Esse texto teve como inspiração (se é q posso dar esse nome), um encontro com uma turma de amigos muito descontraídos e queridos. Passamos horas conversando... E eu adorei.
1. Um salve aos subversivos!
Por Georgia Amaral
Ela tinha uma escolha a fazer. Entre a solidão e a diversão, escolheu a última. Foi ao
encontro do grupo e não se arrependeu.
Era um grupo sem grandes pretensões. Seu maior objetivo era a diversão, mas o destino
fez deles subversivos procurados. Eles só queriam conversar e não sabiam que era proibido.
Um deles ficou parcialmente incomunicável. Ninguém merecia tamanha tortura, era cruel.
Suspeitava-se de um ataque para impedir o encontro de tais mentes perigosas. Mentes que
almejam diversão e liberdade é um perigo nesse mundo cão.
Alguém enviou uma mensagem dizendo que o verso havia morrido. Concluíram então que
a poesia, de saudade se suicidou. A idéia depois do acordo gramatical, também seguiu esse
caminho, por não suportar a ausência do acento. Inconformados e sentidos não viram mais sabor
na vida. Perceberam a falta da opinião, quando toda resposta era um ‘não sei’. Era outra falecida.
Ousaram num mundo onde a opinião, a idéia, o verso e a poesia morreram. Não havia mais graça
em viver. Começaram então a chacina das ciências que coexistiam, para abreviar o sofrimento.
Encontraram-se no bar. Pediram ‘saltimbocas’ e uma tábua de frios. Planejaram friamente
os assassinatos. A primeira a morrer foi a saudade.
Despiram-se de seus nomes. Adotaram letras do alfabeto como codinomes. Criavam e
matavam suas ideologias só pelo prazer do ato criminoso.
‘A’ ousou enviar a mensagem proibida. Sabia que agora seria um foragido. Era uma
questão de tempo.
Burlaram as regras. Uniram-se. Era uma quadrilha. Uma máfia. Desde aquela noite, não
puderam ter rotina. Cada dia em um bar diferente. A vida era uma aventura. Mataram a rotina.
Andavam sem rumo. O destino pouco importava. Eram amigos. Depois de tantas horas juntos,
não necessitavam mais de palavras. Entendiam-se por gestos.
‘B’ era o mais frio dos quatro. Ria e dava de ombros enquanto listava suas vítimas. O
mais experiente sem dúvida. Teria quantas mortes nas costas? Nem imaginava. Era preciso ter
cuidado com ele, depois que se confessou um mercenário. Ele era antigo. Usava expressões
desconhecidas para o grupo. Certamente adquiridas em algum curso de guerrilha. Matou a fé. Era
descrente, por isso, talvez, o mais perigoso da quadrilha. Ressuscitou a filosofia só para dar vazão
aos questionamentos que tomavam conta da sua alma. Era um paradoxo. Objetos que colonizam
pessoas? – era só o princípio de tudo, muitos outros vieram intercalados de goles da ‘gelada’.
‘C’ era um ás da informática. Sentia-se protegido, incógnito atrás da armação grossa de
seus óculos. Era destemido, nem pestanejou ao se candidatar em mandar a mensagem atrevida ao
mundo. Mandou a mensagem porque não tinha nada a perder. Seu ônibus só saía às 4h. Conhecia
várias ferramentas da web. Era responsável pela área da comunicação. Planejava mandar
mensagens criptografadas, mas como estratégia, e prazer à subversão usaria cartões em papel
linho com letras douradas, ou mensagens dentro de garrafas jogadas ao mar. As coisas fáceis não
tinham sabor.
‘D’ era decidida. Cobrava atitude dos outros ‘matadores’. Cansada de mediar
negociações, matou a democracia e se tornou autoritária. Tudo indicava que era uma agente
dupla. Sua estratégia era embriagá-los. Alguém na rua a reconheceu, chamou-a de ‘abelha
2. rainha’. Seria um disfarce? Mais uma morte entre tantas. Ela canta e encanta. Com a palavra
motiva e converte. Seu poder era tamanho, que mesmo sem falar de política, era tida como
politizada.
‘E’ tem sangue farroupilha e tupamaro nas veias. Não podia ver uma rebelião. Logo seu
sangue fervia de euforia.
Não ficavam por muito tempo no mesmo bar. Não podiam facilitar sua localização. Eram
quatro sobreviventes. O restante do grupo desconfiavam: mortos ou abduzidos. Protegiam-se.
Precisavam sobreviver. Cada um era perito em sua área. Antes eram estranhos, agora cúmplices.
Um dependia do outro. Ousaram demais. Isso não era permitido. Não era aceito.
Ela olhava seus três companheiros, ali sentados. Criaturas que misturadas à multidão
pareciam normais, protegidas por seus personagens do cotidiano. Naquela mesa de bar se
revelaram insaciáveis assassinos. A lista era grande. E agora ela era um deles. Não havia como
fugir, e ela nem queria.
Temiam serem cercados na Cidade Baixa. Seu tempo ali estava terminando. Era fato. A
patrulha rondava a porta. Lá dentro teciam estratégias. Havia um traidor. Desconfiaram logo do
companheiro que faltou ao encontro sem justificativa. Todos os ausentes eram suspeitos, em alto
grau, de traição.
Seres estranhos lhes abordavam. Desconfiavam serem agentes enviados pelo Capitão F. O
primeiro parecia um morador de rua. Desfiou um discurso ativista sem muito nexo. Com certeza
uma estratégia para ser aceito no grupo. O segundo era estranho. Usava um lenço palestino e
carregava consigo um ‘japamalas’. Demonstrou ter equilíbrio invejável. Era um agente altamente
treinado com certeza. Ficaram temerosos. O terceiro abordou-os na entrada de um bar. Falava um
idioma desconhecido. Depois com alguém aparentemente invisível. Fazia trejeitos... Talvez um
agente intergaláctico.
Mataram e mataram por toda noite, até a exaustão. A noite morreu e eles continuavam ali,
conversando. Despertaram do transe com o canto dos pássaros e dos galos. Eram subversivos
procurados. Só lhes restava beber. Ninguém esperava que o movimento tomasse esse rumo.
Chegaram a planejar a morte no seu ápice como estratégia política.
Na hora de ir embora perceberam que havia tumulto na rua. Uma briga. ‘A’ suspirou
aliviado. A polícia não notaria sua presença. Era o mais light dos quatro. Era perito em tecnologia
e softwares. Não foi muito atingido pelas notícias fúnebres como os demais, mas tinha um
espírito solidário e revolucionário por natureza. Praticava a subversão por prazer... Por esporte.
Eles se completavam. O universo conspira. A combinação dos quatro dava como
resultado dessa soma o mais temido ‘serial killer’ de ideologias. O que nasceu da diversão e do
amor à contravenção, agora era vício. Capitão F nem imagina os perigosos indivíduos que gerou.
Seres estranhos continuavam se aproximando deles. Certamente mais investigadores
enviados pelo Capitão F. Sua patrulha era interminável. Ninguém vende CD, incenso com bula e
brincos num bar, num sábado à noite. Eram espiões, com certeza absoluta. Não há paz nessa vida.
Quando fizeram essa escolha, mesmo que empurrados, já sabiam disso.
Na mesa ao lado, uma mulher com seu celular de última geração, chama a atenção deles.
Deve estar ouvindo e transcrevendo todos os planos e enviando a uma central de comunicação
próxima. Mesmo assim não conseguem sussurrar. Eles se sentem livres, soltos e seguros,
apoiados pelo levedo e o malte. Eles beberam todos os defuntos naquela noite. Ficou a promessa
de um novo encontro. Contra eles, o tempo. Dois mil e doze se aproxima, o tempo deles aqui está
no fim.
3. Num outro bar disfarçavam, enquanto ‘C’ fotografava todos os movimentos do elemento
perto da porta. Ele estava vivo! Agora tinham provas. Tudo conversa a história de suicídio, cortar
a orelha e tudo mais... Se ele estava vivo, podiam começar a procurar Elvis.
A moça da mesa ao lado tinha uma voz irritante. Ela estava com suas horas contadas.
Podiam fazer a moça de voz irritante e com o sagrado coração tatuado no peito sofrer, se
contassem as notícias de que tinham conhecimento. O conhecimento deve ser livre - disse um
deles. Os outros concordaram. Combinaram disseminar suas ideologias pela rede com um vírus
que se alastra. Foi com pesar que ‘E’ os deixou.
Na manhã seguinte as idéias, mesmo mortas atormentavam sua mente. Ela precisava
escrever. Andou km atrás de uma caneta. Depois de horas encontrou um lápis. Nada mais
subversivo do que escrever palavras a lápis. A oportunidade de subverter as próprias idéias. O
lápis tinha um enfeite de biscuit em forma de Pantera Cor-de-rosa. Sentiu-se ridícula. Aquele
enfeite não condizia com a nova personalidade que aflorava em seu ser. Desvencilhou-se dele
sem dó. Sua meta era escrever.
Uma estranha a abordou. Destilou ameaças de lhe dar socos e facadas. Ela a olhou
duramente. Se soubesse os pensamentos que atormentavam sua mente no momento e os
assassinatos de que foi cúmplice na noite anterior, jamais teria proferido tais palavras.
Procurou um restaurante vegetariano, um lugar onde passasse despercebida. Sim, era
vegetariana apesar das mortes que trazia em si. Seu grupo matava sem sangue. Afinal, não era tão
insensível. Os animais mereciam misericórdia. Eles ainda tinham o álibi de serem irracionais.
Lembrava da noite anterior quando se separaram. Cada um por um caminho. Tática de
preservação da integridade coletiva. Um novo encontro agendado. Lugar ainda desconhecido. Era
perigoso antecipar posições. Era necessário evitar tocaias. Aguardávamos ansiosos que todos
comparecessem, pois um que faltasse, já temeríamos pela sua vida.
Um salve a Bob Dylan! A Bob Marley! A Bob Esponja! A todos que ousaram... A todos
que querem a diversão pela diversão, e só...