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2014 Curitiba
Coleção CONPEDI/UNICURITIBA
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Prof. Dr. Orides Mezzaroba
Prof. Dr. Raymundo Juliano Rego Feitosa
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Vol. 30
JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO: VERDADE,
MENÓRIA E JUSTIÇA
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Prof. Dr. Marcos Augusto Maliska
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Alexandre Walmott Borges
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Paulo Ricardo Opuszka
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Vladmir Silveira
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Wagner Menezes
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Justiça de transição: Verdade, memória e justiça
Coleção Conpedi/Unicuritiba.
Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano
Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira
/ Viviane Coêlho Séllos-Knoerr.
Coordenadores : Samantha Ribeiro Meyer Pflug / Marcos
Augusto Maliska.
Título independente - Curitiba - PR . : vol.30 - 1ª ed.
Clássica Editora, 2014.
383p. :
ISBN 978-85-8433-018-8
1. Direitos humanos. 2. Ditadura. 3. Anistia.
I. Título.
CDD 320.981
Editora Responsável: Verônica Gottgtroy
Capa: Editora Clássica
MEMBROS DA DIRETORIA
Vladmir Oliveira da Silveira
Presidente
Cesar Augusto de Castro Fiuza
Vice-Presidente
Aires José Rover
Secretário Executivo
Gina Vidal Marcílio Pompeu
Secretário-Adjunto
Conselho Fiscal
Valesca Borges Raizer Moschen
Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa
João Marcelo Assafim
Antonio Carlos Diniz Murta (suplente)
Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)
Representante Discente
Ilton Norberto Robl Filho (titular)
Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente)
Colaboradores
Elisangela Pruencio
Graduanda em Administração - Faculdade Decisão
Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira
Graduada em Administração - UFSC
Rafaela Goulart de Andrade
Graduanda em Ciências da Computação – UFSC
Diagramador
Marcus Souza Rodrigues
XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBA
Centro Universitário Curitiba / Curitiba – PR
Sumário
APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................
REFLEXÕES SOBRE O USO DO DIREITO DE RESISTÊNCIA EM FACE DA DITADURA CIVIL-MILITAR
BRASILEIRA(AnaMariaD´ÁvilaLopeseIsabelleMariaCamposVasconcelos Chehab)...............................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
DELIMITAÇÃO CONCEITUAL .....................................................................................................................
FUNDAMENTOS JURÍDICOS .....................................................................................................................
SOBRE A PLAUSIBILIDADE DO USO DO DIREITO DE RESISTÊNCIA NO CURSO DA DITADURA CIVIL-
MILITAR .....................................................................................................................................................
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
AUTORITARISMO: A RELAÇÃO ENTRE OS MILITARES E OS JUÍZES DURANTE O REGIME INSTALADO
EM 1964 (Grijalbo Fernandes Coutinho) ....................................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
GOLPE MILITAR DE 1964 NO BRASIL E O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO ...............................................
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DE CONFIANÇA DO REGIME E JUSTIÇA MILITAR DOS MILITARES .....
PARADIGMA LIBERAL POSITIVISTA DO DIREITO E O CONSERVADORISMO DA MAGISTRATURA .........
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA LEI DE ANISTIA E DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL
(Gabriela Natacha Bechara) ........................................................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
A ANISTIA E SEUS ANTECEDENTES HISTÓRICOS .....................................................................................
ANISTIA E A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO ......................................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DA VERDADE SOBRE AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS
HUMANOS NOS REGIMES MILITARES DA AMÉRICA LATINA (Tais Ramos) ...........................................
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................................................
A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DA VERDADE SOBRE AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS
HUMANOS NOS REGIMES MILITARES DA AMÉRICA LATINA ..................................................................
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A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DA VERDADE SOBRE AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS
HUMANOS NO REGIME MILITAR BRASILEIRO: A EXPERIÊNCIA DA COMISSÃO DE ANISTIA
BRASILEIRA E DA COMISSÃO DOS MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS .........................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE NO BRASIL: NOTAS SOBRE UM DEBATE NECESSÁRIO PARA O
CAMPO DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO (Carlos Bolonha e Vicente Rodrigues) ...........................................
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................................................
JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO COMO NOVO CAMPO DOS DIREITOS HUMANOS ..........................................
MEMÓRIA E VERDADE: CAMINHOS PROPOSTOS ...................................................................................
DO RECONHECIMENTO DO DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE NO BRASIL ........................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
A HERANÇA DA FALTA DE MEMÓRIA E AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS: A CONSTRUÇÃO
DO DIREITO À VERDADE NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL (Daniela de Oliveira Lima Matias e
Mayara de Carvalho Araújo) .......................................................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
DO TERCEIRO MUNDO AOS REGIMES BUROCRÁTIO-AUTORITÁRIOS NA ERA DOS EXTREMOS ...........
JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO, MEMÓRIA E VERDADE ....................................................................................
A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E SUA CONDENAÇAO AO ESTADO BRASILEIRO
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
A TORTURA DOS TEMPOS DA DITADURA MILITAR NO BRASIL E A CORRUPÇAO DOS DIAS ATUAIS
FRENTE AO DIREITO À VERDADE E À MEMÓRIA (Diana Uchoa Torres Lima e Janaína Alcântara Vilela)
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
A TORTURA NA DITADURA MILITAR ........................................................................................................
CORRUPÇÃO: A TORTURA CONTEMPORÂNEA .......................................................................................
O QUE FICA PARA A SOCIEDADE? .............................................................................................................
O DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE .....................................................................................................
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
CONSTITUIÇÃO DA VERDADE: EFEITOS DA MEMÓRIA NO “GRANDE ACORDO” DA TRANSIÇÃO
(ARTHUR MAGNO E SILVA GUERRA) ...........................................................................................................
INTRODUÇÃO: MEMÓRIA E HISTÓRIA CONSTITUCIONAL .....................................................................
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A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A “HERANÇA SEM TESTAMENTO” .............................................
EFEITOS DA TRANSIÇÃO NO TEXTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO ....................................................
CONCLUSÃO PARCIAL ...............................................................................................................................
REFERÊNCIA ..............................................................................................................................................
O DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE COMO DIREITOS ESSENCIAIS AO PROCESSO DE
DEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS (AndreaTourinhoPachecodeMirandaeEzildaClaudiadeMelo)................
A HERMENÊUTICA E A VERDADE: O DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE COMO DIREITOS
FUNDAMENTAIS ........................................................................................................................................
MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO ....................................................................................
AS PRIMEIRAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL ......................................
O TRABALHO DA COMISSÃO DA VERDADE .............................................................................................
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO E RECONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA: UMA ANÁLISE SOBRE O PAPEL DAS
“COMISSÕES DE VERDADE” NA CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VERDADE E À
MEMÓRIA NOS PAÍSES DO MERCOSUL (Fernando Horta Tavares e Larissa Maria da Trindade) ..............
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
CONSTITUCIONALISMOEDEMOCRACIA:ASBASESPARAOPROCESSOTRANSICIONAL.......................
BREVE PANORAMA DOS PROCESSOS DE JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NOS PAÍSES DO MERCOSUL ..........
A INSTITUIÇÃO E O PAPEL DAS COMISSÕES NACIONAIS DA VERDADE NA GARANTIA E PROTEÇÃO
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ...............................................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL E A LEI DA ANISTIA: SUPERAÇÃO VERSUS ESQUECIMENTO
(Luciana Carrilho de Moraes) ......................................................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
PANORAMA HISTÓRICO DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL ..........................................................
A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO E A ANISTIA ....................................................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
A DECISÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO CASO DA GUERRILHA
DO ARAGUAIA A LEI DE ANISTIA BRASILEIRA E A OBRIGAÇÃO DE INVESTIGAR E PUNIR AS
VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS RATICADAS PELA DITADURA MILITAR NO BRASIL (Samyra
Naspolini e Marcio de Sessa) ......................................................................................................................
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INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
A IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DA DECISÃO DA CORTE .............................................................................
COMPETÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA ........................................................................................
LEI DE ANISTIA BRASILEIRA E CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE ...................................................
OBRIGAÇÃODEINVESTIGAREPUNIRGRAVESVIOLAÇÕESDEDIREITOSHUMANOS..............................
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
DITADURA E LUGARES DE MEMÓRIA:AS DIRETRIZES DO MERCOSUL E O DIREITO AO PATRIMÔNIO
CULTURAL (Leandro Franklin Gorsdorf) .....................................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
MEMÓRIA E DITADURA:DISPUTAS PELA SIGNIFICAÇÃO DA HISTÓRIA .................................................
LUGARES DE MEMÓRIA:EM BUSCA DE UM CONCEITO ..........................................................................
LUGARESDEMEMÓRIACOMOEXERCÍCIODODIREITOAOPATRIMÔNIOHISTÓRICO............................
MERCOSUL, DITADURA E DIREITOS HUMANOS .....................................................................................
MERCOSUL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DOS LUGARES DE MEMÓRIA ....................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
A (DES)CONSTRUÇÃO DE UM DIREITO AGRÁRIO PELO DITADURA MILITAR BRASILEIRA
(GUILHERME MARTINS TEIXEIRA BORGES) .................................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
O PANORAMA JURÍDICO AGRARISTA PRÉ ESTATUTO DA TERRA ...........................................................
A NECESSIDADE DE UM ESTATUTO AGRÁRIO .........................................................................................
A DESCONSTRUÇÃO DO ESTATUTO DA TERRA PELOS GOVERNOS MILITARES .....................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERENCIAIS ...........................................................................................................................................
O ABOLICIONISMO BRASILEIRO E A IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS NEGROS LIBERTOS NA
LITERATURA (Rafael Henrique Guimarães Teixeira de Freitas) ..................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
A ESCRAVIDÃO NO BRASIL E O ABOLICIONISMO ....................................................................................
A IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS NEGROS APÓS O FIM DA ESCRAVIDÃO ...................................
A IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS NEGROS APÓS O FIM DA ESCRAVIDÃO SOB A PERSPECTIVA
DE JOAQUIM NABUCO ..............................................................................................................................
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CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
DIREITOS HUMANOS NO ESTADO DE MATO GROSSO E O TRABALHO DA ORGANIZAÇÃO NÃO
GOVERNAMENTAL CENTRO DE DIREITOS HUMANOS HENRIQUE TRINDADE (CDHHT): UM
ESTUDO DE CASO (Edna Soares da Silva) ..................................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
CONSTITUIÇÃO DO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS HENRIQUE TRINDADE .....................................
VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS ACOMPANHADAS PELO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS
HENRIQUE TRINDADE ..............................................................................................................................
A PERCEPÇÃO DOS ATORES DO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS HENRIQUE TRINDADE: ANOS
OITENTA E NOVENTA ................................................................................................................................
A CATEGORIA DIREITOS HUMANOS: TOLERÂNCIA E RECONHECIMENTO DA DIGNIDADE HUMANA
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
ENTRE O PASSADO E O FUTURO: O ATUAL ENFRENTAMENTO DOS CRIMES PERPETRADOS NA
DITADURA (Evandro Charles Piza Duarte) .................................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
O GOLPE DE 1964 E A DITADURA MILITAR BRASILEIRA ..........................................................................
ADPF 153 E A LEI DA ANISTIA ....................................................................................................................
CRIMES PERMANENTES E A VIRADA ARGUMENTATIVA–UMA ANÁLISE DO CASO SEBASTIÃO CURIÓ...
CONCLUSÃO – SE MEMÓRIA DE UM LADO, ESQUECIMENTO DO OUTRO ............................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA E VITALICIEDADE DOS MINISTROS DO STF: UMA ABORDAGEM A
PARTIR DE ESTUDOS DE OSCAR VILHENA E GERMANO SCHWARTZ (Roberto Carlos Rocha Kayat e
Gabriela Vieira Leonardos) .........................................................................................................................
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: 1964/1988 .........................................................................................
A INADEQUAÇÃO DO SISTEMA DE COMPOSIÇÃO E DA VITALICIEDADE DOS MINISTROS DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
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Caríssimo(a) Associado(a),
Apresento o livro do Grupo de Trabalho Justiça de Transição: Verdade, Memória e
Justiça, do XXII Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em
Direito (CONPEDI), realizado no Centro Universitário Curitiba (UNICURUTIBA/PR), entre
os dias 29 de maio e 1º de junho de 2013.
O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente
de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos
da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma
reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito,
nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela
tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do
processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos
parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN
do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da
Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro
Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas.
Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos,
tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da
produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no
âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a
mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não
apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as
especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos.
Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a
enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2)
aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a
todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiram-
nos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
9
selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido
mais difícil.
Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada
em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para
seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e
que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto
para eventos.
O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso
comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de
2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão
sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que
inserirem seus dados.
Futuramente, o INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os
programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor
fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço
no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –,
mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da
segunda versão, disponível em 2014.
Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de
programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará
importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05,
além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as
dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do
Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube
conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de
elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será
fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
10
Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III
Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o
estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores
do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo
livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras
parcerias e editais para a área do Direito.
Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de
Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do
UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro.
Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que
agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada
logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais.
Curitiba, inverno de 2013.
Vladmir Oliveira da Silveira
Presidente do CONPEDI
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
11
Apresentação
A obra “Justiça de transição: verdade, memória e justiça” é fruto do rico debate
ocorrido no grupo de trabalho “Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça” realizado
no dia 31 de maio de 2013 no “XXII Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e
Pós Graduação em Direito” na Universidade Curitiba em Curitiba, Paraná.
Os artigos apresentados no Grupo de Trabalho são dotados de grande qualidade
cientifica e densidade jurídica, e abordam temas importantes e também controvertidos da
justiça de transição, do Conselho Nacional da Verdade e do direito à verdade e à memória
histórica. Vale dizer que o Conselho Nacional de Verdade criado pelo governo brasileiro já
possui um ano de existência e trabalho o que enriqueceu sobremaneira a discussão acerca do
tema.
O debate sobre os artigos e ideias apresentadas foi bastante rico, intenso e proveitoso o
que motivou a criação dessa obra que contempla os textos apresentados no grupo de trabalho,
acrescidos das contribuições oriundas da discussão realizada.
Ana Maria D´Ávila Lopes e Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab abordam em
seu texto, aspecto relevante no tocante à justiça de transição no Brasil, qual seja, o direito de
resistência, mais especificamente a plausibilidade do seu uso em face da ditadura civil-militar
brasileira instaurada em 1964. Já a relação entre os militares e os juízes durante o regime
instalado em 1964 é enfrentada por Grijalbo Fernandes Coutinho. Ele trata da predominante
harmonia existente entre a cúpula da Justiça e o governo dos generais legitimou a prática de
atos cruéis contra militantes de esquerda, trabalhadores, estudantes e personagens moderados
da cena política nacional, indo dos expurgos às torturas, aos desaparecimentos e aos
assassinatos.
No tocante aos antecedentes históricos da lei de anistia e da justiça de transição no
Brasil Gabriela Natacha Bechara analisa detidamente o período histórico que deu origem à
ditadura militar e a lei de anistia brasileira, que por sua vez impactou na efetivação da Justiça
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
12
de Transição no país. De igual modo Tais Ramos examina a participação social na constituição
da verdade sobre as violações de direitos humanos nos regimes militares da América Latina
considerando o paradigma democrático de inclusão dos cidadãos nos processos de exames e
esclarecimento dos atos de desaparecimentos, sequestros, mortes e torturas, praticados nesses
Regimes.
No que se refere ao direito à memória e à verdade no Brasil Carlos Bolonha e Vicente
Rodrigues investigam o conceito e o reconhecimento do chamado “direito à memória e à
verdade”, identificando-o como um dos elementos-chave da justiça de transição brasileira.
Nesse sentido, Daniela de Oliveira Lima Matias e Mayara de Carvalho Araújo abordam a
herança da falta de memória e as violações de direitos humanos na construção do direito à
verdade na América Latina e no Brasil. Elas analisam a peculiaridade das ditaduras que
fizeram parte da história da América Latina nas décadas de 70 e 80 do século XX e o seu
legado para a realidade atual, em particular a do Brasil.
No tocante à tortura dos tempos da ditadura militar no Brasil Diana Uchoa Torres Lima
e Janaína Alcântara Vilela estudam a tortura instaurada nos tempos da ditadura militar, bem
como demonstram como a corrupção dos dias atuais pode ser tão parecida com a aquela figura
dos anos de chumbo. Destarte, Arthur Magno e Silva Guerra analisam os efeitos da memória
no "grande acordo" da transição. Eles levam a efeito um debate sobre um dos cruciais pontos
de fundamentação teórica e histórica do direito à memória e à verdade no Brasil e a incidência
desses “traumas” e “complexos” no Texto Constitucional que restaura a Democracia,
especialmente, depois das lutas políticas ocorridas, entre os anos de 1964 e 1985, contra a
Ditadura Militar.
O direito à memória e à verdade como direitos essenciais ao processo de
democratização do país são detidamente estudados por Andrea Tourinho Pacheco de Miranda e
Ezilda Claudia de Melo que demonstram a importância da consolidação do direito à memória e
à verdade no processo de democratização do nosso país, como direitos fundamentais, bem
como a instauração da Comissão da Verdade no Brasil, após o período ditatorial, marcado por
graves violações aos direitos humanos.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
13
O papel das “Comissões de verdade” na consolidação do direito fundamental à verdade
e à memória nos países do MERCOSUL é objeto de um exame detalhado e crítico de Fernando
Horta Tavares e Larissa Maria da Trindade. Já o período ditatorial, especificamente o golpe
militar do ano de 1964 e suas influências, com ênfase nos ideais de Francisco Campos, que,
almejam a instituição de um regime antiliberal, centralizador e autoritário é examinado por
Luciana Carrilho de Moraes.
A decisão da corte interamericana de direitos humanos no caso da guerrilha do
Araguaia a Lei de anistia brasileira e a obrigação de investigar e punir as violações aos direitos
humanos ratificadas pela ditadura militar no Brasil são estudadas por Samyra Naspolini e
Marcio de Sessa. O objeto do artigo é a decisão da Corte em paradigmática sentença proferida
em 24 de novembro de 2010, no caso Lund e outros versus Brasil, a qual condenou o Estado
brasileiro a implementar uma série de medidas com vistas a indenizar os familiares das vítimas
dos fatos ocorridos na Guerrilha do Araguaia e esclarecer e evitar que novos fatos similares
aconteçam.
Outro aspecto relevante da justiça de transição diz respeito aos lugares de memória, tal
tema é enfrentado por Leandro Franklin Gorsdorf que examina as diretrizes do MERCOSUL e
o direito ao patrimônio cultural. Já a (des)construção de um direito agrário pela ditadura militar
brasileira é estudado por Guilherme Martins Teixeira Borges que leva a efeito uma reflexão
sobre as consequências da promulgação do Estatuto da Terra, Lei Federal nº 4504, de 30 de
novembro de 1964 em relação à própria estruturação de um Direito Agrário.
O tema do abolicionismo brasileiro e a identidade constitucional dos negros libertos na
literatura é discutido por Rafael Henrique Guimarães Teixeira de Freitas, que faz uma análise do
abolicionismo e da identidade constitucional dos negros brasileiros no contexto histórico da
proibição da escravidão, sob a perspectiva de Joaquim Nabuco. Os direitos humanos no
estado de Mato Grosso e o trabalho da organização não governamental centro de direitos
humanos Henrique Trindade (CDHHT) criada a partir das articulações do Movimento Popular
em Cuiabá/MT nos anos oitenta, como instrumento mobilizador de luta contra a violação
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
14
sistemática dos direitos humanos no Estado de Mato Grosso é analisado por Edna Soares da
Silva.
Evandro Charles Piza Duarte estuda o passado e o futuro no atual enfrentamento dos
crimes perpetrados na Ditadura Militar, questionando a interpretação dada à Lei nº 6.683/79,
Lei da Anistia, pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADPF nº 153.
Por fim, a legitimidade democrática e vitaliciedade dos ministros do STF, sob a ótica
dos estudos de Oscar Vilhena e Germano Schwartz é estudada por Roberto Carlos Rocha Kayat e
Gabriela Vieira Leonardos, com vistas a aferir eventual descompasso entre o decidido pelos
ministros de então e o momento político vivido à época, a refletir grave problema de
legitimidade na atuação da Corte.
Tenho a certeza que a obra será de grande valia para todos aqueles que se interessam
sobre tão relevante tema.
Coordenadores do Grupo de Trabalho
Professora Doutora Samantha Ribeiro Meyer Pflug – UNINOVE
Professor Doutor Marcos Augusto Maliska – UNIBRASIL
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15
REFLEXÕES SOBRE O USO DO DIREITO DE RESISTÊNCIA EM FACE DA
DITADURA CIVIL-MILITAR BRASILEIRA
REFLECTIONS ON THE USE OF THE RIGHT OF RESISTANCE IN FACE OF CIVIL-
MILITARY DICTATORSHIP BRAZILIAN
Ana Maria D´Ávila Lopes1
Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab2
RESUMO
O presente trabalho discorrerá sobre o direito de resistência, mais especificamente sobre a
plausibilidade do seu uso em face da ditadura civil-militar brasileira instaurada em 1964. Para
tanto, foi utilizada pesquisa bibliográfica e documental. Inicialmente, foi apresentada uma
delimitação conceitual do direito de resistência, partindo do pensamento de Santo Tomás de
Aquino, Maquiavel, Locke e Rousseau. Em seguida, foram comentados alguns dos fundamentos
jurídicos – nacionais e internacionais – do direito de resistência. Posteriormente, analisou-se a
(possível) plausibilidade do uso do direito de resistência pelos grupos de esquerda durante a
ditadura civil-militar brasileira. Ao final, concluiu-se que o direito de resistência teve sua matriz
teórica constituída ao longo dos últimos séculos, sempre com o firme propósito de oportunizar
defesa à opressão – individual e/ou coletiva - promovida por soberanos, independentemente da
forma pela qual alcançaram o poder. Ainda, verificou-se que tanto a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos estabeleceram
parâmetros mínimos para o respaldo da democracia, ou, em caso contrário, para a efetivação do
direito de resistência. Igualmente, observou-se a fundamentalidade do direito de resistência, em
razão da sua consonância com o regime democrático, os princípios e os tratados de que o Brasil é
parte, além da sua relevância como instrumento na construção de uma sociedade livre e justa. Por
derradeiro, comprovou-se por razoável o uso do direito de resistência em face da ditadura civil-
militar brasileira, especialmente devido à sua inobservância – sistemática e institucional - ao
ordenamento jurídico e ao bem comum.
PALAVRAS-CHAVE: Direito de resistência; Ditadura civil; Ditadura militar; Direitos
fundamentais; Direitos humanos.
ABSTRACT
This article will discuss the right of resistance, more specifically about the plausibility of its use
against of Brazilian civil-military dictatorship. For this purpose, we used bibliographic and
documentary research. Initially, we presented a conceptual delimitation of the right of resistance,
from the thought of Machiavelli, Locke and Rousseau. Then, we pointed some of the reviews -
1
Mestre e Doutora em Direito Constitucional pela Universidadade Federal de Minas Gerais - UFMB. Professora do
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Bolsista de Produtividade em
Pesquisa do CNPq.
2
Mestra e Doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Professora do Curso de
Direito da Faculdade Integrada do Ceará – FIC.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
16
national and international – of the right of resistance. Subsequently, we analyzed the Brazilian
civil-military dictatorship and the (possible) use of the right of resistance to face it. At the end, it
was concluded that the right of resistance had its theoretical matrix formed over the past
centuries, always with the purpose of defense to create opportunities against oppression -
individual and / or conference - sponsored by sovereigns, regardless of the manner in which
reached the power. Still, it was found that both Universal Declaration of Human Rights and
International Covenant on Civil and Political Rights established minimum standards for the
support of democracy, or otherwise, for the realization of the right of resistance. Also, we
observed the fundamentality of the right of resistance, due its consonance with the democratic
regime, the principles and treaties to which Brazil is a party, in addition to its relevance as a tool
in building a free and just society. Finally, it was shown as reasonable the use of the right of
resistance against the Brazilian civil-military dictatorship, especially due to its disobey -
systematic and institutional – to the legal system and the welfare of the community.
KEYWORDS: Right to resistance; Civil dictatorship; Military dictatorship; Fundamental rights.
Human rights.
INTRODUÇÃO
A outorga de poder ao soberano pressupõe sua observância ao bem comum e ao
ordenamento jurídico vigente. Por este motivo, a sua desobediência - ou mera desconsideração -
permite ações políticas de resistência dos cidadãos, no sentido de coibir as práticas corrompidas
dos seus mandatários.
Ratifica-se, assim, a tese da soberania popular, qual seja, de que o poder é exercido em
nome do povo. Ao príncipe, são outorgados poderes limitados, que, se infringidos, devem ser
realinhados ou – se necessário for – extirpados. Desta feita, pode-se afirmar que a continuidade
do soberano no poder está diretamente vinculada a ideia de obediência aos limites da sua outorga,
sem os quais não há fundamentação, nem legitimidade para o seu exercício.
Nesse contexto, insurgir-se contra um poder arbitrário, não se apresenta como
improvável, tampouco ilegal, na medida em que o fundamento daquela soberania fora rompido
justamente pela não observância do governante aos limites que lhe foram impostos, o que lhe
torna ilegítimo e passível de um enfrentamento formal e/ou fático pelo povo. Eis, portanto, o que
se intitula como direito de resistência.
O presente artigo visa, pois, discorrer, através de pesquisa bibliográfica e documental,
sobre o direito de resistência. Em específico, acerca da plausibilidade dos atos de resistência
implementados por grupos de esquerda durante o período da ditadura civil-militar brasileira
(1964-1985).
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
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Nesses termos, apresentou-se, no tópico inicial, a delimitação conceitual da expressão
direito de resistência, trazendo-se à lume as primeiras reflexões sobre a sua aplicabilidade,
vinculadas ao âmbito eminentemente individual, para, em seguida, tecer comentários sobre o
pensamento desenvolvido por Santo Tomás de Aquino, Maquiavel, Locke e Rousseau.
No tópico seguinte, foram colacionados os fundamentos jurídicos do direito de
resistência, iniciando-se pelas normas internacionais, tais como o Preâmbulo e artigos 28 e 29, da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), assim como os artigos 4º. e 5º., do Pacto
Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP). Posteriormente, explicitaram-se, também, o
parágrafo 2º., do art. 5º., da Constituição Federal.
Já no terceiro tópico, fez-se um breve arrazoado sobre a origem e os fundamentos
jurídicos da ditadura civil-militar brasileira para, em seguida, discorrer-se sobre a (possível)
plausibilidade dos atos de resistência implementados pelos grupos de esquerda em desfavor
daquele regime de exceção.
Ao final, concluiu-se que o direito de resistência está diretamente ligado à ideia de
soberania, que deve ser exercida em prol do bem comum e em consonância com o ordenamento
jurídico vigente.
Por semelhante modo, observou-se, desde Locke, a existência de uma sistematização –
mesmo que embrionária - do direito de resistência, que teve sua práxis aperfeiçoada através dos
escritos de Rousseau.
Igualmente, verificou-se que o direito de resistência tem seus fundamentos jurídicos
esposados tanto em diplomas internacionais – a exemplo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH) e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) – como na
Constituição Federal de 1988.
Ainda, demonstrou-se que as ações políticas promovidas por grupos de esquerda no curso
da ditadura brasileira podem ser caracterizadas como atos inerentes ao direito de resistência, haja
vista que estavam pautados na insurgência ao golpe militar de 1º. de abril de 1964, o qual depôs
o legítimo Presidente João Goulart.
Por derradeiro, explicitou-se que o governo militar não gozava de ilegalidade apenas na
sua origem, mas, sobretudo no seu exercício, o qual era pautado na violência institucionalizada
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
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em face dos seus próprios cidadãos e na inobservância contínua às normas fundamentais
brasileiras, conforme se explicitará nas linhas seguintes.
1. DELIMITAÇÃO CONCEITUAL
Já no século XIII, Santo Tomás de Aquino (1225-1274), nas obras Suma Teológica,
Regime dos Príncipes e Comentários às Sentenças de Pedro Lombardo, defendeu o direito à
resistência dos súditos em face de um governo tirânico, notadamente quando houvesse defeito no
modo como foi adquirido o poder, exacerbação nas atribuições concedidas ou perigo no exercício
daquele governo para o bem comum.(SANTOS, 2007, p. 49).
É importante esclarecer que – inicialmente - Tomás de Aquino condenava a insurreição
popular, excetuando-se, segundo Santos (2007, p. 54), nos casos em que o soberano não fosse
justo por não promover o bem da coletividade, ocasião em que seria plausível a rebelião em
desfavor do tirano.
Por seu turno, Nicolau Maquiavel (1469-1527), nos idos de 1532, em seu clássico O
Príncipe, Capítulo IX, intitulado Do Principado Civil, descreveu as relações e os embates pelo
poder soberano, nos termos seguintes:
[...] em toda cidade se encontram essas duas tendências opostas: de uma parte, o povo não
quer ser comandado nem oprimido pelos poderosos, de outra, os poderosos querem
comandar e oprimir o povo; desses dois desejos antagônicos advém das cidades um das três
conseqüências: principado, liberdade ou desordem. (MAQUIAVEL, 2010, p. 77)
Malgrado o esboço de Maquiavel seja deveras assemelhado às disputas cotidianas pelo
poder, foi somente com os contratualistas, a começar por John Locke (1632-1704), em sua obra
Dois tratados sobre o governo, que foi sistematizado um pensamento acerca do direito de
resistência. Primeiramente, ao disciplinar os fundamentos do poder soberano:
Todavia, porquanto ao governo, seja em que mãos estiver, o poder foi confiado – conforme
demonstrei anteriormente – sob essa condição e para esse fim, que os homens pudessem ter
e garantir suas propriedades. (LOCKE,1998, p. 511) (grifo nosso)
Em seguida, Locke clarifica os limites da obediência dos súditos ao soberano, in verbis:
Porém, deve-se observar que ainda que, embora os juramentos de fidelidade e lealdade
sejam dirigidos a ele, não o são por ser ele o legislador supremo, mas sim o supremo
executor da lei formulado por um poder conjunto dele próprio com outros. Não sendo
a fidelidade nada além da obediência segundo a lei, que, quando violada por ele, leva-o
a perder todo o direito à obediência, tampouco pode ela exigi-la a não ser como a pessoa
pública investida contra o poder da lei, devendo, portanto,ser considerada como a imagem, o
espectro ou o representante do corpo político, agindo pela vontade da sociedade, declarada
em suas leis. (LOCKE, 1998, p. 520) (grifo nosso)
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
19
E para que não houvesse dúvidas, arrematou:
Quando, porém, deixar essa representação, essa vontade política, e passar a agir
segundo sua própria vontade particular, degrada-se e não é mais que uma pessoa
particular sem poder e sem vontade, sem direito algum à obediência, pois que não
devem os membros obediência senão à vontade pública da sociedade. (LOCKE, 1998, p.
520) (grifo nosso)
Observa-se, portanto, que Locke não desconsidera os poderes do soberano, ou quem em
seu nome exerça a soberania, entretanto, estabelece limites para sua implementação, frisando que
a origem de todo poder repousa na vontade pública da sociedade, sem a qual impossível se faz a
governança.
Nessa esteira, merecem ser apresentados, também, os seus comentários sobre quais seriam
as diferenças entre o poder legítimo e ilegítimo, a saber:
Pois reconheço que o ponto principal e essencial de diferença entre um rei legítimo e um
tirano usurpador é que enquanto o tirano orgulhoso e ambicioso pensa de fato que seu reino
e povo destinam tão somente à satisfação de seus desejos e apetites desarrazoados, o rei
justo e legítimo, ao contrário, reconhece ser ordenado para promover a riqueza e a
propriedade de seu povo. (LOCKE, 1998, p. 220)
Locke reafirma aqui as obrigações do soberano para com o seu povo, especialmente com
a sua propriedade, diferentemente do poder que venha a ser exercido pelo tirano usurpador. Note-
se que o autor traz à lume não apenas a forma como soberano alcançou o poder, mas também faz
jus ao modo pelo qual se dá o exercício da soberania. Senão vejamos:
No entanto, segundo Locke, o que motivou os homens a celebrarem o contrato social foi o
sentimento de estarem correndo perigo em caso de eclosão de algum inesperado conflito. Se
a autoridade a quem o povo confiou a tutela dos direitos utilizar de arbítrio,
automaticamente retoma ele a sua soberania originária. (...) Perceba-se: para Locke, o
governante deveria ter não só legitimidade de investidura (como queria Hobbes), mas
também legitimidade de exercício. (ROCHA, 2010, p.34)
Destarte, a soberania que restar pautada na vontade pessoal e nos interesses privados do
governante, pode ser alvo de insurgência popular, haja vista o seu desrespeito ao fundamento do
governo, qual seja, o pacto firmado no bem estar da coletividade, que em Locke, é expressa pelo
resguardo à propriedade.
Em seguida, Rousseau (1712-1778) inicia o seu Contrato Social discorrendo sobre o
direito de resistência, mais especificamente sobre a sua práxis:
Quando um povo é obrigado a obedecer e o faz, age acertadamente; mas logo que possa
sacudir esse jugo e o faz, age ainda melhor pois, recuperando sua liberdade pelo mesmo
direito com que esta lhe foi roubada, ou ele tem o direito de retomá-la ou não o tinham de
subtraí-la. (ROUSSEAU, 2006, p. 214)
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
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Para o genebrino, o pacto social não suprime a liberdade dos homens em sociedade, mas
promove o seu redimensionamento, passando de liberdade natural em liberdade convencional
(ROCHA, 2010, p.35).
É também Rousseau quem inova ao expor uma proposta de liberdade vinculada à vontade
geral pactuada pelos cidadãos, que se desrespeitada é passível de insubordinação legítima.
Nessa perspectiva, mas em séculos posteriores, Bobbio (2000, p. 253-254) urdirá o seu
entendimento sobre resistência como sendo: “todo comportamento de ruptura contra a ordem
constituída, que coloque em crise o sistema por seu próprio produzir-se, como acontece em um
tumulto, em uma sublevação, em uma rebelião, em uma insurreição, até o caso limite da
revolução (...)”
Por sua vez, Buzanello (2002, p. 22) advoga que o direito de resistência se constitui no
“direito de cada pessoa, grupo organizado, de todo povo, ou de órgãos do Estado, de opor-se com
os meios possíveis, inclusive a força, ao exercício arbitrário e injusto do poder estatal”.
Em tempos modernos, entretanto, notadamente nos regimes caracterizados como
democráticos, há que se sublinhar, consoante o pensamento de Rocha (2010, p. 81), que “(...) não
é qualquer injustiça que autoriza a resistência, mas somente aquelas que criem uma justificativa
capaz de remover o dever de todos para com as instituições democráticas”.
Assim, o autor apregoa que a etapa inicial da resistência deve ser pautada na própria
sobrevivência do Estado democrático, entretanto, em não sendo possível - seja magnitude, seja
pela relevância da injustiça – enseja-se, pois, o direito de resistência em face de quem exerça a
soberania.
Conclui-se, pois, que a tessitura do direito de resistência foi sendo constituída ao longo
dos últimos séculos, sempre com o firme propósito de oportunizar defesa à opressão – individual
e/ou coletiva - promovida por soberanos, independentemente da forma pela qual alcançaram o
poder, mesmo que legítima. De modo que, esta sua inobservância ao ordenamento jurídico e ao
bem-estar coletivo já se constitui como elemento suficiente para o uso do direito de resistência
pelos cidadãos oprimidos.
2. FUNDAMENTOS JURÍDICOS:
O direito de resistência tem seu esteio em diversas normas internacionais, dentre as quais,
são citadas: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e Pacto Internacional de Direitos
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
21
Civis e Políticos (1966). Merece igual destaque o seu embasamento constitucional, notadamente
no art. 5º, §2º conforme adiante será declinado.
2.1 Das normas internacionais
A primeira norma a dispor – genericamente – sobre o direito de resistência foi a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que no seu Preâmbulo estabeleceu:
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família
humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e
da paz no mundo. Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos
resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento
de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade
de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração
do homem comum. Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos
pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso,
à rebelião contra tirania e a opressão. Considerando essencial promover o
desenvolvimento de relações amistosas entre as nações. Considerando que os povos das
Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na
dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das
mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em
uma liberdade mais ampla. Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a
desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos
humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades.
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta
importância para o pleno cumprimento desse compromisso [...] (grifo nosso)
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, ON-LINE, 1948).
Por semelhante modo, nos seus artigos 28 e 29 a DUDH sublinhou que:
Art. 28 - Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os
direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente
realizados.
Art. 29.
1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno
desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e
liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei,
exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos
direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da
ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e
liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos
propósitos e princípios das Nações Unidas. (grifo nosso) (ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS, ON-LINE, 1948).
Destarte, pode-se afirmar que a DUDH, já a partir do seu Preâmbulo, concedeu
significativa importância para o direito à resistência, na medida em que o formalizou como
direito e universalizou a obrigatoriedade de sua observância.
Por seu turno, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), editado no
ano de 1966, dispôs indiretamente sobre o direito à resistência, nos seguintes termos:
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
22
Art.4º. 1. Quando situações excepcionais ameacem a existência da nação e sejam
proclamadas oficialmente, os Estados partes do presente Pacto podem adotar, na
estrita medida exigida pela situação, medidas que suspendam as obrigações
decorrentes do presente Pacto, desde que tais medidas não sejam incompatíveis com as
demais obrigações que lhes sejam impostas pelo Direito Internacional e não acarretem
discriminação alguma apenas por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião ou origem
social.
[...]
Art. 5º. - 1. nenhuma disposição do presente pacto poderá ser interpretada no sentido
de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a
quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos
no presente Pacto ou impor-lhes limitações mais amplas do que aquelas nele prevista.
2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos
fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte do presente pacto
em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o
presente pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau. (grifo nosso)
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, ON-LINE, 1966).
Observa-se que o PIDCP clarificou sobre a possibilidade de vigência de situações
excepcionais, entretanto, declinou que nem mesmo estas situações devem ser suficientes para
suspender as obrigações ali contidas.
Por semelhante modo, o art. 5º. do PIDCP afiançou como inadmissível toda e qualquer
restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos pelo presente pacto, o
que ratifica a ideia de que as medidas tomadas por soberanos em sentido contrário – para fins de
opressão e violência - deverão ser prontamente enfrentadas, inclusive, pelos próprios cidadãos.
Resta patente que tanto a DUDH, como o PIDCP defendem a democracia em sua
essência, inclusive, já fixando no Preâmbulo do primeiro diploma a possibilidade de insurgência,
quando houver opressão e tirania. Pode-se concluir, então, que em todos os dispositivos aqui
elencados – direta ou indiretamente – são estabelecidos parâmetros mínimos para a observância e
o respaldo da democracia, ou, em caso contrário, para a efetivação do direito de resistência.
2.2 Da fundamentalidade do direito de resistência
A fundamentalidade do direito à resistência pode ser vislumbrada a partir da cláusula de
abertura firmada no art. 5o
, § 2o
, da CF/88, que permite a inclusão, no rol constitucional, de
direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios adotados (LOPES; CHEHAB, 2008, p.
8).
A inclusão formal no catálogo dos direitos fundamentais, graças à norma prevista no art.
5º, § 2°, não é o único, nem talvez o mais forte argumento para afirmar a sua natureza de direito
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
23
fundamental. Pelo contrário, o mais sólido deles é sua correspondência substancial com a
definição de direitos fundamentais, entendidos estes como princípios jurídicos positivos, de nível
constitucional, que refletem os valores mais essenciais de uma sociedade, visando a proteger
diretamente a dignidade humana, na busca pela legitimação da atuação estatal e dos particulares
(LOPES; CHEHAB, 2008, p. 9)
Desta definição, infere-se que os direitos fundamentais são normas positivas do mais alto
nível hierárquico, visto sua função de preservar a dignidade de todo ser humano, tarefa que deve
ser o centro e fim de todo agir. Aliás, a proteção da dignidade humana é o elemento essencial
para a caracterização de um direito como fundamental. É verdade que todo direito, toda norma
jurídica, tem como objeto a salvaguarda e bem-estar do ser humano - ou pelo menos assim
deveria ser - mas, no caso dos direitos fundamentais, essa proteção é direta e sem mediações
normativas (LOPES; CHEHAB, 2008, p. 10).
O caráter principiológico dos direitos fundamentais deriva, por sua vez, da estrutura
abstrata do seu enunciado, conforme os ensinamentos do jurista alemão Alexy (1993, p.105-108).
Por outro lado, afirma-se, também, que os direitos fundamentais buscam legitimar o Estado, na
medida em que o grau de proteção desses direitos permitirá definir o grau de democracia vigente.
Contudo, não apenas o Estado está submetido aos limites impostos pelas normas dos direitos
fundamentais: os particulares também devem obediência aos seus ditames (LOPES; CHEHAB,
2008, p.10).
Verifica-se, portanto, que o direito de resistência é merecedor do caráter de
fundamentalidade, na medida em que anuncia norma de importância suprema, que delineia
direito indispensável à concretização da dignidade pessoa humana, sendo ratificado, inclusive,
por diversos documentos internacionais, dos quais o Brasil é signatário.
Inconteste é, também, a identidade do direito em apreço para com o princípio da dignidade
da pessoa humana, que, embora não expresso no seio constitucional, encontra guarida no próprio
senso de efetivação dos direitos fundamentais, razão pela qual deve ser entendido de modo a
acolher todos os direitos e garantias que consigo se coadunem.
O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela
integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma
existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim,
onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos
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fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados não haverá
espaço para a dignidade da pessoa humana. (grifo nosso). (ROCHA, 1999, p. 60)
Não se pode olvidar, ainda, que a fundamentalidade do direito de resistência pode ser
justificada por dimanar de tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, como o
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, bastando, para tanto, que o Brasil seja signatário
do documento e obedeça ao regramento do art. 5o
, § 3º, da Constituição Federal.
Desta feita, resta indubitável o acolhimento do direito de resistência pelo ordenamento
jurídico brasileiro e, em especial, da sua fundamentalidade, considerando sua formalização
decorrente do regime, da sua presença em diversos dispositivos constitucionais, dos princípios e
dos tratados de que o Brasil é parte, além da sua relevância como instrumento na construção de
uma sociedade livre, justa e democrática.
3. SOBRE A PLAUSIBILIDADE DO USO DO DIREITO DE RESISTÊNCIA NO
CURSO DA DITADURA CIVIL-MILITAR
A ditadura militar, estabelecida com o golpe de 31 de março de 1964, e vigente até as
eleições indiretas de 1985, promoveu uma das maiores agressões institucionais perpetradas pelo
Estado brasileiro. Conforme dados do Programa Nacional de Direitos Humanos III (PNDH-3),
estima-se que 50.000 pessoas tenham sido presas somente nos primeiros meses de 1964, 20 mil
brasileiros tenham sido submetidos a torturas, 300 cidadãos tenham sido mortos e/ou
desaparecidos (BRASIL, 2010, p. 173).
Em 1979, com o advento da Lei nº 6.683, o Estado brasileiro - pressionado pela crise
econômica, pela perda de legitimidade na classe média e pela reorganização progressiva da
sociedade civil organizada, especialmente dos movimentos estudantis e dos familiares e parentes
de presos, desaparecidos e exilados políticos - concedeu anistia a todos quantos, no período
compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos
ou conexos com estes, crimes eleitorais, ou tiveram seus direitos políticos suspensos. Assim
também, concedeu anistia aos servidores da administração pública direta e indireta ou de
fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos poderes Legislativo e Judiciário, aos
militares e aos dirigentes e representantes sindicais punidos com fundamento em atos
institucionais e complementares editados nesse período.
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A partir do término formal do regime de exceção, no ano de 1985, os outrora presos e
torturados, além dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, passaram a reivindicar,
inclusive judicialmente, a abertura dos registros e arquivos da repressão militar, no intuito de que
o Estado apresentasse para toda a coletividade a verdade sobre as graves violações de direitos
humanos cometidas durante a ditadura e, assim, fizesse jus à memória individual e coletiva do
país, reparando simbólica e economicamente todos os cidadãos atingidos pelo regime.
Passados vinte oito anos, tais reivindicações jamais foram cumpridas em sua integralidade.
Esta ineficácia deve-se, dentre outros fatores, à pressão exercida, junto ao governo federal, por
alguns segmentos da sociedade - especialmente pelos quadros remanescentes da ditadura militar e
por alguns partidos políticos conservadores - que, com o discurso de que a lembrança poderia
colocar em risco a estabilidade democrática, bem como de que os grupos de esquerda que
praticaram atos de resistência são tão culpados pela ditadura quanto os agentes do Estado que
mataram e/ou torturaram, têm conseguido silenciar as discussões mais complexas a esse respeito.
Nesse contexto, a pergunta que persiste é a seguinte: será que os atos perpetrados pelos
indivíduos e/ou grupos que enfrentaram a ditadura civil-militar estão jungidos ao direito de
resistência? Ou seriam, como alguns apregoam, assemelhados aos atos de violência praticados
pelo Estado, e, por isto, plenamente ilegítimos?
Para uma análise mais objetiva dos fatos aqui relacionados, faz-se necessário apresentar o
contexto histórico da ditadura civil-militar, sobre o qual se passa a expor.
A ditadura civil-militar foi iniciada por um golpe de Estado contra um governo
legitimamente eleito, qual seja, do Presidente João Goulart, que há tempos, desde quando foi
titular do Ministério do Trabalho, durante o governo de Getúlio Vargas, já era alvo de críticas
pelos setores elitistas, em razão do seu alinhamento com as forças de esquerda (PRESOT, 2010,
p.72) e do caráter populista ( AMBOS et. al., 2010, p.140)
Em contrapartida, sabe-se que alguns militares - e simpatizantes do regime- costumam
dizer que a tomada do poder somente se deu em razão de uma potencial ameaça comunista no
Brasil, bem como em decorrência de uma reiterada solicitação popular, que, dentre outros
eventos, ganhou vulto com as Marchas da Família com Deus pela Liberdade. (SAFATLE, 2010,
p. 247)
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Malgrado não seja este o objeto do presente, cumpre ser destacado, para fins de
esclarecimento geral da temática, que, conforme Safatle (2010, p. 248):
[...] não havia luta armada de esquerda antes do golpe militar. Não há nenhum caso
registrado de grupo guerrilheiro atuante antes do golpe, embora houvesse de maneira
reiterada, sublevações militares conservadoras contra governos eleitos que não tinham
vínculo algum com a esquerda revolucionária (como as sublevações de Jacarecanga e
Aragarças no governo Juscelino Kubitschek) e tentativas de golpe desde o segundo governo
Vargas. Isso demonstra como a luta armada esteve vinculada primeiramente à recusa
legítima ao regime militar, ao caráter insuportável que ele adquiriu para vários setores
da população nacional. (grifo nosso)
Observa-se, portanto, que não havia objetivamente qualquer ameaça comunista no Brasil,
exceto às que foram disseminadas no imaginário popular, no mais das vezes, pelos próprios
setores golpistas, o que findou por incitar, dentre outros expedientes, as supramencionadas
Marchas, posteriormente tidas como elementos de legitimação da ditadura.
Mas, mesmo que assim o fosse, ou seja, que o golpe tenha ocorrido devido ao clamor
popular e, por isto, supostamente seria patente a sua legitimidade, cumpre aqui lembrar as lições
de Friedrich Muller (2003, p.107), para quem a legitimidade é alcançada por meio de um
processo.
Nesta esteira, pode-se até tentar afirmar que os militares alcançaram o poder com certa
legitimidade, mas não seria plausível conceber que a ditadura tenha sido legitimada no seu
transcurso. De fato, a ditadura se encerrou, porque aos poucos, a diminuta legitimidade que
supunha ter, fora desfalecendo, o que resta inequívoco, em razão das seguidas vitórias do partido
de oposição consentida – MDB, durante os seus últimos anos de vigência.
Como se não bastasse a falta de legitimidade comprovada, deve-se destacar que a ditadura
tampouco fora submissa, como deveria sê-lo, ao ordenamento jurídico pátrio. Diz-se isto porque
a Carta Constitucional de 1946 estipulava claramente, em seu art. 79 e parágrafos, um plano de
sucessão para a Presidência da República, em caso de vacância, o que não fora respeitado.
Ademais, na mesma Carta Política, em seu Título IV, Capítulo II, estava firmado um vasto rol de
direitos e garantias individuais, os quais também foram progressivamente desrespeitados e/ou
suprimidos pelos setores militares aliados ao golpe de 1964.
Nessa esteira, é de bom grado frisar que o desrespeito em comento não se configurava em
situação isolada, uma vez que em 1967, três anos depois do Golpe Militar, foi outorgada uma nova
Constituição, já com traços eminentemente centralizadores e limitadores dos direitos individuais,
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tornando-se conhecida por ser instrumento de suplantação da legalidade e da dignidade da pessoa
humana, forjada em um período de elevada concentração de renda pelas oligarquias regionais e
partidárias da ditadura e de endividamento do país para com organismos financeiros estrangeiros.
(SKIDMORE, 1982, p.383). A despeito disto, esta mesma Carta Política, elaborada pela própria
ditadura, foi objeto de reiterados atos de inobservância por todos os poderes constituídos,
irregularidades que se formalizaram por meio do Ato Institucional nº.5/1968.
Por seu turno, a Emenda Constitucional nº. 1, de 17 de outubro de 1969, acolhida como
instauradora de uma nova ordem, e, portanto, recepcionada como Constituição, não suprimiu os
direitos e garantias fundamentais, contudo, deles não se propôs a fazer uso (BARROSO, 2006,
p.39), mantendo o aparato de violência institucionalizada do governo contra os seus próprios
cidadãos, inclusive, com o uso da execução sumária, leia-se: pena de morte, para alguns dos seus
supostos inimigos capitais, como Carlos Lamarca (MIRANDA; TIBÚRCIO, 2008, p. 500-501).
Destarte, olvidou-se o regime ditatorial de uma premissa básica dentro da Teoria Geral do
Estado, a saber: há que se respeitar – mesmo que minimamente - as regras sobre as quais tal
Estado foi fundado, o que inclui o uso da força, para que não alcance o arbítrio, senão vejamos:
Na medida em que há uso de armas pelos contrários à nova ordem estabelecida, como na
guerrilha, há uma série de medidas legais, previstas no ordenamento jurídico do momento
para que estes agentes possam ser punidos. Punidos, nunca extintos. A ordem, tendo o
direito ao seu lado, jamais pode utilizar-se dos meios, especialmente quando os considere
tipicamente terroristas, de seus opositores. Esses podem ser presos, jamais torturados, por
um simples motivo de ordem jurídica: quem detém a prerrogativa de delimitar o direito
não pode agir contra os parâmetros jurídicos postos. O poder não pode fazer uso de força
desproporcional, já que o direito é a própria medida e a adequada proporção da força entre
os civilizados. Se aqueles que são contrários a ordem tudo é dado fazer. Aos que detém o
poder, e são responsáveis pela manutenção da ordem, somente é dado (sic) a utilização do
direito, pelo qual é, em especial nos moldes em que se processou o fenômeno em 1964,
responsável. (CORREIA, 2010, p.143-144)
Volvendo-se à ideia originária do presente artigo acerca do direito de resistência, que
estabelece que o soberano não adstrito ao ordenamento jurídico, tampouco ao bem comum, pode
ser submetido a atos de resistência dos seus cidadãos, tem-se por inequívoca a plausibilidade do
uso do direito de resistência pelos grupos de esquerda, durante a ditadura civil-militar brasileira,
haja vista que, como dissertado, ali não houve respeito ao ordenamento jurídico – posto ou
elaborado pela própria ditadura – nem observância ao bem comum.
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Tais argumentos podem ser exemplificados ainda pelos atos de opressão e violência
cometidos pelo próprio Estado ditatorial em detrimento dos seus cidadãos. Em números, pode-se
afirmar que a ditadura civil-militar brasileira foi responsável por – pelo menos - “10 mil exilados,
7.387 acusações formalizadas por subversão; 4.682 cassados e cerca de 300 mortos e
desaparecidos” (LIRA NETO, 2004, p. 419)
Por tudo isto, pode-se concluir que o uso do direito de resistência, notadamente por grupos
de esquerda, durante o período de exceção militar, fora plausível porque se deu em face de um
governo ilegítimo, que desconsiderou o ordenamento jurídico, a promoção e defesa da
coletividade, tanto na sua origem, quanto no seu exercício.
CONCLUSÃO
Diante do todo exposto, pode-se concluir que:
I - O direito de resistência está diretamente ligado à ideia de soberania, que deve ser exercida em
prol do bem comum e em consonância com o ordenamento jurídico vigente;
II –Por semelhante modo, observou-se que o direito de resistência teve sua matriz teórica
constituída a partir do século XIII, com os escritos de Santo Tomás de Aquino, e aperfeiçoada
com Maquiavel, Locke e Rousseau, sempre com o firme propósito de oportunizar a defesa à
opressão – individual e/ou coletiva - promovida por soberanos, independentemente da forma pela
qual alcançaram o poder;
III - Igualmente, verificou-se que o direito de resistência tem seus fundamentos jurídicos
esposados tanto em diplomas internacionais – a exemplo da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH) e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) – como na
Constituição Federal de 1988;
IV - Ainda, demonstrou-se que as ações políticas implementadas pelos grupos de esquerda
durante o período de exceção brasileiro podem ser caracterizadas como atos inerentes ao direito
de resistência, haja vista que pautados na insurgência à ditadura civil-militar brasileira, que
alcançou o poder por meio de um golpe militar, em 1º. de abril de 1964, contra o Presidente –
legitimamente eleito - João Goulart;
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V – Por fim, explicitou-se que o governo militar não gozava de ilegalidade apenas na sua origem,
mas, sobretudo no seu exercício, o qual era pautado pela violência institucionalizada em face dos
seus próprios cidadãos e pela inobservância às normas fundamentais brasileiras.
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AUTORITARISMO: A RELAÇÃO ENTRE OS MILITARES E OS JUÍZES
DURANTE O REGIME INSTALADO EM 1964
Grijalbo Fernandes Coutinho*
RESUMO
Este artigo focaliza o papel do Poder Judiciário brasileiro durante o período da ditadura
militar brasileira (1964-1985). A predominante harmonia existente entre a cúpula da Justiça e
o governo dos generais legitimou a prática de atos cruéis contra militantes de esquerda,
trabalhadores, estudantes e personagens moderados da cena política nacional, indo dos
expurgos às torturas, aos desaparecimentos e aos assassinatos. Dos pilares da democracia e do
Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário não foi simplesmente o mais frágil dos
elos da cadeia, senão verdadeiro legitimador, no tempo do arbítrio, das práticas opressoras e
cerceadoras das liberdades individuais da sociedade brasileira. As reações isoladas, no seio da
magistratura, contra a violência institucional adotada pelo Estado como lema e ação
repressiva contundente, foram objeto de expurgos e aposentadorias compulsórias, sem que
houvesse gestos efetivos de solidariedade por parte do conjunto de juízes e de suas entidades
de classe. Essa adesão silenciosa aos métodos autoritários dos governantes que tomaram o
poder político de assalto em 1964, com uma ou outra insurgência dos homens e mulheres de
toga avessos ao comodismo, resta suficientemente comprovada no último governo militar, a
partir da escolha do presidente da maior associação de juízes brasileiros para ocupar o cargo
de ministro do Supremo Tribunal Federal, conforme ato monocrático do General João
Baptista de Oliveira Figueiredo, chefe ilegítimo da República. Há inúmeras razões capazes de
justificar a apatia do Poder Judiciário. Entre outras, o presente trabalho aponta o perfil político
da magistratura daquela época como sendo a causa mais evidente da decantada neutralidade
assumida pela coletividade dos juízes diante da violência política institucionalizada pelos
autores da quartelada de 1964. Também não é possível relegar a falta de coragem em enfrentar
ditadores armados e seus seguidores agindo como cães ferozes, prontos, por isso mesmo, para
torturar, perseguir, sequestrar e matar insurgentes, sejam eles detentores ou não de alguma
fração de poder na República.
Palavras-chave: História. Direito. Regime militar de 1964. Arbítrio. Direitos Humanos.
Autoritarismo e Poder Judiciário. Positivismo. Constitucionalismo liberal. Conservadorismo.
*
Mestrando em Direito pela UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais, juiz do trabalho, titular de Vara do
Trabalho em Brasília-DF, do TRT 10- Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região.
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AUTHORITARISM: THE RELATION BETWEEN MILITARIES AND JUDGES
DURING THE 1964 REGIME
ABSTRACT
This article focuses on the role of the Brazilian Judiciary during the Brazilian military
dictatorship (1964-1985). The prevailing harmony between the higer judges and the
government of generals legitimized the practice of cruel acts against leftists, workers, students
and even moderates in the national political scene, the purges going to torture, disappearances
and killings. One of the pillars of democracy and the democratic rule of law, the judiciary was
not simply the weakest links in the chain, but it truly try to legitimize, in a time of
arbitrariness, oppressive practices that reduced civil rights in the Brazilian society. Isolated
reactions within the judiciary, against institutional violence adopted by the state as a motto,
and as a forceful repression, subject the judges that resited to the regime to compulsory
retirement and purges, without any actual gestures of solidarity from the set of judges and
their associations . This silent alignment to authoritarian methods of rulers who took power
political assault in 1964, with an occasional insurgency of men and women of toga that
repudiated commodity, remains sufficiently proven in the last military government, from the
choice of the president of the largest association Brazilian judges to fill the position of Justice
of the Supreme Court, according the the single wish and act of the tyrannical General João
Baptista de Oliveira Figueiredo, an illegitimte head of Republic. There are numerous reasons
that justified the apathy of the Judiciary. Among others, this paper points out the political
profile of the judges of that time as being the most evident cause of celebrated neutrality
assumed by the community of judges facing the institutionalized political violence by the
authors of the 1964 military uprising. It should also be taken in consideration the lack of
courage in facing dictators and their armed followers acting like vicious dogs, ready,
therefore, to torture, persecute, kidnap and kill insurgents, whether or not holders of some
fraction of power in the Republic.
Key words: History. Law. Military Government of 1964. Dictatorship and the judiciary.
Human rights. Positivism. Liberal constitutionalism. Political conservatism.
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1 INTRODUÇÃO
O regime autoritário brasileiro mais próximo, vigente durante 21 anos, nasceu a
partir de golpe planejado nos quartéis com o apoio de expressivas frações da burguesia,
nacional e estrangeira, e também da nação imperialista norte-americana, cuja execução deste
ato agressivo se deu no dia 31 de março de 1964, havendo, desde então, a quebra da
institucionalidade democrática, com a consequente montagem gradual de novo aparato
jurídico capaz de dar suporte ao conjunto de violações aos direitos humanos.
Numa época marcada pela valorização do Estado constitucional que tem como um de
seus protagonistas o Poder Judiciário, é necessário indicar como os juízes brasileiros lidaram
com a ordem autoritária instaurada em 1964 e os seus comandos presentes em instrumentos
montados pelo arbítrio, sem descuidar, no entanto, da tentativa de localização das causas mais
evidentes de uma postura dos juízes, política e judiciária, refratária ou não à cartilha dos
militares brasileiros que tomaram o poder político de assalto.
Tem relevância para o direito, e sobretudo para a história, avaliar o papel
desempenhado por instituição do poder público concebidas para garantir primordialmente o
exercício dos direitos fundamentais, numa época de flagrante rompimento com a ordem
constitucional e de completo obscurantismo estatal.
O artigo busca, em síntese, indicar o tipo de relação existente entre militares e juízes
na época do arbítrio e algumas das razões para determinadas posturas serem assumidas pelo
Poder Judiciário brasileiro.
2 GOLPE MILITAR DE 1964 NO BRASIL E O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO
Ainda é reduzida a investigação realizada pelo mundo acadêmico a respeito do
efetivo papel exercido pelo Poder Judiciário durante o período do regime autoritário
brasileiro. Mesmo desprezando esse elemento de caráter científico, ninguém ousou até agora
descrever ou defender a tese da resistência, política ou judiciária, ao arbítrio instalado no País
em 1964, por parte dos juízes ou de suas entidades de classe. E aqui, cabe dizer, não serve
para materializar insurgência coletiva ou majoritária os eventuais atos isolados de insatisfação
contra as ações dos golpistas, inclusive pela falta de real solidariedade ou de respaldo aos
gestos de poucos magistrados afetados diretamente ou indignados com o quadro cerceador de
liberdades visto a partir de 31 de março de 1964.
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Com o propósito de verificar, entre outros aspectos, a intensidade da opressão
presente nos regimes autoritários vigentes no Brasil, no Chile e na Argentina, Anthony Pereira
(2010), numa pesquisa que resultou em livro, defende a teoria de que o grau de violência, em
cada uma dessas nações, foi definido pelo nível de cooperação, consenso e integração
existente entre as elites militares e judiciárias. Para tanto, nota o brasilianista que na Argentina
não houve entrosamento entre os dois segmentos, daí porque os militares portenhos
simplesmente ignoraram o direito e o Poder Judiciário, passando a resolver o confronto
mediante o massacre dos adversários, institucionalizando-se, assim, a violência, a ponto de
eliminar, contando mortos e desaparecidos, 30 mil pessoas, de 1976 a 1983.
No caso do Chile, Pereira assinala que, embora houvesse algum tipo de
entrosamento, definido como moderado, Pinochet não confiava tanto na eficiência do Poder
Judiciário no exame de suas práticas políticas de forte repressão aos opositores do golpe de
1973, motivo pelo qual adotou-se ali a via simples da usurpação das funções judiciárias pelo
comando militar. A corte militar legitimou, em última análise, o assassinato de 7.004 pessoas
e tantas outras opressões e perseguições.
Com especial atenção para a situação brasileira, Anthony Pereira, em vários capítulos
do livro Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e na
Argentina (2010), sustenta que, ao contrário dos demais países, no Brasil havia total
entrosamento entre as forças militares e o Poder Judiciário, tendo o autoritarismo, por isso
mesmo, utilizado a estrutura jurídica existente antes do golpe para legitimar os seus atos, com
modificações ao longo do tempo, tal era a confiança depositada pelo regime nos magistrados,
criando, assim, um cenário de suposta normalidade e de respeito às regras do direito. Por
força de tal aliança, principalmente, o grau de violência adotado pelos militares brasileiros
teria sido menor, com 364 vítimas fatais, quando comparado com os extermínios de
adversários políticos vistos na Argentina e no Chile.
O pesquisador norte-americano anota o seguinte:
Onde existia consenso, cooperação e integração entre as forças armadas e o
Judiciário, a repressão praticada pelo regime foi em boa medida judicializada,
e o sistema judicial foi gradualmente alterado numa direção conservadora.
Onde houve um rompimento entre os militares e as elites judiciárias, a
repressão transformou-se num ataque radical em grande parte extrajudicial
aos procedimentos legais tradicionais. Onde havia uma nítida separação entre
as forças armadas e o Judiciário, e a cooperação era limitada, a repressão
tomou uma forma intermediária entre esses dois polos. (PEREIRA, 2010,
p. 286)
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Em outras palavras, Pereira compreende que a repressão extrajudicial, na ditadura,
aumenta quando o Judiciário não compactua, ainda que de forma velada, com o autoritarismo
(Argentina). Por mais paradoxal que seja a relação, é certo que a existência de tribunais de
confiança do arbítrio é fator de preservação de algumas garantias físicas dos presos políticos
(Brasil). Na dúvida, porém, sobre o respaldo aos atos de violência estatal, usurpam-se as
funções judiciárias para o corpo militar investido agora da condição de julgador, tudo a
configurar quadro intermediário entre a violência institucionalizada e o Estado autoritário
travestido de direito (Chile).
Por outro lado, a tentativa de imprimir algum caráter de legalidade aos atos da
ditadura militar brasileira, na leitura de Anthony Pereira, além do aspecto relativo ao
entrosamento com o Poder Judiciário, também tem suporte na tomada do poder por parte de
militares considerados moderados, na organização mais débil da esquerda brasileira,
especialmente dos grupos armados, e no afastamento de alguns juízes e ministros do STF não
alinhados à doutrina de segurança nacional.
Citado por Renato Lemos (2011), Emir Sader afirma que
Foi mais fácil para a ditadura, após depurar o Legislativo e o Judiciário,
conviver com eles, sem necessidade de fechá-los, como aconteceu nos outros
países do Cone Sul. Não foi um sinal de “liberalismo” do regime militar, mas
de fraqueza das forças democráticas e de ambiguidade acentuada dos liberais:
aquelas poderiam ser derrotadas, mantendo-se a fachada das instituições, e
esses compactuaram com o regime de força.
Na verdade, os militares brasileiros pretendiam passar para o público a falsa imagem
de ter havido heroico levante contra o marxismo já instalado em algumas nações, mesclando,
por isso mesmo, elementos autoritários com instrumentos próprios de um Estado de Direito.
Tanto é assim que atribuíram ao golpe o significativo nome de “revolução”. O propósito era
escamotear a natureza golpista e autoritária do regime para adquirir a maior carga de
legitimidade possível entre os setores da sociedade desinformados ou simpáticos ao fervoroso
combate aos comunistas, além de esfriar eventual resistência por parte de governos e
organizações internacionais. E para a dissimulação perpetrada um ator era importante na mera
encenação democrática de exercício do poder político, qual seja, o Judiciário dócil e afinado
com a nova ordem e com a doutrina de segurança nacional das forças armadas. Embora
coadjuvantes no script geral, os juízes acabam tendo um papel importante no sentido de
legitimar as atrocidades dos gestores de plantão, especialmente na aplicação das políticas e
regras ditadas no curso da fase autoritária do Estado brasileiro.
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O trabalho investigativo de Pereira tem o notável mérito, entre outros, de expor a real
atitude do Judiciário brasileiro frente ao golpe militar e à ditadura instalada no País em 1964.
Tanto se pode conferir ao referido poder, naquela época, o título de aliado, colaborador e
complacente com o arbítrio ou, de maneira mais suavizada assim vista a ausência de reação
dos juízes, dar-lhe a qualidade de ator omisso, uma espécie de alienado político no processo
de escancarada violência condutora da tritura dos mais elementares direitos humanos durante
duas décadas.
Jamais podem ser relegadas as reações isoladas de juízes e ministros do STF contra o
regime autoritário brasileiro e suas despóticas ordens presentes na maioria das vezes nos atos
institucionais dos anos 1960. Há registro no sentido de que logo no início do autoritarismo 49
juízes sofreram algum tipo de expurgo (FAUSTO, 2000). Com o AI-5 outros magistrados,
inclusive no STF e na Justiça Militar, caíram na inatividade, com destaque para as
aposentadorias compulsórias dos ministros Victor Nunes Leal, Evandro Lins e Silva e Hermes
Lima, e voluntárias de Gonçalves de Oliveira e Lafaiete Andrade, além da compulsória
aplicada ao ministro Peri Constant Bevilacqua, do STM. Também é digna de nota a altivez do
juiz federal Márcio José de Morais ao responsabilizar civilmente a União pela prisão ilegal,
tortura e morte do Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI, além de determinar a
remessa de cópias dos autos à Procuradoria Militar, para fins penais, conforme sentença
proferida no dia 25 de outubro de 1978, nos autos da Ação Declaratória nº 136/76 (Autores:
Clarice Herzog, Ivo Herzog e André Herzog. Ré: União Federal, da 7ª Vara Federal de São
Paulo).
As eventuais dissidências no âmbito do Judiciário não comprometiam a busca
incessante das forças armadas na perspectiva de legitimar a ditadura sob o manto da
democracia. Para o professor Renato Lemos,
O STF desempenhou um importante papel nestas estratégias, como espaço
atenuador de práticas policiais e jurídicas tendentes a aprofundar o caráter
ditatorial do regime. É inegável que em muitas ocasiões o tribunal foi
determinante para a garantia de respeito a direitos políticos e individuais.
Mas essa evidência não invalida a hipótese, apenas indica o conteúdo
contraditório das relações entre o Executivo e o Judiciário. O lugar reservado
a este, na medida em que o mantinha em funcionamento, implicava o risco de
que os juízes, ao menos alguns, votassem contra os interesses dos militares
no poder. Como isso acontecesse esporadicamente, ou em relação a questões
sem transcendência política, podia ser encarado com um preço razoável a ser
pago para reforçar a ideia de uma ditadura provisória claramente
comprometida com o restabelecimento da democracia. (LEMOS, 2011, p. 15)
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O juiz federal aposentado Vladimir Passos de Freitas indica algum tipo de resistência
dos juízes ao regime ditatorial instalado em 1964, segundo consta de artigo recentemente
publicado:
O Brasil mudava. Atos Institucionais suspendiam direitos constitucionais. O
AI 2, em 1965, elevou o número de ministros do STF de 11 para 16, com o
intuito de alterar os posicionamentos. O AI 5, em 1968, suspendeu os direitos
e garantias individuais, iniciando as cassações. O AI 6, de 1969, excluiu da
apreciação judicial uma série de atos. O AI 13, de 1969, dispôs sobre o
banimento dos considerados nocivos à segurança nacional. O AI 14, em
1969, instituiu a pena de morte para os casos de guerra psicológica
revolucionária ou subversiva.
É desta época a cassação de vários juízes. Talvez o primeiro caso tenha sido o
do juiz de Direito José Francisco Ferreira, da comarca de Pacaembu (SP), que
no dia 31 de março de 1964 mandou hastear a bandeira do Brasil a meio-pau
no fórum. Entre tantos, a cassação do desembargador Edgard Moura
Bitencourt (TJ-SP), autor do excelente livro O Juiz, do grande José de Aguiar
Dias (TJ-DF, então no RJ), autor do ótimo Da Responsabilidade Civil e do
juiz federal Américo Masset Lacombe, de São Paulo, que foi preso, cassado e
voltou, anistiado, à magistratura, onde chegou à presidência do TRF-3[...].
Em conclusão abreviada pelo limite máximo de duas folhas, na visão minha
que pode ser diferente de quem tenha tido outras experiências, penso que no
regime militar o Judiciário, na esfera política e institucional, não tinha
liberdade de agir, e os que ousassem enfrentar o regime corriam o risco da
cassação. Na área das relações entre particulares, Justiça Estadual, não existia
qualquer tipo de interferência, sendo plena a liberdade dos Juízes. E quem
mais souber que o diga. Vamos construir nossa história. (FREITAS, 2011)
Pode se cogitar, como faz Vladimir Passos de Freitas, da provável cassação do
magistrado caso tivesse ele a ousadia de enfrentar o regime autoritário. Mas o que ocorreu no
Brasil não foi apenas a falta de enfrentamento senão uma adaptação do Poder Judiciário ao
figurino político e jurídico ditado sob a batuta dos quartéis, seja pela legitimidade conferida
ao arbítrio e aos personagens que tomaram o Estado por intermédio de golpe, seja pela
majoritária jurisprudência respaldadora de normas e atos injurídicos, nitidamente ofensivos
aos direitos humanos.
Os militares e o judiciário brasileiro, a exemplo das demonstrações públicas de
arrependimento externadas pelos golpistas argentinos, verdadeiras ou não, deveriam ter a
humildade e a hombridade de reconhecer cada um a sua responsabilidade pelas consequências
do autoritarismo vigente durante mais de 20 anos no país.
Definitivamente, as destemidas reações de alguns juízes naquela época são
fragmentos relevantes, cujo impacto, no entanto, foi reduzido, do ponto de vista de expressão
política, quando consideradas as insatisfações dentro do conjunto de medidas adotadas pelo
Poder Judiciário na análise dos atos arbitrários do regime.
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça
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  • 1. 2014 Curitiba Coleção CONPEDI/UNICURITIBA Organizadores Prof. Dr. Orides Mezzaroba Prof. Dr. Raymundo Juliano Rego Feitosa Prof. Dr. Vladmir Oliveira da Silveira Profª. Drª. Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr Vol. 30 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO: VERDADE, MENÓRIA E JUSTIÇA Coordenadores Profª. Drª. Samantha Ribeiro Meyer Pflug Prof. Dr. Marcos Augusto Maliska 2014 Curitiba
  • 2. Nossos Contatos São Paulo Rua José Bonifácio, n. 209, cj. 603, Centro, São Paulo – SP CEP: 01.003-001 Acesse: www. editoraclassica.com.br Redes Sociais Facebook: http://www.facebook.com/EditoraClassica Twittter: https://twitter.com/EditoraClassica Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE Equipe Editorial EDITORA CLÁSSICA Allessandra Neves Ferreira Alexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros Vita José Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete Pozzoli Leonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão Luiz Eduardo Gunther Luisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Séllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos Conselho Editorial H673 Justiça de transição: Verdade, memória e justiça Coleção Conpedi/Unicuritiba. Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira / Viviane Coêlho Séllos-Knoerr. Coordenadores : Samantha Ribeiro Meyer Pflug / Marcos Augusto Maliska. Título independente - Curitiba - PR . : vol.30 - 1ª ed. Clássica Editora, 2014. 383p. : ISBN 978-85-8433-018-8 1. Direitos humanos. 2. Ditadura. 3. Anistia. I. Título. CDD 320.981 Editora Responsável: Verônica Gottgtroy Capa: Editora Clássica
  • 3. MEMBROS DA DIRETORIA Vladmir Oliveira da Silveira Presidente Cesar Augusto de Castro Fiuza Vice-Presidente Aires José Rover Secretário Executivo Gina Vidal Marcílio Pompeu Secretário-Adjunto Conselho Fiscal Valesca Borges Raizer Moschen Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa João Marcelo Assafim Antonio Carlos Diniz Murta (suplente) Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente) Representante Discente Ilton Norberto Robl Filho (titular) Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente) Colaboradores Elisangela Pruencio Graduanda em Administração - Faculdade Decisão Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira Graduada em Administração - UFSC Rafaela Goulart de Andrade Graduanda em Ciências da Computação – UFSC Diagramador Marcus Souza Rodrigues XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBA Centro Universitário Curitiba / Curitiba – PR
  • 4. Sumário APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................ REFLEXÕES SOBRE O USO DO DIREITO DE RESISTÊNCIA EM FACE DA DITADURA CIVIL-MILITAR BRASILEIRA(AnaMariaD´ÁvilaLopeseIsabelleMariaCamposVasconcelos Chehab)............................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ DELIMITAÇÃO CONCEITUAL ..................................................................................................................... FUNDAMENTOS JURÍDICOS ..................................................................................................................... SOBRE A PLAUSIBILIDADE DO USO DO DIREITO DE RESISTÊNCIA NO CURSO DA DITADURA CIVIL- MILITAR ..................................................................................................................................................... CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ AUTORITARISMO: A RELAÇÃO ENTRE OS MILITARES E OS JUÍZES DURANTE O REGIME INSTALADO EM 1964 (Grijalbo Fernandes Coutinho) .................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ GOLPE MILITAR DE 1964 NO BRASIL E O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO ............................................... SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL DE CONFIANÇA DO REGIME E JUSTIÇA MILITAR DOS MILITARES ..... PARADIGMA LIBERAL POSITIVISTA DO DIREITO E O CONSERVADORISMO DA MAGISTRATURA ......... CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA LEI DE ANISTIA E DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL (Gabriela Natacha Bechara) ........................................................................................................................ INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ A ANISTIA E SEUS ANTECEDENTES HISTÓRICOS ..................................................................................... ANISTIA E A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO ...................................................................................................... CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DA VERDADE SOBRE AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NOS REGIMES MILITARES DA AMÉRICA LATINA (Tais Ramos) ........................................... CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................................................ A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DA VERDADE SOBRE AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NOS REGIMES MILITARES DA AMÉRICA LATINA .................................................................. 12 16 17 19 21 25 29 30 32 34 34 41 42 48 49 51 51 53 71 77 78 81 82 83
  • 5. A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CONSTITUIÇÃO DA VERDADE SOBRE AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NO REGIME MILITAR BRASILEIRO: A EXPERIÊNCIA DA COMISSÃO DE ANISTIA BRASILEIRA E DA COMISSÃO DOS MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS ......................................... CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE NO BRASIL: NOTAS SOBRE UM DEBATE NECESSÁRIO PARA O CAMPO DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO (Carlos Bolonha e Vicente Rodrigues) ........................................... CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................................................ JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO COMO NOVO CAMPO DOS DIREITOS HUMANOS .......................................... MEMÓRIA E VERDADE: CAMINHOS PROPOSTOS ................................................................................... DO RECONHECIMENTO DO DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE NO BRASIL ........................................ CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ A HERANÇA DA FALTA DE MEMÓRIA E AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS: A CONSTRUÇÃO DO DIREITO À VERDADE NA AMÉRICA LATINA E NO BRASIL (Daniela de Oliveira Lima Matias e Mayara de Carvalho Araújo) ....................................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ DO TERCEIRO MUNDO AOS REGIMES BUROCRÁTIO-AUTORITÁRIOS NA ERA DOS EXTREMOS ........... JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO, MEMÓRIA E VERDADE .................................................................................... A CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E SUA CONDENAÇAO AO ESTADO BRASILEIRO CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ A TORTURA DOS TEMPOS DA DITADURA MILITAR NO BRASIL E A CORRUPÇAO DOS DIAS ATUAIS FRENTE AO DIREITO À VERDADE E À MEMÓRIA (Diana Uchoa Torres Lima e Janaína Alcântara Vilela) INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ A TORTURA NA DITADURA MILITAR ........................................................................................................ CORRUPÇÃO: A TORTURA CONTEMPORÂNEA ....................................................................................... O QUE FICA PARA A SOCIEDADE? ............................................................................................................. O DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE ..................................................................................................... CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ CONSTITUIÇÃO DA VERDADE: EFEITOS DA MEMÓRIA NO “GRANDE ACORDO” DA TRANSIÇÃO (ARTHUR MAGNO E SILVA GUERRA) ........................................................................................................... INTRODUÇÃO: MEMÓRIA E HISTÓRIA CONSTITUCIONAL ..................................................................... 92 106 109 111 111 114 118 124 128 130 133 134 135 141 142 147 148 151 152 153 156 161 162 168 170 172 173
  • 6. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A “HERANÇA SEM TESTAMENTO” ............................................. EFEITOS DA TRANSIÇÃO NO TEXTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO .................................................... CONCLUSÃO PARCIAL ............................................................................................................................... REFERÊNCIA .............................................................................................................................................. O DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE COMO DIREITOS ESSENCIAIS AO PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DO PAÍS (AndreaTourinhoPachecodeMirandaeEzildaClaudiadeMelo)................ A HERMENÊUTICA E A VERDADE: O DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE COMO DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................................................................................................ MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO .................................................................................... AS PRIMEIRAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL ...................................... O TRABALHO DA COMISSÃO DA VERDADE ............................................................................................. CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO E RECONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA: UMA ANÁLISE SOBRE O PAPEL DAS “COMISSÕES DE VERDADE” NA CONSOLIDAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À VERDADE E À MEMÓRIA NOS PAÍSES DO MERCOSUL (Fernando Horta Tavares e Larissa Maria da Trindade) .............. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ CONSTITUCIONALISMOEDEMOCRACIA:ASBASESPARAOPROCESSOTRANSICIONAL....................... BREVE PANORAMA DOS PROCESSOS DE JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NOS PAÍSES DO MERCOSUL .......... A INSTITUIÇÃO E O PAPEL DAS COMISSÕES NACIONAIS DA VERDADE NA GARANTIA E PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................................................................... CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL E A LEI DA ANISTIA: SUPERAÇÃO VERSUS ESQUECIMENTO (Luciana Carrilho de Moraes) ...................................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ PANORAMA HISTÓRICO DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL .......................................................... A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO E A ANISTIA .................................................................................................... CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ A DECISÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO CASO DA GUERRILHA DO ARAGUAIA A LEI DE ANISTIA BRASILEIRA E A OBRIGAÇÃO DE INVESTIGAR E PUNIR AS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS RATICADAS PELA DITADURA MILITAR NO BRASIL (Samyra Naspolini e Marcio de Sessa) ...................................................................................................................... 186 196 200 201 202 203 205 210 213 214 216 219 220 222 225 228 233 234 240 241 242 246 251 252 256
  • 7. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ A IMPORTÂNCIA HISTÓRICA DA DECISÃO DA CORTE ............................................................................. COMPETÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA ........................................................................................ LEI DE ANISTIA BRASILEIRA E CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE ................................................... OBRIGAÇÃODEINVESTIGAREPUNIRGRAVESVIOLAÇÕESDEDIREITOSHUMANOS.............................. CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ DITADURA E LUGARES DE MEMÓRIA:AS DIRETRIZES DO MERCOSUL E O DIREITO AO PATRIMÔNIO CULTURAL (Leandro Franklin Gorsdorf) ..................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ MEMÓRIA E DITADURA:DISPUTAS PELA SIGNIFICAÇÃO DA HISTÓRIA ................................................. LUGARES DE MEMÓRIA:EM BUSCA DE UM CONCEITO .......................................................................... LUGARESDEMEMÓRIACOMOEXERCÍCIODODIREITOAOPATRIMÔNIOHISTÓRICO............................ MERCOSUL, DITADURA E DIREITOS HUMANOS ..................................................................................... MERCOSUL E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DOS LUGARES DE MEMÓRIA .................................................... CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ A (DES)CONSTRUÇÃO DE UM DIREITO AGRÁRIO PELO DITADURA MILITAR BRASILEIRA (GUILHERME MARTINS TEIXEIRA BORGES) ................................................................................................. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ O PANORAMA JURÍDICO AGRARISTA PRÉ ESTATUTO DA TERRA ........................................................... A NECESSIDADE DE UM ESTATUTO AGRÁRIO ......................................................................................... A DESCONSTRUÇÃO DO ESTATUTO DA TERRA PELOS GOVERNOS MILITARES ..................................... CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERENCIAIS ........................................................................................................................................... O ABOLICIONISMO BRASILEIRO E A IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS NEGROS LIBERTOS NA LITERATURA (Rafael Henrique Guimarães Teixeira de Freitas) .................................................................. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ A ESCRAVIDÃO NO BRASIL E O ABOLICIONISMO .................................................................................... A IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS NEGROS APÓS O FIM DA ESCRAVIDÃO ................................... A IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS NEGROS APÓS O FIM DA ESCRAVIDÃO SOB A PERSPECTIVA DE JOAQUIM NABUCO .............................................................................................................................. 257 258 259 261 264 266 266 272 273 274 276 280 282 285 290 290 292 294 295 299 303 305 307 309 310 311 317 322
  • 8. CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ DIREITOS HUMANOS NO ESTADO DE MATO GROSSO E O TRABALHO DA ORGANIZAÇÃO NÃO GOVERNAMENTAL CENTRO DE DIREITOS HUMANOS HENRIQUE TRINDADE (CDHHT): UM ESTUDO DE CASO (Edna Soares da Silva) .................................................................................................. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ CONSTITUIÇÃO DO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS HENRIQUE TRINDADE ..................................... VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS ACOMPANHADAS PELO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS HENRIQUE TRINDADE .............................................................................................................................. A PERCEPÇÃO DOS ATORES DO CENTRO DE DIREITOS HUMANOS HENRIQUE TRINDADE: ANOS OITENTA E NOVENTA ................................................................................................................................ A CATEGORIA DIREITOS HUMANOS: TOLERÂNCIA E RECONHECIMENTO DA DIGNIDADE HUMANA CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ ENTRE O PASSADO E O FUTURO: O ATUAL ENFRENTAMENTO DOS CRIMES PERPETRADOS NA DITADURA (Evandro Charles Piza Duarte) ................................................................................................. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ O GOLPE DE 1964 E A DITADURA MILITAR BRASILEIRA .......................................................................... ADPF 153 E A LEI DA ANISTIA .................................................................................................................... CRIMES PERMANENTES E A VIRADA ARGUMENTATIVA–UMA ANÁLISE DO CASO SEBASTIÃO CURIÓ... CONCLUSÃO – SE MEMÓRIA DE UM LADO, ESQUECIMENTO DO OUTRO ............................................ REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA E VITALICIEDADE DOS MINISTROS DO STF: UMA ABORDAGEM A PARTIR DE ESTUDOS DE OSCAR VILHENA E GERMANO SCHWARTZ (Roberto Carlos Rocha Kayat e Gabriela Vieira Leonardos) ......................................................................................................................... INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: 1964/1988 ......................................................................................... A INADEQUAÇÃO DO SISTEMA DE COMPOSIÇÃO E DA VITALICIEDADE DOS MINISTROS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................. CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 326 327 329 330 331 332 336 338 341 342 344 345 345 351 357 367 370 372 373 374 384 386 388
  • 9. Caríssimo(a) Associado(a), Apresento o livro do Grupo de Trabalho Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça, do XXII Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI), realizado no Centro Universitário Curitiba (UNICURUTIBA/PR), entre os dias 29 de maio e 1º de junho de 2013. O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito, nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas. Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos, tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos. Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2) aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiram- nos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 9
  • 10. selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido mais difícil. Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto para eventos. O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de 2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que inserirem seus dados. Futuramente, o INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –, mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da segunda versão, disponível em 2014. Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05, além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 10
  • 11. Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras parcerias e editais para a área do Direito. Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro. Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais. Curitiba, inverno de 2013. Vladmir Oliveira da Silveira Presidente do CONPEDI COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 11
  • 12. Apresentação A obra “Justiça de transição: verdade, memória e justiça” é fruto do rico debate ocorrido no grupo de trabalho “Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça” realizado no dia 31 de maio de 2013 no “XXII Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Direito” na Universidade Curitiba em Curitiba, Paraná. Os artigos apresentados no Grupo de Trabalho são dotados de grande qualidade cientifica e densidade jurídica, e abordam temas importantes e também controvertidos da justiça de transição, do Conselho Nacional da Verdade e do direito à verdade e à memória histórica. Vale dizer que o Conselho Nacional de Verdade criado pelo governo brasileiro já possui um ano de existência e trabalho o que enriqueceu sobremaneira a discussão acerca do tema. O debate sobre os artigos e ideias apresentadas foi bastante rico, intenso e proveitoso o que motivou a criação dessa obra que contempla os textos apresentados no grupo de trabalho, acrescidos das contribuições oriundas da discussão realizada. Ana Maria D´Ávila Lopes e Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab abordam em seu texto, aspecto relevante no tocante à justiça de transição no Brasil, qual seja, o direito de resistência, mais especificamente a plausibilidade do seu uso em face da ditadura civil-militar brasileira instaurada em 1964. Já a relação entre os militares e os juízes durante o regime instalado em 1964 é enfrentada por Grijalbo Fernandes Coutinho. Ele trata da predominante harmonia existente entre a cúpula da Justiça e o governo dos generais legitimou a prática de atos cruéis contra militantes de esquerda, trabalhadores, estudantes e personagens moderados da cena política nacional, indo dos expurgos às torturas, aos desaparecimentos e aos assassinatos. No tocante aos antecedentes históricos da lei de anistia e da justiça de transição no Brasil Gabriela Natacha Bechara analisa detidamente o período histórico que deu origem à ditadura militar e a lei de anistia brasileira, que por sua vez impactou na efetivação da Justiça COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 12
  • 13. de Transição no país. De igual modo Tais Ramos examina a participação social na constituição da verdade sobre as violações de direitos humanos nos regimes militares da América Latina considerando o paradigma democrático de inclusão dos cidadãos nos processos de exames e esclarecimento dos atos de desaparecimentos, sequestros, mortes e torturas, praticados nesses Regimes. No que se refere ao direito à memória e à verdade no Brasil Carlos Bolonha e Vicente Rodrigues investigam o conceito e o reconhecimento do chamado “direito à memória e à verdade”, identificando-o como um dos elementos-chave da justiça de transição brasileira. Nesse sentido, Daniela de Oliveira Lima Matias e Mayara de Carvalho Araújo abordam a herança da falta de memória e as violações de direitos humanos na construção do direito à verdade na América Latina e no Brasil. Elas analisam a peculiaridade das ditaduras que fizeram parte da história da América Latina nas décadas de 70 e 80 do século XX e o seu legado para a realidade atual, em particular a do Brasil. No tocante à tortura dos tempos da ditadura militar no Brasil Diana Uchoa Torres Lima e Janaína Alcântara Vilela estudam a tortura instaurada nos tempos da ditadura militar, bem como demonstram como a corrupção dos dias atuais pode ser tão parecida com a aquela figura dos anos de chumbo. Destarte, Arthur Magno e Silva Guerra analisam os efeitos da memória no "grande acordo" da transição. Eles levam a efeito um debate sobre um dos cruciais pontos de fundamentação teórica e histórica do direito à memória e à verdade no Brasil e a incidência desses “traumas” e “complexos” no Texto Constitucional que restaura a Democracia, especialmente, depois das lutas políticas ocorridas, entre os anos de 1964 e 1985, contra a Ditadura Militar. O direito à memória e à verdade como direitos essenciais ao processo de democratização do país são detidamente estudados por Andrea Tourinho Pacheco de Miranda e Ezilda Claudia de Melo que demonstram a importância da consolidação do direito à memória e à verdade no processo de democratização do nosso país, como direitos fundamentais, bem como a instauração da Comissão da Verdade no Brasil, após o período ditatorial, marcado por graves violações aos direitos humanos. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 13
  • 14. O papel das “Comissões de verdade” na consolidação do direito fundamental à verdade e à memória nos países do MERCOSUL é objeto de um exame detalhado e crítico de Fernando Horta Tavares e Larissa Maria da Trindade. Já o período ditatorial, especificamente o golpe militar do ano de 1964 e suas influências, com ênfase nos ideais de Francisco Campos, que, almejam a instituição de um regime antiliberal, centralizador e autoritário é examinado por Luciana Carrilho de Moraes. A decisão da corte interamericana de direitos humanos no caso da guerrilha do Araguaia a Lei de anistia brasileira e a obrigação de investigar e punir as violações aos direitos humanos ratificadas pela ditadura militar no Brasil são estudadas por Samyra Naspolini e Marcio de Sessa. O objeto do artigo é a decisão da Corte em paradigmática sentença proferida em 24 de novembro de 2010, no caso Lund e outros versus Brasil, a qual condenou o Estado brasileiro a implementar uma série de medidas com vistas a indenizar os familiares das vítimas dos fatos ocorridos na Guerrilha do Araguaia e esclarecer e evitar que novos fatos similares aconteçam. Outro aspecto relevante da justiça de transição diz respeito aos lugares de memória, tal tema é enfrentado por Leandro Franklin Gorsdorf que examina as diretrizes do MERCOSUL e o direito ao patrimônio cultural. Já a (des)construção de um direito agrário pela ditadura militar brasileira é estudado por Guilherme Martins Teixeira Borges que leva a efeito uma reflexão sobre as consequências da promulgação do Estatuto da Terra, Lei Federal nº 4504, de 30 de novembro de 1964 em relação à própria estruturação de um Direito Agrário. O tema do abolicionismo brasileiro e a identidade constitucional dos negros libertos na literatura é discutido por Rafael Henrique Guimarães Teixeira de Freitas, que faz uma análise do abolicionismo e da identidade constitucional dos negros brasileiros no contexto histórico da proibição da escravidão, sob a perspectiva de Joaquim Nabuco. Os direitos humanos no estado de Mato Grosso e o trabalho da organização não governamental centro de direitos humanos Henrique Trindade (CDHHT) criada a partir das articulações do Movimento Popular em Cuiabá/MT nos anos oitenta, como instrumento mobilizador de luta contra a violação COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 14
  • 15. sistemática dos direitos humanos no Estado de Mato Grosso é analisado por Edna Soares da Silva. Evandro Charles Piza Duarte estuda o passado e o futuro no atual enfrentamento dos crimes perpetrados na Ditadura Militar, questionando a interpretação dada à Lei nº 6.683/79, Lei da Anistia, pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADPF nº 153. Por fim, a legitimidade democrática e vitaliciedade dos ministros do STF, sob a ótica dos estudos de Oscar Vilhena e Germano Schwartz é estudada por Roberto Carlos Rocha Kayat e Gabriela Vieira Leonardos, com vistas a aferir eventual descompasso entre o decidido pelos ministros de então e o momento político vivido à época, a refletir grave problema de legitimidade na atuação da Corte. Tenho a certeza que a obra será de grande valia para todos aqueles que se interessam sobre tão relevante tema. Coordenadores do Grupo de Trabalho Professora Doutora Samantha Ribeiro Meyer Pflug – UNINOVE Professor Doutor Marcos Augusto Maliska – UNIBRASIL COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 15
  • 16. REFLEXÕES SOBRE O USO DO DIREITO DE RESISTÊNCIA EM FACE DA DITADURA CIVIL-MILITAR BRASILEIRA REFLECTIONS ON THE USE OF THE RIGHT OF RESISTANCE IN FACE OF CIVIL- MILITARY DICTATORSHIP BRAZILIAN Ana Maria D´Ávila Lopes1 Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab2 RESUMO O presente trabalho discorrerá sobre o direito de resistência, mais especificamente sobre a plausibilidade do seu uso em face da ditadura civil-militar brasileira instaurada em 1964. Para tanto, foi utilizada pesquisa bibliográfica e documental. Inicialmente, foi apresentada uma delimitação conceitual do direito de resistência, partindo do pensamento de Santo Tomás de Aquino, Maquiavel, Locke e Rousseau. Em seguida, foram comentados alguns dos fundamentos jurídicos – nacionais e internacionais – do direito de resistência. Posteriormente, analisou-se a (possível) plausibilidade do uso do direito de resistência pelos grupos de esquerda durante a ditadura civil-militar brasileira. Ao final, concluiu-se que o direito de resistência teve sua matriz teórica constituída ao longo dos últimos séculos, sempre com o firme propósito de oportunizar defesa à opressão – individual e/ou coletiva - promovida por soberanos, independentemente da forma pela qual alcançaram o poder. Ainda, verificou-se que tanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos estabeleceram parâmetros mínimos para o respaldo da democracia, ou, em caso contrário, para a efetivação do direito de resistência. Igualmente, observou-se a fundamentalidade do direito de resistência, em razão da sua consonância com o regime democrático, os princípios e os tratados de que o Brasil é parte, além da sua relevância como instrumento na construção de uma sociedade livre e justa. Por derradeiro, comprovou-se por razoável o uso do direito de resistência em face da ditadura civil- militar brasileira, especialmente devido à sua inobservância – sistemática e institucional - ao ordenamento jurídico e ao bem comum. PALAVRAS-CHAVE: Direito de resistência; Ditadura civil; Ditadura militar; Direitos fundamentais; Direitos humanos. ABSTRACT This article will discuss the right of resistance, more specifically about the plausibility of its use against of Brazilian civil-military dictatorship. For this purpose, we used bibliographic and documentary research. Initially, we presented a conceptual delimitation of the right of resistance, from the thought of Machiavelli, Locke and Rousseau. Then, we pointed some of the reviews - 1 Mestre e Doutora em Direito Constitucional pela Universidadade Federal de Minas Gerais - UFMB. Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. 2 Mestra e Doutoranda em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR. Professora do Curso de Direito da Faculdade Integrada do Ceará – FIC. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 16
  • 17. national and international – of the right of resistance. Subsequently, we analyzed the Brazilian civil-military dictatorship and the (possible) use of the right of resistance to face it. At the end, it was concluded that the right of resistance had its theoretical matrix formed over the past centuries, always with the purpose of defense to create opportunities against oppression - individual and / or conference - sponsored by sovereigns, regardless of the manner in which reached the power. Still, it was found that both Universal Declaration of Human Rights and International Covenant on Civil and Political Rights established minimum standards for the support of democracy, or otherwise, for the realization of the right of resistance. Also, we observed the fundamentality of the right of resistance, due its consonance with the democratic regime, the principles and treaties to which Brazil is a party, in addition to its relevance as a tool in building a free and just society. Finally, it was shown as reasonable the use of the right of resistance against the Brazilian civil-military dictatorship, especially due to its disobey - systematic and institutional – to the legal system and the welfare of the community. KEYWORDS: Right to resistance; Civil dictatorship; Military dictatorship; Fundamental rights. Human rights. INTRODUÇÃO A outorga de poder ao soberano pressupõe sua observância ao bem comum e ao ordenamento jurídico vigente. Por este motivo, a sua desobediência - ou mera desconsideração - permite ações políticas de resistência dos cidadãos, no sentido de coibir as práticas corrompidas dos seus mandatários. Ratifica-se, assim, a tese da soberania popular, qual seja, de que o poder é exercido em nome do povo. Ao príncipe, são outorgados poderes limitados, que, se infringidos, devem ser realinhados ou – se necessário for – extirpados. Desta feita, pode-se afirmar que a continuidade do soberano no poder está diretamente vinculada a ideia de obediência aos limites da sua outorga, sem os quais não há fundamentação, nem legitimidade para o seu exercício. Nesse contexto, insurgir-se contra um poder arbitrário, não se apresenta como improvável, tampouco ilegal, na medida em que o fundamento daquela soberania fora rompido justamente pela não observância do governante aos limites que lhe foram impostos, o que lhe torna ilegítimo e passível de um enfrentamento formal e/ou fático pelo povo. Eis, portanto, o que se intitula como direito de resistência. O presente artigo visa, pois, discorrer, através de pesquisa bibliográfica e documental, sobre o direito de resistência. Em específico, acerca da plausibilidade dos atos de resistência implementados por grupos de esquerda durante o período da ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 17
  • 18. Nesses termos, apresentou-se, no tópico inicial, a delimitação conceitual da expressão direito de resistência, trazendo-se à lume as primeiras reflexões sobre a sua aplicabilidade, vinculadas ao âmbito eminentemente individual, para, em seguida, tecer comentários sobre o pensamento desenvolvido por Santo Tomás de Aquino, Maquiavel, Locke e Rousseau. No tópico seguinte, foram colacionados os fundamentos jurídicos do direito de resistência, iniciando-se pelas normas internacionais, tais como o Preâmbulo e artigos 28 e 29, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), assim como os artigos 4º. e 5º., do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP). Posteriormente, explicitaram-se, também, o parágrafo 2º., do art. 5º., da Constituição Federal. Já no terceiro tópico, fez-se um breve arrazoado sobre a origem e os fundamentos jurídicos da ditadura civil-militar brasileira para, em seguida, discorrer-se sobre a (possível) plausibilidade dos atos de resistência implementados pelos grupos de esquerda em desfavor daquele regime de exceção. Ao final, concluiu-se que o direito de resistência está diretamente ligado à ideia de soberania, que deve ser exercida em prol do bem comum e em consonância com o ordenamento jurídico vigente. Por semelhante modo, observou-se, desde Locke, a existência de uma sistematização – mesmo que embrionária - do direito de resistência, que teve sua práxis aperfeiçoada através dos escritos de Rousseau. Igualmente, verificou-se que o direito de resistência tem seus fundamentos jurídicos esposados tanto em diplomas internacionais – a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) – como na Constituição Federal de 1988. Ainda, demonstrou-se que as ações políticas promovidas por grupos de esquerda no curso da ditadura brasileira podem ser caracterizadas como atos inerentes ao direito de resistência, haja vista que estavam pautados na insurgência ao golpe militar de 1º. de abril de 1964, o qual depôs o legítimo Presidente João Goulart. Por derradeiro, explicitou-se que o governo militar não gozava de ilegalidade apenas na sua origem, mas, sobretudo no seu exercício, o qual era pautado na violência institucionalizada COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 18
  • 19. em face dos seus próprios cidadãos e na inobservância contínua às normas fundamentais brasileiras, conforme se explicitará nas linhas seguintes. 1. DELIMITAÇÃO CONCEITUAL Já no século XIII, Santo Tomás de Aquino (1225-1274), nas obras Suma Teológica, Regime dos Príncipes e Comentários às Sentenças de Pedro Lombardo, defendeu o direito à resistência dos súditos em face de um governo tirânico, notadamente quando houvesse defeito no modo como foi adquirido o poder, exacerbação nas atribuições concedidas ou perigo no exercício daquele governo para o bem comum.(SANTOS, 2007, p. 49). É importante esclarecer que – inicialmente - Tomás de Aquino condenava a insurreição popular, excetuando-se, segundo Santos (2007, p. 54), nos casos em que o soberano não fosse justo por não promover o bem da coletividade, ocasião em que seria plausível a rebelião em desfavor do tirano. Por seu turno, Nicolau Maquiavel (1469-1527), nos idos de 1532, em seu clássico O Príncipe, Capítulo IX, intitulado Do Principado Civil, descreveu as relações e os embates pelo poder soberano, nos termos seguintes: [...] em toda cidade se encontram essas duas tendências opostas: de uma parte, o povo não quer ser comandado nem oprimido pelos poderosos, de outra, os poderosos querem comandar e oprimir o povo; desses dois desejos antagônicos advém das cidades um das três conseqüências: principado, liberdade ou desordem. (MAQUIAVEL, 2010, p. 77) Malgrado o esboço de Maquiavel seja deveras assemelhado às disputas cotidianas pelo poder, foi somente com os contratualistas, a começar por John Locke (1632-1704), em sua obra Dois tratados sobre o governo, que foi sistematizado um pensamento acerca do direito de resistência. Primeiramente, ao disciplinar os fundamentos do poder soberano: Todavia, porquanto ao governo, seja em que mãos estiver, o poder foi confiado – conforme demonstrei anteriormente – sob essa condição e para esse fim, que os homens pudessem ter e garantir suas propriedades. (LOCKE,1998, p. 511) (grifo nosso) Em seguida, Locke clarifica os limites da obediência dos súditos ao soberano, in verbis: Porém, deve-se observar que ainda que, embora os juramentos de fidelidade e lealdade sejam dirigidos a ele, não o são por ser ele o legislador supremo, mas sim o supremo executor da lei formulado por um poder conjunto dele próprio com outros. Não sendo a fidelidade nada além da obediência segundo a lei, que, quando violada por ele, leva-o a perder todo o direito à obediência, tampouco pode ela exigi-la a não ser como a pessoa pública investida contra o poder da lei, devendo, portanto,ser considerada como a imagem, o espectro ou o representante do corpo político, agindo pela vontade da sociedade, declarada em suas leis. (LOCKE, 1998, p. 520) (grifo nosso) COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 19
  • 20. E para que não houvesse dúvidas, arrematou: Quando, porém, deixar essa representação, essa vontade política, e passar a agir segundo sua própria vontade particular, degrada-se e não é mais que uma pessoa particular sem poder e sem vontade, sem direito algum à obediência, pois que não devem os membros obediência senão à vontade pública da sociedade. (LOCKE, 1998, p. 520) (grifo nosso) Observa-se, portanto, que Locke não desconsidera os poderes do soberano, ou quem em seu nome exerça a soberania, entretanto, estabelece limites para sua implementação, frisando que a origem de todo poder repousa na vontade pública da sociedade, sem a qual impossível se faz a governança. Nessa esteira, merecem ser apresentados, também, os seus comentários sobre quais seriam as diferenças entre o poder legítimo e ilegítimo, a saber: Pois reconheço que o ponto principal e essencial de diferença entre um rei legítimo e um tirano usurpador é que enquanto o tirano orgulhoso e ambicioso pensa de fato que seu reino e povo destinam tão somente à satisfação de seus desejos e apetites desarrazoados, o rei justo e legítimo, ao contrário, reconhece ser ordenado para promover a riqueza e a propriedade de seu povo. (LOCKE, 1998, p. 220) Locke reafirma aqui as obrigações do soberano para com o seu povo, especialmente com a sua propriedade, diferentemente do poder que venha a ser exercido pelo tirano usurpador. Note- se que o autor traz à lume não apenas a forma como soberano alcançou o poder, mas também faz jus ao modo pelo qual se dá o exercício da soberania. Senão vejamos: No entanto, segundo Locke, o que motivou os homens a celebrarem o contrato social foi o sentimento de estarem correndo perigo em caso de eclosão de algum inesperado conflito. Se a autoridade a quem o povo confiou a tutela dos direitos utilizar de arbítrio, automaticamente retoma ele a sua soberania originária. (...) Perceba-se: para Locke, o governante deveria ter não só legitimidade de investidura (como queria Hobbes), mas também legitimidade de exercício. (ROCHA, 2010, p.34) Destarte, a soberania que restar pautada na vontade pessoal e nos interesses privados do governante, pode ser alvo de insurgência popular, haja vista o seu desrespeito ao fundamento do governo, qual seja, o pacto firmado no bem estar da coletividade, que em Locke, é expressa pelo resguardo à propriedade. Em seguida, Rousseau (1712-1778) inicia o seu Contrato Social discorrendo sobre o direito de resistência, mais especificamente sobre a sua práxis: Quando um povo é obrigado a obedecer e o faz, age acertadamente; mas logo que possa sacudir esse jugo e o faz, age ainda melhor pois, recuperando sua liberdade pelo mesmo direito com que esta lhe foi roubada, ou ele tem o direito de retomá-la ou não o tinham de subtraí-la. (ROUSSEAU, 2006, p. 214) COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 20
  • 21. Para o genebrino, o pacto social não suprime a liberdade dos homens em sociedade, mas promove o seu redimensionamento, passando de liberdade natural em liberdade convencional (ROCHA, 2010, p.35). É também Rousseau quem inova ao expor uma proposta de liberdade vinculada à vontade geral pactuada pelos cidadãos, que se desrespeitada é passível de insubordinação legítima. Nessa perspectiva, mas em séculos posteriores, Bobbio (2000, p. 253-254) urdirá o seu entendimento sobre resistência como sendo: “todo comportamento de ruptura contra a ordem constituída, que coloque em crise o sistema por seu próprio produzir-se, como acontece em um tumulto, em uma sublevação, em uma rebelião, em uma insurreição, até o caso limite da revolução (...)” Por sua vez, Buzanello (2002, p. 22) advoga que o direito de resistência se constitui no “direito de cada pessoa, grupo organizado, de todo povo, ou de órgãos do Estado, de opor-se com os meios possíveis, inclusive a força, ao exercício arbitrário e injusto do poder estatal”. Em tempos modernos, entretanto, notadamente nos regimes caracterizados como democráticos, há que se sublinhar, consoante o pensamento de Rocha (2010, p. 81), que “(...) não é qualquer injustiça que autoriza a resistência, mas somente aquelas que criem uma justificativa capaz de remover o dever de todos para com as instituições democráticas”. Assim, o autor apregoa que a etapa inicial da resistência deve ser pautada na própria sobrevivência do Estado democrático, entretanto, em não sendo possível - seja magnitude, seja pela relevância da injustiça – enseja-se, pois, o direito de resistência em face de quem exerça a soberania. Conclui-se, pois, que a tessitura do direito de resistência foi sendo constituída ao longo dos últimos séculos, sempre com o firme propósito de oportunizar defesa à opressão – individual e/ou coletiva - promovida por soberanos, independentemente da forma pela qual alcançaram o poder, mesmo que legítima. De modo que, esta sua inobservância ao ordenamento jurídico e ao bem-estar coletivo já se constitui como elemento suficiente para o uso do direito de resistência pelos cidadãos oprimidos. 2. FUNDAMENTOS JURÍDICOS: O direito de resistência tem seu esteio em diversas normas internacionais, dentre as quais, são citadas: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e Pacto Internacional de Direitos COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 21
  • 22. Civis e Políticos (1966). Merece igual destaque o seu embasamento constitucional, notadamente no art. 5º, §2º conforme adiante será declinado. 2.1 Das normas internacionais A primeira norma a dispor – genericamente – sobre o direito de resistência foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que no seu Preâmbulo estabeleceu: Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum. Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão. Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações. Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla. Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a desenvolver, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e liberdades. Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso [...] (grifo nosso) (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, ON-LINE, 1948). Por semelhante modo, nos seus artigos 28 e 29 a DUDH sublinhou que: Art. 28 - Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados. Art. 29. 1. Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas. (grifo nosso) (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, ON-LINE, 1948). Destarte, pode-se afirmar que a DUDH, já a partir do seu Preâmbulo, concedeu significativa importância para o direito à resistência, na medida em que o formalizou como direito e universalizou a obrigatoriedade de sua observância. Por seu turno, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP), editado no ano de 1966, dispôs indiretamente sobre o direito à resistência, nos seguintes termos: COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 22
  • 23. Art.4º. 1. Quando situações excepcionais ameacem a existência da nação e sejam proclamadas oficialmente, os Estados partes do presente Pacto podem adotar, na estrita medida exigida pela situação, medidas que suspendam as obrigações decorrentes do presente Pacto, desde que tais medidas não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhes sejam impostas pelo Direito Internacional e não acarretem discriminação alguma apenas por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião ou origem social. [...] Art. 5º. - 1. nenhuma disposição do presente pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidos no presente Pacto ou impor-lhes limitações mais amplas do que aquelas nele prevista. 2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte do presente pacto em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau. (grifo nosso) (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, ON-LINE, 1966). Observa-se que o PIDCP clarificou sobre a possibilidade de vigência de situações excepcionais, entretanto, declinou que nem mesmo estas situações devem ser suficientes para suspender as obrigações ali contidas. Por semelhante modo, o art. 5º. do PIDCP afiançou como inadmissível toda e qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos pelo presente pacto, o que ratifica a ideia de que as medidas tomadas por soberanos em sentido contrário – para fins de opressão e violência - deverão ser prontamente enfrentadas, inclusive, pelos próprios cidadãos. Resta patente que tanto a DUDH, como o PIDCP defendem a democracia em sua essência, inclusive, já fixando no Preâmbulo do primeiro diploma a possibilidade de insurgência, quando houver opressão e tirania. Pode-se concluir, então, que em todos os dispositivos aqui elencados – direta ou indiretamente – são estabelecidos parâmetros mínimos para a observância e o respaldo da democracia, ou, em caso contrário, para a efetivação do direito de resistência. 2.2 Da fundamentalidade do direito de resistência A fundamentalidade do direito à resistência pode ser vislumbrada a partir da cláusula de abertura firmada no art. 5o , § 2o , da CF/88, que permite a inclusão, no rol constitucional, de direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios adotados (LOPES; CHEHAB, 2008, p. 8). A inclusão formal no catálogo dos direitos fundamentais, graças à norma prevista no art. 5º, § 2°, não é o único, nem talvez o mais forte argumento para afirmar a sua natureza de direito COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 23
  • 24. fundamental. Pelo contrário, o mais sólido deles é sua correspondência substancial com a definição de direitos fundamentais, entendidos estes como princípios jurídicos positivos, de nível constitucional, que refletem os valores mais essenciais de uma sociedade, visando a proteger diretamente a dignidade humana, na busca pela legitimação da atuação estatal e dos particulares (LOPES; CHEHAB, 2008, p. 9) Desta definição, infere-se que os direitos fundamentais são normas positivas do mais alto nível hierárquico, visto sua função de preservar a dignidade de todo ser humano, tarefa que deve ser o centro e fim de todo agir. Aliás, a proteção da dignidade humana é o elemento essencial para a caracterização de um direito como fundamental. É verdade que todo direito, toda norma jurídica, tem como objeto a salvaguarda e bem-estar do ser humano - ou pelo menos assim deveria ser - mas, no caso dos direitos fundamentais, essa proteção é direta e sem mediações normativas (LOPES; CHEHAB, 2008, p. 10). O caráter principiológico dos direitos fundamentais deriva, por sua vez, da estrutura abstrata do seu enunciado, conforme os ensinamentos do jurista alemão Alexy (1993, p.105-108). Por outro lado, afirma-se, também, que os direitos fundamentais buscam legitimar o Estado, na medida em que o grau de proteção desses direitos permitirá definir o grau de democracia vigente. Contudo, não apenas o Estado está submetido aos limites impostos pelas normas dos direitos fundamentais: os particulares também devem obediência aos seus ditames (LOPES; CHEHAB, 2008, p.10). Verifica-se, portanto, que o direito de resistência é merecedor do caráter de fundamentalidade, na medida em que anuncia norma de importância suprema, que delineia direito indispensável à concretização da dignidade pessoa humana, sendo ratificado, inclusive, por diversos documentos internacionais, dos quais o Brasil é signatário. Inconteste é, também, a identidade do direito em apreço para com o princípio da dignidade da pessoa humana, que, embora não expresso no seio constitucional, encontra guarida no próprio senso de efetivação dos direitos fundamentais, razão pela qual deve ser entendido de modo a acolher todos os direitos e garantias que consigo se coadunem. O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 24
  • 25. fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana. (grifo nosso). (ROCHA, 1999, p. 60) Não se pode olvidar, ainda, que a fundamentalidade do direito de resistência pode ser justificada por dimanar de tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, bastando, para tanto, que o Brasil seja signatário do documento e obedeça ao regramento do art. 5o , § 3º, da Constituição Federal. Desta feita, resta indubitável o acolhimento do direito de resistência pelo ordenamento jurídico brasileiro e, em especial, da sua fundamentalidade, considerando sua formalização decorrente do regime, da sua presença em diversos dispositivos constitucionais, dos princípios e dos tratados de que o Brasil é parte, além da sua relevância como instrumento na construção de uma sociedade livre, justa e democrática. 3. SOBRE A PLAUSIBILIDADE DO USO DO DIREITO DE RESISTÊNCIA NO CURSO DA DITADURA CIVIL-MILITAR A ditadura militar, estabelecida com o golpe de 31 de março de 1964, e vigente até as eleições indiretas de 1985, promoveu uma das maiores agressões institucionais perpetradas pelo Estado brasileiro. Conforme dados do Programa Nacional de Direitos Humanos III (PNDH-3), estima-se que 50.000 pessoas tenham sido presas somente nos primeiros meses de 1964, 20 mil brasileiros tenham sido submetidos a torturas, 300 cidadãos tenham sido mortos e/ou desaparecidos (BRASIL, 2010, p. 173). Em 1979, com o advento da Lei nº 6.683, o Estado brasileiro - pressionado pela crise econômica, pela perda de legitimidade na classe média e pela reorganização progressiva da sociedade civil organizada, especialmente dos movimentos estudantis e dos familiares e parentes de presos, desaparecidos e exilados políticos - concedeu anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, ou tiveram seus direitos políticos suspensos. Assim também, concedeu anistia aos servidores da administração pública direta e indireta ou de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais punidos com fundamento em atos institucionais e complementares editados nesse período. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 25
  • 26. A partir do término formal do regime de exceção, no ano de 1985, os outrora presos e torturados, além dos familiares de mortos e desaparecidos políticos, passaram a reivindicar, inclusive judicialmente, a abertura dos registros e arquivos da repressão militar, no intuito de que o Estado apresentasse para toda a coletividade a verdade sobre as graves violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura e, assim, fizesse jus à memória individual e coletiva do país, reparando simbólica e economicamente todos os cidadãos atingidos pelo regime. Passados vinte oito anos, tais reivindicações jamais foram cumpridas em sua integralidade. Esta ineficácia deve-se, dentre outros fatores, à pressão exercida, junto ao governo federal, por alguns segmentos da sociedade - especialmente pelos quadros remanescentes da ditadura militar e por alguns partidos políticos conservadores - que, com o discurso de que a lembrança poderia colocar em risco a estabilidade democrática, bem como de que os grupos de esquerda que praticaram atos de resistência são tão culpados pela ditadura quanto os agentes do Estado que mataram e/ou torturaram, têm conseguido silenciar as discussões mais complexas a esse respeito. Nesse contexto, a pergunta que persiste é a seguinte: será que os atos perpetrados pelos indivíduos e/ou grupos que enfrentaram a ditadura civil-militar estão jungidos ao direito de resistência? Ou seriam, como alguns apregoam, assemelhados aos atos de violência praticados pelo Estado, e, por isto, plenamente ilegítimos? Para uma análise mais objetiva dos fatos aqui relacionados, faz-se necessário apresentar o contexto histórico da ditadura civil-militar, sobre o qual se passa a expor. A ditadura civil-militar foi iniciada por um golpe de Estado contra um governo legitimamente eleito, qual seja, do Presidente João Goulart, que há tempos, desde quando foi titular do Ministério do Trabalho, durante o governo de Getúlio Vargas, já era alvo de críticas pelos setores elitistas, em razão do seu alinhamento com as forças de esquerda (PRESOT, 2010, p.72) e do caráter populista ( AMBOS et. al., 2010, p.140) Em contrapartida, sabe-se que alguns militares - e simpatizantes do regime- costumam dizer que a tomada do poder somente se deu em razão de uma potencial ameaça comunista no Brasil, bem como em decorrência de uma reiterada solicitação popular, que, dentre outros eventos, ganhou vulto com as Marchas da Família com Deus pela Liberdade. (SAFATLE, 2010, p. 247) COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 26
  • 27. Malgrado não seja este o objeto do presente, cumpre ser destacado, para fins de esclarecimento geral da temática, que, conforme Safatle (2010, p. 248): [...] não havia luta armada de esquerda antes do golpe militar. Não há nenhum caso registrado de grupo guerrilheiro atuante antes do golpe, embora houvesse de maneira reiterada, sublevações militares conservadoras contra governos eleitos que não tinham vínculo algum com a esquerda revolucionária (como as sublevações de Jacarecanga e Aragarças no governo Juscelino Kubitschek) e tentativas de golpe desde o segundo governo Vargas. Isso demonstra como a luta armada esteve vinculada primeiramente à recusa legítima ao regime militar, ao caráter insuportável que ele adquiriu para vários setores da população nacional. (grifo nosso) Observa-se, portanto, que não havia objetivamente qualquer ameaça comunista no Brasil, exceto às que foram disseminadas no imaginário popular, no mais das vezes, pelos próprios setores golpistas, o que findou por incitar, dentre outros expedientes, as supramencionadas Marchas, posteriormente tidas como elementos de legitimação da ditadura. Mas, mesmo que assim o fosse, ou seja, que o golpe tenha ocorrido devido ao clamor popular e, por isto, supostamente seria patente a sua legitimidade, cumpre aqui lembrar as lições de Friedrich Muller (2003, p.107), para quem a legitimidade é alcançada por meio de um processo. Nesta esteira, pode-se até tentar afirmar que os militares alcançaram o poder com certa legitimidade, mas não seria plausível conceber que a ditadura tenha sido legitimada no seu transcurso. De fato, a ditadura se encerrou, porque aos poucos, a diminuta legitimidade que supunha ter, fora desfalecendo, o que resta inequívoco, em razão das seguidas vitórias do partido de oposição consentida – MDB, durante os seus últimos anos de vigência. Como se não bastasse a falta de legitimidade comprovada, deve-se destacar que a ditadura tampouco fora submissa, como deveria sê-lo, ao ordenamento jurídico pátrio. Diz-se isto porque a Carta Constitucional de 1946 estipulava claramente, em seu art. 79 e parágrafos, um plano de sucessão para a Presidência da República, em caso de vacância, o que não fora respeitado. Ademais, na mesma Carta Política, em seu Título IV, Capítulo II, estava firmado um vasto rol de direitos e garantias individuais, os quais também foram progressivamente desrespeitados e/ou suprimidos pelos setores militares aliados ao golpe de 1964. Nessa esteira, é de bom grado frisar que o desrespeito em comento não se configurava em situação isolada, uma vez que em 1967, três anos depois do Golpe Militar, foi outorgada uma nova Constituição, já com traços eminentemente centralizadores e limitadores dos direitos individuais, COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 27
  • 28. tornando-se conhecida por ser instrumento de suplantação da legalidade e da dignidade da pessoa humana, forjada em um período de elevada concentração de renda pelas oligarquias regionais e partidárias da ditadura e de endividamento do país para com organismos financeiros estrangeiros. (SKIDMORE, 1982, p.383). A despeito disto, esta mesma Carta Política, elaborada pela própria ditadura, foi objeto de reiterados atos de inobservância por todos os poderes constituídos, irregularidades que se formalizaram por meio do Ato Institucional nº.5/1968. Por seu turno, a Emenda Constitucional nº. 1, de 17 de outubro de 1969, acolhida como instauradora de uma nova ordem, e, portanto, recepcionada como Constituição, não suprimiu os direitos e garantias fundamentais, contudo, deles não se propôs a fazer uso (BARROSO, 2006, p.39), mantendo o aparato de violência institucionalizada do governo contra os seus próprios cidadãos, inclusive, com o uso da execução sumária, leia-se: pena de morte, para alguns dos seus supostos inimigos capitais, como Carlos Lamarca (MIRANDA; TIBÚRCIO, 2008, p. 500-501). Destarte, olvidou-se o regime ditatorial de uma premissa básica dentro da Teoria Geral do Estado, a saber: há que se respeitar – mesmo que minimamente - as regras sobre as quais tal Estado foi fundado, o que inclui o uso da força, para que não alcance o arbítrio, senão vejamos: Na medida em que há uso de armas pelos contrários à nova ordem estabelecida, como na guerrilha, há uma série de medidas legais, previstas no ordenamento jurídico do momento para que estes agentes possam ser punidos. Punidos, nunca extintos. A ordem, tendo o direito ao seu lado, jamais pode utilizar-se dos meios, especialmente quando os considere tipicamente terroristas, de seus opositores. Esses podem ser presos, jamais torturados, por um simples motivo de ordem jurídica: quem detém a prerrogativa de delimitar o direito não pode agir contra os parâmetros jurídicos postos. O poder não pode fazer uso de força desproporcional, já que o direito é a própria medida e a adequada proporção da força entre os civilizados. Se aqueles que são contrários a ordem tudo é dado fazer. Aos que detém o poder, e são responsáveis pela manutenção da ordem, somente é dado (sic) a utilização do direito, pelo qual é, em especial nos moldes em que se processou o fenômeno em 1964, responsável. (CORREIA, 2010, p.143-144) Volvendo-se à ideia originária do presente artigo acerca do direito de resistência, que estabelece que o soberano não adstrito ao ordenamento jurídico, tampouco ao bem comum, pode ser submetido a atos de resistência dos seus cidadãos, tem-se por inequívoca a plausibilidade do uso do direito de resistência pelos grupos de esquerda, durante a ditadura civil-militar brasileira, haja vista que, como dissertado, ali não houve respeito ao ordenamento jurídico – posto ou elaborado pela própria ditadura – nem observância ao bem comum. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 28
  • 29. Tais argumentos podem ser exemplificados ainda pelos atos de opressão e violência cometidos pelo próprio Estado ditatorial em detrimento dos seus cidadãos. Em números, pode-se afirmar que a ditadura civil-militar brasileira foi responsável por – pelo menos - “10 mil exilados, 7.387 acusações formalizadas por subversão; 4.682 cassados e cerca de 300 mortos e desaparecidos” (LIRA NETO, 2004, p. 419) Por tudo isto, pode-se concluir que o uso do direito de resistência, notadamente por grupos de esquerda, durante o período de exceção militar, fora plausível porque se deu em face de um governo ilegítimo, que desconsiderou o ordenamento jurídico, a promoção e defesa da coletividade, tanto na sua origem, quanto no seu exercício. CONCLUSÃO Diante do todo exposto, pode-se concluir que: I - O direito de resistência está diretamente ligado à ideia de soberania, que deve ser exercida em prol do bem comum e em consonância com o ordenamento jurídico vigente; II –Por semelhante modo, observou-se que o direito de resistência teve sua matriz teórica constituída a partir do século XIII, com os escritos de Santo Tomás de Aquino, e aperfeiçoada com Maquiavel, Locke e Rousseau, sempre com o firme propósito de oportunizar a defesa à opressão – individual e/ou coletiva - promovida por soberanos, independentemente da forma pela qual alcançaram o poder; III - Igualmente, verificou-se que o direito de resistência tem seus fundamentos jurídicos esposados tanto em diplomas internacionais – a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) – como na Constituição Federal de 1988; IV - Ainda, demonstrou-se que as ações políticas implementadas pelos grupos de esquerda durante o período de exceção brasileiro podem ser caracterizadas como atos inerentes ao direito de resistência, haja vista que pautados na insurgência à ditadura civil-militar brasileira, que alcançou o poder por meio de um golpe militar, em 1º. de abril de 1964, contra o Presidente – legitimamente eleito - João Goulart; COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 29
  • 30. V – Por fim, explicitou-se que o governo militar não gozava de ilegalidade apenas na sua origem, mas, sobretudo no seu exercício, o qual era pautado pela violência institucionalizada em face dos seus próprios cidadãos e pela inobservância às normas fundamentais brasileiras. REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Trad. Iraci D. Poleti. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2004. ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madri: Centro de Estudios Constitucionais, 1993. AMBOS, Kai et. al. Anistia, justiça e impunidade: reflexões sobre a justiça de transição no Brasil.Belo Horizonte: Fórum, 2010. ARENDT, Hannah. Sobre a revolução. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. BARROSO, Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e possibilidades da Constituição brasileira. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH- 3). Brasília, 2010. ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm.>. Acesso em: 20 abr. 2012. ______. Emenda Constitucional nº. 1. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc01-69.htm.>. Acesso em: 20 abr. 2012. BUZANELLO, José Carlos. Direito de resistência constitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Anistia para quem? In: SOARES, Inês Virgínia Prado; KISHI, Sandra Akemi Shimada (Coord.). Memória e verdade: a justiça de transição no estado democrático brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2009. LIRA NETO. Castello: a marcha para a ditadura. São Paulo: Contexto, 2004. LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Trad. Júlio Fischer São Paulo: Martins Fontes, 1998. LOPES, Ana Maria D’Ávila.; CHEHAB, Isabelle Maria Campos Vasconcelos. A implementação do direito fundamental à alimentação adequada no Estado Democrático brasileiro. In: Encontro preparatório para o Congresso Nacional do CONPEDI, XVII, 2008, Salvador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad. Maurício Santana Dias. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 30
  • 31. MIRANDA, Nilmário; TIBURCIO, Nilmário. Dos filhos deste solo: mortos e desaparecidos durante a ditadura militar. 2 ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2008. MULLER, Friedrich. Quem é o povo? – a questão fundamental da democracia. 3 ed. São Paulo: Max Limonad, 2003. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Disponível em: <http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativo/copy_of_20020319150524/20030616104212/ 20030616113554/.>. Acesso em: 20 abr. 2012. ______.Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: < http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm.>. Acesso em: 20 abr. 2012. PRESOT, Aline. Celebrando a “Revolução”: as marchas da Família com Deus pela Liberdade e o Golpe de 1964. In: ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha (Org). A construção social dos regimes autoritários: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010,v. II. ROCHA, Carmén Lúcia Antunes. Justiça e exclusão social. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DA OAB, XII, Anais..., 1999. ROCHA, Ronald Fontenele. Direito democrático de resistência. Belo Horizonte: Fórum, 2010. ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social ou princípios do direito político. São Paulo: Martins Claret, 2006. SANTOS, Ivanaldo. Tomás de Aquino e o direito à resistência contra o governante. Ágora Filosófica, Recife, n.2, p.47-57, jul/dez. 2007. SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, 1930-1964. Trad. Ismênia Tunes Dantas. 7. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. TELLES, Edson; SAFATLE, Vladimir (Orgs.). O que resta da ditadura. São Paulo: Boitempo, 2010. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 31
  • 32. AUTORITARISMO: A RELAÇÃO ENTRE OS MILITARES E OS JUÍZES DURANTE O REGIME INSTALADO EM 1964 Grijalbo Fernandes Coutinho* RESUMO Este artigo focaliza o papel do Poder Judiciário brasileiro durante o período da ditadura militar brasileira (1964-1985). A predominante harmonia existente entre a cúpula da Justiça e o governo dos generais legitimou a prática de atos cruéis contra militantes de esquerda, trabalhadores, estudantes e personagens moderados da cena política nacional, indo dos expurgos às torturas, aos desaparecimentos e aos assassinatos. Dos pilares da democracia e do Estado Democrático de Direito, o Poder Judiciário não foi simplesmente o mais frágil dos elos da cadeia, senão verdadeiro legitimador, no tempo do arbítrio, das práticas opressoras e cerceadoras das liberdades individuais da sociedade brasileira. As reações isoladas, no seio da magistratura, contra a violência institucional adotada pelo Estado como lema e ação repressiva contundente, foram objeto de expurgos e aposentadorias compulsórias, sem que houvesse gestos efetivos de solidariedade por parte do conjunto de juízes e de suas entidades de classe. Essa adesão silenciosa aos métodos autoritários dos governantes que tomaram o poder político de assalto em 1964, com uma ou outra insurgência dos homens e mulheres de toga avessos ao comodismo, resta suficientemente comprovada no último governo militar, a partir da escolha do presidente da maior associação de juízes brasileiros para ocupar o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal, conforme ato monocrático do General João Baptista de Oliveira Figueiredo, chefe ilegítimo da República. Há inúmeras razões capazes de justificar a apatia do Poder Judiciário. Entre outras, o presente trabalho aponta o perfil político da magistratura daquela época como sendo a causa mais evidente da decantada neutralidade assumida pela coletividade dos juízes diante da violência política institucionalizada pelos autores da quartelada de 1964. Também não é possível relegar a falta de coragem em enfrentar ditadores armados e seus seguidores agindo como cães ferozes, prontos, por isso mesmo, para torturar, perseguir, sequestrar e matar insurgentes, sejam eles detentores ou não de alguma fração de poder na República. Palavras-chave: História. Direito. Regime militar de 1964. Arbítrio. Direitos Humanos. Autoritarismo e Poder Judiciário. Positivismo. Constitucionalismo liberal. Conservadorismo. * Mestrando em Direito pela UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais, juiz do trabalho, titular de Vara do Trabalho em Brasília-DF, do TRT 10- Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 32
  • 33. AUTHORITARISM: THE RELATION BETWEEN MILITARIES AND JUDGES DURING THE 1964 REGIME ABSTRACT This article focuses on the role of the Brazilian Judiciary during the Brazilian military dictatorship (1964-1985). The prevailing harmony between the higer judges and the government of generals legitimized the practice of cruel acts against leftists, workers, students and even moderates in the national political scene, the purges going to torture, disappearances and killings. One of the pillars of democracy and the democratic rule of law, the judiciary was not simply the weakest links in the chain, but it truly try to legitimize, in a time of arbitrariness, oppressive practices that reduced civil rights in the Brazilian society. Isolated reactions within the judiciary, against institutional violence adopted by the state as a motto, and as a forceful repression, subject the judges that resited to the regime to compulsory retirement and purges, without any actual gestures of solidarity from the set of judges and their associations . This silent alignment to authoritarian methods of rulers who took power political assault in 1964, with an occasional insurgency of men and women of toga that repudiated commodity, remains sufficiently proven in the last military government, from the choice of the president of the largest association Brazilian judges to fill the position of Justice of the Supreme Court, according the the single wish and act of the tyrannical General João Baptista de Oliveira Figueiredo, an illegitimte head of Republic. There are numerous reasons that justified the apathy of the Judiciary. Among others, this paper points out the political profile of the judges of that time as being the most evident cause of celebrated neutrality assumed by the community of judges facing the institutionalized political violence by the authors of the 1964 military uprising. It should also be taken in consideration the lack of courage in facing dictators and their armed followers acting like vicious dogs, ready, therefore, to torture, persecute, kidnap and kill insurgents, whether or not holders of some fraction of power in the Republic. Key words: History. Law. Military Government of 1964. Dictatorship and the judiciary. Human rights. Positivism. Liberal constitutionalism. Political conservatism. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 33
  • 34. 1 INTRODUÇÃO O regime autoritário brasileiro mais próximo, vigente durante 21 anos, nasceu a partir de golpe planejado nos quartéis com o apoio de expressivas frações da burguesia, nacional e estrangeira, e também da nação imperialista norte-americana, cuja execução deste ato agressivo se deu no dia 31 de março de 1964, havendo, desde então, a quebra da institucionalidade democrática, com a consequente montagem gradual de novo aparato jurídico capaz de dar suporte ao conjunto de violações aos direitos humanos. Numa época marcada pela valorização do Estado constitucional que tem como um de seus protagonistas o Poder Judiciário, é necessário indicar como os juízes brasileiros lidaram com a ordem autoritária instaurada em 1964 e os seus comandos presentes em instrumentos montados pelo arbítrio, sem descuidar, no entanto, da tentativa de localização das causas mais evidentes de uma postura dos juízes, política e judiciária, refratária ou não à cartilha dos militares brasileiros que tomaram o poder político de assalto. Tem relevância para o direito, e sobretudo para a história, avaliar o papel desempenhado por instituição do poder público concebidas para garantir primordialmente o exercício dos direitos fundamentais, numa época de flagrante rompimento com a ordem constitucional e de completo obscurantismo estatal. O artigo busca, em síntese, indicar o tipo de relação existente entre militares e juízes na época do arbítrio e algumas das razões para determinadas posturas serem assumidas pelo Poder Judiciário brasileiro. 2 GOLPE MILITAR DE 1964 NO BRASIL E O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO Ainda é reduzida a investigação realizada pelo mundo acadêmico a respeito do efetivo papel exercido pelo Poder Judiciário durante o período do regime autoritário brasileiro. Mesmo desprezando esse elemento de caráter científico, ninguém ousou até agora descrever ou defender a tese da resistência, política ou judiciária, ao arbítrio instalado no País em 1964, por parte dos juízes ou de suas entidades de classe. E aqui, cabe dizer, não serve para materializar insurgência coletiva ou majoritária os eventuais atos isolados de insatisfação contra as ações dos golpistas, inclusive pela falta de real solidariedade ou de respaldo aos gestos de poucos magistrados afetados diretamente ou indignados com o quadro cerceador de liberdades visto a partir de 31 de março de 1964. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 34
  • 35. Com o propósito de verificar, entre outros aspectos, a intensidade da opressão presente nos regimes autoritários vigentes no Brasil, no Chile e na Argentina, Anthony Pereira (2010), numa pesquisa que resultou em livro, defende a teoria de que o grau de violência, em cada uma dessas nações, foi definido pelo nível de cooperação, consenso e integração existente entre as elites militares e judiciárias. Para tanto, nota o brasilianista que na Argentina não houve entrosamento entre os dois segmentos, daí porque os militares portenhos simplesmente ignoraram o direito e o Poder Judiciário, passando a resolver o confronto mediante o massacre dos adversários, institucionalizando-se, assim, a violência, a ponto de eliminar, contando mortos e desaparecidos, 30 mil pessoas, de 1976 a 1983. No caso do Chile, Pereira assinala que, embora houvesse algum tipo de entrosamento, definido como moderado, Pinochet não confiava tanto na eficiência do Poder Judiciário no exame de suas práticas políticas de forte repressão aos opositores do golpe de 1973, motivo pelo qual adotou-se ali a via simples da usurpação das funções judiciárias pelo comando militar. A corte militar legitimou, em última análise, o assassinato de 7.004 pessoas e tantas outras opressões e perseguições. Com especial atenção para a situação brasileira, Anthony Pereira, em vários capítulos do livro Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e na Argentina (2010), sustenta que, ao contrário dos demais países, no Brasil havia total entrosamento entre as forças militares e o Poder Judiciário, tendo o autoritarismo, por isso mesmo, utilizado a estrutura jurídica existente antes do golpe para legitimar os seus atos, com modificações ao longo do tempo, tal era a confiança depositada pelo regime nos magistrados, criando, assim, um cenário de suposta normalidade e de respeito às regras do direito. Por força de tal aliança, principalmente, o grau de violência adotado pelos militares brasileiros teria sido menor, com 364 vítimas fatais, quando comparado com os extermínios de adversários políticos vistos na Argentina e no Chile. O pesquisador norte-americano anota o seguinte: Onde existia consenso, cooperação e integração entre as forças armadas e o Judiciário, a repressão praticada pelo regime foi em boa medida judicializada, e o sistema judicial foi gradualmente alterado numa direção conservadora. Onde houve um rompimento entre os militares e as elites judiciárias, a repressão transformou-se num ataque radical em grande parte extrajudicial aos procedimentos legais tradicionais. Onde havia uma nítida separação entre as forças armadas e o Judiciário, e a cooperação era limitada, a repressão tomou uma forma intermediária entre esses dois polos. (PEREIRA, 2010, p. 286) COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 35
  • 36. Em outras palavras, Pereira compreende que a repressão extrajudicial, na ditadura, aumenta quando o Judiciário não compactua, ainda que de forma velada, com o autoritarismo (Argentina). Por mais paradoxal que seja a relação, é certo que a existência de tribunais de confiança do arbítrio é fator de preservação de algumas garantias físicas dos presos políticos (Brasil). Na dúvida, porém, sobre o respaldo aos atos de violência estatal, usurpam-se as funções judiciárias para o corpo militar investido agora da condição de julgador, tudo a configurar quadro intermediário entre a violência institucionalizada e o Estado autoritário travestido de direito (Chile). Por outro lado, a tentativa de imprimir algum caráter de legalidade aos atos da ditadura militar brasileira, na leitura de Anthony Pereira, além do aspecto relativo ao entrosamento com o Poder Judiciário, também tem suporte na tomada do poder por parte de militares considerados moderados, na organização mais débil da esquerda brasileira, especialmente dos grupos armados, e no afastamento de alguns juízes e ministros do STF não alinhados à doutrina de segurança nacional. Citado por Renato Lemos (2011), Emir Sader afirma que Foi mais fácil para a ditadura, após depurar o Legislativo e o Judiciário, conviver com eles, sem necessidade de fechá-los, como aconteceu nos outros países do Cone Sul. Não foi um sinal de “liberalismo” do regime militar, mas de fraqueza das forças democráticas e de ambiguidade acentuada dos liberais: aquelas poderiam ser derrotadas, mantendo-se a fachada das instituições, e esses compactuaram com o regime de força. Na verdade, os militares brasileiros pretendiam passar para o público a falsa imagem de ter havido heroico levante contra o marxismo já instalado em algumas nações, mesclando, por isso mesmo, elementos autoritários com instrumentos próprios de um Estado de Direito. Tanto é assim que atribuíram ao golpe o significativo nome de “revolução”. O propósito era escamotear a natureza golpista e autoritária do regime para adquirir a maior carga de legitimidade possível entre os setores da sociedade desinformados ou simpáticos ao fervoroso combate aos comunistas, além de esfriar eventual resistência por parte de governos e organizações internacionais. E para a dissimulação perpetrada um ator era importante na mera encenação democrática de exercício do poder político, qual seja, o Judiciário dócil e afinado com a nova ordem e com a doutrina de segurança nacional das forças armadas. Embora coadjuvantes no script geral, os juízes acabam tendo um papel importante no sentido de legitimar as atrocidades dos gestores de plantão, especialmente na aplicação das políticas e regras ditadas no curso da fase autoritária do Estado brasileiro. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 36
  • 37. O trabalho investigativo de Pereira tem o notável mérito, entre outros, de expor a real atitude do Judiciário brasileiro frente ao golpe militar e à ditadura instalada no País em 1964. Tanto se pode conferir ao referido poder, naquela época, o título de aliado, colaborador e complacente com o arbítrio ou, de maneira mais suavizada assim vista a ausência de reação dos juízes, dar-lhe a qualidade de ator omisso, uma espécie de alienado político no processo de escancarada violência condutora da tritura dos mais elementares direitos humanos durante duas décadas. Jamais podem ser relegadas as reações isoladas de juízes e ministros do STF contra o regime autoritário brasileiro e suas despóticas ordens presentes na maioria das vezes nos atos institucionais dos anos 1960. Há registro no sentido de que logo no início do autoritarismo 49 juízes sofreram algum tipo de expurgo (FAUSTO, 2000). Com o AI-5 outros magistrados, inclusive no STF e na Justiça Militar, caíram na inatividade, com destaque para as aposentadorias compulsórias dos ministros Victor Nunes Leal, Evandro Lins e Silva e Hermes Lima, e voluntárias de Gonçalves de Oliveira e Lafaiete Andrade, além da compulsória aplicada ao ministro Peri Constant Bevilacqua, do STM. Também é digna de nota a altivez do juiz federal Márcio José de Morais ao responsabilizar civilmente a União pela prisão ilegal, tortura e morte do Vladimir Herzog nas dependências do DOI-CODI, além de determinar a remessa de cópias dos autos à Procuradoria Militar, para fins penais, conforme sentença proferida no dia 25 de outubro de 1978, nos autos da Ação Declaratória nº 136/76 (Autores: Clarice Herzog, Ivo Herzog e André Herzog. Ré: União Federal, da 7ª Vara Federal de São Paulo). As eventuais dissidências no âmbito do Judiciário não comprometiam a busca incessante das forças armadas na perspectiva de legitimar a ditadura sob o manto da democracia. Para o professor Renato Lemos, O STF desempenhou um importante papel nestas estratégias, como espaço atenuador de práticas policiais e jurídicas tendentes a aprofundar o caráter ditatorial do regime. É inegável que em muitas ocasiões o tribunal foi determinante para a garantia de respeito a direitos políticos e individuais. Mas essa evidência não invalida a hipótese, apenas indica o conteúdo contraditório das relações entre o Executivo e o Judiciário. O lugar reservado a este, na medida em que o mantinha em funcionamento, implicava o risco de que os juízes, ao menos alguns, votassem contra os interesses dos militares no poder. Como isso acontecesse esporadicamente, ou em relação a questões sem transcendência política, podia ser encarado com um preço razoável a ser pago para reforçar a ideia de uma ditadura provisória claramente comprometida com o restabelecimento da democracia. (LEMOS, 2011, p. 15) COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 37
  • 38. O juiz federal aposentado Vladimir Passos de Freitas indica algum tipo de resistência dos juízes ao regime ditatorial instalado em 1964, segundo consta de artigo recentemente publicado: O Brasil mudava. Atos Institucionais suspendiam direitos constitucionais. O AI 2, em 1965, elevou o número de ministros do STF de 11 para 16, com o intuito de alterar os posicionamentos. O AI 5, em 1968, suspendeu os direitos e garantias individuais, iniciando as cassações. O AI 6, de 1969, excluiu da apreciação judicial uma série de atos. O AI 13, de 1969, dispôs sobre o banimento dos considerados nocivos à segurança nacional. O AI 14, em 1969, instituiu a pena de morte para os casos de guerra psicológica revolucionária ou subversiva. É desta época a cassação de vários juízes. Talvez o primeiro caso tenha sido o do juiz de Direito José Francisco Ferreira, da comarca de Pacaembu (SP), que no dia 31 de março de 1964 mandou hastear a bandeira do Brasil a meio-pau no fórum. Entre tantos, a cassação do desembargador Edgard Moura Bitencourt (TJ-SP), autor do excelente livro O Juiz, do grande José de Aguiar Dias (TJ-DF, então no RJ), autor do ótimo Da Responsabilidade Civil e do juiz federal Américo Masset Lacombe, de São Paulo, que foi preso, cassado e voltou, anistiado, à magistratura, onde chegou à presidência do TRF-3[...]. Em conclusão abreviada pelo limite máximo de duas folhas, na visão minha que pode ser diferente de quem tenha tido outras experiências, penso que no regime militar o Judiciário, na esfera política e institucional, não tinha liberdade de agir, e os que ousassem enfrentar o regime corriam o risco da cassação. Na área das relações entre particulares, Justiça Estadual, não existia qualquer tipo de interferência, sendo plena a liberdade dos Juízes. E quem mais souber que o diga. Vamos construir nossa história. (FREITAS, 2011) Pode se cogitar, como faz Vladimir Passos de Freitas, da provável cassação do magistrado caso tivesse ele a ousadia de enfrentar o regime autoritário. Mas o que ocorreu no Brasil não foi apenas a falta de enfrentamento senão uma adaptação do Poder Judiciário ao figurino político e jurídico ditado sob a batuta dos quartéis, seja pela legitimidade conferida ao arbítrio e aos personagens que tomaram o Estado por intermédio de golpe, seja pela majoritária jurisprudência respaldadora de normas e atos injurídicos, nitidamente ofensivos aos direitos humanos. Os militares e o judiciário brasileiro, a exemplo das demonstrações públicas de arrependimento externadas pelos golpistas argentinos, verdadeiras ou não, deveriam ter a humildade e a hombridade de reconhecer cada um a sua responsabilidade pelas consequências do autoritarismo vigente durante mais de 20 anos no país. Definitivamente, as destemidas reações de alguns juízes naquela época são fragmentos relevantes, cujo impacto, no entanto, foi reduzido, do ponto de vista de expressão política, quando consideradas as insatisfações dentro do conjunto de medidas adotadas pelo Poder Judiciário na análise dos atos arbitrários do regime. COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 30 - Justiça de Transição: Verdade, Memória e Justiça 38