1. Tiragem: 41360 Pág: 20
País: Portugal Cores: Cor
Period.: Semanal Área: 26,96 x 31,12 cm²
ID: 45487628 04-01-2013 | Ípsilon Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 1
É
músico e fotógrafo. Acaba curava, Rodrigo Amado lembrou-
de ser considerado pelo crí- se de Os Passos em Volta, de Her-
tico norte-americano Mark berto Helder, e das peregrinações
Corroto como um dos me- que as diferentes personagens re-
lhores autores de 2012, pe- alizam nessa obra. Aliás, tanto a
lo seu disco Burning Live. exposição como o livro Un Certain
Faz fotografia como toca música: Malaise começam com uma citação
ao sabor do improviso, andando desse poeta: “Escrevo o poema —
ao acaso nas cidades onde a músi- linha após linha, em redor do pe-
ca o leva, captando a imagem do sadelo do desejo, um movimento
momento sem reflectir sobre o que da treva, e o brilho sombrio da mi-
vê. A selecção, o pensamento so- nha vida parece ganhar uma uni-
bre aquilo que a câmara captou, dade onde tudo se confirma: o
vêm depois. tempo e as coisas.” Mas não só:
Falamos de Rodrigo Amado, que Amado interessa-se também “pela
acaba de assinar um livro conjun- própria pessoa que o Herberto é:
tamente com Gonçalo M. Tavares: uma pessoa que se auto-desadap-
Un certain malaise, editado pela tou da realidade, porque quer ser
Documenta, acompanha uma ex- assim”. “Há coisas na personalida-
posição a decorrer na Sala do Cin- de do Herberto que têm a ver co-
zeiro da Fundação EDP até 10 de migo”, insiste.
Fevereiro. As imagens, paisagens Quando era novo, aí pelos 17, 18
urbanas obtidas em quatro cidades anos, Rodrigo Amado fez quatro
do norte da Europa — Berlim, Mos- viagens de InterRail sozinho. Foi
Um livro
covo, Varsóvia e Copenhaga —, pos- uma das experiências mais incrí-
suem em comum a luz pálida que veis da sua vida. “Conhecem-se
associamos aos meses frios do In- pessoas. Se estás sozinho, é mais
verno setentrional. “Esta série co- fácil convidarem-te para jantar em
meçou há cerca de sete anos, e casa. E depois há a parte da língua.
que
acompanha o meu trabalho como Não se pode mesmo falar portu-
músico. Ando de cidade em cida- guês, o que cria um isolamento
de, e vou fotografando o que vejo”, particular. Eu sempre me senti
diz o autor. Estes périplos incluí- bem neste papel solitário, embora
ram também Nova Iorque (que foi houvesse momentos muito duros:
voasse
objecto de uma série autónoma dormidas em estações de comboio,
apresentada há alguns anos), Paris, viagens de dois dias em que não
Londres e Amesterdão. Mas quan- falava com ninguém.” E remata:
do, há ano e meio, Rodrigo Amado “Eu desconfio que o Herberto Hel-
começou a tentar reunir uma série der é também um pouco assim.”
entre as centenas de imagens de
que dispunha, notou que estas (e Abrir o sentido
outras, que ficaram fora do livro e Desde o espectáculo que deu no
da exposição) possuíam algo em CCB, Rodrigo Amado nunca mais
comum: “As personagens não eram mexeu na selecção de imagens:
tão interessantes como na Améri- “Isto diz-me alguma coisa sobre a
ca, e estas imagens das cidades sua unidade.” Quando, durante a
europeias possuíam uma vibração preparação da exposição, surgiu a
diferente: mais soturnas, mais car- oportunidade de fazer o livro, teve
regadas, mais cheias de solidão.” também a certeza de que não que-
Por esta mesma razão, acabou por ria que o texto fosse escrito por um
excluir as imagens de Paris e Lon- crítico: “Queria que fosse uma coi-
dres desta selecção, e por se focar sa mais criativa, que abrisse o sen-
em ambientes relacionados com a tido das fotografias. Não queria
história da ex-URSS ou da Repúbli- uma coisa formal, queria um livro
ca Democrática Alemã, com excep- que voasse.” Lembrou-se então de
ção da fotografia de uma soberba ter ouvido falar de umas aulas que
estufa quase vazia nos Jardins Re- Gonçalo M. Tavares tinha dado so-
ais de Copenhaga. bre interpretação da imagem, na
“Vibração” é uma palavra que Faculdade de Motricidade Huma-
surge com frequência no discurso na, onde pedia aos alunos que fic-
de Rodrigo Amado a propósito da cionassem sobre o que viam. “Man-
sua obra fotográfica. É também dei-lhe um email; estava com medo
aquela que permite realizar uma que não respondesse, mas respon-
ligação com a sua actividade de deu, aceitou e fez o texto. Foi in-
músico: “Quando vou tocar, faço crível. Só o encontrei uma vez an-
improvisação total. Aliás, fazemos tes de o projecto estar termina-
todos. Eu confio profundamente do!”
no instinto. Ainda agora fiz um Ao contrário do que sucede na
Uma exposição a solo concerto com dois músicos com
quem nunca tinha tocado, e prati-
maioria das fotografias, quase to-
dos os textos referem corpos: cor-
(Un Certain Malaise, na camente fomos para cima do palco pos mortos, de costas, corpos que
sem nos termos falado antes! E as esperam ou correm por túneis sub-
Fundação EDP) e um livro coisas funcionam.” À parte isto, terrâneos, degradando as imagens
homónimo com Gonçalo não acha que existam muitos pon-
tos de contacto entre as duas prá-
silenciosas que devolvem o nosso
olhar. “Não há corpos, mas há ves-
M. Tavares: Rodrigo ticas, embora tenha usado parte
delas em projecção quando deu
tígios”, diz Rodrigo Amado a pro-
pósito destas suas ruínas de uma
Amado não é apenas um espectáculo no Centro Cultural Mitteleuropa em permanente de-
de Belém (CCB) para assinalar o saparecimento. “E apesar de não
músico. Dia Mundial da Poesia em 2011. haver corpos, há sempre uma for-
Luísa Soares de Oliveira À procura de um conceito que
agregasse as fotografias que pro-
ma que nos permite projectá-
los.”