com razão, um ressentimento social mais do que justo
entre os professores. A escola pública entrou em decadência e a profissão foi,
economicamente, desmoralizada.
       Os professores foram ideologicamente desqualificados diante da
sociedade. O sindicalismo dos professores, uma das categorias mais
organizadas e combativas, foi construído como resistência a essa destruição
das condições materiais de vida. Reduzidos às condições de penúria, os
professores se sentem humilhados. Este processo foi uma das expressões da
crise crônica do capitalismo. Depois do esgotamento da ditadura,
simultaneamente à construção desse regime democrático liberal, o capitalismo
brasileiro parou de crescer, mergulhou numa longa estagnação. O Estado
passou a ser, em primeiríssimo lugar, um instrumento para a acumulação de
capital rentista. O Estado retira da sociedade através de todos os mecanismos -
o fisco e todos os mecanismos arrecadatórios - uma parte da mais-valia que é
produzida e a redistribui para o Capital, isso significa que os serviços públicos
foram completamente desqualificados.
       Dentro dos serviços públicos, contudo, há diferenças de grau, as
proporções têm importância: a segurança pública está ameaçada e a justiça
continua muito lenta e inacessível, mas o Estado não deixou de construir mais
e mais presídios, nem os salários do judiciário se desvalorizaram como os da
educação; a saúde pública está em crise, mas isso não impediu que programas
importantes, e relativamente caros, como variadas campanhas de vacinação,
ou até a distribuição do coquetel para os soropositivos, fossem preservados.
Entre todos os serviços, o mais vulnerável foi a educação, porque a sua
privatização foi devastadora. Isso levou os professores a procurarem
mecanismos de luta individual e coletiva para sobreviverem.
         Há formas mais organizadas de resistência, como as greves, e formas
mais atomizadas, como a abstenção ao trabalho. Não é um exagero dizer que o
movimento sindical dos professores, em todos os níveis, ensaiou quase todos
os tipos de greves possíveis; greves com e sem reposição de aulas, greves de
duas, dez, quatorze, até vinte semanas, greves com ocupação de prédios
públicos, greves com marchas e muitas e variadas formas de resistência
individual: cursos para administração escolar, transferências para outras
funções, cargos em delegacias de ensino e bibliotecas e, também, a ausência.
Tivemos taxas de falta ao trabalho, em alguns anos, elevadíssimas. Além disso,
temos uma parcela dos professores, inquantificável - é um tabu dentro das
instituições e nos sindicatos - que são aqueles colegas que freqüentam a
escola, mas não dão aulas. Entram na sala de aula, passam uma atividade na
lousa e dispensam os alunos – faz quem quer, quem não quer sai –, já
desistiram de dar aulas, é o último degrau. Cria-se uma situação de conflito
latente entre os professores que dão aula e os professores que não dão aula.
Por último, uma parcela dos professores desabou. “Surtaram”: as doenças
profissionais são elevadíssimas, entre elas, a depressão é epidêmica. (...)


                                                                              21
Universidade(s)
                                                  Oberdan Rafael P. L. Santiago2


Breve resgate da educação

        Para compreendermos como se desenvolveu a educação no Brasil
precisamos entender como se deu a sua colonização. No século XVI a Igreja
passava     por   um    período    de    crise  do    catolicismo, o  recém-
surgido“protestantismo” pregava a realização do homem na Terra enquanto a
Igreja Católica pregava uma vida de privações para que a redenção humana
ocorresse após a morte. O protestantismo começou a converter, então, vários
católicos na Europa devido a esta diferença, principalmente. Com a descoberta
do Novo Mundo, a Igreja percebe uma forma de ganhar fôlego caso expandisse
o cristianismo para o restante do mundo, ou seja, para as Américas. No
entanto, o seu papel principal na colonização seria outro.

        “… reluzia, clara como o sol, para a cúpula real e para a Igreja, a
missão salvacionista que cumpria à cristandade exercer, a ferro e fogo, se
preciso, para incorporar as novas gentes ao rebanho do rei e da igreja. Esse
era um mandato imperativo no plano espiritual. Uma destinação expressa, uma
missão a cargo da Coroa, cujo direito de avassalar os índios, colonizar e fluir as
riquezas da terra nova decorria do sagrado deve de salvá-los pela
evangelização”.3

        Ou seja, no processo da colonização, podemos dizer que a presença da
Igreja serviu somente para referendar as cruéis práticas desenvolvidas pelos
colonos.
        No Brasil os Jesuítas foram os precursores da educação, porém sua
intencionalidade pedagógica era voltada para a “domesticação” dos índios.
Enxergavam a colonização como um mal necessário para o caminho da fé, e
assim foram responsáveis direta e indiretamente pela morte e pela
escravização de milhares de índios.
        No entanto, com a expulsão dos jesuítas do Brasil, não restou
praticamente nenhuma outra forma de ensino4, o sistema vigente era
escravocrata, logo, não despertava nenhum interesse na Coroa Portuguesa em
se estabelecer um sistema de ensino. A elite que vivia no Brasil mandava seus
filhos estudarem na Europa, ou, de forma mais rara, trazia professores do
Velho Mundo para ensinarem os mesmos.

2
  Estudante de engenharia florestal e militante da ABEEF
3
  RBEIRO, Darcy. O povo brasileiro, A formação e o sentido do Brasil. São
Paulo: Companhia de Bolso. p. 54.
4
  Vale lembrar que as várias tribos indígenas não são consideradas aqui, mas
isso não significa que podemos desprezar sua cultural.
                                                                               22
Um importante marco histórico para a educação brasileira, é a vinda de
D. João VI para o Brasil, no séc. XVIII. Com a elevação do Brasil a Reino Unido
e a Corte aqui instalada, a Coroa submete o país a uma política que força a
“metropolização”. Fez parte disso, o transplante das funções das instituições
escolares de Portugal. Porém, naquela época “a estrutura da sociedade
brasileira revelava ao máximo as limitações do regime colonial português.
Mesmo os testamentos senhoriais não possuíam condições e motivações,
especificamente intelectuais e educacionais, para imprimir densidade e
intensidade à experiência”.5Essa condição da sociedade brasileira comprometeu
o modelo institucional transplantado, pois o ensino superior se distanciava
muito da realidade. Além disso, “motivos políticos, relacionados com a defesa
das prerrogativas da Coroa e do fortalecimento da dominação portuguesa, e
razões práticas, ligadas à dispersão demográfica, às imposições de uma
sociedade de organização estamental e de castas ou ao atraso cultural
imperante, inspiraram uma política educacional estreita e imediatista. Em
conseqüência, o que se implantou no Brasil não foi a universidade portuguesa
da época, mas as unidades intermediárias, as ‘faculdades’ e ‘escolas
superiores’”6, ou seja, o que interessava formar, eram pessoas com um mínimo
de formação técnico-profissional aptas a exercerem papéis específicos na
burocracia e na estrutura política, além daqueles no plano das profissões
liberais. Logo, o ensino superior brasileiro já nasce distante da sociedade. Ao
contrário de Portugal, que, apesar da crise, a universidade também cumpria a
função de “investigação” da sociedade na qual estava inclusa e a de produzir
conhecimentos. Podemos concluir, também, que instalação da Coroa no Brasil
é marco importantíssimo, ainda que negativamente, para o desenvolvimento
cultural brasileiro, pois tornou o Brasil extremamente dependente da cultura do
exterior.
         Ainda no séc. XVIII, devido a crescente necessidade de se ter mão-de-
obra qualificada, surgem as “Escolas de Ofício” para jovens ao redor da faixa
etária de 13 e 14 anos, é importante deixar claro que essas escolas não eram
freqüentadas pela classe alta, de forma alguma, ou seja, surge o ensino
profissionalizante, não muito diferente do que há hoje. Na mesma época
havia,também, uma crescente demanda por pessoas na máquina
administrativa. Nascem, então, as Faculdades de Direito. Esse ensino, ao
contrário do profissionalizante, foi criado para atender os filhos da classe
dominante.
         Com a industrialização do país, especialmente a partir da década de
1950, a sociedade fica mais complexa e aumenta-se a necessidade de mão-de-
obra qualificada. Assim, ocorre a intensificação da dualidade do ensino público
a partir do estado social do indivíduo: ensino profissionalizante para os
desfavorecidos economicamente e ensino superior para a classe média. A alta


5
  IANNI, Octavio. Florestan Fernandes: sociologia crítica e militante. São Paulo:
Expressão Popular, 2004. p. 276.
6
  Idem.
                                                                              23
classe mandava, e ainda manda, seus filhos para serem educados no exterior.
Podemos ver que isso é uma herança do pensamento escravocrata, que tem
uma concepção nefasta de trabalho.
         Essa dualidade é agravada ainda mais com o Golpe de 1964. Há uma
verdadeira explosão do ensino profissionalizante por toda parte do país. Porém
esse crescimento não ocorre com o devido investimento do Estado e o ensino
profissionalizante se torna precário. Ainda na ditadura, especialmente a partir
da década de 1970, as Instituições de Ensino Superior Privado começam a ter
um crescimento mais significativo. Isso se dá principalmente devido à
intensificação da industrialização do Brasil, promovida às custas de incentivos
fiscais e mão-de-obra barata. Com isso, o país passou a necessitar de um
maior número de trabalhadores qualificados tecnicamente a nível superior.
         Mesmo com a redemocratização, na década de 1980, os governos
continuaram a não investir de forma massiva na educação, porém, ocorreram
reformas curriculares importantes para o ensino superior e Unicamp e PUC –
SP viram referências no movimento da educação.
         A Constituição de 1988 estabeleceu que o Brasil tivesse que
desenvolver um Plano Nacional de Educação (PNE) até 1998. Diante disso, a
sociedade acaba se movendo, os educadores se mobilizam para a realização
dos Fóruns em Defesa da Educação, que são organizados para discutir uma
proposta de ensino para o país. O PNE montado pelos movimentos da educação
foi feito a tempo, mas quando o governo FHC soube que o projeto poderia ser
aprovado, Paulo Renato, então Ministro da Educação, elaborou um outro PNE
que foi aprovado em janeiro de 2001. O PNE é válido por 10 anos, ou seja, em
2010 haverá um novo programa.
         Hoje a situação da educação pública é muito delicada, os ensinos
fundamental e médio públicos estão precários (alternativa que o governo
encontrou para “democratizar” o acesso a estes tipos de ensino foi de expandi-
los). No entanto essa expansão se deu sem o devido investimento tanto na
infra-estrutura quanto em contratação e qualificação de professores e técnico-
administrativos, ou seja, procurou-se apenas em atenuar as estatísticas que
incomodavam. Agora chegou a vez do ensino superior público.

A Universidade hoje

        O modelo universitário da América Latina passou a se desenvolver de
uma forma característica, a partir da Reforma de Córdoba de 1918, baseado
em certa autonomia das instituições públicas, em um grande domínio da
educação pública e gratuita. No entanto, não se desenvolveu uma forma de
acesso democrático. É um modelo de universidade criado para responder as
necessidades do mercado de trabalho, bem parecido com o Modelo
Universitário Napoleônico7.

7
 SEMBINELLI, Maria F. A. Configuraciones y características actuales de la
universidad em relación a los modelos tradicionales.
                                                                            24
Ao verificar o desenvolvimento da universidade brasileira, constatamos
que nunca logrou cumprir a função de analisar a sociedade e propor formas de
mudanças que contribuísse para o desenvolvimento autônomo do país. Claro,
esse tipo de universidade não interessa às forças internacionais, que tem os
seus meios para intervir, através dos seus órgãos (ONU, Unesco, Banco
Mundial, BID etc.) pelos quais farão descer suas políticas educacionais através
do MEC. Hoje a universidade, como todo o restante do sistema educacional,
está adaptada aos requisitos de uma sociedade competitiva e de massas
(capitalista). Por outro lado, a América Latina encontra-se um uma situação
débil, no entanto seus governantes possuem uma ânsia em participar dos
avanços logrados pelos países “desenvolvidos”, sendo que, para isso,
necessitem de amplo suporte externo para o fazê-lo. No entanto, esse suporte
externo nunca ocorre sem as agressões que o desenvolvimento dependente
causa. Essas “assistências”, “colaborações técnico-financeiras” acabam por
expor os seus sistemas de ensino ao controle de forças imperialistas.
         Diante desse plano de fundo, vemos que a universidade brasileira
apresenta algumas estruturas fundamentais que garante essa condição de
dependência: a metodologia do ensino, o Projeto Político Pedagógico (PPP), a
“autonomia”, o acesso e o financiamento insuficiente do Estado.
         A metodologia aplicada no ensino superior, como no restante do
sistema educacional, é baseada no sistema bancário de educação. Ou seja, a
relação educador-educando se dá a apenas “relações fundamentalmente
narradoras, dissertadoras”8 em que o educador – o professor – é o dono da
verdade e o educando – o estudante – é o ser sem luz aluno) que recebe o
depósito do conhecimento do professor. Essa metodologia em o seu lado
perverso, pois mostra a relação opressor-oprimido como se fosse algo natural
do ser humano, desde os 6 anos de idade do indivíduo. Segundo Paulo
Freire,esse tipo de metodologia trata a realidade como algo estático,
compartimentado e bem-comportado. Ora, se tratamos a realidade como algo
parado, não temos base de análise para propor mudanças. Ou seja,
desenvolvem-se teorias distanciadas da realidade, na maioria das vezes
calcadas em pensamentos mecanicistas e/ou idealistas. Logo, negam a
dialética.
         Por outro lado, o acesso ao ensino superior também é um fator
limitante da universidade brasileira. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio (PNAD) de 2004, realizada pelo IBGE, apenas 17,3% dos jovens
freqüentam o ensino superior, sendo que destes, apenas 23,3% (ou 4,9 % do
total) estão nas universidades públicas, que são, geralmente, as melhores. O
meio de acesso a esse tipo de ensino público é o vestibular que não é nada
democrático e as provas que dão acesso à universidade pública são as mais
“difíceis” do país e que geram uma gigantesca indústria de cursos pré-
vestibulares. Assim, são poucas pessoas menos favorecidas economicamente

8
 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004. p.
57.
                                                                             25
que conseguem entrar na universidade. Quando conseguem entrar, enfrentam
outra dificuldade muito maior que é a permanência, dependem de políticas de
assistência estudantil da universidade, que muitas vezes são insuficientes.
        Se antigamente a universidade era composta apenas pela burguesia,
hoje está em curso certa mudança. Atualmente ainda há a predominação da
classe média alta nas universidades públicas, 74,3% dos estudantes tem renda
familiar média entre 927 a 2804 reais, onde estão, as classes C, B2 e B19. O
que vimos foi que o Estado se viu forçado em aumentar o acesso à
universidade nessa nova fase do neoliberalismo como forma de fortalecer o
próprio sistema. Mas primeiramente o acesso da classe média baixa e dos
pobres ao ensino superior se deu por meio das Instituições de Ensino Superior
Privado (IESP), através do financiamento estudantil, o FIES, e mais
recentemente através do Pró-Uni, que gera imensos lucros para as IESP. Essa
política do governo realmente fez com muitos trabalhadores tivessem
condições de conseguir um diploma de ensino superior, no entanto, as vagas
que a maioria deles ocupa são de instituições de péssima qualidade, sendo
que muitas delas reprovadas pelo próprio sistema de avaliação do MEC.
        O setor privado apresenta hoje um crescimento fenomenal. Como o
governo não consegue, ou não quer, democratizar o ensino superior, o setor
privado o tomou como a grande galinha dos ovos de ouro, pois nunca houve
uma população jovem propensa a freqüentar o ensino superior tão grande.




Quadro 01: Evolução da matrícula do ensino superior público e privado no
período de 1990 até 2000 10


9
    Fonte: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Perfil
socioeconômico dos estudantes de graduação das Instituições de Ensino
Superior 2003/2004.
10
   Retirado de “O ensino superior privado como setor econômico” de Jacques
Schwartzman e Simon Schwartzman
                                                                          26
Outra característica do setor privado é o fato de a evasão estudantil ser
consideravelmente maior que no setor público, muitas vezes, além de estudar
à noite, trabalha durante o dia para pagar os custos do estudo e isso pode ser
insuficiente, o que causa uma grande inadimplência nas IESP. Ou mesmo
quando o estudante não trabalha, os gastos acabam sendo muito onerosos
para a família.11




Tabela 01: Porcentagem de estudantes formados por entrantes, por área de
conhecimento e tipo de instituição.

        Por outro lado, o setor público está passando por um momento muito
delicado. A nova ordem agora é o desmantelamento do ensino superior público
e gratuito. Desde o governo FHC, através da Desvinculação das Receitas da
União, o setor universitário vem recebendo cada vez menos verba do Estado
(ver quadro 02). Isso acontece justo em um período de intenso crescimento da
população jovem, não só no Brasil, mas em toda a América Latina, onde o ideal
seria o contrário, aumentar a verba para uma expansão com qualidade desse
setor para atender a demanda. Diante dessa situação, as universidades se vêm
obrigadas a constituir parcerias com as empresas, que normalmente se
estabelecem no âmbito das pesquisas. E sua qualidade é medida pela sua
produtividade: quanto produz, em quanto tempo produz e qual o custo que
produz. Podemos verificar que não se questiona o que se produz, como se
produz, para que ou para quem se produz. Essa questão é muito séria, pois
aquelas universidades que conseguem estabelecer relações mais fortes com o
privado (que costumam ser as empresas transnacionais) conseguem mais
dinheiro, o que acaba direcionando o ensino. Estas são os chamados centros
de excelência. A partir dessa prática a Universidade perde a sua autonomia. A
sua pesquisa passa a ser feita através dos editais abertos que aparecem. Ou

11
  É importante lembrar que não podemos analisar a inadimplência separada as
demais particularidades das IESP, mas que este acaba sendo o fator principal
para o abandono do curso superior.
                                                                               27
seja, a universidade que precisa de dinheiro se vê obrigada a utilizar esses
editais de pesquisas em detrimento a um outro viés de pesquisa que poderia
fazer. Esta prática se torna cada vez mais comum. No final dos anos 1990,
ocorre uma mudança significativa na estrutura universitária, o seu eixo passa a
ser ciência, tecnologia e inovação. É importante observar que “inovação
tecnológica” está ligada a “feitichização” de uma mercadoria (como um celular
que não tinha câmera, mas agora tem; ambos, celular e câmera, não são
tecnologias novas). A universidade passa, então, a ter um novo papel: prestar
serviços para empresas, principalmente as transnacionais. Outro detalhe, é que
o dinheiro advindo dessa prestação de serviços não é gerenciado pelos espaços
públicos da universidade, mas sim pelas fundações privadas. “As tensões e os
conflitos sociais desempenham a função de oferecer campo para a inovação,
não interferindo ou interferindo muito pouco na calibração e na amplitude das
soluções em processo. Tudo se passa como se existisse a consciência de que os
problemas não são resolvidos socialmente, no nível técnico, por causa de
obstruções de natureza social, cultural ou política – e não por falta de técnicas
sociais apropriadas”12. Diante desse plano, há um horizonte cruel para a
universidade: o da privatização.

     10,00
      9,00
      8,00
      7,00
      6,00                                               Investimento na
      5,00                                               educação em
             3,68   4,03   3,99   3,82
      4,00                               3,44    3,5     relação ao PIB
                                                         do respectivo
      3,00
                                                         ano (em %).
      2,00
      1,00
      0,00
             2000   2001   2002   2003   2004   2005


Quadro 02: Investimento do Estado na educação em relação ao PIB do
respectivo ano, valor em porcentagem.13

        Podemos afirmar, então, que a pesquisa passa a ser uma estratégia de
intervenção e de controle de meios ou instrumentos para alcançar um objetivo.
Ou seja, “não é o conhecimento de algo, mas a posse de instrumentos para

12
   IANNI, Octavio. Florestan Fernandes: sociologia crítica e militante. São
Paulo: Expressão Popular, 2004. p. 311.
13
   Fonte: IBGE e STN (retirado do jornal Brasil de Fato, número 233, ano 5.
Edição Especial: Educação, agosto de 2007)
                                                                              28
intervir alguma coisa. Por isso mesmo, numa organização [a nova configuração
da universidade] não há tempo para a reflexão, a crítica, o exame de
conhecimentos instituídos, sua mudança ou sua superação. Numa organização,
a atividade cognitiva não tem como nem por que se realizar. Em contrapartida,
no jogo estratégico da competição no mercado, a organização se mantém e se
firma se for capaz de propor áreas de problemas, dificuldades, obstáculos
sempre novos, o que é feito pela fragmentação de antigos problemas em
novíssimos micro-problemas, sobre os quais o controle parece ser cada vez
maior. A fragmentação, condição de sobrevivência da organização, torna-se
real e propõe a especialização como estratégia fundamental.”.14
         No entanto, aquelas que não conseguem estabelecer essa relação com
as grandes empresas, acabam por entrar em um processo de precarização.
Isso pode ser verificado dentro dos próprios “centros de excelência”, a sua
grande contradição. Nestes, os cursos ligados ao agronegócio ou ao setor
tecnológico são os mais bem estruturados enquanto que aqueles da área de
humanas são precários, sofrem pela falta de uma boa estrutura e de
professores. Isso é reflexo do preconceito que as ciências humanas sofrem na
sociedade. Normalmente esses cursos são tidos como “aqueles em que não é
preciso pensar”. Mas sabemos que este preconceito não é gratuito.
         Contudo, é bom salientar que essa ocasião por que passamos já era
anunciada há tempo. A falta de uma política para longo prazo que culminasse
realmente na democratização do ensino superior, agora não pode ser sanada
no imediatismo. Hoje, o governo adota uma série de políticas para que o
ensino superior seja “democratizado”. Essas medidas consistem na ampliação
de vagas nas IFES de diversas maneiras. Mas o problema é que essa ampliação
não é acompanhada com o devido investimento, o que causará uma grande
perca na qualidade do ensino. Outra frente em que o governo está agindo para
“democratizar” o acesso à educação superior, é o incentivo ao ensino à
distância. Essas medidas vão satisfazer apenas às estatísticas, pois o problema
estrutural do acesso ao ensino superior gratuito e de qualidade não será
sanado. Outra ilusão que é passada ao povo brasileiro é que essas medidas vão
sanar os problemas de desemprego no Brasil por uma questão muito simples:
o que faltava era a qualificação profissional. Logo, quando todos tiverem
acesso à universidade isso estará solucionado. O problema não é tão simples
assim. Nega todo o passado do país e de seu papel no capitalismo mundial.
         Quando analisamos nessa perspectiva vimos que o amplo acesso da
população ao ensino superior só será permitido, só será proporcionado, quando
não comprometer o funcionamento do sistema. Diante disso perguntamos: qual
é o papel da universidade? Bom, o seu papel é analisar criticamente a
sociedade na qual está inserida e propor soluções para as suas mazelas ou
mudanças que a façam progredir, o que significa desenvolver tecnologias
sociais. Isso se dá de diversos maneiras, desde a elaboração curricular até a
pesquisa, a investigação científica. Ora, um sistema universitário que

14
     CHAUÍ, Marilena. A Universidade hoje.
                                                                            29
funcionasse assim, com certeza colocaria em cheque o atual sistema, que
extorque drasticamente todos os países “subdesenvolvidos”. Logo, para que a
população tenha acesso ao ensino superior, este tem funcionar de forma que
não questione a ordem. Portanto, o processo de desmantelamento da
universidade não é “a toa”. Estão sendo criadas diversas maneiras para
garantir que as IES’s tenham o seu ensino direcionado. Uma delas é o Sistema
Nacional de Avaliação do Ensino Superior, que pune as instituições reprovadas
e gratifica as mais bem conceituadas e impõe um padrão de ensino a ser
seguido pelas instituições, que é moldado inteiramente pelo interesse das
empresas transnacionais. Isto deveria ser ao contrário, dever-se-ia investir nas
reprovadas para garantir que lograsse melhoras e o resultado da avaliação
deveria ser sigilosa. Esse sistema proporciona um ranqueamento das IES de
modo que sejam afirmados os centros de excelência.
Resumindo, podemos dizer que a Universidade Pública passa por um momento
decisivo na sua história e cabe a nós, sociedade brasileira impedirmos esse
triste fim do ensino superior gratuito e de verdadeira qualidade.

Movimentos de Resistência: a trincheira universitária

         Dizemos que a universidade é o reflexo da sociedade. Isto é, está
inserida em um contexto muito maior, em um sistema que a utiliza para se
reproduzir através da ideologia (aparelho ideológico). Assim como há os
movimentos de resistência na sociedade, há também na academia. Esses
cumprem uma função importantíssima e que não podemos deixar de lado na
luta pela transformação da sociedade, embora não estejam no centro. Estão
localizados no seio de um dos principais aparelhos ideológicos e que em seu
conteúdo possui “por base considerações valorativas, posição de classe visão
de mundo e a subjetividade de quem seleciona”15. Desse modo, possuem
limites e potencialidades peculiares que devem ser bem debatidos e
compreendidos para poderem atuar da melhor maneira.
         Hoje, essas forças contestatórias são marginalizadas, principalmente
pela mídia. Há uma enorme massa de estudantes e professores apáticos. São
poucos os que “tomam posição” e atuam realmente com responsabilidade
política, tanto dentro quanto fora da instituição. Entre os docentes, prevalecem
fortemente os valores e interesses das profissões liberais (tais outras como
médico, advogado etc.), fato que os afastam do povo e fazem com que
refiram “soluções técnicas” para as mazelas da sociedade. Mas não podemos
negar a luta pela educação que o movimento docente vem travando em toda a
América Latina.
         No entanto, a única forma dos movimentos universitários contribuírem
para todo o povo, é que eles atuem como movimento social associado,
logicamente, à perspectiva do povo. Para atuarem dessa forma, devem ter um

15
 IASI, Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e emancipação. São Paulo:
Expressão Popular, 2007. p 160
                                                                             30
horizonte político, uma estratégia. Para alcançá-la, podem desenvolver
diversas táticas (ações), mas que sejam balizadas pela conjuntura e que sejam
traçadas e executadas em conjunto com os Movimentos Sociais populares, pois
a universidade não será transformada de dentro para fora. Pelo contrário. Seus
muros irão cair de fora para dentro, como conseqüência da transformação do
sistema.
        A exemplo disso, podemos citar A Reforma Universitária de Córdoba de
1918, a maior conquista universitárias da América Latina, que teve reflexo em
todo o continente. Mas não perdurou porque na sociedade não havia suporte
para uma universidade popular que não fosse totalmente autônoma do Estado:

“Pero si la reforma como movimiento social ha sido superado,
susreivindicaciones que le dieron vida mantienen hoy toda su vigencia. La lucha
por la autonomía, el cogobierno, la docencia libre, la cátedra paralela, debe ser
integrada a un planteamiento de conjunto de la cuestión educativa. Esta lucha
debe partir de la conclusión a la que arribaron los sectores más avanzados del
movimiento reformista: la transformación educativa es inseparable de la
transformación social dirigida por la clase obrera contra la opresión y la miséria
capitalista. La Revolución educativa solo puede realizarse como revolución
social”. 16

        Esse episódio histórico deixou grandes lições para o Movimento
Estudantil da América Latina:
        - Sempre que defender estritamente os interesses dos estudantes
(específicos), cairá no corporativismo. Irá se desviar do caminho do povo e,
conseqüentemente, navegará sem rumo no mar da história;
        - Se somente se ater às lutas fora da universidade, tenderá ao
propagandismo e perderá as suas raízes, deixando de cumprir seu papel ali.

Universidade Popular

         “Nenhum país pode aspirar a ser desenvolvido e independente sem um
forte sistema de ensino superior”. Estas são as primeiras palavras das
Diretrizes da Educação Superior do Plano Nacional de Educação. À primeira
vista, parece ser muito belas. Mas somente à primeira vista. Para eles, um
ensino superior forte na América Latina é aquele que consegue atender as
demandas das transnacionais presentes no país e reproduzir a ideologia
capitalista. E é isso que a educação superior brasileira faz. Ou seja, na atual
conjuntura é impossível que tenhamos uma universidade realmente
democrática e que seja fator ativo na mudança social (Universidade Popular)


16
 SOLANO, Gabriel. La Reforma Universitária de Córdoba: Fundación Del
movimiento estudiantil latino-americano.

                                                                               31
através da via institucional. Do contrário, não será verdadeiramente popular,
apenas fará maquiagens no modo de funcionamento.
         Uma universidade que não tem o propósito de funcionar como aparelho
ideológico do Estado (aqueles que reproduzem o conjunto de idéias que o
sustentam), hoje só pode ser criada     antida por movimentos sociais. Ou seja,
somente os movimentos sociais autônomos têm a capacidade de construir uma
ferramenta de tal magnitude para combater o sistema. A Universidade Popular
é o local em que os movimentos sociais vão qualificar os militantes, formar
seus quadros técnicos e políticos. De lá, sairão compromissados com o povo,
com o compromisso de atuarem nos diversos flancos que compões a luta de
classes. Para isso, não serão necessários vestibulares ou qualquer outro tipo de
exame de seleção. O que determinará, será a convicção ideológica e a
disposição para a luta de classes.
         A história é a alma do povo. É através do resgate profundo de toda a
dimensão histórica, de todos(as) aqueles(as) que defenderam e lutaram pelo
povo, de toda a trajetória do povo é que se criam condições para a apreensão
da totalidade da realidade. Mas para isso, é necessário ter uma maior
compreensão do funcionamento do sistema vigente: o capitalismo, ou seja, é
preciso que haja o estudo aprofundado da economia política para
deslegitimarmos o modelo capitalista do ponto de vista ético, primeiro temos
de fazê-lo do ponto de vista econômico. Para tanto, uma sólida formação sobre
economia política é indispensável. Como plano de fundo, a universidade
Popular deve ter uma filosofia que não trate os acontecimentos de uma forma
espontaneísta e isolados do todo, e muito menos coloque o indivíduo no centro
da questão, como se não estivesse inserido em um coletivo: o pós-
modernismo, que fragmenta a realidade e, assim, ignora a existência de
estruturas ou sistemas. Deve usar a filosofia marxista, pois somente ela é
capaz de interpretar realidade como um todo em movimento e possibilitar
avanços para a verdadeira emancipação humana. Portanto, esses são os três
pilares básicos sobre os quais deve-se erguer uma Universidade Popular:
historicidade do povo, totalidade da realidade e o materialismo histórico
dialético.
         Porém, como dizia Paulo Freire, “ficar longe do Povo é uma forma de
ficar contra ele”. Isto é, em uma Universidade Popular deve desenvolver
métodos de trabalho com o povo, mas que estejam muito longe de ser uma
invasão cultural. Deve ser um trabalho construído junto com o povo e de
nenhuma forma tratado como uma coisa isolada. Há que ser parte do processo
educativo, enfim, ter uma intencionalidade pedagógica referenciada na ação-
reflexão- ação, na práxis libertadora, no processo de formação da consciência,
ou seja, deve trabalhar sob um método que possibilite a formação do novo
homem e da nova mulher e gerar ferramentas para disputar a hegemonia
intelectual.
         Diante disso, podemos dizer que o papel que Universidade Popular tem
é o de ajudar a organizar o povo. Esse deve ser o propósito da formação ali
praticada, já que esta só tem sentido se estiver inserida em um horizonte

                                                                             32
transformador, das pessoas e da realidade e isso só pode ser feito através de
ações concretas de um povo muito bem organizado, logo, com alto nível de
consciência. “A tarefa principal da formação é motivar para que os silenciados
saiam de se silêncio, que os dominados aceitem sair da dominação através da
luta”.
        Quando falamos de Universidade Popular, não podemos deixar de citar
a Universidade Popular Mães da Praça de Maio da Argentina. Inaugurada em
2000, que proporciona o desenvolvimento de um pensamento crítico e batalha
para recuperar as tradições de lutas populares. Também abre espaço para que
setores populares e os diversos movimentos sociais possam participar e criar
formas de construção política. A Universidade tem 10 carreiras (cursos), sendo
que a base para todas elas é a formação política, o resgate da história das
lutas populares e dos legados que deixaram os lutadores e as lutadoras do
povo.
        No Brasil, há a Escola Nacional Florestan Fernandes, inaugurada em
2005 e construída através do trabalho voluntário de vários companheiros e
árias companheiras do MST, que adota uma prática que nos permite chamá-la
de Universidade Popular. Lá, não são ministrados cursos profissionais, mas é
um lugar de importância histórica para os movimentos sociais da América
Latina, pois antes de ser um centro de formação de quadros, é um local que
representa o povo em busca de toda a formação que lhe foi negada (assim
como a UPMPM) historicamente para usá-la na transformação social.


Considerações Finais

         Dependência,    é    esta   a   palavra   que    traduz   o   processo
de“desenvolvimento” desde invasão dos Europeus na América Latina. Hoje, no
âmbito da educação, verificamos que as medidas adotadas pelo Estado só
acarretam no aprofundamento da dependência externa cultural, econômica e
política. Isso vem como premissa básica a todo o continente latino-americano,
para que “atraísse investimentos externos” que proporcionassem condições de
se desenvolver, espelhados nos países do G7. O fato de a Educação deixar de
ser um serviço exclusivo do Estado, faz com este apenas dite as diretrizes e se
desobriga de uma atividade verdadeiramente política. Além disso, pode ser
privatizada.
         O Plano de Reforma do Estado, desenvolvido nos anos 1990,
caracteriza as universidades, as escolas técnicas, os museus e os centros de
pesquisas como “organizações sociais”, assim, podemos dizer que a
universidade é que presta serviço ao Estado e celebra contratos de gestão que
estabelece metas e indicadores de desempenho. Ou seja, a autonomia
universitária se reduz ao gerenciamento empresarial da instituição.
         Outra palavra que passamos a ouvir muito, é a “flexibilização” da
universidade. Essa flexibilização está substituindo os professores de dedicação
exclusiva por outros com contratos flexíveis, que são temporários e oferecem

                                                                            33
condições de trabalho praticamente precárias. Outra conseqüência dessa
flexibilização ocorre na adaptação de currículos às necessidades profissionais
de cada região, isto é, às demandas das empresas localizadas em seu entorno.
Além disso, separa docência – que fica na universidade – e pesquisa – que vai
para os centros autônomos de pesquisa, já que os recursos que a universidade
recebia para a pesquisa, é destinado à ampliação de vagas da graduação.
          “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Este ditado popular é
um grosso resumo da história de dominação da América Latina, no entanto,
esconde, nas entrelinhas, a resistência. Quem resiste ou contesta, não tem
juízo. Mas, ao contrário, Cuba tem a história para nos mostrar a verdade. Por
aqui, o setor educacional é o que mais reforça essa lógica opressor-oprimido,
dia após dia. Mas os centros de educação popular desenvolvem importantes
políticas e metodologias alternativas que são usadas pelos movimentos sociais.
          A Universidade Popular aparece, hoje, como um instrumento magnífico
na busca pela emancipação do homem e da mulher. Para cumprir seu papel,
não é necessário conferir-lhe uma forma específica, análoga à universidade
institucional. Assim, tanto a Universidade Popular Mães da Praça de Maio,
quanto a Escola Nacional Florestan Fernandes, são belíssimos instrumentos do
povo, que desafiam a burguesia já que mostra todo o potencial do povo
organizado.
Por outro lado, desde quando se criou a universidade, na Europa, sempre foi
caracterizada como uma “instituição social”, com reconhecimento público de
suas atribuições e legitimidade. Através das lutas socias e políticas advindas da
conquista da educação e da cultura como direitos, a universidade se tornou
indissociável do ideal da democracia e democratização do conhecimento. Logo,
enquanto instituição social, a universidade não pode se furtar das questões
ideológicas, que são sua questão própria, já que lhe cabe a questão sobre qual
o lugar das idéias no processo de produção material da sociedade.




                                                                              34
Conceitos e Perspectivas
 da Educação Popular




                       35
Educação Popular
             Adaptado do caderno “Concepção de Educação Popular do CEPIS”
            CEPIS – Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae
                                                  São Paulo, Março de 2007

         Educação popular não é um discurso acadêmico sobre um método,
oque muitas vezes tem-se entendido, nem um produto acabado ou uma receita
simples ou mágica. Não se confunde com dinâmica de grupo, usada como
instrumento tático ou atrativo, para animar pessoas e grupos. As dinâmicas
são recursos necessários para estimular a participação e cooperação das
pessoas envolvidas. Da mesma forma não é um método fácil que populariza a
complexidade, embora faça o esforço criativo de traduzir conceitos abstratos
numa linguagem cotidiana, em metáforas e símbolos acessíveis.
         Duas pessoas podem fazer o mesmo procedimento, com resultados e
significados completamente opostos. Uma técnica pode significar uma prática
onde a ação, o produto da ação e a finalidade da ação sejam termos exteriores
uns aos outros. Beijar uma criança, abraçar um velho, carregar um andor em
procissão, pode não expressar a convicção de quem fez isso e, ao chegar em
casa, banhar-se de álcool para livrar-se desse contato, que era apenas para
angariar votos, simpatia... Na Educação Popular, o agir do educador mantém
íntima ligação de sua crença com o ato, o produto e a finalidade de sua ação.
         Seria um equívoco reduzir a Educação Popular ao uso de procedimentos
– dinâmicas, recursos audiovisuais e pedagógicos... – que facilitam a
integração e o entusiasmo das pessoas. Essa visão é enganosa, pois a “euforia
do participativo”, por si só, não prepara as pessoas para serem protagonistas,
entender a realidade social e comprometer-se com sua transformação. Muitas
vezes, procedimentos participativos contribuem para que as pessoas sejam
manipuladas e tenham a impressão de que são “parte”. Existem ONG’s
(Organizações     Não     Governamentais),    por   exemplo,    que    praticam
o“socionegócio”. Ganham dinheiro, por ideologia ou por oportunismo,
promovendo oficinas, laboratórios, talleres, workshops, motivações e outros
eventos, que “domesticam” e capacitam cidadãos e cidadãs como novos
escravos, vão alimentar a continuidade do mercado capitalista.
         A Educação Popular insiste no uso de recursos pedagógicos como
instrumentos, que ajudam na incorporação dos conteúdos e do próprio método.
Assim, por exemplo, o uso de imagens são caminhos importantes para alcançar
um objetivo. São instrumentos que ajudam no processo de tradução,
reconstrução e criação coletiva do conhecimento sobre a realidade, mas não
podem ser vistos como receitas mágicas que, por si só, vão alcançar esse
objetivo.
         A Educação Popular é, então, um caminho político-pedagógico.
Portanto, é um processo que exige envolvimento co-responsável de cada
participante na construção, apropriação, e multiplicação do conhecimento. Essa
experiência de aprender a ensinar só pode interessar aos oprimidos, pois, no
capitalismo, não há lugar para ela. Se “só o oprimido pode libertar-se e, ao

                                                                            36
libertar-se, liberta também o opressor”, a educação serve para despertar e
qualificar o potencial popular em sua luta, para construir uma alternativa
solidária. Seu ponto de partida é a convicção de que o povo já tem um saber,
parcial e fragmentado, e que “carrega em si o dom de ser capaz e ser feliz”.
Porém, precisa refletir sobre o que já sabe (às vezes, não sabe que sabe) e
incorporar o acúmulo teórico-histórico da prática social.


“Imagina-te como uma parteira. Acompanhas o nascimento de alguém,
em exibição ou espalhafato. Tua tarefa é facilitar o que está
acontecendo. Se deves assumir o comando, faz isso de tal modo que
auxilies a mãe e deixes que ela continue livre e responsável. Quando
nascer a criança, a mão dirá com razão: nós duas realizamos esse
trabalho.”.

                                            Adaptação de Lao tse, séc. V a.C.




                                                                          37
Aplicando a metodologia popular
             Adaptado do caderno “Concepção de Educação Popular do CEPIS”
            CEPIS – Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae
                                                  São Paulo, Março de 2007

        A metodologia autoritária na educação reafirma que educar é despejar
conteúdos sobre outra pessoa totalmente ignorante. É uma postura de alguém
que vem de cima e de fora, e, com ar professoral, derrama informações para
“fazer a cabeça” do aluno. O aluno, de forma passiva, assimila os
ensinamentos e reproduz essa prática sobre outras pessoas, da mesma forma.
Essa metodologia, de fato, “anula o aluno” por adotar a postura arrogante e
realizar um processo de manipulação para “domesticar” as pessoas. Os alunos
se tornam repetidores de certas verdades, sem qualquer consciência crítica.
Quando os “chefes”, numa empresa, usam recursos pedagógicos, estão apenas
“modernizando” a forma de continuar impondo suas idéias e seus interesses.
        A mera transmissão de informações, transferência de conhecimentos
ou treinamento de técnicas para competir não leva à emancipação, mas à (re)
integração, onde as pessoas e movimentos entram, de forma vigiada e
tutelada, num modelo discutível de progresso. A crítica ao sistema da educação
tradicional abriu caminho para uma concepção educativa crítica e libertadora,
como arma nas mãos das classes populares, orientada para transformação da
realidade. Significa a criação de um senso crítico, que leve as pessoas a
entender o mundo em que vivem e comprometer-se com propostas de
mudanças.
        Por isso, a metodologia na Educação Popular não se confunde com
dicas de “como fazer”, nem com procedimentos e dinâmicas de grupo; menos,
ainda, com a seqüência que deve ter essa ou aquela atividade. É preciso que se
veja o processo educativo não como momentos cooperativos, mas como uma
dimensão necessária da atividade organizada da classe oprimida, que lhe
permite a participação consciente na construção da história. A metodologia
torna-se uma estratégia global, que orienta e permeia o trabalho popular,
dando-lhe sentido, perspectiva e coerência interna. Tem um caminho a
percorrer, um ponto de onde partir e um ponto de chegada, ainda que sejam
espaços diferentes, um carece do outro, numa relação de interdependência. O
ponto de chegada é, em si, também um ponto de partida.
        O ponto de partida são convicções alicerçadas em princípios e
valores. Um dos princípios é a afirmação de que toda pessoa é capaz. Por isso,
as pessoas são aprendizes e mestras, são partes e não platéia, cliente,
assistente ou ouvinte. Nesse modo de olhar, a realidade de cada participante,
sua experiência, sua cultura, seu momento individual e sua visão de
mundo,são componentes indispensáveis no processo de aprender e ensinar.
Eu corpo, sua razão, e seu sentimento precisam estar presentes – sem abrir o
coração, a razão não entende e o corpo não se dispõe a participar.
        Outro princípio é a certeza de que “só a classe oprimida pode libertar-
se, ao fazer isto, liberta também o seu opressor”. Mas não basta ser oprimida,

                                                                            38
a pessoa precisa se dispor a entrar num processo de luta pela transformação,
individual e coletiva.
        E um terceiro princípio é que cada pessoa já tem um saber, ainda que
ingênuo e fragmentado, e, por isso, precisa refletir sobre o que sabe e
conhecer o acúmulo da prática social, para fazer melhor – quem faz já sabe,
quem pensa sobre o que faze, faz melhor.
        O caminho revela-se nas posturas humildes, respeitosas e críticas de
educadores e educandos, contrária a toda forma de arrogância ou submissão, e
que não age como se fosse superior ou inferior. Concretiza-se através de
procedimentos pedagógicos usados para facilitar a participação, a colaboração
e o envolvimento integral das pessoas, permitindo-lhes a apropriação dos
conteúdos e da metodologia.
        O ponto de chegada constata-se pelo grau de eficiência e eficácia que
o processo alcança. Eficácia é realizar a tarefa adequada ao objetivo e ao
momento. Alguns sinais podem indicar a eficiência e a eficácia da metodologia
da Educação Popular:
        - Quando anima e apaixona o oprimido, ao resgatar o elemento de sua
identidade e dignidade – a auto-estima.
        - Quando mobiliza, rompendo a situação de dormência e a sensação de
impotência gerada pela dominação – individualismo, consumismo e fatalismo.
        - Quando capacita e qualifica política, técnica e culturalmente a
militância para atuar na realidade social, com a apropriação do conteúdo e do
método.
        - Quando incentiva e contribui na canalização de processos legítimos
pela emancipação e pela vida.
        - Quando facilita a articulação de práticas populares no rumo de um
Projeto de transformação social.




                                                                          39
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2008 - A Caminho da Educação Popular

  • 1.
  • 2. Expediente Realização: Federação dos estudantes de agronomia do Brasil – FEAB Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal – ABEEF Descrição: Cartilha de textos de subsídio aos debates sobre Educação Popular Edição: Núcleo de trabalho permanente em Educação – Universidade de São Paulo, Campus “Luiz de Queiroz” em Piracicaba Diagramação: Felipe Teixeira Chinen Revisão: Camila Dinat, Carla Bueno Chahin, Felipe Teixeira Chinen, Lineu Vianna, Marcela Cravo Rios e Paola C. C. Estrada Camargo Piracicaba-SP Maio – 2008 1
  • 3. Sumário Apresentação da cartilha......................................................................3 Nossa História FEAB – Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil.............................5 ABEEF – Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal.................................................................................................8 Atualidades em torno da educação Sobre a educação..................................................................................11 Observações da crise da educação pública.................................................14 Universidade(s) ....................................................................................22 Conceitos e perspectivas da educação popular Educação popular..................................................................................36 Aplicando a metodologia popular..............................................................38 Mística do educador...............................................................................40 Experiências de educação popular rumo a uma nova sociedade Introdução............................................................................................44 Educação de Jovens e Adultos e Ensino Médio: A experiência da Turma Olga Benário.........................................................................................45 Inserção da educação na prática social: A experiência de Cuba....................................................................................................51 O lugar da educação na resistência.....................................................61 2
  • 4. Apresentação Olá companheiras e companheiros, Nós, FEAB (Federação dos Estudantes de Agronomia) e a ABEEF (Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal) com apoio do ANDES (Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior) construímos esse material com o objetivo de esclarecer como enxergamos o processo histórico da Educação no Brasil e a luta popular pela Educação, trazendo uma base mais sólida para o Movimento Estudantil nesta temática. Nossa idéia foi reunir alguns materiais de diversos autores, com estudos de caso, metodologias e textos em geral, sobre a educação de um povo que a enxerga como uma ferramenta importante na luta por sua soberania. A educação sempre desenvolveu papel de destaque em qualquer época de qualquer sociedade e por aqui não é diferente. Da maneira em que se desenvolveram as relações sociais como reflexos da histórica dominação exterior, “educação” virou sinônimo de “opressão”. Atualmente este valor está de tal modo arraigado na sociedade que se tornou natural uma educação baseada em relações de poder. Hoje, a Educação Popular é uma ferramenta inseparável àquelas pessoas que lutam por uma transformação social, política e econômica, essencial para a organização do povo e para o “despertar” das consciências. Escolhemos educação popular como temática porque entendemos que devemos criticar a educação que temos e a sociedade na qual esta se insere, mas sem perder a perspectiva de propor a verdadeira Educação que queremos para o nosso Povo, e que, apesar de milhares de limitações, existem propostas e realizações concretas de Educação Popular, com o Povo e não para o Povo. Este debate coloca nossa opção pelos oprimidos, explorados e excluídos, e nossa luta conjunta e solidária com qualquer forma de resistência verdadeiramente popular. Escolhemos o CEPIS (Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae) como a nossa principal referência nos conceitos e metodologias de Educação Popular pela longa trajetória (de mais 30 anos) deste grupo, com companheiros e companheiras que contribuíram e contribuem nos debates e ações concretas, assessorando diversas organizações populares e produzindo materiais de apoio acessíveis e com linguagem popular. Juntos nesta luta encontramos diversos espaços e entidades que fazem esta reflexão, debates, produzem materiais de apoio, e, o essencial, organizam o povo. Podemos dar destaque aos Movimentos Sociais da Via Campesina (MST, MAB, MPA, MMC, CPT, PJR, FEAB), principalmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Escola Nacional Florestan Fernandes e a Escola Latino Americana de Agroecologia, onde diversas organizações populares de toda a América Latina realizam espaços educativos do nosso 3
  • 5. Povo, como Cursos Superiores, Cursos de Formação Política, Encontros, entre outros. O ANDES se destaca pelos ótimos materiais produzidos, com conteúdo e forma acessíveis ao Povo. Além de formar assessores que contribuem em diversos espaços do Movimento Estudantil e Social, ajudando-nos a clarear diversas questões e apoiando iniciativas, como esta cartilha. As Assembléias populares também se colocam como importantes espaços democráticos e participativos, onde se discutem diversos temas e a Educação é um deles. Enfim, para compreender um pouco mais a luta do povo pela educação, convidamos você para iniciar essa leitura e juntar-se a nós na luta por igualdade, justiça, pelo fim da exploração do homem pelo homem e pela soberania dos povos. Sejam bem vindas e bem vindos e boa leitura! Núcleo de Trabalho Permanente Educação – FEAB Coordenação Nacional da FEAB Coordenação Nacional da ABEEF 4
  • 6. FEAB A FEAB: Nossa História A organização dos estudantes de Agronomia teve inicio há mais de 50 anos. A primeira organização estudantil ocorreu juntamente com os estudantes de Medicina Veterinária, onde foi criada em 1951 a União dos Estudantes de Agronomia e Veterinária do Brasil (UEVAB) durante o II Congresso dos estudantes de Agronomia e Veterinária. Essa organização durou somente até 1955, onde os estudantes de Agronomia criaram sua própria organização. Em 1954 os estudantes de Agronomia realizaram seu primeiro congresso, na época o CBEA – Congresso Brasileiro de Estudantes de Agronomia. Durante o II CBEA foi criado o Diretório Central dos Estudantes de Agronomia do Brasil (DCEAB). O DCEAB sofreu duros golpes durante o regime militar, onde a exemplo da União Nacional dos Estudantes (UNE), movimentos sociais populares e partidos políticos, em 1968 caíram na clandestinidade, através do Ato Institucional número 5 (AI-5). Este decreto proibiu a reunião de pessoas para fins políticos. Ocorreu ainda, prisão de lideres estudantis e o roubo dos materiais dos arquivos. As atividades dos estudantes de agronomia foram quase totalmente interrompidas entre os anos de 1968 e 1971. Em 1972 realizou-se o 15° Congresso Nacional dos Estudantes de Agronomia – CONEA, em Santa Maria/rs. Neste evento retorna-se o movimento a nível nacional, com a fundação da Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil – FEAB. Desde sua fundação a entidade é protagonista de inúmeras conquistas que asseguram mudanças no curso de agronomia, tais como: o fim da Lei do Boi (cota de 50 por cento de vagas para filhos de fazendeiros), o Currículo Mínimo da Agronomia, a Lei dos Agrotóxicos (receituário agronômico); a discussão diferenciada de Ciência e Tecnologia, frente à necessidade de modelos agrícolas alternativos ao da “revolução verde”; a participação na construção da Agroecologia, entre outras. Durante seu processo histórico travou varias lutas junto aos movimentos sociais populares do campo, a exemplo da campanha nacional de reflexão sobre o gênero; campanha nacional pelo limite da propriedade 5
  • 7. privada; campanha nacional “Sementes Patrimônio da Humanidade”. Além de contribuir com a organização dos estudantes na América Latina com a criação de uma entidade que abrange as federações de estudantes de agronomia dos paises latinos e Caribe, a CONCLAEA – Confederação Caribenha e Latino América de Entidades Estudantis de Agronomia, com isso sua atuação é um marco na luta em defesa da Educação e nas ações do movimento estudantil brasileiro e internacional. Objetivo A FEAB tem como objetivo a construção do socialismo, entendendo-o como uma sociedade onde não haja a exploração do ser humano pelo ser humano e não exista a propriedade privada dos meios de produção. Para chegar no nosso objetivo temos como foco a transformação da universidade, com vistas a atender as demandas da classe trabalhadora oprimida. Para isso é necessária a realização de lutas em conjunto com as demais organizações de estudantes, movimentos sociais populares, e demais organizações que possuam afinidades políticas com a FEAB. Atuando dessa forma, para fortalecer o ME através da realização de lutas sociais que concretizem uma coesão organizativa e reivindicatória e que construa uma política constante de formação em defesa da universidade publica financiada pelo Estado, de qualidade, socialmente referenciada, democratizada em seu acesso e popular. Estrutura organizacional A FEAB está estruturada através de uma coordenação Nacional CN, 8 superintendências Regionais, 8 Núcleos de Trabalho Permanente(NTP’s) e os Centros e Diretórios Acadêmicos – CA’s e DA’s, entidades de representação dos estudantes nas escolas de Agronomia. Coordenação Nacional: Responsável por operacionalizar as políticas deliberadas no Congresso, possui sede em uma única escola, hoje sediada na Universidade Estadual de Montes Claros. Superintendência Regional: Cada superintendência tem uma Coordenação Regional que representa as escolas de Agronomia de determinada região geográfica. Todos os membros da coordenação devem ser da mesma escola. Segue abaixo, a relação das superintendências regionais, com a sua respectiva área de abrangência e escola sede atual. - Regional I: RS – CR: Santa Maria - RS - Regional II: PR SC – CR: Florianópolis - SC - Regional III: MG, RJ e ES – CR: Diamantina - ES - Regional IV: MT, MS, GO e DF – CR: Tangara da Serra - MT - Regional V: PE, RN, PB, PI e CE – CR: Mossoró - RN - Regional VI: MA, PA, AM, AC e RO – CR: Belém - PA - Regional VII: SP – CR: Botucatu - SP - Regional VIII: BA, SE e AL – CR: Aracajú - SE 6
  • 8. Núcleos de Trabalho Permanente: Constituem-se em órgãos consultivos e de elaboração teórica sobre as bandeiras de luta da federação. Os membros dos NTP’s devem ser da mesma escola. Segue abaixo os NTP’s e suas respectivas sedes atuais. - Arquivo e Histórico: Areia - Educação: Piracicaba - Estudos Amazônicos: Cuiabá - Ciência e Tecnologia: Está atualmente sem representante - Relações Internacionais: Lavras - Juventude e Cultura: Recife - Movimentos Sociais Populares: Lages - Agroecologia: Curitiba Os Eventos A instância máxima de deliberação da FEAB é o CONEA – Congresso Nacional dos Estudantes de Agronomia. É o encontro anual de todos os estudantes de agronomia do Brasil de cunho integrativo onde se discute questões inerentes ao curso, a conjuntura nacional, a situação agrária e agrícola regional e nacional, a educação, avaliando e apontando perspectivas, com o intuito de apresentar propostas e formas de encaminhamentos que visem solucionar os problemas levantados no evento. O ultimo CONEA ocorreu em 2007 em Aracajú - SE. Dentre as principais atividades promovidas atualmente pela FEAB, estão os ERA’s (Encontros Regionais de Agroecologia), os EREA’s (Encontros Regionais dos Estudantes de Agronomia), os Seminários de Questão Agrária, os CEPA’s (Curso de Economia Política e Agricultura) e os EIV’s (Estágios interdisciplinares de vivência) em comunidades de pequenos agricultore(a)s e assentamentos de reforma agrária. Os EIV’s foram premiados pela UNESCO em 1992, como iniciativa de destaque da juventude latino-americana. AS Bandeiras de luta São as linhas norteadoras das discussões realizadas pela FEAB, deliberadas no CONEA, e que devem ser colocadas em pratica por todas as entidades que compões a FEAB. Devendo assim, priorizadas pela coordenação nacional e pelas coordenações regionais.Algumas de suas principais bandeiras são: - formação profissional - ciência e tecnologia - universidade - juventude, cultura e valores - agroecologia - movimentos sociais - relações internacionais - gênero e sexualidade 7
  • 9. ABEEF – Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal A Associação Brasileira dos Estudantes de Engenharia Florestal - ABEEF, fundada em 03 de abril de 1971, entidade sem fins lucrativos, surgiu da necessidade de representar e articular nacionalmente os estudantes de Engenharia Florestal. Ao longo de sua história ergueu diversas bandeiras em defesa de uma sociedade justa, igualitária e que utilize os recursos naturais de forma equilibrada. Tem a universidade como principal área de atuação, entendendo que todos devem ter direito a uma educação pública, gratuita, autônoma e de qualidade. Através de diversas atividades e eventos, a ABEEF vem trabalhando para que os estudantes de Engenharia Florestal se sensibilizem socialmente e tenha uma formação ética, política e critica, para compreender e atuar sobre a realidade social de nosso país. Atualmente a Associação tem se aproximado dos Movimentos Sociais Populares ligados ao campo e a floresta. Esta parceria está proporcionando uma compreensão do papel da universidade na transformação social, principalmente na área de atuação da Engenharia Florestal. ESTRUTURA ORGANIZATIVA DA ABEEF: Coordenação Nacional (CN): Tem como função representar a Associação nacionalmente, planejar e executar atividades e projetos definidos no Seminário de Planejamento, efetivando as decisões do CBEEF. A CN também deve auxiliar as Coordenações Regionais, fazendo articulação nas escolas transmitindo um sentimento mais concreto de ABEEF, bem como convocar e coordenar as instâncias em espaços nacionais da Associação encaminhando as deliberações. Além da articulação e integração interna, a CN e responsável por iniciar e/ou manter relações com outros movimentos e entidades que lutem por uma sociedade melhor. Coordenação Regional (CR): Tem como função representar a Associação regionalmente, fazendo a articulação nas e entre as escolas da região. As CR’s devem realizar passadas freqüentes para transmitir o “sentimento de ABEEF” e 8
  • 10. acompanhar os trabalhos que são feitos pelos estudantes dos CA’s e DA’s) – Entidades de base, sem as quais não existiria Associação. Além de levar ao conhecimento das novas escolas as políticas da ABEEF, bem como transmitir a importância da organização estudantil. Atualmente a ABEEF esta estruturada em cinco regionais: - Regional Amazônia (PA, AM, AC, RO, AP, RR); - Regional Caatinga (BA, SE, AL, PE, PA, RN, CE, PI, MA); - Regional Cerrado (DF, GO, MT, TO, MS); - Regional Mata Atlântica (SP, RJ, MG, ES); - Regional Araucária (PR, SC, RS); Núcleo de Conjuntura Política (NCP): Tem como função coletar, sistematizar, produzir e divulgar materiais que sirvam de subsídio para as atividades da Associação, servir de órgão consultivo para as ações das instâncias, bem como pensar eventos que permitam a formação política dos estudantes. Núcleo de Trabalho em Agroecologia (NTA): Tem como função coletar, sistematizar, produzir e divulgar materiais que sirvam de subsidio para as atividades da Associação, bem como pensar e participar de eventos que permitam a discussão sobre a matriz tecnológica e produtiva em que nossa sociedade está atualmente inserida, sendo propositivo para inversão da mesma, assim cuidando da formação agroecológica e política dos estudantes. Núcleo Arquivo Histórico (NAH): Localizado permanentemente na UFMT - Cuiabá, este núcleo reúne o acervo histórico da Associação. Tem como função guardar e organizar o acervo da Associação de modo a facilitar o acesso e pesquisa de seus documentos, além de sempre realizar nos eventos da ABEEF apresentações que permitam aos estudantes conhecer a história de luta da Associação. CBEEF: O Congresso Brasileiro dos Estudantes de Engenharia Florestal é a instância máxima de deliberação da Associação, por reunir o maior número de estudantes. Acontece anualmente numa das escolas de Engenharia Florestal e permite aos estudantes um aprofundamento a respeito das linhas defendidas pela ABEEF, definindo as políticas sobre as mesmas que serão encaminhadas no período até o próximo CBEEF. A sua realização é feita pela comissão organizadora formada por estudantes da escola sede e representantes das Coordenações Nacional e Regional. Seu eixo temático é definido nos conselhos da Associação. A sucessão das instâncias da ABEEF ocorre no CBEEF. 9
  • 11. Atualidades em torno da Educação 10
  • 12. Sobre a educação Adaptado do caderno “Concepção de Educação Popular do CEPIS” CEPIS – Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae São Paulo, Março de 2007 A educação sozinha não transforma a sociedade. Mas, sem ela, tampouco a sociedade muda ou se mantém. A educação tem um papel fundamental na organização da sociedade, podendo tanto ordená-la, quanto reformá-la ou, até, revolucioná-la. Então, não há só uma forma, tampouco um único modelo de educação. A escola é um dos lugares onde ela acontece e, talvez, não seja o melhor deles. O ensino escolar não é sua única prática nem o professor profissional seu único praticante. Em mundos diversos a educação existe de diferentes formas: existe em cada povo e em povos que se encontram; entre os povos que submetem outros povos e usam a educação como um recurso a mais de sua dominação; em um povo que busca sua libertação, tendo a educação como instrumento para livrar-se de qualquer tipo de dominação. A educação é uma das maneiras que as pessoas criam para tornar comum o saber, a idéia, a crença e aquilo que é comum como bem, como trabalho ou como vida. Pode existir imposta por um sistema centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o saber, como armas que reforçam a desigualdade entre as pessoas, na divisão dos bens, trabalho, dos direitos e dos símbolos. Mas pode igualmente ser uma construção coletiva, com o envolvimento co- responsável de quem entra no processo. Pode-se dizer, então, que educação é uma fração do modo de vida dos grupos sociais, que criam ou recriam uma cultura, que dá sentido às relações humanas. Eles produzem e praticam formas de educação, para que elas reproduzam, entre todos os que ensinam e aprendem, o saber das palavras, os códigos sociais, as regras de trabalho, os segredos da arte, a religião e a tecnologia, que qualquer povo precisa, para re-inventar a vida do grupo e dos sujeitos. Através de trocas sem fim, a educação ajuda a explicar a necessidade da existência de uma ordem. Às vezes, a ocultá-la, ou até mesmo, a inculcá-la. Pensando que age por si próprio, livre e em nome de um coletivo, um educador imagina que serve ao Saber e ao educando. Mas pode estar servindo a quem o constituiu professor, a fim de usá-lo para usos escusos, ocultos também, na educação. Quem domina, por exemplo, divulga que o melhor é quem copia, e a cultura oficial exalta as virtudes do papagaio e a fidelidade do cachorro, embora o papagaio não pense e o cachorro seja amigo apenas do seu dono. Toda educação tem uma intencionalidade explícita ou implícita, mas sempre presente pois todo o conhecimento tem um objetivo, uma direção e uma finalidade. O conhecimento tem sempre um objeto, uma direção e uma finalidade. O conhecimento é sempre conhecimento de alguma coisa ou de alguém, a partir de uma perspectiva. Pode-se ter uma ou várias intenções diante de um conhecimento, comportamento ou ação. Podem ser intenções 11
  • 13. claras ou intenções ocultas, ou até “segundas intenções”. A intencionalidade política da educação popular significa que as pessoas que a fazem direcionam sua educação a partir de uma analogia ou de valores, a partir da finalidade que pretende dar ás forças sociais políticas presentes no meio dos pobres. A educação é sempre uma ferramenta de uma estratégia determinada de onde não se forma uma pessoa e depois se vê o que ele vai fazer, ao contrário, primeiro se tem a militância, até porque o conteúdo do processo de formação, seu método e ritmo dependem de uma concepção de mundo, de uma visão de sociedade, de uma opção por certos princípios e valores, de um programa. A educação está sempre a serviço de uma ideologia, de uma proposta, como instrumento para realizar sua estratégia. Certamente o próprio processo educativo contribui para a explicitação, formulação e aperfeiçoamento de uma estratégia. Todo tipo de educação está a serviço de uma organização, o que une as pessoas e os grupos, para além das explicações românticas é a busca da realização de um anseio comum, a defesa de um interesse ameaçado ou a consciência da militância. Na luta popular as pessoas não formam grupo de amigos, embora possam tornar-se amigas, elas se juntam por uma Causa. Para dar coesão a sua proposta, um grupo ou uma classe constrói processos de convencimento para fortalecer esse grupo que, por sua vez, vai lutar para tornar possível uma conquista até a implantação de um sistema que garanta seus interesses de forma permanente. Adotar e discutir princípios e posturas pedagógicas é fazer política. A educação é um ato político, assim como um ato político é educativo. Não existe educação politicamente neutra. Numa sociedade de classes, não pode haver educação que seja a favor de todos – será sempre a favor de alguém e contra outrem. A educação serve para que uma pessoa se acomode ao mundo ou se envolva em sua transformação. A politicidade da educação questiona a quem educa sobre a educação que se pratica na sociedade. Ao ser transformadora,só ode ficar contra quem se beneficia com a atual situação e se coloca a favor de quem é prejudicado por ela; ao ser conservadora, estará a favor dos grupos beneficiados com sua manutenção. Nascendo de visões antagônicas, a educação libertadora e a conservadora têm cada qual a sua metodologia. Na educação conservadora domesticadora, “tornar comum” pode significar a naturalização da prática metodológica de enfiar, gela abaixo, diferentes pacotes para perpetuar a ordem dominante. E as pessoas oprimidas aprendem a assimilar conteúdos modelos, reduzindo-os e fortalecendo e a estrutura social desumanizante, favorável à minoria. Já na educação libertadora, “tornar comum” significa uma construção coletiva, que envolve as pessoas no processo de resolver as perguntas do cotidiano, bem como na luta por sua emancipação. Essa metodologia, onde as pessoas entram como parte, estimula a classe oprimida a romper com as estruturas injustas e a construir uma ordem onde haja lugar para elas, como sujeitos e protagonistas. A educação libertadora, ao estimular a libertação de 12
  • 14. forças “naturalmente” adormecidas e socialmente reprimidas, inclui, ao mesmo tempo, a consciência e o mundo, a palavra e o poder, o conhecimento e a política, a teoria e a prática. O capitalismo tenta convencer-nos que não há alternativa de vida fora desse sistema. Com a ajuda de processos educativos, hoje, sobretudo através da mídia e da escola, mantém-se ideologicamente hegemônico. Educação é uma disputa de hegemonia, uma classe ou setor busca ter hegemonia sobre outras classes ou setores, no sentido de exercer sobre elas um processo de direção política, seja no plano político, cultural ou ideológico. Essa hegemonia da classe no poder se constrói e se recria na vida cotidiana, e através dela que se interioriza valores e se constrói sujeitos domesticados ou críticos. O capitalismo, por exemplo, mesmo sem resolver os problemas da maioria da população, convence essa gente de que não há alternativa de vida fora desse sistema. Com a ajuda de processos educativos, hoje, sobretudo através da mídia e da escola, mantém-se ideologicamente hegemônico. Hegemonia, então, é também relação política e pedagógica. Uma alternativa de hegemonia com valores humanistas que não pode seguir uma pedagogia verticalista, nela educador e educando devem sempre manter uma relação dinâmica, onde ambos são ativos e precisam, permanente, ser educados. Para superar o endoutrinamento ou o dogmatismo, qualquer processo de educação/formação deve contribuir para que as pessoas tenham capacidade crítica, porque, ao evitar toda a forma de basismo (elogio oportunista de um falso saber), não se pode cair nas várias formas de dirigismo, manipulação ou imposição, que treina obedientes seguidores. Sem visão crítica não pode existir conhecimento verdadeiro e permanente da realidade. Soldadinhos de chumbo não são protagonistas, nem a repetição de fórmulas acabadas e receitas transplantadas servem para a transformação da realidade. Criticar é um dever – m educando não seria digno de um educador se não se atrevesse a combater m ponto de vista que percebe equivocado. Uma organização da sociedade não se constrói com robôs. “Desconfiai do mais trivial, na aparência singela. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceites o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente de humanidade desumanizada, nada deve parece natural nada deve parece impossível de mudar” Bertold Brech 13
  • 15. Observações da crise da Educação Pública Adaptado do texto “Cinco observações sobre a crise da educação pública para uma estratégia revolucionária” Valério Arcary1 Este texto resultou de uma comunicação apresentada no seminário do ILAESE (Instituto Latino-americano de estudos sócio-econômicos) em novembro de 2005. Comentaremos cinco temas que foram, na ocasião, objeto de uma discussão coletiva. A primeira idéia é o reconhecimento do fracasso da educação pública como instrumento da mobilidade social. Uma das premissas do capitalismo era a igualdade jurídica dos cidadãos. A promessa dos reformistas brasileiros foi, contudo, ao mesmo tempo, mais audaciosa e confusa: afirmaram durante os últimos vinte anos de regime democrático liberal, antes de chegar ao poder, que a educação seria mesmo preservado o capitalismo, uma via de maior justiça social. A escola poderia mudar o Brasil, diminuindo as desigualdades sociais através da meritocracia, da igualdade de oportunidades, a chamada equidade, a justiça diante de obstáculos ou de barreiras que são ou deveriam ser universais, existiria a possibilidade de melhorar de vida. Toda promessa reformista esteve construída em cima desta tese. “Estudem e trabalhem duro” e terão um futuro superior ao dos vossos pais. Educação e trabalho para todos garantiriam, presumia-se, uma maior coesão social à democracia burguesa na periferia do capitalismo, e serviam de álibi para a confiança dos reformistas nas possibilidades de “controle social” do mercado. Abraçados a esse programa, o desenvolvimento econômico substituía, alegremente, o socialismo como horizonte estratégico da esquerda eleitoral. A democracia liberal afiançaria, gradualmente, prosperidade para todos. Seria uma questão de paciência. Mas, quando chegaram ao poder, fizeram um “desconto” na promessa, e o direito à educação universal foi subtraído: no lugar de mais verbas para educação pública, mais isenção fiscal para a educação privada. Sobraram as políticas compensatórias como o “Bolsa Família”: uma amarga contrapartida. Todos os levantamentos estatísticos disponíveis a partir do censo do IBGE de 2000 e dos PNAD’s dos anos seguintes informam que, apesar de melhoras quantitativas modestas dos índices educacionais, o projeto reformista tem sido um fiasco. O Brasil está mais injusto que há vinte anos atrás, o desemprego mais alto, os salários médios congelados, enfim, a vida ficou mais difícil. A expansão da rede pública foi significativa nos anos sessenta, setenta e oitenta, mas não diminuiu a desigualdade social. Depois, a partir dos anos noventa, vieram as políticas sociais focadas que o governo Lula está preservando, e fracassaram, ainda mais estrepitosamente. A mobilidade social, 1 Valério Arcary é graduado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, doutor em História Social pela USP. Atualmente leciona História no Ensino Médio(3º ano) e no Curso de Turismo, ambos no CEFET-SP (Centro Federal de educação Tecnológica de São Paulo). 14
  • 16. ou seja, a esperança de ascensão social de uma geração para outra permanece muito pequena. A desigualdade social brasileira continua entre as ais elevadas o mundo. Vinte anos de democracia burguesa e de alternância no poder municipal, estadual e nacional entre a centro direita e a esquerda reformista, que tiveram oportunidade de aplicar os mais variados projetos educacionais, não trouxeram maior mobilidade social. Segundo os dados do IBGE, os 10% mais ricos da população ainda são donos de 46% do total da renda nacional. Já os 50% mais pobres ficam com apenas 13,3%. Há décadas o Brasil anda de lado, ou seja, fica para trás. A educação não garante mobilidade social ascendente Eis a primeira questão: a mobilidade social e o lugar da educação como instrumento de ascensão. A primeira constatação da realidade social no capitalismo periférico é que as possibilidades de ascensão social agora estão congeladas. A sociedade brasileira teve, durante algumas décadas, comparativamente à situação atual, uma mobilidade social significativa. Se analisarmos a origem social da maioria da população urbana adulta e, também, o que podíamos chamar o “repertório cultural” das gerações anteriores nas nossas próprias famílias, veremos que com raras exceções, uma grande parcela foi, individualmente, favorecida pelo aumento da escolaridade de um período histórico anterior. Esse fenômeno é chave para compreendermos a crise atual, porque foi excepcional. O padrão histórico dominante na história do Brasil foi outro. Durante gerações nossos antepassados foram vítimas da imobilidade social e da divisão hereditária do trabalho. Os que nasciam filhos de escravos, não tinham muitas esperanças sobre qual seria o seu destino. Os filhos dos sapateiros já sabiam que seriam sapateiros. No entanto, a sociedade brasileira entre 1930 e 1980, mesmo considerando-se os limites impostos pelo seu estatuto subordinado na periferia capitalista, foi uma das economias com mais dinâmica no mercado mundial. Perpetuaram-se as desigualdades, por suposto. Mas, existiu durante décadas um capitalismo com urbanização e industrialização. Os dois processos não tiveram a mesma proporção dos anos 30 aos 70. O certo, todavia, é que existiu mobilidade social. Logo, a promessa reformista de que seria possível mudar o capitalismo e viver melhor, através de uma educação pública universal – a percepção popular do nacional-desenvolvimentismo - era uma promessa que alimentava esperanças. Garantia alguma coesão social para a dominação burguesa. A força de inércia das ilusões reformistas – a ideologia de colaboração entre capital e trabalho que resiste à necessidade do confronto e da ruptura - repousava nessa história. A sua superação exigirá uma experiência prática compartilhada por milhões. Nós que defendemos o projeto revolucionário, não ignoramos que as massas viveram a etapa histórico-política dos últimos vinte anos depositando expectativa em Lula e no PT, porque permaneciam prisioneiras das ilusões 15
  • 17. reformistas. Não defendemos a revolução socialista porque temos um temperamento exaltado. Não apostamos que a revolução brasileira possa vencer sem a mobilização e organização das grandes massas populares. Os mais apressados e nervosos não resistem, geralmente, aos longos anos de uma militância contra a corrente. Os mais exasperados, depois das primeiras decepções, ficam pelo caminho. A luta revolucionária é um assunto para gente muito equilibrada. A revolução exige dedicação, perseverança, exige espírito de sacrifício, reflexão, muita crítica, muita autocrítica, muita disposição de mudar. Gente muito perturbada não tem disposição de mudar, já acha que é perfeita; os revolucionários, não. Acham que são gente incompleta, gente imperfeita, gente em construção. Acham que têm que se corrigir uns aos outros. A adesão ao projeto revolucionário se fundamenta na História: o projeto reformista não tem viabilidade no tempo que nos tocou viver. Quando raciocinamos neste horizonte de perspectiva, verificamos que a economia brasileira perdeu o impulso que teve até os anos oitenta. Concretizemos: mobilidade social, neste contexto, significava quais eram as possibilidades que cada um tinha de melhorar de vida, preservadas as relações sociais dominantes. Essas taxas são mais acentuadas em uns períodos e menos acentuadas em outros; há sociedades mais congeladas, numa etapa histórica, e há sociedades mais dinâmicas. A questão decisiva é que o Brasil é hoje uma sociedade muito congelada, comparativamente àquilo que ela foi. O capitalismo brasileiro do século XXI é um capitalismo com taxa de mobilidade social muito baixa e a educação deixou de ser um trampolim social. As possibilidades de se ter recompensas econômicas e sociais, ou uma vida mais segura e mais confortável, através do ensino, está seriamente em crise, além disso a crise já foi percebida pelas massas trabalhadoras e mesmo pelas camadas médias, ainda que façam o possível e até o impossível para garantir uma escolaridade elevada para os seus filhos. Na verdade, não nos enganemos, a função social da educação na sociedade contemporânea é estabelecer a divisão do trabalho que vai permitir a perpetuação das relações sociais existentes. Ou seja, a educação não questiona as relações sociais. Uma outra forma de ilusão reformista é acreditar na quimera de que uma população ais educada mudaria, gradualmente, a realidade política do país. Se fosse assim, a Argentina ou a Coréia do Sul, entre inúmeros exemplos de sociedades que tiveram índices elevados de escolaridade, não seriam infernos para os trabalhadores. Não há maneira de diminuir a desigualdade material e cultural, sem ruptura com o imperialismo. O que mudará o Brasil será a luta popular anticapitalista. Todas as promessas reformistas de que a educação seria o instrumento meritocrático que permitiria que cada um tivesse a sua justa função na sociedade, isto tudo está numa crise completa. Mas, ainda em crise, esta ideologia mantém influência entre as massas – porque as ilusões não morrem sozinhas - em especial entre os professores que são, paradoxalmente, um dos instrumentos sociais de convencimento de que a escola poderia mudar a sociedade. 16
  • 18. A ordem capitalista não seria, todavia, possível, se a maioria das pessoas não acreditasse que esta divisão do trabalho não é algo razoável. É uma ideologia reacionária porque naturaliza aquilo que não é natural. Legitima o que é anti-humano. A ideologia de que o capitalista cumpre uma função necessária, a herança é justa, a desigualdade é inevitável, e a escola é o instrumento que permite a seleção que justifica a divisão do trabalho e a divisão em classes é uma fraude. Primeira falsidade: os patrões não são necessários. Os patrões são inúteis, os proprietários do capital são uma excrescência parasitária que vive da extração de trabalho que não é remunerado. Segunda falsidade: a desigualdade não é natural. Não é razoável vivermos numa sociedade em que a diferença entre o piso e o teto das remunerações varia de um para quinhentos. Como é possível aceitar que o trabalho de uma hora de alguém seja centenas de vezes mais valioso que o trabalho de outro? No Brasil, a desigualdade é tão gigantesca que a classe capitalista é invisível. (...) A burguesia brasileira só é identificada quando usamos o microscópio da estatística e as lentes de aumento da sociologia. É preciso uma análise liliputiana da sociedade brasileira para encontrarmos os proprietários do capital. A educação perdeu para as famílias populares, portanto, o significado de promoção social meritocrática. O atraso cultural da sociedade brasileira é responsabilidade do Estado O segundo tema é a idéia de que nós vivemos numa sociedade que não superou significativo atraso cultural. Uma aferição de qual é o nível de escolaridade e o repertório médio da sociedade de hoje, em relação ao que ela foi no passado, mas, também, uma comparação da sociedade brasileira com outras sociedades da periferia, como os países do Cone sul, não é nada animadora. O Brasil é uma sociedade que tem uma forte defasagem cultural. O balanço é devastador: o número de estudantes matriculados aumentou, mas, para desespero nosso, tão lentamente que a melhora é quase imperceptível. O número de certificados emitidos cresceu, mas a qualidade do ensino caiu. Mesmo com uma presença maior das crianças nas escolas, temos ainda pelo menos 14,6 milhões de analfabetos. Os iletrados são, contudo, inquantificáveis. O analfabetismo funcional – incapacidade de atribuir sentido ao texto escrito em norma culta - está na escala das dezenas de milhões, talvez mais da metade dos brasileiros com mais de quinze anos. Da população de 7 a 14 anos que freqüenta a escola, pelo menos um em cada três não concluem o ensino fundamental. Na faixa de 18 a 25 anos, apenas 22% terminam o ensino médio e, mesmo em São Paulo, menos de 20% estão matriculados em cursos superiores. Segundo Marcio Pochmann, do Instituto de Economia da Unicamp: “no Chile, 80% dos estudantes de 15 a 17 anos estão no ensino médio. Se quisermos chegar lá, temos que incluir 5 milhões de jovens, formar 510 mil professores e construir 47 mil salas”.[2] 17
  • 19. Resumo da ópera: o Estado brasileiro, mesmo na forma do regime democrático - não importando quais os partidos na sua gestão, se o PMDB, PSDB, PFL ou PT - continuou drenando recursos dos serviços públicos para o Capital. Políticas sociais focadas e compensatórias, como o Bolsa Família de Lula, e outros que o antecederam, não obtiveram resultados significativos. O Estado a serviço do Capital se demonstrou historicamente incapaz de garantir uma educação pública e universal. Muitas décadas nos separam do início do processo de urbanização e industrialização, e a desigualdade material e cultural não diminuiu. O atraso cultural da sociedade brasileira tem, entre outras manifestações, uma expressão dramática, o Brasil é um país de iletrados e semi-analfabetos. É cruel constatar isto assim, todavia a realidade é incontornável. Não é fácil abordar este tema porque a maioria dos trabalhadores nutre um sentimento de inferioridade cultural que é indivisível do sentimento de inferioridade social, todos os que nasceram nas classes trabalhadoras têm, em maior ou menor medida, a percepção de que sabem muito menos do que gostariam de saber e, portanto, sentem inseguranças culturais. Mas, essa dor é muito mais intensa nas amplas massas do nosso país. Não é só uma percepção subjetiva, há um abismo educacional, é um assunto meio tabu, porque é desconfortável. Em geral o brasileiro médio se relaciona com sua pobreza material com dificuldades, mas se relaciona com muito mais constrangimento com sua ignorância. É um tema um pouco intimidador, porém, inescapável para quem trabalha com educação. A sociedade brasileira do início do século XXI continua uma sociedade Iletrada; a burguesia fracassou em trazer o nosso povo para o que podemos chamar de um acervo cultural mínimo do século XX, que é dominar a matemática e a língua; os “gênios” que nos governam descobriram nestes últimos vinte anos que educação é caro. O Estado não poderia remunerar o Capital e garantir, ao mesmo tempo, a educação pública, inventaram, em conseqüência, um sistema brutal: cada classe tem a sua escola. O ensino passou a ser uma obrigação de responsabilidade, estritamente, familiar e a grande maioria do nosso povo não tem outro instrumento de comunicação senão a linguagem coloquial. A televisão não é somente o grande canal de comunicação, para a maioria é o único, tendo em vista que estão prisioneiros da oralidade. A norma culta do texto continua um repertório desconhecido para a esmagadora maioria do nosso povo. Os números oficiais que consideram o analfabetismo no Brasil como um fenômeno histórico residual, reconhecem algo abaixo de 15%. O ultimo número de 2003, registrava 12,8% de analfabetos na população com mais de quinze anos. Aqueles que trabalham em educação sabem qual é, na verdade, a dificuldade que nós temos. Pelo menos metade do povo brasileiro reconhece as letras, reconhece que as letras são símbolos gráficos que reproduzem sons, mas o domínio da escrita não é isso. A dinâmica histórica deste atraso cultural não é animadora, se compararmos o Brasil de hoje com o de nossos pais. O que aconteceu neste 18 intervalo de meio século em que o Brasil deixou de ser uma sociedade agrária, 18
  • 20. basicamente, é que o acesso à escola pública realmente se massificou, mas a qualidade do ensino público é atroz. Hoje, a grande maioria das crianças brasileiras com até quatorze anos de idade, em números que superam os 90%, está matriculada na escola pública. Mas, esta escola não corresponde às suas necessidades, o fracasso escolar pode se manifestar de diferentes formas: repetição em alguns Estados, ou evasão em outros, ou ainda péssimos resultados nas avaliações por provas. Pode ser um fracasso oculto pela promoção automática, como em São Paulo. Temos uma situação na qual a divisão social se manifesta através do abismo que separa a escola pública da escola privada. Mercantilizaram a educação. O capitalismo criou um monstro: o apartheid educacional; a escola privada hoje no Brasil não é somente um fenômeno educacional, é um fenômeno econômico; o faturamento do ensino privado já tem peso significativo no PIB; foi estimado pelo IBGE, para o ano de 2004, acima de R$ 50 bilhões. Talvez nos surpreenda, mas uma das atividades menos regulamentadas pela Receita ou, se quiserem, uma das atividades em que há mais lavagem de dinheiro, é a educação. De tal maneira é a sonegação, que o principal projeto educacional do governo Lula foi a isenção fiscal do ensino superior em troca de bolsas: o Prouni, que renegociou dívidas em troca de matrículas. Este desastre político-educacional, um apartheid social na educação, tem uma história. A burguesia promoveu, conscientemente, através de seus variados partidos, o desmantelamento da escola pública, cortando as verbas, restringindo a expansão do sistema público. No Brasil, se constituiu uma camada média urbana mais ampla a partir dos anos cinqüenta que, com a crise de estagnação aberta nos anos oitenta e a decadência do ensino público, se viu obrigada a retirar seus filhos das escolas públicas e os colocou na escola privada, esse processo foi potencializado por que toda a estrutura educacional foi organizada em função de um elemento exógeno, exterior ao aprendizado, o vestibular. O Brasil tem um sistema de acesso à universidade que é peculiar, é uma instituição brasileira, o exame vestibular, ele ordena todo o edifício, e explica a privatização. Aqueles que já passaram pela experiência do vestibular não valorizam, freqüentemente, o lugar que ele tem na estrutura educacional, mas, a morfologia da estrutura educacional no Brasil tem na sua raiz nesse tipo de exame pré-curso superior e a diferença entre ensino privado e ensino público fundamental e médio é que o aluno que está no ensino público, tem muito menos possibilidades de ser bem sucedido numa experiência incontornável que se chama vestibular. E o vestibular separa os jovens entre aqueles que vão estudar na universidade pública, que são as melhores do Brasil e são gratuitas, e aqueles que vão estudar no ensino privado. 19
  • 21. A mercantilização do ensino destruiu a carreira docente O terceiro tema é uma avaliação da situação do ensino público. A educação brasileira contemporânea agoniza, porque foi completamente mercantilizada. O capitalismo destruiu a escola pública. Não é somente uma situação conjuntural. A escola primária está em crise, as escolas secundárias são impossíveis de administrar, o ensino médio e superior foi privatizado em larga escala. A educação pública é um cadáver insepulto. A promessa liberal do ensino meritocrático – “estudarás, serás recompensado” - não tem correspondência com a realidade. Este discurso encontra uma contra-evidência brutal, esmagadora, e muito simples. Os filhos de diferentes classes estudam em escolas separadas: segregação educacional. Isto não é secundário. Estamos tão habituados - até resignados - com o avanço da educação privada que já não ficamos chocados. A privatização da educação é, por suposto, um processo mundial,mas em vários países europeus, os filhos das diferentes classes estudam na mesma escola, do primário até à universidade. (...) No Brasil, qual é a possibilidade de encontrarmos na escola pública um filho de um burguês? Ao vivo e a cores, a maioria do povo brasileiro nunca viu e nunca verá um burguês, muito menos na sala de aula, ao lado dos seus filhos. A promessa meritocrática faliu e com ela a escola pública. Todos os jovens das classes populares sabem que a escola em que eles estão, é uma escola na qual o seu destino social já está traçado. Aqueles que estão na escola pública sabem que, por maior que seja o seu talento, a chance de mobilidade social é reduzida, e os filhos da classe média, que estão na escola privada, sabem que vão ter que batalhar, desesperadamente, para conseguir uma vaga na universidade pública. Mesmo para um jovem de classe média argentino, a comemoração de quem é aprovado na USP – a família toda de lágrimas nos olhos, como se tivessem ganhado a loteria federal – é incompreensível, já os poucos que receberão herança e vão viver da renda do capital, estão em absoluta tranqüilidade, fazendo faculdades privadas no Brasil ou no exterior. A escola pública afundou em decadência. Ela foi destruída por vários processos. Além da privatização, o principal foi a desvalorização da carreira docente, a degradação profissional dos professores. O que é a degradação social de uma categoria? Na história do capitalismo, varias categorias passaram em diferentes momentos por promoção profissional ou por deterioração profissional. Houve uma época no Brasil em que os “reis” da classe operária eram os ferramenteiros: nada tinha maior dignidade, porque eram aqueles que dominavam plenamente o trabalho no metal, conseguiam manipular as ferramentas mais complexas. Séculos antes, na Europa, foram os marceneiros, os tapeceiros, e em muitas sociedades os mineiros foram bem pagos, relativamente, por muito tempo. Houve períodos históricos na Inglaterra – porque a aristocracia era pomposa - em que os alfaiates foram excepcionalmente bem remunerados. Na França, segundo alguns historiadores, os cozinheiros. Houve fases do capitalismo em que o estatuto do trabalho manual, associada a certas profissões, foi maior ou 20
  • 22. menor. A carreira docente mergulhou nos últimos vinte e cinco anos numa profunda ruína. Há, com razão, um ressentimento social mais do que justo entre os professores. A escola pública entrou em decadência e a profissão foi, economicamente, desmoralizada. Os professores foram ideologicamente desqualificados diante da sociedade. O sindicalismo dos professores, uma das categorias mais organizadas e combativas, foi construído como resistência a essa destruição das condições materiais de vida. Reduzidos às condições de penúria, os professores se sentem humilhados. Este processo foi uma das expressões da crise crônica do capitalismo. Depois do esgotamento da ditadura, simultaneamente à construção desse regime democrático liberal, o capitalismo brasileiro parou de crescer, mergulhou numa longa estagnação. O Estado passou a ser, em primeiríssimo lugar, um instrumento para a acumulação de capital rentista. O Estado retira da sociedade através de todos os mecanismos - o fisco e todos os mecanismos arrecadatórios - uma parte da mais-valia que é produzida e a redistribui para o Capital, isso significa que os serviços públicos foram completamente desqualificados. Dentro dos serviços públicos, contudo, há diferenças de grau, as proporções têm importância: a segurança pública está ameaçada e a justiça continua muito lenta e inacessível, mas o Estado não deixou de construir mais e mais presídios, nem os salários do judiciário se desvalorizaram como os da educação; a saúde pública está em crise, mas isso não impediu que programas importantes, e relativamente caros, como variadas campanhas de vacinação, ou até a distribuição do coquetel para os soropositivos, fossem preservados. Entre todos os serviços, o mais vulnerável foi a educação, porque a sua privatização foi devastadora. Isso levou os professores a procurarem mecanismos de luta individual e coletiva para sobreviverem. Há formas mais organizadas de resistência, como as greves, e formas mais atomizadas, como a abstenção ao trabalho. Não é um exagero dizer que o movimento sindical dos professores, em todos os níveis, ensaiou quase todos os tipos de greves possíveis; greves com e sem reposição de aulas, greves de duas, dez, quatorze, até vinte semanas, greves com ocupação de prédios públicos, greves com marchas e muitas e variadas formas de resistência individual: cursos para administração escolar, transferências para outras funções, cargos em delegacias de ensino e bibliotecas e, também, a ausência. Tivemos taxas de falta ao trabalho, em alguns anos, elevadíssimas. Além disso, temos uma parcela dos professores, inquantificável - é um tabu dentro das instituições e nos sindicatos - que são aqueles colegas que freqüentam a escola, mas não dão aulas. Entram na sala de aula, passam uma atividade na lousa e dispensam os alunos – faz quem quer, quem não quer sai –, já desistiram de dar aulas, é o último degrau. Cria-se uma situação de conflito latente entre os professores que dão aula e os professores que não dão aula. Por último, uma parcela dos professores desabou. “Surtaram”: as doenças profissionais são elevadíssimas, entre elas, a depressão é epidêmica. (...) 21
  • 23. Universidade(s) Oberdan Rafael P. L. Santiago2 Breve resgate da educação Para compreendermos como se desenvolveu a educação no Brasil precisamos entender como se deu a sua colonização. No século XVI a Igreja passava por um período de crise do catolicismo, o recém- surgido“protestantismo” pregava a realização do homem na Terra enquanto a Igreja Católica pregava uma vida de privações para que a redenção humana ocorresse após a morte. O protestantismo começou a converter, então, vários católicos na Europa devido a esta diferença, principalmente. Com a descoberta do Novo Mundo, a Igreja percebe uma forma de ganhar fôlego caso expandisse o cristianismo para o restante do mundo, ou seja, para as Américas. No entanto, o seu papel principal na colonização seria outro. “… reluzia, clara como o sol, para a cúpula real e para a Igreja, a missão salvacionista que cumpria à cristandade exercer, a ferro e fogo, se preciso, para incorporar as novas gentes ao rebanho do rei e da igreja. Esse era um mandato imperativo no plano espiritual. Uma destinação expressa, uma missão a cargo da Coroa, cujo direito de avassalar os índios, colonizar e fluir as riquezas da terra nova decorria do sagrado deve de salvá-los pela evangelização”.3 Ou seja, no processo da colonização, podemos dizer que a presença da Igreja serviu somente para referendar as cruéis práticas desenvolvidas pelos colonos. No Brasil os Jesuítas foram os precursores da educação, porém sua intencionalidade pedagógica era voltada para a “domesticação” dos índios. Enxergavam a colonização como um mal necessário para o caminho da fé, e assim foram responsáveis direta e indiretamente pela morte e pela escravização de milhares de índios. No entanto, com a expulsão dos jesuítas do Brasil, não restou praticamente nenhuma outra forma de ensino4, o sistema vigente era escravocrata, logo, não despertava nenhum interesse na Coroa Portuguesa em se estabelecer um sistema de ensino. A elite que vivia no Brasil mandava seus filhos estudarem na Europa, ou, de forma mais rara, trazia professores do Velho Mundo para ensinarem os mesmos. 2 Estudante de engenharia florestal e militante da ABEEF 3 RBEIRO, Darcy. O povo brasileiro, A formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia de Bolso. p. 54. 4 Vale lembrar que as várias tribos indígenas não são consideradas aqui, mas isso não significa que podemos desprezar sua cultural. 22
  • 24. Um importante marco histórico para a educação brasileira, é a vinda de D. João VI para o Brasil, no séc. XVIII. Com a elevação do Brasil a Reino Unido e a Corte aqui instalada, a Coroa submete o país a uma política que força a “metropolização”. Fez parte disso, o transplante das funções das instituições escolares de Portugal. Porém, naquela época “a estrutura da sociedade brasileira revelava ao máximo as limitações do regime colonial português. Mesmo os testamentos senhoriais não possuíam condições e motivações, especificamente intelectuais e educacionais, para imprimir densidade e intensidade à experiência”.5Essa condição da sociedade brasileira comprometeu o modelo institucional transplantado, pois o ensino superior se distanciava muito da realidade. Além disso, “motivos políticos, relacionados com a defesa das prerrogativas da Coroa e do fortalecimento da dominação portuguesa, e razões práticas, ligadas à dispersão demográfica, às imposições de uma sociedade de organização estamental e de castas ou ao atraso cultural imperante, inspiraram uma política educacional estreita e imediatista. Em conseqüência, o que se implantou no Brasil não foi a universidade portuguesa da época, mas as unidades intermediárias, as ‘faculdades’ e ‘escolas superiores’”6, ou seja, o que interessava formar, eram pessoas com um mínimo de formação técnico-profissional aptas a exercerem papéis específicos na burocracia e na estrutura política, além daqueles no plano das profissões liberais. Logo, o ensino superior brasileiro já nasce distante da sociedade. Ao contrário de Portugal, que, apesar da crise, a universidade também cumpria a função de “investigação” da sociedade na qual estava inclusa e a de produzir conhecimentos. Podemos concluir, também, que instalação da Coroa no Brasil é marco importantíssimo, ainda que negativamente, para o desenvolvimento cultural brasileiro, pois tornou o Brasil extremamente dependente da cultura do exterior. Ainda no séc. XVIII, devido a crescente necessidade de se ter mão-de- obra qualificada, surgem as “Escolas de Ofício” para jovens ao redor da faixa etária de 13 e 14 anos, é importante deixar claro que essas escolas não eram freqüentadas pela classe alta, de forma alguma, ou seja, surge o ensino profissionalizante, não muito diferente do que há hoje. Na mesma época havia,também, uma crescente demanda por pessoas na máquina administrativa. Nascem, então, as Faculdades de Direito. Esse ensino, ao contrário do profissionalizante, foi criado para atender os filhos da classe dominante. Com a industrialização do país, especialmente a partir da década de 1950, a sociedade fica mais complexa e aumenta-se a necessidade de mão-de- obra qualificada. Assim, ocorre a intensificação da dualidade do ensino público a partir do estado social do indivíduo: ensino profissionalizante para os desfavorecidos economicamente e ensino superior para a classe média. A alta 5 IANNI, Octavio. Florestan Fernandes: sociologia crítica e militante. São Paulo: Expressão Popular, 2004. p. 276. 6 Idem. 23
  • 25. classe mandava, e ainda manda, seus filhos para serem educados no exterior. Podemos ver que isso é uma herança do pensamento escravocrata, que tem uma concepção nefasta de trabalho. Essa dualidade é agravada ainda mais com o Golpe de 1964. Há uma verdadeira explosão do ensino profissionalizante por toda parte do país. Porém esse crescimento não ocorre com o devido investimento do Estado e o ensino profissionalizante se torna precário. Ainda na ditadura, especialmente a partir da década de 1970, as Instituições de Ensino Superior Privado começam a ter um crescimento mais significativo. Isso se dá principalmente devido à intensificação da industrialização do Brasil, promovida às custas de incentivos fiscais e mão-de-obra barata. Com isso, o país passou a necessitar de um maior número de trabalhadores qualificados tecnicamente a nível superior. Mesmo com a redemocratização, na década de 1980, os governos continuaram a não investir de forma massiva na educação, porém, ocorreram reformas curriculares importantes para o ensino superior e Unicamp e PUC – SP viram referências no movimento da educação. A Constituição de 1988 estabeleceu que o Brasil tivesse que desenvolver um Plano Nacional de Educação (PNE) até 1998. Diante disso, a sociedade acaba se movendo, os educadores se mobilizam para a realização dos Fóruns em Defesa da Educação, que são organizados para discutir uma proposta de ensino para o país. O PNE montado pelos movimentos da educação foi feito a tempo, mas quando o governo FHC soube que o projeto poderia ser aprovado, Paulo Renato, então Ministro da Educação, elaborou um outro PNE que foi aprovado em janeiro de 2001. O PNE é válido por 10 anos, ou seja, em 2010 haverá um novo programa. Hoje a situação da educação pública é muito delicada, os ensinos fundamental e médio públicos estão precários (alternativa que o governo encontrou para “democratizar” o acesso a estes tipos de ensino foi de expandi- los). No entanto essa expansão se deu sem o devido investimento tanto na infra-estrutura quanto em contratação e qualificação de professores e técnico- administrativos, ou seja, procurou-se apenas em atenuar as estatísticas que incomodavam. Agora chegou a vez do ensino superior público. A Universidade hoje O modelo universitário da América Latina passou a se desenvolver de uma forma característica, a partir da Reforma de Córdoba de 1918, baseado em certa autonomia das instituições públicas, em um grande domínio da educação pública e gratuita. No entanto, não se desenvolveu uma forma de acesso democrático. É um modelo de universidade criado para responder as necessidades do mercado de trabalho, bem parecido com o Modelo Universitário Napoleônico7. 7 SEMBINELLI, Maria F. A. Configuraciones y características actuales de la universidad em relación a los modelos tradicionales. 24
  • 26. Ao verificar o desenvolvimento da universidade brasileira, constatamos que nunca logrou cumprir a função de analisar a sociedade e propor formas de mudanças que contribuísse para o desenvolvimento autônomo do país. Claro, esse tipo de universidade não interessa às forças internacionais, que tem os seus meios para intervir, através dos seus órgãos (ONU, Unesco, Banco Mundial, BID etc.) pelos quais farão descer suas políticas educacionais através do MEC. Hoje a universidade, como todo o restante do sistema educacional, está adaptada aos requisitos de uma sociedade competitiva e de massas (capitalista). Por outro lado, a América Latina encontra-se um uma situação débil, no entanto seus governantes possuem uma ânsia em participar dos avanços logrados pelos países “desenvolvidos”, sendo que, para isso, necessitem de amplo suporte externo para o fazê-lo. No entanto, esse suporte externo nunca ocorre sem as agressões que o desenvolvimento dependente causa. Essas “assistências”, “colaborações técnico-financeiras” acabam por expor os seus sistemas de ensino ao controle de forças imperialistas. Diante desse plano de fundo, vemos que a universidade brasileira apresenta algumas estruturas fundamentais que garante essa condição de dependência: a metodologia do ensino, o Projeto Político Pedagógico (PPP), a “autonomia”, o acesso e o financiamento insuficiente do Estado. A metodologia aplicada no ensino superior, como no restante do sistema educacional, é baseada no sistema bancário de educação. Ou seja, a relação educador-educando se dá a apenas “relações fundamentalmente narradoras, dissertadoras”8 em que o educador – o professor – é o dono da verdade e o educando – o estudante – é o ser sem luz aluno) que recebe o depósito do conhecimento do professor. Essa metodologia em o seu lado perverso, pois mostra a relação opressor-oprimido como se fosse algo natural do ser humano, desde os 6 anos de idade do indivíduo. Segundo Paulo Freire,esse tipo de metodologia trata a realidade como algo estático, compartimentado e bem-comportado. Ora, se tratamos a realidade como algo parado, não temos base de análise para propor mudanças. Ou seja, desenvolvem-se teorias distanciadas da realidade, na maioria das vezes calcadas em pensamentos mecanicistas e/ou idealistas. Logo, negam a dialética. Por outro lado, o acesso ao ensino superior também é um fator limitante da universidade brasileira. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2004, realizada pelo IBGE, apenas 17,3% dos jovens freqüentam o ensino superior, sendo que destes, apenas 23,3% (ou 4,9 % do total) estão nas universidades públicas, que são, geralmente, as melhores. O meio de acesso a esse tipo de ensino público é o vestibular que não é nada democrático e as provas que dão acesso à universidade pública são as mais “difíceis” do país e que geram uma gigantesca indústria de cursos pré- vestibulares. Assim, são poucas pessoas menos favorecidas economicamente 8 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004. p. 57. 25
  • 27. que conseguem entrar na universidade. Quando conseguem entrar, enfrentam outra dificuldade muito maior que é a permanência, dependem de políticas de assistência estudantil da universidade, que muitas vezes são insuficientes. Se antigamente a universidade era composta apenas pela burguesia, hoje está em curso certa mudança. Atualmente ainda há a predominação da classe média alta nas universidades públicas, 74,3% dos estudantes tem renda familiar média entre 927 a 2804 reais, onde estão, as classes C, B2 e B19. O que vimos foi que o Estado se viu forçado em aumentar o acesso à universidade nessa nova fase do neoliberalismo como forma de fortalecer o próprio sistema. Mas primeiramente o acesso da classe média baixa e dos pobres ao ensino superior se deu por meio das Instituições de Ensino Superior Privado (IESP), através do financiamento estudantil, o FIES, e mais recentemente através do Pró-Uni, que gera imensos lucros para as IESP. Essa política do governo realmente fez com muitos trabalhadores tivessem condições de conseguir um diploma de ensino superior, no entanto, as vagas que a maioria deles ocupa são de instituições de péssima qualidade, sendo que muitas delas reprovadas pelo próprio sistema de avaliação do MEC. O setor privado apresenta hoje um crescimento fenomenal. Como o governo não consegue, ou não quer, democratizar o ensino superior, o setor privado o tomou como a grande galinha dos ovos de ouro, pois nunca houve uma população jovem propensa a freqüentar o ensino superior tão grande. Quadro 01: Evolução da matrícula do ensino superior público e privado no período de 1990 até 2000 10 9 Fonte: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Perfil socioeconômico dos estudantes de graduação das Instituições de Ensino Superior 2003/2004. 10 Retirado de “O ensino superior privado como setor econômico” de Jacques Schwartzman e Simon Schwartzman 26
  • 28. Outra característica do setor privado é o fato de a evasão estudantil ser consideravelmente maior que no setor público, muitas vezes, além de estudar à noite, trabalha durante o dia para pagar os custos do estudo e isso pode ser insuficiente, o que causa uma grande inadimplência nas IESP. Ou mesmo quando o estudante não trabalha, os gastos acabam sendo muito onerosos para a família.11 Tabela 01: Porcentagem de estudantes formados por entrantes, por área de conhecimento e tipo de instituição. Por outro lado, o setor público está passando por um momento muito delicado. A nova ordem agora é o desmantelamento do ensino superior público e gratuito. Desde o governo FHC, através da Desvinculação das Receitas da União, o setor universitário vem recebendo cada vez menos verba do Estado (ver quadro 02). Isso acontece justo em um período de intenso crescimento da população jovem, não só no Brasil, mas em toda a América Latina, onde o ideal seria o contrário, aumentar a verba para uma expansão com qualidade desse setor para atender a demanda. Diante dessa situação, as universidades se vêm obrigadas a constituir parcerias com as empresas, que normalmente se estabelecem no âmbito das pesquisas. E sua qualidade é medida pela sua produtividade: quanto produz, em quanto tempo produz e qual o custo que produz. Podemos verificar que não se questiona o que se produz, como se produz, para que ou para quem se produz. Essa questão é muito séria, pois aquelas universidades que conseguem estabelecer relações mais fortes com o privado (que costumam ser as empresas transnacionais) conseguem mais dinheiro, o que acaba direcionando o ensino. Estas são os chamados centros de excelência. A partir dessa prática a Universidade perde a sua autonomia. A sua pesquisa passa a ser feita através dos editais abertos que aparecem. Ou 11 É importante lembrar que não podemos analisar a inadimplência separada as demais particularidades das IESP, mas que este acaba sendo o fator principal para o abandono do curso superior. 27
  • 29. seja, a universidade que precisa de dinheiro se vê obrigada a utilizar esses editais de pesquisas em detrimento a um outro viés de pesquisa que poderia fazer. Esta prática se torna cada vez mais comum. No final dos anos 1990, ocorre uma mudança significativa na estrutura universitária, o seu eixo passa a ser ciência, tecnologia e inovação. É importante observar que “inovação tecnológica” está ligada a “feitichização” de uma mercadoria (como um celular que não tinha câmera, mas agora tem; ambos, celular e câmera, não são tecnologias novas). A universidade passa, então, a ter um novo papel: prestar serviços para empresas, principalmente as transnacionais. Outro detalhe, é que o dinheiro advindo dessa prestação de serviços não é gerenciado pelos espaços públicos da universidade, mas sim pelas fundações privadas. “As tensões e os conflitos sociais desempenham a função de oferecer campo para a inovação, não interferindo ou interferindo muito pouco na calibração e na amplitude das soluções em processo. Tudo se passa como se existisse a consciência de que os problemas não são resolvidos socialmente, no nível técnico, por causa de obstruções de natureza social, cultural ou política – e não por falta de técnicas sociais apropriadas”12. Diante desse plano, há um horizonte cruel para a universidade: o da privatização. 10,00 9,00 8,00 7,00 6,00 Investimento na 5,00 educação em 3,68 4,03 3,99 3,82 4,00 3,44 3,5 relação ao PIB do respectivo 3,00 ano (em %). 2,00 1,00 0,00 2000 2001 2002 2003 2004 2005 Quadro 02: Investimento do Estado na educação em relação ao PIB do respectivo ano, valor em porcentagem.13 Podemos afirmar, então, que a pesquisa passa a ser uma estratégia de intervenção e de controle de meios ou instrumentos para alcançar um objetivo. Ou seja, “não é o conhecimento de algo, mas a posse de instrumentos para 12 IANNI, Octavio. Florestan Fernandes: sociologia crítica e militante. São Paulo: Expressão Popular, 2004. p. 311. 13 Fonte: IBGE e STN (retirado do jornal Brasil de Fato, número 233, ano 5. Edição Especial: Educação, agosto de 2007) 28
  • 30. intervir alguma coisa. Por isso mesmo, numa organização [a nova configuração da universidade] não há tempo para a reflexão, a crítica, o exame de conhecimentos instituídos, sua mudança ou sua superação. Numa organização, a atividade cognitiva não tem como nem por que se realizar. Em contrapartida, no jogo estratégico da competição no mercado, a organização se mantém e se firma se for capaz de propor áreas de problemas, dificuldades, obstáculos sempre novos, o que é feito pela fragmentação de antigos problemas em novíssimos micro-problemas, sobre os quais o controle parece ser cada vez maior. A fragmentação, condição de sobrevivência da organização, torna-se real e propõe a especialização como estratégia fundamental.”.14 No entanto, aquelas que não conseguem estabelecer essa relação com as grandes empresas, acabam por entrar em um processo de precarização. Isso pode ser verificado dentro dos próprios “centros de excelência”, a sua grande contradição. Nestes, os cursos ligados ao agronegócio ou ao setor tecnológico são os mais bem estruturados enquanto que aqueles da área de humanas são precários, sofrem pela falta de uma boa estrutura e de professores. Isso é reflexo do preconceito que as ciências humanas sofrem na sociedade. Normalmente esses cursos são tidos como “aqueles em que não é preciso pensar”. Mas sabemos que este preconceito não é gratuito. Contudo, é bom salientar que essa ocasião por que passamos já era anunciada há tempo. A falta de uma política para longo prazo que culminasse realmente na democratização do ensino superior, agora não pode ser sanada no imediatismo. Hoje, o governo adota uma série de políticas para que o ensino superior seja “democratizado”. Essas medidas consistem na ampliação de vagas nas IFES de diversas maneiras. Mas o problema é que essa ampliação não é acompanhada com o devido investimento, o que causará uma grande perca na qualidade do ensino. Outra frente em que o governo está agindo para “democratizar” o acesso à educação superior, é o incentivo ao ensino à distância. Essas medidas vão satisfazer apenas às estatísticas, pois o problema estrutural do acesso ao ensino superior gratuito e de qualidade não será sanado. Outra ilusão que é passada ao povo brasileiro é que essas medidas vão sanar os problemas de desemprego no Brasil por uma questão muito simples: o que faltava era a qualificação profissional. Logo, quando todos tiverem acesso à universidade isso estará solucionado. O problema não é tão simples assim. Nega todo o passado do país e de seu papel no capitalismo mundial. Quando analisamos nessa perspectiva vimos que o amplo acesso da população ao ensino superior só será permitido, só será proporcionado, quando não comprometer o funcionamento do sistema. Diante disso perguntamos: qual é o papel da universidade? Bom, o seu papel é analisar criticamente a sociedade na qual está inserida e propor soluções para as suas mazelas ou mudanças que a façam progredir, o que significa desenvolver tecnologias sociais. Isso se dá de diversos maneiras, desde a elaboração curricular até a pesquisa, a investigação científica. Ora, um sistema universitário que 14 CHAUÍ, Marilena. A Universidade hoje. 29
  • 31. funcionasse assim, com certeza colocaria em cheque o atual sistema, que extorque drasticamente todos os países “subdesenvolvidos”. Logo, para que a população tenha acesso ao ensino superior, este tem funcionar de forma que não questione a ordem. Portanto, o processo de desmantelamento da universidade não é “a toa”. Estão sendo criadas diversas maneiras para garantir que as IES’s tenham o seu ensino direcionado. Uma delas é o Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior, que pune as instituições reprovadas e gratifica as mais bem conceituadas e impõe um padrão de ensino a ser seguido pelas instituições, que é moldado inteiramente pelo interesse das empresas transnacionais. Isto deveria ser ao contrário, dever-se-ia investir nas reprovadas para garantir que lograsse melhoras e o resultado da avaliação deveria ser sigilosa. Esse sistema proporciona um ranqueamento das IES de modo que sejam afirmados os centros de excelência. Resumindo, podemos dizer que a Universidade Pública passa por um momento decisivo na sua história e cabe a nós, sociedade brasileira impedirmos esse triste fim do ensino superior gratuito e de verdadeira qualidade. Movimentos de Resistência: a trincheira universitária Dizemos que a universidade é o reflexo da sociedade. Isto é, está inserida em um contexto muito maior, em um sistema que a utiliza para se reproduzir através da ideologia (aparelho ideológico). Assim como há os movimentos de resistência na sociedade, há também na academia. Esses cumprem uma função importantíssima e que não podemos deixar de lado na luta pela transformação da sociedade, embora não estejam no centro. Estão localizados no seio de um dos principais aparelhos ideológicos e que em seu conteúdo possui “por base considerações valorativas, posição de classe visão de mundo e a subjetividade de quem seleciona”15. Desse modo, possuem limites e potencialidades peculiares que devem ser bem debatidos e compreendidos para poderem atuar da melhor maneira. Hoje, essas forças contestatórias são marginalizadas, principalmente pela mídia. Há uma enorme massa de estudantes e professores apáticos. São poucos os que “tomam posição” e atuam realmente com responsabilidade política, tanto dentro quanto fora da instituição. Entre os docentes, prevalecem fortemente os valores e interesses das profissões liberais (tais outras como médico, advogado etc.), fato que os afastam do povo e fazem com que refiram “soluções técnicas” para as mazelas da sociedade. Mas não podemos negar a luta pela educação que o movimento docente vem travando em toda a América Latina. No entanto, a única forma dos movimentos universitários contribuírem para todo o povo, é que eles atuem como movimento social associado, logicamente, à perspectiva do povo. Para atuarem dessa forma, devem ter um 15 IASI, Mauro Luis. Ensaios sobre consciência e emancipação. São Paulo: Expressão Popular, 2007. p 160 30
  • 32. horizonte político, uma estratégia. Para alcançá-la, podem desenvolver diversas táticas (ações), mas que sejam balizadas pela conjuntura e que sejam traçadas e executadas em conjunto com os Movimentos Sociais populares, pois a universidade não será transformada de dentro para fora. Pelo contrário. Seus muros irão cair de fora para dentro, como conseqüência da transformação do sistema. A exemplo disso, podemos citar A Reforma Universitária de Córdoba de 1918, a maior conquista universitárias da América Latina, que teve reflexo em todo o continente. Mas não perdurou porque na sociedade não havia suporte para uma universidade popular que não fosse totalmente autônoma do Estado: “Pero si la reforma como movimiento social ha sido superado, susreivindicaciones que le dieron vida mantienen hoy toda su vigencia. La lucha por la autonomía, el cogobierno, la docencia libre, la cátedra paralela, debe ser integrada a un planteamiento de conjunto de la cuestión educativa. Esta lucha debe partir de la conclusión a la que arribaron los sectores más avanzados del movimiento reformista: la transformación educativa es inseparable de la transformación social dirigida por la clase obrera contra la opresión y la miséria capitalista. La Revolución educativa solo puede realizarse como revolución social”. 16 Esse episódio histórico deixou grandes lições para o Movimento Estudantil da América Latina: - Sempre que defender estritamente os interesses dos estudantes (específicos), cairá no corporativismo. Irá se desviar do caminho do povo e, conseqüentemente, navegará sem rumo no mar da história; - Se somente se ater às lutas fora da universidade, tenderá ao propagandismo e perderá as suas raízes, deixando de cumprir seu papel ali. Universidade Popular “Nenhum país pode aspirar a ser desenvolvido e independente sem um forte sistema de ensino superior”. Estas são as primeiras palavras das Diretrizes da Educação Superior do Plano Nacional de Educação. À primeira vista, parece ser muito belas. Mas somente à primeira vista. Para eles, um ensino superior forte na América Latina é aquele que consegue atender as demandas das transnacionais presentes no país e reproduzir a ideologia capitalista. E é isso que a educação superior brasileira faz. Ou seja, na atual conjuntura é impossível que tenhamos uma universidade realmente democrática e que seja fator ativo na mudança social (Universidade Popular) 16 SOLANO, Gabriel. La Reforma Universitária de Córdoba: Fundación Del movimiento estudiantil latino-americano. 31
  • 33. através da via institucional. Do contrário, não será verdadeiramente popular, apenas fará maquiagens no modo de funcionamento. Uma universidade que não tem o propósito de funcionar como aparelho ideológico do Estado (aqueles que reproduzem o conjunto de idéias que o sustentam), hoje só pode ser criada antida por movimentos sociais. Ou seja, somente os movimentos sociais autônomos têm a capacidade de construir uma ferramenta de tal magnitude para combater o sistema. A Universidade Popular é o local em que os movimentos sociais vão qualificar os militantes, formar seus quadros técnicos e políticos. De lá, sairão compromissados com o povo, com o compromisso de atuarem nos diversos flancos que compões a luta de classes. Para isso, não serão necessários vestibulares ou qualquer outro tipo de exame de seleção. O que determinará, será a convicção ideológica e a disposição para a luta de classes. A história é a alma do povo. É através do resgate profundo de toda a dimensão histórica, de todos(as) aqueles(as) que defenderam e lutaram pelo povo, de toda a trajetória do povo é que se criam condições para a apreensão da totalidade da realidade. Mas para isso, é necessário ter uma maior compreensão do funcionamento do sistema vigente: o capitalismo, ou seja, é preciso que haja o estudo aprofundado da economia política para deslegitimarmos o modelo capitalista do ponto de vista ético, primeiro temos de fazê-lo do ponto de vista econômico. Para tanto, uma sólida formação sobre economia política é indispensável. Como plano de fundo, a universidade Popular deve ter uma filosofia que não trate os acontecimentos de uma forma espontaneísta e isolados do todo, e muito menos coloque o indivíduo no centro da questão, como se não estivesse inserido em um coletivo: o pós- modernismo, que fragmenta a realidade e, assim, ignora a existência de estruturas ou sistemas. Deve usar a filosofia marxista, pois somente ela é capaz de interpretar realidade como um todo em movimento e possibilitar avanços para a verdadeira emancipação humana. Portanto, esses são os três pilares básicos sobre os quais deve-se erguer uma Universidade Popular: historicidade do povo, totalidade da realidade e o materialismo histórico dialético. Porém, como dizia Paulo Freire, “ficar longe do Povo é uma forma de ficar contra ele”. Isto é, em uma Universidade Popular deve desenvolver métodos de trabalho com o povo, mas que estejam muito longe de ser uma invasão cultural. Deve ser um trabalho construído junto com o povo e de nenhuma forma tratado como uma coisa isolada. Há que ser parte do processo educativo, enfim, ter uma intencionalidade pedagógica referenciada na ação- reflexão- ação, na práxis libertadora, no processo de formação da consciência, ou seja, deve trabalhar sob um método que possibilite a formação do novo homem e da nova mulher e gerar ferramentas para disputar a hegemonia intelectual. Diante disso, podemos dizer que o papel que Universidade Popular tem é o de ajudar a organizar o povo. Esse deve ser o propósito da formação ali praticada, já que esta só tem sentido se estiver inserida em um horizonte 32
  • 34. transformador, das pessoas e da realidade e isso só pode ser feito através de ações concretas de um povo muito bem organizado, logo, com alto nível de consciência. “A tarefa principal da formação é motivar para que os silenciados saiam de se silêncio, que os dominados aceitem sair da dominação através da luta”. Quando falamos de Universidade Popular, não podemos deixar de citar a Universidade Popular Mães da Praça de Maio da Argentina. Inaugurada em 2000, que proporciona o desenvolvimento de um pensamento crítico e batalha para recuperar as tradições de lutas populares. Também abre espaço para que setores populares e os diversos movimentos sociais possam participar e criar formas de construção política. A Universidade tem 10 carreiras (cursos), sendo que a base para todas elas é a formação política, o resgate da história das lutas populares e dos legados que deixaram os lutadores e as lutadoras do povo. No Brasil, há a Escola Nacional Florestan Fernandes, inaugurada em 2005 e construída através do trabalho voluntário de vários companheiros e árias companheiras do MST, que adota uma prática que nos permite chamá-la de Universidade Popular. Lá, não são ministrados cursos profissionais, mas é um lugar de importância histórica para os movimentos sociais da América Latina, pois antes de ser um centro de formação de quadros, é um local que representa o povo em busca de toda a formação que lhe foi negada (assim como a UPMPM) historicamente para usá-la na transformação social. Considerações Finais Dependência, é esta a palavra que traduz o processo de“desenvolvimento” desde invasão dos Europeus na América Latina. Hoje, no âmbito da educação, verificamos que as medidas adotadas pelo Estado só acarretam no aprofundamento da dependência externa cultural, econômica e política. Isso vem como premissa básica a todo o continente latino-americano, para que “atraísse investimentos externos” que proporcionassem condições de se desenvolver, espelhados nos países do G7. O fato de a Educação deixar de ser um serviço exclusivo do Estado, faz com este apenas dite as diretrizes e se desobriga de uma atividade verdadeiramente política. Além disso, pode ser privatizada. O Plano de Reforma do Estado, desenvolvido nos anos 1990, caracteriza as universidades, as escolas técnicas, os museus e os centros de pesquisas como “organizações sociais”, assim, podemos dizer que a universidade é que presta serviço ao Estado e celebra contratos de gestão que estabelece metas e indicadores de desempenho. Ou seja, a autonomia universitária se reduz ao gerenciamento empresarial da instituição. Outra palavra que passamos a ouvir muito, é a “flexibilização” da universidade. Essa flexibilização está substituindo os professores de dedicação exclusiva por outros com contratos flexíveis, que são temporários e oferecem 33
  • 35. condições de trabalho praticamente precárias. Outra conseqüência dessa flexibilização ocorre na adaptação de currículos às necessidades profissionais de cada região, isto é, às demandas das empresas localizadas em seu entorno. Além disso, separa docência – que fica na universidade – e pesquisa – que vai para os centros autônomos de pesquisa, já que os recursos que a universidade recebia para a pesquisa, é destinado à ampliação de vagas da graduação. “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Este ditado popular é um grosso resumo da história de dominação da América Latina, no entanto, esconde, nas entrelinhas, a resistência. Quem resiste ou contesta, não tem juízo. Mas, ao contrário, Cuba tem a história para nos mostrar a verdade. Por aqui, o setor educacional é o que mais reforça essa lógica opressor-oprimido, dia após dia. Mas os centros de educação popular desenvolvem importantes políticas e metodologias alternativas que são usadas pelos movimentos sociais. A Universidade Popular aparece, hoje, como um instrumento magnífico na busca pela emancipação do homem e da mulher. Para cumprir seu papel, não é necessário conferir-lhe uma forma específica, análoga à universidade institucional. Assim, tanto a Universidade Popular Mães da Praça de Maio, quanto a Escola Nacional Florestan Fernandes, são belíssimos instrumentos do povo, que desafiam a burguesia já que mostra todo o potencial do povo organizado. Por outro lado, desde quando se criou a universidade, na Europa, sempre foi caracterizada como uma “instituição social”, com reconhecimento público de suas atribuições e legitimidade. Através das lutas socias e políticas advindas da conquista da educação e da cultura como direitos, a universidade se tornou indissociável do ideal da democracia e democratização do conhecimento. Logo, enquanto instituição social, a universidade não pode se furtar das questões ideológicas, que são sua questão própria, já que lhe cabe a questão sobre qual o lugar das idéias no processo de produção material da sociedade. 34
  • 36. Conceitos e Perspectivas da Educação Popular 35
  • 37. Educação Popular Adaptado do caderno “Concepção de Educação Popular do CEPIS” CEPIS – Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae São Paulo, Março de 2007 Educação popular não é um discurso acadêmico sobre um método, oque muitas vezes tem-se entendido, nem um produto acabado ou uma receita simples ou mágica. Não se confunde com dinâmica de grupo, usada como instrumento tático ou atrativo, para animar pessoas e grupos. As dinâmicas são recursos necessários para estimular a participação e cooperação das pessoas envolvidas. Da mesma forma não é um método fácil que populariza a complexidade, embora faça o esforço criativo de traduzir conceitos abstratos numa linguagem cotidiana, em metáforas e símbolos acessíveis. Duas pessoas podem fazer o mesmo procedimento, com resultados e significados completamente opostos. Uma técnica pode significar uma prática onde a ação, o produto da ação e a finalidade da ação sejam termos exteriores uns aos outros. Beijar uma criança, abraçar um velho, carregar um andor em procissão, pode não expressar a convicção de quem fez isso e, ao chegar em casa, banhar-se de álcool para livrar-se desse contato, que era apenas para angariar votos, simpatia... Na Educação Popular, o agir do educador mantém íntima ligação de sua crença com o ato, o produto e a finalidade de sua ação. Seria um equívoco reduzir a Educação Popular ao uso de procedimentos – dinâmicas, recursos audiovisuais e pedagógicos... – que facilitam a integração e o entusiasmo das pessoas. Essa visão é enganosa, pois a “euforia do participativo”, por si só, não prepara as pessoas para serem protagonistas, entender a realidade social e comprometer-se com sua transformação. Muitas vezes, procedimentos participativos contribuem para que as pessoas sejam manipuladas e tenham a impressão de que são “parte”. Existem ONG’s (Organizações Não Governamentais), por exemplo, que praticam o“socionegócio”. Ganham dinheiro, por ideologia ou por oportunismo, promovendo oficinas, laboratórios, talleres, workshops, motivações e outros eventos, que “domesticam” e capacitam cidadãos e cidadãs como novos escravos, vão alimentar a continuidade do mercado capitalista. A Educação Popular insiste no uso de recursos pedagógicos como instrumentos, que ajudam na incorporação dos conteúdos e do próprio método. Assim, por exemplo, o uso de imagens são caminhos importantes para alcançar um objetivo. São instrumentos que ajudam no processo de tradução, reconstrução e criação coletiva do conhecimento sobre a realidade, mas não podem ser vistos como receitas mágicas que, por si só, vão alcançar esse objetivo. A Educação Popular é, então, um caminho político-pedagógico. Portanto, é um processo que exige envolvimento co-responsável de cada participante na construção, apropriação, e multiplicação do conhecimento. Essa experiência de aprender a ensinar só pode interessar aos oprimidos, pois, no capitalismo, não há lugar para ela. Se “só o oprimido pode libertar-se e, ao 36
  • 38. libertar-se, liberta também o opressor”, a educação serve para despertar e qualificar o potencial popular em sua luta, para construir uma alternativa solidária. Seu ponto de partida é a convicção de que o povo já tem um saber, parcial e fragmentado, e que “carrega em si o dom de ser capaz e ser feliz”. Porém, precisa refletir sobre o que já sabe (às vezes, não sabe que sabe) e incorporar o acúmulo teórico-histórico da prática social. “Imagina-te como uma parteira. Acompanhas o nascimento de alguém, em exibição ou espalhafato. Tua tarefa é facilitar o que está acontecendo. Se deves assumir o comando, faz isso de tal modo que auxilies a mãe e deixes que ela continue livre e responsável. Quando nascer a criança, a mão dirá com razão: nós duas realizamos esse trabalho.”. Adaptação de Lao tse, séc. V a.C. 37
  • 39. Aplicando a metodologia popular Adaptado do caderno “Concepção de Educação Popular do CEPIS” CEPIS – Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae São Paulo, Março de 2007 A metodologia autoritária na educação reafirma que educar é despejar conteúdos sobre outra pessoa totalmente ignorante. É uma postura de alguém que vem de cima e de fora, e, com ar professoral, derrama informações para “fazer a cabeça” do aluno. O aluno, de forma passiva, assimila os ensinamentos e reproduz essa prática sobre outras pessoas, da mesma forma. Essa metodologia, de fato, “anula o aluno” por adotar a postura arrogante e realizar um processo de manipulação para “domesticar” as pessoas. Os alunos se tornam repetidores de certas verdades, sem qualquer consciência crítica. Quando os “chefes”, numa empresa, usam recursos pedagógicos, estão apenas “modernizando” a forma de continuar impondo suas idéias e seus interesses. A mera transmissão de informações, transferência de conhecimentos ou treinamento de técnicas para competir não leva à emancipação, mas à (re) integração, onde as pessoas e movimentos entram, de forma vigiada e tutelada, num modelo discutível de progresso. A crítica ao sistema da educação tradicional abriu caminho para uma concepção educativa crítica e libertadora, como arma nas mãos das classes populares, orientada para transformação da realidade. Significa a criação de um senso crítico, que leve as pessoas a entender o mundo em que vivem e comprometer-se com propostas de mudanças. Por isso, a metodologia na Educação Popular não se confunde com dicas de “como fazer”, nem com procedimentos e dinâmicas de grupo; menos, ainda, com a seqüência que deve ter essa ou aquela atividade. É preciso que se veja o processo educativo não como momentos cooperativos, mas como uma dimensão necessária da atividade organizada da classe oprimida, que lhe permite a participação consciente na construção da história. A metodologia torna-se uma estratégia global, que orienta e permeia o trabalho popular, dando-lhe sentido, perspectiva e coerência interna. Tem um caminho a percorrer, um ponto de onde partir e um ponto de chegada, ainda que sejam espaços diferentes, um carece do outro, numa relação de interdependência. O ponto de chegada é, em si, também um ponto de partida. O ponto de partida são convicções alicerçadas em princípios e valores. Um dos princípios é a afirmação de que toda pessoa é capaz. Por isso, as pessoas são aprendizes e mestras, são partes e não platéia, cliente, assistente ou ouvinte. Nesse modo de olhar, a realidade de cada participante, sua experiência, sua cultura, seu momento individual e sua visão de mundo,são componentes indispensáveis no processo de aprender e ensinar. Eu corpo, sua razão, e seu sentimento precisam estar presentes – sem abrir o coração, a razão não entende e o corpo não se dispõe a participar. Outro princípio é a certeza de que “só a classe oprimida pode libertar- se, ao fazer isto, liberta também o seu opressor”. Mas não basta ser oprimida, 38
  • 40. a pessoa precisa se dispor a entrar num processo de luta pela transformação, individual e coletiva. E um terceiro princípio é que cada pessoa já tem um saber, ainda que ingênuo e fragmentado, e, por isso, precisa refletir sobre o que sabe e conhecer o acúmulo da prática social, para fazer melhor – quem faz já sabe, quem pensa sobre o que faze, faz melhor. O caminho revela-se nas posturas humildes, respeitosas e críticas de educadores e educandos, contrária a toda forma de arrogância ou submissão, e que não age como se fosse superior ou inferior. Concretiza-se através de procedimentos pedagógicos usados para facilitar a participação, a colaboração e o envolvimento integral das pessoas, permitindo-lhes a apropriação dos conteúdos e da metodologia. O ponto de chegada constata-se pelo grau de eficiência e eficácia que o processo alcança. Eficácia é realizar a tarefa adequada ao objetivo e ao momento. Alguns sinais podem indicar a eficiência e a eficácia da metodologia da Educação Popular: - Quando anima e apaixona o oprimido, ao resgatar o elemento de sua identidade e dignidade – a auto-estima. - Quando mobiliza, rompendo a situação de dormência e a sensação de impotência gerada pela dominação – individualismo, consumismo e fatalismo. - Quando capacita e qualifica política, técnica e culturalmente a militância para atuar na realidade social, com a apropriação do conteúdo e do método. - Quando incentiva e contribui na canalização de processos legítimos pela emancipação e pela vida. - Quando facilita a articulação de práticas populares no rumo de um Projeto de transformação social. 39