SlideShare une entreprise Scribd logo
1  sur  18
 
E ra   uma vez um menino que lia. - ERRADO!  REPETE! Mas a professora dizia:
E o menino sorria. Riso amarelo. E repetia. Mas era só acabar  e lá vinha  nova gritaria: - ERRADO!  REPETE! QUE AGONIA!
E o menino, agora, já não sorria. Nem lia. Inibia. Tentava, forçava, se debatia, mas na hora do vamos ver, insistia: - IVO VÊ A LUVA. - ERRADO, SEU TONTO!  É “I-VO-VÊ-A-U-VA”.
Que um dia  ia ser goleiro e que no próximo aniversário  ia juntar trocado por trocado,  o que ganhasse do pai e da mãe,  do avô e da bisavó , da tia Maricota  e da prima-avó Carlota. Tudo, tudo num  saquinho, ia correndo na esquina,  na loja do Bola Bolão. Ficava na ponta do pé,  que não alcançava o balcão, e agora ordenava,  não mais mendigava,  que lhe desse aquela luva,  aquela mesma, pendurada no aramado. Luva profissional. “ Agora vou ser o tal.  Chega de dedo quebrado!” Aí sim é que a estória começava. Enquanto a professora corrigia, soletrava, dividia, o menino sonhava.
- LÊ, MENINO!  E o menino acordava, assustado, e era obrigado a ler o que a professora queria, mas... qual o quê! Só conseguia ver aquilo que sentia.
- ERRADO, MENINO! REPETE! O menino estremecia,  endurecia e balbuciava: - A CASA DA BIA É UM LIXO.
E a professora berrava: - ERRADO! ERRADO! ERRADO! É “A CASA DA BIA É UM LUXO”.
Aquela Bia exibidinha que sentava bem ao seu lado e esfregava na sua cara o reloginho que trocava pulseirinhas, a canetinha cheirosinha Mas o menino nem ouvia, divagava. e milhões de outras riquezinhas, só podia ser uma fedidinha.
- LÊ, MENINO! E o menino pulava, se sacudia, acordava e lia: - A PROFESSORA É BOBA. - ERRADO! ERRADO! MENINO MAIS DESASTRADO! É “A PROFESSORA É BOA”.
A classe inteira ria, gargalhava. A professora quase desmaiava, ameaçava. O menino, chora não chora, chorava. E era obrigado a escrever pra aprender, pra não esquecer, 365 vezes “ A PROFESSORA É BOA”. O menino sentiu cansaço. A professora... Sorte que chegaram as férias: tempo pra brincar, descansar e... pensar.
“ Mas por que sempre eu?”, pensou o menino, quando voltaram as aulas e a professora logo o escolheu. - Lê Galileu. O menino estremeceu, mas nem tanto. Endureceu, mas nem tanto. E leu: - Teco latiu, pulou e morreu. O menino encarou. A professora sustentou e com olhar doce perguntou: - Do que o Teco morreu? Será que tinha escutado? Será que podia respirar aliviado? E desatou a contar que seu cachorro Teco era levado, mal acostumado, mais do que amado, supercomilão, um cachorrão, muito brincalhão, um amigão... Um dia saiu apressado, não ouviu o chamado... morreu atropelado.
O menino contou e chorou. Chorou e desafogou. A professora olhou o menino. O menino olhou a professora e agora,  desestremecido, desendurecido, releu: - Tico latiu, pulou e mordeu. Foi um tal de ouvir estória de peixe morrido daqui e gato matado dali que, num instante,  a classe toda soluçava... E acalmava.
- Valeu! Sabe, gente, nessas férias andei lendo e relendo  a Emília A professora aplaudiu, rodopiou e falou: –  eta boneca danada!
Ninguém respondeu. A classe emudeceu. Era um olhando no olho do outro assim, assim,  sem saber se tinha que dizer não ou sim. Quem aqui conhece a Emília? Quem gosta de estória de fada?
Adivinhem quem primeiro levantou a mão? Passou um minuto, ou três e a professora começou a tirar de uma sacola xadrez,  de cada em cada, um monte de livro de estória, de bruxa e fada e rei e rainha e sereia e menininha e futebol e bonequinha e gigante e anão e vampiro e dragão. Quem quer que eu conte a estória do menino-goleiro-campeão?
fim
 

Contenu connexe

Similaire à A aula que mudou o menino que não gostava de ler

Similaire à A aula que mudou o menino que não gostava de ler (20)

O lápis mágico
O lápis mágicoO lápis mágico
O lápis mágico
 
SIMULADO DE LÍNGUA PORTUGUESA - 7° ANO - doc
SIMULADO DE LÍNGUA PORTUGUESA - 7° ANO - docSIMULADO DE LÍNGUA PORTUGUESA - 7° ANO - doc
SIMULADO DE LÍNGUA PORTUGUESA - 7° ANO - doc
 
Nóis mudemo
Nóis mudemoNóis mudemo
Nóis mudemo
 
O Palhacinho
O PalhacinhoO Palhacinho
O Palhacinho
 
Nóis mudemo
Nóis mudemoNóis mudemo
Nóis mudemo
 
HISTORIAs de LETRAS.pdf
HISTORIAs de LETRAS.pdfHISTORIAs de LETRAS.pdf
HISTORIAs de LETRAS.pdf
 
Apresentação 8 simulado alfabetização
Apresentação 8 simulado alfabetizaçãoApresentação 8 simulado alfabetização
Apresentação 8 simulado alfabetização
 
Simulado 2 novo
Simulado 2   novoSimulado 2   novo
Simulado 2 novo
 
Simulado ana 3pdf
Simulado ana 3pdfSimulado ana 3pdf
Simulado ana 3pdf
 
Semana de incentivo à leitura
Semana de incentivo à leituraSemana de incentivo à leitura
Semana de incentivo à leitura
 
Diário de uma totó
Diário de uma totóDiário de uma totó
Diário de uma totó
 
Folclore cantigas
Folclore   cantigasFolclore   cantigas
Folclore cantigas
 
aulão spaece.pdf
aulão spaece.pdfaulão spaece.pdf
aulão spaece.pdf
 
Apresentação 8 simulado alfabetização
Apresentação 8 simulado alfabetizaçãoApresentação 8 simulado alfabetização
Apresentação 8 simulado alfabetização
 
Augusta Barros (FT1)
Augusta Barros (FT1)Augusta Barros (FT1)
Augusta Barros (FT1)
 
Vanessa Biffon - Ensaio Piá 2014
Vanessa Biffon - Ensaio Piá 2014Vanessa Biffon - Ensaio Piá 2014
Vanessa Biffon - Ensaio Piá 2014
 
Um Curioso Curriculum
Um Curioso CurriculumUm Curioso Curriculum
Um Curioso Curriculum
 
[Infantil] ruth rocha_-_marcelo_marmelo_martelo
[Infantil] ruth rocha_-_marcelo_marmelo_martelo[Infantil] ruth rocha_-_marcelo_marmelo_martelo
[Infantil] ruth rocha_-_marcelo_marmelo_martelo
 
Ruth rocha marcelo marmelo martelo
Ruth rocha   marcelo marmelo marteloRuth rocha   marcelo marmelo martelo
Ruth rocha marcelo marmelo martelo
 
Infantilruthrocha marcelo-
Infantilruthrocha marcelo-Infantilruthrocha marcelo-
Infantilruthrocha marcelo-
 

Plus de jany clea

Gestar 7 Trabalhando Com Projeto
Gestar 7 Trabalhando Com ProjetoGestar 7 Trabalhando Com Projeto
Gestar 7 Trabalhando Com Projetojany clea
 
Z O O M P A R A C O M D I R E C I O N A M E N T O E C O M E N TÁ R I O S
Z O O M  P A R A  C O M  D I R E C I O N A M E N T O  E  C O M E N TÁ R I O SZ O O M  P A R A  C O M  D I R E C I O N A M E N T O  E  C O M E N TÁ R I O S
Z O O M P A R A C O M D I R E C I O N A M E N T O E C O M E N TÁ R I O Sjany clea
 
Gestar Ii V Encontro 2
Gestar Ii V Encontro 2Gestar Ii V Encontro 2
Gestar Ii V Encontro 2jany clea
 
Pauta V Encontro
Pauta V EncontroPauta V Encontro
Pauta V Encontrojany clea
 
FundamentaçãO
FundamentaçãOFundamentaçãO
FundamentaçãOjany clea
 
Pauta Iv Encontro
Pauta Iv EncontroPauta Iv Encontro
Pauta Iv Encontrojany clea
 
Planejamen To Para Silvanis
Planejamen To Para SilvanisPlanejamen To Para Silvanis
Planejamen To Para Silvanisjany clea
 
Cidadezinha Qualqu Er Para Silvania
Cidadezinha Qualqu Er Para SilvaniaCidadezinha Qualqu Er Para Silvania
Cidadezinha Qualqu Er Para Silvaniajany clea
 
Fundament..[1] Iiieencontro
Fundament..[1] IiieencontroFundament..[1] Iiieencontro
Fundament..[1] Iiieencontrojany clea
 
Pauta Do Iii Encontro[1]
Pauta Do Iii Encontro[1]Pauta Do Iii Encontro[1]
Pauta Do Iii Encontro[1]jany clea
 
Sequencias TipolóGicas
Sequencias TipolóGicasSequencias TipolóGicas
Sequencias TipolóGicasjany clea
 
Zoom Para Leitura
Zoom Para LeituraZoom Para Leitura
Zoom Para Leiturajany clea
 
Zoom Para Leitura
Zoom Para LeituraZoom Para Leitura
Zoom Para Leiturajany clea
 

Plus de jany clea (20)

Gestar 7 Trabalhando Com Projeto
Gestar 7 Trabalhando Com ProjetoGestar 7 Trabalhando Com Projeto
Gestar 7 Trabalhando Com Projeto
 
Pauta 7
Pauta 7Pauta 7
Pauta 7
 
CoesãO 22
CoesãO 22CoesãO 22
CoesãO 22
 
Z O O M P A R A C O M D I R E C I O N A M E N T O E C O M E N TÁ R I O S
Z O O M  P A R A  C O M  D I R E C I O N A M E N T O  E  C O M E N TÁ R I O SZ O O M  P A R A  C O M  D I R E C I O N A M E N T O  E  C O M E N TÁ R I O S
Z O O M P A R A C O M D I R E C I O N A M E N T O E C O M E N TÁ R I O S
 
CoesãO 22
CoesãO 22CoesãO 22
CoesãO 22
 
Tp3
Tp3Tp3
Tp3
 
Gestar Ii V Encontro 2
Gestar Ii V Encontro 2Gestar Ii V Encontro 2
Gestar Ii V Encontro 2
 
Pauta V Encontro
Pauta V EncontroPauta V Encontro
Pauta V Encontro
 
FundamentaçãO
FundamentaçãOFundamentaçãO
FundamentaçãO
 
Pauta Iv Encontro
Pauta Iv EncontroPauta Iv Encontro
Pauta Iv Encontro
 
Planejamen To Para Silvanis
Planejamen To Para SilvanisPlanejamen To Para Silvanis
Planejamen To Para Silvanis
 
Cidadezinha Qualqu Er Para Silvania
Cidadezinha Qualqu Er Para SilvaniaCidadezinha Qualqu Er Para Silvania
Cidadezinha Qualqu Er Para Silvania
 
Fundament..[1] Iiieencontro
Fundament..[1] IiieencontroFundament..[1] Iiieencontro
Fundament..[1] Iiieencontro
 
Pauta Do Iii Encontro[1]
Pauta Do Iii Encontro[1]Pauta Do Iii Encontro[1]
Pauta Do Iii Encontro[1]
 
Debate
DebateDebate
Debate
 
Zoom
ZoomZoom
Zoom
 
Sequencias TipolóGicas
Sequencias TipolóGicasSequencias TipolóGicas
Sequencias TipolóGicas
 
Zoom
ZoomZoom
Zoom
 
Zoom Para Leitura
Zoom Para LeituraZoom Para Leitura
Zoom Para Leitura
 
Zoom Para Leitura
Zoom Para LeituraZoom Para Leitura
Zoom Para Leitura
 

A aula que mudou o menino que não gostava de ler

  • 1.  
  • 2. E ra uma vez um menino que lia. - ERRADO! REPETE! Mas a professora dizia:
  • 3. E o menino sorria. Riso amarelo. E repetia. Mas era só acabar e lá vinha nova gritaria: - ERRADO! REPETE! QUE AGONIA!
  • 4. E o menino, agora, já não sorria. Nem lia. Inibia. Tentava, forçava, se debatia, mas na hora do vamos ver, insistia: - IVO VÊ A LUVA. - ERRADO, SEU TONTO! É “I-VO-VÊ-A-U-VA”.
  • 5. Que um dia ia ser goleiro e que no próximo aniversário ia juntar trocado por trocado, o que ganhasse do pai e da mãe, do avô e da bisavó , da tia Maricota e da prima-avó Carlota. Tudo, tudo num saquinho, ia correndo na esquina, na loja do Bola Bolão. Ficava na ponta do pé, que não alcançava o balcão, e agora ordenava, não mais mendigava, que lhe desse aquela luva, aquela mesma, pendurada no aramado. Luva profissional. “ Agora vou ser o tal. Chega de dedo quebrado!” Aí sim é que a estória começava. Enquanto a professora corrigia, soletrava, dividia, o menino sonhava.
  • 6. - LÊ, MENINO! E o menino acordava, assustado, e era obrigado a ler o que a professora queria, mas... qual o quê! Só conseguia ver aquilo que sentia.
  • 7. - ERRADO, MENINO! REPETE! O menino estremecia, endurecia e balbuciava: - A CASA DA BIA É UM LIXO.
  • 8. E a professora berrava: - ERRADO! ERRADO! ERRADO! É “A CASA DA BIA É UM LUXO”.
  • 9. Aquela Bia exibidinha que sentava bem ao seu lado e esfregava na sua cara o reloginho que trocava pulseirinhas, a canetinha cheirosinha Mas o menino nem ouvia, divagava. e milhões de outras riquezinhas, só podia ser uma fedidinha.
  • 10. - LÊ, MENINO! E o menino pulava, se sacudia, acordava e lia: - A PROFESSORA É BOBA. - ERRADO! ERRADO! MENINO MAIS DESASTRADO! É “A PROFESSORA É BOA”.
  • 11. A classe inteira ria, gargalhava. A professora quase desmaiava, ameaçava. O menino, chora não chora, chorava. E era obrigado a escrever pra aprender, pra não esquecer, 365 vezes “ A PROFESSORA É BOA”. O menino sentiu cansaço. A professora... Sorte que chegaram as férias: tempo pra brincar, descansar e... pensar.
  • 12. “ Mas por que sempre eu?”, pensou o menino, quando voltaram as aulas e a professora logo o escolheu. - Lê Galileu. O menino estremeceu, mas nem tanto. Endureceu, mas nem tanto. E leu: - Teco latiu, pulou e morreu. O menino encarou. A professora sustentou e com olhar doce perguntou: - Do que o Teco morreu? Será que tinha escutado? Será que podia respirar aliviado? E desatou a contar que seu cachorro Teco era levado, mal acostumado, mais do que amado, supercomilão, um cachorrão, muito brincalhão, um amigão... Um dia saiu apressado, não ouviu o chamado... morreu atropelado.
  • 13. O menino contou e chorou. Chorou e desafogou. A professora olhou o menino. O menino olhou a professora e agora, desestremecido, desendurecido, releu: - Tico latiu, pulou e mordeu. Foi um tal de ouvir estória de peixe morrido daqui e gato matado dali que, num instante, a classe toda soluçava... E acalmava.
  • 14. - Valeu! Sabe, gente, nessas férias andei lendo e relendo a Emília A professora aplaudiu, rodopiou e falou: – eta boneca danada!
  • 15. Ninguém respondeu. A classe emudeceu. Era um olhando no olho do outro assim, assim, sem saber se tinha que dizer não ou sim. Quem aqui conhece a Emília? Quem gosta de estória de fada?
  • 16. Adivinhem quem primeiro levantou a mão? Passou um minuto, ou três e a professora começou a tirar de uma sacola xadrez, de cada em cada, um monte de livro de estória, de bruxa e fada e rei e rainha e sereia e menininha e futebol e bonequinha e gigante e anão e vampiro e dragão. Quem quer que eu conte a estória do menino-goleiro-campeão?
  • 17. fim
  • 18.