O documento discute a peça Os Adelfos de Terêncio e como ela aborda dois estilos de educação dos filhos: um baseado na liberdade e outro na repreensão. Apresenta o surgimento da comédia latina a partir da Grécia antiga e caracteriza os principais comediógrafos latinos Plauto e Terêncio, destacando suas diferenças estilísticas. Analisa a trama da peça, que mostra os resultados da educação rígida de um filho e da educação mais liberal do outro.
1. 1
A COMÉDIA LATINA E A EDUCAÇÃO DOS FILHOS
OS ADELFOS DE TERÊNCIO¹
Francieli Corbellini²
fracorbellini@gmail.com
RESUMO
A educação dos filhos é uma discussão que se centra, basicamente, em dois eixos: ou
permitir a liberdade, para deixar que os filhos experimentem as diferentes situações que
lhes são oferecidas, ou impedir que tenham essas experiências alegando que é possível
aprender a viver observando a vida alheia. Este trabalho visa oferecer um
esclarecimento sobre estes dois pontos e contribuir para uma opinião sobre o que seria o
ideal na educação dos filhos. Como fonte, tem-se a análise da peça Os Adelfos de
Terêncio e acrescentam-se informações sobre a origem do teatro grego e latino (ou
romano) e sobre a comédia latina, com relatos sobre Plauto e Terêncio, principais
representantes desta comédia. Ao final, faz-se saber que o mais adequado é educar os
filhos sem excessos, tanto de liberdade como de repreensão. Dosar meio a meio a
quantidade de cada uma destas características é o que, provavelmente, levará os filhos a
terem um desenvolvimento mais completo como indivíduos.
Palavras Chave: Educação dos filhos. Comédia latina. Os Adelfos.
1 INTRODUÇÃO
Cada vez mais as pessoas procuram respostas para resolver os impasses entre
pais e filhos. Uma das formas de se obter estas repostas, ou ao menos maiores
esclarecimentos, é compreender textos e estudos antigos. O objeto de estudo deste
trabalho é a peça Os Adelfos, escrita por Terêncio por volta de 160 a.C., que relata duas
formas de se educar os filhos: pela liberdade e pela repreensão.
Este artigo engloba o surgimento da comédia latina ou romana, características
dos principais comediógrafos – Plauto e Terêncio – e a análise da obra Os Adelfos de
Terêncio. A partir do que o teatrólogo escreve, faz-se um enlace entre o tema da
educação na peça latina e o que a atualidade mostra sobre isso.
Com a contribuição de estudiosos das obras relacionadas à comédia latina e a
Terêncio como Zélia de Almeida Cardoso, Agostinho da Silva, Armando Tonioli, entre
outros, tenta-se chegar a considerações capazes de esclarecer o comportamento
relacionado à criação dos filhos. O objetivo maior, no entanto, é levantar, a partir da
literatura, uma discussão capaz de mostrar caminhos a serem seguidos para melhorar a
atual relação entre pais e filhos.
2 A COMÉDIA LATINA, PLAUTO E TERÊNCIO
As pessoas que hoje vão ao teatro não se perguntam como surgiu essa atividade
que tem objetivos distintos, mas que principalmente mostra o cotidiano, alertando sobre
questões de convivência, entre elas tragédias e comédias.
Agostinho da Silva [19_] diz que os gregos deram o primeiro passo no Ocidente.
Quando as civilizações do norte da Ásia começam a surgir, há uma crença de que
homem e natureza poderiam viver harmoniosamente, um cuidando do outro. E assim foi
por muito tempo. No entanto, essas civilizações sofreram uma mudança drástica que
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1
Trabalho realizado no primeiro semestre de 2011, para a Disciplina de Introdução à História da
Literatura Ocidental I, com orientação da Professora Mara Ferreira Jardim.
2
Graduanda de Letras da Faculdade Porto-Alegrense, Porto Alegre/RS.
2. teve como principal fator a fome. A natureza não mais produzia como antes e foi
necessário aderir à agricultura e pecuária. As mulheres passaram a ser escravizadas para
os trabalhos enquanto os homens tentavam buscar sustento em outras regiões.
Essa mudança resultou em um período em que se faziam festas para agradecer as
colheitas e pedir a proteção dos deuses. O vinho se tornou um elemento indispensável
nestes ritos e os gregos, embriagados, acabavam por delirar a respeito de suas desgraças
pessoais ou sociais. Essas manifestações acabam sendo o início do caminho para a
criação do teatro.
2.1 A COMÉDIA LATINA
Séculos depois, de acordo com Zélia de Almeida Cardoso [1989], surge, na
segunda metade do século III a. C. o teatro latino ou romano, como imitação da arte que
surgira com os gregos, arte esta denominada Comédia Nova. A Grécia, com o
falecimento de Alexandre Magno por volta de 323 a. C., sofre algumas restrições quanto
ao teatro produzido lá. As críticas ao governo não são mais colocadas nas peças. A
política e a economia não são mais retratadas. Busca-se a vida privada, os costumes dos
indivíduos que compunham a sociedade. A isso se deu o nome de Comédia Nova, que
depois vai influenciar os romanos. Nesta comédia,
[...] os fatos são corriqueiros e engraçados, ocorridos entre pessoas
pertencentes às mais variadas classes sociais. É uma comédia de costumes,
que explora, sobretudo, o amor contrariado que, após algumas peripécias
vividas pelas personagens, consegue triunfar, num final feliz. (CARDOSO,
1989, p. 33).
Como principais comediógrafos da Comédia Nova, que surgira nos três últimas
décadas do séc. IV a. C., tem-se Menandro, Dífilo e Filemão. Os textos de Menandro
foram encontrados apenas como títulos ou citações em outros autores antigos, a exceção
de O Misantropo que é a única obra completa que chegou aos dias atuais. Já as obras de
Dífilo e Filemão não resistiram ao tempo.
Os latinos, com seu espírito prático, voltaram-se para a guerra, para a engenharia
e política, deixando o teatro para depois. Fora os gregos, a influência latina que motivou
o surgimento do seu próprio teatro foram as cerimônias religiosas como matrimônios e
sacrifícios, que eram compostos por cantos e danças.
Visando o surgimento da comédia, no livro de Cardoso [1989], há um trecho em
que Tito Lívio conta que, em certo momento, Roma é tomada por uma doença.
Epidemia que já não tinha solução. Como último recurso, decidiu-se realizar jogos
cênicos para invocar a proteção dos deuses. Dançarinos etruscos³ foram convidados e
fizeram uma sessão de danças gestuais acompanhadas pela flauta. Após o espetáculo,
jovens romanos imitaram os dançarinos, misturando cantos e brincadeiras satíricas às
danças. Nascia a satura, primeira manifestação da comédia romana.
Ainda foi necessário acrescentar-se a isso as paródias obscenas representadas
por atores mascarados; o mimo – composição em verso, declamada ou encenada por
atores, representando pequenas cenas do cotidiano -; e os textos de epopéias e tragédias
da antiga Grécia, para que se chegasse à comédia latina.
As comédias latinas têm estrutura interna semelhante à das helênicas.
Embora não possuam coros, são escritas em versos variados, apresentando
partes faladas e partes cantadas, nas quais os versos deveriam ser adequados
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³ Etruscos é um povo de cultura aparentemente superior a dos povos locais da época e que tinha maior
desenvolvimento por ter um território fértil, chegando a exportar seus produtos para civilizações vizinhas.
3. à melodia. Conquanto houvesse, usualmente, um prólogo, as comédias não
eram divididas em atos, só vindo a sofrer tal divisão muito mais tarde.
(CARDOSO, 1989, p. 33 e 34).
2.2 OS COMEDIÓGRAFOS LATINOS
2.2.1 PLAUTO
Segundo Silva [19_], Tito Maccio Plauto representou sua primeira peça aos
dezessete anos. Nascido na Úmbria, Itália Central, por volta de 250 a. C., faleceu em
Roma em 184 a. C. – não há certezas sobre as datas - como teatrólogo consagrado.
No início de sua carreira, os ganhos da vida teatral não sanaram as dívidas que
havia contraído e isso o reduziu à condição de escravo. Devido à genialidade, fez dessa
situação um meio de conhecer as classes mais baixas da sociedade e assim fez rir,
utilizando escravos, prostitutas, soldados, vagabundos como personagens. Silva [19_]
diz que, por três peças escritas, Plauto conseguiu sua liberdade, devido ao êxito frente
ao público.
Plauto escreveu cerca de 120 obras, dado esse que não foi comprovado, o que
reduziu seus textos a apenas 20. Como mais importantes destacam-se Anfitrião,
Aululária, Os Cativos, O Soldado Fanfarrão, Casina, Menecmo, entre outras. Sua
escrita possui tendência moralista. Aceitava com realismo o mundo a sua volta, mas
protestava sempre que necessário por questões de desigualdade, de organização e de
sorte.
Segundo Cardoso [1989], Plauto fazia rir desde o nome dos personagens até os
gestos feitos durante uma perseguição, por exemplo. Tinha grande facilidade em
transformar algo que fosse sério em comédia. Apesar de ter tido como exemplo a
comédia grega Nova, cujas obras datavam de menos de um século e ainda eram
representadas na Grécia, sua escrita era evidentemente romana. Sem uma linguagem
latina, Plauto não se destacaria porque ele escreveu para os romanos de baixa renda.
2.2.2 TERÊNCIO
A biografia de Terêncio é uma das mais intrincadas e mais eriçada de
problemas. Começa-se por não se poder fixar, com certeza, nem a data e o
lugar do nascimento, nem a nacionalidade, nem a data e o lugar de sua morte.
(PARATORE, 1983, p. 111).
Talvez de 190 a 163 a. C., talvez de 185 a 159 a. C., exatidão das datas não é o
foco dos autores que escreveram sobre Terêncio. O certo é que é contemporâneo de
Plauto, tendo assim seu exemplo, mas, principalmente, alguém com quem ser
comparado.
Silva [19_] comenta que provavelmente Terêncio era de origem africana e
passou pela condição de escravo de guerra. Ele foi comprado pelo Senador Terêncio
Lucano e levado como escravo para Roma. O Senador teria reconhecido os talentos do
subordinado e o mandou educar e entrar em contato com romanos cultos e capazes de
compreender as artes.
Ainda segundo Silva [19_], Públio Terentius Afer foi o nome herdado da família
do Senador por ocasião de sua libertação. O codinome – Afer – era anterior a sua
escravidão. Apesar de um nome pomposo, não teve tanto prestígio quanto teve Plauto
em suas peças. Era ligado a aristocratas, mas isso acabou não o ajudando, ao contrário,
tornou-se um motivo mais para os adversários diminuírem sua originalidade e talento.
As piores críticas faziam referência a peças anteriores e diziam que Terêncio apenas as
havia remodelado ou, então, apenas feito a tradução de teatros gregos. Escreveu A Moça
de Andros, Os Adelfos, A Sogra, O Eunuco, entre outras obras.
4. O estilo de Terêncio é polido e elegante. Plauto é vulgar. De acordo com
Cardoso [1989], o primeiro deu preferência a uma ação mais tranquila, suas comédias
são manifestos pessoais. Trabalhou com figuras da Comédia Nova: velhos, jovens,
escravos, mercadores. O tom romano desaparece para dar lugar ao grego, os títulos das
obras são em grego. O segundo utilizava comédias movimentadas. Os personagens são
os mais cômicos da sociedade e representam pessoas, muitas vezes, esquecidas. A
linguagem era puramente romana, escrevia para romanos pobres e este foi seu segredo
de sucesso.
Escrever ou representar uma comédia é uma das maiores dificuldades de quem
segue o caminho teatral. Cada ação feita no palco é apreendida de forma diferente pelos
espectadores. O riso é muito particular. Os romanos pobres riam do grotesco e vulgar,
os aristocratas não. Nesse aspecto, Plauto e Terêncio apresentaram suas maiores
diferenças.
Terêncio escreveu para a classe alta e deixou inimigos na classe baixa. Plauto
apresentou um modo muito popular para suas comédias e esperou-se que o posterior
fizesse o mesmo. Essa diferença de escrita proporcionou, e ainda proporciona,
esclarecimentos de como o teatro é internalizado pelas pessoas, de acordo com seus
diferentes assuntos e suas diferentes retratações.
Os dois autores também diferem em seus prólogos. O início das peças de Plauto
era marcado com uma explicação sobre elas para que os ouvintes entendessem
facilmente o que estava acontecendo. Já Terêncio precisava se absolver das críticas
lançadas contra ele. Citava a peça que influenciou cada uma das comédias, com seus
respectivos autores e lançava ao povo o poder de julgamento para desvendar se era tudo
produzido por ele ou se fora mera cópia. De acordo com Paratore (1983, p. 118) os
prólogos de Terêncio divulgaram algo ainda mais importante para a literatura latina:
“[...] se defende perante o público e, assim, dá notícias preciosas sobre as polêmicas
teatrais da época, que são as primeiras polêmicas que nos são conhecidas da literatura
latina [...]”
3 OS ADELFOS E A EDUCAÇÃO
Dêmea é pai de dois filhos, mas criou somente o mais novo, Ctesifão. Criação
esta baseada no medo, na repreensão. Dêmea não deixa o filho usufruir das liberdades
da vida. Faz com que ele siga as regras, repreende-o por qualquer falha.
Micião, irmão de Dêmea, cuida de Ésquino, o mais velho. Ao contrário de
Dêmea, Micião criou o filho com mais liberdade. Deixa que beba, que ande com
mulheres, mas exige que lhe conte tudo. Não se importa com os tropeços, porque é um
jovem e a experiência é que o tornará um bom homem. “Não há nada mais injusto do
que um homem sem experiência: só acha bem aquilo que ele próprio fez” (Micião,
sobre seu modo de educar, p. 225)4
.
Os pais discutem constantemente sobre o comportamento de Esquino. Ocorre
que, dessa vez, o jovem arromba uma casa, agride o dono que é um mercador de
escravos, e rouba uma das escravas. No decorrer da peça revela-se que a escrava estava
apaixonada pelo irmão, Ctesifão, e este correspondia. Como o mais novo não teve
coragem de enfrentar o perigo em busca do amor, o mais velho o fez pelo laço de
sangue que os unia.
[...] é porque ele me ajudou que ainda estou vivo Siro! Que homem
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4
Todas as citações deste capítulo sem indicação da obra e seus respectivos autores, foram tiradas de
PLAUTO; TERÊNCIO. A Comédia Latina: Os Adelfos. Tradução de Agostinho da Silva. Rio de Janeiro:
Ediouro, [19_].
5. estupendo! Pôs tudo de parte para atender as minhas conveniências. Tomou
para sí próprio as maldições, a maledicência, o meu amor e os meus erros.
Não podia ser mais. (Ctesifão, sobre o irmão, elogiando-o por tê-lo ajudado,
p. 232).
Também desvenda-se que Esquino não conta a Micião que esperava um filho. Já
havia comentado com o pai que planejava casar-se, mas não lhe revelara nada apesar de
já ter prometido casamento à moça. Tudo se descobre com a confusão do roubo da
enamorada de Ctesifão. Pensava-se que Esquino é que ficaria com a escrava e deixaria
Pânflia, a moça que estava grávida, sem proteção.
Ao final, o autoritário Dêmea muda suas atitudes e consegue ser adorado como o
irmão Micião. Toma decisões que resolvem todos os impasses: Esquino deve morar
com Pânflia, a sogra, e com Micião; Ctesifão deve ficar com a escrava; convence
Micião a se casar com a sogra de Esquino, Sóstrata, e o faz dar liberdade para o servo
Siro e a mulher. Dêmea passa-se por bom e acaba sendo adorado por todos.
Nunca houve plano de vida que fosse tão bem construído que não tivesse sido
modificado ou a que não tivesse sido dada nova direção pela realidade, pela
idade, ou pela experiência. As coisas que se julgavam essenciais vêm a
abandonar-se com o uso. Deixo a dura vida que vivi até hoje, e quase no fim
da carreira. E isto por quê? Porque verifiquei pelos próprios fatos que não
havia nada melhor para o homem do que o bom gênio e a clemência. (Dêmea,
sobre sua mudança de atitude, p. 261).
Terêncio faz com que tudo se passe em um dia. No início, no entanto, há uma
fala de Micião que informa aos espectadores sobre suas histórias. Essa recuperação do
passado contribui para o entender dos acontecimentos. O espaço que se destaca é a
cidade. Fala-se no campo, onde vivem Dêmea e Ctesifão, mas as ações se passam em
totalidade na cidade.
O autor escreveu em Roma. A sociedade da época está bem representada em Os
Adelfos. Alguns senhores mantinham o poder, os escravos, as mulheres da vida, numa
sociedade em que já se discutia sobre a liberdade dos escravizados. Esse pensamento
fica claro em dois momentos: o primeiro, quando Esquino rapta a escrava para o irmão
e, apesar de o fazer, não quer pagar por ela, pois é de direito sua vida livre; o segundo,
quando, ao final, Dêmea faz com que Micião liberte o cativo Siro por este já ter feito
por merecer a liberdade.
Os personagens são bastante representativos. Dêmea é o pai biológico de
Esquino e Ctesifão. Micião é irmão de Dêmea e foi quem criou Esquino. A família é de
classe alta, e não lhes faltava dinheiro. Micião gastava muito e Dêmea preservava o que
ganhava. Siro era escravo de Esquino. Sanião é um mercador de escravas, de quem
Esquino raptou uma das escravas para Ctesifão. Hegião é um velho parente de Sóstrata
que é mãe de Pânflia, a moça que esperava um filho de Esquino. Cântara é ama de
Pânflia e Geta é escravo de Sóstrata. Há ainda Dromão, Parmenão, Calídia e Estoraz
que aparecem menos e são escravos.
Dêmea: que é popular. Ésquino: que tem vergonha. Sanião: que faz caretas.
Ctesifão: que adquiriu ou que possui. Sóstrata: que salva o exército. Hegião:
que serve de guia. Pânflia: que é amada de todos. (Descrição de Terêncio
sobre o nome dos personagens, p. 221).
Esquino não tem vergonha de derrubar uma porta e raptar uma escrava, mas a
tem para revelar a Micião que esperava um filho. Dêmea é popular, mas primeiro pela
rigidez com que cria Ctesifão e depois por mudar suas atitudes a fim de agir como
6. Micião e mostrar que é fácil ser bom. Hegião realmente se coloca como um guia para a
família de Sóstrata, resolvendo o caso de quem cuidará de Pânflia agora que esta dará a
luz a um filho. Enfim, cada personagem teve o cuidado de ser nomeado por Terêncio a
fim de ser caracterizado pelo próprio nome que carrega.
Muitos são os aspectos que podem ser estudados nessa comédia, tamanha a
genialidade de Terêncio ao escrevê-la. Não há como deixar de refletir sobre a condição
dos escravos, a condição das moças tomadas pelos ricos como amantes e que acabavam
grávidas e por vezes sozinhas, a questão do casamento e o que esse pode mudar na vida
de um homem. Porém, o autor colocou em evidência a questão da educação dos filhos.
3.1 A EDUCAÇÃO EM OS ADELFOS
Quanto à educação, Terêncio revela duas abordagens. A primeira, sobre Micião
e Dêmea. Foram criados juntos, porém demonstram perspectivas diferentes sobre a
educação dos filhos. Esse retrato mostra que nem sempre o mesmo modo de criação
resultará em filhos parecidos na personalidade.
Dêmea é ligado ao trabalho. Vive no campo, casa e tem dois filhos. Dá valor à
entidade família e acredita que não é preciso errar para aprender a agir, basta olhar para
o erro dos outros e não fazer o mesmo. Julga não ser certa a vida com mulheres e
bebida. Preserva o dinheiro. Micião é menos rígido. Vive na cidade, entre mulheres e
bebida, não se casou. Prega que a experiência é a forma de se educar. Não deixa de
gastar o que ganha. Quer que o filho lhe conte tudo e assim acha que é respeitado.
Calmo e pensativo, analisa os erros dos outros, mas não proíbe Esquino de errar.
Eu entrego-me a esta boa vida da cidade e, o que para muita gente é mesmo
andar com sorte, nunca tive uma mulher. Ele foi mesmo pelo contrário; passa
a vida no capo e trata-se com dureza e parcimônia. (Micião, sobre si e sobre
Dêmea, p. 223).
Micião e Dêmea vêm de uma criação que os tornou diferentes. Tentam criar seus
filhos a sua semelhança e esta é a segunda questão levantada por Terêncio: a criação dos
filhos. Esquino é o que foi Micião e Ctesifão é o que foi Dêmea. O quieto e o
barulhento. O envergonhado e o sem vergonha. O corajoso e o desacreditado de sua
própria capacidade. No entanto, Esquino não revela tudo a Micião e Ctesifão não segue
todos os conselhos de Dêmea. Isso mostra que nem a repreensão e nem a liberdade são
formas de se educar satisfatoriamente os filhos.
Agora o que é verdade é que Ésquino não se portou bem comigo neste
negócio. [...] E eu tinha muito boas esperanças de que o rapaz já tivesse
assentado; estava mesmo contente. E agora outra vez isto. (Micião ao
perceber que Ésquino não lhe contava tudo, p. 226).
Como educar um filho afinal? Passando esta peça para os dias atuais, é possível
perceber que o que acontece em Os Adelfos acontece nas famílias modernas. Mães
pensam diferente dos pais, avós e tios também pensam diferente. O que então é o certo
se a questão já existia lá na época de Terêncio e até hoje não se resolveu?
Certo não há. Para Micião, criar o filho de forma que este pudesse escolher seu
caminho era o correto. Para Dêmea, o filho deveria seguir as regras, escolher o que lhe
fosse mais conveniente e evitar problemas. Assim como eles, cada pessoa aplica a
educação que acredita ser a melhor, não necessariamente sendo a que lhe foi aplicada.
Escolher um dos modos apresentados por Terêncio não é fácil. No entanto, a
tendência é fazer valer o que Micião fez. A experiência é a base do crescimento
humano. Errar é o primeiro passo para se fazer certo. Conhecer o mundo nos faz agir
7. criticamente e nos leva a escolher aquilo que considerarmos ser o melhor. Não adianta
trancar o filho em casa, pensando que ele não será persuadido pelos vícios da sociedade.
Ao contrário, lhe será alimentada a vontade da experiência e, quando a tiver, pode não
ter personalidade para reconhecer se o que experimentou lhe fará mal ou bem. Proibir
não é o melhor meio de educar.
Experimentar pode ser perigoso, mas faz com que os filhos reconheçam o bom e
o ruim, reconheçam os dois lados da moeda e adotem o que acharem melhor para si. Só
a experiência, porém, não dará todo o esclarecimento sobre esta escolha. Então entra
uma carta que Micião tinha na manga: não esconder nada, nem de pai para filho e nem
de filho para pai. Contar tudo. É difícil para quem não tem isso por costume desde as
primeiras palavras. “Ah, meu pai não vai entender” é uma frase comum entre os jovens,
mas como podem afirmar isto se não tentaram conversar? “Na época dele era diferente”
era diferente como se, por exemplo, a educação dos filhos continua sendo um problema
desde antes dos textos de Terêncio?
O ser humano continua a sentir medo, angústia, raiva, alegria e amor. A
sociedade adota costumes diferentes, mas os sentimentos são os mesmos desde as
cavernas. Para Esquino, contar tudo não foi a solução, mas contar tudo para os pais e
tudo para os filhos é um meio de se despertar a reflexão sobre os assuntos, crenças,
pensamentos. Reflexão muito bem explicada por Jean Piaget ao criar a Teoria da
Epistemologia Genética. Piaget descobre que não é suficiente entregar o brinquedo à
criança para que esta desvende o objeto, é preciso questionar, intervir na relação e tornar
a brincadeira mais significativa. É preciso fazer com que a criança reflita e assim possa
criar dispositivos que vão contribuir no pensamento sobre aquele objeto, até escolher se
ele será o preferido ou não.
É interessante, também, considerar o que os filhos pensam dos pais. Esquino não
teve coragem de contar a Micião que uma jovem esperava um filho seu, e a causa de ter
raptado a moça do mercador de escravos.
Mas sempre tenho medo de que não acreditem; as aparências são contra mim;
fui eu que a raptei; fui eu que paguei o dinheiro; fui eu que a levei para casa.
A culpa que eu confesso ter nisto tudo é de não ter contado a meu pai como
tudo tinha sucedido. (Ésquino, sobre seu medo e a relação com o pai, p. 250).
Este trecho mostra que nem sempre as pessoas demonstram ser como são em seu
interior. Esquino é responsável por seus atos, mas se sente mal ao ter causado tamanho
desconforto à família de sua futura esposa e a seu pai. Além disso, se firma a ideia de
que se existir diálogo entre pais e filhos, os últimos se sentirão seguros de suas decisões
e repensarão suas atitudes para tentar um caminho menos prejudicial à sua e à imagem
daqueles com quem convive.
Já Ctesifão distorce o desenho que Dêmea tenta pintar. “A minha raiva ao campo
vem principalmente de ele estar tão perto [...]” (p. 245), fala Ctesifão quando é
informado de que o pai está a sua procura. É visível que o jovem tem medo do que o
pai pode fazer. Uma criação com autoridade e repreensão, antes mesmo da falha, faz
com que os filhos sintam-se incapazes de agir por si.
Faz-se o que se pede. Não deixo nada em claro, vou-o educando; depois
mando-o olhar para a vida dos outros como se fosse para um espelho e tirar
dos restantes, exemplos para si. [...] Faz isso. [...] Foge disto. [...] Isto é
louvável. [...] Isto é reprovável. (Dêmea se gabando da educação que
transmite a Ctesifão, p. 241).
8. Como já citado antes, não há uma maneira certa de educar. A experiência
sozinha não tem sentido, mas associada à reflexão sobre os atos ela vem a ser um
caminho para melhorar essa educação tão liberta dos dias atuais. Talvez seja esse o
primeiro passo para se alcançar o que diz Armando Tonioli (1961, p. 75):
Parece-nos portanto que para Terêncio, como para nós, o sensato meio-termo,
aquele sensato meio-termo tão difícil de se conseguir, é o que seria o ideal na
educação dos filhos. Nem a excessiva liberdade de Micião, nem a extrema
severidade de Dêmea.
4 CONCLUSÃO
Ao final deste artigo, conclui-se que a educação dos filhos ainda é um dos
maiores problemas da sociedade. É difícil chegar a uma ideia comum sobre o assunto
porque cada pai e mãe possui o seu modo de educar. O que pode ser certo para um, pode
não ser para o outro.
Destacou-se a experiência, acompanhada da reflexão, como uma alternativa para
fazer com que a liberdade em demasia, que domina os dias atuais, seja “controlada”, ao
ponto de os pais voltarem a conhecer os próprios filhos. A reflexão, acompanhada de
cumplicidade para facilitar o diálogo, contribui para que os filhos reconheçam o que é
ou não o melhor para si e para que tenham mais responsabilidade sobre suas escolhas.
A obra de Terêncio ainda permite diversas abordagens como a condição dos
escravos da época; o papel da mulher na sociedade; a representação do casamento e as
crenças populares, entre outros assuntos. Muitos desses temas podem ser vinculados aos
dias atuais, tamanha a genialidade de um autor que relatou, bem antes de Cristo, aquilo
que perdura até hoje como sendo paradigmas da sociedade.
Como dito ao final da análise, o meio-termo pode ser a solução para todos os
problemas, sejam eles quais forem. Para tanto, será preciso estudar as características
individuais de cada pessoa e tentar moldá-las para que controlem suas ações e reações.
REFERÊNCIAS
CARDOSO, Zélia de Almeida. A literatura latina. Porto Alegre: Mercado Aberto,
1989.
PARATORE, Ettore. História da literatura latina. Tradução de Manoel Losa. Lisboa:
Fundação Colouste Gulbenkian, 1983.
PLAUTO; TERÊNCIO. A comédia latina. Tradução de Agostinho da Silva. Rio de
Janeiro: Ediouro, [19_].
SILVA, Agostinho. Notas bibliográficas. In: PLAUTO; TERÊNCIO. A comédia latina.
Rio de Janeiro: Ediouro, [19_].
TONIOLI, Armando. Os Adelfos de Terêncio. São Paulo: Conselho Estadual do Livro,
1961.
ABSTRACT
A LATIN COMEDY AND CHILDREN EDUCATION: THE ADELPHOE BY TERENCE
Educating children is a discussion that focuses primarily on two axes: allow freedom to let
children to experience the different situations offered to them to have that these experiences
claiming that it’s possible to learn how to live by observing the lives of others. This work aims to
provide a clarification on these two points and give an opinion on what would be the ideal in
education of children. As a source, there is the analysis of the play The Adelphoe by
Terence to add information about the origin of Greek theater and Latin (or Roman) and on the
Latin comedy, with reports about Plauto and Terence, the main representatives of this
comedy. At the end, it is known that the most appropriate is to educate children
without excesses, as of freedom or reprimand. Dose middle the middle the amount of each of
9. these characteristics is what probably will take the children to have a fuller development as
individuals.
Keywords: Children education. Latin Comedy. The Adelphoe.