1. RGSA – Revista de Gestão Social e Ambiental
Mai. - Ago. 2007, V. 1, Nº. 2, pp. 93-110
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APLICAÇÃO DE UM MODELO DE PROCESSO DE INOVAÇÃO AMBIENTAL EM
UMA EMPRESA DE QUÍMICA FINA
Maria Valéria Gaspar de Queiroz Ferreira∗
Asher Kiperstok∗∗
Resumo
Originado de uma tese de doutorado, este artigo objetiva aplicar um modelo sobre o
processo de inovação ambiental (IA) em uma empresa de química fina, pesquisada através de
estudo de caso único. Esse modelo foi pautado por quatro dimensões: (D1) pressões como
motivações empresariais; (D2) competências internas como fatores facilitadores; (D3)
obstáculos e (D4) resultados e efeitos.
De acordo com a análise realizada, argumenta-se que as principais pressões para que a
empresa inovasse foram de caráter tecnológico, econômico, de mercado e de cumprimento de
regulação com instrumentos de comando e controle, além de pressões internas. As principais
competências estavam relacionadas às categorias culturais, de habilidades, equipe, estratégia e
estrutura. Os obstáculos foram, principalmente, de caráter tecnológico e escassez de recursos
financeiros. Os resultados obtidos no processo de IA apontaram para melhoria da imagem,
ganhos financeiros e ambientais.
Conclui-se que a empresa realizou IA através de tecnologias mais limpas que
resultaram em benefícios para o meio ambiente, traduzidos em um melhor desempenho
empresarial e ecoeficiência. O modelo aplicado permitiu visualizar aspectos positivos e
entraves, que podem contribuir para o aperfeiçoamento do processo de IA da empresa
estudada.
∗
Professora colaboradora do Programa de Tecnologias Limpas da Bahia – TECLIM/Departamento de
Engenharia Ambiental/UFBa. Doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia - UFBa. Programa
de Pós-graduação em Administração da UFBa. E-mail: <mariavaleria@sedur.ba.gov.br>.
∗∗
PhD em Tecnologias Ambientais pela UMIST − Instituto de Ciências e Tecnologias da Universidade de
Manchester, Reino Unido. Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Ambiental da Escola
Politécnica/UFBa. Coordenador geral do Programa de Tecnologias Limpas da Bahia –
TECLIM/MEPLIM/Departamento de Engenharia Ambiental/UFBa. E-mail: <asher@ufba.br>.
2. Inovação Ambiental Queiroz Ferreira/ Kiperstok
Introdução
Originado de uma tese de doutorado, o artigo visa aplicar um modelo sobre o processo
de inovação ambiental (IA) empresarial, desenvolvido preliminarmente em uma organização
de produtos químicos genéricos do setor de química fina, denominada empresa “A”.
O referido modelo foi pautado por quatro dimensões referentes ao processo de IA no
nível da empresa: (D1) pressões como motivações empresariais; (D2) competências internas
como fatores facilitadores, (D3) obstáculos e (D4) resultados e efeitos.
As questões centrais utilizadas para verificar o referido modelo foram: (Q1) Por quê a
empresa “A” optou pela IA?; (Q2) Quais os fatores que possibilitaram à empresa implementar
a IA?; (Q3) Quais os obstáculos enfrentados nesse processo? e (Q4) Quais os resultados e
efeitos obtidos com o processo de IA pela empresa “A”?
Esta pesquisa não teve a intenção de analisar a inserção ambiental dos produtos da
empresa “A” (produtos químicos genéricos) ao longo da cadeia produtiva – desde a sua
fabricação até a utilização e descarte. Enfocou-se exclusivamente a geração de inovações
ambientais relacionadas ao processo de fabricação implementado nesse site da empresa.
Ressalta-se também que o estudo priorizou a análise sobre as IAs realizadas com a visão de
prevenção da poluição.
A pesquisa foi viabilizada através da estratégia metodológica de estudo de caso único.
O método de estudo de caso permite o conhecimento detalhado e amplo de um fenômeno,
explorando suas diferentes dimensões. A opção pelo estudo de caso único foi baseada no fato
de que a empresa analisada realizou IAs relevantes, confrontando-se com uma situação
extremamente oposta que existia anteriormente no site.
A escolha do estudo de caso como estratégia de pesquisa, porém, suscita críticas em
função de elementos vistos como limitações, a exemplo de que seus resultados fornecem uma
base frágil para generalizações analíticas, especialmente, quando se trata de caso único. No
entanto, Yin (2005) ressalta que a generalização proporcionada pelo estudo de caso único se
constitui em conjecturas teóricas, ou seja, modelos, e não conjecturas sobre populações
(generalização estatística). Entende-se dessa forma que se pode tecer generalizações mais
amplas a partir da teoria escolhida para interpretar as relações existentes, posto que o objetivo
é ampliar e generalizar teorias, realizando uma generalização analítica.
Quantos aos procedimentos para o levantamento de dados, foram utilizados a pesquisa
bibliográfica, entrevistas semi-estruturadas, questionários, observações dirigidas e consulta a
documentos institucionais. A triangulação dos dados obtidos permitiu que os eventos
investigados fossem respaldados por diferentes fontes.
O estudo de caso foi realizado entre os anos de 2004 e 2005, e o período de estudo
compreendeu entre a implantação da primeira empresa a funcionar no site em 1987 até a
aquisição da empresa “A” por uma megacorporação química, em novembro de 2003.
É interessante ressaltar algumas peculiaridades da unidade de análise que a fizeram ter
grande valor investigativo em relação ao processo de IA. O local de funcionamento da
empresa “A” no Pólo de Camaçari, Bahia, já abrigou outras duas empresas (empresa A1 e
empresa A2) do mesmo segmento industrial, mas que tinham diferentes características. Nessas
empresas não havia a ênfase em melhorias de processo e o passivo ambiental de resíduos
perigosos sólidos e líquidos foi se acumulando até milhares de toneladas. Além disso, embora
muitos funcionários da empresa “A” alocados nas áreas de P&D e de processo e produção
tivessem trabalhado nas firmas anteriores, não haviam realizado anteriormente um boom de
inovações ambientais.
A partir de 1987, a empresa A1 − com gestão baseada no modelo tripartite envolvendo
controle acionário público, privado nacional e privado estrangeiro − começou a operar. Essa
empresa foi projetada para ser o centro de química fina do Pólo de Camaçari, atuando na linha
de corantes, fármacos e produtos químicos genéricos, contando com o apoio de um
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laboratório de pesquisa e desenvolvimento (P&D) para desenvolver novos projetos. Como as
fábricas brasileiras da época eram protegidas da concorrência internacional, a empresa A1 não
sofria pressões para otimizar seu desempenho produtivo.
No ano de 1993, os ativos da empresa A1 foram vendidos para a empresa A2 – uma
empresa pequena que iniciara sua operação em 1992, derivada de uma empresa petroquímica
e pertencente a um grupo privado nacional. A empresa A2 atuou principalmente na linha de
produtos intermediários e princípios ativos químicos genéricos. Seu foco era a diversificação
da produção voltada para o mercado internacional, e o laboratório de P&D era o principal
instrumento para a concretização dessa estratégia. O processo, embora com algumas
melhorias, continuava ineficiente pela alta geração de resíduos perigosos, e os problemas
ambientais gerados iam se avolumando.
Em 1995, uma corporação americana adquiriu um percentual das ações da empresa A2
e em 1996 torna-se majoritária, passando a empresa a chamar-se “A”. Nessa compra, também
adquiriu o passivo ambiental da fábrica, com seus milhares de tambores de resíduos
perigosos. A empresa iniciou um trabalho sistemático para redução do custo de produção e
minimização de problemas de manutenção e segurança.
Em 1998, a corporação americana estabeleceu uma joint venture com uma
megacorporação química. O site de Camaçari entrou no processo de renovação da licença
ambiental e de atendimento às exigências do órgão ambiental baiano, o Centro de Recursos
Ambientais (CRA). Em novembro de 2003, a megacorporação química adquiriu o total do
capital social.
A postura inovativa da empresa “A” se concentrou na otimização e melhoria de
processos de fabricação de produtos genéricos. Essa empresa, entre os anos de 1996 e 2003,
realizou mudanças na sua forma de produção, investindo em melhorias de produto e de
processo, obtendo um melhor rendimento, a eliminação total ou parcial de diversos resíduos
perigosos, a reciclagem de passivos ambientais e a redução de custos de produção. Convém
lembrar que milhares de toneladas de passivo ambiental e de resíduos perigosos gerados nessa
empresa – além de representarem custos diretos pelo desperdício de matéria-prima e energia,
gastos com transporte, armazenamento, tratamento e disposição final – constituem potenciais
riscos, em virtude das características próprias desses produtos químicos genéricos.
Como ilustração, pode ser citado um dos projetos de IA desenvolvidos, referente à
transformação de um resíduo sólido perigoso em um produto intermediário e em um princípio
ativo. Essa inovação proporcionou economia de US$10 milhões com armazenagem e
incineração, a geração de US$7 milhões anuais pela venda do novo produto, a criação de
novos postos de trabalho e o cumprimento da diretriz de geração zero de resíduos e
aprimoramento contínuo do processo industrial (DUPONT, 2000).
O que parece mais considerável no caso da empresa “A” é que o site de Camaçari
realizou grandes investimentos em projetos de IA, obtendo resultados expressivos, medidos
por ganhos financeiros. Esse site obteve também premiações ambientais nacionais e
internacionais entre os anos de 1999 e 2003.
Inovação tecnológica e inovação ambiental
A inovação é entendida, em um sentido mais amplo, como o ato de se fazer algo de
forma diferente, a partir de um processo de criação de novas idéias que surgem da criatividade
humana. Possibilita uma nova abordagem para um determinado aspecto do cotidiano ou para
um problema existente, permitindo uma solução original. Quando se trata da inovação que
busca resultados econômicos, as idéias são testadas, transformadas e viabilizadas em
aplicações práticas postas no mercado.
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Embora a inovação pressuponha descobertas e novidades, nem todas as inovações são
assim tão “inovativas”, diferentes. Quando inovações maiores ou radicais começam a se
difundir pela sociedade, com o tempo, vão sendo imitadas ou melhoradas, havendo, dessa
forma, as inovações menores ou incrementais.
Neste estudo, adota-se o seguinte conceito de inovação tecnológica (IT): processo de
mudanças radicais e incrementais vivenciado em organizações − nas quais essa mudança
ainda seja novidade − referente ao desenvolvimento ou à adoção de novas idéias, produtos,
processos, procedimentos ou serviços que se materializam nos campos técnico e gerencial.
Dentre as correntes teóricas que tratam a firma como o centro do progresso técnico,
são destacas neste artigo a teoria evolucionista, a abordagem baseada em recursos (resource-
based view) e a abordagem das capacitações dinâmicas (dynamic capabilities). Essas
correntes têm origem na análise macroeconômica de Schumpeter (1988), a qual considera que
o fator que move o desenvolvimento econômico capitalista é a IT que se dá nas empresas.
Para os autores da corrente evolucionista, a competição está relacionada com a
atividade de explorar novos e potenciais caminhos para que a firma possa produzir e/ou
realizar serviços a partir da aprendizagem e da inovação. Para ter sucesso, tanto no curto
como no longo prazo, é necessário que as firmas desenvolvam capacitações tecnológicas que
lhes permitam caminhar no sentido de gerar e incorporar inovações e que tenham capacidade
para obter vantagem econômica com a atividade inovativa. Assim, estarão criando assimetrias
em relação às outras firmas, o que lhe possibilitará conseguir e manter vantagens
competitivas, de forma a alcançar uma melhor posição no mercado.
Na visão de Dosi, Teece e Winter (1992), corroborada por Tigre (1998), quatro
aspectos são essenciais na teoria evolucionista, para que a empresa se desenvolva e tenha
capacidade de resposta às mudanças ambientais:
(i) aprendizagem e rotina − o aprendizado é um processo acumulativo e interativo
de capacidades e competências tecnológicas que ocorre na firma,
possibilitando uma execução melhor e mais rápida das tarefas. É baseado na
repetição, experimentação, tentativa, erro e, principalmente, na rotina
organizacional codificada ou tácita. As rotinas são percebidas como o elemento
no qual o conhecimento empírico da firma está armazenado, representando
padrões de soluções bem-sucedidas aplicadas em problemas específicos. A
base da diferenciação competitiva das empresas está no conhecimento tácito,
considerado um ativo específico ou intangível da firma, na medida em que esse
conhecimento não está codificado, sendo assim mais difícil de ser adquirido e
transferido;
(ii) dependência da trajetória (path dependence) − o caminho da evolução de uma
firma é determinado pelas habilidades e competências acumuladas e pela
natureza de seus ativos específicos, onde o passado e a história da empresa têm
importância;
(iii) ambiente e seleção − a pluralidade de ambientes de seleção permite explicar a
existência de trajetórias tecnológicas diferentes e a diversidade de estruturas de
mercado e de características institucionais dos ambientes nos quais as firmas
evoluem; e
(iv) competência central (core competence) − envolve a habilidade da firma de
resolver problemas organizacionais, econômicos e técnicos. A competitividade
empresarial é vista como um conjunto de competências tecnológicas
diferenciadas, de ativos complementares e de rotinas. A evolução da firma
depende da transformação das competências secundárias em centrais, à medida
que surgem oportunidades tecnológicas.
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A abordagem baseada em recursos está fundamentada na premissa de que são os
recursos e as capacitações organizacionais que propiciam a capacidade inovativa de uma
firma (WERNERFELT, 1984). Os recursos podem ser definidos como os ativos tangíveis e
intangíveis retidos por uma firma, enquanto as capacitações se referem à sua habilidade de
explorar e combinar recursos através de rotinas organizacionais para atingir suas metas
(SPANOS; PRASTACOS, 2004). Dessa perspectiva, os recursos organizacionais são
combinados e transformados pelas capacitações dinâmicas para se chegar a soluções
inovativas que confiram vantagens competitivas à empresa.
Teece, Pisano e Shuen (1997), em uma tentativa de aprofundar as questões relativas às
dimensões das capacitações específicas a uma firma, desenvolveram um argumento mais
voltado para as capacitações dinâmicas de uma firma. Para esses autores, capacitações
dinâmicas são difíceis de serem imitadas e são as fontes de vantagem competitiva sustentável
de uma empresa, uma vez que representam combinações das habilidades organizacionais,
funcionais e tecnológicas. Capacitações dinâmicas se referem à habilidade de uma firma de
integrar, construir e reconfigurar suas competências internas e externas de modo a se adequar
a novas configurações nos contextos em que atua.
Tendo em vista que o ambiente onde atualmente as organizações atuam é muito
dinâmico e instável, as empresas precisam estar sempre atentas e aptas a se adaptarem às
mudanças do ambiente interno e externo. A relação entre empresa e ambiente externo, por
exemplo, é muito influenciada pelo marco legal-regulatório adotado pelos governos no
tocante à proteção ambiental e pelas estratégias empresariais e fatores de competitividade do
segmento industrial ao qual pertence. Para uma melhor compreensão da relação entre IT e
questão ambiental, convém discutir a IA.
A inovação ambiental é entendida como uma inovação tecnológica que resulta em
benefícios ambientais, independente do seu objetivo inicial. É uma nova maneira da
organização desenvolver a gestão tecnológica e/ou a tecnologia da gestão de forma
incremental ou radical, objetivando um determinado fim e que traz ganhos ao meio ambiente,
ainda que estes estejam limitados ao desempenho ambiental da empresa.
Kemp, Smith e Becher (2000) e Rennings e Zwick (2001) apresentam classificações
sobre tecnologias ambientais e inovações ambientais que atuam sobre a parte hard da
organização (do tipo técnicas) visando evitar a poluição. Baseado nesses estudos, entende-se
que as inovações ambientais podem ser classificadas a partir de três tipos mais gerais:
• as tecnologias fim-de-tubo (conhecidas como end-of-pipe) e de remediação − que
atuam para controlar a poluição após a geração das emissões e dos problemas
ambientais;
• as tecnologias limpas ou mais limpas − que atuam sobre produtos e processos de
forma preventiva (princípio da prevenção da poluição), na origem de emissões
ambientais; e
• a reciclagem − a qual Rennings e Zwick (2001) justificam que deve ser entendida
como um terceiro tipo de tecnologia ambiental, posto que apresenta tanto
características de tecnologia fim-de-tubo (na reciclagem externa) quanto de
tecnologias mais limpas (nas modificações integradas de produto e de processo).
Observa-se na literatura técnica que as abordagens mais difundidas que utilizam o
princípio da prevenção da poluição são a ecoeficiência, a produção limpa, a produção mais
limpa e a ecologia industrial. Na comparação de vários autores (CARDOSO, 2004;
FURTADO, 2004; MARINHO, Maerbal, 2001; WBCSD; UNEP, 1996) sobre esses termos,
percebe-se que todos os conceitos pressupõem tanto a adoção de mudanças tecnológicas hard
quanto de mudanças organizacionais. No dizer de Cardoso (2004, p.24), a prática desses
conceitos resulta em benefícios ambientais e econômicos para empresa e sociedade, já que se
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baseiam na “busca da produtividade dos recursos, reduzindo o uso de materiais e energia e
integrando a prevenção da poluição com o processo de produção, considerando o seu
desempenho ambiental”.
Entretanto, em que pese os benefícios que podem ser obtidos com a sua aplicação,
esses conceitos ainda sofrem muitas barreiras para sua adoção no setor industrial. Isso ocorre
porque sua implantação exige a modificação de várias atividades desenvolvidas não só pela
unidade econômica adotante do conceito, mas também de toda a cadeia produtiva. Implica
mudanças desde o design do produto, passando pelas características e formas de obtenção das
matérias primas, pelo sistema de produção (inclusive relativo a embalagens), vendas,
distribuição, até o consumo e pós-consumo. Nesse sentido, os conceitos de produção mais
limpa (PML) e de ecoeficiência são os mais largamente utilizados no mundo de negócios, pois
reconhece-se que é difícil ter uma produção completamente limpa, que não gere nenhum
resíduo (MARINHO, Maerbal, 2001).
Modelo utilizado para estudar um processo de inovação ambiental empresarial
Com base na pesquisa bibliográfica, constatou-se a existência de uma multiplicidade
de fatores que influenciam a IA e, de forma mais geral, a IT.
Foi Schumpeter quem inicialmente propôs como fatores relacionados com a inovação,
o tamanho da empresa e a estrutura do mercado. De acordo com Spanos e Prastacos (2004), as
pesquisas realizadas sobre IT têm tradicionalmente estudado seus determinantes,
concentrando-se no ambiente externo, através do mercado (sobretudo, dinamismo e
hostilidade), e no nível da firma, através de sua estratégia competitiva, características culturais
e, principalmente, estrutura organizacional. Em relação a essa última, as variáveis mais
estudadas são a formalização, com suas normas e regulamentos, a centralização e a hierarquia.
Quanto à cultura da organização, prevalece o papel da liderança/gerentes e do clima
organizacional. Mais recentemente, as abordagens evolucionistas, baseadas em recursos e em
capacitações dinâmicas, ampliaram a visão do estudo sobre o processo da IT, abordando
questões internas como informação, conhecimento, aprendizado, recursos humanos, recursos
comerciais, coordenação, integração e transformação.
Em relação à dimensão D1, as pressões como motivações que levam uma empresa a
adotar ou desenvolver inovação ambiental coincidem usualmente com as mesmas razões que
têm levado uma empresa a ter uma atitude mais proativa em relação à questão ambiental.
Entre os determinantes para essa mudança empresarial, destaca-se:
• o receio de pressões externas de vários setores, como governo (e suas
regulamentações ambientais), financiadores, movimentos ambientalistas,
consumidores e imprensa (MARINHO, 2001);
• pressões internas, como preocupações dos empregados em relação à temática
ambiental, saúde e segurança (KEMP; MUNCH ANDERSEN; BUTTER, 2004;
MARINHO, 2001);
• a incerteza sobre determinadas situações que podem levar a empresa a antecipar
demandas futuras do mercado ou da promulgação de regulamentações, adotando
assim uma estratégia defensiva (MARINHO, 2001);
• a adoção de instrumentos de proteção auto-regulamentados, voluntária em relação
às exigências legais, mas compulsória quanto ao mercado (ANDRADE, 1997);
• disponibilidade e difusão de inovações tecnológicas que buscam solucionar
problemas ambientais existentes e que também possibilitam uma escolha mais
adequada das tecnologias produtivas (ANDRADE, 1997);
• maior competição entre empresas, em função do processo de globalização mais
avançado (ANDRADE, 1997); e
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• percepção pelas empresas da questão ambiental, como uma oportunidade para
impulsionar os negócios, e da regulamentação ambiental, como um mecanismo
estimulador do desempenho econômico e ambiental empresarial, de forma a
melhorar sua competitividade (MARINHO, 2001).
Especificamente sobre a IA, alguns autores vêm buscando entender as múltiplas e
simultâneas razões que levam uma empresa a inovar com benefícios ambientais. A análise de
Rennings e Zwick (2001), referente ao projeto Impress, mostra que as três razões mais citadas
para a introdução de inovação ambiental entre 1.594 empresas européias foram a melhoria da
imagem da empresa, o cumprimento de regulações ambientais e a redução de custos. Kemp,
Smith e Becher (2000) agruparam os fatores que influenciam a IA em três categorias:
(i) incentivos para inovar, os quais dependem do tipo de regulação aplicada, da
competitividade do setor industrial (função da estrutura setorial), dos custos
preponderantes (como do tratamento e disposição de esgotos e resíduos sólidos
tóxicos, da energia, de taxas de seguros mais baixas para empresas
responsáveis por produtos ambientalmente seguros), das condições de
demanda (como produtos ambientalmente melhorados) e das condições de
apropriabilidade da inovação pela empresa para obter benefícios econômicos;
(ii) habilidade para assimilar e combinar conhecimentos (tecnológicos e
mercadológicos) de diferentes fontes internas e externas à empresa, necessários
à implantação de um processo/confecção de um produto novo ou melhorado; e
(iii) capacitação gerencial para administrar processos de inovação intra e
interempresas, considerando principalmente a institucionalização de lideranças
e a integração de funções, unidades organizacionais e recursos.
Esses autores adotam a abordagem da cadeia produtiva ou filière, segundo a qual as
influências podem se originar de qualquer lugar da cadeia produtiva na qual a empresa ou
indústria esteja inserida, tanto referente às condições de demanda como do lado da oferta, ou
ainda relativo ao contexto geral ou sistêmico. Por isso, a resposta inovativa a uma regulação
pode aparecer em uma indústria que não seja aquela indústria objeto da regulação em função
dessa interdependência existente na cadeia produtiva.
Como constatação de um extenso levantamento bibliográfico realizado, verificou-se
que a ética ainda não é um fator que influencia a empresa a buscar o caminho da inovação.
Dito de outra forma, uma empresa não decide mudar seus produtos, processos, rotinas e
formas de organizar seu trabalho devido à sua parcela de responsabilidade pela melhoria do
ambiente. O que determina a adoção da estratégia inovativa são as pressões do lado da oferta
(technology push) e, de acordo com Ashford (2000), as pressões de demanda que incidem
sobre o ambiente empresarial, ressaltando-se os requisitos regulatórios, a possibilidade de
economia de custos ou de aumento nos lucros, a pressão pública por uma indústria menos
poluente e mais segura, além da pressão dos trabalhadores.
Buscando-se um modelo que permitisse categorizar as diversas pressões que atuam
sobre uma empresa para que ela inove, foi adotado aquele elaborado por Rubik (2002), o qual
considera quatro categorias de pressões: tecnológica, de mercado, política e empresarial.
Embora utilizado por este autor para identificar os principais determinantes das IAs de
produto, seu modelo se presta a uma análise mais geral, assim como fez Türpitz (2004a,
2004b). Neste estudo se incluiu a pressão econômica no modelo original, pois alguns fatores
econômicos influenciam o desenvolvimento de mudanças, com benefícios ambientais (veja
figura 1). Os quatro grupos de pressões apresentados variam de acordo com o setor industrial
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e influenciam os diferentes tipos de estratégias ambientais (inexistentes, reativas, defensivas
ou proativas) adotadas pelas organizações.
Figura 1
Dimensão D1: principais pressões para uma empresa realizar IA
Tecnológica
Econômica
Empresa- IA em Empresas e de
rial Mercado
Política
Fonte: adaptado de Rubik (2002).
Todavia, mesmo que uma empresa mude seu comportamento em relação à questão
ambiental, a organização pode não optar pelo caminho da mudança tecnológica com viés
ambiental. Essas pressões influenciam, mas não suficientes para que uma empresa decida
efetivamente inovar e obtenha de forma intencional ou indireta benefícios ambientais. Para
poder implementar a IA, a empresa deve possuir determinadas competências internas que a
tornem capaz realmente de inovar. Essas competências foram sinalizadas como a dimensão D2
do modelo.
Foi realizado um levantamento bibliográfico para melhor entender as competências
que uma empresa deve possuir para inovar ambientalmente e que constituem a base do seu
processo inovativo. Como o processo de inovação é multideterminado, foram encontrados
diversos fatores comuns a variadas pesquisas sobre características de empresas inovadoras.
Buscando-se sistematizar as diversas competências encontradas, estas foram relacionadas com
os elementos do modelo desenvolvido por Peters e Waterman (1982). Este apresenta sete
categorias que contribuem para o sucesso empresarial: valores compartilhados, estilo/cultura,
habilidades, equipe, estratégia, estrutura e sistemas. Baseado nesse modelo, definiu-se seis
fatores, e as categorias valores compartilhados e estilo foram reunidas no fator denominado
cultura. Pode-se, dessa forma, agrupar as competências internas de uma empresa que
permitem a geração da IA, conforme apresentado na figura 2. Esses seis fatores podem ser
entendidos como:
• cultura – valores, crenças e normas dominantes na organização, compartilhadas e
de grande significado para seus profissionais;
• habilidades – competências da empresa e de seus recursos humanos;
• equipe – gestão dos recursos humanos da empresa;
• estratégia – define a forma deliberada de alcançar os objetivos organizacionais
traçados, em resposta ou antecipação a mudanças no ambiente externo;
• estrutura – base para a especialização e coordenação da organização, influenciada
principalmente pela estratégia adotada; e
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• sistemas – procedimentos formais e informais que apóiam as estratégias e
estrutura.
Figura 2
Competências empresariais para inovação ambiental
Estrutura
Estratégia Sistemas
Competências
Internas para
Inovação
Ambiental
Cultura
Habilidades
Equipe
Fonte: baseado no modelo 7S McKinsey (PETERS; WATERMAN, 1982).
Os fatores cultura, equipe e habilidades compõem a parte soft da empresa e são
fortemente determinados pelos recursos humanos da organização. São mais difíceis de
descrever, pois estão baseados em valores, condutas e capacitações, e as mudanças são mais
complexas e lentas. Por isso, torna-se mais difícil influenciar ou mudar suas características.
Os elementos estratégia, estrutura e sistemas representam a parte hard de uma organização.
São mais tangíveis (feasible) e fáceis de identificar e operacionalizar, e, portanto, de serem
modificados.
No processo inovativo vivenciado pelas empresas também existem obstáculos que
dificultam o desenvolvimento ou a adoção de mudanças tecnológicas. No modelo
desenvolvido, esses obstáculos foram denominados de dimensão D3. Alguns estudos
identificam barreiras ao desenvolvimento da IT em geral (OECD, 1997) e à IA em particular
(como DE SIMONE; POPOFF, 1997; KEMP, MUNCH ANDERSEN e BUTTER, 2004;
OECD, 1997; TÜRPITZ, 2004b). Ressalta-se que esses obstáculos são decorrentes de fatores
empresariais, como os altos custos referentes a P&D interna para modificação de tecnologias,
bem como de fatores externos relacionados, por exemplo, a aspectos tecnológicos de rigidez
estrutural (lock-in), de dependência da trajetória (path dependence) e a regulações baseadas
em atendimento a padrões (vide figura 3).
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Figura 3
Dimensão D3: obstáculos para inovação ambiental
Obstáculos Obstáculos
Externos Internos
Econômicos Tecnológicos
Mercado Empresa Financeiro
Tecnológico Cultural
Político Organizacional
Recursos Humanos
Fonte: Ferreira (2006).
De uma forma geral, as pesquisas têm apontado como principais resultados das
inovações ambientais no nível da firma – a dimensão D4 proposta no modelo – os aspectos
externos e internos relativos ao mercado, à política e ao processo tecnológico, conforme
representado na figura 4. Entre estes, podemos perceber como resultados tangíveis a
economia de recursos naturais, financeiros e humanos, gerando redução de custos, a melhoria
da produtividade econômica e ambiental, além de um melhor desempenho da empresa no
mercado. Como resultados intangíveis, aparece a melhoria da imagem da empresa diante dos
stakeholders como órgão ambiental, consumidores, comunidades vizinhas e acionistas.
Figura 4
Dimensão D4: resultados e efeitos da inovação ambiental
Resultados Resultados Internos
Externos Processo
Ambiental Financeiro
Político Empresa Ambiental
Mercado Cultural
Tecnológico Equipe
Difusão de Inovações
Fonte: Ferreira (2006).
Resultados da aplicação do modelo de processo de IA na empresa “A”
O uso do modelo, construído a partir das quatro categorias descritas anteriormente,
possibilitou analisar de forma sistemática os seguintes fatores na empresa “A”: as pressões
que a forçaram a inovar de forma ambiental, as competências internas que lhe possibilitaram
trilhar o caminho da inovação, as barreiras existentes e os resultados e efeitos obtidos com
esse processo. As respostas às questões centrais da pesquisa sobre o processo de IA na
empresa “A” são discutidas a seguir.
(Q1) Por quê a empresa “A” optou pela IA?
A empresa fez essa opção para responder às pressões de ordem tecnológica, política
ambiental, econômica, de mercado e internas, originadas da sua inserção no ambiente
específico e geral. Note-se que as razões consideradas se restringiram às pressões que
incidiram sobre a empresa, forçando-a para a estratégia inovativa, não sendo analisadas
motivações éticas, para se reduzir a incidência de considerações subjetivas.
Em um contexto de competição acirrada no mercado internacional de genéricos que
tem preços decrescentes, a sobrevivência da empresa dependia da redução de custos de
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produção que foram alcançados através de melhorias de processo e de novas rotas
tecnológicas. O alto custo da opção fim-de-tubo para armazenar, transportar, tratar e dispor os
resíduos sólidos perigosos acumulados ao longo de aproximadamente nove anos de produção
e a falta de capacidade disponível no país para incineração desses resíduos exerceram pressão
tecnológica muito forte. Ao mesmo tempo, a escassez de recursos financeiros para utilizar
essa solução fim-de-tubo foi determinante para se buscar uma solução alternativa.
Pela análise compreende-se que as pressões foram canalizadas na lógica da prevenção
da poluição, levando a empresa “A” a obter vantagens competitivas e reduzir/eliminar seu
passivo ambiental. É um claro exemplo da validade da Hipótese de Porter (PORTER; VAN
DER LINDE, 1999), pela qual uma regulação ambiental adequada − atuando como pressão de
demanda − contribui para a redução dos custos de produção e melhoria do desempenho
ambiental da empresa, uma vez que esta poderia desenvolver ou adotar IAs que estimulariam
seu crescimento e competitividade.
Para a empresa “A”, houve redução do impacto ambiental acompanhado pela redução
dos custos econômicos derivados dessas ações, obtendo-se o duplo dividendo de Porter, uma
situação do tipo ganha-ganha, onde tanto o ambiente quanto a economia foram beneficiados.
Demonstra também a importância que a regulação ambiental tipo comando & controle exerce
no direcionamento de empresas para a IT, de forma a se obter melhorias no seu desempenho
ambiental.
A figura 5 apresenta as categorias de pressão que incidiram sobre a empresa.
Figura 5
Modelo de IA para empresa “A”: pressões atuantes1
Pressões para IA na Empresa “A”
Alto custo do fim-de-tubo
Situação econômica/financeira Tecno
Tecnologia para resíduos perigosos
Pouca verba logia
para passivo
Concorrência por
Custos de menor preço
produção para
sobrevivência
Mercado
internacional
Inovação Econômicas
Empresa
Ambiental Mercado
Licenciamento
Technology push
Constrangimento dos funcionários
Cultura p/ proteção ambiental Regulação Ambiental
Política Pressão do órgão
ambiental
Fonte: Ferreira (2006).
(Q2) Que fatores possibilitaram à empresa “A”: implementar o processo de IA?
Os fatores correspondem às diversas competências internas da empresa relacionadas
com cultura empresarial, habilidades, equipe, estratégia e estrutura, conforme apresentado nas
figuras 6 e 7. A cultura da melhoria de processo e inovação através da área de P&D e a
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cultura da melhoria de processo, inovação e redução de custos como tarefa de toda a empresa
foram as principais questões culturais apontadas.
A capacidade tecnológica de desenvolver e implementar projetos a partir de recursos
alternativos foi a principal habilidade das pessoas envolvidas. A manutenção de profissionais
competentes e criativos, a criatividade do agente humano com motivação ambiental e a
presença de pessoas-chave foram os principais pontos relativos à equipe (capital humano).
As estratégias fundamentais adotadas pela empresa estavam relacionadas ao
desenvolvimento e à melhoria tecnológica através de P&D e à operação e à autonomia técnica
para resolução de problemas da fábrica. A estrutura organizacional da empresa possibilitava
uma cadeia de decisão próxima dos funcionários e uma tomada de decisões rápida, contando
com o aporte de um laboratório de P&D interno, permanente e com planta multipropósito e
com equipamentos ociosos que foram utilizados na síntese de novos produtos e como recursos
alternativos.
Embora em menor grau de importância, os sistemas baseados em uma comunicação
aberta e forte e a interação cooperativa entre os setores também contribuíram para que
houvesse troca de informações e disseminação de novas idéias.
Figura 6
Modelo de IA para empresa “A”: competências internas de maior relevância
Estrutura Habilidades
•Laboratório de pesquisa •Capacidade de
•Planta multipropósito e desenvolver e
equipamentos ociosos implementar
• Cadeia de decisão próxima projetos com
• Tomada de decisões rápida recursos
alternativos
Equipe
•Pessoas-chave
• Manutenção de profissionais Cultura
competentes e criativos •Melhoria de
• Criatividade com motivação processo e
ambiental inovação em P&D
• Melhoria de
processo, inovação
Estratégia e redução de custo
• Desenvolvimento e melhoria como tarefas de
com P&D e operação todos
• Autonomia técnica
Fonte: Ferreira (2006).
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Figura 7
Modelo de IA para empresa “A”: competências internas de média relevância
Estrutura Estratégia
•Flexibilidade e •Problema/oportunidade
agilidade •Aceitação de risco
•Gerenciamento • Histórico de tecnologia e
horizontal e pesquisa
• Focalização
participativo • Comprometimento
•Tamanho da • Intercâmbio externo
empresa • Compra por menor preço
• Programa SHE
Habilidades Sistemas
•Capacitação •Comunicação aberta e
acumulada dos RH forte
• Competência central •Interação cooperativa
• Aprendizagem de
habilidades múltiplas
Cultura
Equipe • Melhoria de processo e
•Seleção criteriosa inovação na operação
• Alocação criteriosa • Melhoria de processo como
• Motivação ecoeficiência
• Treinamento&Desenv
Fonte: Ferreira (2006).
(Q3) Quais os obstáculos enfrentados pela empresa “A”?
As barreiras enfrentadas foram principalmente de caráter tecnológico (rigidez
estrutural e dependência da trajetória em soluções fim-de-tubo) e de escassez de recursos
financeiros, estando relacionadas com o ambiente de atuação da empresa e com aspectos
internos. Entretanto, essas barreiras foram percebidas como tendo apenas uma influência
média (veja figura 8), haja vista que o processo de inovação ambiental da empresa “A” foi
implementado e gerou resultados positivos.
O histórico da empresa e de suas antecessoras, marcado pela opção tecnológica presa a
soluções fim-de-tubo e dependentes da trajetória da própria regulação ambiental e do Pólo de
Camaçari, foi um aspecto significante que marcou uma quebra de paradigma na forma de
produção da empresa. Os poucos recursos financeiros disponíveis, ao mesmo tempo em que
reduziram o vigor das inovações, estimularam o capital humano a superar essa dificuldade
através da criatividade no uso de recursos alternativos. A prática de redução de pessoal, em
alguns momentos, reduziu a disponibilidade de capital humano capacitado, mas não foi um
fator que inibisse a realização de inovação ambiental, posto que algumas pessoas-chave
continuaram na empresa ao longo do tempo.
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Figura 8
Modelo de IA para empresa “A”: obstáculos de média relevância
Tecnológico
Histórico marcado por opção tecnológica presa (lock-in) a
soluções fim-de-tubo e dependentes da trajetória (path
dependent) da regulação ambiental e do Pólo de Camaçari
Financeiro
Poucos recursos financeiros disponíveis
Fonte: Ferreira (2006).
(Q4) Quais os resultados e efeitos produzidos pelas IA na empresa “A”?
A sobrevivência da empresa no mercado de genéricos, o domínio do mercado mundial
por um determinado princípio ativo (produto X) e a compra da corporação “A” por uma
megaempresa química com manutenção do laboratório de P&D foram os resultados apontados
em relação ao mercado. A melhoria da imagem da empresa, principalmente, diante do órgão
ambiental foi o resultado referente à política. Quanto aos resultados internos, todos aqueles
sobre o processo de produção foram expressivos: geração de inovações de diferentes tipos e
níveis, aumento da capacidade das unidades, maior produtividade das matérias-primas, menor
relação isomérica e menor geração de resíduos/efluentes. A redução de custo de produção, a
geração de receita com produtos desenvolvidos a partir da inovação ambiental e com melhoria
de produtividade de matérias primas, além da redução de despesas com armazenamento,
tratamento e disposição de resíduos perigosos foram resultados financeiros bastante
expressivos.
Novos projetos desenvolvidos com visão de ecoeficiência foi um resultado expressivo
percebido na cultura da empresa, embora com uma dispersão de respostas um pouco maior. A
eliminação e/ou redução do passivo ambiental e de geração de resíduos foi um resultado de
aspecto ambiental também significativo. Como conseqüência, apesar do preço declinante dos
produtos genéricos praticado no mercado, a empresa “A” obteve lucros satisfatórios e se
manteve no mercado, na medida em que conseguiu aumentar sua eficiência no uso de
matérias primas, sua produção e sua penetração no mercado. As figuras 9 e 10 apresentam os
resultados percebidos como de alta e média importância no processo inovativo da empresa.
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Figura 9
Modelo de IA para empresa “A”: resultados e efeitos mais importantes
Processos Financeiro
•Geração de •↓ Custos de
inovações produção
•Aumento de •Receita com
capacidade produtos e melhoria
•Maior produtividade de produtividade
de matéria-prima/ •↓ Despesas fim-de-
isômeros tubo com ResPerig
• ↓Geração ResPerig Mercado
Ambiental •Sobrevivência
•Eliminação/redução •Domínio do produtoX
de passivo •Compra por
ambiental e geração megaempresa,
mantendo P&D
de ResPerig
Cultural
Política • Novos projetos com visão
•Melhoria de imagem PML
Fonte: Ferreira (2006).
Figura 10
Modelo de IA para empresa “A”: resultados e efeitos de média importância
Equipe
Aumento da capacitação e habilidades
Cultural
Valorização dos recursos humanos
Mercado
Domínio de mercado pelo produto Y
Fonte: Ferreira (2006).
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Conclusões
Conclui-se que a empresa estudada realizou inovações ambientais, através de
tecnologias mais limpas que resultaram em benefícios para o ambiente traduzidos em um
melhor desempenho empresarial e ecoeficiência que tornou-a mais competitiva.
A empresa “A” − ao ser pressionada por demandas de caráter ambiental e de mercado
e por condições de oferta tecnológica − teve a competência de desenvolver processos e
produtos novos ou significativamente melhorados através das áreas de P&D e de operação.
Nesse processo, a empresa contou com a criatividade e conhecimento acumulado do seu
capital humano, com pessoas-chave para realizar as trocas de informações, com o apoio da
liderança em assumir riscos, com sua estrutura organizacional que incentivava a participação
dos agentes nas tomadas de decisões. A empresa contou também com a capacitação central
em pesquisa, desenvolvimento e produção de forma alternativa, rápida e ágil, além de uma
cultura organizacional de melhoria de processos e inovação.
Entretanto, alguns obstáculos foram percebidos nesse processo, ligados especialmente
à trajetória fim-de-tubo que a empresa historicamente tinha adotado e aos poucos recursos
financeiros disponíveis para desenvolver inovações tecnológicas. Os resultados mais
expressivos obtidos com esse processo inovativo estão relacionados principalmente aos
processos de produção e aos benefícios financeiros e ambientais obtidos conjuntamente, à
melhoria da imagem da empresa − principalmente, diante do órgão ambiental − e a sua
sobrevivência em um mercado extremamente competitivo.
Voltada para a mudança tecnológica, a empresa “A” deu sua parcela de contribuição
para reduzir a pressão sobre os recursos ambientais através do aumento da sua eficiência
ambiental de produção e do alcance e busca contínua da meta resíduo zero.
Essa firma deu provas empíricas de que o setor empresarial pode rever suas práticas de
produção, apesar de uma trajetória histórica apoiada na abordagem fim-de-tubo.
A aplicação do modelo sobre o processo de inovação ambiental na empresa “A”
permitiu compreender o papel decisivo que múltiplos aspectos tiveram sobre o processo
inovativo em uma empresa do setor de produtos químicos genéricos. Ao mesmo tempo,
possibilitou visualizar aspectos positivos e entraves, contribuindo para aperfeiçoar o processo
de inovação ambiental da empresa estudada.
Pesquisas sobre mecanismos que incentivem uma maior presença da inovação
ambiental nos processos produtivos são fundamentais com vistas ao desenvolvimento de
tecnologias limpas nas empresas, lócus privilegiado da inovação.
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1
O tamanho das fontes utilizadas nos diversos aspectos analisados nas figuras 5 a 10 é proporcional ao peso da
valoração atribuída a cada categoria empírica.
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