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           DES. MÁRIO ROCHA LOPES FILHO – Certamente uma manhã será pouco para
falar deste assunto, extremamente tormentoso e cada vez mais preocupante, relacionado com
a aplicação da pena. Disse tormentoso, por exemplo, por competir ao juiz, sem conhecimento
nenhum de psicologia ou psiquiatria, avaliar, dentre as circunstâncias judiciais, aquelas
relacionadas com a personalidade do agente, sua culpabilidade, sua conduta social,
especialmente.


           É bom lembrar, igualmente, ter vindo aqui, neste dia, para apresentar este tema
polêmico, por óbvio sem a pretensão de esgotar o assunto, esperando, apenas, contribuir, de
alguma forma, para o aprendizado dos senhores e senhoras, permitindo-me ressaltar o fato de
ser um privilégio estar aqui neste dia e falar de um assunto que gosto muito para tão seleta
platéia.




           1 BREVÍSSIMO HISTÓRICO




           De início, gostaria de registrar que a história da pena, em tempos imemoriais e
antigos, teve sua existência modelada por totens e tabus, com contornos místicos, enquanto os
diversos castigos corporais até a morte, traduziam as expressões cruentas de defesa e da
vingança. Segundo René Ariel Dotti1 o infrator também poderia ser condenado à perda da paz
que se caracterizava pela expulsão do clã e a impossibilidade de sobrevivência diante das
forças hostis da natureza, da agressão dos animais ou da dificuldade na colheita de alimentos.


           A idéia da pena como instituição de garantia foi obtendo disciplina através da
evolução política da comunidade e determinada autoridade recebia o poder de castigar em
nome dos súditos. Surgiu a chamada pena pública, impregnada de vingança, que penetra no
seio e costumes sociais procurando alcançar a proporcionalidade (anotem, esta é uma palavra
mágica no contexto da aplicação da pena) através das formas do talião e da composição. A
expulsão foi substituída pela morte, mutilação, banimento temporário ou perdimento de bens2.
           A pena de prisão, como conhecemos, não havia naquela época. O recolhimento ao
cárcere, no mais das vezes, se dava antes do julgamento (mal comparando, seria uma espécie
1
  DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
p. 31.
2
  Ibidem. p. 31.
2




de prisão preventiva sem a perspectiva da liberdade) e, fundamentalmente, para garantir a
execução das penas corporais, especialmente a de morte, ou mesmo para fomentar a confissão
mediante tortura.


             Já na Idade Média, como ponto de partida para os nossos dias, predominavam as
penas corporais, com as ofensas sendo respondidas pela vingança de sangue ou perda da paz,
que foram gradativamente substituídas pela compositio. Segundo Mariano Ruiz Funes3, o
cárcere, como instrumento corporal de castigo, foi introduzido pelo Direito Canônico, posto
que, pelo sofrimento e solidão, ‘a alma do homem se depura e purga o pecado’. A pena como
instrumento de terror, quando o condenado, antes da execução, falava para abominar o seu
crime, momento assistido pelo povo, em praça pública, onde até mesmo encenação da
execução era feita pelos assistentes, era aplicada com arbítrio judicial, e o Juiz, naquela época,
era um servidor da Coroa, manipulado pelo representante do clero. Então, não raras vezes, as
penas iam muito além do mal cometido, não havendo limites para a sanção penal.


             Naquele período de evolução social, o sujeito sofria a pena, que era aplicada nos
cárceres - como se disse - muito antes de ser julgado, nas torturas que eram infligidas ao
possível criminoso. Numa das formas de tortura, ele era queimado inteiro em cima de uma
cama, com uma vela; depois, introduziam nas suas unhas uma cunha molhada de óleo e as
incendiavam. Naquela circunstância, o sujeito, se não era o criminoso, tornava-se o criminoso,
porque confessava de qualquer forma.


             Como no filme Coração Valente, a Igreja estava do lado do Rei, de Deus, a justiça
sempre era divina, e o sujeito era executado em praça pública - como foi Tiradentes aqui no
Brasil, esquartejado - e seus pedaços esparramados pelo mundo afora de dominação daqueles
povos, para mostrar a severidade para aqueles que contrariavam as leis daquela época.


             A primeira reação que houve foi estabelecer uma pena fixa, o que significava o mal
justo pelo mal injusto cometido pelo delinqüente. Esta foi a primeira medida para a evolução
do sistema, merecendo o registro, ainda, que, através da mudança das estruturas sociais do
século XVI, compelida por força dos descobrimentos marítimos, da expansão colonial das
potências européias e o surgimento da idéia de lucro e do acúmulo de riqueza material, a pena
de morte passou a ser substituída pela pena de trabalhos forçados, inclusive nas galeras.
3
    FUNES, Mariano Ruiz. A Crise nas Prisões. São Paulo: Saraiva, 1953. p. 63.
3




             Antes do Iluminismo, havia o excessivo arbítrio do Juiz na fixação da pena, e nada
disso surgiu de um universo consciente do legislador da época – isto é minha paranóia que
informa – mas de uma manifesta necessidade, pois, na Europa, naquele período, um quarto da
população era criminosa. Então, diante da necessidade de preservação da espécie,
transformou-se o sistema, aplicando penas mais justas, na busca de uma proporcionalidade.


             Significativa, no contexto, foi a obra do frei beneditino Jean Mabillon, datada do
século XVII, como um protesto contra as agruras impostas como penitência, sugerindo
trabalho, melhor higiene e a regulamentação de visitas e foi o primeiro a usar a palavra
proporcionalidade, ou seja, a pena deveria ser proporcional ao mal cometido.


             Também em Roma, como referência histórica importante, Júlio Claro e Próspero
Farinacio, entre 1500 e 1600, foram os primeiros a falar em crime continuado, porque,
naquela época, o sujeito que praticasse o terceiro furto era executado. Para eles, várias
condutas com periodicidade e padrão de execução constituiriam apenas uma infração, daí o
crime continuado.4


             Retomando, o objetivo, então, a partir de Beccaria e do Iluminismo, foi a limitação
do excessivo arbítrio judicial, pois o Juiz, em nome de Deus ou do Rei, era o dono da pena.


             Provém do Código Penal Francês de 1810 a idéia de fixação da pena em seus limites
mínimos e máximos. Não havia, até 1810, o mínimo e o máximo da pena, regramento hoje
utilizado para a fixação da pena. Essa concepção do Código Francês foi ponto de partida para
todas as legislações modernas.


             Apenas para não deixar passar in albis, na experiência brasileira, passamos pelo
período Imperial, pela Primeira e Segunda República, pelo Estado Novo, pelo período
revolucionário e, a partir de 1940, pela reforma do Código Penal, e hoje temos uma nova
legislação iniciada, especialmente, a partir de 1984.


             Assim, vencida a brevíssima introdução histórica, passamos ao tema da palestra, que
trata da aplicação da pena, permitindo-me fazer sucinto comentário a respeito da figura do
4
    NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 280.
4




julgador, a quem compete, através da utilização de seu poder discricionário, fixar a pena justa
por eventual infração cometida. De início, registra-se, que a bíblia do magistrado é o Código
Penal e, no referente à aplicação da pena, os artigos 68, 59, 61, 65 e 66, do referido diploma
legal.




         2 A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA




         2.1 O juiz


         É importante seja dito, ab initio, ser relevante a questão que será aventada, pois,
embora todos os manuais de doutrina pretendam indicar ou sugerir uma forma pela qual se
chega à pena definitiva do cidadão, condenado por uma infração penal, nenhum deles, a par
dos critérios subjetivos elencados no artigo 59, agregado ao artigo 68, ambos do Código
Penal, faz referência de qualquer outra orientação que não seja o mínimo e o máximo da pena
cominada.


         Este cálculo é feito sempre pelo juiz, a quem é incumbida a tarefa de não somente
julgar o agente, como aplicar a pena e, nos casos específicos do júri popular, quando
condenado o acusado, aplicar tão somente a pena.


         O problema é determinar quais os critérios que devem ser utilizados pelo
magistrado, que não estão estabelecidos na lei e são extraídos, via de regra, da consciência do
magistrado que, como toda e qualquer pessoa, pode ou não sofrer influências para o exercício
desse juízo de valor.


         Quem é esse juiz?
         Quais são seus princípios?
         Quais são seus critérios?
         Estará ele plenamente adequado ao seu tempo?
5




             É necessário fique determinado, desde logo, que tipo de juiz seria o ideal para,
representando o Estado e a sociedade, decidir a respeito de qual pena mereça, na realidade, o
imputado.


             Para isso, permito-me invocar, por pertinente, a lição de Roberto Lyra5,




                              Pelo Código foram conferidas as maiores responsabilidades, no exercício de
                              individualização, ao juiz, delegou-lhe o legislador, avisadamente, um arbítrio,
                              prudente e relativo, como deve ser todo arbítrio, ditando normas taxativas para
                              limitá-lo e conduzi-lo, no caso concreto.

                              O arbítrio judicial é o pressuposto das mais elementares concepções do período
                              científico do direito penal: mesmo confinando o problema ao aspecto individual,
                              não tem mais sentido o aforismo de BACON; “optima est lex quae minima reliquit
                              ad arbitrium judicis: optimus judez qui minimu sibi”. Quando a Justiça refletia o
                              absolutismo e os juízes eram apenas carrascos a serviço da mais ingnóbil tirania,
                              não se podia, sequer, falar em julgamento, porque os magistrados estavam, por sua
                              vez, submetidos à força. Então, ótima era a lei que menos arbítrio deixava ao juiz e
                              ótimo o juiz que menos arbítrio se permitia.

                              Enquanto se mantiver, com a seleção moral e intelectual, a independência da
                              magistratura, o arbítrio judicial, regulado cautelosamente, como fez o Código, só
                              poderá ser salutar. Quando desaparecer aquela condição vital, não haverá juízes, e
                              sim, funcionários sujeitos ao automatismo da violência ilegítima. Então, não se
                              cogitará de ordem jurídica e de seus fenômenos. Com a liberdade dos juízes
                              responsáveis, em atenção à realidade integral de cada homem e de cada fato, dentro
                              do meio, obtém-se o máximo da eqüidade. Deve-se assinalar que, assim, o juiz não
                              atua ex informata conscientia, mas de acordo com as normas processuais que o
                              arbítrio judicial supõe exigentes e religiosamente obedecidas.

                              A rigor, há arbítrio na lei, no seu apriorismo, na sua abstração, na sua dureza. Nas
                              mãos dos juízes, o texto deixa de ser arbitrário, humanizando-se, sensibilizando-se,
                              adaptando-se à vida e à personalidade de cada homem. Portanto, é a lei que
                              renuncia ao seu egoísmo e vai palpitar, ao ritmo flagrante do convívio social,
                              através da toga. Os mandamentos legais são frios e autoritários. Para o homicídio –
                              de 12 a 30 anos. Por que? Para que? coma liberdade dos juízes responsáveis, não
                              somente em atenção às circunstâncias convencionalmente enumeradas, e sim à
                              realidade integral de cada homem e de cada fato, dentro do meio, obtém-se o
                              máximo de eqüidade, isto é, uma defesa social coincidente, justaposta.

                              A função judicial rompe as grades do automatismo obscuro e rotineiro que, antes
                              dos réus, prendiam a consciência de seus julgadores. Destrói-se a velha máquina de
                              fabricar justiça, através da igualdade iníqua de um tratamento de superfície, de
                              aparência, de quantidade.

                              O arbítrio judicial constituíra o melhor instrumento de comunhão entre o direito
                              penal e a ciência penal. Incumbe ao juiz, no exercício desse arbítrio, transfundir nos
                              textos o sangue sempre renovado da sociologia, da antropologia e da psicologia
                              criminais.




5
    LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. v. II, Revista Forense, 1955. p. 175/177.
6




             Apenas para não deixar passar in albis, é importante registrar a manifesta atualidade
do pensamento de Roberto Lyra, quando fala dos juízes responsáveis, da necessária
humanização da decisão judicial e sua vinculação com a interdisciplinariedade.


             De ressaltar, ainda, para dimensionar a figura do magistrado, o que dissera Couture
no discurso feito em Paris, em 19476.




                              O juiz é um homem que se move dentro do direito como o prisioneiro dentro de seu
                              cárcere. Tem liberdade para mover-se e nisso atua sua vontade; o direito,
                              entretanto, lhe fixa limites muito estreitos, que não podem ser ultrapassados. O
                              importante, o grave, o verdadeiramente transcendental do direito não está no
                              cárcere, isto é, nos limites, mas no próprio homem.

                              A Suprema Corte dos Estados Unidos da América do Norte, em uma de suas
                              máximas lapidares, disse que “a Constituição é aquilo que os juízes dizem que ela
                              é”. Essa máxima contém o excesso de todas as teorias voluntaristas do direito. Não
                              se lhe pode negar, contudo, profundo conteúdo de realidade vital. E se isso é assim,
                              se o direito é “o que os juízes dizem que é”, como poderemos dispensar o juiz,
                              como elemento necessário, na criação e produção do direito: como poderemos
                              separar a decisão do juiz de seus impulsos, de suas ambições, de suas paixões, de
                              suas debilidades de homem? O direito pode criar um sistema perfeito, no tocante à
                              justiça; mas se esse sistema for aplicado, em última instância, por homens, o direito
                              valerá o que valham esses homens.

                              O juiz é uma partícula de substância humana que vive e se move dentro do
                              processo. E se essa partícula de substância humana tem dignidade e hierarquia
                              espiritual, o direito terá dignidade e hierarquia espiritual. Mas se o juiz, como
                              homem, cede ante suas debilidades, o direito cederá em sua última e definitiva
                              revelação.

                              Um dos grandes dramas do nacional-socialismo foi o de criar uma doutrina
                              autoritária do direito e de ter feito do juiz o “Führer” do processo. E a experiência
                              jurídica, dizendo o mínimo, declarou que essa concepção era trágica, não porque o
                              sistema fosse manejado pelos homens, mas porque os homens eram manejados pelo
                              sistema.

                              Da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. O direito valerá, em um país e
                              um momento histórico determinados, o que valham os juízes como homens. O dia
                              em que os juízes tiverem medo, nenhum cidadão poderá dormir tranqüilo.




             O juiz, portanto, deve ser um homem de seu tempo, e não deve se deixar influenciar,
para efeito da aplicação da pena, por qualquer outro fator externo que não seja relacionado
diretamente com o processo, pois a sentença não deve ser um ato de vingança pessoal do juiz,
em nome da sociedade, ou do Estado.


6
    COUTURE, Eduardo. Introdução ao Estudo do Processo Civil. [s.l]: José Konfino Editor, 1951. p. 87/88.
7




             Esse é o magistério de Francisco de Assis Toledo7:




                              Neste momento de crise em que jornalistas leigos em matéria penal pretendem ditar
                              ao legislador o que fazer na legislação penal e aos juízes como julgar os acusados
                              que eles, jornalistas, já condenaram através da mídia, faço votos para que os
                              precedentes da mais alta Corte de Justiça de nosso país, realmente sirvam de
                              modelo para advogados, promotores e juízes brasileiros, não as bravatas daqueles
                              que querem ver na cadeia a panacéia para todos os nossos males sociais e
                              econômicos.




             Acrescenta o mesmo autor8 que




                              o juiz penal, mais do que outros, está adstrito ao princípio da reserva legal. trabalha
                              dentro dos espaços que lhe são traçados pela lei. Não é o herói vingador da justiça,
                              de filmes policiais americanos que, para aplicar o seu talião aos infratores, segue os
                              próprios instintos, rompendo as regras e as normas legais existentes.




             Pelas razões apontadas deve ser salientada a manifesta indispensabilidade da
manutenção das garantias constitucionais do magistrado, que delas desfruta em nome e para a
sociedade.




             2.2 A Dosimetria da Pena




             Posto o debate nestes termos, registra-se haver três momentos distintos na fixação da
pena (aqui iniciamos a segunda parte da palestra): a individualização legislativa, a judicial e
a executória. A legislativa é aquilo que faz o Congresso Nacional, que tem promovido uma
inflação legislativa, bastando observar quantos crimes foram idealizados pelo legislador, pelas
mais diversas motivações, nesses últimos cinco, seis anos. Até o assédio sexual já está
consagrado dentro do Código Penal, numa cópia fajuta do modelo americano. Lá, se alguém
se sentir agredido ou houver lascívia no olhar de uma pessoa para outra, o cidadão pode ser
processado por assédio sexual e condenado a uma indenização polpuda.

7
    TOLEDO, Francisco de Assis. Revista Jurídica Consulex, Ano III, v. I, n. 26, p. 34.
8
    Ibidem. p. 37.
8




            A executória diz respeito, fundamentalmente, à execução das penas e seus
incidentes.
            Quando se fala em individualização judicial, fala-se em dosimetria da pena, como
se disse, conquista do Iluminismo e garantia constitucional - inc. XLVI do art. 5º da
Constituição Federal. Nelson Hungria dizia: individualização racional, adequação da pena ao
crime cometido.


            O caminho para a dosimetria da pena, no nosso sistema, encontra-se delineado no
art. 68 do Código Penal, através do método trifásico (o método trifásico foi idealizado por
Nelson Hungria e está consagrado no artigo 68, do CP; por outro lado, outra figura lendária,
Roberto Lyra, sugerira o método bifásico, preconizando a avaliação conjunta do artigo 59
com as circunstâncias agravantes e atenuantes).9


            Com relação à pena-base, o nosso legislador confiou no poder discricionário do juiz
e, por isso, o dimensionamento da pena corresponde à atividade meramente intelectual de
parte do magistrado. A lei alcança-lhe, entretanto, dois limites, o limite mínimo e o limite
máximo da pena cominada, nada mais nada menos, e o Juiz, com todas as suas vicissitudes,
características, virtudes, defeitos e sublimações, deverá estabelecer a pena.


            Não podemos esquecer, obviamente, que o Juiz não pode utilizar o Direito Penal
como forma de opressão. Não sou abolicionista, nem vinculado ao Direito Alternativo, mas
estou convicto da impossibilidade de utilização do Direito Penal - e nunca poderia ter sido
utilizado - como forma de opressão, como vem sendo utilizado largamente em nosso país,
especialmente das classes menos favorecidas. O salário é uma forma de opressão, de
limitação, como outros fatores da nossa vida, gerenciados por uma política espúria, autista e
esquizofrênica, como a que se faz no Brasil desde que ele existe.


            De qualquer forma, essa discussão é manifestamente pertinente. Quem é o Juiz que
vai estabelecer a pena-base? O Couture menciona, na obra acima noticiada, a necessidade de
sublimação de seus defeitos e a potencialização de suas virtudes. Isso é fácil nos livros, mas
muito difícil de transformar em realidade.




9
    NUCCI, Guilherme de Souza. Obra Citada. p. 272
9




           Começando, então, pela pena-base, o art. 59 do Código Penal diz que o Juiz,
atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade, à motivação,
às circunstâncias e conseqüências do crime, e ao comportamento da vítima, estabelecerá a
pena justa e necessária para a reprovação e prevenção do crime. A redação deste artigo traz,
embora embutida, a palavra mágica proporcionalidade, quando menciona a “pena necessária e
suficiente para a reprovação e prevenção do crime”.


           E pena proporcional é seguramente pena justa.


           A primeira exigência referida no art. 59, do CP, é a avaliação da culpabilidade.
Como se deve fazer a avaliação da culpabilidade na fixação de uma pena? Sobre isso há, em
nossa doutrina, alguma divergência. Existem autores que sustentam que o Juiz não sabe
valorar essas circunstâncias na hora de fixar uma pena , porque a culpabilidade, na teoria do
delito, envolveria a potencial consciência de ilicitude - e ninguém pode alegar ignorância da
lei -, imputabilidade penal e exigibilidade de conduta de acordo com o Direito. Entretanto,
considerando a necessidade da fixação de uma pena, a culpabilidade passa a ter dois
significados, de fundamento da pena e de limite da pena, limite este conciliável com uma
visão da pena como reprovação social da conduta e também como prevenção, geral ou
especial, dependendo do ângulo examinado que justifique a imposição de uma sanção.


           E este limite é fundamental na aplicação da pena, exatamente para que abusos em
nome de quaisquer das finalidades atribuídas à pena sejam cometidos, no limite do necessário
e suficiente, mote presente em todo o sistema de penas da Parte Geral de 1984, e não por
acaso10.


           Por outro lado, a culpabilidade do agente, repousaria, em primeiro lugar, na
avaliação se o homem, socialmente referido, naquelas circunstâncias fáticas, possuía
autodeterminação e possibilidade de agir de modo diverso. Em segundo lugar, constatada a
possibilidade e conseqüentemente o delito, opera na aplicação da pena, medindo o grau
(quantum) de reprovabilidade, dimensionando a culpabilidade da conduta. Dessa forma, o
juízo de culpabilidade como critério de graduação da pena deve recair sobre as possibilidades
fáticas (materiais) que o sujeito teve para atuar ou não de acordo com a norma. Assim

10
  REALE JUNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal. Parte Geral. v. I. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p.
186.
10




verificada, fornece mecanismos para a extração do (des)valor e do grau de reprovabilidade da
conduta11.


             Partindo de tais premissas, entendo deva a culpabilidade balizar a motivação
jurisdicional no referente a dosimetria da pena. Como Juiz, nunca agreguei significativa
importância para o resto, preocupou-me, sempre, justamente, a reprovação pela conduta
adotada pelo réu quando, podendo agir de modo diverso, atua contrariamente à lei.


             Trago um exemplo: foi julgado em Porto Alegre, um professor de nível médio, que
casou com uma moça 25 anos mais jovem do que ele – ela tinha 18, e ele, 43 anos. Enquanto
ele ainda tinha viço - o homem, entre 30 e 45 anos, tem o período mais produtivo da vida -, ia
tudo bem. Quando ela chegou aos seus 28, 30 anos, começou a haver conflitos, porque ela não
admitia a censura que ele fazia por ciúmes, impedindo-a, inclusive, de trabalhar. Isso os levou
a uma situação insuportável, e ela quis separar-se. Ele, inconformado com a separação,
querendo voltar, e ela não, acaba idealizando a morte da mulher. Eles tiveram uma filha de 12
anos. Um dia, ele vem a Porto Alegre, descobre onde ela estava morando, compra um
revólver calibre 38, vê a mulher saindo de casa, caminha na direção dela, ela de costas para
ele, e desfere-lhe dois disparos na nuca. Ela caiu de bruços e morreu na hora.


             Se fôssemos examinar o item culpabilidade e desdobrá-lo, seria possível verificar se
ele possuía, ou não, potencial consciência de ilicitude? Evidente que seria difícil, por sua
condição, alegar não possuir condições de aferir o caráter equivocado de sua conduta.
Inclusive, no interrogatório, ele disse saber que estava errado, mas que não se havia
controlado. Então, ele possuía potencial consciência de ilicitude. É imputável? Também é
imputável, não havendo, a respeito, qualquer senão. Por isso, seria exigível – aqui o ponto
mais importante – adotasse ele conduta diversa? Manifestamente exigível. Alguns
argumentam com a maior ou menor censurabilidade do comportamento do agente, esse seria o
fundamento da pena, e outros referem também a intensidade do dolo. Quanto mais intenso o
dolo, - e ele teve dolo intensíssimo – , maior deveria ser a pena aplicada.


             Há outras críticas feitas a respeito deste assunto. Essa questão da exigibilidade da
conduta diversa é lastreada no livre arbítrio e na capacidade de autodeterminação do agente.
11
     CARVALHO, Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo. 2 ed. [s.l]: Lumen Juris, 2002. p. 48.
11




Precisamos examinar isso dentro do contexto em que vive o réu. Quem é esta pessoa, de onde
ela veio? Então, todos esses componentes têm de ser valorados a partir da culpabilidade para
se dizer se é exigível, ou não, a conduta do agente de acordo com o direito.


         Outro exemplo que vai nos interessar é o do indivíduo concreto e socialmente
referido. Isso nos traz a idéia de impossibilidade de comparação entre as pessoas para fixar
uma pena.


         O Direito Penal é peculiar, a partir do caso concreto por não haver a menor
possibilidade de aplicarmos para duas pessoas a mesma valoração dos critérios de
individualização da pena. Trabalhei dez anos na Vara do Júri e cheguei a esta conclusão: é
impossível estabelecer um parâmetro. Não existe parâmetro de conduta, de agente, de nada.
Precisamos examinar a pena a partir do fato praticado pelo agente, e cada fato tem a sua
coloração, e absolutamente nenhum réu é igual ao outro.


         Outro exemplo que vai mostrar especialmente a necessidade de verificação da
realidade social, trazendo-nos a idéia da impossibilidade de comparação entre as pessoas para
fixar uma pena, aconteceu em Casca, quando um pai estuprou uma filha de treze anos,
resultando prole. Coloquem-se na situação de magistrados: como se pode valorar a pena de
alguém que pratica uma conduta como essa? Vejam como é difícil nos colocarmos na posição
do réu; numa situação como essas, parece ser absolutamente impossível.


         Então, a partir de que dados se faz a valoração? Da realidade social daquela
circunscrição territorial. O fato foi aquele: estuprou a filha e teve uma filha com ela.
Interrogado, não se recordava de nada. Como cidadão, fui tomado de indignação, mas ali,
acima de cidadão, eu era Juiz, era preciso analisar os outros componentes. Seria possível?


         Tão logo se soube do fato - e isso não começou no inquérito, começou dentro do
gabinete do Ministério Público, pois a mãe a ele veio reclamar - , estabeleceu-se o inquérito,
decretou-se a prisão preventiva, ele foi recolhido, e, dez dias depois, mãe e filha estavam no
Foro pedindo que ele fosse solto. Descobriu-se, depois de uma investigação, que era comum,
em determinada região, as mães entregarem as filhas como pasto sexual para manterem o pai
como força de trabalho em casa.
12




          Do ponto de vista da normalidade social, isso é abominável, mas, em alguns locais
deste País, não só naquele, é possível que tal ocorra. Então, qual realidade social devemos
examinar? A nossa realidade ou a realidade social daquela pessoa que vive naquele local?
Precisamos verificar isso, porque a pena que vai ser estabelecida tem que ser dimensionada a
partir dessa realidade social, não de outras. No ato de dimensionar-se a pena a partir da
culpabilidade, todos os fatores devem ser sopesados, examinados, verificados, e, ainda assim,
alguns dizem que é manifestamente difícil chegar-se a uma avaliação concreta da
culpabilidade12.


          Então, a avaliação, a dosimetria da pena deve considerar, modo manifesto, a
realidade social em que vivem as partes envolvidas, e não fora dali. Precisamos verificar
também se o réu tinha possibilidade real de orientação. Seria dele exigível comportamento
diverso, dentro do contexto do fato cometido? Portanto, a respeito desta questão da
culpabilidade, vejam como é problemática a valoração, a avaliação, o comprometimento que o
Juiz deverá ter com relação à pena-base.


          Sugiro a leitura, com profundidade, a respeito desses assuntos, pois, na hipótese de
um concurso, os examinadores poderão descontar pontos por aquilo que vocês não fizeram,
mas não por aquilo que vocês fizeram, quer dizer, um exame da doutrina sobre esse assunto. E
não são nos livros que estamos acostumados a ler que se encontra a solução para os nossos
problemas. Encontra-se a solução da discussão a partir de outras investigações, sem prurido,
sem preconceito absolutamente nenhum. O Salo, como se disse, e o Boschi, em sua obra
“Das Penas e Seus Critérios de Aplicação13, por exemplo, falam da responsabilidade do Juiz
na individualização da pena.


          Então, a primeira problemática é a culpabilidade. Alguns dizem culpabilidade
inerente ao tipo penal. Alguns também falam que está no tipo. Aí, fica muito fácil. Analisa-se
a culpabilidade dentro do tipo, resolve-se o problema, e não se precisa falar absolutamente
mais nada. Mas, para se fazer uma valoração consciente, tem-se que examinar todos esses
componentes, especialmente esta questão relacionada à autodeterminação, à exigibilidade de
conduta diversa, e o contexto em que se pode fazer tal exigência. Não se pode fazer um
padrão para valoração de culpabilidade, tem-se que examinar a figura do agente, o crime por
12
 A respeito, ver Salo de Carvalho, no seu livro Aplicação da Pena e Garantismo Penal.
13
  BOSCHI, José Antonio Paganella. Das Penas e Seus Critérios de Aplicação. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2002.
13




ele cometido e se, dentro do contexto, era exigível que se adotasse comportamento diverso. A
partir daí, será estabelecida a pena. Esse é o fator determinante da aplicação da pena privativa
de liberdade.


         O segundo item do art. 59 trata dos antecedentes, sobre os quais existe muita
discussão. Vou apresentar alguns posicionamentos que são defensáveis, um mais do que os
outros. Em primeiro lugar, o que são antecedentes? Para alguns Promotores de Justiça, se
falarmos do Juizado Especial Criminal, antecedente é todo e qualquer registro, inclusive os
policiais não judicializados. Não falamos, por exemplo, que o processo faz parte da regra do
jogo? Faz parte. O processamento por uma infração penal faz parte da regra do jogo.


         Vamos supor que alguém atribua a vocês um crime de calúnia. Vocês responderão
ao processo. Se, no final, apurar-se que isso é mentiroso, derivado de uma denunciação
caluniosa, mesmo assim poderá vigorar como um antecedente.


         Mas, afinal, o que são antecedentes? Para alguns, é tudo aquilo registrado e que faz
parte, como se disse, da regra do jogo. Para mim, não é. Entendo que antecedentes,
independentemente do que diz a Constituição, só pode ser a decisão condenatória transitada
em julgado. E aí teríamos duas variantes: aquela que pode ser considerada reincidência e a
que não pode ser considerada reincidência. Então, antecedente seria apenas aquilo que não
pode ser considerado reincidência.


         Podemos, ainda, aventar três posicionamentos: primeiro, antecedentes somente os
judicializados e com decisão definitiva condenatória; definitiva porque transitou em julgado.
Tudo aquilo que for registro, sem uma condenação, não pode ser considerado antecedentes.
Penso ser muito mais do que razoável esse entendimento. Mas vejam: eu não poderia dizer a
vocês que os desprezassem, pois há jurisprudência que assim considera. Somente uma
Câmara discute esse assunto, para alguns com um certo exagero. Quer dizer, em nome do
Direito Penal do fato, e não do autor, não se pode falar em antecedentes. O que passou,
passou, não pode ser sopesado contra ele. Ele não pagou a sua dívida? Por que têm de voltar
sempre essas coisas, ad eternum em evidente bis in idem?


         Então, no meu entendimento, e em nome da presunção de inocência, antecedentes
são os definitivos. Se não são definitivos, não são antecedentes.
14




             Tenho um amigo que passou por isso, e vi a agonia dele diante de tais
circunstâncias. Acusaram-no de ameaçar de morte a mãe, e era mentira deslavada, pois a
irmã, querendo ficar com todo o patrimônio do pai, queria colocar o irmão na cadeia. Quer
dizer, ele tem antecedentes por porte ilegal de arma, por uma porção de coisas, mas não fez
nada. Foi uma denunciação caluniosa. Isso pode ser considerado antecedente? Vocês acham
que isso é razoável? Eu não acho. Há pessoas que pensam assim, mas, no meu ponto de vista,
isso está errado. Recomendo, a respeito, artigo de Aramis Nassif, como o título
“Reincidência. A necessidade de um novo paradigma”.


             Entretanto, por outro lado, há autores que consideram que antecedentes não dizem
respeito à folha penal e seu conceito seria muito mais amplo pois, como assinala Nilo Batista,
‘... o exame do passado judicial do réu é apenas uma fração’.14


             Por antecedentes, para Miguel Reale Jr.15, deve-se entender a forma de vida em uma
visão abrangente, examinando-se o seu meio de sustento, a sua dedicação a tarefas honestas,
a assunção de responsabilidades familiares.


             Por outro lado, o que se pode entender por conduta social? Seria a vida da pessoa na
sociedade toda ou é a vida dela na circunscrição territorial onde vive? Nós só podemos fazer a
valoração da conduta do agente em cima do local em que ele costumeiramente exerce sua
atividade ou mora. Não podemos comparar um sujeito que vive na Vila Cai-Cai com aquele
que vive no Bairro Rio Branco, no Bairro Moinhos de Vento. Há como se estabelecer
comparação? Não. O que mora na Vila Cai-Cai sobrevive, os outros se divertem, na maioria
dos casos - estou falando daqueles que têm muito dinheiro, porque a maioria das pessoas
neste País faz força para sobreviver. Mas não podemos comparar o sujeito que está na
tranqüilidade, levanta a hora que quer, com aquele sujeito que está de pé desde as seis horas
da manhã lutando para poder sobreviver. Então, temos de examinar a conduta social dentro do
perímetro onde ele costumeiramente exerce todas as suas atividades, se o delito faz parte do
contexto de sua vida ou é, apenas, um fato alheio e isolado.




14
     Apud REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal. [s.l]: Forense, 2003. p. 85.
15
     REALE JÚNIOR, Miguel. Obra Citada. p. 85
15




            Vamos ao seguinte caso: em processo que tramitou perante a 1ª Vara do Júri de
Porto Alegre, três testemunhas de defesa foram arroladas e todas disseram mais ou menos o
seguinte:




                            O Fulano é excepcional, participativo, solidário, comunicativo, sempre pronto para
                            ajudar toda e qualquer pessoa da comunidade, até as sete da noite. Das sete da
                            manhã às sete da noite, ele é exemplar, mas, das sete da noite às sete da manhã, ele
                            é um azougue, ai de quem se atravessar na frente dele.




            Então, a conduta social do sujeito é examinada como se fosse uma linha, e não um
eletrocardiograma, mas ele não pode construir um castelo de dia e, de noite, destruí-lo. Ou ele
mantém uma conduta retilínea, linear, ou ele não tem essa conduta, e por isso ele merece ser
censurado. Era o caso desse rapaz.


            Então, examinamos a conduta social dentro da circunscrição territorial, e ela tem que
ser retilínea, ela não pode oscilar como um eletrocardiograma, como se disse, para cima e
para baixo. Impossível, no entanto, a padronização, não se podendo estabelecer um parâmetro
de conduta entre várias pessoas da mesma comunidade, porque, se para alguns, essa conduta
social, mesmo que, de certa forma, ao arrepio da lei, seja normal, para outros não é, porque
vivem noutro mundo que não o do Direito Penal. Ou seja, o homem escreve a sua própria
biografia, pois todos os atos serão contabilizados em sua história, e todas as sua decisões
fazem parte de um conjunto, que reflete a pessoa do homem, a sua singularidade16.


            A respeito da personalidade, o Boschi17 diz – e devemos concordar com tal
assertiva – que tal avaliação é sempre precária, imprecisa, incompleta, superficial, com as
palavras boa, má, impulsiva, expressões que nada dizem. Outros dizem - e o livro do Salo, já
referido, traz isso - que o Juiz não é um psiquiatra, nem um psicólogo, bastando uma breve
revisão bibliográfica para verificar a impossibilidade de o juiz, um leigo, valorar a
personalidade do agente18. Às vezes, um psiquiatra fica dois anos tratando de uma pessoa e
não sabe quem ele é. Como o Juiz, no primeiro contato, por um único processo, que fala com
16
   REALE JÚNIOR, Miguel. Obra Citada. p. 85
17
   BOSCHI, José Antonio Paganella. Obra Citada.
18
   Seguramente por isso, no Projeto Modificativo do Sistema de Penas consta a eliminação das referências à
conduta social e a personalidade pois, além de outros fatos relacionados com a prática e acima estão noticiados,
podem conduzir a um subjetivismo excessivo do julgador tornando elástica em demasia a discricionariedade e o
subjetivismo do julgador na fixação da pena.
16




o réu uma única vez, vai dizer quem é aquela pessoa? Essa é uma crítica que é importante,
que merece ser contabilizada. Quer dizer, quem é essa pessoa que está em julgamento, que
tipo de personalidade ela tem, qual é a sua índole? Que tipo de valoração vai ser feita, a
respeito, pelo Juiz?


            Eu posso, como Juiz, afirmar que um sujeito tem uma personalidade deturpada sem
ter um laudo? Não, por isso é pertinente a lembrança de que é difícil fazer a valoração. Claro,
se o sujeito tem dez antecedentes por furto, e se faz a valoração por isso, ele já tem uma certa
tendência a buscar o lucro fácil. Mas será que eu estaria valorando devidamente a
personalidade do cidadão? Por isso precisamos, quando se trata de valoração de
personalidade, não apenas jogar palavras no papel, mas valorar a personalidade dentro do
possível, até por que a valoração é obrigatória.


            Um fato inegável é a deficiente formação interdisciplinar. Embora Couture 19 tenha
referido a possibilidade de um jurista ser um engenheiro social, o juiz, decisivamente, não é
psicólogo e nem psiquiatra. No entanto, será que a vivência do Juiz lhe daria poderes para
identificar qual a personalidade do réu? Muitas vezes, essa investigação sobre personalidade é
operada, como se disse, a partir de seus antecedentes, não me parecendo a medida mais
adequada.


            Como será que o Tribunal faz a avaliação da personalidade? Vocês já examinaram
os acórdãos quando o Juiz absolve, e o Tribunal aplica a pena? Sem querer criticar o Tribunal,
por óbvio, mas me parece que essas palavras viraram lugar comum nas sentenças, e são meras
repetições.


            E no que se refere à motivação? Anotei de livros: Fonte propulsora da vontade
criminosa, não há crime gratuito ou sem motivo. O que vocês acham?


             Trago outro exemplo, envolvendo fato verdadeiro. Havia um réu na Vara do Júri de
Porto Alegre, cujo apelido era Ziguezira. Um dia, ele chegou num bar e havia um sujeito
tomando uma cerveja. Pegou o copo do outro, tomou um gole, e o sujeito disse para ele: Vem
cá, meu, não te dei autorização pra beber no meu copo de cerveja. O Ziguezira pegou o


19
     COUTURE, Eduardo. Obra Citada. p. 86
17




revólver, deu três tiros e, num espaço de dois ou três segundos, matou o sujeito. Qual foi a
motivação dele?


          Fazemos uma idéia de motivação a partir do iter criminis: cogitação, preparação,
execução, consumação. Fazemos um exame a partir dessas fases. Então, por exemplo, qual é a
motivação de quem quer assaltar um banco?


          O dinheiro, por óbvio.


          No filme “Os Caçadores de Emoções”, qual era a motivação deles? Adrenalina. O
que eles faziam para usufruir da maior adrenalina possível? Eles praticavam roubos para
usufruir da maior onda, do salto de pára-quedas, coisas ótimas quando se tem dinheiro para
gastar. De qualquer forma, há uma motivação definida. Eles queriam o dinheiro para se
divertir, para curtir a vida.


          Qual foi a motivação do Ziguezira? Qual foi a sua idealização mental? O retruque do
dono da cerveja foi o que o motivou, mas qual seria a sua real motivação? Depois, como já
possuía três processos por fatos semelhantes, pediu para o Juiz resolver a sua vida. Queria ser
julgado, cumprir a pena e tornar-se uma pessoa de bem. Será que o Juiz resolveria todos os
seus problemas se todos os seus processos fossem julgados? Ele pensava que sim. Em três
meses ele foi julgado em três processos e recebeu 46 anos de cadeia.


          Trago mais um exemplo. Determinado dia, uma dentista recém formada, trabalhava
no seu consultório modesto, montado com sacrifício, na Avenida Bento Gonçalves, quando
apareceu um sujeito dizendo que estava com dor de dente. Ela disse-lhe estar atendendo uma
menina, fazendo uma cirurgia, e não poderia atendê-lo. Pediu-lhe voltasse no outro dia e
tomasse um analgésico até lá, para passar a dor. Ele foi embora, mas, às seis e meia da tarde,
voltou. Quando ela abriu a porta e disse-lhe que não poderia atendê-lo, ele respondeu que era
um assalto. Entrou, fechou a porta, despojou as duas de tudo que elas tinham, pegou uma
tesoura cirúrgica, abriu a parte de cima da roupa da paciente, apalpou seus seios, sua barriga.
Não satisfeito, pegou a dentista, amarrou-a, deitou-a no solo e começou a arriar suas calças. A
moça desesperou-se e conseguiu soltar-se. Ele, então, desferiu-lhe um soco no rosto,
quebrando-lhe o maxilar em três lugares; depois, cortou-lhe o rosto de fora a fora com a
tesoura que tinha na mão. Qual teria sido a motivação? Ele entrou lá com uma motivação.
18




Então, essa questão sobre motivação é variável, o sujeito pode começar com uma e passar
para outra ou outras. No caso, ele praticou um roubo - o Tribunal, depois, diminui a pena dele
por considerar tentativa, já que o patrimônio não havia saído da esfera de vigilância das
vítimas -, um atentado violento ao pudor consumado e uma tentativa de estupro. Levou 16
anos de cadeia.


             Quer dizer, no contexto, ficou fácil verificar qual foi a efetiva motivação dele.
Primeiro, o lucro fácil; depois, a satisfação da lascívia. E por que será que ele deu um soco na
moça, quebrando-lhe o maxilar? Isso não se sabe, porque ele foi condenado pelo atentado
violento ao pudor, pela tentativa de estupro e pelo roubo. Entrou dentro do contexto a lesão,
no caso do estupro qualificado, e basta, está dentro do tipo. Nesse caso, percebe-se a efetiva
motivação, mas há crimes em que não se percebe a motivação de forma clara.


             Para César Bitencourt, embora o legislador assim não considere, a ausência de
motivos deveria ser considerada mais gravosa para quem tem motivo, ainda que torpe ou fútil.


             Por outro lado, quais circunstâncias devem ser examinadas? Li certa vez que as
circunstâncias do crime é aquilo que está ao derredor do fato, não é o que está vinculado
diretamente ao fato, mas aquilo que colore o fato, que está por volta. Por exemplo, o sujeito
que convida outro para ir a uma pedreira, lugar ermo, e lá o executa. Estas circunstâncias
estão em volta do fato: o lugar ermo, o convite feito por um pseudo-amigo, isso tudo está em
volta do fato. Então, dentro das circunstâncias, é o que está ao redor, que direta ou
indiretamente tem vinculação com o fato, mas que, como noticia Guilherme de Souza Nucci 20
são os elementos acidentais não participantes da estrutura do tipo, embora envolvendo o
delito.


             E as conseqüências da infração penal. As conseqüências não são as relacionadas
com o fato diretamente, mas aquilo que a partir dele resta. Num homicídio, por exemplo,
vocês acham que a conseqüência é a morte da vítima? Não, mas se a vítima possuir três ou
quatro filhos, ou se a vítima for arrimo de família, sobra uma família desamparada, filho sem
pai. Essa é a conseqüência da infração penal. Em alguns casos, não vemos outra que não a
morte, porque, se o sujeito não tem filhos, não tem familiares, não tem nenhuma vinculação


20
     NUCCI, Guilherme de Souza. Obra Citada. p. 249.
19




com ninguém, sobra somente a sua morte, mas isso não pode ser considerado para prejudicar
o agente, pois isso está dentro do tipo penal. A pena já é, no homicídio, de seis a vinte anos.


         Por último, dentro dessas avaliações do art. 59, temos o comportamento da vítima.
Essa foi uma homenagem que o legislador fez aos estudos de vitimologia, em 1984, quando
introduziu na fase de aplicação da pena, a avaliação da conduta da vítima da realização do
fato pois não há dúvida de que o modo de agir da vítima poderá levar ao crime. Até 1984, não
havia essa possibilidade de se valorar; examinava-se, então, essa circunstância dentro da
culpabilidade, mas agora temos um tópico específico.


         Um exemplo para deixar cristalizada essa circunstância é um fato ocorrido em
Torres, onde um sujeito tirou uma mulher da zona do meretrício, casou com ela e teve dois
filhos. Motivado pelo relacionamento, conseguiu construir um patrimônio que totalizava duas
casas e dois caminhões. Um de seus motoristas teve uma doença, e ele teve que viajar
sessenta dias por todo o Brasil entregando carga. Nesses sessenta dias, a mulher resolveu,
cansada da vida doméstica, voltar à lida da noite. Quando ele ficou sabendo, separou-se da
mulher, mas continuava apaixonado. Aliás, a mulher tem essa capacidade de levar os homens
à loucura.


             Descornado, determinado dia, foi a um baile e encontrou a ex-mulher. Estava meio
embriagado, e ela, pensando que ele teria ido lá para fiscalizá-la, diz a ele que, em meia hora,
estaria na Praia Grande transando com um sujeito que ela nem sabia quem era. Ele se encheu
de dor, foi até em casa pegar a arma e verificar se era verdade. Chegando na Praia Grande,
estava ela nas preliminares com o outro homem. Ele puxa a arma e dá três tiros na mulher,
matando-a. O sujeito que estava com ela não foi identificado e bateu o recorde dos 100 metros
rasos.


         Então, quando ela lhe disse que estaria na Praia Grande, etc., sabendo que ele era
apaixonado por ela, ela o provocou, pois ela o conhecia, sabia que poderia desencadear essa
conduta, que acabou tirando-lhe a vida. Então, ela possuía esta propensão de ser vítima, como
efetivamente foi.


         Fechada a última das oito circunstâncias judiciais, vamos para a aplicação da pena-
base. Sempre considerei, como disse, a culpabilidade como um fator decisivo para majorar ou
20




minorar a pena a partir do mínimo, mas sempre na idéia de proporcionalidade e
preponderância. Por exemplo: são oito circunstâncias, e se o sujeito tiver cinco favoráveis e
três desfavoráveis, terá duas favoráveis. Logo, a pena dele deve-se aproximar do mínimo.


             Entretanto, há duas vertentes que talvez vocês já conheçam ou tenham ouvido falar:
a figura do termo médio e o termo médio do médio. Sobre isso, recomendo a leitura de um
trabalho do Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, publicado na Revista da AJURIS21.


             Ainda assim, alguns sustentam a impossibilidade de a aplicação da pena-base ficar
ao alvedrio do julgador, com a utilização de seu poder discricionário. Afinal, quem é esse Juiz
que vai estabelecer o cálculo da pena-base? Se ele for um reacionário, a pena vai subir; se ele
for um alternativo, a pena vai ficar no mínimo, ou abaixo. Então, para evitar esses arroubos ou
arbitrariedades do Juiz, o excessivo poder discricionário do Juiz, vamos utilizar um cálculo
matemático.


             Por primeiro, vamos fazer o cálculo a partir do termo médio, que é a soma do
máximo e do mínimo da pena. Cogitemos de um homicídio doloso simples. O cálculo seria o
seguinte: seis mais vinte, vinte e seis, dividido por dois, treze. Pegamos o resultado e fazemos
a subtração do mínimo da pena, que é seis. Sobram sete, que se dividem por oito
circunstâncias judiciais, chegando-se ao cálculo de dez meses e cinco dias, aproximadamente,
por cada uma das circunstâncias do art. 59.


             Um colega, numa sentença daqui do Rio Grande do Sul, aplicou o termo médio do
médio: somou os treze aos seis, igual a dezenove, dividiu por dois, resultado nove anos e seis
meses, que, diminuídos de seis, resulta três anos e seis meses, divididos por oito
circunstâncias alcançaria em torno de seis meses por cada uma delas.


             Entretanto, elaborado o cálculo a partir de tais variáveis, aqui trazidas apenas para
ilustrar a preocupação do julgador na individualização da pena, qual o sentido de apostarmos
na capacidade intelectual, na consciência e no poder discricionário do Juiz. Mais, embora não
sejam vedados, tais cálculos não cogitados pelo legislador, não estando o magistrado obrigado
a realizá-los para o estabelecer da pena-base.


21
     Revista da AJURIS n.79, 213-240.
21




         O que poderia ser razoável, então? O réu, por exemplo, num homicídio simples, sai
seis anos. Essa é a pena dele. Se houver uma preponderância entre as circunstâncias judiciais
desfavoráveis ao réu, essa pena afasta-se do mínimo; se for favorável ao réu, pode ficar bem
perto do mínimo, ou neste. Esse é o contexto de valoração, nenhum outro. Não existe termo
médio.


         No STJ, parece-me que somente o Min. Cernicchiaro era partidário disso e já se
aposentou. Então, não existe um outro critério que não este da aposta na capacidade do Juiz.
O Juiz é pessoa intelectualmente preparada para estabelecer o cálculo de uma pena, é um
sujeito que estudou a vida inteira, fez um concurso público, passou por diversas comunidades,
certamente aprendeu, mas não se pode afastar, evidentemente, a pena deste poder
discricionário que é balizado pelo universo intelectual e pessoal do Juiz. Por isso existe
também a garantia do duplo grau de jurisdição. Se o Juiz errar, o Tribunal poderá consertar.


         Falei até agora dos critérios legais, e a questão da co-culpabilidade, merece, ou não,
ser considerada?


         Imaginemos colocar um Juiz americano aqui para aplicar a pena a um brasileiro que
cometeu um crime. O Juiz americano vive dentro de outra realidade. O seu País tem
educação, emprego e saúde para todos, tem uma ótima qualidade de vida, onde a pessoa
compra um apartamento, um automóvel e sabe o quanto vai pagar em toda a sua vida. Quer
dizer, são outras circunstâncias. Agora, imaginem um Juiz brasileiro aplicando uma pena a
um sujeito que não tem educação, saúde e emprego. Esse é só um lado da co-culpabilidade e
devemos considerá-la, igualmente, na execução da pena.


         Quando estabelecemos uma pena, vamos supor que chegamos a dezessete anos, num
cálculo frio do art. 59. Não merece o réu ser compensado por uma pena menor por aquilo que
o Estado, descumprindo o regramento constitucional, deixou de lhe alcançar? Por outro lado,
na execução da pena privativa de liberdade, o sistema garante ao réu seis metros quadrados.
Qual réu tem seis metros quadrados aqui no Estado? Nenhum. Os presos têm, no mínimo, dez,
doze, quinze direitos consagrados na Lei de Execução Penal. São alcançados efetivamente
esses direitos aos presos? Em São Paulo, por exemplo, a maioria dos réus condenados
cumprem a sua pena em delegacias.
22




         No meu entendimento, penso que tal questionamento deve passar pela valoração do
Juiz. Se nós, num sistema justo, devêssemos dar dezessete anos, alguma compensação deverá
ser acrescentada a partir da co-culpabilidade, que deve ser reconhecida. Nós precisamos
admitir que o Estado não cumpre as obrigações constitucionais, falhando em todos os níveis.


         O Desembargador Nereu Giacomoli, por exemplo, quando jurisdicionava a 1ª Vara
do Júri, 1º Juizado, recebeu uma carta do Diretor do Presídio Central, noticiando a
impossibilidade de o sistema garantir segurança a quem quer que fosse encontrado dentro do
presídio,sem falar do resto, que todo mundo sabe. Ninguém entra nas galerias quando eles lá
estão. O que nos mostram do Presídio é aquilo que podemos ver, o resto não vemos. Já que o
Estado não é responsável, não faz o que deveria fazer, podemos fechar os olhos para essa
realidade?


         Como, então, nós poderemos não considerar esses componentes, esquecendo esses
detalhes? Aquele ator, co-autor do homicídio de uma colega sua, atriz da Globo, ficou quatro
anos e oito meses preso, sem julgamento, para agradar a mídia, por exemplo. Preso numa cela
de delegacia em São Paulo, com quinhentos dentro de um pátio. Isso são fatos que estão
documentados, basta querer ler.


         Por outro lado, há mulheres estupradas e prole daí decorrente dentro do IPF. Se
mostrasse algumas fotos do IPF, que possuo, vocês não iriam acreditar - e as pessoas,
pasmem, lá estão para tratamento! O IPF, em passado recente, sofreu três processos de
interdição. Pessoas amarradas nas camas, lá fazendo suas necessidades, outras sendo
assassinadas dentro dos presídios e por internos do IPF.


         Em Osório, certa vez, foi colocado um andarilho dentro de uma cela destinada a
doentes mentais. A cela não tinha piso, era de chão batido, havia uma latrina de onde saíam
ratos e baratas, e o sujeito atirado no chão, embarrado, dormindo no chão. E não havia
praticado crime algum!


         Dentro do nosso contexto, não podemos mais fechar os olhos para essa realidade.
Sei que é difícil pensar assim, quando nós mesmos poderemos vir a ser vítimas, mas temos
que considerar aquilo que efetivamente o réu merece dentro de um sistema justo, e o nosso
23




sistema não é justo, é manifestamente injusto, e isso tem de passar na cabeça de quem vai
julgar.


           Retomando. O art. 59 tem de ser todo fundamentado dentro da realidade apurada no
processo, a partir do fato praticado e de acordo com as características do imputado. Pelo que
já foi dito, não há dúvida a respeito das dificuldades na avaliação da personalidade e da
culpabilidade, mas independentemente disso, a pena deverá ser justa e necessária para a
reprovação e prevenção do crime.


           Isso nos traz a idéia da proporcionalidade, e, dentro da proporcionalidade, não
podemos afastar outros componentes exógenos, que estão fora dessas circunstâncias. Não se
pode fugir da realidade. Eu diria que é mais fácil fugir à realidade do que seguir outro
caminho.


           De outra banda, nas questões relacionadas com o mal injusto, cometido pelo
delinqüente, por um tempo, Beccaria sugeriu um limite para o Juiz. Entretanto, ao depois
foram ver que não adiantava, que o melhor era não ter um limite definido. Então, entre não ter
e ter limite, o melhor é entregar para quem tem algum conhecimento decidir, porque, se for
para engessar o Juiz, qual seria a razão de sua existência e previsão? É só colocar os vetores
num computador e pronto.


           Tenho dezoito anos de experiência como magistrado. Antes, quando fui Secretário
do Desembargador Cristovan Daiello Moreira, julgava-se trezentos processos por ano; hoje,
no mesmo período, julgam-se dois mil processos no Cível. Por isso, nas questões dos juros
bancários e das inscrições indevidas no CADIN, SERASA e SPC, já existe acórdão
padronizando o entendimento, mas, no crime, não há padrão, é um por um, e por isso são
cerca de quinhentos processos ou mais, por ano, para cada um, quase dois processos por dia.
O carro-chefe do Tribunal, no Cível, são os processos sobre juros bancários, cartão de crédito.
Constrói-se uma tese e se sustenta, mas, no Crime, não há essa facilidade.


           Voltando ao que eu estava dizendo, por um tempo, pensou-se em se estabelecer um
limite, mas, depois, chegou-se à conclusão de que não se poderia engessar quem deve decidir,
daí a necessidade de se apostar no poder discricionário do Juiz e dar-lhe elementos.
24




             Como se estabelece a pena provisória? A partir do cálculo das circunstâncias
agravantes e atenuantes. Sobre as agravantes, vou falar somente na reincidência, tema
manifestamente polêmico.Acredito existirem quatro posicionamentos a respeito. O primeiro é
o legal, que refere a reincidência como uma agravante. O art. 67, do CP, diz que
preponderarão, dentre as circunstâncias agravantes e atenuantes, aquelas relacionadas com a
reincidência, com a personalidade e com a motivação do crime. A reincidência traz
conseqüências nefastas para o agente que comete um crime. Este é o posicionamento legal, se
o sujeito praticou um crime, depois de ser condenado no espaço de cinco anos, é reincidente,
e, como reincidente, ele já vai direto para o regime fechado quando pratica um crime em que
não seja aplicada a pena de multa ou detenção.


             O segundo posicionamento - parece-me que Lênio Streck fala disso -, aponta para a
inconstitucionalidade, pois estaria caracterizado o bis in idem, já que é utilizada uma
condenação anterior, em que já houve uma punição, para punir novamente o agente. Haveria
uma inconstitucionalidade. Por outro lado, parece-me que o Des. Amilton Bueno de Carvalho
desconsidera a reincidência, razão da co-culpabilidade do Estado, indagando até que ponto o
Estado é responsável pela reincidência do criminoso. Por fim, Aramis Nassif, em artigo
publicado na Revista da Ajuris de setembro de 2001, Tomo I, justifica a necessidade de um
novo paradigma para a reincidência.


             Ilustrando: o percentual de reincidência, hoje, é em torno de 73%.


             Particularmente, penso que é muita discussão para pouco resultado. Acredito não
valer a pena, a não ser do ponto de vista filosófico, sociológico e antropológico, discutir esse
assunto, pois a reincidência sempre corresponderá a um percentual pequeno, não definido
legalmente, em relação à pena -, por exemplo, ao homicídio qualificado de doze anos, no
máximo, seria agregado um valor correspondente a oito, seis, cinco, quatro meses. A lei,
como se disse, não estabelece padrão de valor, está na cabeça do Juiz julgar a quantidade da
pena aumentada pela reincidência. Se ele for consciente, vai aumentar pouco, então, por que
discutir?
             Impressionam-me,       entretanto,    os   argumentos   daqueles     que   utilizam   a
inconstitucionalidade para criticar a reincidência. Na verdade, efetivamente, a reincidência
prejudica o réu em todos os fatos da sua vida dentro do sistema penal. O Nucci 22 alinhava
22
     NUCCI, Guilherme de Souza. Obra Citada. p. 263.
25




mais de vinte conseqüências da reincidência. Então, seria manifesto bis in idem, por isso
haveria a inconstitucionalidade, mas é correto lembrar que o STF já adotou posicionamento
contrário a esta tese.


          Dentro das atenuantes, temos entendimentos que permitem a diminuição da pena
abaixo do mínimo uma vez presente determinadas figuras. A menoridade e a confissão
espontânea, são as que me recordo agora que autorizariam a redução da pena abaixo do
mínimo legal.


          A doutrina majoritária sustenta que, por uma circunstância atenuante, é impossível
reduzir abaixo do mínimo. Alguns afirmam não haver tal vedação, porque a lei não repetiu na
reforma o que estava consagrado no Código Penal de 1940. Havia um artigo que dizia que a
pena jamais poderia ser reduzida ao mínimo. Há decisões do STF neste sentido. De qualquer
forma, alguns sustentam que a pena pode ser reduzida do mínimo por essas circunstâncias
atenuantes, embora a maioria da doutrina não admita essa hipótese. O referido artigo foi
subtraído, mas entendo não ser necessário dizer-se o óbvio, ou seja, mínimo é mínimo e
máximo é máximo.


          Um outro fator que merece ser considerado nesta discussão é onde está escrito tenha
o réu o direito subjetivo de ter a pena fixada no mínimo, se a avaliação do art. 59 lhe for
favorável? Em lugar nenhum. Mas há doutrina e jurisprudência que admitem. Penso ser
difícil sustentar a pena abaixo do mínimo por atenuante, mas há pessoas que pensam diferente
em relação à possibilidade de redução nas atenuantes da menoridade e da confissão
espontânea.


          Aconselho que vocês leiam acórdãos de nosso Tribunal, em que há o
reconhecimento dessa possibilidade. Sou simpático à idéia, mas não me convenci ainda dos
argumentos para admitir esta hipótese. Para mim continua valendo a regra de que máximo é
máximo e mínimo é mínimo, e, se o réu possui todas as circunstâncias favoráveis, mínimo.


          Por exemplo, o sujeito é reincidente e tem a confissão espontânea em seu favor,
agrega-se “x” pela reincidência e diminui-se de “y” pela confissão espontânea , sobrou “l”. Eu
sempre colocava na sentença “fixo a pena em seis anos, já considerada em favor do acusado a
26




atenuante da menoridade”, por exemplo. Não é a melhor técnica, mas admite-se, desde que
justificado.


             Num concurso público para a Magistratura, fazendo de conta que a prova vale 100,
40% dessa prova são os requisitos formais, que devem ser obedecidos. Dentre os requisitos
formais, na aplicação da pena, vocês terão que passar por isso.


             Por fim, como se calcula a pena definitiva? A partir das causas de aumento e de
diminuição, sempre optando, como diz a lei, pela que mais aumente ou diminua. Aí, sim,
passa a ser um exercício meramente matemático, mas devemos considerar, no mais das vezes,
a valoração feita dos art. 59, 61 e 65, do CP, para dimensionar tais circunstâncias. Há livros
que dizem isto (o Nucci, por exemplo)23, mas o Juiz não se separa do art. 59, durante toda a
fixação da pena, salvo algumas circunstâncias, como no caso da tentativa, em que, quanto
mais perto o réu estiver do crime, menor a diminuição, quanto mais distante, maior a
diminuição.


             Para finalizar, é importante registrar que os mesmo critérios utilizados pelo juiz para
a fixação da pena, irão determinar a escolha do regime de encarceramento e as substituições
por PRDs (penas restritivas de direito) e a multa, sendo que, nesta última, deverá ser agregada
à regra insculpida no artigo 60, § 2º, do CP.


             Muito obrigado pela atenção.


             PLATÉIA – Na questão dos antecedentes, o réu não tem bons antecedentes ou maus
antecedentes? Ou é antecedente ou não é?


             DES. MÁRIO ROCHA LOPES FILHO – Entendo assim: em nome da presunção
de inocência, sem decisão condenatória transitada em julgado, não há antecedentes.
             Se o sujeito responde a um processo, ele pode ser absolvido, isso faz parte da regra
do jogo. Como isso pode pesar contra ele para ter maus antecedentes? Quer dizer que, se ele
for absolvido, são bons antecedentes? E se ele for absolvido no art. 386, inc. VI? Li esses dias
isso, se não me engano no César Bitencourt. Nada a ver, porque, se ele foi absolvido, não
poderá ser julgado novamente pelo mesmo fato. Então, como isso vai pesar contra ele? Até
23
     NUCCI, Guilherme de Souza. Obra Citada. p. 274.
27




ser absolvido, pesa contra ele; quando ele for absolvido, não pesa mais? Penso que o caminho
mais justo, a partir da regra da presunção de inocência, como garantia constitucional do
cidadão, é que não pode valer nada, a não ser o que derive de sentença condenatória transitada
em julgado. Fique claro que jamais majoraria uma pena-base pelo fato de alguém responder a
um processo.


         PLATÉIA – E se ele tem vários registros de antecedentes, mas ainda não transitou
em julgado, e se todas as demais circunstâncias do art. 59 são favoráveis?


         DES. MÁRIO ROCHA LOPES FILHO – Pena mínima ou aproximada do
mínimo; para mim, não haveria antecedentes. Certa vez, na Turma Recursal, apareceu um
sujeito que possuía em torno de quinze antecedentes policiais, tudo por ameaça, vias de fato e
lesão corporal. Nunca foi processado. Como é que ele poderia ter antecedentes? Isso em
relação à pena. Como posso considerar isso para penalizá-lo? No meu entendimento, fica
difícil. Ele jamais foi julgado, extinguiu-se a punibilidade de todos os fatos, como pode pesar
contra ele? Como eu poderia pesar na personalidade isso? E será que ele não se defendeu, não
foi agredido? Não se sabe, porque ele não foi processado. Sustento que fica difícil, porque,
junto com a presunção de inocência, temos outras três garantias, que são os pilares do
processo penal: o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. Sem isso não há
processo. Então, vou valorar algumas informações colhidas no sistema inquisitorial, em que o
sujeito não possui defesa? Não faz sentido.
         No caso acima referido, parece-me que o Promotor negou-se a oferecer a transação
penal, reconhecendo as anotações policiais como antecedentes. Para mim isso não são
antecedentes; só podem ser considerados antecedentes os judicializados, condenação
transitada em julgado.
         O pensamento contrário, ou seja, no sentido de considerar tudo da vida dele, a
maioria considera, mas, no meu ponto de vista, isso não pode pesar, sob pena de se cometer
uma injustiça. São meros registros policiais que hoje dariam quinze processos no Juizado
Especial Criminal. Como se poderia fazer essa valoração de personalidade? Por um registro
policial? Não posso. Se já é difícil em juízo, imaginem por um registro policial. Quem vai
informar, por exemplo, se o sujeito é perigoso? As testemunhas do processo, não os
antecedentes. Como no caso específico daquele sujeito que, de manhã, era ótimo e, à noite,
era um azougue. São personalidades esquizofrênicas, ninguém pode viver entre o bem e o
mal, com esse comportamento maniqueísta permanentemente. Mas há quem considere.
28




             Um Juiz de determinado Estado, num desses encontros do Juizado Especial, disse o
seguinte: “Lá na minha cidade, antes de fazer a audiência no juizado especial, mando prender
o sujeito para ele sentir como é importante o que ele fez. Solto ele na transação penal”. Quem
tem que ser preso é o Juiz, que usa o poder que tem para ser arbitrário. Ele queria propor,
como regra, a prisão preliminar no Juizado Especial, que é justamente para não punir com
pena de prisão.


             PLATÉIA – Mas no caso de diminuição, sim, pode ficar aquém do mínimo?


             DES. MÁRIO ROCHA LOPES FILHO – Na pena definitiva, sim. A pena igual
ao mínimo ou superior ao mínimo vai até a pena provisória, como regra. Há alguns que
sustentam ser possível, porque a menoridade é uma circunstância atenuante, que prepondera
sobre toda e qualquer outra, a confissão espontânea a partir de uma lei - parece-me que a Lei
da Tortura já foi supervalorizada, a partir da delação premiada, como dizem.
             De qualquer forma, sem dúvida alguma, só a partir das causas especiais ou genéricas
de diminuição de pena é que se reduz ao mínimo a pena, não existindo outra hipótese.
             Se vocês seguirem tranqüilamente o que a lei diz no art. 68, vocês jamais irão errar.
Outro aspecto: toda a aplicação da pena, sendo o direito constitucional do réu nesse sentido,
deve ser manifestamente fundamentada, porque o réu tem o direito de saber por que recebeu
aquela quantidade de pena e o regime de pena imposto na sentença. Isso é uma
obrigatoriedade estabelecida especialmente a partir de 1988, ou seja, a individualização da
pena, sua motivação, é um direito constitucional do apenado. Observem: não é um favor, é
um direito. Agradeço a pergunta para poder esclarecer melhor o significado de tal princípio.
             O César Bitencourt24 é tão severo em relação a isso, que ele diz que, mesmo que o
Juiz estabeleça a pena no mínimo legal, e não fundamente, anula a sentença, porque violaria o
princípio da acusação, do direito de acusar do Estado. Então, se não fundamenta para que o
réu saiba por que foi condenado, beneficiando o réu com a pena mínima, estará violando o
direito do Estado, que é de todos nós, de saber por que aplicou aquela pena. Viola o princípio
da acusação. Há uma complexidade nesse tema.
             Essas variantes que foram trazidas pelos que pensam o Direito Penal mais liberal,
mais democrático, agregando-se ao réu um dimensionamento menor de pena em nome de
outras circunstâncias que caracterizam a co-culpabilidade, que envolvem aspectos que nos
interessam profundamente e que estimulam várias discussões.
24
     BITENCOURT, César. Manual de Direito Penal. [s.l]: Saraiva, 2003.
29




            Espero que vocês pensem assim, pois através da crítica construtiva que se faz em
cima de um determinado tema, é possível chegarmos a uma solução melhor para o futuro. Não
pode uma circunscrição jurisdicional pensar de um jeito, e os outros só criticarem. Pensam de
forma diferente, mas não criam, não constroem nada, nem estabelecem um debate possível de
levar o Direito Penal a melhores dias. É muito mais fácil criticar do que construir uma
hipótese.
            Quando falamos de Direito Penal na faculdade, fazemos referência à 5ª Câmara,
porque ela passa a limpo a discussão do Direito Penal em alguns assuntos que são dogmas.
Isso é interessante, porque nos motiva a repensar o sistema. É fácil dizer que a pena mínima
não pode baixar do mínimo até a pena definitiva, sustenta-se isso com a lei, com a maior parte
da doutrina. Mas por que não? Será que não seria razoável, quando o réu tiver direito à pena
mínima, com a avaliação favorável do art. 59 e ainda tiver duas atenuantes daquelas já
referidas? Às vezes, o sujeito é menor e confessa espontaneamente. Vai-se dar a mínima para
ele? Não poderia reduzir um pouquinho? Por que não? Temos que pensar a partir daí.
Estamos justificados a dizer que não, mas por que não? Essa indagação é pertinente para nos
levar a um entendimento superior, melhorar a avaliação sobre o sistema punitivo.
            O nosso Direito Penal, tenho dito na faculdade, é pífio. No Brasil, só vai para a
cadeia quem tem mesmo de ir para a cadeia. Não vai ladrão de galinha para a cadeia, porque
hoje se suspende a pena, pena mínima igual a um ano, suspensão condicional do processo.
Pena superior a um ano, até quatro, se não for crime cometido com violência ou grave
ameaça, é possível se substituir por PRD – Pena Restritiva de Direitos. Se não é isso, é o
Juizado Especial Criminal. Quer dizer, o sujeito só vai para a cadeia no Brasil por homicídio,
latrocínio, estupro, tráfico de entorpecentes, dentre outras infrações de igual relevância, ou na
reincidência, valendo aqui a crítica feita acima.
            Mas observem o seguinte caso: uma senhora, com 70 anos, acusada de tráfico de
entorpecentes, que tinha em casa quatro netos e dois filhos, seis pessoas para sustentar. Ela
passou a vida inteira fazendo faxina, tinha atrite em quase todos os dedos da mão, e me disse:
“Olha, doutor, se o senhor me der um emprego, eu trabalho, porque eu tenho seis pessoas pra
sustentar, e o homem lá me disse que, ‘se a senhora só entregar na porta da sua casa, quando
vierem bater, a senhora vai receber, líquido, por mês, R$ 1.200,00’”. O que ela vai fazer? E
nós, vamos colocar essa senhora, com seis pessoas para sustentar dentro da sua casa, na
cadeia, com regime integralmente fechado? Resolve o problema da sociedade? Vocês acham
que pobre usa droga? O maior consumo de drogas está na classe média para cima. Pobre não
tem dinheiro para comprar, é muito caro, a não ser que furte.
30




         Nesse caso, será que resolveria a pena no regime integralmente fechado? É crime
hediondo? Jogar uma senhora de 70 anos na Penitenciária Madre Pelletier? Dos seis, ela
ficaria quatro anos lá dentro? E o Estado vai cuidar dos filhos, dos netos dela? Não vai. Então,
ao invés de nos preocuparmos com um, vamos nos preocupar com os seis que vão ficar do
lado de fora esperando o momento de fazer, quem sabe, a mesma coisa.
         Essa é a nossa realidade, é esse o contexto que vocês não poderão esquecer, e aí
reside a responsabilidade do Estado. Claro que vocês podem pensar diferente, é até mais
cômodo pensar diferente, porque assim não se tem responsabilidade nenhuma sobre nada.
         Para encerrar, vou contar um episódio que aconteceu em Carlos Barbosa, para verem
como a criatura humana é capaz de surpreender. Determinado dia, um sujeito foi interrogado
acusado de tentativa de homicídio – ele teria tentado jogar o seu caminhão em cima de uma
pessoa que estava ajoelhada na frente do veículo – . O réu disse:




                               Doutor, eu não fiz nada disso, ao contrário, ele se ajoelhou na frente do
                               caminhão e pediu que eu passasse por cima dele. Eu não queria, ele nem
                               merecia que eu passasse por cima dele, ele não vale nada, eu ia estragar o
                               meu caminhão passando por cima daquele ordinário. Isso é mentira, eu não
                               tentei matar ninguém.




         Ouve-se a primeira versão e pensa-se que quase todos os réus mentem. Aí vem a
vítima e diz: “Doutor, efetivamente ele não tentou me matar, eu implorei que ele passasse
com o caminhão por cima de mim”. Eu pensei, “estão loucos, vou mandá-los para um
psiquiatra”.
         Qual seria o antecedente? O acusado havia tirado da vida fácil (?) uma mulher,
construiu outra com ela, deu-lhe um bar para explorar, e, quando ele viajava, ela recebia as
pessoas atrás do bar, num quartinho com uma cortina. Ninguém sabia disso, e esse, que era
amigo íntimo dele, um dia serviu-se da mulher do sujeito. O que ela dava por dinheiro, passou
a dar por prazer. Necessária se tornou a inquirição da esposa do réu. Ela foi e levou junto uma
folhinha de papel com firma reconhecida e disse: “Doutor, é verdade o que ele disse. Tudo
aconteceu porque eu fiquei com ele. Vou provar com esse documento, que levei no cartório, a
pedido do meu marido, pra ele poder voltar a ter uma boa convivência comigo. Eu tinha que
dizer pra ele com quem eu tinha ficado enquanto ele viajava”. Então, ela fez um quadro e
escreveu “o japonês da quitanda, o alemão do fusca vermelho, etc.”. Todos com quem ela
31




havia ficado, além dos dias estavam registrados naquele papel, e ela foi ao cartório reconhecer
firma de que aquilo era verdade. Essa foi a condição para recebê-la de volta.
         Mandei arquivar o processo, com a anuência do Ministério Público, e fui para a
janela assistir eles saírem numa Belina II, ele dirigindo e ela com a mão na cabeça dele.
Nunca vou esquecer aquela cena!
         Por isso, essa questão da criatura humana é complicada, temos que entender que é
assim em todos os sentidos, quem julga, quem pratica o crime, a vítima, tudo que circunda o
fato.
         Claro que há pessoas com algum problema, são bandidos mesmo. Ninguém me
convenceria do contrário. Pode-se descobrir que são filhos de pai desconhecido, a mãe se
prostituía, mas não é uma constante. Alguns podem delinqüir em razão dessas circunstâncias,
a maioria pratica crimes por isso, mas nem todos. Mas há pessoas com essa índole, é quase
uma patologia. Interessaria ao Direito Penal?


         Como não há mais perguntas, reitero ter sido uma satisfação ter estado por aqui,
nesta manhã, e estarei disponível para qualquer outra informação que, eventualmente, vierem
a necessitar.


         Muito obrigado.


         (DEGRAVAÇÃO E REVISÃO REALIZADAS PELO DEPARTAMENTO DE
TAQUIGRAFIA E ESTENOTIPIA DO TJ/RS)




                           REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



BITENCOURT, César. Manual de Direito Penal. [s.l]: Saraiva, 2003.
32




BOSCHI, José Antonio Paganella. Das Penas e Seus Critérios de Aplicação. 2 ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

CARVALHO, Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo, 2 ed. [s.l]: Lumen Juris, 2002.

COUTURE, Eduardo. Introdução ao Estudo do Processo Civil. [s.l]: José Konfino Editor,
1951.

DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998.

FUNES, Mariano Ruiz. A Crise nas Prisões. São Paulo: Saraiva, 1953.

LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. v. II, Revista Forense, 1955.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003.

REALE JUNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal. Parte Geral. v. I. Rio de Janeiro:
Forense, 2002.

TOLEDO, Francisco de Assis. Revista Jurídica Consulex, Ano III, v. I, n. 26, p. 34.

REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal. [s.l]: Forense, 2003.

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Aplicação da pena palestra

  • 1. 1 DES. MÁRIO ROCHA LOPES FILHO – Certamente uma manhã será pouco para falar deste assunto, extremamente tormentoso e cada vez mais preocupante, relacionado com a aplicação da pena. Disse tormentoso, por exemplo, por competir ao juiz, sem conhecimento nenhum de psicologia ou psiquiatria, avaliar, dentre as circunstâncias judiciais, aquelas relacionadas com a personalidade do agente, sua culpabilidade, sua conduta social, especialmente. É bom lembrar, igualmente, ter vindo aqui, neste dia, para apresentar este tema polêmico, por óbvio sem a pretensão de esgotar o assunto, esperando, apenas, contribuir, de alguma forma, para o aprendizado dos senhores e senhoras, permitindo-me ressaltar o fato de ser um privilégio estar aqui neste dia e falar de um assunto que gosto muito para tão seleta platéia. 1 BREVÍSSIMO HISTÓRICO De início, gostaria de registrar que a história da pena, em tempos imemoriais e antigos, teve sua existência modelada por totens e tabus, com contornos místicos, enquanto os diversos castigos corporais até a morte, traduziam as expressões cruentas de defesa e da vingança. Segundo René Ariel Dotti1 o infrator também poderia ser condenado à perda da paz que se caracterizava pela expulsão do clã e a impossibilidade de sobrevivência diante das forças hostis da natureza, da agressão dos animais ou da dificuldade na colheita de alimentos. A idéia da pena como instituição de garantia foi obtendo disciplina através da evolução política da comunidade e determinada autoridade recebia o poder de castigar em nome dos súditos. Surgiu a chamada pena pública, impregnada de vingança, que penetra no seio e costumes sociais procurando alcançar a proporcionalidade (anotem, esta é uma palavra mágica no contexto da aplicação da pena) através das formas do talião e da composição. A expulsão foi substituída pela morte, mutilação, banimento temporário ou perdimento de bens2. A pena de prisão, como conhecemos, não havia naquela época. O recolhimento ao cárcere, no mais das vezes, se dava antes do julgamento (mal comparando, seria uma espécie 1 DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 31. 2 Ibidem. p. 31.
  • 2. 2 de prisão preventiva sem a perspectiva da liberdade) e, fundamentalmente, para garantir a execução das penas corporais, especialmente a de morte, ou mesmo para fomentar a confissão mediante tortura. Já na Idade Média, como ponto de partida para os nossos dias, predominavam as penas corporais, com as ofensas sendo respondidas pela vingança de sangue ou perda da paz, que foram gradativamente substituídas pela compositio. Segundo Mariano Ruiz Funes3, o cárcere, como instrumento corporal de castigo, foi introduzido pelo Direito Canônico, posto que, pelo sofrimento e solidão, ‘a alma do homem se depura e purga o pecado’. A pena como instrumento de terror, quando o condenado, antes da execução, falava para abominar o seu crime, momento assistido pelo povo, em praça pública, onde até mesmo encenação da execução era feita pelos assistentes, era aplicada com arbítrio judicial, e o Juiz, naquela época, era um servidor da Coroa, manipulado pelo representante do clero. Então, não raras vezes, as penas iam muito além do mal cometido, não havendo limites para a sanção penal. Naquele período de evolução social, o sujeito sofria a pena, que era aplicada nos cárceres - como se disse - muito antes de ser julgado, nas torturas que eram infligidas ao possível criminoso. Numa das formas de tortura, ele era queimado inteiro em cima de uma cama, com uma vela; depois, introduziam nas suas unhas uma cunha molhada de óleo e as incendiavam. Naquela circunstância, o sujeito, se não era o criminoso, tornava-se o criminoso, porque confessava de qualquer forma. Como no filme Coração Valente, a Igreja estava do lado do Rei, de Deus, a justiça sempre era divina, e o sujeito era executado em praça pública - como foi Tiradentes aqui no Brasil, esquartejado - e seus pedaços esparramados pelo mundo afora de dominação daqueles povos, para mostrar a severidade para aqueles que contrariavam as leis daquela época. A primeira reação que houve foi estabelecer uma pena fixa, o que significava o mal justo pelo mal injusto cometido pelo delinqüente. Esta foi a primeira medida para a evolução do sistema, merecendo o registro, ainda, que, através da mudança das estruturas sociais do século XVI, compelida por força dos descobrimentos marítimos, da expansão colonial das potências européias e o surgimento da idéia de lucro e do acúmulo de riqueza material, a pena de morte passou a ser substituída pela pena de trabalhos forçados, inclusive nas galeras. 3 FUNES, Mariano Ruiz. A Crise nas Prisões. São Paulo: Saraiva, 1953. p. 63.
  • 3. 3 Antes do Iluminismo, havia o excessivo arbítrio do Juiz na fixação da pena, e nada disso surgiu de um universo consciente do legislador da época – isto é minha paranóia que informa – mas de uma manifesta necessidade, pois, na Europa, naquele período, um quarto da população era criminosa. Então, diante da necessidade de preservação da espécie, transformou-se o sistema, aplicando penas mais justas, na busca de uma proporcionalidade. Significativa, no contexto, foi a obra do frei beneditino Jean Mabillon, datada do século XVII, como um protesto contra as agruras impostas como penitência, sugerindo trabalho, melhor higiene e a regulamentação de visitas e foi o primeiro a usar a palavra proporcionalidade, ou seja, a pena deveria ser proporcional ao mal cometido. Também em Roma, como referência histórica importante, Júlio Claro e Próspero Farinacio, entre 1500 e 1600, foram os primeiros a falar em crime continuado, porque, naquela época, o sujeito que praticasse o terceiro furto era executado. Para eles, várias condutas com periodicidade e padrão de execução constituiriam apenas uma infração, daí o crime continuado.4 Retomando, o objetivo, então, a partir de Beccaria e do Iluminismo, foi a limitação do excessivo arbítrio judicial, pois o Juiz, em nome de Deus ou do Rei, era o dono da pena. Provém do Código Penal Francês de 1810 a idéia de fixação da pena em seus limites mínimos e máximos. Não havia, até 1810, o mínimo e o máximo da pena, regramento hoje utilizado para a fixação da pena. Essa concepção do Código Francês foi ponto de partida para todas as legislações modernas. Apenas para não deixar passar in albis, na experiência brasileira, passamos pelo período Imperial, pela Primeira e Segunda República, pelo Estado Novo, pelo período revolucionário e, a partir de 1940, pela reforma do Código Penal, e hoje temos uma nova legislação iniciada, especialmente, a partir de 1984. Assim, vencida a brevíssima introdução histórica, passamos ao tema da palestra, que trata da aplicação da pena, permitindo-me fazer sucinto comentário a respeito da figura do 4 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 280.
  • 4. 4 julgador, a quem compete, através da utilização de seu poder discricionário, fixar a pena justa por eventual infração cometida. De início, registra-se, que a bíblia do magistrado é o Código Penal e, no referente à aplicação da pena, os artigos 68, 59, 61, 65 e 66, do referido diploma legal. 2 A INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA 2.1 O juiz É importante seja dito, ab initio, ser relevante a questão que será aventada, pois, embora todos os manuais de doutrina pretendam indicar ou sugerir uma forma pela qual se chega à pena definitiva do cidadão, condenado por uma infração penal, nenhum deles, a par dos critérios subjetivos elencados no artigo 59, agregado ao artigo 68, ambos do Código Penal, faz referência de qualquer outra orientação que não seja o mínimo e o máximo da pena cominada. Este cálculo é feito sempre pelo juiz, a quem é incumbida a tarefa de não somente julgar o agente, como aplicar a pena e, nos casos específicos do júri popular, quando condenado o acusado, aplicar tão somente a pena. O problema é determinar quais os critérios que devem ser utilizados pelo magistrado, que não estão estabelecidos na lei e são extraídos, via de regra, da consciência do magistrado que, como toda e qualquer pessoa, pode ou não sofrer influências para o exercício desse juízo de valor. Quem é esse juiz? Quais são seus princípios? Quais são seus critérios? Estará ele plenamente adequado ao seu tempo?
  • 5. 5 É necessário fique determinado, desde logo, que tipo de juiz seria o ideal para, representando o Estado e a sociedade, decidir a respeito de qual pena mereça, na realidade, o imputado. Para isso, permito-me invocar, por pertinente, a lição de Roberto Lyra5, Pelo Código foram conferidas as maiores responsabilidades, no exercício de individualização, ao juiz, delegou-lhe o legislador, avisadamente, um arbítrio, prudente e relativo, como deve ser todo arbítrio, ditando normas taxativas para limitá-lo e conduzi-lo, no caso concreto. O arbítrio judicial é o pressuposto das mais elementares concepções do período científico do direito penal: mesmo confinando o problema ao aspecto individual, não tem mais sentido o aforismo de BACON; “optima est lex quae minima reliquit ad arbitrium judicis: optimus judez qui minimu sibi”. Quando a Justiça refletia o absolutismo e os juízes eram apenas carrascos a serviço da mais ingnóbil tirania, não se podia, sequer, falar em julgamento, porque os magistrados estavam, por sua vez, submetidos à força. Então, ótima era a lei que menos arbítrio deixava ao juiz e ótimo o juiz que menos arbítrio se permitia. Enquanto se mantiver, com a seleção moral e intelectual, a independência da magistratura, o arbítrio judicial, regulado cautelosamente, como fez o Código, só poderá ser salutar. Quando desaparecer aquela condição vital, não haverá juízes, e sim, funcionários sujeitos ao automatismo da violência ilegítima. Então, não se cogitará de ordem jurídica e de seus fenômenos. Com a liberdade dos juízes responsáveis, em atenção à realidade integral de cada homem e de cada fato, dentro do meio, obtém-se o máximo da eqüidade. Deve-se assinalar que, assim, o juiz não atua ex informata conscientia, mas de acordo com as normas processuais que o arbítrio judicial supõe exigentes e religiosamente obedecidas. A rigor, há arbítrio na lei, no seu apriorismo, na sua abstração, na sua dureza. Nas mãos dos juízes, o texto deixa de ser arbitrário, humanizando-se, sensibilizando-se, adaptando-se à vida e à personalidade de cada homem. Portanto, é a lei que renuncia ao seu egoísmo e vai palpitar, ao ritmo flagrante do convívio social, através da toga. Os mandamentos legais são frios e autoritários. Para o homicídio – de 12 a 30 anos. Por que? Para que? coma liberdade dos juízes responsáveis, não somente em atenção às circunstâncias convencionalmente enumeradas, e sim à realidade integral de cada homem e de cada fato, dentro do meio, obtém-se o máximo de eqüidade, isto é, uma defesa social coincidente, justaposta. A função judicial rompe as grades do automatismo obscuro e rotineiro que, antes dos réus, prendiam a consciência de seus julgadores. Destrói-se a velha máquina de fabricar justiça, através da igualdade iníqua de um tratamento de superfície, de aparência, de quantidade. O arbítrio judicial constituíra o melhor instrumento de comunhão entre o direito penal e a ciência penal. Incumbe ao juiz, no exercício desse arbítrio, transfundir nos textos o sangue sempre renovado da sociologia, da antropologia e da psicologia criminais. 5 LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. v. II, Revista Forense, 1955. p. 175/177.
  • 6. 6 Apenas para não deixar passar in albis, é importante registrar a manifesta atualidade do pensamento de Roberto Lyra, quando fala dos juízes responsáveis, da necessária humanização da decisão judicial e sua vinculação com a interdisciplinariedade. De ressaltar, ainda, para dimensionar a figura do magistrado, o que dissera Couture no discurso feito em Paris, em 19476. O juiz é um homem que se move dentro do direito como o prisioneiro dentro de seu cárcere. Tem liberdade para mover-se e nisso atua sua vontade; o direito, entretanto, lhe fixa limites muito estreitos, que não podem ser ultrapassados. O importante, o grave, o verdadeiramente transcendental do direito não está no cárcere, isto é, nos limites, mas no próprio homem. A Suprema Corte dos Estados Unidos da América do Norte, em uma de suas máximas lapidares, disse que “a Constituição é aquilo que os juízes dizem que ela é”. Essa máxima contém o excesso de todas as teorias voluntaristas do direito. Não se lhe pode negar, contudo, profundo conteúdo de realidade vital. E se isso é assim, se o direito é “o que os juízes dizem que é”, como poderemos dispensar o juiz, como elemento necessário, na criação e produção do direito: como poderemos separar a decisão do juiz de seus impulsos, de suas ambições, de suas paixões, de suas debilidades de homem? O direito pode criar um sistema perfeito, no tocante à justiça; mas se esse sistema for aplicado, em última instância, por homens, o direito valerá o que valham esses homens. O juiz é uma partícula de substância humana que vive e se move dentro do processo. E se essa partícula de substância humana tem dignidade e hierarquia espiritual, o direito terá dignidade e hierarquia espiritual. Mas se o juiz, como homem, cede ante suas debilidades, o direito cederá em sua última e definitiva revelação. Um dos grandes dramas do nacional-socialismo foi o de criar uma doutrina autoritária do direito e de ter feito do juiz o “Führer” do processo. E a experiência jurídica, dizendo o mínimo, declarou que essa concepção era trágica, não porque o sistema fosse manejado pelos homens, mas porque os homens eram manejados pelo sistema. Da dignidade do juiz depende a dignidade do direito. O direito valerá, em um país e um momento histórico determinados, o que valham os juízes como homens. O dia em que os juízes tiverem medo, nenhum cidadão poderá dormir tranqüilo. O juiz, portanto, deve ser um homem de seu tempo, e não deve se deixar influenciar, para efeito da aplicação da pena, por qualquer outro fator externo que não seja relacionado diretamente com o processo, pois a sentença não deve ser um ato de vingança pessoal do juiz, em nome da sociedade, ou do Estado. 6 COUTURE, Eduardo. Introdução ao Estudo do Processo Civil. [s.l]: José Konfino Editor, 1951. p. 87/88.
  • 7. 7 Esse é o magistério de Francisco de Assis Toledo7: Neste momento de crise em que jornalistas leigos em matéria penal pretendem ditar ao legislador o que fazer na legislação penal e aos juízes como julgar os acusados que eles, jornalistas, já condenaram através da mídia, faço votos para que os precedentes da mais alta Corte de Justiça de nosso país, realmente sirvam de modelo para advogados, promotores e juízes brasileiros, não as bravatas daqueles que querem ver na cadeia a panacéia para todos os nossos males sociais e econômicos. Acrescenta o mesmo autor8 que o juiz penal, mais do que outros, está adstrito ao princípio da reserva legal. trabalha dentro dos espaços que lhe são traçados pela lei. Não é o herói vingador da justiça, de filmes policiais americanos que, para aplicar o seu talião aos infratores, segue os próprios instintos, rompendo as regras e as normas legais existentes. Pelas razões apontadas deve ser salientada a manifesta indispensabilidade da manutenção das garantias constitucionais do magistrado, que delas desfruta em nome e para a sociedade. 2.2 A Dosimetria da Pena Posto o debate nestes termos, registra-se haver três momentos distintos na fixação da pena (aqui iniciamos a segunda parte da palestra): a individualização legislativa, a judicial e a executória. A legislativa é aquilo que faz o Congresso Nacional, que tem promovido uma inflação legislativa, bastando observar quantos crimes foram idealizados pelo legislador, pelas mais diversas motivações, nesses últimos cinco, seis anos. Até o assédio sexual já está consagrado dentro do Código Penal, numa cópia fajuta do modelo americano. Lá, se alguém se sentir agredido ou houver lascívia no olhar de uma pessoa para outra, o cidadão pode ser processado por assédio sexual e condenado a uma indenização polpuda. 7 TOLEDO, Francisco de Assis. Revista Jurídica Consulex, Ano III, v. I, n. 26, p. 34. 8 Ibidem. p. 37.
  • 8. 8 A executória diz respeito, fundamentalmente, à execução das penas e seus incidentes. Quando se fala em individualização judicial, fala-se em dosimetria da pena, como se disse, conquista do Iluminismo e garantia constitucional - inc. XLVI do art. 5º da Constituição Federal. Nelson Hungria dizia: individualização racional, adequação da pena ao crime cometido. O caminho para a dosimetria da pena, no nosso sistema, encontra-se delineado no art. 68 do Código Penal, através do método trifásico (o método trifásico foi idealizado por Nelson Hungria e está consagrado no artigo 68, do CP; por outro lado, outra figura lendária, Roberto Lyra, sugerira o método bifásico, preconizando a avaliação conjunta do artigo 59 com as circunstâncias agravantes e atenuantes).9 Com relação à pena-base, o nosso legislador confiou no poder discricionário do juiz e, por isso, o dimensionamento da pena corresponde à atividade meramente intelectual de parte do magistrado. A lei alcança-lhe, entretanto, dois limites, o limite mínimo e o limite máximo da pena cominada, nada mais nada menos, e o Juiz, com todas as suas vicissitudes, características, virtudes, defeitos e sublimações, deverá estabelecer a pena. Não podemos esquecer, obviamente, que o Juiz não pode utilizar o Direito Penal como forma de opressão. Não sou abolicionista, nem vinculado ao Direito Alternativo, mas estou convicto da impossibilidade de utilização do Direito Penal - e nunca poderia ter sido utilizado - como forma de opressão, como vem sendo utilizado largamente em nosso país, especialmente das classes menos favorecidas. O salário é uma forma de opressão, de limitação, como outros fatores da nossa vida, gerenciados por uma política espúria, autista e esquizofrênica, como a que se faz no Brasil desde que ele existe. De qualquer forma, essa discussão é manifestamente pertinente. Quem é o Juiz que vai estabelecer a pena-base? O Couture menciona, na obra acima noticiada, a necessidade de sublimação de seus defeitos e a potencialização de suas virtudes. Isso é fácil nos livros, mas muito difícil de transformar em realidade. 9 NUCCI, Guilherme de Souza. Obra Citada. p. 272
  • 9. 9 Começando, então, pela pena-base, o art. 59 do Código Penal diz que o Juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade, à motivação, às circunstâncias e conseqüências do crime, e ao comportamento da vítima, estabelecerá a pena justa e necessária para a reprovação e prevenção do crime. A redação deste artigo traz, embora embutida, a palavra mágica proporcionalidade, quando menciona a “pena necessária e suficiente para a reprovação e prevenção do crime”. E pena proporcional é seguramente pena justa. A primeira exigência referida no art. 59, do CP, é a avaliação da culpabilidade. Como se deve fazer a avaliação da culpabilidade na fixação de uma pena? Sobre isso há, em nossa doutrina, alguma divergência. Existem autores que sustentam que o Juiz não sabe valorar essas circunstâncias na hora de fixar uma pena , porque a culpabilidade, na teoria do delito, envolveria a potencial consciência de ilicitude - e ninguém pode alegar ignorância da lei -, imputabilidade penal e exigibilidade de conduta de acordo com o Direito. Entretanto, considerando a necessidade da fixação de uma pena, a culpabilidade passa a ter dois significados, de fundamento da pena e de limite da pena, limite este conciliável com uma visão da pena como reprovação social da conduta e também como prevenção, geral ou especial, dependendo do ângulo examinado que justifique a imposição de uma sanção. E este limite é fundamental na aplicação da pena, exatamente para que abusos em nome de quaisquer das finalidades atribuídas à pena sejam cometidos, no limite do necessário e suficiente, mote presente em todo o sistema de penas da Parte Geral de 1984, e não por acaso10. Por outro lado, a culpabilidade do agente, repousaria, em primeiro lugar, na avaliação se o homem, socialmente referido, naquelas circunstâncias fáticas, possuía autodeterminação e possibilidade de agir de modo diverso. Em segundo lugar, constatada a possibilidade e conseqüentemente o delito, opera na aplicação da pena, medindo o grau (quantum) de reprovabilidade, dimensionando a culpabilidade da conduta. Dessa forma, o juízo de culpabilidade como critério de graduação da pena deve recair sobre as possibilidades fáticas (materiais) que o sujeito teve para atuar ou não de acordo com a norma. Assim 10 REALE JUNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal. Parte Geral. v. I. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 186.
  • 10. 10 verificada, fornece mecanismos para a extração do (des)valor e do grau de reprovabilidade da conduta11. Partindo de tais premissas, entendo deva a culpabilidade balizar a motivação jurisdicional no referente a dosimetria da pena. Como Juiz, nunca agreguei significativa importância para o resto, preocupou-me, sempre, justamente, a reprovação pela conduta adotada pelo réu quando, podendo agir de modo diverso, atua contrariamente à lei. Trago um exemplo: foi julgado em Porto Alegre, um professor de nível médio, que casou com uma moça 25 anos mais jovem do que ele – ela tinha 18, e ele, 43 anos. Enquanto ele ainda tinha viço - o homem, entre 30 e 45 anos, tem o período mais produtivo da vida -, ia tudo bem. Quando ela chegou aos seus 28, 30 anos, começou a haver conflitos, porque ela não admitia a censura que ele fazia por ciúmes, impedindo-a, inclusive, de trabalhar. Isso os levou a uma situação insuportável, e ela quis separar-se. Ele, inconformado com a separação, querendo voltar, e ela não, acaba idealizando a morte da mulher. Eles tiveram uma filha de 12 anos. Um dia, ele vem a Porto Alegre, descobre onde ela estava morando, compra um revólver calibre 38, vê a mulher saindo de casa, caminha na direção dela, ela de costas para ele, e desfere-lhe dois disparos na nuca. Ela caiu de bruços e morreu na hora. Se fôssemos examinar o item culpabilidade e desdobrá-lo, seria possível verificar se ele possuía, ou não, potencial consciência de ilicitude? Evidente que seria difícil, por sua condição, alegar não possuir condições de aferir o caráter equivocado de sua conduta. Inclusive, no interrogatório, ele disse saber que estava errado, mas que não se havia controlado. Então, ele possuía potencial consciência de ilicitude. É imputável? Também é imputável, não havendo, a respeito, qualquer senão. Por isso, seria exigível – aqui o ponto mais importante – adotasse ele conduta diversa? Manifestamente exigível. Alguns argumentam com a maior ou menor censurabilidade do comportamento do agente, esse seria o fundamento da pena, e outros referem também a intensidade do dolo. Quanto mais intenso o dolo, - e ele teve dolo intensíssimo – , maior deveria ser a pena aplicada. Há outras críticas feitas a respeito deste assunto. Essa questão da exigibilidade da conduta diversa é lastreada no livre arbítrio e na capacidade de autodeterminação do agente. 11 CARVALHO, Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo. 2 ed. [s.l]: Lumen Juris, 2002. p. 48.
  • 11. 11 Precisamos examinar isso dentro do contexto em que vive o réu. Quem é esta pessoa, de onde ela veio? Então, todos esses componentes têm de ser valorados a partir da culpabilidade para se dizer se é exigível, ou não, a conduta do agente de acordo com o direito. Outro exemplo que vai nos interessar é o do indivíduo concreto e socialmente referido. Isso nos traz a idéia de impossibilidade de comparação entre as pessoas para fixar uma pena. O Direito Penal é peculiar, a partir do caso concreto por não haver a menor possibilidade de aplicarmos para duas pessoas a mesma valoração dos critérios de individualização da pena. Trabalhei dez anos na Vara do Júri e cheguei a esta conclusão: é impossível estabelecer um parâmetro. Não existe parâmetro de conduta, de agente, de nada. Precisamos examinar a pena a partir do fato praticado pelo agente, e cada fato tem a sua coloração, e absolutamente nenhum réu é igual ao outro. Outro exemplo que vai mostrar especialmente a necessidade de verificação da realidade social, trazendo-nos a idéia da impossibilidade de comparação entre as pessoas para fixar uma pena, aconteceu em Casca, quando um pai estuprou uma filha de treze anos, resultando prole. Coloquem-se na situação de magistrados: como se pode valorar a pena de alguém que pratica uma conduta como essa? Vejam como é difícil nos colocarmos na posição do réu; numa situação como essas, parece ser absolutamente impossível. Então, a partir de que dados se faz a valoração? Da realidade social daquela circunscrição territorial. O fato foi aquele: estuprou a filha e teve uma filha com ela. Interrogado, não se recordava de nada. Como cidadão, fui tomado de indignação, mas ali, acima de cidadão, eu era Juiz, era preciso analisar os outros componentes. Seria possível? Tão logo se soube do fato - e isso não começou no inquérito, começou dentro do gabinete do Ministério Público, pois a mãe a ele veio reclamar - , estabeleceu-se o inquérito, decretou-se a prisão preventiva, ele foi recolhido, e, dez dias depois, mãe e filha estavam no Foro pedindo que ele fosse solto. Descobriu-se, depois de uma investigação, que era comum, em determinada região, as mães entregarem as filhas como pasto sexual para manterem o pai como força de trabalho em casa.
  • 12. 12 Do ponto de vista da normalidade social, isso é abominável, mas, em alguns locais deste País, não só naquele, é possível que tal ocorra. Então, qual realidade social devemos examinar? A nossa realidade ou a realidade social daquela pessoa que vive naquele local? Precisamos verificar isso, porque a pena que vai ser estabelecida tem que ser dimensionada a partir dessa realidade social, não de outras. No ato de dimensionar-se a pena a partir da culpabilidade, todos os fatores devem ser sopesados, examinados, verificados, e, ainda assim, alguns dizem que é manifestamente difícil chegar-se a uma avaliação concreta da culpabilidade12. Então, a avaliação, a dosimetria da pena deve considerar, modo manifesto, a realidade social em que vivem as partes envolvidas, e não fora dali. Precisamos verificar também se o réu tinha possibilidade real de orientação. Seria dele exigível comportamento diverso, dentro do contexto do fato cometido? Portanto, a respeito desta questão da culpabilidade, vejam como é problemática a valoração, a avaliação, o comprometimento que o Juiz deverá ter com relação à pena-base. Sugiro a leitura, com profundidade, a respeito desses assuntos, pois, na hipótese de um concurso, os examinadores poderão descontar pontos por aquilo que vocês não fizeram, mas não por aquilo que vocês fizeram, quer dizer, um exame da doutrina sobre esse assunto. E não são nos livros que estamos acostumados a ler que se encontra a solução para os nossos problemas. Encontra-se a solução da discussão a partir de outras investigações, sem prurido, sem preconceito absolutamente nenhum. O Salo, como se disse, e o Boschi, em sua obra “Das Penas e Seus Critérios de Aplicação13, por exemplo, falam da responsabilidade do Juiz na individualização da pena. Então, a primeira problemática é a culpabilidade. Alguns dizem culpabilidade inerente ao tipo penal. Alguns também falam que está no tipo. Aí, fica muito fácil. Analisa-se a culpabilidade dentro do tipo, resolve-se o problema, e não se precisa falar absolutamente mais nada. Mas, para se fazer uma valoração consciente, tem-se que examinar todos esses componentes, especialmente esta questão relacionada à autodeterminação, à exigibilidade de conduta diversa, e o contexto em que se pode fazer tal exigência. Não se pode fazer um padrão para valoração de culpabilidade, tem-se que examinar a figura do agente, o crime por 12 A respeito, ver Salo de Carvalho, no seu livro Aplicação da Pena e Garantismo Penal. 13 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das Penas e Seus Critérios de Aplicação. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.
  • 13. 13 ele cometido e se, dentro do contexto, era exigível que se adotasse comportamento diverso. A partir daí, será estabelecida a pena. Esse é o fator determinante da aplicação da pena privativa de liberdade. O segundo item do art. 59 trata dos antecedentes, sobre os quais existe muita discussão. Vou apresentar alguns posicionamentos que são defensáveis, um mais do que os outros. Em primeiro lugar, o que são antecedentes? Para alguns Promotores de Justiça, se falarmos do Juizado Especial Criminal, antecedente é todo e qualquer registro, inclusive os policiais não judicializados. Não falamos, por exemplo, que o processo faz parte da regra do jogo? Faz parte. O processamento por uma infração penal faz parte da regra do jogo. Vamos supor que alguém atribua a vocês um crime de calúnia. Vocês responderão ao processo. Se, no final, apurar-se que isso é mentiroso, derivado de uma denunciação caluniosa, mesmo assim poderá vigorar como um antecedente. Mas, afinal, o que são antecedentes? Para alguns, é tudo aquilo registrado e que faz parte, como se disse, da regra do jogo. Para mim, não é. Entendo que antecedentes, independentemente do que diz a Constituição, só pode ser a decisão condenatória transitada em julgado. E aí teríamos duas variantes: aquela que pode ser considerada reincidência e a que não pode ser considerada reincidência. Então, antecedente seria apenas aquilo que não pode ser considerado reincidência. Podemos, ainda, aventar três posicionamentos: primeiro, antecedentes somente os judicializados e com decisão definitiva condenatória; definitiva porque transitou em julgado. Tudo aquilo que for registro, sem uma condenação, não pode ser considerado antecedentes. Penso ser muito mais do que razoável esse entendimento. Mas vejam: eu não poderia dizer a vocês que os desprezassem, pois há jurisprudência que assim considera. Somente uma Câmara discute esse assunto, para alguns com um certo exagero. Quer dizer, em nome do Direito Penal do fato, e não do autor, não se pode falar em antecedentes. O que passou, passou, não pode ser sopesado contra ele. Ele não pagou a sua dívida? Por que têm de voltar sempre essas coisas, ad eternum em evidente bis in idem? Então, no meu entendimento, e em nome da presunção de inocência, antecedentes são os definitivos. Se não são definitivos, não são antecedentes.
  • 14. 14 Tenho um amigo que passou por isso, e vi a agonia dele diante de tais circunstâncias. Acusaram-no de ameaçar de morte a mãe, e era mentira deslavada, pois a irmã, querendo ficar com todo o patrimônio do pai, queria colocar o irmão na cadeia. Quer dizer, ele tem antecedentes por porte ilegal de arma, por uma porção de coisas, mas não fez nada. Foi uma denunciação caluniosa. Isso pode ser considerado antecedente? Vocês acham que isso é razoável? Eu não acho. Há pessoas que pensam assim, mas, no meu ponto de vista, isso está errado. Recomendo, a respeito, artigo de Aramis Nassif, como o título “Reincidência. A necessidade de um novo paradigma”. Entretanto, por outro lado, há autores que consideram que antecedentes não dizem respeito à folha penal e seu conceito seria muito mais amplo pois, como assinala Nilo Batista, ‘... o exame do passado judicial do réu é apenas uma fração’.14 Por antecedentes, para Miguel Reale Jr.15, deve-se entender a forma de vida em uma visão abrangente, examinando-se o seu meio de sustento, a sua dedicação a tarefas honestas, a assunção de responsabilidades familiares. Por outro lado, o que se pode entender por conduta social? Seria a vida da pessoa na sociedade toda ou é a vida dela na circunscrição territorial onde vive? Nós só podemos fazer a valoração da conduta do agente em cima do local em que ele costumeiramente exerce sua atividade ou mora. Não podemos comparar um sujeito que vive na Vila Cai-Cai com aquele que vive no Bairro Rio Branco, no Bairro Moinhos de Vento. Há como se estabelecer comparação? Não. O que mora na Vila Cai-Cai sobrevive, os outros se divertem, na maioria dos casos - estou falando daqueles que têm muito dinheiro, porque a maioria das pessoas neste País faz força para sobreviver. Mas não podemos comparar o sujeito que está na tranqüilidade, levanta a hora que quer, com aquele sujeito que está de pé desde as seis horas da manhã lutando para poder sobreviver. Então, temos de examinar a conduta social dentro do perímetro onde ele costumeiramente exerce todas as suas atividades, se o delito faz parte do contexto de sua vida ou é, apenas, um fato alheio e isolado. 14 Apud REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal. [s.l]: Forense, 2003. p. 85. 15 REALE JÚNIOR, Miguel. Obra Citada. p. 85
  • 15. 15 Vamos ao seguinte caso: em processo que tramitou perante a 1ª Vara do Júri de Porto Alegre, três testemunhas de defesa foram arroladas e todas disseram mais ou menos o seguinte: O Fulano é excepcional, participativo, solidário, comunicativo, sempre pronto para ajudar toda e qualquer pessoa da comunidade, até as sete da noite. Das sete da manhã às sete da noite, ele é exemplar, mas, das sete da noite às sete da manhã, ele é um azougue, ai de quem se atravessar na frente dele. Então, a conduta social do sujeito é examinada como se fosse uma linha, e não um eletrocardiograma, mas ele não pode construir um castelo de dia e, de noite, destruí-lo. Ou ele mantém uma conduta retilínea, linear, ou ele não tem essa conduta, e por isso ele merece ser censurado. Era o caso desse rapaz. Então, examinamos a conduta social dentro da circunscrição territorial, e ela tem que ser retilínea, ela não pode oscilar como um eletrocardiograma, como se disse, para cima e para baixo. Impossível, no entanto, a padronização, não se podendo estabelecer um parâmetro de conduta entre várias pessoas da mesma comunidade, porque, se para alguns, essa conduta social, mesmo que, de certa forma, ao arrepio da lei, seja normal, para outros não é, porque vivem noutro mundo que não o do Direito Penal. Ou seja, o homem escreve a sua própria biografia, pois todos os atos serão contabilizados em sua história, e todas as sua decisões fazem parte de um conjunto, que reflete a pessoa do homem, a sua singularidade16. A respeito da personalidade, o Boschi17 diz – e devemos concordar com tal assertiva – que tal avaliação é sempre precária, imprecisa, incompleta, superficial, com as palavras boa, má, impulsiva, expressões que nada dizem. Outros dizem - e o livro do Salo, já referido, traz isso - que o Juiz não é um psiquiatra, nem um psicólogo, bastando uma breve revisão bibliográfica para verificar a impossibilidade de o juiz, um leigo, valorar a personalidade do agente18. Às vezes, um psiquiatra fica dois anos tratando de uma pessoa e não sabe quem ele é. Como o Juiz, no primeiro contato, por um único processo, que fala com 16 REALE JÚNIOR, Miguel. Obra Citada. p. 85 17 BOSCHI, José Antonio Paganella. Obra Citada. 18 Seguramente por isso, no Projeto Modificativo do Sistema de Penas consta a eliminação das referências à conduta social e a personalidade pois, além de outros fatos relacionados com a prática e acima estão noticiados, podem conduzir a um subjetivismo excessivo do julgador tornando elástica em demasia a discricionariedade e o subjetivismo do julgador na fixação da pena.
  • 16. 16 o réu uma única vez, vai dizer quem é aquela pessoa? Essa é uma crítica que é importante, que merece ser contabilizada. Quer dizer, quem é essa pessoa que está em julgamento, que tipo de personalidade ela tem, qual é a sua índole? Que tipo de valoração vai ser feita, a respeito, pelo Juiz? Eu posso, como Juiz, afirmar que um sujeito tem uma personalidade deturpada sem ter um laudo? Não, por isso é pertinente a lembrança de que é difícil fazer a valoração. Claro, se o sujeito tem dez antecedentes por furto, e se faz a valoração por isso, ele já tem uma certa tendência a buscar o lucro fácil. Mas será que eu estaria valorando devidamente a personalidade do cidadão? Por isso precisamos, quando se trata de valoração de personalidade, não apenas jogar palavras no papel, mas valorar a personalidade dentro do possível, até por que a valoração é obrigatória. Um fato inegável é a deficiente formação interdisciplinar. Embora Couture 19 tenha referido a possibilidade de um jurista ser um engenheiro social, o juiz, decisivamente, não é psicólogo e nem psiquiatra. No entanto, será que a vivência do Juiz lhe daria poderes para identificar qual a personalidade do réu? Muitas vezes, essa investigação sobre personalidade é operada, como se disse, a partir de seus antecedentes, não me parecendo a medida mais adequada. Como será que o Tribunal faz a avaliação da personalidade? Vocês já examinaram os acórdãos quando o Juiz absolve, e o Tribunal aplica a pena? Sem querer criticar o Tribunal, por óbvio, mas me parece que essas palavras viraram lugar comum nas sentenças, e são meras repetições. E no que se refere à motivação? Anotei de livros: Fonte propulsora da vontade criminosa, não há crime gratuito ou sem motivo. O que vocês acham? Trago outro exemplo, envolvendo fato verdadeiro. Havia um réu na Vara do Júri de Porto Alegre, cujo apelido era Ziguezira. Um dia, ele chegou num bar e havia um sujeito tomando uma cerveja. Pegou o copo do outro, tomou um gole, e o sujeito disse para ele: Vem cá, meu, não te dei autorização pra beber no meu copo de cerveja. O Ziguezira pegou o 19 COUTURE, Eduardo. Obra Citada. p. 86
  • 17. 17 revólver, deu três tiros e, num espaço de dois ou três segundos, matou o sujeito. Qual foi a motivação dele? Fazemos uma idéia de motivação a partir do iter criminis: cogitação, preparação, execução, consumação. Fazemos um exame a partir dessas fases. Então, por exemplo, qual é a motivação de quem quer assaltar um banco? O dinheiro, por óbvio. No filme “Os Caçadores de Emoções”, qual era a motivação deles? Adrenalina. O que eles faziam para usufruir da maior adrenalina possível? Eles praticavam roubos para usufruir da maior onda, do salto de pára-quedas, coisas ótimas quando se tem dinheiro para gastar. De qualquer forma, há uma motivação definida. Eles queriam o dinheiro para se divertir, para curtir a vida. Qual foi a motivação do Ziguezira? Qual foi a sua idealização mental? O retruque do dono da cerveja foi o que o motivou, mas qual seria a sua real motivação? Depois, como já possuía três processos por fatos semelhantes, pediu para o Juiz resolver a sua vida. Queria ser julgado, cumprir a pena e tornar-se uma pessoa de bem. Será que o Juiz resolveria todos os seus problemas se todos os seus processos fossem julgados? Ele pensava que sim. Em três meses ele foi julgado em três processos e recebeu 46 anos de cadeia. Trago mais um exemplo. Determinado dia, uma dentista recém formada, trabalhava no seu consultório modesto, montado com sacrifício, na Avenida Bento Gonçalves, quando apareceu um sujeito dizendo que estava com dor de dente. Ela disse-lhe estar atendendo uma menina, fazendo uma cirurgia, e não poderia atendê-lo. Pediu-lhe voltasse no outro dia e tomasse um analgésico até lá, para passar a dor. Ele foi embora, mas, às seis e meia da tarde, voltou. Quando ela abriu a porta e disse-lhe que não poderia atendê-lo, ele respondeu que era um assalto. Entrou, fechou a porta, despojou as duas de tudo que elas tinham, pegou uma tesoura cirúrgica, abriu a parte de cima da roupa da paciente, apalpou seus seios, sua barriga. Não satisfeito, pegou a dentista, amarrou-a, deitou-a no solo e começou a arriar suas calças. A moça desesperou-se e conseguiu soltar-se. Ele, então, desferiu-lhe um soco no rosto, quebrando-lhe o maxilar em três lugares; depois, cortou-lhe o rosto de fora a fora com a tesoura que tinha na mão. Qual teria sido a motivação? Ele entrou lá com uma motivação.
  • 18. 18 Então, essa questão sobre motivação é variável, o sujeito pode começar com uma e passar para outra ou outras. No caso, ele praticou um roubo - o Tribunal, depois, diminui a pena dele por considerar tentativa, já que o patrimônio não havia saído da esfera de vigilância das vítimas -, um atentado violento ao pudor consumado e uma tentativa de estupro. Levou 16 anos de cadeia. Quer dizer, no contexto, ficou fácil verificar qual foi a efetiva motivação dele. Primeiro, o lucro fácil; depois, a satisfação da lascívia. E por que será que ele deu um soco na moça, quebrando-lhe o maxilar? Isso não se sabe, porque ele foi condenado pelo atentado violento ao pudor, pela tentativa de estupro e pelo roubo. Entrou dentro do contexto a lesão, no caso do estupro qualificado, e basta, está dentro do tipo. Nesse caso, percebe-se a efetiva motivação, mas há crimes em que não se percebe a motivação de forma clara. Para César Bitencourt, embora o legislador assim não considere, a ausência de motivos deveria ser considerada mais gravosa para quem tem motivo, ainda que torpe ou fútil. Por outro lado, quais circunstâncias devem ser examinadas? Li certa vez que as circunstâncias do crime é aquilo que está ao derredor do fato, não é o que está vinculado diretamente ao fato, mas aquilo que colore o fato, que está por volta. Por exemplo, o sujeito que convida outro para ir a uma pedreira, lugar ermo, e lá o executa. Estas circunstâncias estão em volta do fato: o lugar ermo, o convite feito por um pseudo-amigo, isso tudo está em volta do fato. Então, dentro das circunstâncias, é o que está ao redor, que direta ou indiretamente tem vinculação com o fato, mas que, como noticia Guilherme de Souza Nucci 20 são os elementos acidentais não participantes da estrutura do tipo, embora envolvendo o delito. E as conseqüências da infração penal. As conseqüências não são as relacionadas com o fato diretamente, mas aquilo que a partir dele resta. Num homicídio, por exemplo, vocês acham que a conseqüência é a morte da vítima? Não, mas se a vítima possuir três ou quatro filhos, ou se a vítima for arrimo de família, sobra uma família desamparada, filho sem pai. Essa é a conseqüência da infração penal. Em alguns casos, não vemos outra que não a morte, porque, se o sujeito não tem filhos, não tem familiares, não tem nenhuma vinculação 20 NUCCI, Guilherme de Souza. Obra Citada. p. 249.
  • 19. 19 com ninguém, sobra somente a sua morte, mas isso não pode ser considerado para prejudicar o agente, pois isso está dentro do tipo penal. A pena já é, no homicídio, de seis a vinte anos. Por último, dentro dessas avaliações do art. 59, temos o comportamento da vítima. Essa foi uma homenagem que o legislador fez aos estudos de vitimologia, em 1984, quando introduziu na fase de aplicação da pena, a avaliação da conduta da vítima da realização do fato pois não há dúvida de que o modo de agir da vítima poderá levar ao crime. Até 1984, não havia essa possibilidade de se valorar; examinava-se, então, essa circunstância dentro da culpabilidade, mas agora temos um tópico específico. Um exemplo para deixar cristalizada essa circunstância é um fato ocorrido em Torres, onde um sujeito tirou uma mulher da zona do meretrício, casou com ela e teve dois filhos. Motivado pelo relacionamento, conseguiu construir um patrimônio que totalizava duas casas e dois caminhões. Um de seus motoristas teve uma doença, e ele teve que viajar sessenta dias por todo o Brasil entregando carga. Nesses sessenta dias, a mulher resolveu, cansada da vida doméstica, voltar à lida da noite. Quando ele ficou sabendo, separou-se da mulher, mas continuava apaixonado. Aliás, a mulher tem essa capacidade de levar os homens à loucura. Descornado, determinado dia, foi a um baile e encontrou a ex-mulher. Estava meio embriagado, e ela, pensando que ele teria ido lá para fiscalizá-la, diz a ele que, em meia hora, estaria na Praia Grande transando com um sujeito que ela nem sabia quem era. Ele se encheu de dor, foi até em casa pegar a arma e verificar se era verdade. Chegando na Praia Grande, estava ela nas preliminares com o outro homem. Ele puxa a arma e dá três tiros na mulher, matando-a. O sujeito que estava com ela não foi identificado e bateu o recorde dos 100 metros rasos. Então, quando ela lhe disse que estaria na Praia Grande, etc., sabendo que ele era apaixonado por ela, ela o provocou, pois ela o conhecia, sabia que poderia desencadear essa conduta, que acabou tirando-lhe a vida. Então, ela possuía esta propensão de ser vítima, como efetivamente foi. Fechada a última das oito circunstâncias judiciais, vamos para a aplicação da pena- base. Sempre considerei, como disse, a culpabilidade como um fator decisivo para majorar ou
  • 20. 20 minorar a pena a partir do mínimo, mas sempre na idéia de proporcionalidade e preponderância. Por exemplo: são oito circunstâncias, e se o sujeito tiver cinco favoráveis e três desfavoráveis, terá duas favoráveis. Logo, a pena dele deve-se aproximar do mínimo. Entretanto, há duas vertentes que talvez vocês já conheçam ou tenham ouvido falar: a figura do termo médio e o termo médio do médio. Sobre isso, recomendo a leitura de um trabalho do Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, publicado na Revista da AJURIS21. Ainda assim, alguns sustentam a impossibilidade de a aplicação da pena-base ficar ao alvedrio do julgador, com a utilização de seu poder discricionário. Afinal, quem é esse Juiz que vai estabelecer o cálculo da pena-base? Se ele for um reacionário, a pena vai subir; se ele for um alternativo, a pena vai ficar no mínimo, ou abaixo. Então, para evitar esses arroubos ou arbitrariedades do Juiz, o excessivo poder discricionário do Juiz, vamos utilizar um cálculo matemático. Por primeiro, vamos fazer o cálculo a partir do termo médio, que é a soma do máximo e do mínimo da pena. Cogitemos de um homicídio doloso simples. O cálculo seria o seguinte: seis mais vinte, vinte e seis, dividido por dois, treze. Pegamos o resultado e fazemos a subtração do mínimo da pena, que é seis. Sobram sete, que se dividem por oito circunstâncias judiciais, chegando-se ao cálculo de dez meses e cinco dias, aproximadamente, por cada uma das circunstâncias do art. 59. Um colega, numa sentença daqui do Rio Grande do Sul, aplicou o termo médio do médio: somou os treze aos seis, igual a dezenove, dividiu por dois, resultado nove anos e seis meses, que, diminuídos de seis, resulta três anos e seis meses, divididos por oito circunstâncias alcançaria em torno de seis meses por cada uma delas. Entretanto, elaborado o cálculo a partir de tais variáveis, aqui trazidas apenas para ilustrar a preocupação do julgador na individualização da pena, qual o sentido de apostarmos na capacidade intelectual, na consciência e no poder discricionário do Juiz. Mais, embora não sejam vedados, tais cálculos não cogitados pelo legislador, não estando o magistrado obrigado a realizá-los para o estabelecer da pena-base. 21 Revista da AJURIS n.79, 213-240.
  • 21. 21 O que poderia ser razoável, então? O réu, por exemplo, num homicídio simples, sai seis anos. Essa é a pena dele. Se houver uma preponderância entre as circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu, essa pena afasta-se do mínimo; se for favorável ao réu, pode ficar bem perto do mínimo, ou neste. Esse é o contexto de valoração, nenhum outro. Não existe termo médio. No STJ, parece-me que somente o Min. Cernicchiaro era partidário disso e já se aposentou. Então, não existe um outro critério que não este da aposta na capacidade do Juiz. O Juiz é pessoa intelectualmente preparada para estabelecer o cálculo de uma pena, é um sujeito que estudou a vida inteira, fez um concurso público, passou por diversas comunidades, certamente aprendeu, mas não se pode afastar, evidentemente, a pena deste poder discricionário que é balizado pelo universo intelectual e pessoal do Juiz. Por isso existe também a garantia do duplo grau de jurisdição. Se o Juiz errar, o Tribunal poderá consertar. Falei até agora dos critérios legais, e a questão da co-culpabilidade, merece, ou não, ser considerada? Imaginemos colocar um Juiz americano aqui para aplicar a pena a um brasileiro que cometeu um crime. O Juiz americano vive dentro de outra realidade. O seu País tem educação, emprego e saúde para todos, tem uma ótima qualidade de vida, onde a pessoa compra um apartamento, um automóvel e sabe o quanto vai pagar em toda a sua vida. Quer dizer, são outras circunstâncias. Agora, imaginem um Juiz brasileiro aplicando uma pena a um sujeito que não tem educação, saúde e emprego. Esse é só um lado da co-culpabilidade e devemos considerá-la, igualmente, na execução da pena. Quando estabelecemos uma pena, vamos supor que chegamos a dezessete anos, num cálculo frio do art. 59. Não merece o réu ser compensado por uma pena menor por aquilo que o Estado, descumprindo o regramento constitucional, deixou de lhe alcançar? Por outro lado, na execução da pena privativa de liberdade, o sistema garante ao réu seis metros quadrados. Qual réu tem seis metros quadrados aqui no Estado? Nenhum. Os presos têm, no mínimo, dez, doze, quinze direitos consagrados na Lei de Execução Penal. São alcançados efetivamente esses direitos aos presos? Em São Paulo, por exemplo, a maioria dos réus condenados cumprem a sua pena em delegacias.
  • 22. 22 No meu entendimento, penso que tal questionamento deve passar pela valoração do Juiz. Se nós, num sistema justo, devêssemos dar dezessete anos, alguma compensação deverá ser acrescentada a partir da co-culpabilidade, que deve ser reconhecida. Nós precisamos admitir que o Estado não cumpre as obrigações constitucionais, falhando em todos os níveis. O Desembargador Nereu Giacomoli, por exemplo, quando jurisdicionava a 1ª Vara do Júri, 1º Juizado, recebeu uma carta do Diretor do Presídio Central, noticiando a impossibilidade de o sistema garantir segurança a quem quer que fosse encontrado dentro do presídio,sem falar do resto, que todo mundo sabe. Ninguém entra nas galerias quando eles lá estão. O que nos mostram do Presídio é aquilo que podemos ver, o resto não vemos. Já que o Estado não é responsável, não faz o que deveria fazer, podemos fechar os olhos para essa realidade? Como, então, nós poderemos não considerar esses componentes, esquecendo esses detalhes? Aquele ator, co-autor do homicídio de uma colega sua, atriz da Globo, ficou quatro anos e oito meses preso, sem julgamento, para agradar a mídia, por exemplo. Preso numa cela de delegacia em São Paulo, com quinhentos dentro de um pátio. Isso são fatos que estão documentados, basta querer ler. Por outro lado, há mulheres estupradas e prole daí decorrente dentro do IPF. Se mostrasse algumas fotos do IPF, que possuo, vocês não iriam acreditar - e as pessoas, pasmem, lá estão para tratamento! O IPF, em passado recente, sofreu três processos de interdição. Pessoas amarradas nas camas, lá fazendo suas necessidades, outras sendo assassinadas dentro dos presídios e por internos do IPF. Em Osório, certa vez, foi colocado um andarilho dentro de uma cela destinada a doentes mentais. A cela não tinha piso, era de chão batido, havia uma latrina de onde saíam ratos e baratas, e o sujeito atirado no chão, embarrado, dormindo no chão. E não havia praticado crime algum! Dentro do nosso contexto, não podemos mais fechar os olhos para essa realidade. Sei que é difícil pensar assim, quando nós mesmos poderemos vir a ser vítimas, mas temos que considerar aquilo que efetivamente o réu merece dentro de um sistema justo, e o nosso
  • 23. 23 sistema não é justo, é manifestamente injusto, e isso tem de passar na cabeça de quem vai julgar. Retomando. O art. 59 tem de ser todo fundamentado dentro da realidade apurada no processo, a partir do fato praticado e de acordo com as características do imputado. Pelo que já foi dito, não há dúvida a respeito das dificuldades na avaliação da personalidade e da culpabilidade, mas independentemente disso, a pena deverá ser justa e necessária para a reprovação e prevenção do crime. Isso nos traz a idéia da proporcionalidade, e, dentro da proporcionalidade, não podemos afastar outros componentes exógenos, que estão fora dessas circunstâncias. Não se pode fugir da realidade. Eu diria que é mais fácil fugir à realidade do que seguir outro caminho. De outra banda, nas questões relacionadas com o mal injusto, cometido pelo delinqüente, por um tempo, Beccaria sugeriu um limite para o Juiz. Entretanto, ao depois foram ver que não adiantava, que o melhor era não ter um limite definido. Então, entre não ter e ter limite, o melhor é entregar para quem tem algum conhecimento decidir, porque, se for para engessar o Juiz, qual seria a razão de sua existência e previsão? É só colocar os vetores num computador e pronto. Tenho dezoito anos de experiência como magistrado. Antes, quando fui Secretário do Desembargador Cristovan Daiello Moreira, julgava-se trezentos processos por ano; hoje, no mesmo período, julgam-se dois mil processos no Cível. Por isso, nas questões dos juros bancários e das inscrições indevidas no CADIN, SERASA e SPC, já existe acórdão padronizando o entendimento, mas, no crime, não há padrão, é um por um, e por isso são cerca de quinhentos processos ou mais, por ano, para cada um, quase dois processos por dia. O carro-chefe do Tribunal, no Cível, são os processos sobre juros bancários, cartão de crédito. Constrói-se uma tese e se sustenta, mas, no Crime, não há essa facilidade. Voltando ao que eu estava dizendo, por um tempo, pensou-se em se estabelecer um limite, mas, depois, chegou-se à conclusão de que não se poderia engessar quem deve decidir, daí a necessidade de se apostar no poder discricionário do Juiz e dar-lhe elementos.
  • 24. 24 Como se estabelece a pena provisória? A partir do cálculo das circunstâncias agravantes e atenuantes. Sobre as agravantes, vou falar somente na reincidência, tema manifestamente polêmico.Acredito existirem quatro posicionamentos a respeito. O primeiro é o legal, que refere a reincidência como uma agravante. O art. 67, do CP, diz que preponderarão, dentre as circunstâncias agravantes e atenuantes, aquelas relacionadas com a reincidência, com a personalidade e com a motivação do crime. A reincidência traz conseqüências nefastas para o agente que comete um crime. Este é o posicionamento legal, se o sujeito praticou um crime, depois de ser condenado no espaço de cinco anos, é reincidente, e, como reincidente, ele já vai direto para o regime fechado quando pratica um crime em que não seja aplicada a pena de multa ou detenção. O segundo posicionamento - parece-me que Lênio Streck fala disso -, aponta para a inconstitucionalidade, pois estaria caracterizado o bis in idem, já que é utilizada uma condenação anterior, em que já houve uma punição, para punir novamente o agente. Haveria uma inconstitucionalidade. Por outro lado, parece-me que o Des. Amilton Bueno de Carvalho desconsidera a reincidência, razão da co-culpabilidade do Estado, indagando até que ponto o Estado é responsável pela reincidência do criminoso. Por fim, Aramis Nassif, em artigo publicado na Revista da Ajuris de setembro de 2001, Tomo I, justifica a necessidade de um novo paradigma para a reincidência. Ilustrando: o percentual de reincidência, hoje, é em torno de 73%. Particularmente, penso que é muita discussão para pouco resultado. Acredito não valer a pena, a não ser do ponto de vista filosófico, sociológico e antropológico, discutir esse assunto, pois a reincidência sempre corresponderá a um percentual pequeno, não definido legalmente, em relação à pena -, por exemplo, ao homicídio qualificado de doze anos, no máximo, seria agregado um valor correspondente a oito, seis, cinco, quatro meses. A lei, como se disse, não estabelece padrão de valor, está na cabeça do Juiz julgar a quantidade da pena aumentada pela reincidência. Se ele for consciente, vai aumentar pouco, então, por que discutir? Impressionam-me, entretanto, os argumentos daqueles que utilizam a inconstitucionalidade para criticar a reincidência. Na verdade, efetivamente, a reincidência prejudica o réu em todos os fatos da sua vida dentro do sistema penal. O Nucci 22 alinhava 22 NUCCI, Guilherme de Souza. Obra Citada. p. 263.
  • 25. 25 mais de vinte conseqüências da reincidência. Então, seria manifesto bis in idem, por isso haveria a inconstitucionalidade, mas é correto lembrar que o STF já adotou posicionamento contrário a esta tese. Dentro das atenuantes, temos entendimentos que permitem a diminuição da pena abaixo do mínimo uma vez presente determinadas figuras. A menoridade e a confissão espontânea, são as que me recordo agora que autorizariam a redução da pena abaixo do mínimo legal. A doutrina majoritária sustenta que, por uma circunstância atenuante, é impossível reduzir abaixo do mínimo. Alguns afirmam não haver tal vedação, porque a lei não repetiu na reforma o que estava consagrado no Código Penal de 1940. Havia um artigo que dizia que a pena jamais poderia ser reduzida ao mínimo. Há decisões do STF neste sentido. De qualquer forma, alguns sustentam que a pena pode ser reduzida do mínimo por essas circunstâncias atenuantes, embora a maioria da doutrina não admita essa hipótese. O referido artigo foi subtraído, mas entendo não ser necessário dizer-se o óbvio, ou seja, mínimo é mínimo e máximo é máximo. Um outro fator que merece ser considerado nesta discussão é onde está escrito tenha o réu o direito subjetivo de ter a pena fixada no mínimo, se a avaliação do art. 59 lhe for favorável? Em lugar nenhum. Mas há doutrina e jurisprudência que admitem. Penso ser difícil sustentar a pena abaixo do mínimo por atenuante, mas há pessoas que pensam diferente em relação à possibilidade de redução nas atenuantes da menoridade e da confissão espontânea. Aconselho que vocês leiam acórdãos de nosso Tribunal, em que há o reconhecimento dessa possibilidade. Sou simpático à idéia, mas não me convenci ainda dos argumentos para admitir esta hipótese. Para mim continua valendo a regra de que máximo é máximo e mínimo é mínimo, e, se o réu possui todas as circunstâncias favoráveis, mínimo. Por exemplo, o sujeito é reincidente e tem a confissão espontânea em seu favor, agrega-se “x” pela reincidência e diminui-se de “y” pela confissão espontânea , sobrou “l”. Eu sempre colocava na sentença “fixo a pena em seis anos, já considerada em favor do acusado a
  • 26. 26 atenuante da menoridade”, por exemplo. Não é a melhor técnica, mas admite-se, desde que justificado. Num concurso público para a Magistratura, fazendo de conta que a prova vale 100, 40% dessa prova são os requisitos formais, que devem ser obedecidos. Dentre os requisitos formais, na aplicação da pena, vocês terão que passar por isso. Por fim, como se calcula a pena definitiva? A partir das causas de aumento e de diminuição, sempre optando, como diz a lei, pela que mais aumente ou diminua. Aí, sim, passa a ser um exercício meramente matemático, mas devemos considerar, no mais das vezes, a valoração feita dos art. 59, 61 e 65, do CP, para dimensionar tais circunstâncias. Há livros que dizem isto (o Nucci, por exemplo)23, mas o Juiz não se separa do art. 59, durante toda a fixação da pena, salvo algumas circunstâncias, como no caso da tentativa, em que, quanto mais perto o réu estiver do crime, menor a diminuição, quanto mais distante, maior a diminuição. Para finalizar, é importante registrar que os mesmo critérios utilizados pelo juiz para a fixação da pena, irão determinar a escolha do regime de encarceramento e as substituições por PRDs (penas restritivas de direito) e a multa, sendo que, nesta última, deverá ser agregada à regra insculpida no artigo 60, § 2º, do CP. Muito obrigado pela atenção. PLATÉIA – Na questão dos antecedentes, o réu não tem bons antecedentes ou maus antecedentes? Ou é antecedente ou não é? DES. MÁRIO ROCHA LOPES FILHO – Entendo assim: em nome da presunção de inocência, sem decisão condenatória transitada em julgado, não há antecedentes. Se o sujeito responde a um processo, ele pode ser absolvido, isso faz parte da regra do jogo. Como isso pode pesar contra ele para ter maus antecedentes? Quer dizer que, se ele for absolvido, são bons antecedentes? E se ele for absolvido no art. 386, inc. VI? Li esses dias isso, se não me engano no César Bitencourt. Nada a ver, porque, se ele foi absolvido, não poderá ser julgado novamente pelo mesmo fato. Então, como isso vai pesar contra ele? Até 23 NUCCI, Guilherme de Souza. Obra Citada. p. 274.
  • 27. 27 ser absolvido, pesa contra ele; quando ele for absolvido, não pesa mais? Penso que o caminho mais justo, a partir da regra da presunção de inocência, como garantia constitucional do cidadão, é que não pode valer nada, a não ser o que derive de sentença condenatória transitada em julgado. Fique claro que jamais majoraria uma pena-base pelo fato de alguém responder a um processo. PLATÉIA – E se ele tem vários registros de antecedentes, mas ainda não transitou em julgado, e se todas as demais circunstâncias do art. 59 são favoráveis? DES. MÁRIO ROCHA LOPES FILHO – Pena mínima ou aproximada do mínimo; para mim, não haveria antecedentes. Certa vez, na Turma Recursal, apareceu um sujeito que possuía em torno de quinze antecedentes policiais, tudo por ameaça, vias de fato e lesão corporal. Nunca foi processado. Como é que ele poderia ter antecedentes? Isso em relação à pena. Como posso considerar isso para penalizá-lo? No meu entendimento, fica difícil. Ele jamais foi julgado, extinguiu-se a punibilidade de todos os fatos, como pode pesar contra ele? Como eu poderia pesar na personalidade isso? E será que ele não se defendeu, não foi agredido? Não se sabe, porque ele não foi processado. Sustento que fica difícil, porque, junto com a presunção de inocência, temos outras três garantias, que são os pilares do processo penal: o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. Sem isso não há processo. Então, vou valorar algumas informações colhidas no sistema inquisitorial, em que o sujeito não possui defesa? Não faz sentido. No caso acima referido, parece-me que o Promotor negou-se a oferecer a transação penal, reconhecendo as anotações policiais como antecedentes. Para mim isso não são antecedentes; só podem ser considerados antecedentes os judicializados, condenação transitada em julgado. O pensamento contrário, ou seja, no sentido de considerar tudo da vida dele, a maioria considera, mas, no meu ponto de vista, isso não pode pesar, sob pena de se cometer uma injustiça. São meros registros policiais que hoje dariam quinze processos no Juizado Especial Criminal. Como se poderia fazer essa valoração de personalidade? Por um registro policial? Não posso. Se já é difícil em juízo, imaginem por um registro policial. Quem vai informar, por exemplo, se o sujeito é perigoso? As testemunhas do processo, não os antecedentes. Como no caso específico daquele sujeito que, de manhã, era ótimo e, à noite, era um azougue. São personalidades esquizofrênicas, ninguém pode viver entre o bem e o mal, com esse comportamento maniqueísta permanentemente. Mas há quem considere.
  • 28. 28 Um Juiz de determinado Estado, num desses encontros do Juizado Especial, disse o seguinte: “Lá na minha cidade, antes de fazer a audiência no juizado especial, mando prender o sujeito para ele sentir como é importante o que ele fez. Solto ele na transação penal”. Quem tem que ser preso é o Juiz, que usa o poder que tem para ser arbitrário. Ele queria propor, como regra, a prisão preliminar no Juizado Especial, que é justamente para não punir com pena de prisão. PLATÉIA – Mas no caso de diminuição, sim, pode ficar aquém do mínimo? DES. MÁRIO ROCHA LOPES FILHO – Na pena definitiva, sim. A pena igual ao mínimo ou superior ao mínimo vai até a pena provisória, como regra. Há alguns que sustentam ser possível, porque a menoridade é uma circunstância atenuante, que prepondera sobre toda e qualquer outra, a confissão espontânea a partir de uma lei - parece-me que a Lei da Tortura já foi supervalorizada, a partir da delação premiada, como dizem. De qualquer forma, sem dúvida alguma, só a partir das causas especiais ou genéricas de diminuição de pena é que se reduz ao mínimo a pena, não existindo outra hipótese. Se vocês seguirem tranqüilamente o que a lei diz no art. 68, vocês jamais irão errar. Outro aspecto: toda a aplicação da pena, sendo o direito constitucional do réu nesse sentido, deve ser manifestamente fundamentada, porque o réu tem o direito de saber por que recebeu aquela quantidade de pena e o regime de pena imposto na sentença. Isso é uma obrigatoriedade estabelecida especialmente a partir de 1988, ou seja, a individualização da pena, sua motivação, é um direito constitucional do apenado. Observem: não é um favor, é um direito. Agradeço a pergunta para poder esclarecer melhor o significado de tal princípio. O César Bitencourt24 é tão severo em relação a isso, que ele diz que, mesmo que o Juiz estabeleça a pena no mínimo legal, e não fundamente, anula a sentença, porque violaria o princípio da acusação, do direito de acusar do Estado. Então, se não fundamenta para que o réu saiba por que foi condenado, beneficiando o réu com a pena mínima, estará violando o direito do Estado, que é de todos nós, de saber por que aplicou aquela pena. Viola o princípio da acusação. Há uma complexidade nesse tema. Essas variantes que foram trazidas pelos que pensam o Direito Penal mais liberal, mais democrático, agregando-se ao réu um dimensionamento menor de pena em nome de outras circunstâncias que caracterizam a co-culpabilidade, que envolvem aspectos que nos interessam profundamente e que estimulam várias discussões. 24 BITENCOURT, César. Manual de Direito Penal. [s.l]: Saraiva, 2003.
  • 29. 29 Espero que vocês pensem assim, pois através da crítica construtiva que se faz em cima de um determinado tema, é possível chegarmos a uma solução melhor para o futuro. Não pode uma circunscrição jurisdicional pensar de um jeito, e os outros só criticarem. Pensam de forma diferente, mas não criam, não constroem nada, nem estabelecem um debate possível de levar o Direito Penal a melhores dias. É muito mais fácil criticar do que construir uma hipótese. Quando falamos de Direito Penal na faculdade, fazemos referência à 5ª Câmara, porque ela passa a limpo a discussão do Direito Penal em alguns assuntos que são dogmas. Isso é interessante, porque nos motiva a repensar o sistema. É fácil dizer que a pena mínima não pode baixar do mínimo até a pena definitiva, sustenta-se isso com a lei, com a maior parte da doutrina. Mas por que não? Será que não seria razoável, quando o réu tiver direito à pena mínima, com a avaliação favorável do art. 59 e ainda tiver duas atenuantes daquelas já referidas? Às vezes, o sujeito é menor e confessa espontaneamente. Vai-se dar a mínima para ele? Não poderia reduzir um pouquinho? Por que não? Temos que pensar a partir daí. Estamos justificados a dizer que não, mas por que não? Essa indagação é pertinente para nos levar a um entendimento superior, melhorar a avaliação sobre o sistema punitivo. O nosso Direito Penal, tenho dito na faculdade, é pífio. No Brasil, só vai para a cadeia quem tem mesmo de ir para a cadeia. Não vai ladrão de galinha para a cadeia, porque hoje se suspende a pena, pena mínima igual a um ano, suspensão condicional do processo. Pena superior a um ano, até quatro, se não for crime cometido com violência ou grave ameaça, é possível se substituir por PRD – Pena Restritiva de Direitos. Se não é isso, é o Juizado Especial Criminal. Quer dizer, o sujeito só vai para a cadeia no Brasil por homicídio, latrocínio, estupro, tráfico de entorpecentes, dentre outras infrações de igual relevância, ou na reincidência, valendo aqui a crítica feita acima. Mas observem o seguinte caso: uma senhora, com 70 anos, acusada de tráfico de entorpecentes, que tinha em casa quatro netos e dois filhos, seis pessoas para sustentar. Ela passou a vida inteira fazendo faxina, tinha atrite em quase todos os dedos da mão, e me disse: “Olha, doutor, se o senhor me der um emprego, eu trabalho, porque eu tenho seis pessoas pra sustentar, e o homem lá me disse que, ‘se a senhora só entregar na porta da sua casa, quando vierem bater, a senhora vai receber, líquido, por mês, R$ 1.200,00’”. O que ela vai fazer? E nós, vamos colocar essa senhora, com seis pessoas para sustentar dentro da sua casa, na cadeia, com regime integralmente fechado? Resolve o problema da sociedade? Vocês acham que pobre usa droga? O maior consumo de drogas está na classe média para cima. Pobre não tem dinheiro para comprar, é muito caro, a não ser que furte.
  • 30. 30 Nesse caso, será que resolveria a pena no regime integralmente fechado? É crime hediondo? Jogar uma senhora de 70 anos na Penitenciária Madre Pelletier? Dos seis, ela ficaria quatro anos lá dentro? E o Estado vai cuidar dos filhos, dos netos dela? Não vai. Então, ao invés de nos preocuparmos com um, vamos nos preocupar com os seis que vão ficar do lado de fora esperando o momento de fazer, quem sabe, a mesma coisa. Essa é a nossa realidade, é esse o contexto que vocês não poderão esquecer, e aí reside a responsabilidade do Estado. Claro que vocês podem pensar diferente, é até mais cômodo pensar diferente, porque assim não se tem responsabilidade nenhuma sobre nada. Para encerrar, vou contar um episódio que aconteceu em Carlos Barbosa, para verem como a criatura humana é capaz de surpreender. Determinado dia, um sujeito foi interrogado acusado de tentativa de homicídio – ele teria tentado jogar o seu caminhão em cima de uma pessoa que estava ajoelhada na frente do veículo – . O réu disse: Doutor, eu não fiz nada disso, ao contrário, ele se ajoelhou na frente do caminhão e pediu que eu passasse por cima dele. Eu não queria, ele nem merecia que eu passasse por cima dele, ele não vale nada, eu ia estragar o meu caminhão passando por cima daquele ordinário. Isso é mentira, eu não tentei matar ninguém. Ouve-se a primeira versão e pensa-se que quase todos os réus mentem. Aí vem a vítima e diz: “Doutor, efetivamente ele não tentou me matar, eu implorei que ele passasse com o caminhão por cima de mim”. Eu pensei, “estão loucos, vou mandá-los para um psiquiatra”. Qual seria o antecedente? O acusado havia tirado da vida fácil (?) uma mulher, construiu outra com ela, deu-lhe um bar para explorar, e, quando ele viajava, ela recebia as pessoas atrás do bar, num quartinho com uma cortina. Ninguém sabia disso, e esse, que era amigo íntimo dele, um dia serviu-se da mulher do sujeito. O que ela dava por dinheiro, passou a dar por prazer. Necessária se tornou a inquirição da esposa do réu. Ela foi e levou junto uma folhinha de papel com firma reconhecida e disse: “Doutor, é verdade o que ele disse. Tudo aconteceu porque eu fiquei com ele. Vou provar com esse documento, que levei no cartório, a pedido do meu marido, pra ele poder voltar a ter uma boa convivência comigo. Eu tinha que dizer pra ele com quem eu tinha ficado enquanto ele viajava”. Então, ela fez um quadro e escreveu “o japonês da quitanda, o alemão do fusca vermelho, etc.”. Todos com quem ela
  • 31. 31 havia ficado, além dos dias estavam registrados naquele papel, e ela foi ao cartório reconhecer firma de que aquilo era verdade. Essa foi a condição para recebê-la de volta. Mandei arquivar o processo, com a anuência do Ministério Público, e fui para a janela assistir eles saírem numa Belina II, ele dirigindo e ela com a mão na cabeça dele. Nunca vou esquecer aquela cena! Por isso, essa questão da criatura humana é complicada, temos que entender que é assim em todos os sentidos, quem julga, quem pratica o crime, a vítima, tudo que circunda o fato. Claro que há pessoas com algum problema, são bandidos mesmo. Ninguém me convenceria do contrário. Pode-se descobrir que são filhos de pai desconhecido, a mãe se prostituía, mas não é uma constante. Alguns podem delinqüir em razão dessas circunstâncias, a maioria pratica crimes por isso, mas nem todos. Mas há pessoas com essa índole, é quase uma patologia. Interessaria ao Direito Penal? Como não há mais perguntas, reitero ter sido uma satisfação ter estado por aqui, nesta manhã, e estarei disponível para qualquer outra informação que, eventualmente, vierem a necessitar. Muito obrigado. (DEGRAVAÇÃO E REVISÃO REALIZADAS PELO DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA E ESTENOTIPIA DO TJ/RS) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BITENCOURT, César. Manual de Direito Penal. [s.l]: Saraiva, 2003.
  • 32. 32 BOSCHI, José Antonio Paganella. Das Penas e Seus Critérios de Aplicação. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. CARVALHO, Salo de. Aplicação da Pena e Garantismo, 2 ed. [s.l]: Lumen Juris, 2002. COUTURE, Eduardo. Introdução ao Estudo do Processo Civil. [s.l]: José Konfino Editor, 1951. DOTTI, René Ariel. Bases e Alternativas para o Sistema de Penas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. FUNES, Mariano Ruiz. A Crise nas Prisões. São Paulo: Saraiva, 1953. LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal. v. II, Revista Forense, 1955. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. REALE JUNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal. Parte Geral. v. I. Rio de Janeiro: Forense, 2002. TOLEDO, Francisco de Assis. Revista Jurídica Consulex, Ano III, v. I, n. 26, p. 34. REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de Direito Penal. [s.l]: Forense, 2003.