O documento discute a importância da audição e da escuta na recepção do teatro de rua, defendendo que ele deve ser compreendido como uma arte audiovisual e não apenas visual. O autor propõe ampliar os canais perceptivos para absorver o espetáculo por outras vias além da visão, como a dimensão sonora-musical, que transcende o acústico e ajuda a atribuir sentido ao mundo.
1. Ser TÃO Ser
Se o povo soubesse o valor que ele tem...
Resistência
Viajante
Realidade
Povo
Casa
Migração
Terra
Direito
Impacto
Campinho
Humanidade...
Comunidade
Bahia
Medo
Ciclo
Favela
Dureza
Opressão
Perseverança
Não sobrou Buchada do Costela
Luz
Cachorro
Realidade surreal
Rotina
Gente bicho
Polícia. Publicação do Buraco d`Oráculo
– A última ano IV :: nº 25 :: set/12
REPRESSÃO. Distribuição Gratuita
2. O que será feito no projeto Editorial
Narrativas do Trabalho II O jornal A Gargalhada, que surge na
perspectiva de divulgar os projetos do
Buraco d`Oráculo e como prestação de
contas públicas da realização de seus
projetos, tem se tornado uma referência
O projeto Narrativas de Trabalho II
para o público e os artistas, inclusive fora
está sendo desenvolvido na região de São
Miguel Paulista e Itaim Paulista, extremo de São Paulo, pois seu conteúdo nunca se
leste da cidade de São Paulo. São diversas restringiu ao fazer do grupo. Ao contrário,
as ações que o compõe, desde a reunião do sempre se buscou ampliar as discussões,
material produzido no projeto anterior, bem sobretudo sobre o teatro de rua. Com esse
como o estudo sobre a precarização do tra- objetivo, foi ampliada a quantidade de
balho, o teatro épico, estudo da música e o páginas e a tiragem e a mesma sempre
aperfeiçoamento artístico dos integrantes fica disponibilizada no site do grupo,
do grupo. Por isso, o projeto apresenta duas para que pessoas que não tiveram
ações norteadoras: a) uma ação artística e b) acesso ao conteúdo impresso possa tê-
uma ação pedagógica; que são divididas em lo virtualmente. O objetivo é partilhar e
três etapas. ampliar a discussão.
A ação artística é a forma de manter
Nessa edição as discussões passam
o grupo em relação com as comunidades e é
pelo teatro documentário, sobre o uso da
composto de uma mostra teatral – 7ª Mostra
música no teatro de rua, sobre políticas
de Teatro de São Miguel Paulista –, a ser re-
públicas, entre outros. Apesar de
alizada em dezembro de 2012; e a circulação
do espetáculo que será produzido no desen- parecerem díspares, os assuntos estão
volver do projeto. O espetáculo, inicialmente interligados, pois a reflexão impulsiona o
nominado de Opera do Trabalho, será criado nosso fazer, que, por sua vez só avança
juntamente com atores e não atores da região, se o Estado investe, retornando o ciclo a
que participarão de uma oficina preparatória, nova reflexão.
a ser iniciada em novembro próximo. Ainda se discutirá o assunto tratado no espetáculo
(precarização do trabalho) ou aspectos esté- A Gargalhada está no ar! Boa leitura!
dentro da ação artística, tem o aperfeiçoa-
mento técnico dos integrantes do grupo, que ticos.
recebem aulas de corpo, percussão, canto e Como forma de registro do processo
de instrumentos musicais. será publicada três edições de A Gargalha-
No que diz respeito à ação pedagógi- da, que o leitor tem em mãos, com tiragens
ca, a mesma é composta de uma oficina tea- de seis mil exemplares cada.
tral para até 20 pessoas, que receberão aulas Por fim, o projeto prever a manutenção
teóricas e práticas, como forma de prepará- da sede do grupo, Casa d`Oráculo, e produ- Poesia da Capa
-los para o espetáculo a ser criado. Além dis- ção de novo espetáculo, que cumprirá diver- Criada coletivamente pelo Sarau Quilombaque, após a
so, como complemento teórico, ainda haverá sas apresentações nas comunidades e outros apresentação do espetáculo Ser TÃO Ser – narrativas
mais três encontros do Café Teatral, em que pontos da cidade de São Paulo. da outra margem (a 99ª), dentro da programação da IV
Mostra de Teatro de Rua da Zona Norte, realizada pelo
Núcleo Pavanelli de Teatro de Rua e Circo.
Expediente:
Buraco d`Oráculo: Adailton Alves, Edson Paulo Souza, Heber Humberto Teixeira, Lu Coelho e Selma Pavanelli | Colaboradores: Fernando Kinas, Jadiel Lima,
Jussara Trindade, Sarau Quilombaque. | Projeto gráfico: Maurício F. Santana. | Contato: buracodoraculo@yahoo.com.br
www.buracodoraculo.com.br | www.buracodoraculo.blogspot.com | Tel.: (11) 98152-4483 / 98188-3670 | Tiragem: 6000 exemplares
2
3. Ser TÃO 100
O negocio não está na partida e nem na
chegada, está na travessia.
J. G. Rosas
A soma de 100 apresentações do fizeram as comunidades percorridas, mas não zona leste, que fomos trocar experiências.
espetáculo Ser TÃO Ser – narrativas da outra tínhamos o caminho, a forma do espetáculo. Dessa forma, Ser TÃO Ser é o sertão que já
margem alcançada pelo Buraco d`Oráculo, Tínhamos em mãos histórias de luta de um estava dentro de nós desde o nosso inicio
torna-se um marco na trajetória do espetáculo povo desterritorializado, aguerrido e jogado à enquanto grupo de teatro de rua.
e do grupo. Desde agosto de 2009, quando margem de uma grande cidade. Queríamos As primeiras apresentações
teve sua estreia, o Ser TÃO ser já percorreu mostrar esse povo, trazê-lo para o centro de do espetáculo foram feitas ainda em
48 cidades de sete estados das cinco regiões nosso trabalho. Então o recorte escolhido, meio a acertos, em que retirávamos ou
do país. Sabemos que o número alcançado foi a luta por um pedaço de chão: a moradia. acrescentávamos novos elementos. Muita
é pouco se comparado a espetáculos que Essa questão social esteve presente em quase coisa ficou para trás nas primeiras investidas
cumprem seguidas temporadas em espaços todas as histórias colhidas em mais de 80 na rua. Inúmeros parceiros foram consultados
fechados. No entanto, se não esquecermos horas de vídeo gravado e outras tantas escutas como provocadores, em um exercício de
que Ser TÃO Ser é um espetáculo de rua, e em trajetos e conversas com os parceiros escuta, de maneira a adquirirmos elementos
que a cada nova apresentação – assim como envolvidos direta ou indiretamente com o para a construção de um trabalho que fosse
os feirantes – nos deslocamos e montamos projeto. Como afirmou Leon Tolstoi: “Cante verdadeiro e levasse à a reflexão por meio
a estrutura, apresentamos e tornamos tua aldeia e cantarás o mundo”. Decidimos das histórias contadas. Levamos à cena o
a guardar tudo, a quantidade de 100 cantar o nosso pedaço de chão, pois nos humano, construído de forma narrativa e
apresentações é muito significativa. Além identificamos como seres desterritorializados, poética, sem perder o questionamento e a
disso, produzido em grupo, fruto de intenso afinal todos os integrantes do grupo fazem provocação necessária, a quem se propõe
trabalho técnico e reflexivo, apresenta, por parte de algum tipo de sertão. usar o teatro como veículo de transformação.
meio de sua temática, a tomada de partido O Ser TÃO Ser pode ser considerado o Mesmo com todo empenho e
da classe trabalhadora, tão marginalizada. trabalho mais autoral do grupo, mas ele não dedicação depositados na sua construção
Nesse percurso, estimamos que um público está isolado na história de quase 15 anos do espetáculo, sempre pairou uma dúvida
de 25.000 pessoas já tenha presenciado o de Buraco d`Oráculo. Desde o inicio, cada em relação a sua longevidade. Não sabíamos
espetáculo. Dessa forma, podemos considerar projeto, cada novo trabalho é continuidade, ao certo a estrada que iríamos percorrer
que a trajetória percorrida ao longo destas 100 desdobramento dos anteriores. Não com esse trabalho. Queríamos, é certo - e
apresentações, firma a certeza do caminho renegamos nada que tenhamos feitos continua a disposição - ampliar as relações
escolhido pelo Buraco d`Oráculo. anteriormente, mesmo os equívocos. As com os movimentos sociais, sobretudo os de
O espetáculo é resultado de um tomadas de decisões erradas fazem parte de moradia, para levar esse espetáculo, porém
profundo mergulho em histórias coletadas em nossa trajetória contínua de aprendizado e esse caminho foi ainda pouco percorrido.
seis comunidades da região do extremo leste amadurecimento. Para chegar ao Ser TÃO Por outro lado, frequentamos a programação
da cidade de São Paulo, realizada dentro do Ser foi necessário percorrer um caminho de diversos festivais e instituições culturais,
projeto “10 Anos: a cidade, a comunidade e que solidificasse a história do grupo, o sempre levando a discussão da luta por
as pessoas na trajetória do Buraco”, graça aos entendimento político e histórico no qual moradia, sempre atual em um país de muita
recursos do Programa de Fomento ao Teatro estamos inseridos e, principalmente, uma exclusão.
para a Cidade de São Paulo. Ao iniciar o aproximação e uma relação com o nosso
projeto tínhamos a certeza do que queríamos público. Foi com o público da periferia, mais Edson Paulo
ver em cena: os sujeitos históricos que especificamente de São Miguel Paulista, na Ator do Buraco d`Oráculo.
3
4. e,
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distanciado da cena, mas pelo deslocamento
do espetáculo no espaço e pela participação
M o a a t
ativa daqueles que o acompanhavam, em
seus movimentos e sons.
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s cê i ã ru
É a partir da ideia dessa recepção
multissensorial - por parte não só de um
espectador, mas um espectador-ouvinte - que
s
defendo aqui a necessidade de ampliarmos
sepç de
os nossos canais perceptivos, aprofundando
o
o entendimento do espetáculo de teatro
O verbete recepção é definido pelo
pec
de rua de modo a percebê-lo como uma
Dicionário de Teatro de Patrice Pavis – arte capaz de abranger simultaneamente
importante obra de referência para os
r
várias camadas de recepção igualmente
estudos teatrais da atualidade - como importantes. Não se trata, evidentemente,
“interpretação da obra pelo espectador” e de substituir uma primazia (visual) por outra
“análise dos processos mentais, intelectuais (auditiva), mas de mergulhar mais fundo
e emotivos da compreensão do espetáculo”. na obra de arte, e absorver o fenômeno
Jussara Trindade Mas, ainda que logo a seguir o autor utilize teatral por outras vias que a modernidade
como recurso explicativo uma imagem do renascentista, em seu ideal de Ciência,
espectador como que imerso “num banho frequentemente deixou à sua margem. Trata-
de imagens e sons”, ao desenvolver suas se de compreender o espetáculo teatral de
considerações sobre os códigos perceptivos rua como obra artística essencialmente
da recepção a atividade teatral é descrita audiovisual, e não apenas visual.
apenas dentro de um quadro referencial
Nesse sentido, o caminho que
visual, corroborando a tendência de
proponho abordar é o sonoro-musical, ou
apreensão do espetáculo ainda sob os
seja, o da audição e da escuta – dimensão
parâmetros da perspectiva - conceito da
sensorial que transcende o fenômeno
pintura que inseriu, no palco renascentista,
estritamente acústico, para abranger esferas
o princípio cartesiano de separação radical
mais amplas do humano, inscritas também
entre observador e objeto observado, entre
no social, no cultural, no urbano e no
espetáculo e espectador.
contemporâneo. Se o “ouvir”, possibilitado
Numa época ávida por explicações pelo aparelho auditivo, cumpre uma função
científicas, a noção de perspectiva ofereceu fisiológica, o ato da “escuta” vai além e se
ao teatro burguês meios de criar, sobre um converte num meio para a atribuição de
painel plano colocado no fundo da cena, sentido do mundo, pois é também uma
a ilusão da profundidade em um palco construção histórico-cultural e, como tal,
espacialmente limitado. A inovação trouxe condicionada pela época na qual está
o espaço tridimensional para dentro das inserida (HARNONCOURT, 1998). Ou seja,
salas teatrais, substituindo a visão real aquilo que ouvimos como “som” também
da vida cotidiana pela ilusão “realística” nos informa sobre a realidade circundante,
do ponto de vista do espectador ideal, ajudando-nos a lembrar, associar, raciocinar,
sentado no centro da plateia. Desta forma, tomar decisões; enfim, a sobreviver no
o teatro burguês não teve mais qualquer mundo e, também, transformá-lo.
necessidade de espaços abertos, pois podia
A multidimensionalidade do teatro
inventar o seu próprio mundo “real” a partir
de rua coloca em questão a noção teatral de
das leis da perspectiva visual. Enquanto
recepção enquanto processo estritamente
isso, do lado de fora das salas fechadas, o
visual, o que poderia ser sintetizado na ideia
teatro que se realizava em espaços públicos
de escuta cênica como um modo de recepção
da cidade permanecia atuando a partir de
próprio dessa modalidade, uma vez que na
uma realidade multidimensional, dada não
rua o espectador mantém com o espetáculo
pela ótica de um observador estático e
uma relação mais complexa do que aquela
4
5. que foi historicamente definida pelo palco A noção de imagem sonora permite- memória afetiva; enfim, alcançar dimensões
renascentista. Em meio aos múltiplos e nos vislumbrar a complexa rede de relações inacessíveis apenas pelo verbal/conceitual.
incontroláveis estímulos – especialmente que se estabelecem entre espetáculo Estudos de semiologia musical,
visuais e sonoros – presentes no espaço e espectador-ouvinte a partir de uma como os do etnomusicólogo Jean-Jacques
urbano, o teatro de rua é potencialmente escuta cênica, pois diferentes maneiras Nattiez, levam à identificação de uma
um centro para o qual tende a convergir a de se utilizar de elementos musicais num “sintaxe musical” – um sistema de relações
atenção de um público que, a princípio, se espetáculo evocam também diferentes formais entre os elementos constituintes
encontra ali de passagem; e a musicalidade imagens sonoras. Por isso, a musicalidade do fenômeno musical (melodia, harmonia,
do espetáculo é um fator essencial neste do teatro de rua pode ir muito além da estilos) - e uma “semântica musical” que
processo, motivo pelo qual muitos teatristas simples utilização de “música” como um relaciona as sensações auditivas a outras
de rua tornam-se, também, atores-músicos. recurso acessório da cena. O impacto das esferas, além da sensorial: emoção, cultura,
Frequentemente, é a música – imagens sonoras produzidas pelos atores ideologia. Para o pesquisador, há dois níveis
mobilizada pela escuta cênica – o fator contribui para multiplicar, polifonicamente, de recepção musical: no primeiro, mais
determinante através do qual o espectador os sentidos do espetáculo, possibilitando consciente, o ouvinte percebe sensações
eventual da rua se sente atraído pelo espetáculo ainda a economia de elementos cênicos físicas; no segundo, mais profundo, as
e decide interromper o seu trajeto cotidiano que o ambiente frequentemente ruidoso sensações se ligam a sentimentos. Além
para assisti-lo, ou mesmo acompanhá-lo num do espaço aberto não favorece, como a disso, se por um lado procedimentos sonoro-
cortejo. É amiúde pela musicalidade que um palavra e o diálogo. Uma simples canção musicais podem ser empregados numa
espetáculo de rua obtém sucesso no desafio de pode tornar desnecessária uma longa cena teatral com o propósito de suscitar
instaurar, no ambiente caótico e fragmentado explicação ao público e potencializar, no público associações como as descritas
da cidade contemporânea, um espaço cênico com os seus elementos musicais (o ritmo, por Nattiez, por outro cumprem também a
capaz de religar o cidadão às suas matrizes a melodia, o timbre dos instrumentos função de organizar sonoramente o jogo dos
mais profundas, restaurando o seu sentido musicais utilizados, o trabalho vocal), os atores, pois a música de cena favorece ao
de pertencimento a uma comunidade, a um sentidos menos explícitos, as associações ator manter-se plenamente consciente dos
lugar. com outros fatos que se deseja mencionar, a laços existentes entre cada trecho, frase
Mas, a que se poderia atribuir esta musical, tonalidade de uma canção, e o
notável capacidade? Segundo pesquisas no ritmo, a duração e intensidade de uma cena
campo da neurologia e da psicoacústica, ou mesmo do espetáculo como um todo.
estímulos sonoro-musicais criam imagens Deste modo, a escuta cênica das
sonoras na mente do ouvinte. imagens sonoras produzidas na cena
Originalmente, a noção de imagem teatral de rua parece ser um caminho
sonora se relaciona com um tipo de através do qual é possível transcender os
construção mental pré-conceitual, pois limites bidimensionais de uma recepção
é, basicamente, um padrão de impulsos estritamente visual (FLÜSSER, 2002) e
neurais interpretado pelo cérebro como a expandir os canais de recepção para uma
percepção sensível daquilo que é captado apreensão multidimensional do espetáculo -
pelo ouvido. As imagens sonoras – ou seja, as principalmente através de sua musicalidade
imagens mentais evocadas por sonoridades - uma vez que a percepção do som pelo
– formam-se no córtex cerebral onde são ser humano se dá por todas as direções,
identificadas, armazenadas na memória e, diferentemente da percepção visual que
eventualmente, enviadas a outros centros é prioritariamente frontal (e em menor
cerebrais (ROEDERER, 2002). É por isso medida, lateral).
que, ao escutarmos um dobrado, o badalo Todas estas possibilidades em torno
de um sino ou um estampido, podemos da musicalidade do teatro de rua, aqui
experimentar sensações de alegria, apenas esboçadas, apontam para a ideia
nostalgia e medo, antes mesmo de podermos de que esta modalidade possui aspectos
visualizar mentalmente e racionalizar sobre estéticos e exigências técnicas diferentes
as imagens mentais decorrentes dessas daquelas que a sociedade ocidental moderna
percepções auditivas: uma cena de circo, a acostumou-nos a compreender como sendo
igreja convocando os fiéis para a missa e um as “do” teatro e que, a rigor, foram erigidas
tiro. para atender ao teatro das salas fechadas.
5
6. A atualidade
Por isso, apresenta-se para o teatro de rua o
desafio de construir as próprias referências,
com base em suas especificidades
política
estruturais, como aporte imprescindível
para o desenvolvimento de atividades de
pesquisa estética, análise do espetáculo
do teatro
e crítica teatral, voltadas especificamente
para a modalidade.
documentário
Fernando Kinas
teatro
O documentário, ou
documental, constitui um conjunto de ideias
e práticas teatrais complexo e estimulante,
seja sob o ponto de vista estético, quanto
social. Pouco estudado e praticado no
Jussara Trindade Brasil, suas possibilidades de utilização
Doutora em teatro pela Unirio; integrante continuam, portanto, insuficientemente
do Núcleo Brasileiro de Pesquisadores de exploradas. Para investigar a atualidade
Teatro de Rua. desta modalidade teatral seria preciso aliar
a investigação teórica com a análise da
produção teatral contemporânea, brasileira
e estrangeira. Esta tarefa poderia, ainda,
contribuir para a reflexão geral a respeito
de temas que lhe são correlatos: novas
Referências bibliográficas exigências no trabalho de interpretação,
impacto no ensino teatral, relação com a
FLÜSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: crítica especializada, alterações na recepção
ensaios para uma futura filosofia da e caráter inter ou transdisciplinar.
fotografia. Rio de Janeiro: Relume, 2002. A matriz europeia do teatro
HARNOUNCOURT, Nikolaus. O discurso documentário – existem formas muito
dos sons: caminhos para uma nova variadas de teatro documentário, da América
compreensão musical. Rio de Janeiro: Jorge Latina à Ásia – tem um ponto de inflexão
Zahar Ed., 1998. nos anos 1960, com a obra do dramaturgo
NATTIEZ, Jean-Jacques. Etnomusicologia Peter Weiss (1916-1982). Para ele, o teatro
e significações musicais. Tradução de documentário filia-se à tradição do teatro
Silvana Zilli Bomskov. In: Per Musi. Revista político e realista (proletkult, agitprop,
Acadêmica de Música. Programa de Pós- experimentos teatrais de Piscator, peças
Graduação em Música da Universidade didáticas de Brecht). Mesmo não sendo
Federal de Minas Gerais, nº 10, jul-dez/2004, precursor – diretores russos e alemães dos
p. 5-30. anos 1920 já tinham dado exemplos destas
PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São práticas –, Weiss introduziu de forma radical
Paulo: Perspectiva, 2003. o “documento” na cena (atas, relatórios,
ROEDERER, Juan. Introdução à Física e estatísticas, comunicados da bolsa,
Psicofísica da Música. São Paulo: Editora entrevistas, balanços bancários, cartas,
da Universidade de São Paulo, 2002. reportagens).
6
7. Embora defendendo a recusa de sobre a libertação da Angola, Canto do possível, é inegável a recusa da imitação, a
toda forma de invenção (certamente uma Fantoche Lusitano). ruptura com a ilusão cênica e o interesse pelo
reação ao status quo teatral da sua época), o Apesar de diferentes visões exame das estruturas sociais no lugar dos
teatro documentário, tal como proposto por artísticas e políticas relacionadas ao embates entre subjetividades. Mesmo se há
Weiss, mantém a condição de obra artística: teatro documentário, entre as quais não dificuldades em evitar o elemento ficcional,
“Mesmo quando tenta se liberar do quadro se pode ignorar aquela que deriva da vaga como afirma Bernard Dort3, Weiss e Kipphardt
que faz dele um meio artístico, mesmo pós-moderna, pode-se afirmar que parte (cf. O caso Oppenheimer), aproximam-se da
quando abandona as categorias estéticas importante delas apontam na direção da exposição imediata (não mediada) dos fatos.
(...) o teatro documentário é no final das inteligibilidade da atualidade, isto é, a Este trabalho dramatúrgico, sobretudo no
contas um produto artístico e deve sê-lo, se realidade pode e deve ser explicada. Cabe, caso de Peter Weiss, não parece ter sido
quiser justificar sua existência.”1 Para Weiss, então, localizar e estudar experiências inteiramente absorvido e desenvolvido pelas
o teatro documentário mostra “a imagem teatrais inspiradas nesta matriz (tanto sob novas gerações.
de uma parcela da realidade arrancada ao o ponto de vista formal, como político) que No entanto, hoje são frequentes os
fluxo contínuo da vida” e tem como objetivo participam desta tarefa de compreensão do trabalhos cênicos que exploram a utilização
“estabelecer um modelo das contradições momento histórico atual. do material documental em cena, indício da
reais”. Evidentemente, na continuação direta O teatro documentário é, portanto, atualidade desta modalidade teatral. Nossa
da tradição brechtiana, este mecanismo deve uma forma artística veiculadora de hipótese, confirmada por inúmeros casos
revelar a condição histórica da atualidade e a potenciais novas formas e novos conteúdos, recentes, no Brasil e no exterior (Luis Antônio
possibilidade da sua alteração. A tarefa deste neste sentido, ele está em sintonia com - Gabriela, de Nelson Baskerville; Accidens,
tipo de teatro seria, então, fazer a crítica o rearranjo que caracteriza o teatro matar para comer, de Rodrigo Garcia; Genova
radical da camuflagem, da falsificação da contemporâneo das últimas décadas. Uma 01, de Fausto Paravidino; Rwanda 94, de
realidade e da mentira. das vertentes deste debate diz respeito Jacques Delcuvellerie; O interrogatório, de
Esta proposta teatral, pelas suas à recusa do regime ficcional canônico. Eduardo Wotzik; Tableau com existências
opções formais e de conteúdo, pretende Anatol Rosenfeld, na época em que estas marginais, de Björn Auftrag e Stefanie Lorey),
investigar a realidade social, opondo-se, experiências estavam no apogeu (década é de que há, simultaneamente, referência
portanto, à desinformação e às diferentes de 1960), afirmou que “tanto Hochhuth ao modelo histórico de teatro documentário
estratégias de opressão e dominação. É [escritor e dramaturgo alemão, nascido e exploração de novas possibilidades. Os
preciso lembrar que Peter Weiss nasceu em 1931] como outros expoentes do teatro resultados estéticos e políticos destas
em plena Primeira Guerra Mundial, viveu documentário procuram eliminar, na medida experiências, evidentemente, são desiguais.
a Segunda e escreveu sob o impacto da do possível, o elemento ficcional”.2 Ainda Peter Weiss sistematizou e exercitou
Guerra do Vietnã e das lutas anticoloniais que um puro teatro de relatório, pela própria um tipo de teatro que, segundo ele mesmo,
(Weiss escreveu, por exemplo, uma peça natureza do dispositivo teatral, não pareça abandonou “os cânones estéticos do teatro
1 Peter Weiss, “Notes sur le théâtre documentaire”, in Discour
sur la genèse et le déroulement de la très longue guerre de libé-
ration du Vietnam illustrant la nécessité de la lutte armée des
opprimés contre leurs oppresseurs, Paris, Seuil, 1968, p. 10. As
próximas citações são igualmente deste texto.
2 Anatol Rosenfeld, “O teatro documentário”, in Prismas do
teatro, São Paulo, Perspectiva, 2008, p. 122.
3 Cf. Bernard Dort, O teatro e sua realidade, São Paulo, Pers-
pectiva, 1977, pp. 28-30.
7
8. tradicional” e desenvolveu “novas técnicas
Popular de Arte e Ciência –
do que vivi, do que aprendi
Congresso da Universidade
adaptadas às novas situações”4. Seria
importante, agora, identificar e estudar estas
novas possibilidades do teatro documentário
Sobre a experiência no II
contemporâneo. O surgimento nos últimos
anos de coletivos teatrais que rejeitam os
e do que me contaram
padrões da produção canônica e comercial
Sem Culto à Culpa
mostram o vigor da produção atual. Muitos
destes grupos dialogam explicitamente com
a tradição do teatro documentário. Analisar
estas contribuições significa também extrair
reflexões capazes de extrapolar o âmbito
restrito em que elas ocorrem. Do conjunto
destas experiências pode-se vislumbrar Fernando Kinas
um modo de trabalho cênico e de reflexão Doutor em Teatro pela Universidade
Ocupa Nise
capazes de servir como referência para a Sorbonne Nouvelle e Universidade de São
ação teatral crítica. Paulo. Dirige desde 1996 a Kiwi Companhia
Seria preciso destacar alguns de Teatro/Cooperativa Paulista de Teatro.
fenômenos relacionados ao teatro
documentário, como a reorganização da
ação do ator/atriz em função de exigências
diversas daquelas feitas pelo teatro
dramático, uma vez que são alteradas
noções como as de personagem, conflito
intersubjetivo, progressão e desenlace. Via
de regra, estes marcadores clássicos do
teatro perdem sua centralidade. Reflexos
importantes destas práticas teatrais
documentais também podem ser percebidas
na recepção, já que o público estaria menos
preparado para lidar com estas propostas
cênicas avessas ao teatro “aristotélico”. Durante 21 dias, e alguns mais, o
Temas correlatos também mereceriam Ocupa Nise reuniu artistas, cientistas,
análise mais detida, como a relação entre curadores, cidadãos e alguns bichos
teatro documentário e performance; o “efeito transeuntes – enfim, loucos para saudar
do real” (a expressão, no âmbito do cinema, a expressividade e a própria Loucura,
foi usada, entre outros, por Ismail Xavier5); homenageando e aprendendo com os
o retorno, potencial, ao subjetivismo (teatro ensinamentos de Spinoza, Nise da Silveira,
biográfico, de depoimento ou confessional); Nelson Vaz, Amir Haddad e outras(os)
as revisões da fronteira entre arte e vida e o educadoras(es) da cultura e da arte popular.
reivindicado “fracasso da representação” (cf., Internos em um plasma às vezes
por exemplo, as produções do Rimini Protokoll, leve, às vezes denso, experimentamos o
Forced Entertainment e coletivo LFKs). prazer de nos surpreender a cada momento,
Um programa de estudo se apresenta por cada momento de sensibilidade que
e suas implicações são potencialmente nos embelezava. Neste clima, o hospital
ricas. Para que isto aconteça é decisivo psiquiátrico Dom Pedro II – no bairro de
não desvincular as esferas formais e de Engenho de Dentro (pra fora), Rio de Janeiro
conteúdo, estabelecer uma base conceitual – recebeu experiências e relatos vindos de
sólida e ancorar a análise na realidade 4 Peter Weiss, op. cit., p. 14. todos os cantos, práticas corporais, plásticas,
social, definindo campo, valores e horizonte sonoras e espirituais, momentos de cuidado
5 Cf. Ismail Xavier, Iracema: o cinema-verdade vai ao teatro.
políticos. In: Devires - Cinema e Humanidades, v.2. n. 1, 2004, p. 70-85. e de cura.
8
9. Não haveria como sair de lá intacto,
sem toques, sem ranhuras, sem se cortar,
sem provocações internas ou à flor dos
tatos. Avisava Ray Lima: “Estamos mexendo
em cacho de marimbondo”. Assim, as
manifestações foram aparecendo, como um
enxame ou a maré que vem enchendo até
transbordar.
No início, de mansinho, alguns
calados, alguns já com empolgação, os
protagonistas do espetáculo-terapia-festa-
novela começaram a contar quem são, de
onde vieram, as marcas do cotidiano e de um grau em que as mostram conscientemente Sem gritos, pra poder ouvir todo
outro mundo – mágico, surreal, que os rodeia ou não. Chegamos a uma malha onde não mundo e atrair quem se diz estar externo.
e que se faz presente, mareando aquele local. mais impera o objetivo fajuto, cerceado pelo Ou se gritarmos, que nosso grito seja como
São os atores-personagens principais sem subliminar malicioso e triste. um murmúrio, um afago!:
nem estrelar numa megaprodução fantástica Desatamos nós por nós, até que nossa “Escuta, escuta
de Hollywood ou numa falsa realidade como rede livre fez encontrar em nossa arte, em O outro, a outra já vem
a do Big Brother. Não precisam. Eles são nosso teatro, em nossa vida, o objetivo e o Escuta, acolhe
as estrelas de suas próprias vidas. De suas subjetivo. E é tão bonito quando entendemos Cuidar do outro faz bem”.
luzes traduzem, como singelas e grandiosas também a subjetividade, quando tornamos (Ray Lima)
oferendas, as poesias, composições, claras as nossas linguagens. Por passar momentos tão intensos de
cantorias, danças, pinturas, o humor, o Não precisamos mais estar certos. transformação, de criação, de filosofia-ação,
amor. Vão modificando suas caricaturas, O campo que escolhemos adentrar, porque de místicas que não conhecia, não me sinto
desconstruindo e reconstruindo o espaço muito novo e inovador, é recheado de reabilitado. Pois a questão não é estar apto
e as energias como artesãos. Grandes incertezas. A nossa clareza tem de ser para se integrar novamente e ser aceitado no
Arquitetos do Universo, Gadú! O imenso mar livre da certeza cartesiana recriminadora, “mundo dos normais” – o mundo capitalista,
que nos apresentaram, esses mergulhadores, opressora, anti-diversificadora. No mundo que faz com que arregalemos nossos olhos
nadadores e pescadores geniais, mareia certinho, é esta a certeza que domina: às para um cardápio de espantos, que desvenda
agora nossas vidas! vezes rígida como uma parede de aço; às os mistérios, a profundeza e os segredos das
Nós fomos pra chuva! E dançamos vezes flexibilíssima, como quando se pode coisas, dos sentimentos, até nos tornarmos
para ela, que nos banhou, amoleceu os vender e comprar a verdade. contempladores estáticos, consumidores
recantos ainda rígidos do nosso corpo, da manipulados e manipuladores, encarcerados
Ter clareza não é ter certeza. É a partir
nossa mente; lavando a sujeira acumulada e torturadores.
da incerteza, da dúvida, que construímos
de anos: lixo orgânico, lixo industrial, lixo a coragem e o compromisso plenos, a A terapia ocupacional que começa a
hospitalar, lixo nuclear, lixo visual, lixo disposição de lidar com a obscuridade e os se desenvolver não tem relação com a simples
sonoro, lixo intraorgânico, lixo mental – dos devaneios. Precisamos então ter clareza do reabilitação. Ela dialoga com a construção
quais ainda não nos livramos, também que queremos, do que compreendemos e de outro sentido para o mundo, ou mesmo
porque é uma terapia, uma luta pra ser do que ainda não, de quando entrar ou do outro universo: é a medicina/ciência/modo
travada um dia após o outro. que fazer quando entrar ou se não entrar em de vida que permite que cada um descubra e
A cura é árdua e às vezes dolorosa. cena, das nossas escolhas. transforme suas realidades, suas essências e
Ficar abstinente do individualismo, das se comunique, sem preconceitos, com as do
Muito inquietante o que está se
mentiras do conformismo me deixou com o outro. É a revolução que cada um se propõe
construindo, não? Mas não podemos nos
ego, a alma e as carnes à mostra. Cada apelo a fazer em si e que constrói, a partir da
aperrear. Como Vitor Pordeus me alerta:
por carinho e cuidado, cada palavra sincera, expressividade dessa mudança, a revolução
“Não é pra enlouquecer”, não pela ansiedade
cada olhar vai nos perfurando, extraindo, coletiva.
e pelo escândalo. Nosso grito não é grito
gota por gota, o veneno que nos seca. Vamos de guerra. Não queiramos travar uma nova A luta que aqui se trava não se firma
religando nossa sensibilidade. guerra. Muitos dos que estão lá fora esperam em enfrentar inimigos, não se contenta em
Agora olhamos as pessoas na rua por isso, se preparando para vender mais buscar as culpas e as desculpas. “Desculpa
e enxergamos todas as suas loucuras, no armas no seu podre mercado. cú”, como me diz uma amiga. A luta está
em não haver culpa nenhuma e sim em que
9
10. eu mesmo tenho um problema pra resolver,
um compromisso para cumprir, caminhos
inteiros a seguir, milhares de escolhas a
II Seminário Amazônico
fazer. E tudo isso em uma vida apenas. E
uma vida que não acaba. de Teatro de Rua 6
Que sejamos mais livres e que
descubramos onde em nós essa liberdade Adailtom Alves Teixeira
ainda não foi conquistada, buscando aprendê-
la logo em seguida. Que mergulhemos fundo A história da sociedade capitalista é a história da inclusão de todos os indivíduos
no oceano que nos foi apresentado e no e de todas as coisas no mercado ou a redução de todos e de tudo à condição de
qual muitos já viviam. Que subamos um mercadoria.
pouco à superfície, quando precisarmos Marilena Chauí. Cidadania cultural: o direito à cultura
respirar, olhar pro céu e mergulhemos de
novo. Que estejamos dispostos, mesmo
que nunca prontos, a receber, se comunicar Todos sabem, ou deveriam saber,
e respeitar o outro, quem quer que seja, que governar não é o mesmo que ter o
de maneira incondicional. Que sejamos poder para fazer o que bem entende, mas
incondicionalíssimos. sim encaminhar os projetos daqueles que
Gratidão a todos, por tudo! realmente detêm o poder. Marilena Chauí
“Nós podemos ir até onde nós – que foi gestora da cultura na cidade de
quisermos” – Judith (entidade Naná, Rei São Paulo de 1989 a 1992, quando o Partido
Reginaldo Terra e gerente do Hotel da dos Trabalhadores (PT) ganhou a primeira
Loucura). eleição nessa cidade – afirma que para os
Jadiel Lima, Maraguape-CE, 12 de dirigentes do PT a cultura é vista sob três
agosto de 2012. aspectos: como saber de especialistas,
campo das belas-artes e instrumento de
agitação política.
Na primeira, a cultura é vista pelo
Reginaldo/Dona Judite/Nanã - Interno que se tornou o “gerente do
Hotel da Loucura”, durante o Ocupanise. viés da competência, isto é, poucos sabem
e muitos recebem passivamente, logo, faz
parte da ideologia dominante. No segundo,
campo das belas-artes (teatro, dança,
música etc.), a cultura é vista como própria
dos talentosos, daqueles que receberam
formação específica. Assim, é espetáculo,
entretenimento, não se valoriza a criação e
seu processo, mas os resultados. O terceiro
reúne os dois anteriores, com o objetivo de No entanto, ainda segundo a
persuadir as massas; coloca-se a serviço da pensadora, a cultura e a esquerda tem laços
política. indissolúveis e se faz necessário um trabalho
Questiona Chauí, em Cidadania crítico que desvele a realidade e engaje
cultural: novos sujeitos na transformação social.
Qual o paradoxo? Em lugar de Para a esquerda, a cultura é a
tomar a cultura como uma das capacidade de decifrar as formas
chaves da prática social e política da produção social da memória e
da esquerda, os dirigentes petistas do esquecimento, das experiências,
deixam de lado a dimensão crítica e das ideias e dos valores, da produção
reflexiva do pensamento e das artes das obras do pensamento e das obras
e simplesmente aderem à concepção de arte e, sobretudo, é a esperança
instrumental da cultura, própria da racional de que dessas experiências
sociedade capitalista (2010: 9-10). e ideias, desses valores e obras
10
11. surja um sentido libertário, com democrática? Mas quantos brasileiros tem
força para orientar novas práticas acesso e dominam as ferramentas digitais?
e políticas das quais possa nascer Muitas são as perguntas.
outra sociedade (CAHUÍ, 2010: 8-9).
Para completar a tragédia farsesca,
Por isso mesmo, a cultura permite existe um refluxo dos movimentos culturais,
desvelar a luta de classes, possibilitando cansados de esmurrar as pontas de facas
a contraposição à oficialidade, criando, a sempre afiadas. Como diria certo camarada:
partir da memória, outros símbolos, outros que fazer?7
espaços.
Muitos Podem pensar que doze
anos de governo do partido supracitado,
pareciam caminhar dentro dessa proposta, Apesar das três dimensões,
mas não. Devido à extensão do texto, simbólica, cidadã e econômica, o horizonte
também não vamos nos debruçar sobre maior é o aspecto econômico, isto é, a cultura
todos os supostos avanços e nem sobre como mercadoria. Por isso a ênfase na tal da
todos os retrocessos. Mas, peguemos um economia criativa, indústrias criativas, entre
exemplo, sem esmiuçá-lo item por item: as outras. Portanto, a cultura não é vista como
Metas do Plano Nacional de Cultura (PNC). direito e como processo do desenvolvimento
As metas são uma orientação, um norte das humano, mas pela ótica do econômico.
ações do governo federal e deveriam estar O objetivo é atingir 4,5% do PIB (Produto
valendo desde 2011, com validade até 2020. Interno Bruto). A cultura é mercadoria. Em
É uma “experimentação” do que deve vir a sendo mercadoria, não é para todos, é para
ser a cultura brasileira. Mas nem mesmo o quem pode comprar; e também não será
prazo foi cumprindo, tudo só começará pra qualquer um que poderá criar, apenas “os
Adailtom Alves Teixeira
valer em 2013. criativos”, “os empreendedores”. Portanto,
entra na ótica já apontada por Marilena Mestre em Artes pela Unesp; membro do
Mesmo assim, o prazo não é o maior
Chauí. É sempre bom se questionar: em Núcleo Brasileiro de Pesquisadores de
problema, mas o norte apontado pelo
quais bolsos irão parar esses 4,5% do PIB? Teatro de Rua; articulador da RBTR; ator do
próprio PNC. Criado em conjunto com a
Provavelmente nos bolsos dos mesmos grupo Buraco d`Oráculo.
sociedade civil, por meio de conferências
e outros mecanismos participativos, o privilegiados, isto é, daqueles que já são os
documento deveria, em tese, expressar a donos das tais indústrias criativas. Claro
vontade da sociedade civil, ou pelo menos que um artista ou outro possa furar esse
daqueles que se envolveram diretamente cerco da economia criativa, tornando-se
na construção do mesmo. Mas não é bem uma exceção (que existe para confirmar a 6 Texto produzido como início das reflexões na Roda
regra), este será destacado, justamente para 3 – Políticas Públicas Para as Artes, ocorrida no dia
assim. E não sabemos onde nós, sociedade
25/07/12, ao lado do Rio Madeira, no Complexo da Es-
civil, perdemos a mão, onde as coisas se demonstrar como o projeto é maravilhoso e
trada de Ferro Madeira Mamoré – Porto Velho/RO.
embaralharam e começaram a apontar “democrático”. Afinal o capitalismo já faz
em outra direção. Muitos trabalharam, isso há séculos: só os melhores conseguem; 7 Apesar do aparente cansaço, a sociedade civil conti-
pensaram, discutiram, visando criar um e a ideologia faz muitos crer que basta lutar nua organizada e mobilizada, pois sabem que qualquer
para se sair vencedor. conquista para os trabalhadores só vem com muita luta.
documento que norteasse a política cultural
Em relação aos artistas que escolheram os espaços pú-
brasileira, no sentido do desenvolvimento Para completar a tragédia ou a farsa blicos abertos – que não se enganam em relação aos
humano. No entanto, o resultado final parece (e claro que faz parte do pacote, a ditadura novos caminhos que parece seguir a política cultural de
que já estava pronto a partir de práticas burguesa sempre vem travestida de nosso país –, tem demonstrado vigor de sua organiza-
contrárias ao sentimento de sua construção. democracia), existe um falso diálogo entre o ção. No Seminário Amazônico de Teatro de Rua, havia
articuladores de 13 estados do Brasil. E lá, em mais uma
Se somarmos a organização e o processo governo e a sociedade civil, que mesmo com
tentativa, foi criada a campanha nacional “Dilma, não
de construção, foram décadas de luta. Para tanta grita de todos os lados, faz ouvidos desmanche! Dialogue Já.” A perspectiva é que todos os
quê? Para transformar o PNC e as ações daí moucos. O último exemplo é o processo seguimentos culturais abracem a campanha e apresente
decorrentes no que se combatia. Afinal o eleitoral para o CNPC (Conselho Nacional as suas reivindicações. Talvez seja insuficiente, mas não
PNC aponta para a uma prática mundial: de Política Cultural), eminentemente se pode parar de lutar. Ainda no seguimento de teatro de
rua, está agendado de 13 a 16 de setembro de 2012 o XI
a reinvenção do capitalismo por meio da excludente, apesar de vir sob a aparência
Encontro da Rede Brasileira de Teatro de Rua, que ocor-
cultura. de democrático. Afinal a internet não é rerá na cidade de João Pessoa-PB.
11
12. vem aí
VII Mostra de Teatro
de São Miguel Paulista
07A16DEZ2012.
Serão 12 espetáculos de teatro de rua!
Vila Mara e Cidade Nova,
São Miguel Paulista – São Paulo-SP
Oficina de Teatro de Rua
duração de seis meses
Inscrições no site:
www.buracodoraculo.com.br/oficina
realização Maiores informações (11) 98188-3670 / 98152-4483
www.buracodoraculo.com.br | www.buracodoraculo.blogspot.com | buracodoraculo@yahoo.com.br
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