1. Ensinando arte: entre o impossível e o real.
Gilson Cruz Nunes
Depois de cinco anos afastado da sala de aula para dirigir um sindicato, ao
retomar minhas atividades pedagógicas, depara-me com um novo cenário:
escola bem organizada, conservada visualmente, aparelhada com novas
tecnologias para auxiliar o professor, além de uma biblioteca com satisfatórios
livros sobre arte e um atelier inativo. Senti-me amparado pelos novos
equipamentos e pela estrutura da escola Hortênsio Ribeiro, da rede estadual
de Campina Grande - PB. Por outro lado, uma das escolas da rede municipal
sequer uma tomada elétrica na sala de aula existia para usar um vídeo, que
resguardo citar o nome da mesma. Isso no primeiro semestre de 2009.
Minha prática de ensinar tendo como base a metodologia triangular de Ana
Mae Barbosa, que pressupõe a introdução de conceitos sobre história da arte,
contraditoriamente, em relação a receptividade dos alunos foi algo
questionável, pois muitos não queriam copiar um parágrafo de conteúdo, a
disciplina estava limitada ao desenho da livre expressão e ridicularizavam a ex-
professora como folclórica. A prática de ensinar arte era algo para relaxar em
relação as disciplinas pesadas.
Tomando como base a minha própria prática, que há 14 anos ministrava a
disciplina tendo como base uma prática pedagógica da polivalência (NUNES,
2001:27), absurdo-epistemológico, segundo Ana Mae Barbosa. Foi a partir do
curso de especialização em artes, oferecido pela Universidade Federal da
Paraíba – Campus I, que pude perceber a grandeza de uma teoria da arte
para fundamentar o meu fazer pedagógico. Logo, “como todas as outras
disciplinas ou matérias de instrução, a arte tem um específico domínio, uma
especifica linguagem e um específico contexto histórico” (BARBOSA, 2004:64).
Ministrar uma aula tomando como tripé um procedimento metodológico e
teórico não foi fácil, e os alunos da Escola Estadual Hortêncio Ribeiro
acostumados com a prática da livre expressão, de fazer qualquer desenho,
2. “rabisco”, não queriam copiar um parágrafo de conteúdo da história da arte, e
muitas vezes, não valorizavam a leitura visual das pranchas das imagens
selecionadas para ilustrar o conteúdo, por minutos olhavam assustados para as
imagens e por outro reclamavam, solicitando ao professor que mandasse fazer
um desenho qualquer. Questionavam se a aula era de arte, português ou
religião. E que a fala do professor não tinha nada a ver com a disciplina de
arte. Que o professor só falando era muito chato, que a disciplina era muito
cansativa e que deveria ser mais dinâmica, mandar os alunos cantarem,
dançar ou fazer um peça de teatro. Pois a professora do ano anterior “era muito
boba, só mandava a gente cantar e dizia constantemente colabora turma”,
ironizando a professora. Para eles a professora representava uma
personagem folclórica, o lado lúdico da disciplina. Foi o que pude observar nos
primeiros três meses. Ensinar arte tendo como referencial a metodologia
triangular, iniciada na década de 1990, defendida por Ana Mae Barbosa,
pressupõe domínio de conhecimento e exige um competente trabalho docente.
Para esta nova concepção metodológica é preciso saber ser professor de
arte. (FUSARI, 1993:36)
Tomando como base a Metodologia Triangular, o professor de arte deve ter
conhecimento macro da teoria da história da arte, para não limitar o
conhecimento dos alunos apenas ao aspecto regional, mesmo que os três
aspectos: regional, nacional e internacional sejam citados pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais de Arte (BRASIL, 1998:38). Porém, pela falta de
formação macro de um percentual de professores, acaba limitando os alunos
apenas ao aspecto regional da arte: “trabalhar com produções artísticas locais
(...) acaba por reforçar os guetos culturais e as desigualdades do acesso à
informação”, (COUTINHO, 1995:88).
Foi esta livre expressão que levou muitos professores de arte a desvios de toda
ordem, fruto das concepções teóricas de John Dewey, Herbert Head, Vikton
Lowendild, Carl Rogers, que fundamentaram a pedagogia da Escola Nova. O
professor Augusto Rodrigues, em 1948, funda no Rio de Janeiro a primeira
escolinha de Arte do Brasil. Para ele a didática era: “criar a partir do nada; do
3. gesto pela inspiração, não dizer o que a criança deveria ver, mas o que ela
poderia ver pelo seu modo de ser” (SAVIANI, 1985:13)
Para compreender o grau de percepção dos alunos referente a disciplina de
arte, apliquei um questionário que abordava sobre música, livro, teatro, cinema,
sonhos, artistas e curiosidades da realidade cultural dos mesmos. Dentro
dessas questões abri o questionário perguntando: o que entendiam sobre
arte? A arte melhorava a vida das pessoas? Como imaginavam a arte no
futuro? O que aprenderam sobre arte no ano anterior e o que mais gostaram de
ter estudado? O que gostariam de estudar sobre arte?
Copiar no quadro o questionário foi algo impactante para eles . “O professor
logo se apresenta e vem com um questionário!”, questionaram. Copiar algo
sobre arte era estranho, pois levaram o ensino da disciplina como base lúdica
da livre expressão, sem reflexão e sem conteúdo, apenas a reprodução de
técnicas de pintar e desenhar qualquer coisa – a tapeação do ensino da arte,
confirmando o pensamento de Saviani explicitado acima. Para eles, Disciplina
de pouca importância, “não reprova, e pra que estudar um conteúdo?”
Mesmo assim, depois da aplicação do questionário fui sistematicamente
introduzindo o conteúdo em pequenos tópicos esquemáticos, ou seja,
pequenas frases, ilustrando o mesmo com imagens previamente selecionadas,
tentando conquistar o olhar dos alunos, e muitas vezes contextualizando as
imagens com o cotidiano. Foram dois meses de adaptação laboriosa, muitos
quando eu entrava na sala de aula já ficavam com a cara fechada e
repugnavam a minha presença, muitas vezes teria que perder a metade da
aula disciplinando a turma, pois a nova forma de ensinar arte com conteúdo
causou nas turmas um desconforto, pois para eles aula de arte era para relaxar
e brincar, o lado lúdico da escola. Presenciei muitas vezes alunos implorando
de mãos juntas num suplício de um anjo: “professor, pelo amor de Deus, não
copie no quadro!”. Neste sentido, a aula teria que continuar alegórica e
estigmatizada como mero lazer para agradar aos alunos, sala de aula – espaço
da terapia ocupacional, relaxar face as disciplinas sérias (JUARTE JÚNIOR,
1995:132).
4. Para atender aos desejos dos alunos, mandei fazer um desenho tendo como
base o conteúdo vivenciado, pois achava que muitos gostavam de desenhar e
que possuíam certa habilidade e responsabilidade para com a expressão do
desenho, foi um desarranjo geral, muitos fizeram os desenhos desconectados
do conteúdo, e outros desdenhavam do professor quando jogavam os
desenhos sobre a mesa dizendo: “coloque qualquer nota aí!” , queriam que o
professor aceitasse a qualquer custo o desenho, pois estavam habituados com
a livre expressão, desenhar qualquer coisa para tirar uma nota, rabiscavam
qualquer garatuja e tinham como certa, queriam apenas a nota, pois a
disciplina não reprovava e era pejorativamente tratada como “tapa buraco”, o
professor muitas vezes descaracterizado como palhaço ou alguém parecido do
programa de comédia da TV de alcance popular, sala de aula, o grande
picadeiro da livre expressão.
O telefone celular, sofisticado sistema de atração, os alunos levam para sala de
aula, artifício da indisciplina, um tormento para o professor controlar, tendo que
mandar guardar o aparelho, e muitas vezes, tendo que retirar o aluno da sala
de aula por insistir em ouvir mp4; outras alunas se maquiando e debochando
do professor, dizendo que maquiagem também é arte. A aula de arte havia se
transformado num deboche para os alunos, acostumados a fazerem qualquer
coisa dentro da sala, a exemplo de colar bolinhas de papel, palitinhos,
distorcerem imagens e ao mesmo tempo distorcendo o ensino da arte, foi o que
restou de conteúdo pauperizado. Fruto da inexistência de uma política para
ressignificação da prática do ensino de arte no estado.
Mesmo assim, insistia em propor aos alunos algo novo, resistindo a ironia e
sendo apoiado pelos professores da escola, que ficaram admirados com a
nova metodologia do ensino de arte, pois cheguei aplicar prova para medir a
dura receptividade dos alunos frente ao conteúdo vivenciado, mesmo contra a
vontade da prática do ensino de arte do passado, a livre expressão. Logo, esta
pedagogia de deixar o aluno se expressar, sem levar em consideração uma
teoria da história da arte, levou a prática do ensino da arte a um vazio, lápis,
5. pincel e tinta, instrumentos da pedagogia da livre expressão, (BARBOSA,
1983:138).
Aplicar provas a cada bimestre para avaliar os alunos é uma prática comum
dos professores da escola aqui citada. E aproveitando essa tradição da prova
até porque muitos alunos perguntavam se haveria prova de arte, talvez pela
presença do conteúdo vivenciado. Logo, com o intuito de despertar no aluno a
responsabilidade para com a disciplina, valorizar o conteúdo de arte, também
resolvi aplicar uma prova, por incrível que pareça o resultado foi positivo nas
turmas da 5ª série e 1º ano do ensino médio, enquanto nos 7º, 8º e 9º anos, o
resultado foi questionável, foi necessário recomeçar, repetir o conteúdo, pois
de uma turma de 35 alunos apenas 4 ou 7 alunos tiraram acima da média, isso
justifica que o ensino da arte com conteúdo nunca existiu e que o pensar sobre
a disciplina, estava sob o fazer das mãos, do lápis e do papel. O ensino da
arte era algo lúdico, macaqueado para relaxar, aula para tirar o estresse dos
alunos face as disciplinas sérias como matemática, geografia, história e
português.
Voltando ao conteúdo do questionário aplicado no início das aulas para avaliar
a compreensão dos alunos sobre o ensino de arte, recolhi 250 questionários.
Para ilustrar o corpo desse estudo, selecionei os mais relevantes, num total de
37. Em relação a primeira pergunta: o que entendiam sobre arte. A arte poderia
mudar a vida das pessoas. Como imaginariam a arte no futuro. Leia o que
responderam:
Para a aluna GPGF (12 anos) do 6º ano A, “afirmou que arte é apenas
desenho e que a arte é capaz de mudar a vida das pessoas, a exemplo de
colocar telas dentro da sala”. Já o aluno PFS (14 anos) 8º ano D, para ele a
arte “é um ótimo exercício para relaxar”. Enquanto a aluna VCA (11 anos) do
mesmo ano, considerou que “a arte é cor e vida, e que as pessoas precisam
saber o que é verdadeiramente a ARTE”. Enquanto a aluna AKPN (10 anos) do
6º ano B, considerou “que a arte são quadros e desenhos e que a arte serve
para conhecer outros lugares”. Devemos levar em consideração que “todo
ensino deve se basear numa consciência de que a concepção do estudante
6. está se desenvolvendo de acordo com seus próprios princípios” (ARNHEIM,
1996:193)
Dentro da mesma concepção da pergunta, a aluna LB (11 anos) do 6º B
considerou que a “arte é uma forma de interpretação visual, é a presença de
desenhos e cores numa pintura”. Já outro aluno PCN (11 anos) do 7º ano A,
surpreendeu quando afirmou “que a arte ensina muitas coisas como: desenho
de René Magritte, disco de Newton, etc”. Outro conceito surpreendente foi do
aluno WLSP (14 anos) do 7º C, para ele, a “arte é a ciência que retrata todas
as abstrações do mundo, e que a mesma contribui para ser uma das maiores
disciplinas, e que vai ajudar a melhorar e disciplinar o mundo”. Enquanto a
aluna, SCS (14 anos) do 8º ano D, para ela a “arte é uma expressão cultural
que valoriza a harmonia e o equilíbrio”. Logo, “o importante não é ensinar
estética, história e crítica de arte, mas, desenvolver a capacidade de formular
hipóteses, julgar e contextualizar julgamentos acerca de imagens e de arte.
Para isso usa-se conhecimento de história, de estética e de crítica de arte”
(BARBOSA, 1996:64).
De forma mais intimista e pessoal, a aluna LHT (13 anos ) do 9º ano E,
considerou que a “arte é um meio de você expressar seus sentimentos,
instrumento, pouco valorizado. E com o avanço da tecnologia, ela pode se
perder”. Já a outra aluna do mesmo ano DH (14 anos) considerou que “a arte é
um modo questionável de expressar nossos sentimentos”. TLS (13 anos) 9º
ano E, foi enfática ao considerar que: “não entendi quase nada sobre arte, mas
o que eu sei, não serve para nada”, o mais curioso é que pouquíssimos alunos
consideraram o mesmo e outros sequer havia estudo sobre arte, até porque
nos anos anteriores não existiam professores e em outras escolas a disciplina
não era obrigatória. E outros chegaram a declarar que mal a professora dava
aula por causa da bagunça dos alunos, ponderou o aluno CFSG (14 anos) 9º
E.
Outro ponto de vista que pode ser justificado na seqüência, quanto a segunda
questão do questionário quando foi perguntado em relação ao que
aprenderam sobre arte no ano anterior e o que mais gostaram de ter estudado.
7. Para a aluna MSS (13 anos) 9º E, foi a única, num total de 250 alunos que
afirmou que aprendeu “a manusear instrumentos como a régua, caneta
hidrográfica e lápis grafite. Texturas, uso das cores. E o que mais gostou de ter
estudado foi sobre a Op-art, que é uma forma de criar imagens e as pessoas
que vêm tem uma ilusão de movimento”. Observa-se na introdução do conceito
da aluna, que a professora pautava as aulas no manuseio de materiais e com
exercícios de técnicas, mais parecida com as aulas práticas do início da
década de 70, pelos quais muitos professores de artes eram alunos da escola
de belas artes ou da escola de arquitetura. Analisando os demais
questionários, pude perceber que os alunos aprenderam várias técnicas como:
dobraduras, origami, construção de maquetes (o lado arquitetural), mosaico,
construção de móbiles, aquarelado, ranhuras, sombreamento, esfoliamento,
esfumaçado, impressão em isopor, desenho abstrato, pontilhismo, ponto e
linha, curvas, acróstico, cores primárias, secundárias e terciárias, policromia e
monocromia (ciclo cromático), simetria, reciclagem, modelagem, boneco de
papel, figuras geométricas, letra em bastão, escultura em sabonete, charge,
desenho cego, dança folclórica e brincadeiras. Com pouquíssima exceção, três
alunos falaram sobre a história da arte, apenas um abordou que aprendeu as
características do impressionismo e conheceu obras dos artistas Vincent Van
Gohg e Salvador Dali. Porém, categoricamente, a aluna TCM (13 anos) do 9º
ano E, afirmou que a professora aplicava “textos que não tinham nada a ver
com arte”.
Por outro lado, em relação a terceira pergunta do questionário: o que gostariam
de estudar sobre arte. Existe um distanciamento entre o que estudaram no ano
anterior e o que propõem o presente, porém, de forma mais consciente e
intelectual. No próximo parágrafo abaixo podemos observar um gosto mais
apurado do ensino da arte: estudar sobre esculturas de artistas famosos, sobre
os pintores antigos, arte abstrata, arte moderna, origem da arte, arte romana,
pinturas de Picasso e pinturas rupestres. Tal concepção se deva a introdução
dos novos conteúdos, pois dei um prazo de 30 dias para recolher os
questionários. Importante ressalvar que: “ao estudarmos a arte de um modo
mais competente, mais totalizante, entendendo suas diversas conexões
possamos deixar nossas atitudes ingênuas e fragmentadas frente às
8. manifestações artísticas, e dar lugar a uma evidente compreensão da arte em
sua história”. (FUSARI, 1993:139)
Logo, personifiquei o pensamento de alguns alunos, pela importância
elaborada do pensamento sobre o que gostariam de estudar na disciplina de
Arte. Uma exceção a parte, a aluna ME (16 anos) do 9º ano “gostaria de
aprender História da Arte do passado”. No mesmo teor de pensamento, o aluno
AK (15 anos) 8º F, “gostaria de estudar sobre a história da arte, como ela
surgiu e como se desenvolveu”. Para contrapor o pensamento dos demais
alunos citados acima, a Aluna JMGSA (13 anos) 7º C, para ela “não aprendeu
nada sobre arte, porque a professora só mandava desenhar, mas que gostaria
de estudar nobre o mundo da arte”. Para fechar esse ponto de vista uma
observação final da aluna PL (15 anos) 8º E, para ela, “Gostaria de ser
professora de Arte”. E preciso reverter o conceito que “as artes ocupam, no
currículo, um lugar nitidamente marginal” (PARSONS, 1992:15).
Referencias
ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora.
São Paulo: Pioneira, 1980.
BARBOSA, Ana Mãe. Arte-educação no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 1983.
___________. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 2004.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares
nacionais: arte. 5ª a 8ª séries. Brasília: MEC, 1998.
COUTINHO, Sylvia Ribeiro. Caminhos para alfabetização estética e a produção
artística: uma análise comparativa. In: POCHER, Louis (Org.). Educação
artística: luxo ou necessidade? São Paulo: Summus, 1982.
DUARTE JÚNIOR, João Francisco. Fundamentos estéticos da educação. 4ª.
ed.,Campinas: Papirus, 1995.
FUSARI, Maria; FERRAZ, Maria Heloisa. Metodologia do ensino de arte. São
Paulo: Cortez, 1993.
____________. Metodologia do ensino da arte. São Paulo: Cortez, 1993.
GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª. Ed. São Paulo:
Atlas, 2008.
9. NUNES, Gilson Cruz. O segundo olhar: uma experiência de aprendizagem e
compreensão da arte numa escola rural. 2001, 27p. (Especialização em Artes)
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, UFPB, João Pessoa.
PARSONS, Miguel J. Compreender a arte.. Lisboa: Presença, 1992.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 6ª.ed. São Paulo: Cortez, 1985.