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Projeto “Diálogos de Madison”




A política econômica da esquerda
  latino-americana no governo:
         o caso do Brasil




                      Dezembro de 2006

 Félix Sánchez, João Machado Borges Neto, Rosa Maria Marques,
     Mariana Ribeiro Jansen Ferreira e Vinicius Melleu Cione.




                                                                1
Introdução

1 - Os objetivos de governo na campanha da eleição de 2002

       A vitória de Luís Inácio Lula da Silva, concorrendo pelo Partido dos
Trabalhadores (PT) nas eleições presidenciais de 2002, representou, sem dúvida, um
dos marcos mais importantes na constituição de governos de esquerda na América
Latina. Além de o PT ter sido considerado, por muitos anos, como um dos principais
partidos de esquerda do continente (ou até como o principal partido de esquerda), as
características do próprio presidente eleito (ex-retirante nordestino, ex-operário
metalúrgico, ex-sindicalista) sugeriam que um representante legítimo do povo brasileiro
havia chegado ao poder ou, pelo menos, ao governo. Portanto, havia muitas razões para
que o novo governo fosse considerado um autêntico governo popular.

        Todavia, desde o início dos anos 1990, o PT passava por um processo de
mudanças, de forma que suas características mais radicais vinham sendo atenuadas
numa medida considerável. Lula fazia um grande esforço para ser mais bem aceito pelos
setores empresariais. Um passo mais forte nesta direção foi dado na própria campanha
eleitoral de 2002, com a aliança do PT com o Partido Liberal (PL), que indicou o grande
empresário José Alencar (então senador) para candidato a vice-presidente.

        Todos esses esforços não foram suficientes, no entanto, para fazer de Lula um
candidato bem aceito pelos setores empresariais. Quando as indicações de que ele
poderia vencer as eleições foram se acentuando, começou um processo de fuga de
capitais e de grande especulação contra a moeda brasileira. Os “mercados” mostravam
sua inquietação.

        Nesse contexto, no mês de julho, o candidato Lula divulgou um documento,
intitulado Carta ao Povo Brasileiro, onde reafirmou compromissos com as mudanças
desejadas pela população, anunciou “respeito aos contratos” e garantiu que qualquer
mudança seria “fruto de uma ampla negociação nacional”. Como este documento
passou a ser considerado uma espécie de síntese do programa de governo da candidatura
Lula, é útil citar algumas de suas frases mais importantes, que resumem seu sentido
geral:

      O PT e seus parceiros têm plena consciência de que a superação do atual modelo,
      reclamada enfaticamente pela sociedade, não se fará num passe de mágica, de um dia
      para o outro. […] Será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos
      hoje e aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer em oito
      anos não será compensado em oito dias. O novo modelo não poderá ser produto de
      decisões unilaterais de governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por
      decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve
      conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de
      assegurar o crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição será naturalmente o
      respeito aos contratos e obrigações do país. As recentes turbulências financeiras devem
      ser compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular
      pela sua superação [Lula, Carta ao Povo Brasileiro, 22/06/2002].

      Nesta carta, Lula não se reivindica propriamente como “de esquerda”, e nem
como um representante dos trabalhadores ou do povo, em oposição às classes
dominantes. Pelo contrário: procura falar explicitamente para toda a sociedade,


                                                                                           2
anunciando uma ampla negociação nacional que conduziria a um “novo contrato
social”. Fala, em especial, para os “mercados” que estavam inquietos: por isso o ponto
central da Carta são as garantias oferecidas de que o candidato, se eleito, respeitaria
todos os “contratos”.

        Cabe indagar o quê desta síntese das intenções do candidato conservava de
idéias “de esquerda”. Nela destacam-se dois aspectos: a ênfase na necessidade de
mudanças (são mencionadas as mudanças “desejadas pela sociedade”) e a manutenção
da crítica ao governo de F. H. Cardoso. Nenhuma das duas é, em si mesma, “de
esquerda”. Mas, no contexto em que foram enunciadas, e levando em conta o conteúdo
das críticas que Lula e o PT vinham fazendo ao governo de até então, a “mudança”
parecia significar o abandono de um modelo neoliberal em direção a uma retomada do
desenvolvimento nacional. Se nada na Carta, ou em que tudo o que foi dito por Lula e
pelo PT na campanha de 2002, apontava para um esforço de construção de uma
sociedade socialista (sentido dado tradicionalmente a uma proposta de esquerda), havia,
por outro lado, uma indicação de que se buscaria um modelo “desenvolvimentista”.

       Além disso, o conjunto dos pronunciamentos do candidato, se não apontava nem
remotamente para a idéia de um governo dos pobres contra os ricos (muito pelo
contrário: o candidato se apresentou sempre na campanha como “Lulinha Paz e Amor”,
deixando claro que não patrocinaria nenhum conflito social), indicava que o candidato
governaria para o conjunto da sociedade. Isto se contrapunha ao governo de F. H.
Cardoso, visto como governo para os mais ricos, e implicava que haveria uma
preocupação especial com os pobres e com a inclusão social, e que seria promovida uma
redução das desigualdades sociais.

       Ou seja: as idéias básicas da campanha poderiam ser resumidas como:

      a) superação do modelo econômico do governo F. H. Cardoso (ou seja, do
modelo neoliberal);

       b) implementação de um modelo desenvolvimentista;

      c) implantação de um governo para toda a sociedade, com uma especial
preocupação com os mais pobres, que buscaria a redução das desigualdades sociais.

       Os documentos programáticos oficiais da campanha (principalmente o
Programa da Coligação Lula Presidente — Um Brasil Para Todos), aliás, reforçavam
esta interpretação. No então contexto mundial, este “desenvolvimentismo social”
poderia ser considerado, por muitos, suficiente para a caracterização de sua proposta
como “de esquerda” (de uma esquerda moderada) — ou, pelo menos, como
“progressista”.

        A Carta ao Povo Brasileiro pode, então, ser considerada como o enunciado de
um sentido geral do programa e de uma estratégia de governo: a idéia de que as
mudanças indicadas seriam feitas de forma gradual e a partir de negociações, numa
“transição” entre o modelo existente e o novo modelo desejado.

        É desta formulação dos objetivos do governo e de sua estratégia para alcançá-los
que convém partir para fazermos um balanço do governo Lula e, em particular, da sua
política econômica.



                                                                                      3
2 - A montagem da equipe econômica do governo

       Se na campanha o candidato Lula passou a idéia de que promoveria um processo
gradualista de mudanças, desde a montagem do governo esta perspectiva começou a se
esvaziar. A nova equipe econômica foi marcada pela presença de expoentes do governo
de F. H. Cardoso ou vinculados ao seu partido (o PSDB); indicou, portanto, uma
tendência mais de continuidade do que de mudanças, ainda que graduais.

        Para presidente do Banco Central foi indicado Henrique Meirelles, ex-presidente
internacional do Banco de Boston, e que havia acabado de ser eleito deputado federal
pelo PSDB (o partido de F. H. Cardoso). Este, por sua vez, além de elogiar a condução
anterior do BC, manteve toda a diretoria da instituição. Coisa semelhante aconteceu na
montagem da equipe do Ministério da Fazenda: foram indicados alguns nomes
vinculados ao governo anterior ou identificados com as suas políticas. Ora, o Banco
Central e o Ministério da Fazenda dominam amplamente a política econômica.

       Além disso, para dois outros ministérios com peso na área econômica (o
Ministério do Desenvolvimento e o Ministério da Agricultura) foram nomeados grandes
empresários com vínculos com os partidos do governo anterior.

        Por outro lado, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, ainda que fosse um
quadro tradicional do PT, mostrou desde o início da sua gestão grande identidades com
os princípios ortodoxos de política econômica. Aliás, coube a ele, já em seu discurso de
posse como ministro, esvaziar explicitamente a idéia de que haveria um processo de
transição para um novo modelo econômico. Ele disse o seguinte:

       O tema da transição despertou ansiedade sobre o que viria depois da fase de transição,
       especulou-se sobre o fim dos superávits primários, o fim das metas de inflação e do
       regime de câmbio flutuante e a adoção de medidas não convencionais e inventivas na
       condução da política macroeconômica. A essas legítimas perguntas respondemos de
       forma inequívoca: o novo regime já começou; a boa gestão da coisa pública requer
       responsabilidade fiscal e estabilidade econômica.

       O governo que ontem se encerrou tem méritos nesse tema, o que não nos constrange
       reconhecer. Porém, esse não é um patrimônio exclusivo seu, assim como não o será da
       nossa administração.

       (…)

       Assim, a transição do modelo que temos e o que o País reivindica é a superação das
       dificuldades de curto prazo. [Discurso de posse, 02/01/2003].

       Ou seja: o ministro Palocci declarou que não haveria transição quanto aos
“princípios básicos da política econômica”. “O período de transição” de que havia
falado Lula quando candidato (e que era mencionado nos documentos oficiais da
campanha) consistiria apenas no tempo necessário para a superação das dificuldades de
curto prazo. Os fatos do novo governo mostrariam que esta interpretação do ministro
estava correta.

3 - A política econômica, os resultados obtidos e o discurso do governo.

        Embora desde o início do governo tenham havido críticas à orientação da
política econômica do presidente Lula, dirigidas em especial ao Banco Central e ao


                                                                                           4
ministro Palocci, principalmente por parte da esquerda do PT e de alguns dos outros
partidos da coligação governista, como o PC do B (Partido Comunista do Brasil) e o
PSB (Partido Socialista Brasileiro)1, foi com o debate em torno de seu projeto de
Reforma da Previdência Social dos funcionários públicos que ficou mais clara a
existência de uma grande insatisfação numa parte expressiva dos seus apoiadores. A
proposta do governo foi caracterizada por muitos setores (inclusive por especialistas
nesta questão vinculados ao próprio PT) como sendo orientada por princípios
neoliberais. Sofreu oposição ativa e radical de uma parte do movimento sindical e uma
oposição, mais formal e limitada, da direção da CUT, central sindical dirigida por
militantes do PT. Essa última aprovou uma recomendação de voto contra a proposta de
reforma (tratou-se, na verdade, de uma recomendação meramente formal, uma vez que a
maioria da direção da CUT deixou claro que não esperava nem mesmo que os
parlamentares mais vinculados ao movimento sindical seguissem esta recomendação).
Como conseqüência do conflito que se seguiu, o PT perdeu o apoio dos funcionários
públicos e sofreu uma ruptura: foram expulsos do partido uma senadora e três deputados
federais, e centenas de militantes deixaram o partido. Embora esta ruptura tenha sido
pouco expressiva em termos numéricos, representou a expressão radical de um
descontentamento que atingia uma parcela muito mais ampla das forças que apoiavam o
governo Lula.

        Desde o início a política econômica do governo Lula provocou frustração entre
seus apoiadores. Em seus dois primeiros anos, 2003 e 2004, os setores mais à esquerda
do PT ou do PC do B e os movimentos sociais identificados com o governo apontaram
que a política econômica governo tinha mantido as características neoliberais do
governo anterior e falaram, freqüentemente, na necessidade de mudá-la2. O próprio
Diretório Nacional do PT chegou a expressar desconforto com essa política. Entre os
apoiadores, muitos dos setores mais à esquerda consideravam que o “governo estava em
disputa” e, por isto, consideravam como prioritário derrotar os setores neoliberais que
existiriam dentro do governo.

        Nos dois anos seguintes, perderam intensidade o debate e as críticas à política
econômica no interior das forças que apoiavam o governo, embora nunca tenham
desaparecido. Apesar disso, uma nova ruptura do PT ocorreu em 2005, finalizado o
processo de eleições internas, motivada por divergências em relação à orientação do
governo (especialmente na política econômica) e também pela “crise ética” vivida pelo
partido desde o mês de junho3. Mas a maior parte dos setores do PT e dos movimentos
sociais que criticaram a política econômica do governo nos dois primeiros anos passou a
fazê-lo de forma menos intensa.

        A razão fundamental para esta mudança de postura foi o fato de ter ficado
evidente que a política econômica, avaliada segundo os seus objetivos, estava sendo
relativamente bem sucedida. Desde 2003, a inflação havia sido contida (como será
detalhado mais adiante) e a especulação contra a moeda controlada. A partir da segunda
metade de 2003, começa um processo de retomada do crescimento econômico, que seria
comprovado quando foi divulgada a taxa de crescimento do PIB de 2004: 4,9% (depois
de um crescimento de apenas 0,54% em 2003, ou seja, abaixo da taxa de crescimento da
1
  O PDT (Partido Democrático Trabalhista) e o PPS (Partido Popular Socialista), partidos que não
compunham originalmente a coligação, já que apoiaram a candidatura Lula apenas no segundo turno,
viriam a romper com o governo, citando discordâncias com a política econômica como parte das razões.
2
  O PSB, o PDT e, em parte, o PPS, também houve manifestações na mesma linha.
3
  Desencadeada pelas denúncias do então deputado Roberto Jefferson.


                                                                                                  5
população, que conduzira à redução da renda per capita). Nesse período começou
também uma recuperação do nível de emprego (comentada na Matriz Analítica, no item
Relação Capital-Trabalho).

       Contudo, no ano seguinte, em 2005, a taxa de crescimento do PIB foi bastante
mais modesta (2,28%), e o que se espera para 2006 também deverá ser frustrante (cerca
de 3%). Mas os resultados relativos ao crescimento das exportações, à obtenção de um
superávit crescente na balança comercial e nas transações correntes 4, e alguma
recuperação do emprego, funcionaram como uma compensação para o crescimento
modesto do PIB.

       A obtenção de superávit nas transações correntes permitiu que alguns
economistas e membros do governo começassem a afirmar que o Brasil havia reduzido
sua vulnerabilidade externa, e até que ela já teria sido superada, ou estaria em vias de
superação5.

        Por outro lado, desde 2005 foi promovida uma recuperação significativa do
salário mínimo6, e os resultados dos programas de assistência social (como o Bolsa
Família) começaram a ser divulgados. Esse programa constitui o carro chefe da política
social do governo Lula e sua importância determinou em parte os resultados da eleição
de 2006.

        Em termos de distribuição pessoal da renda, calculada pelo IBGE mediante a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNDA), as informações relativas aos
dois primeiros anos do governo Lula indicam que, ao mesmo tempo, aumentou a renda
apropriada pelo 1% da população mais rica e a dos mais pobres (20% e 50% mais
pobre). Já a renda dos 10% da população mais rica apresentou redução. A melhora da
população mais pobre é condizente com a evolução observada nos índices de Gini e no
de T de Theil, os quais, entre 2001 e 2004, caíram de 0,596 para 0,576 e de 0,727 para
0,665, respectivamente. Também a participação das pessoas abaixo da linha de
indigência no total da população brasileira registrou queda (de 15,2% para 13,1%),
muito embora o programa Bolsa Família, carro-chefe da política social do governo
Lula, estivesse ainda precariamente implantado no país em 20047 (Tabela 1)8. Já o
percentual de pessoas abaixo da linha de pobreza, em relação ao total da população,
aumentou no primeiro ano de governo, quando o PIB cresceu apenas 0,5%, mas
apresentou redução significativa em 2004. Em 2001, 35,1% da população estava situada
abaixo da linha de pobreza; em 2004 este percentual tinha se reduzido para 33,6%.
Contudo, o número de pessoas situadas abaixo da linha de pobreza aumentou de 58,1
milhões para 59,4 milhões no período, revelando quão perversa é a dinâmica econômica
e social do país.

4
  Ver, adiante, o item sobre a Inserção Internacional da economia brasileira.
5
  Um exemplo desta linha de argumentação é o Capítulo 2, “Redução da Vulnerabilidade Externa”, de
Aloízio Mercadante (2006).
6
  Ver adiante a evolução do salário mínimo durante os governos F. H. Cardoso e Lula.
7
  Somente em 2005 esse programa atingiu o conjunto dos municípios brasileiros.
8
  Os dados da tabela são do IBGE, da Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (PNAD). Nela é
considerada a renda mensal familiar per capita onde, para os assalariados, é contemplada a remuneração
bruta a que teriam direito, mas excluído o décimo terceiro salário, participação nos lucros e outros
benefícios como moradia, alimentação, roupas, transporte, etc., derivadas da relação salarial. Para os
trabalhadores por conta própria e empregadores, a pesquisa considera a renda bruta menos as despesas
efetuadas com o empreendimento. Inclui, ainda, outras rendas, como o Bolsa-família, a complementação
de aposentadoria e rendimentos de aplicação financeira.


                                                                                                    6
Tabela 1 – Distribuição pessoal da renda e pobreza.
ANOS                                                         2001       2002    2003      2004
Parcela da Renda Apropriada
    1% mais rico                                                 13,9   13,4    12,7       13,0
    10% mais rico                                                47,4   47,0    46,1       45,3
    20% mais pobre                                                2,3    2,5        2,6     2,8
    50% mais pobre                                               12,6   13,0    13,4       13,9
Indice de Gini                                              0,596 0,589 0,581             0,572
Indice T de Theil                                           0,727 0,710 0,675             0,665
Linha de pobreza
    % da população total abaixo da linha de pobreza          35,1       34,3    39,2      33,6
    Milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza                58,3   57,5    -          59,4
Linha de indigência
    % da população total abaixo da linha de indigência       15,2        14     16,7      13,1
    Milhões de pessoas abaixo da linha da indigência             25,3   23,4-              23,2
Fonte: Ipeadata. Calculado a partir dos dados da PNAD do IBGE.



        Ainda que os dados econômicos favoráveis (de controle da inflação, de
crescimento econômico e de melhora na distribuição de renda) estejam sujeitos a
interpretações distintas, o discurso de que a política econômica do governo estava sendo
bem sucedida na redução das desigualdades ganhou credibilidade.

        Desta forma, os setores majoritários do PT (e os outros partidos que apóiam o
governo), que antes reconheciam a existência de limitações nas políticas do governo,
adotaram o discurso de que o governo Lula estava sendo um governo plenamente bem
sucedido. O relativo êxito da política econômica permitiria, inclusive, em 2006, uma
campanha à reeleição baseada na comparação entre os resultados do governo Lula e os
resultados do governo F. H. Cardoso.

        Por outro lado, esta linha de defesa dos resultados da política econômica
implicou o abandono quase completo do que havia sido o discurso de campanha. A
discussão sobre a mudança de modelo econômico quase desapareceu, e a idéia de
transição para um novo modelo foi completamente esvaziada (ainda que ainda seja
mencionada, vez por outra), em favor de uma mera comparação dos resultados obtidos
em governos anteriores. Implicitamente, o governo Lula passou a se apresentar muito
mais como um governo que realizou melhor — e com mais “sensibilidade social” — a
mesma política econômica que vinha sendo aplicada antes. Um dos exemplos mais
claros desta perspectiva é o livro já citado Brasil Primeiro Tempo — Análise
Comparativa do Governo Lula, de Aloízio Mercadante (São Paulo, Editora Planeta do
Brasil, 2006). O autor é líder do governo no Senado, e é em geral considerado um dos
porta-vozes do governo em matéria econômica. O livro tem prefácio do próprio
presidente da República.

       Entretanto, mesmo se deixados de lado os compromissos de campanha com
relação à mudança de modelo, o “êxito” da política econômica de Lula pode ser
questionado. Isso porque a comparação entre os resultados do governo Lula e os do
governo anterior, para ser feita com mais propriedade, deveria levar em conta a situação
internacional e os resultados obtidos por outros países. Tomado este cuidado, o governo



                                                                                                  7
Lula passa a ser visto como um dos governos de pior performance em matéria de
crescimento — a grande maioria dos países têm tido resultados muito melhores.

        Desenvolvendo o argumento, a vinculação da análise dos resultados do governo
Lula ao quadro internacional poderia fazer com fossem vistos muito mais como
conseqüência da situação mundial do que dos méritos das políticas implementadas.
Vários economistas têm argumentado nesta direção — inclusive economistas
vinculados ao PT. Este é o caso, por exemplo, do professor Márcio Pochmann, que foi
Secretário do Trabalho na gestão da prefeita Martha Suplicy, na cidade de São Paulo.
Em declaração à Agência Carta maior, em 17/10/2006, ele disse não identificar “uma
política pública explícita de geração de emprego no país”, e disse que o Brasil vive, há
três anos, uma “sorte conjuntural”.

4 - Governo Lula: um governo de esquerda?

        Para concluir esta Introdução, é interessante retomar a discussão de o que
justificaria a caracterização do governo Lula como um governo “de esquerda” ou, pelo
menos progressista.

       A justificativa da caracterização do governo Lula como um governo “de
esquerda” ou, pelo menos, progressista, deriva principalmente de sua ação em três áreas
do governo: a política externa, considerada progressista; as políticas de transferência de
renda, que visariam reduzir as desigualdades; e a política de recuperação do salário
mínimo, onde se mostraria mais a “sensibilidade social” do governo. Além disso, os que
consideram o governo Lula como de esquerda apontam também sua postura em não
criminalizar os movimentos sociais e seu diálogo com estes movimentos.

       São fundamentalmente estas razões, aliás, que foram invocadas por alguns dos
setores de esquerda críticos ao governo Lula para justificar seu apoio à reeleição do
presidente Lula no segundo turno. Como exemplo destes setores, o mais importante é o
MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra)9. Seu principal dirigente, o também
economista João Pedro Stedile, disse o seguinte:

        Alckmin seria o retorno da hegemonia do governo dos Estados Unidos sobre a América
        Latina. Agora, o continente está num processo de transição, e em praticamente todas as
        eleições o povo tem votado em candidatos antineoliberais. Isso gerou três grupos de
        governos: um grupo de esquerda — Venezuela, Bolívia e Cuba —, um grupo de
        governos de caráter moderado, mas em transição do neoliberalismo, e que enfrenta
        pontualmente a política americana — Brasil, Argentina, Uruguai, Peru e Equador —, e
        o grupo dos países que se colocam como fieis aliados dos americanos — Chile,
        Paraguai e Colômbia. Uma vitória do Alckmin seria o desequilíbrio pró-EUA, com a ida
        do Brasil para o grupo dos aliados servis.

       E o editorial do jornal Brasil de Fato, semanário em que o MST tem uma
influência determinante, 10 em 11/10/2006, destacou como principal razão de seu apoio
9
   Vale notar que parte da esquerda brasileira não apoiou a candidatura de Lula à reeleição nem no
segundo turno. São os caso da “Frente de Esquerda” agrupada em torno da candidatura da senadora
Heloísa Helena à presidência, e do PDT (este, um partido em geral considerado parte da esquerda mais
moderada; sua colocação como parte da esquerda é, no entanto, objeto de polêmica). Por outro lado, a
maior parte da esquerda brasileira se engajou na campanha pela reeleição desde o primeiro turno.
10
   Esse jornal não declarou apoio a nenhum candidato à presidência e a cargo majoritário no primeiro
turno, tal como o MST.



                                                                                                  8
o fato de o governo Lula ter respeitado as instituições democráticas, ressaltando que o
voto em Lula deve ser dado apesar do “decepcionante saldo para a classe trabalhadora”
do primeiro mandato, e apesar da tendência de que seu segundo mandato “esteja ainda
mais comprometido com a agenda neoliberal”:

        Um balanço dos quatro anos de mandato do presidente Lula deixa um decepcionante
        saldo para a classe trabalhadora, sobretudo no que diz respeito à economia. Mais que
        isto, tendo em vista a nova composição do Congresso Nacional e as alianças em curso
        desde o primeiro mandato, a tendência é que o segundo governo Lula esteja ainda mais
        comprometido com a agenda neoliberal, principalmente caso se aprofunde ou se
        mantenha o descenso das lutas populares e de massas. Todos sabemos disto. No entanto,
        é preciso ter claro que, em nenhum momento, as forças que o apóiam vieram a público,
        ou sequer insinuaram o uso da força e a quebra das atuais instituições democráticas
        (ainda que frágeis e limitadas), que permitem que nos organizemos e acumulemos
        forças para aprofundar conquistas e realizar as mudanças estruturais de que necessita a
        classe trabalhadora e o povo.

        Diferentemente do que se propala, os trabalhadores, o povo e a esquerda brasileira
        foram os principais fiadores dessas instituições. A abertura e a transição para a
        democracia, que se preparavam entre as elites no final da ditadura, seriam mais estreitas
        e minguadas, não fossem as grandes greves e manifestações, preparadas por um
        persistente e clandestino trabalho da esquerda (marxista e cristã) de organização de
        comissões de fábricas e empresas, de organização dos bairros proletários, dos
        movimentos populares e de retomada das entidades (sindicatos e associações) de
        trabalhadores ocupadas por interventores e prepostos do regime desde o golpe de 64.
        Foi o povo na rua, articulado por suas organizações e movimentos, quem definiu as
        conquistas mais avançadas de que hoje usufruímos e que se inscreveram na
        Constituição de 1988. Não devemos isto nem às elites nem a qualquer guia genial dos
        povos, a qualquer pai dos pobres.

        É preciso lembrar a História, a nossa História. É preciso lembrar que muitos foram
        assassinados para que conquistássemos e garantíssemos a liberdade que hoje gozamos,
        ainda que precária, mas que nos garante o direito inclusive de escrever este editorial. É
        preciso, sobretudo, abandonarmos uma discussão economicista da atual conjuntura e
        distinguirmos bem quem é o inimigo principal, quem são os adversários, e quais são os
        nossos aliados. Toda vez que nos equivocamos a este respeito, acabamos derrotados.

        Hoje, o inimigo principal é o bloco que se aglutina em torno da candidatura Geraldo
        Alckmin. É este, portanto, que deve ser derrotado nas atuais eleições. Assim, votar Lula,
        mesmo sem qualquer ilusão no que diz respeito às sua política econômica, é um dever
        de todos nós que constituímos a classe trabalhadora e o povo brasileiro.

       Consideremos, em primeiro lugar, as políticas que visam à redução das
desigualdades. Os resultados da distribuição de renda do governo Lula são, no mínimo,
ambíguos: ao mesmo tempo em que beneficiou os mais pobres, deu continuidade ao
processo concentrador da renda de ocupação nas faixas mais baixas e favoreceu o
aumento expressivo dos lucros financeiros (como será explorado mais adiante). Além
disso, os críticos do governo Lula confrontam, de forma convincente, o volume de
gastos de programas como o Bolsa Família com as despesas com juros do setor público
(despesas que constituem um fator de concentração de renda)11. Também teria de ser
levado em conta o caráter de “novo populismo em tempos de aplicação de uma agenda
11
  Como será mencionado no item sobre a Política Monetária e Política Fiscal, o pagamento de juros pelo
conjunto do setor público tem estado em torno de 8% do PIB, nível semelhante ao dos três últimos anos
do segundo mandato do governo F. H. Cardoso.


                                                                                                     9
neoliberal” que pode ser atribuído ao programa Bolsa Família, como será enfatizado no
item VII da parte II.

       No caso da política externa, a discussão é ainda mais complexa. O governo Lula
tem, de fato, mantido certa proximidade, ou tem procurado manter boas relações, com
governos à sua esquerda — como o governo Chavez. Tem procurado também
desenvolver uma política de relações internacionais em que há mais peso para as
relações com países latino-americanos e com países do Terceiro Mundo. Além disso,
como será analisado adiante, mudou a condução de seus representantes nas negociações
da ALCA, adotando uma posição mais crítica que a do governo anterior, e isto
contribuiu, em parte, para o atual impasse das negociações. Por outro lado, depois de
um período em que teve uma postura mais crítica nas negociações da OMC, em aliança
com a Índia, a China e outros países, o Brasil passou a uma política de mais acordo com
as grandes potências. A classificação feita por João Pedro Stedile do governo Lula
como parte de um “grupo moderado”, nem de esquerda, nem aliado fiel dos EUA, isto
é, um grupo de países que “enfrenta[m] pontualmente a política [norte]-americana”,
parece apropriada. No entanto, não parece haver razões suficientes para afirmar que
estes países — e, em particular, o Brasil do governo Lula — estão “em transição do
neoliberalismo”.

        Com relação ao caráter mais democrático do governo Lula, não há dúvida de que
a não criminalização dos movimentos sociais é uma posição favorável à esquerda, sem
ser propriamente uma posição de esquerda. Entretanto, para fundamentar o juízo de que
o governo Lula realmente dialoga com os movimentos sociais seria preciso mostrar que,
a partir deste diálogo, ele foi sensível a pelo menos uma parte importante das suas
reivindicações. Em contrapartida, não há dificuldades em mostrar que o governo Lula
atendeu as reivindicações fundamentais do mercado financeiro e das classes
dominantes.

       De conjunto, para que se sustente a caracterização de “governo de esquerda”, as
razões apontadas para justificar a caracterização do governo Lula como “de esquerda”
(com suas limitações, e levando em conta as diferenças de interpretação possíveis sobre
como seus resultados foram conseguidos) devem ser confrontadas com o caráter
inegavelmente liberal das políticas macroeconômicas implementadas, de reformas como
a da Previdência Social, e do prosseguimento da liberalização na área financeira (ver,
adiante, item sobre o Sistema Financeiro).

5 – O resultado das eleições de 2006.
        No segundo turno, realizado em 29 de outubro de 2006, Lula foi reeleito com
58,3 milhões de votos (60,8% dos votos válidos), batendo seu oponente Geraldo
Alckmin, candidato pelo Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), o mesmo partido
de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Depois de uma campanha centrada na
ética e na denúncia da corrupção de elementos do governo e do Partido dos
Trabalhadores, tanto pela oposição à direita como à esquerda, onde não faltaram novos
fatos revelando inexplicáveis e patéticas tentativas de compra de informações sobre o
candidato do PSDB ao Estado de São Paulo (um dos mais importantes do país, tanto
economicamente como politicamente, com forte concentração da oposição), e uma ação
concertada da mídia pela eleição de Alckmin, como nunca antes se viu na história do
país, Lula foi reconduzido à presidência da república para governar mais quatro anos.




                                                                                    10
Em termos percentuais, Lula obteve um pouco menos votos do que no segundo
turno de 2002 (61,27%), quando foi eleito pela primeira vez. Mas dadas as condições
em que seu governo se desenvolveu, a todo tempo ameaçado por denúncias de
corrupção, a ponto de seus mais destacados quadros terem sido afastados de seus
cargos, tal resultado foi surpreendente. Em termos de distribuição dos votos, levando
em conta a localização geográfica dos Estados, a renda dos votantes e o tamanho dos
municípios, essa eleição revelou um país dividido, onde Lula ganhou em 20 Estados dos
27 existentes, sendo que desses, em todos da região Nordeste, a mais pobre do país;
perdeu em apenas um Estado da região Norte (a segunda mais pobre do país); e ganhou
em três Estados da região Sudeste e em dois da região Centro-Oeste, inclusive no
Distrito Federal, onde está localizada a capital do país. Enfim, perdeu em todos os
Estados da região Sul. Além disso, todas as pesquisas indicaram que quanto menor e
mais pobre o município, maior foi sua votação, o mesmo ocorrendo em relação à renda
dos votantes. A eleição ainda revelou um fato novo na realidade brasileira, a que os
segmentos mais pobres da população, pertencentes às classes C e D, não se
sensibilizaram com a posição dos chamados formadores de opinião, especialmente a
expressa pela imprensa escrita e televisiva.

        Entre os apoios que Lula recebeu no segundo turno, destaca-se o do MST (já
mencionado nesta introdução) e o da maior parte da esquerda brasileira, principalmente
dos intelectuais, que se engajou na campanha pela reeleição desde o primeiro turno.
Contudo, vale ressaltar que parte da esquerda brasileira não apoiou a candidatura de Lula à
reeleição nem no segundo turno. Esse foi o caso da “Frente de Esquerda” agrupada em torno
da candidatura da senadora Heloísa Helena à presidência12, onde participavam o Partido
Socialismo e Liberdade (criado a partir de dissidências do PT), o Partido Socialista dos
Trabalhadores Unificados (PSTU) e do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e do
Partido Democrático Trabalhista (PDT), considerado por alguns como de esquerda
moderada.

        Afora as razões apontadas por João Pedro Stedile e o jornal Brasil de Fato, quais
teriam sido os motivos que levaram o povo brasileiro a reeleger Lula apesar de sua
política econômica e das denúncias de corrupção?

        Para tentar responder a essa pergunta, e tomando como referência o perfil da
maioria de seus eleitores, é importante retomar que Lula aumentou o poder aquisitivo
do salário mínimo em 40% durante seu governo; enfatizar que transferiu renda para
11,1 milhões de famílias através do Programa Bolsa Família, beneficiando mais de 47
milhões de pessoas (25% da população estimada) e aumentando em até 39,58% a renda
da família beneficiada; concedeu abundante crédito para a economia familiar; criou um
programa de concessão de bolsa para estudo universitário junto a faculdades privadas,
beneficiando mais de 200 mil universitários; reduziu os impostos para os produtos de
primeira necessidade e para a construção popular; entre outras medidas. Além disso, em
setembro, um mês antes da realização dos dois turnos da eleição, o desemprego, embora
ainda alto, estava quase dois pontos percentuais abaixo do de setembro de 2002, quando
o presidente era Fernando Henrique Cardoso.

       Assim, não há dúvida que, para a imensa maioria do povo que votou em Lula, o
determinante foi o fato de sua situação estar melhor do que no passado recente, sem
12
  Essa candidatura recebeu 6,8% dos votos nacionais no primeiro turno. O PSOL, principal agrupamento
da Frente, conseguiu eleger apenas três deputados federais, diminuindo, portanto, sua representação em
relação ao momento anterior, quando sua bancada era formada de deputados oriundos do PT.


                                                                                                   11
considerações sobre se as medidas que conduziram a essa situação são duradouras ou
não. Para ela, a perspectiva de Lula promover em seu segundo mandato as reformas
trabalhista e sindical (abordadas mais adiante) e de realizar mais uma reforma no
sistema de aposentadoria, não faz parte de sua preocupação. Em parte isso se deve ao
fato de a maioria dos sindicatos estarem a favor dessas reformas, bem como
praticamente toda a mídia do país.

        Dessa forma, no campo sindical, para o próximo ano espera-se a apreciação do
projeto de emenda constitucional encaminhado pelo governo (PEC 369/05) onde, entre
outros dispositivos, são previstas a intervenção do Estado e a obrigatoriedade da filiação
a uma central sindical. No campo das relações de trabalho, o projeto ainda não
encaminhado prevê: 1) a eliminação dos dispositivos existentes na legislação atual que
estabelecem a prevalência da lei em relação ao que for negociado, sempre que ela for
mais favorável ao trabalhador; 2) a negociação e fechamento de acordo por entidades de
grau superior sem consulta às assembléias de base, os quais não poderão ser
modificados pelo sindicato de base, mesmo se os trabalhadores forem contra as
condições constantes do mesmo; 3) a autorização para que o empregador contrate
substitutos para os grevistas, caso o sindicato não concorde em designar, ele mesmo, os
trabalhadores que continuariam exercendo suas funções durante a greve.

       Na esfera do sistema de aposentadoria, espera-se que introduza dispositivos
ainda mais restritivos para o acesso à pensão; reduza o leque entre o menor e o maior
valor a ser recebido; e desvincule o piso da pensão do salário mínimo. Já em relação à
proteção social em geral, discute-se a eliminação dos dispositivos que não permitem o
uso de suas receitas para outros fins e/ou o aumento do percentual de sua arrecadação
disponível para o Tesouro Nacional (atualmente de 20%, a partir de medida introduzida
por Fernando Henrique Cardoso, em 1994).

       Em relação à política econômica, embora nos últimos meses o Banco Central
tenha continuado a redução da taxa de juros básica (estava em 13,25% em novembro de
2006), não há nenhum sinal de que venha a ser mudada. As prioridades continuarão a
ser honrar os compromissos com o capital financeiro e o desenvolvimento do
agronegócio.




                                                                                       12
Segunda Parte — Matriz Analítica

I - Política Monetária e Fiscal

a) Situação anterior ao governo Lula

        O segundo mandato de F. H. Cardoso (1999-2002) realizou algumas alterações
na orientação geral da política macroeconômica. Adotou um regime cambial de taxas
flutuantes; adotou o regime monetário de metas de inflação; e iniciou um processo de
elevação do superávit fiscal primário, com o objetivo de conter o crescimento da dívida
líquida do setor público como proporção do PIB.

       Foram mudanças bastante significativas no desenho da política
macroeconômica. No primeiro mandato de F. H. Cardoso (1995-1998) havia sido
adotado um regime cambial de “banda deslizante” (inviabilizado a partir da crise de
1988-1999); e a dívida líquida do setor público como proporção do PIB havia
aumentado de 30,4% do PIB em dezembro de 1994 para 41,7% do PIB em dezembro de
1998 (todos os dados sobre a dívida líquida do setor público foram tomados do Boletim
do Banco Central do Brasil, Seção Finanças Públicas, atualizado em 27/09/ 2006).

       Temia-se que o abandono do regime de “banda cambial deslizante” levasse ao
descontrole da inflação. De fato, isto não aconteceu: a inflação anual (medida pelo
IPCA do IBGE) de fato elevou-se em 1999 (foi de 8,94%, enquanto em 1998 havia sido
de 1,66%), mas em 2000 reduziu-se para 5,97%. No ano de 2001, em que houve uma
crise energética, a variação do IPCA foi de 7,67% (os números da variação anual do
IPCA foram retirados do IBGE/SNIPC).

       Por outro lado, o esforço para reduzir a dívida líquida do setor público como
proporção do PIB teve maus resultados: em dezembro de 1999 atingiu 49, % do PIB,
em dezembro de 2000 manteve o percentual de 49,4%, e em dezembro de 2001 atingiu
52,6% do PIB.

        Já no ano de 2002 a situação mudou para pior — em grande parte pela
especulação contra o real, provocada, entre outras razões, pelas preocupações que então
eram disseminadas nos mercados financeiros com relação à eleição de Lula. O governo
brasileiro foi levado a assinar um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional.
Houve uma inovação na condução deste acordo: os candidatos a presidente dos maiores
partidos — entre eles Lula — foram convidados a aprovar a sua assinatura, e o fizeram.

       Com a desvalorização do real (a taxa de câmbio — dólar comercial — passou de
R$ 2,32 por dólar dos EUA, em dezembro de 2001, para R$ 3,53 por dólar dos EUA em
dezembro de 2002, segundo dados do Boletim do Banco Central do Brasil, Seção
Balanço de Pagamentos, atualizado em outubro de 2006), houve crescimento da
inflação, que fechou o ano de 2002 em 12,53% (IPCA, IBGE/SNIPC). A dívida líquida
do setor público também teve crescimento significativo (55,5% do PIB, em dezembro
de 2002).

       A situação macroeconômica brasileira, portanto, podia ser caracterizada como de
crise. O governo Lula se referiria a ela como parte da “herança maldita” que teria
recebido do governo F. H. Cardoso.



                                                                                    13
b) A política monetária e fiscal no governo Lula e iniciativas do governo

        No entanto, apesar das referências à “herança maldita” recebida do governo
anterior, e apesar das referências, durante a campanha eleitoral, de que haveria uma
transição para um novo modelo econômico, o governo Lula, no fundamental, manteve a
política macroeconômica do segundo mandato de F. H. Cardoso. Ou melhor: esta
política foi aprofundada (o que fica claro, sobretudo, quando avaliamos o compromisso
com o superávit fiscal primário, como será analisado abaixo)..

       1) O regime de metas de inflação foi mantido.

        A taxa de juros básica (taxa SELIC, fixada pelo Comitê de Política Monetária do
Banco Central), que já havia sido elevada de 22% a.a. para 25% a.a. em dezembro (ou
seja, um nível extremamente elevado), subiu para 25,5% em janeiro e 26,5% em
fevereiro. A partir de junho, com a inflação já sob controle, começaria uma redução
gradual desta taxa (para 26% a.a. em junho, 24,5% em julho, 22 % em agosto, 20% em
setembro, 19% em outubro, 17,5% em novembro, 16,5% em dezembro, 16,25% em
março de 2004, 16% em abril, ficando neste nível, ainda muito elevado pelos padrões
internacionais, até setembro).

       A partir de setembro de 2004, um novo ciclo de elevações da taxa básica de
juros começaria: 16,25% a.a. neste mês, 16,75% em outubro, 17,25% em novembro,
17,75% em dezembro, 18,25% em janeiro de 2005, 18,75% em fevereiro, 19,25% em
março, 19,5% em abril, 19,75% em maio, ficando neste nível até setembro.

        Neste mês começaria um novo ciclo de reduções, ainda mais gradual do que o
anterior: 19,5% a.a. em setembro de 2005, 19% em outubro, 18,5% em novembro, 18%
em dezembro, 17,25% de janeiro de 2006, 16,5% em março, 15,75% em abril, 15,25%
em junho, 14,75% em julho, 14,25% em agosto e 13,75% em outubro.

       Ou seja: o regime de metas de inflação foi mantido, e a taxa de juros continuou a
ser elevada para controlar a demanda agregada, sempre que os diretores do Banco
Central vislumbravam qualquer tendência de elevação da inflação acima da meta fixada.

       Além disso, a fixação das metas de inflação continuou a ser bastante ambiciosa.
Em 2003, o Conselho Monetário Nacional reviu as metas fixadas para o próprio ano de
2003 e para o ano de 2004; fixou, além disso, a meta para o ano de 2005. Para 2003, a
meta foi fixada em 4 % (com intervalo de tolerância de 2,5%, para cima ou para baixo).
Não foi cumprida (uma vez que a inflação, medida pelo IPCA, ficou em 9,30% a.a.). A
meta de 2004 foi fixada em 5,5% (com intervalo de tolerância de 2,5%). A meta foi
cumprida (considerando o intervalo de tolerância para cima: a inflação anual, medida
pelo IPCA, ficou em 7,60%). A meta de 2005 foi de 4,5% (com intervalo de tolerância
de 2,5%, para cima ou para baixo); como a inflação (IPCA) ficou em 5,69%, a meta foi
cumprida.

       Já para o ano de 2006, a meta foi fixada (em Resolução do ano de 2004) em
4,5% (com intervalo de tolerância de 2%, para cima ou para baixo). As expectativas são
de que a inflação (medida pelo IPCA) ficará abaixo de 4%. Ou seja, desta vez, será
necessário usar o intervalo de tolerância para baixo.




                                                                                     14
As metas para 2007 e para 2008 já estão fixadas. Em ambos os casos, a meta é
de 4,5% (com intervalo de tolerância de 2%, para cima ou para baixo). A meta de 2007
foi fixada em Resolução de 2005 e a de 2008 foi fixada em Resolução de 2006.

       Em todos os anos do governo Lula, a taxa básica de juros esteve entre as mais
elevadas do mundo (em geral, foi uma das três taxas mais elevadas do mundo, e
diversas vezes a mais alta, em termos reais; hoje (outubro de 2006), por exemplo, está
em torno de 10% a.a.em termos reais).

        2) O esforço fiscal foi intensificado, com a elevação da meta de superávit
fiscal primário para 4,25% do PIB (no acordo com o FMI, ela tinha sido fixada em
3,75% do PIB, e no governo anterior, o superávit tinha girado em torno de 3,5% do
PIB).

       Além disso, em 2004 e 2005, embora a meta não tenha sido ampliada, o
superávit fiscal primário foi mais alto: cerca de 4,6% do PIB em 2004 e cerca de 4,8%
em 2005.

        Já no ano de 2006, o superávit primário não deverá ficar acima da meta de
4,25% do PIB. Além da mudança do Ministro da Fazenda (o atual ministro, Guido
Mantega, como se sabe, não tem o mesmo entusiasmo pela obtenção de superávits
primários elevados que tinha o ministro anterior, Antônio Palocci), pode ter contribuído
para isto o fato de 2006 ser um ano eleitoral.

        No entanto, apesar deste enorme esforço fiscal, a melhora na situação fiscal foi
modesta — e, em parte, deveu-se à revalorização do real desde 2003, e não ao esforço
fiscal propriamente dito. Ou seja: a dívida mobiliária federal (em títulos fora do Banco
Central), que era de R$ 623 bilhões em 2002, fechou o ano de 2003 em cerca de R$ 732
bilhões, o ano de 2004 em cerca de R$ 810 bilhões, e o ano de 2005 em cerca de R$ 980
bilhões. Já a dívida líquida do setor público, que era, como vimos, de 55,5 % do PIB em
dezembro de 2002, aumentou para 57,2% em dezembro de 2003, foi reduzida para
51,7% em dezembro de 2004, e para 51,5% em dezembro de 2005. Em agosto de 2006,
estava em 50,3% do PIB (Boletim do Banco Central do Brasil, Seção Finanças,
atualizado em 27/09/2006).

        Parte desta melhora deveu-se, como já foi dito, à revalorização do real desde
2003 (o que contribuiu para reduzir a dívida externa pública, além de ter reduzido
também a parcela da dívida interna corrigida pela variação cambial). Na verdade, a
melhora foi modesta porque o enorme esforço fiscal, numa ponta, foi em grande parte
anulado pela alta conta de juros, na outra ponta. Em 2002, o pagamento de juros
nominais pelo setor público havia ficado em 8,5% do PIB. Este nível extremamente
elevado foi basicamente mantido ao longo do governo Lula: cresceu para 9,3% do PIB
em 2003, ficou em 7,29% em 2004 e 8,12% em 2005. Não sendo o superávit primário
suficiente para pagar esta pesada conta, parte dos juros foi rolada. Ou seja, houve
déficit nominal do setor público: 5,1% do PIB em 2003, 2,68% em 2004, 3,32% em
2005. Por isso a redução da dívida do setor público foi modesta, apesar do enorme
esforço fiscal.

       Ou seja: a rigidez da política monetária — com seu uso amplo de taxas de juros
elevadas — tem imposto limites para a eficácia da política fiscal. Além de contribuir
para limitar o crescimento econômico e para o crescimento da renda da parcela mais


                                                                                     15
rica da população (os detentores de riqueza financeira, que ganham com a manutenção
de taxas de juros elevadas).

       3) Finalmente, foi mantido o regime de câmbio flutuante.

c) Resultados e projeções

        A política seguida permitiu a superação da crise de 2002. Este foi, aliás, um dos
seus principais objetivos.

       Por outro lado, a política macroeconômica continuou, como vimos, sustentada
no tripé formado pelo regime de metas de inflação (com o uso da taxa de juros para
controlar a demanda agregada e, portanto, os preços), pela busca de um elevado
superávit primário e pela política de câmbio livre. Estes foram, como foi observado
acima, os eixos da política macroeconômica do segundo mandato de F. H. Cardoso. A
“lúcida e criteriosa transição” anunciada na Carta ao Povo Brasileiro, até agora, não
parece ter começado — pelo menos se nos baseamos na macroeconomia.

       Os membros do governo, naturalmente, têm dificuldade para aceitar esta
conclusão. É interessante considerar, então, como argumentam a respeito.

       Em abril de 2003, um documento do Ministério da Fazenda, Política Econômica
e Reformas Estruturais, apresentou como maior vantagem do novo governo no plano
macroeconômico o fato de que o ajuste fiscal perseguido a partir do novo governo teria
melhor qualidade. O documento citava como prova disto a idéia de que, no lugar de
elevar a arrecadação (a carga tributária), o gasto seria mais controlado e teria melhor
qualidade. Fosse isto verdade, não poderia ser considerado, de qualquer maneira, como
mudança de orientação (ou como início de uma transição para outro modelo
econômico). Seria apenas uma melhor implementação da mesma orientação
macroeconômica.

        No entanto, não foi o que se viu, depois. A carga tributária total, como
porcentagem do PIB, que atingira 35,5% em 2002, passou a 34,9% em 2003, a 35,9%
em 2004, e a 37,3% em 2005. Este nível deverá ser mantido em 2006. Assim, houve
crescimento da carga tributária. Embora este crescimento tenha sido relativamente
pequeno, não deixa de ser significativo, quando levamos em conta que o nível da carga
tributária no Brasil é bastante alto, quando comparado com outros países de nível de
desenvolvimento semelhante.

       Assim, o que se tem notado mais recentemente é que os representantes do
governo Lula não mais têm procurado argumentar que teria havido alguma mudança da
orientação da política macroeconômica. Procuram mostrar apenas que ela teria sido
mais bem sucedida do que a do governo de F. H. Cardoso. O economista Aloízio
Mercadante, líder do governo no Senado e em geral considerado um dos porta-vozes do
governo em matéria econômica, procura mostrar que, nas questões de que nos
ocupamos aqui, política monetária e fiscal, teria havido “redução da fragilidade fiscal” e
“redução e controle da inflação”. Estes são títulos de dois dos capítulos do livro Brasil:
Primeiro Tempo (São Paulo, Editora Planeta do Brasil, 2006), que tem prefácio do
próprio presidente da República.




                                                                                       16
A “redução da fragilidade fiscal” teria ocorrido porque houve “contenção do
crescimento e estabilização da dívida pública”, “diminuição do déficit público” e
“desaceleração do crescimento da carga tributária”. Já para mostrar a existência de
“redução e controle da inflação”, o livro aponta que as metas de inflação têm sido
cumpridas.

         Quatro observações se impõem. A primeira, de que tudo isto é verdade. A
segunda, a de que é claro que não configura nenhuma mudança de orientação da política
macroeconômica; pelo contrário, é evidente que estas conquistas correspondem bem a
objetivos e instrumentos (como o regime de metas de inflação e a elevação do superávit
fiscal) já delineados no governo anterior (no segundo mandato de F. H. Cardoso).

        A terceira observação já foi mencionada na Introdução deste relatório, quando
procuramos avaliar os resultados gerais da política econômica do governo Lula. É a
seguinte: numa medida fundamental, estes avanços não dependeram de méritos da
política econômica do governo Lula. Em parte, retomaram uma tendência que vinha do
governo anterior; representaram a superação da crise de 2002 - resultado, em grande
medida, da especulação contra o real, a partir do medo que os mercados tinham da
eleição do então candidato de oposição à presidência. E, em parte, explicam-se por uma
conjuntura internacional extremamente favorável.

        A quarta observação talvez seja a mais importante: estes resultados têm de ser
confrontados com as conseqüências negativas da política monetária e fiscal em outras
áreas, que constituem (ou deveriam constituir) objetivos centrais de qualquer governo
— como nas questões do crescimento econômico e da distribuição da renda. Ora, as
conseqüências negativas para o crescimento econômico, para o volume do emprego e
para a distribuição de renda já foram mencionadas na Introdução deste relatório, e são
demonstradas também no item sobre a Relação Capital-Trabalho.

d) Apoios e alianças

       Com tudo o que já foi dito, não causa surpresa o fato de ter havido um apoio
bastante grande às políticas monetária e fiscal por parte dos representantes políticos do
antigo governo, bem como dos representantes do setor financeiro, além dos
representantes das organizações multilaterais (FMI e Banco Mundial) e de governos dos
principais países (entre eles, o governo dos EUA). De fato, até ser obrigado a deixar o
cargo por razões que nada tinham que ver com sua gestão à frente do Ministério da
Fazenda, Antônio Palocci foi um ministro sempre elogiado por todos estes setores.

        Já os dirigentes dos setores produtivos — isto é, os capitalistas do setor
industrial e do setor agrícola — alternaram elogios à seriedade geral da política
econômica com críticas ao seu conservadorismo (especialmente ao conservadorismo da
política monetária). Por diversas vezes, pediram reduções mais rápidas das taxas de
juros.

       Por outro lado, os representantes dos movimentos sociais — a base tradicional
do presidente da República e do seu partido, o PT — foram, em geral, críticos às
orientações da política macroeconômica. Por diversas vezes pediram mudanças. Na sua
maioria, apoiaram a campanha do presidente Lula à reeleição; mas pedem mudanças no
segundo mandato.



                                                                                      17
Vale destacar que um dos principais movimentos do país — o MST — não
       apoiou a candidatura à reeleição no primeiro turno; entre os argumentos que apresentou
       para isto, esteve, com destaque, o conservadorismo da política monetária e fiscal. Para o
       segundo turno, o MST está fazendo campanha por Lula, mas insistindo numa disputa,
       num segundo mandato, pela mudança destas políticas.


       II – Relação Capital - Trabalho

       a) Situação anterior ao governo Lula

              Em dezembro de 2002, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
       calculava que a taxa de desemprego (com referência a 30 dias) para as cinco principais
       regiões metropolitanas do país estava em 10,5%. Na média de 2002, essa taxa foi de
       11,7%, a mesma registrada pela região metropolitana de São Paulo, principal centro
       econômico do país, em dezembro. Nesse mesmo ano, a participação dos ocupados, com
       10 anos ou mais, sem nenhum vínculo previdenciário, aí compreendida a previdência
       pública ou privada, era de 55,02%, o que reflete o tamanho da informalidade na ocasião.
       Em dezembro de 2002 o rendimento médio dos ocupados estava 30 abaixo da média de
       1997. Já o salário mínimo real era 2,1% inferior ao de dezembro de 1986.
              Já a legislação trabalhista - regida pelas 922 leis que integram a Consolidação
       das Leis Trabalhistas (CLT) -, impulsionada fundamentalmente por Getúlio Vargas em
       seus dois governos, desde os anos 90 vem sendo flexibilizada, quando as políticas
       neoliberais ganharam força no país (Tabela 1).

       Tabela 1 - Principais mudanças na legislação trabalhista
Área                 Medida                                        Objetivos




                                                                                             18
1. Cooperativa profissional ou       1. Cria cooperativas de prestação de serviço, sem caracterização de vínculo
              de prestação de serviços. (Lei       empregatício (sem os direitos trabalhistas da CLT).
              8949/94);
              2. Contrato por tempo                2. Reduz critérios de rescisão contratual e as contribuições sociais;
              determinado. (lei 9601/98);
              3. Contrato por jornada parcial.     3. Estabelece jornada de até 25 horas semanais, com salário e os demais
              (MP 1709/98);                        direitos proporcionais e sem participação do sindicato na negociação.

                                                   4. Suspende o contrato de trabalho, por prazo de 2 a 5 meses, associado à
                                                   qualificação profissional, por meio de negociação entre as partes;
              4. Suspensão do Contrato de          5. Elimina mecanismos de inibição da demissão imotivada e reafirma a
              Trabalho. (MP 1726/98);              possibilidade de demissão sem justa causa;
                                                   6. Define limites de despesas com pessoal, regulamenta e estabelece o prazo
                                                   de 2 anos para as demissões por excesso de pessoal, regulamentando a
                                                   demissão de servidores públicos estáveis por excesso de pessoal;

Contratual    5. Denúncia da Convenção 158         7. Redefine a lei 6.019/74 de contrato temporário, estimulando o contrato de
              da OIT. (decreto 2100/96);           trabalho precário;

              6. Setor público: demissão (lei      8. Estabelece a unificação de impostos e contribuições e a redução de parte
              9801/99 e lei complementar           do custo de contratação do trabalho;
              96/99);
                                                   9. Favorece a terceirização do emprego e das cooperativas de trabalho.

              7. Trabalho temporário (Portaria
              2, 29/06/96);
              8. Contrato para micro e
              pequenas empresas (Lei do
              Simples 9517/96);

              9. Terceirização (Portaria TEM
              de 1995 e Enunciado 331 do
              TST)

              1. Banco de Horas (Lei               1. Define jornada organizada no ano para atender flutuações dos negócios e
              9061/1998 e MP 1709/98);             prazo de até 1 ano para sua compensação, através de acordo ou convenção
 Tempo de                                          coletiva;
 Trabalho     2. Liberação do Trabalho aos         2. Define o trabalho aos domingos no comércio varejista em geral, sem
              domingos (MP 1878-64/99)             necessidade de negociação coletiva.
              1. Participação nos lucros e         1. Define a participação nos lucros e resultados (PLR) da empresa através
              Resultados (MP 1029/94 e Lei         da negociação coletiva de trabalho;
              10.10/2000);
  Salarial    2. Política Salarial (Plano Real –   2. Induz a “livre negociação”, através da eliminação da política de reajuste
              MP 1053/94);                         salarial do Estado e proíbe as cláusulas de reajuste automático de salários;
              3. Salário Mínimo (MP                3. Fim da correção do salário mínimo, sendo seu valor definido pelo Poder
              1906/97).                            Executivo e introduz o piso salarial regional.
            1. Fim do Juiz classista (PEC          1. Acaba com o juiz classista na Justiça do Trabalho;
            33-A/99);
            2. Limitação da ação sindical no       2. Estabelece punição para servidores grevistas e limita o número de
            setor público (Decreto 2066/96);       dirigentes sindicais;
Organização
            3. Ultratividade                       3. Inibe a validade de acordos e convenções até que novos sejam
do Trabalho
            acordo/convenção (MP                   renegociados entre as partes;
            1620/98);
            4. Substituição de grevistas no        4. Define a contratação temporária de até 3 meses, renováveis, em caso de
            setor público (MP 10/2001).            greve de funcionários públicos por mais de 10 dias.




                                                                                                                     19
1. Comissão de conciliação      1. Estabelece condições de julgamento em primeira instância dos dissídios
             prévia – CCP (Lei 8959/2000)    individuais, funcionando de forma paritária, mas sem estabilidade para seus
                                             membros;
                                             2. Define procedimento sumaríssimo para dissídio individual com valor
                                             abaixo de 40 vezes o valor do s.m.;
Demissão
             2. Rito Sumaríssimo (Lei        3. Restringe a autuação no caso de conflito da legislação com
             9957/2000);                     acordo/convenção e desincentiva a aplicação de multa trabalhista em caso
                                             de ilegalidade trabalhista.
           3. Fiscalização do TEM
           (Portaria 865/95).
       Fonte: Pochmann, 2003.

           b) A situação do mercado de trabalho no governo Lula e suas iniciativas

               Mercado do Trabalho13
               O mau desempenho econômico registrado no primeiro ano do governo Lula
       provocou redução de 12,6% do rendimento médio habitual14 real do trabalhador
       brasileiro em relação a 2002. Essa redução foi observada em todas as categorias de
       ocupação, apesar daquelas mais organizadas terem firmado acordos de reajuste salarial
       favoráveis no segundo semestre, quando o nível de atividade se recuperou um pouco.
       Nesse primeiro ano, ainda, a taxa média de desemprego aberto das cinco regiões
       metropolitanas calculada para pelo IBGE registrou aumento (12,3%; quando era 11,7%
       em 2002).

               Em 2004, muito embora a economia tenha crescido 4,9%, o rendimento médio
       real dos ocupados recuou mais 0,7%, mas a taxa média de desemprego no ano caiu para
       11,5%. Em 2005, o rendimento médio habitual real apresentou uma pequena
       recuperação, crescendo 2% em relação ao ano anterior. Esse desempenho, contudo, não
       atingiu os trabalhadores com carteira assinada, os quais sofreram redução de 0,8% em
       seu rendimento médio habitual real (em 2004 ele havia aumentado 0,3% e, em 2003,
       havia se reduzido em 4,9%). Nesse ano, a taxa média de desemprego continuou a cair,
       registrando 9,8%.

              Em relação ao rendimento, vale salientar ainda que, além do rendimento médio
       real habitual dos ocupados ter registrado redução durante o governo Lula, aprofundou-
       se o processo de concentração dos ocupados nas faixas de renda mais baixas. Se
       considerarmos o rendimento principal dos ocupados com 10 anos ou mais, 89,9%
       recebiam até 5 salários mínimos em 2004. Em 2002, esse percentual era de 87,6%
       (IBGE – Banco de dados - Sidra).

               De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do
       Ministério do Trabalho e do Emprego, nos três primeiros anos do governo Lula, foram
       criados 3.422.700 de empregos formais (admissões líquidas = contratação –
       desligamento), isto é, com carteira assinada, significando que os trabalhadores estão
       amparados pelas leis trabalhistas e previdenciárias vigentes.         A indústria de
       transformação contribui com 23,7% dessa expansão, o comércio 29,8% e os serviços
       com 38%. Somente nos dois últimos anos, foram criados 2.777.000 novos empregos
       formais, superior aos 2.634.000 criados entre janeiro de 1985 e dezembro de 2003.

       13
          Essa parte se beneficiou de Marques e Nakatani, artigo a ser publicado no número 189, previsto para
       março de 2007, da revista Tiers Monde.
       14
          No cálculo do rendimento habitual não são consideradas as horas extras, os atrasados, as férias, etc.


                                                                                                            20
Ao lado do crescimento do emprego formal, continuou a se expandir a ocupação
informal, sem cobertura legal de nenhuma ordem. Para se ter idéia da importância do
mercado informal no total dos ocupados, em 2004, segundo a Pesquisa Nacional de
Amostra por Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE, 53,45% dos ocupados com 10
anos ou mais não contribuía para nenhum instituto de previdência. Se mantida essa
proporção com relação ao crescimento da ocupação, durante o governo Lula teriam sido
criadas 7.344.849 novas ocupações. Esse resultado, além de estar longe do prometido
durante a campanha eleitoral por Lula - defendia a necessidade da criação de 10 milhões
de empregos – estaria fundado na permanência do domínio do trabalho informal no
mercado de trabalho.

        Iniciativas do governo Lula
        Três são os campos em que se localizam as iniciativas do governo Lula. A
primeira delas diz respeito a seu tratamento com relação ao salário mínimo; a segunda
foi a iniciativa de constituição do Fórum Nacional do Trabalho (FNT) e a terceira com
relação à legislação trabalhista, desdobramento do FST.



A recuperação do salário mínimo começou desde o governo de F. H. Cardoso. Desde 1995, ele teve um
aumento de 97% em termos reais. No governo Lula, depois de uma desaceleração deste processo de
recuperação em 2003 e 2004, ele foi acelerado em 2005 e 2006. Entre dezembro de 2002 e setembro de
2006, o salário mínimo cresceu 40% em termos reais — um aumento sem dúvida significativo, o mais
expressivo dos últimos tempos, mas ainda distante do compromisso de campanha de Lula, que era de
dobrar o valor do SM. A este respeito, ver o Item “Relação Capital-Trabalho”, adiante.

        Quanto ao salário mínimo, embora o governo não tenha cumprido sua promessa
de campanha de dobrar seu valor real, promoveu um aumento de 40% em seu poder
aquisitivo, quando se compara a situação de dezembro de 2002 com a de setembro de
2006. Contudo, vale mencionar que a recuperação de seu valor teve início durante o
governo F. H. Cardoso. Dessa forma, se compararmos seu valor ao de 1995, ele teve um
aumento de 97% em termos reais. Nos primeiros dois anos do governo Lula, e processo
de recuperação foi desacelerado, retomando fôlego em 2005 e 2006.

        Já no documento que apresentava as linhas mestras do que seria seu programa de
governo, Lula havia se comprometido a promover um Fórum Nacional do Trabalho
(FNT), organizado de forma tripartite (governo, empregadores e trabalhadores) para
discutir e encaminhar a reforma da estrutura sindical brasileira e da legislação
trabalhista. E assim, em agosto de 2003 tiveram início os trabalhos do FNT. Contudo,
embora seus objetivos explícitos fossem “promover a democratização das relações de
trabalho por meio da adoção de um modelo de organização sindical baseado em
liberdade e autonomia e atualizar a legislação do trabalho, tornando-a mais compatível
com as novas exigências do desenvolvimento nacional, de maneira a criar um ambiente
propício à geração de emprego e renda” (FNT). São objetivos também do FNT: a
modernização das instituições de regulação do trabalho, especialmente da Justiça do
Trabalho e do Ministério do Trabalho e Emprego; o estímulo ao diálogo e ao tripartismo
e garantia da justiça social no âmbito das leis trabalhistas, da solução de conflitos e das
garantias sindicais.

        Apesar desses objetivos, os resultados ficaram praticamente restritos à discussão
e a elaboração de proposta de reforma no campo sindical. Em fevereiro de 2005, o então


                                                                                               21
Ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, afastado da direção do Partido dos
Trabalhadores em outubro de 2006 devido a mais um escândalo em que o governo Lula
se viu envolvido, enfatizando que estava respeitando os acordos construídos no FNT
sobre o tema, encaminhou o projeto de emenda constitucional (PEC) 369/05 para ser
apreciado pelo Congresso Nacional. A PEC 369/05 dá nova redação aos artigos 8, 37 e
114 da Constituição Brasileira. Abaixo são destacados os principais pontos decorrentes
da aplicação dos dispositivos da PEC, na compreensão do Ministério do Trabalho e do
Emprego.

                         Os principais pontos previstos pela PEC
1. Quanto à organização sindical
• Entidades sindicais (sindicatos, federações, confederações, centrais) em todos os níveis e
âmbitos de representação, tendo o município como base territorial mínima.
• Organização sindical por setor econômico ou ramo de atividade preponderante da empresa;
• Constituição de entidades sindicais com base em critérios de representatividade comprovada
ou derivada;
• Exclusividade de representação apenas para os sindicatos que já possuem registro no MTE e
que cumpram os novos critérios de representatividade comprovada;
• Extinção gradual do Imposto Sindical e extinção imediata da Contribuição Confederativa e
da Contribuição Assistencial;
• Contribuição de Negociação Coletiva, extensiva a todos os abrangidos por negociação
coletiva, para custeio de entidades sindicais de trabalhadores e empregadores.
• Caracterização dos atos ou condutas anti-sindicais, com base nos princípios inscritos na
Convenção 135 da OIT.
• Regulamentação da representação dos trabalhadores nos locais de trabalho, para a solução
de conflitos na empresa.
2. Negociação Coletiva
• Valorização da negociação coletiva em todos os níveis e âmbitos de representação,
preservados os direitos definidos em lei como inegociáveis;
• Contratos de nível superior devem indicar as cláusulas que não poderão ser alteradas pelos
contratos de nível inferior;
• Prazo de vigência do contrato coletivo de até três anos, salvo acordo entre as partes em
sentido contrário;
• Período de validade definida no contrato coletivo, podendo existir diferentes períodos de
negociação para diferentes cláusulas de um mesmo contrato coletivo;
• Constituição de mesa única de negociação no caso de existir mais de uma entidade sindical
reconhecida;
• Amplo processo de consulta aos representados, por meio de assembléia geral, para
assinatura de contrato coletivo em qualquer nível ou âmbito de representação;
• Centrais Sindicais não poderão negociar diretamente, devendo apenas articular a
representação do conjunto dos trabalhadores e atuar no âmbito político-institucional;
• Em caso de vencimento de contrato coletivo sem renovação, haverá prorrogação por pelo
menos 90 dias e as partes poderão, de comum acordo, nomear árbitro;
3. Solução de Conflitos
• Valorização da composição voluntária de conflitos do trabalho, por meio de conciliação,
mediação e arbitragem, sem prejuízo do acesso ao Poder Judiciário;
• Possibilidade de recurso à arbitragem privada ou a arbitragem pública para a solução de
conflitos coletivos de interesses;
• Arbitragem pública será prerrogativa exclusiva da Justiça do Trabalho, sob a forma de
solução jurisdicional voluntária;
• Arbitragem privada será disciplina pela Lei Geral de Arbitragem, devendo o MTE constituir
um cadastro de árbitros e instituições de arbitragem;



                                                                                          22
• Conflitos de natureza jurídica, individuais ou coletivos, continuarão a serem julgados pela
Justiça do Trabalho;
• A conciliação de conflitos individuais de interesses será exercida pela representação dos
trabalhadores no local de trabalho, extinguindo-se a CCP.
• Regulamentação da substituição processual para a defesa coletiva dos direitos decorrentes
das relações de trabalho;
• Direito de greve com pré-aviso de 72 horas, comunicado à população em 48 horas nos
serviços essenciais, garantia de serviços mínimos e recurso à arbitragem.
4. Diálogo Social e Tripartismo
• Criação do Conselho Nacional de Relações do Trabalho (CNRT), com participação tripartite
e paritária de representantes de governo, trabalhadores e empregadores;
• CNRT deverá priorizar a implementação da reforma sindical, com a proposição de critério
de organização por setor econômico e ramo de atividade;
• CNRT terá competência para propor diretrizes de políticas públicas na área de relações de
trabalho;
• Câmaras Bipartites do CNRT tratarão, em separado, dos interesses específicos das
representações de trabalhadores e de empregadores.


        Apesar da afirmação do então Ministro Berzoini, a PEC 369 recebeu críticas de
vários segmentos da sociedade brasileira, especialmente do movimento sindical. Em
abril de 2005, 120 entidades, entre elas associações, sindicatos e federações, assinaram
um manifesto contrário aos seus dispositivos, iniciando mobilização contrária a sua
aprovação. Duas são as suas principais críticas: a compreensão que o inciso II do artigo
art.1º estabelece a volta do poder intervencionista do Estado nos sindicatos dos
trabalhadores e que a exigência do sindicato atender o critério de “...agregação que
assegurem a compatibilidade de representação em todos os níveis e âmbitos da
negociação coletiva” significa, na prática, obrigá-lo a se filiar a uma Central Sindical e
suas Confederações/Federações para que obtenha a representação sindical.

        Além da PEC 369/05, o Ministério do Trabalho e do Emprego também elaborou
um projeto de lei que versa sobre as relações sindicais, mas este ainda não foi
encaminhado para o Congresso Nacional. Segundo essas mesmas entidades, esse
projeto:
        a) “....elimina os dispositivos existentes na legislação atual que estabelecem a
prevalência da lei em relação ao que for negociado, sempre que ela for mais favorável
ao trabalhador. Assim a reforma já abre caminho para a concretização de reivindicação
histórica do empresariado: acabar com direitos trabalhistas (férias, 13o, FGTS, licença
maternidade, etc) através da negociação coletiva”;
        b) “... as entidades de grau superior poderão negociar, e assinar um acordo, em
nome dos trabalhadores sem consultar as assembléias de base, o qual não poderá ser
modificado pelo sindicato de base, mesmo se os trabalhadores forem contra as
condições constantes do mesmo”;
        c) “... o Ministério do Trabalho ganha poderes para outorgar ou não a
representação sindical a uma entidade construída pelos trabalhadores, para definir como
deve ser os seus estatutos, podendo ainda cassar a representação do sindicato que não
obedecer a suas diretrizes”;
        d) institui o ..... “ a figura do sindicato biônico”, pois “entidades de grau
superior ganham poder de constituir sindicato (mesmo sem nenhuma representatividade
entre os trabalhadores) na base de outra entidade já existente, substituindo-a, utilizando-
se da chamada representação “derivada””;



                                                                                           23
e) “A Contribuição Negocial, instituída no lugar do imposto sindical (única
contribuição obrigatória existente hoje, que desconta 3,3% de um salário mensal do
trabalhador), poderá variar de 0 a 13% do salário anual e em conseqüência poderá
aumentar o volume de recursos retirados dos trabalhadores para financiar a estrutura
sindical”;
        f) “O direito de greve torna-se letra morta, na medida em que o projeto chega ao
ponto de autorizar o empregador a contratar substitutos para os grevistas, caso o
sindicato não concorde em designar, ele mesmo, os trabalhadores que continuariam
exercendo suas funções durante a greve. Além disso, criminaliza as ações que os
grevistas normalmente fazem para fortalecer seu movimento (as enquadra para punição,
no código penal, civil e na legislação trabalhista)”;
        g) “.... mantém a discriminação contra os servidores públicos” pois “os
servidores” continuarão” a não poder exercer o direito de negociação e contratação
coletiva, por falta de regulamentação legal”.


III – Intervenção do Estado na Economia

1- Empresas e Serviços Públicos

a) Situação anterior ao Governo Lula

        Ao longo da década de 1990, o Brasil passou por um suntuoso processo de
privatização de parte significativa de seu parque produtivo, antes controlado por
empresas estatais. Dentro da lógica de redução da intervenção do Estado na economia e
de elevação da eficiência de tais companhias, privatizações foram realizadas
especialmente nos setores de infra-estrutura e serviço, principalmente telecomunicações
e energia elétrica, além da privatização de parte significativa do sistema financeiro,
especialmente de bancos estaduais. Tal programa de privatizações resultou em uma
transferência de aproximadamente US$100 bilhões, em ativos produtivos, para o setor
privado.

        Simultaneamente, conformou-se, ao longo da década de 1990, a adoção de
distintos marcos regulatórios, com a criação de agências de regulação (de energia,
telecomunicações etc.), que instituíram princípios privados dentro dessa órbita estatal,
com intuito de preservar concepções de eficiência etc.

b) Iniciativas do Governo Lula

        O governo Lula não fez nenhuma alteração com relação às empresas
previamente privatizadas. Apesar dos questionamentos anteriores, por parte de seu
partido (PT), a respeito da realização de tais privatizações, e da idéia levantada de rever
tais processos, tal não foi prosseguida, ou seja, não houve uma análise aprofundada de
tal processo, muito menos uma reversão das privatizações realizadas.

      Apesar das privatizações realizadas anteriormente terem sido preservadas, não
houve a realização de novos programas de privatização. As grandes empresas que
permanecem dentro do aparato estatal (tal como a Petrobrás) permanecem como parte
do mesmo, não havendo, segundo o governo, intenção de privatizar essas também.



                                                                                        24
c) Resultados e projeções

        O resultado desse período foi a manutenção da mesma lógica focada na
eficiência de eficiência e serviços públicos, com a tendência de preservação da
empresas que não foram privatizadas e que são consideradas como essenciais para o
país.
        Com relação às agências reguladoras de tais empresas privatizadas, o governo
Lula manteve concepção semelhante a anteriormente existente com relação as mesmas,
embora tenham se verificado alterações, se não em seu formato, na utilização das
mesmas.

2- Políticas públicas setoriais

a) Situação anterior ao Governo Lula

      As políticas públicas setoriais tiveram baixo desenvolvimento ao longo do
governo FHC, tendo-se focado nas mesmas apenas como resultado das políticas
macroeconômicas.

b) Iniciativas do governo Lula

        Com relação às políticas setoriais do governo, uma crítica comum foi o fato de
que parte significativa das agências reguladoras criadas (como a Anatel, para
telecomunicações, ou Aneel, para energia elétrica) acabaram conformando elas mesmas
políticas setoriais. Trata-se de uma distorção do papel das agências, sendo que as
mesmas acabaram absorvendo atividades de formulação de políticas públicas e o poder
de outorgar e conceder serviços públicos.
       Isso se deu, segundo o próprio governo, por existir uma falta de estrutura dos
ministérios setoriais responsáveis pela formulação das políticas, no exercício de suas
competências legais. Isso permitiu, em alguns casos, que as agências não só regulassem
e fiscalizassem o setor, como também acabassem por atuar de forma ampla na
formulação de políticas setoriais.

       O governo Lula teve, no entanto, alguns avanços em termos de políticas setoriais
específicas. Com relação aos investimentos em habitação, os mesmos não só cresceram,
mas a prioridade que tal passou a ter no governo aumentou.

       Uma inovação importante foi a criação do Ministério das Cidades; a partir desse
novo órgão, o Governo Federal passou a tratar de forma diferenciada a implementação
da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e das políticas setoriais de habitação,
planejamento urbano, saneamento ambiental e de transporte e mobilidade urbana.

       Com relação aos recursos, o montante dos investimentos em habitação feitos
pelo Governo Lula elevaram-se de forma significativa. Em 2005, totalizando-se os
recursos oriundos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, do Fundo de
Arrendamento Residencial – FAR, do Fundo de Desenvolvimento Social – FDS, do
Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, do Orçamento Geral da União – OGU, da
CAIXA e ainda os que são captados pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo
– SBPE, estão previstos nada menos que R$ 14,6 bilhões. Esse montante representa


                                                                                    25
uma evolução de mais de 100% em relação ao que foi aplicado no último ano do
  governo anterior.

       Evolução da Aplicação de Recursos no Setor Habitacional (em R$ bilhões)
     Ano              2001               2002              2003           2004      2005
Valor Aplicado         6,1                6,5               8,4           10,5      14,6
  Fonte: Relatório 30 meses do Governo Lula (Infra-estrutura/Habitação)

          Outro fator importante a se destacar é em relação às prioridades de aplicação dos
  recursos. Buscou-se mirar o núcleo do déficit habitacional do país – que, segundo
  levantamento da Fundação João Pinheiro, está hoje próximo de 7 milhões de novas
  unidades habitacionais, com mais de 90% atingindo famílias com renda mensal abaixo
  de 5 salários mínimos. A partir de 2003 houve uma inflexão importante, tendo-se
  registrado uma redução percentual dos atendimentos habitacionais com recursos sob
  gestão federal (FGTS, FAR, FDS, OGU, FAT, CAIXA) nas faixas de renda acima de 5
  salários mínimos em favor das faixas de renda menores. Em 2004, a maioria dos
  atendimentos (quase 60%) contemplou famílias com rendimento até 3 salários mínimos.
  Esse mesmo percentual está previsto para 2005.

         Deve-se mencionar ainda a aprovação da Lei nº 11.124/05 – que institui o
  Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, cria o Fundo Nacional de Habitação
  de Interesse Social e seu respectivo Conselho Nacional – possibilita um
  aperfeiçoamento da política já em vigor, particularmente no que se refere ao subsídio
  habitacional para famílias de baixa renda.

          Em termos de política setorial, houve um significativo incentivo ao crescimento
  do agronegócio. Buscou-se investir na pesquisa agropecuária, que realizou o
  desenvolvimento de 529 novos cultivares, cada clima e solo nas principais regiões
  produtoras do país. Houve também avanço no emprego de técnicas mais avançadas,
  como o plantio direto na palha e o trabalho de correção de solos.
          O agronegócio é considerado responsável por 33% do PIB, 42% das exportações
  totais e 37% dos empregos no Brasil.
          O governo está destinando R$ 60 bilhões de crédito para a agricultura na safra
  2006/2007, um acréscimo de 12,5% sobre o valor programado para a safra precedente.
  Do total, R$ 50 bilhões são direcionados para a agricultura comercial, valor 13%
  superior ao destinado na safra anterior, e R$ 10 bilhões para a agricultura familiar.

         O volume de recursos para o crédito agrícola aumentou 90,26% no governo
  Lula, em relação ao último ano-safra planejado no governo anterior; no governo FHC,
  considerando os recursos totais, foram destinados R$ 113,41 bilhões. O governo Lula,
  entre 2002 e 2005, destinou R$ 131,8 bilhões.

         Além disso, aprovou-se, no governo Lula, a subvenção econômica ao prêmio do
  seguro rural, o que seria uma medida importante para garantir a estabilidade da renda do
  produtor rural. Com isso, o governo paga parte das despesas do produtor com o seguro
  agrícola. O governo pode subvencionar o mínimo de R$ 7 mil e o máximo de R$ 32 mil
  por produtor para as culturas de algodão, arroz irrigado, feijão, milho, soja, trigo, maçã
  e uva, entre outras. A subvenção econômica ao prêmio do seguro rural foi instituída
  pela Lei n° 10.823/2003. Em 2004 e 2005, o governo pagou R$ 270 mil e R$ 3,5




                                                                                         26
milhões, respectivamente, na implantação do programa. Para 2006, estão orçados R$
32,4 milhões.

        Tem-se ainda que os incentivos fiscais ao agronegócio cresceram 588,82% no
governo Lula. O aumento se deve às isenções de PIS e Cofins concedidas a diversas
cadeias produtivas do agronegócio em 2005. Os benefícios saltaram de R$ 702 milhões,
em 2003, para R$ 4,3 bilhões, em 2006. Foi suspensa a incidência da contribuição na
venda de café, trigo, centeio, cevada, aveia, milho, arroz, leite in natura e derivados
lácteos. A isenção também se aplica quando a venda é realizada por cooperativas
agropecuárias.

3- Papel do Estado como condutor da atividade econômica

a) Situação anterior ao Governo Lula

       O papel do Estado como condutor da atividade econômica foi fortemente
questionado no governo anterior. Dado o pressuposto de um Estado “neoliberal”, o
mesmo deveria se focar nas funções “inerentes” do Estado e, sua intervenção na
economia, deveria se limitar a diretrizes macroeconômicas e em seu papel regulador das
atividades econômicas desenvolvidas pelo setor privado.

b) Iniciativas do governo Lula

        No plano geral das contas públicas, as despesas do governo vêm crescendo de
modo contínuo: entre 1999 e 2005, desconsiderando-se o pagamento de juros, as
despesas do governo cresceram a uma média de 18,3% ao ano, saltando de 15,85% do
PIB para mais de 18% em 2005. Nos dez anos que vão de 1995 a 2005, as despesas do
governo federal cresceram 77% acima da inflação: em média, houve uma expansão real
anual de 5,8%, bem maior do que o crescimento do PIB, que foi de 2,5%. Nos três anos
do governo Lula, a média de aumento de gastos públicos correntes foi de 6,23% acima
da inflação.

        A realização de gastos do governo com investimento produtivo, forte
instrumento estatal para crescimento da economia, especialmente para os setores de
infra-estrutura, tem se reduzido ao longo dos últimos anos, em níveis menores ainda aos
registrados no governo anterior (que já eram bastante reduzidos frente a indicadores
históricos) Os investimentos produtivos diminuíram, sobretudo em infra-estrutura,
saúde e educação; os investimentos públicos nos dez anos que vão de 1995 a 2005
caíram de 0,6 para 0,5% do PIB, depois de ter alcançado, 0,9, 1,2 e 0,8% do PIB em
2000-2002. Existem indícios de que tais proporções podem estar se ainda menores,
sendo este um dado preocupante, na medida em que a falta de investimentos públicos
nessas áreas impacta negativamente as possibilidades de crescimento nos anos à frente,
visto o papel propulsor do crescimento de tais áreas da economia.

       Com relação à organização do setor público, tem-se que o governo anterior
promoveu uma significativa redução do quadro de servidores da administração pública,
com terceirização de parte do quadro de funcionários antes existentes. A redução da
força de trabalho no Executivo, no período de 1996 a 2002, foi de 18%. Dessa
diminuição, 39% da redução foi na administração direta e 61% na administração


                                                                                    27
indireta, o que implicou no corte de 98.025 postos de trabalho no Executivo Federal
Civil. No governo Lula, foram autorizadas, até 2005, as contratações de 81 mil novos
servidores (com previsão de preenchimento de mais 21mil vagas até o final de 2006),
com dois objetivos principais, a fim de substituir parte dos funcionários terceirizados e
aposentados e promover uma recomposição do quadro de servidores.

       Com relação às parcerias público-privado (PPPs), consideradas uma nova forma
importante de incentivo do governo aos investimentos privados, a lei das PPPs só foi
aprovada pelo Congresso no fim de 2004. Até setembro de 2006, só se iniciou dois
processos de parcerias: as reformas de dois trechos na BR-116 e na BR-324, ambas na
Bahia.


IV – Sistema Financeiro

a) Situação anterior ao Governo Lula

        A abertura financeira da economia brasileira ocorreu ao longo da década de
1990, porém tendo avançado com maior profundidade ao longo da gestão do governo
FHC, com liberalização significativa de movimentos de capitais entre o país e o
exterior, ao reduzir as barreiras até então existentes aos investimentos estrangeiros de
portfólio no mercado financeiro doméstico e viabilizar o acesso dos residentes às novas
modalidades de financiamento externo (emissão de títulos e ações no mercado
internacional de capitais, cuja contrapartida são os investimentos de portfólio dos
investidores não residentes no mercado financeiro internacional).

       Tais mudanças foram possíveis pela flexibilização da entrada de investidores
estrangeiros no mercado financeiro brasileiro e a adequação do marco regulatório
doméstico ao modelo contemporâneo de financiamento internacional, ancorado na
emissão de securities (títulos de renda fixa e ações). A maior parte das medidas foi feita
de forma ad hoc, seja mediante resoluções e circulares do Banco Central, seja por meio
de Medidas Provisórias.

        Tais mudanças estruturais marcaram a maior vulnerabilidade do país a alterações
de fluxos de capital externo. As crises financeiras ocorridas na 2ªmetade da década de
1990 e como as mesmas atingiram o país conformam tal quadro. Mesmo quando os
fluxos retomaram no começo de 2000 (com destaque para os investimentos de
portfólio), para os países periféricos, após a retração de 1998/99, o acesso desses países
ao mercado financeiro internacional foi extremamente instável e dependente das
condições vigentes nos mercados financeiros dos países centrais.

       A natureza atual da base de investidores foi um dos principais canais de
transmissão dos choques nos mercados financeiros dos países centrais para os
“emergentes”, contribuindo para a natureza volátil do acesso.

       Tem-se, então, que a abertura financeira não trouxe os propalados benefícios que
os investimentos estrangeiros de portfólio e o aumento da presença estrangeira no
sistema financeiro deveriam trazer. Além disso, não houve aumento do passivo externo
da economia brasileira, o que, associado ao processo de abertura, elevou a
vulnerabilidade externa do país.


                                                                                       28
b) Iniciativas do governo Lula

        O governo Lula deu continuidade ao processo de abertura financeira, mantendo
a mesma estratégia do governo anterior, com crescente integração financeira entre o
país e o exterior. Duas medidas no governo Lula destacam-se.

        Primeiramente, a unificação dos mercados de câmbio livre e flutuante e a
extinção da Conta de Não-Residentes (CC5), em março de 2005, que eliminou os
limites para que pessoas físicas e jurídicas convertam reais em dólares e os remetam ao
exterior. Com as mudanças, qualquer residente no país pode efetuar suas remessas
diretamente, sem a intermediação das contas de instituições financeiras não-residentes.
Também se flexibilizou a cobertura cambial às exportações, com ampliação dos prazos
de retenção de dólares no exterior pelos exportadores, medida que ampliou a
conversibilidade da conta corrente do balanço de pagamentos.

       Em segundo lugar, em fevereiro de 2006, a Medida Provisória 281 sancionou a
concessão de incentivos fiscais aos investidores estrangeiros para a aquisição de títulos
da dívida pública interna, reduzindo os custos com IR ou CPMF, com intuito de
estimular o aumento da demanda por títulos públicos internos pelos investidores
estrangeiros.

        Com relação ao Banco Central do Brasil e ao executivo (referindo-se, aqui, ao
Ministério da Fazenda) manteve o alinhamento que já ocorria no governo anterior. Há
forte convergência na análise de que a prioridade continua sendo o controle
inflacionário, através do atingimento da meta de inflação.

        Em termos no sistema financeiro como um todo, o mesmo continua tendo papel
prioritário na órbita de ação do governo, superando os interesses do setor produtivo, seja
na manutenção de políticas e legislações especificas, seja através da contundência do
tipo de política econômica adotada (com manutenção de altas taxas de juros). Manteve
ainda o pagamento dos juros da dívida pública como prioridade de dispêndio por parte
do governo, tendo-se pago, nos primeiros três anos de governo, cerca de R$400 bilhões
somente nesses juros para o setor financeiro.

        Realizou-se, também, um pagamento antecipado ao FMI de US$ 15,5 bilhões e
de US$ 1,7 bilhão ao Clube de Paris e realizou-se um resgate de US$ 6,64 bilhões em
títulos Bradies da dívida externa, de um total de US$ 23,84 bilhões.
O governo, para garantir a antecipação do pagamento de títulos da dívida externa, cujos
juros são de 4% ao ano, emitiu novos papéis da dívida externa e interna com juros de
16,25% ao ano, elevando, com isso, a dívida interna e externa do país.

c) Resultados e projeções

       A expansão do crédito, ao longo desses anos, foi marcada principalmente pela
evolução nos financiamentos contratos por pessoas físicas, com forte participação das
operações de crédito pessoal, especialmente na forma de empréstimos consignados em
folha de pagamento.




                                                                                       29
2006 10 22  Relatorio Governo Lula Revisto Rosa[2]
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2006 10 22 Relatorio Governo Lula Revisto Rosa[2]

  • 1. Projeto “Diálogos de Madison” A política econômica da esquerda latino-americana no governo: o caso do Brasil Dezembro de 2006 Félix Sánchez, João Machado Borges Neto, Rosa Maria Marques, Mariana Ribeiro Jansen Ferreira e Vinicius Melleu Cione. 1
  • 2. Introdução 1 - Os objetivos de governo na campanha da eleição de 2002 A vitória de Luís Inácio Lula da Silva, concorrendo pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições presidenciais de 2002, representou, sem dúvida, um dos marcos mais importantes na constituição de governos de esquerda na América Latina. Além de o PT ter sido considerado, por muitos anos, como um dos principais partidos de esquerda do continente (ou até como o principal partido de esquerda), as características do próprio presidente eleito (ex-retirante nordestino, ex-operário metalúrgico, ex-sindicalista) sugeriam que um representante legítimo do povo brasileiro havia chegado ao poder ou, pelo menos, ao governo. Portanto, havia muitas razões para que o novo governo fosse considerado um autêntico governo popular. Todavia, desde o início dos anos 1990, o PT passava por um processo de mudanças, de forma que suas características mais radicais vinham sendo atenuadas numa medida considerável. Lula fazia um grande esforço para ser mais bem aceito pelos setores empresariais. Um passo mais forte nesta direção foi dado na própria campanha eleitoral de 2002, com a aliança do PT com o Partido Liberal (PL), que indicou o grande empresário José Alencar (então senador) para candidato a vice-presidente. Todos esses esforços não foram suficientes, no entanto, para fazer de Lula um candidato bem aceito pelos setores empresariais. Quando as indicações de que ele poderia vencer as eleições foram se acentuando, começou um processo de fuga de capitais e de grande especulação contra a moeda brasileira. Os “mercados” mostravam sua inquietação. Nesse contexto, no mês de julho, o candidato Lula divulgou um documento, intitulado Carta ao Povo Brasileiro, onde reafirmou compromissos com as mudanças desejadas pela população, anunciou “respeito aos contratos” e garantiu que qualquer mudança seria “fruto de uma ampla negociação nacional”. Como este documento passou a ser considerado uma espécie de síntese do programa de governo da candidatura Lula, é útil citar algumas de suas frases mais importantes, que resumem seu sentido geral: O PT e seus parceiros têm plena consciência de que a superação do atual modelo, reclamada enfaticamente pela sociedade, não se fará num passe de mágica, de um dia para o outro. […] Será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer em oito anos não será compensado em oito dias. O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais de governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país. As recentes turbulências financeiras devem ser compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e de clamor popular pela sua superação [Lula, Carta ao Povo Brasileiro, 22/06/2002]. Nesta carta, Lula não se reivindica propriamente como “de esquerda”, e nem como um representante dos trabalhadores ou do povo, em oposição às classes dominantes. Pelo contrário: procura falar explicitamente para toda a sociedade, 2
  • 3. anunciando uma ampla negociação nacional que conduziria a um “novo contrato social”. Fala, em especial, para os “mercados” que estavam inquietos: por isso o ponto central da Carta são as garantias oferecidas de que o candidato, se eleito, respeitaria todos os “contratos”. Cabe indagar o quê desta síntese das intenções do candidato conservava de idéias “de esquerda”. Nela destacam-se dois aspectos: a ênfase na necessidade de mudanças (são mencionadas as mudanças “desejadas pela sociedade”) e a manutenção da crítica ao governo de F. H. Cardoso. Nenhuma das duas é, em si mesma, “de esquerda”. Mas, no contexto em que foram enunciadas, e levando em conta o conteúdo das críticas que Lula e o PT vinham fazendo ao governo de até então, a “mudança” parecia significar o abandono de um modelo neoliberal em direção a uma retomada do desenvolvimento nacional. Se nada na Carta, ou em que tudo o que foi dito por Lula e pelo PT na campanha de 2002, apontava para um esforço de construção de uma sociedade socialista (sentido dado tradicionalmente a uma proposta de esquerda), havia, por outro lado, uma indicação de que se buscaria um modelo “desenvolvimentista”. Além disso, o conjunto dos pronunciamentos do candidato, se não apontava nem remotamente para a idéia de um governo dos pobres contra os ricos (muito pelo contrário: o candidato se apresentou sempre na campanha como “Lulinha Paz e Amor”, deixando claro que não patrocinaria nenhum conflito social), indicava que o candidato governaria para o conjunto da sociedade. Isto se contrapunha ao governo de F. H. Cardoso, visto como governo para os mais ricos, e implicava que haveria uma preocupação especial com os pobres e com a inclusão social, e que seria promovida uma redução das desigualdades sociais. Ou seja: as idéias básicas da campanha poderiam ser resumidas como: a) superação do modelo econômico do governo F. H. Cardoso (ou seja, do modelo neoliberal); b) implementação de um modelo desenvolvimentista; c) implantação de um governo para toda a sociedade, com uma especial preocupação com os mais pobres, que buscaria a redução das desigualdades sociais. Os documentos programáticos oficiais da campanha (principalmente o Programa da Coligação Lula Presidente — Um Brasil Para Todos), aliás, reforçavam esta interpretação. No então contexto mundial, este “desenvolvimentismo social” poderia ser considerado, por muitos, suficiente para a caracterização de sua proposta como “de esquerda” (de uma esquerda moderada) — ou, pelo menos, como “progressista”. A Carta ao Povo Brasileiro pode, então, ser considerada como o enunciado de um sentido geral do programa e de uma estratégia de governo: a idéia de que as mudanças indicadas seriam feitas de forma gradual e a partir de negociações, numa “transição” entre o modelo existente e o novo modelo desejado. É desta formulação dos objetivos do governo e de sua estratégia para alcançá-los que convém partir para fazermos um balanço do governo Lula e, em particular, da sua política econômica. 3
  • 4. 2 - A montagem da equipe econômica do governo Se na campanha o candidato Lula passou a idéia de que promoveria um processo gradualista de mudanças, desde a montagem do governo esta perspectiva começou a se esvaziar. A nova equipe econômica foi marcada pela presença de expoentes do governo de F. H. Cardoso ou vinculados ao seu partido (o PSDB); indicou, portanto, uma tendência mais de continuidade do que de mudanças, ainda que graduais. Para presidente do Banco Central foi indicado Henrique Meirelles, ex-presidente internacional do Banco de Boston, e que havia acabado de ser eleito deputado federal pelo PSDB (o partido de F. H. Cardoso). Este, por sua vez, além de elogiar a condução anterior do BC, manteve toda a diretoria da instituição. Coisa semelhante aconteceu na montagem da equipe do Ministério da Fazenda: foram indicados alguns nomes vinculados ao governo anterior ou identificados com as suas políticas. Ora, o Banco Central e o Ministério da Fazenda dominam amplamente a política econômica. Além disso, para dois outros ministérios com peso na área econômica (o Ministério do Desenvolvimento e o Ministério da Agricultura) foram nomeados grandes empresários com vínculos com os partidos do governo anterior. Por outro lado, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, ainda que fosse um quadro tradicional do PT, mostrou desde o início da sua gestão grande identidades com os princípios ortodoxos de política econômica. Aliás, coube a ele, já em seu discurso de posse como ministro, esvaziar explicitamente a idéia de que haveria um processo de transição para um novo modelo econômico. Ele disse o seguinte: O tema da transição despertou ansiedade sobre o que viria depois da fase de transição, especulou-se sobre o fim dos superávits primários, o fim das metas de inflação e do regime de câmbio flutuante e a adoção de medidas não convencionais e inventivas na condução da política macroeconômica. A essas legítimas perguntas respondemos de forma inequívoca: o novo regime já começou; a boa gestão da coisa pública requer responsabilidade fiscal e estabilidade econômica. O governo que ontem se encerrou tem méritos nesse tema, o que não nos constrange reconhecer. Porém, esse não é um patrimônio exclusivo seu, assim como não o será da nossa administração. (…) Assim, a transição do modelo que temos e o que o País reivindica é a superação das dificuldades de curto prazo. [Discurso de posse, 02/01/2003]. Ou seja: o ministro Palocci declarou que não haveria transição quanto aos “princípios básicos da política econômica”. “O período de transição” de que havia falado Lula quando candidato (e que era mencionado nos documentos oficiais da campanha) consistiria apenas no tempo necessário para a superação das dificuldades de curto prazo. Os fatos do novo governo mostrariam que esta interpretação do ministro estava correta. 3 - A política econômica, os resultados obtidos e o discurso do governo. Embora desde o início do governo tenham havido críticas à orientação da política econômica do presidente Lula, dirigidas em especial ao Banco Central e ao 4
  • 5. ministro Palocci, principalmente por parte da esquerda do PT e de alguns dos outros partidos da coligação governista, como o PC do B (Partido Comunista do Brasil) e o PSB (Partido Socialista Brasileiro)1, foi com o debate em torno de seu projeto de Reforma da Previdência Social dos funcionários públicos que ficou mais clara a existência de uma grande insatisfação numa parte expressiva dos seus apoiadores. A proposta do governo foi caracterizada por muitos setores (inclusive por especialistas nesta questão vinculados ao próprio PT) como sendo orientada por princípios neoliberais. Sofreu oposição ativa e radical de uma parte do movimento sindical e uma oposição, mais formal e limitada, da direção da CUT, central sindical dirigida por militantes do PT. Essa última aprovou uma recomendação de voto contra a proposta de reforma (tratou-se, na verdade, de uma recomendação meramente formal, uma vez que a maioria da direção da CUT deixou claro que não esperava nem mesmo que os parlamentares mais vinculados ao movimento sindical seguissem esta recomendação). Como conseqüência do conflito que se seguiu, o PT perdeu o apoio dos funcionários públicos e sofreu uma ruptura: foram expulsos do partido uma senadora e três deputados federais, e centenas de militantes deixaram o partido. Embora esta ruptura tenha sido pouco expressiva em termos numéricos, representou a expressão radical de um descontentamento que atingia uma parcela muito mais ampla das forças que apoiavam o governo Lula. Desde o início a política econômica do governo Lula provocou frustração entre seus apoiadores. Em seus dois primeiros anos, 2003 e 2004, os setores mais à esquerda do PT ou do PC do B e os movimentos sociais identificados com o governo apontaram que a política econômica governo tinha mantido as características neoliberais do governo anterior e falaram, freqüentemente, na necessidade de mudá-la2. O próprio Diretório Nacional do PT chegou a expressar desconforto com essa política. Entre os apoiadores, muitos dos setores mais à esquerda consideravam que o “governo estava em disputa” e, por isto, consideravam como prioritário derrotar os setores neoliberais que existiriam dentro do governo. Nos dois anos seguintes, perderam intensidade o debate e as críticas à política econômica no interior das forças que apoiavam o governo, embora nunca tenham desaparecido. Apesar disso, uma nova ruptura do PT ocorreu em 2005, finalizado o processo de eleições internas, motivada por divergências em relação à orientação do governo (especialmente na política econômica) e também pela “crise ética” vivida pelo partido desde o mês de junho3. Mas a maior parte dos setores do PT e dos movimentos sociais que criticaram a política econômica do governo nos dois primeiros anos passou a fazê-lo de forma menos intensa. A razão fundamental para esta mudança de postura foi o fato de ter ficado evidente que a política econômica, avaliada segundo os seus objetivos, estava sendo relativamente bem sucedida. Desde 2003, a inflação havia sido contida (como será detalhado mais adiante) e a especulação contra a moeda controlada. A partir da segunda metade de 2003, começa um processo de retomada do crescimento econômico, que seria comprovado quando foi divulgada a taxa de crescimento do PIB de 2004: 4,9% (depois de um crescimento de apenas 0,54% em 2003, ou seja, abaixo da taxa de crescimento da 1 O PDT (Partido Democrático Trabalhista) e o PPS (Partido Popular Socialista), partidos que não compunham originalmente a coligação, já que apoiaram a candidatura Lula apenas no segundo turno, viriam a romper com o governo, citando discordâncias com a política econômica como parte das razões. 2 O PSB, o PDT e, em parte, o PPS, também houve manifestações na mesma linha. 3 Desencadeada pelas denúncias do então deputado Roberto Jefferson. 5
  • 6. população, que conduzira à redução da renda per capita). Nesse período começou também uma recuperação do nível de emprego (comentada na Matriz Analítica, no item Relação Capital-Trabalho). Contudo, no ano seguinte, em 2005, a taxa de crescimento do PIB foi bastante mais modesta (2,28%), e o que se espera para 2006 também deverá ser frustrante (cerca de 3%). Mas os resultados relativos ao crescimento das exportações, à obtenção de um superávit crescente na balança comercial e nas transações correntes 4, e alguma recuperação do emprego, funcionaram como uma compensação para o crescimento modesto do PIB. A obtenção de superávit nas transações correntes permitiu que alguns economistas e membros do governo começassem a afirmar que o Brasil havia reduzido sua vulnerabilidade externa, e até que ela já teria sido superada, ou estaria em vias de superação5. Por outro lado, desde 2005 foi promovida uma recuperação significativa do salário mínimo6, e os resultados dos programas de assistência social (como o Bolsa Família) começaram a ser divulgados. Esse programa constitui o carro chefe da política social do governo Lula e sua importância determinou em parte os resultados da eleição de 2006. Em termos de distribuição pessoal da renda, calculada pelo IBGE mediante a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNDA), as informações relativas aos dois primeiros anos do governo Lula indicam que, ao mesmo tempo, aumentou a renda apropriada pelo 1% da população mais rica e a dos mais pobres (20% e 50% mais pobre). Já a renda dos 10% da população mais rica apresentou redução. A melhora da população mais pobre é condizente com a evolução observada nos índices de Gini e no de T de Theil, os quais, entre 2001 e 2004, caíram de 0,596 para 0,576 e de 0,727 para 0,665, respectivamente. Também a participação das pessoas abaixo da linha de indigência no total da população brasileira registrou queda (de 15,2% para 13,1%), muito embora o programa Bolsa Família, carro-chefe da política social do governo Lula, estivesse ainda precariamente implantado no país em 20047 (Tabela 1)8. Já o percentual de pessoas abaixo da linha de pobreza, em relação ao total da população, aumentou no primeiro ano de governo, quando o PIB cresceu apenas 0,5%, mas apresentou redução significativa em 2004. Em 2001, 35,1% da população estava situada abaixo da linha de pobreza; em 2004 este percentual tinha se reduzido para 33,6%. Contudo, o número de pessoas situadas abaixo da linha de pobreza aumentou de 58,1 milhões para 59,4 milhões no período, revelando quão perversa é a dinâmica econômica e social do país. 4 Ver, adiante, o item sobre a Inserção Internacional da economia brasileira. 5 Um exemplo desta linha de argumentação é o Capítulo 2, “Redução da Vulnerabilidade Externa”, de Aloízio Mercadante (2006). 6 Ver adiante a evolução do salário mínimo durante os governos F. H. Cardoso e Lula. 7 Somente em 2005 esse programa atingiu o conjunto dos municípios brasileiros. 8 Os dados da tabela são do IBGE, da Pesquisa Nacional Por Amostra de Domicílios (PNAD). Nela é considerada a renda mensal familiar per capita onde, para os assalariados, é contemplada a remuneração bruta a que teriam direito, mas excluído o décimo terceiro salário, participação nos lucros e outros benefícios como moradia, alimentação, roupas, transporte, etc., derivadas da relação salarial. Para os trabalhadores por conta própria e empregadores, a pesquisa considera a renda bruta menos as despesas efetuadas com o empreendimento. Inclui, ainda, outras rendas, como o Bolsa-família, a complementação de aposentadoria e rendimentos de aplicação financeira. 6
  • 7. Tabela 1 – Distribuição pessoal da renda e pobreza. ANOS 2001 2002 2003 2004 Parcela da Renda Apropriada 1% mais rico 13,9 13,4 12,7 13,0 10% mais rico 47,4 47,0 46,1 45,3 20% mais pobre 2,3 2,5 2,6 2,8 50% mais pobre 12,6 13,0 13,4 13,9 Indice de Gini 0,596 0,589 0,581 0,572 Indice T de Theil 0,727 0,710 0,675 0,665 Linha de pobreza % da população total abaixo da linha de pobreza 35,1 34,3 39,2 33,6 Milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza 58,3 57,5 - 59,4 Linha de indigência % da população total abaixo da linha de indigência 15,2 14 16,7 13,1 Milhões de pessoas abaixo da linha da indigência 25,3 23,4- 23,2 Fonte: Ipeadata. Calculado a partir dos dados da PNAD do IBGE. Ainda que os dados econômicos favoráveis (de controle da inflação, de crescimento econômico e de melhora na distribuição de renda) estejam sujeitos a interpretações distintas, o discurso de que a política econômica do governo estava sendo bem sucedida na redução das desigualdades ganhou credibilidade. Desta forma, os setores majoritários do PT (e os outros partidos que apóiam o governo), que antes reconheciam a existência de limitações nas políticas do governo, adotaram o discurso de que o governo Lula estava sendo um governo plenamente bem sucedido. O relativo êxito da política econômica permitiria, inclusive, em 2006, uma campanha à reeleição baseada na comparação entre os resultados do governo Lula e os resultados do governo F. H. Cardoso. Por outro lado, esta linha de defesa dos resultados da política econômica implicou o abandono quase completo do que havia sido o discurso de campanha. A discussão sobre a mudança de modelo econômico quase desapareceu, e a idéia de transição para um novo modelo foi completamente esvaziada (ainda que ainda seja mencionada, vez por outra), em favor de uma mera comparação dos resultados obtidos em governos anteriores. Implicitamente, o governo Lula passou a se apresentar muito mais como um governo que realizou melhor — e com mais “sensibilidade social” — a mesma política econômica que vinha sendo aplicada antes. Um dos exemplos mais claros desta perspectiva é o livro já citado Brasil Primeiro Tempo — Análise Comparativa do Governo Lula, de Aloízio Mercadante (São Paulo, Editora Planeta do Brasil, 2006). O autor é líder do governo no Senado, e é em geral considerado um dos porta-vozes do governo em matéria econômica. O livro tem prefácio do próprio presidente da República. Entretanto, mesmo se deixados de lado os compromissos de campanha com relação à mudança de modelo, o “êxito” da política econômica de Lula pode ser questionado. Isso porque a comparação entre os resultados do governo Lula e os do governo anterior, para ser feita com mais propriedade, deveria levar em conta a situação internacional e os resultados obtidos por outros países. Tomado este cuidado, o governo 7
  • 8. Lula passa a ser visto como um dos governos de pior performance em matéria de crescimento — a grande maioria dos países têm tido resultados muito melhores. Desenvolvendo o argumento, a vinculação da análise dos resultados do governo Lula ao quadro internacional poderia fazer com fossem vistos muito mais como conseqüência da situação mundial do que dos méritos das políticas implementadas. Vários economistas têm argumentado nesta direção — inclusive economistas vinculados ao PT. Este é o caso, por exemplo, do professor Márcio Pochmann, que foi Secretário do Trabalho na gestão da prefeita Martha Suplicy, na cidade de São Paulo. Em declaração à Agência Carta maior, em 17/10/2006, ele disse não identificar “uma política pública explícita de geração de emprego no país”, e disse que o Brasil vive, há três anos, uma “sorte conjuntural”. 4 - Governo Lula: um governo de esquerda? Para concluir esta Introdução, é interessante retomar a discussão de o que justificaria a caracterização do governo Lula como um governo “de esquerda” ou, pelo menos progressista. A justificativa da caracterização do governo Lula como um governo “de esquerda” ou, pelo menos, progressista, deriva principalmente de sua ação em três áreas do governo: a política externa, considerada progressista; as políticas de transferência de renda, que visariam reduzir as desigualdades; e a política de recuperação do salário mínimo, onde se mostraria mais a “sensibilidade social” do governo. Além disso, os que consideram o governo Lula como de esquerda apontam também sua postura em não criminalizar os movimentos sociais e seu diálogo com estes movimentos. São fundamentalmente estas razões, aliás, que foram invocadas por alguns dos setores de esquerda críticos ao governo Lula para justificar seu apoio à reeleição do presidente Lula no segundo turno. Como exemplo destes setores, o mais importante é o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra)9. Seu principal dirigente, o também economista João Pedro Stedile, disse o seguinte: Alckmin seria o retorno da hegemonia do governo dos Estados Unidos sobre a América Latina. Agora, o continente está num processo de transição, e em praticamente todas as eleições o povo tem votado em candidatos antineoliberais. Isso gerou três grupos de governos: um grupo de esquerda — Venezuela, Bolívia e Cuba —, um grupo de governos de caráter moderado, mas em transição do neoliberalismo, e que enfrenta pontualmente a política americana — Brasil, Argentina, Uruguai, Peru e Equador —, e o grupo dos países que se colocam como fieis aliados dos americanos — Chile, Paraguai e Colômbia. Uma vitória do Alckmin seria o desequilíbrio pró-EUA, com a ida do Brasil para o grupo dos aliados servis. E o editorial do jornal Brasil de Fato, semanário em que o MST tem uma influência determinante, 10 em 11/10/2006, destacou como principal razão de seu apoio 9 Vale notar que parte da esquerda brasileira não apoiou a candidatura de Lula à reeleição nem no segundo turno. São os caso da “Frente de Esquerda” agrupada em torno da candidatura da senadora Heloísa Helena à presidência, e do PDT (este, um partido em geral considerado parte da esquerda mais moderada; sua colocação como parte da esquerda é, no entanto, objeto de polêmica). Por outro lado, a maior parte da esquerda brasileira se engajou na campanha pela reeleição desde o primeiro turno. 10 Esse jornal não declarou apoio a nenhum candidato à presidência e a cargo majoritário no primeiro turno, tal como o MST. 8
  • 9. o fato de o governo Lula ter respeitado as instituições democráticas, ressaltando que o voto em Lula deve ser dado apesar do “decepcionante saldo para a classe trabalhadora” do primeiro mandato, e apesar da tendência de que seu segundo mandato “esteja ainda mais comprometido com a agenda neoliberal”: Um balanço dos quatro anos de mandato do presidente Lula deixa um decepcionante saldo para a classe trabalhadora, sobretudo no que diz respeito à economia. Mais que isto, tendo em vista a nova composição do Congresso Nacional e as alianças em curso desde o primeiro mandato, a tendência é que o segundo governo Lula esteja ainda mais comprometido com a agenda neoliberal, principalmente caso se aprofunde ou se mantenha o descenso das lutas populares e de massas. Todos sabemos disto. No entanto, é preciso ter claro que, em nenhum momento, as forças que o apóiam vieram a público, ou sequer insinuaram o uso da força e a quebra das atuais instituições democráticas (ainda que frágeis e limitadas), que permitem que nos organizemos e acumulemos forças para aprofundar conquistas e realizar as mudanças estruturais de que necessita a classe trabalhadora e o povo. Diferentemente do que se propala, os trabalhadores, o povo e a esquerda brasileira foram os principais fiadores dessas instituições. A abertura e a transição para a democracia, que se preparavam entre as elites no final da ditadura, seriam mais estreitas e minguadas, não fossem as grandes greves e manifestações, preparadas por um persistente e clandestino trabalho da esquerda (marxista e cristã) de organização de comissões de fábricas e empresas, de organização dos bairros proletários, dos movimentos populares e de retomada das entidades (sindicatos e associações) de trabalhadores ocupadas por interventores e prepostos do regime desde o golpe de 64. Foi o povo na rua, articulado por suas organizações e movimentos, quem definiu as conquistas mais avançadas de que hoje usufruímos e que se inscreveram na Constituição de 1988. Não devemos isto nem às elites nem a qualquer guia genial dos povos, a qualquer pai dos pobres. É preciso lembrar a História, a nossa História. É preciso lembrar que muitos foram assassinados para que conquistássemos e garantíssemos a liberdade que hoje gozamos, ainda que precária, mas que nos garante o direito inclusive de escrever este editorial. É preciso, sobretudo, abandonarmos uma discussão economicista da atual conjuntura e distinguirmos bem quem é o inimigo principal, quem são os adversários, e quais são os nossos aliados. Toda vez que nos equivocamos a este respeito, acabamos derrotados. Hoje, o inimigo principal é o bloco que se aglutina em torno da candidatura Geraldo Alckmin. É este, portanto, que deve ser derrotado nas atuais eleições. Assim, votar Lula, mesmo sem qualquer ilusão no que diz respeito às sua política econômica, é um dever de todos nós que constituímos a classe trabalhadora e o povo brasileiro. Consideremos, em primeiro lugar, as políticas que visam à redução das desigualdades. Os resultados da distribuição de renda do governo Lula são, no mínimo, ambíguos: ao mesmo tempo em que beneficiou os mais pobres, deu continuidade ao processo concentrador da renda de ocupação nas faixas mais baixas e favoreceu o aumento expressivo dos lucros financeiros (como será explorado mais adiante). Além disso, os críticos do governo Lula confrontam, de forma convincente, o volume de gastos de programas como o Bolsa Família com as despesas com juros do setor público (despesas que constituem um fator de concentração de renda)11. Também teria de ser levado em conta o caráter de “novo populismo em tempos de aplicação de uma agenda 11 Como será mencionado no item sobre a Política Monetária e Política Fiscal, o pagamento de juros pelo conjunto do setor público tem estado em torno de 8% do PIB, nível semelhante ao dos três últimos anos do segundo mandato do governo F. H. Cardoso. 9
  • 10. neoliberal” que pode ser atribuído ao programa Bolsa Família, como será enfatizado no item VII da parte II. No caso da política externa, a discussão é ainda mais complexa. O governo Lula tem, de fato, mantido certa proximidade, ou tem procurado manter boas relações, com governos à sua esquerda — como o governo Chavez. Tem procurado também desenvolver uma política de relações internacionais em que há mais peso para as relações com países latino-americanos e com países do Terceiro Mundo. Além disso, como será analisado adiante, mudou a condução de seus representantes nas negociações da ALCA, adotando uma posição mais crítica que a do governo anterior, e isto contribuiu, em parte, para o atual impasse das negociações. Por outro lado, depois de um período em que teve uma postura mais crítica nas negociações da OMC, em aliança com a Índia, a China e outros países, o Brasil passou a uma política de mais acordo com as grandes potências. A classificação feita por João Pedro Stedile do governo Lula como parte de um “grupo moderado”, nem de esquerda, nem aliado fiel dos EUA, isto é, um grupo de países que “enfrenta[m] pontualmente a política [norte]-americana”, parece apropriada. No entanto, não parece haver razões suficientes para afirmar que estes países — e, em particular, o Brasil do governo Lula — estão “em transição do neoliberalismo”. Com relação ao caráter mais democrático do governo Lula, não há dúvida de que a não criminalização dos movimentos sociais é uma posição favorável à esquerda, sem ser propriamente uma posição de esquerda. Entretanto, para fundamentar o juízo de que o governo Lula realmente dialoga com os movimentos sociais seria preciso mostrar que, a partir deste diálogo, ele foi sensível a pelo menos uma parte importante das suas reivindicações. Em contrapartida, não há dificuldades em mostrar que o governo Lula atendeu as reivindicações fundamentais do mercado financeiro e das classes dominantes. De conjunto, para que se sustente a caracterização de “governo de esquerda”, as razões apontadas para justificar a caracterização do governo Lula como “de esquerda” (com suas limitações, e levando em conta as diferenças de interpretação possíveis sobre como seus resultados foram conseguidos) devem ser confrontadas com o caráter inegavelmente liberal das políticas macroeconômicas implementadas, de reformas como a da Previdência Social, e do prosseguimento da liberalização na área financeira (ver, adiante, item sobre o Sistema Financeiro). 5 – O resultado das eleições de 2006. No segundo turno, realizado em 29 de outubro de 2006, Lula foi reeleito com 58,3 milhões de votos (60,8% dos votos válidos), batendo seu oponente Geraldo Alckmin, candidato pelo Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB), o mesmo partido de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Depois de uma campanha centrada na ética e na denúncia da corrupção de elementos do governo e do Partido dos Trabalhadores, tanto pela oposição à direita como à esquerda, onde não faltaram novos fatos revelando inexplicáveis e patéticas tentativas de compra de informações sobre o candidato do PSDB ao Estado de São Paulo (um dos mais importantes do país, tanto economicamente como politicamente, com forte concentração da oposição), e uma ação concertada da mídia pela eleição de Alckmin, como nunca antes se viu na história do país, Lula foi reconduzido à presidência da república para governar mais quatro anos. 10
  • 11. Em termos percentuais, Lula obteve um pouco menos votos do que no segundo turno de 2002 (61,27%), quando foi eleito pela primeira vez. Mas dadas as condições em que seu governo se desenvolveu, a todo tempo ameaçado por denúncias de corrupção, a ponto de seus mais destacados quadros terem sido afastados de seus cargos, tal resultado foi surpreendente. Em termos de distribuição dos votos, levando em conta a localização geográfica dos Estados, a renda dos votantes e o tamanho dos municípios, essa eleição revelou um país dividido, onde Lula ganhou em 20 Estados dos 27 existentes, sendo que desses, em todos da região Nordeste, a mais pobre do país; perdeu em apenas um Estado da região Norte (a segunda mais pobre do país); e ganhou em três Estados da região Sudeste e em dois da região Centro-Oeste, inclusive no Distrito Federal, onde está localizada a capital do país. Enfim, perdeu em todos os Estados da região Sul. Além disso, todas as pesquisas indicaram que quanto menor e mais pobre o município, maior foi sua votação, o mesmo ocorrendo em relação à renda dos votantes. A eleição ainda revelou um fato novo na realidade brasileira, a que os segmentos mais pobres da população, pertencentes às classes C e D, não se sensibilizaram com a posição dos chamados formadores de opinião, especialmente a expressa pela imprensa escrita e televisiva. Entre os apoios que Lula recebeu no segundo turno, destaca-se o do MST (já mencionado nesta introdução) e o da maior parte da esquerda brasileira, principalmente dos intelectuais, que se engajou na campanha pela reeleição desde o primeiro turno. Contudo, vale ressaltar que parte da esquerda brasileira não apoiou a candidatura de Lula à reeleição nem no segundo turno. Esse foi o caso da “Frente de Esquerda” agrupada em torno da candidatura da senadora Heloísa Helena à presidência12, onde participavam o Partido Socialismo e Liberdade (criado a partir de dissidências do PT), o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU) e do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e do Partido Democrático Trabalhista (PDT), considerado por alguns como de esquerda moderada. Afora as razões apontadas por João Pedro Stedile e o jornal Brasil de Fato, quais teriam sido os motivos que levaram o povo brasileiro a reeleger Lula apesar de sua política econômica e das denúncias de corrupção? Para tentar responder a essa pergunta, e tomando como referência o perfil da maioria de seus eleitores, é importante retomar que Lula aumentou o poder aquisitivo do salário mínimo em 40% durante seu governo; enfatizar que transferiu renda para 11,1 milhões de famílias através do Programa Bolsa Família, beneficiando mais de 47 milhões de pessoas (25% da população estimada) e aumentando em até 39,58% a renda da família beneficiada; concedeu abundante crédito para a economia familiar; criou um programa de concessão de bolsa para estudo universitário junto a faculdades privadas, beneficiando mais de 200 mil universitários; reduziu os impostos para os produtos de primeira necessidade e para a construção popular; entre outras medidas. Além disso, em setembro, um mês antes da realização dos dois turnos da eleição, o desemprego, embora ainda alto, estava quase dois pontos percentuais abaixo do de setembro de 2002, quando o presidente era Fernando Henrique Cardoso. Assim, não há dúvida que, para a imensa maioria do povo que votou em Lula, o determinante foi o fato de sua situação estar melhor do que no passado recente, sem 12 Essa candidatura recebeu 6,8% dos votos nacionais no primeiro turno. O PSOL, principal agrupamento da Frente, conseguiu eleger apenas três deputados federais, diminuindo, portanto, sua representação em relação ao momento anterior, quando sua bancada era formada de deputados oriundos do PT. 11
  • 12. considerações sobre se as medidas que conduziram a essa situação são duradouras ou não. Para ela, a perspectiva de Lula promover em seu segundo mandato as reformas trabalhista e sindical (abordadas mais adiante) e de realizar mais uma reforma no sistema de aposentadoria, não faz parte de sua preocupação. Em parte isso se deve ao fato de a maioria dos sindicatos estarem a favor dessas reformas, bem como praticamente toda a mídia do país. Dessa forma, no campo sindical, para o próximo ano espera-se a apreciação do projeto de emenda constitucional encaminhado pelo governo (PEC 369/05) onde, entre outros dispositivos, são previstas a intervenção do Estado e a obrigatoriedade da filiação a uma central sindical. No campo das relações de trabalho, o projeto ainda não encaminhado prevê: 1) a eliminação dos dispositivos existentes na legislação atual que estabelecem a prevalência da lei em relação ao que for negociado, sempre que ela for mais favorável ao trabalhador; 2) a negociação e fechamento de acordo por entidades de grau superior sem consulta às assembléias de base, os quais não poderão ser modificados pelo sindicato de base, mesmo se os trabalhadores forem contra as condições constantes do mesmo; 3) a autorização para que o empregador contrate substitutos para os grevistas, caso o sindicato não concorde em designar, ele mesmo, os trabalhadores que continuariam exercendo suas funções durante a greve. Na esfera do sistema de aposentadoria, espera-se que introduza dispositivos ainda mais restritivos para o acesso à pensão; reduza o leque entre o menor e o maior valor a ser recebido; e desvincule o piso da pensão do salário mínimo. Já em relação à proteção social em geral, discute-se a eliminação dos dispositivos que não permitem o uso de suas receitas para outros fins e/ou o aumento do percentual de sua arrecadação disponível para o Tesouro Nacional (atualmente de 20%, a partir de medida introduzida por Fernando Henrique Cardoso, em 1994). Em relação à política econômica, embora nos últimos meses o Banco Central tenha continuado a redução da taxa de juros básica (estava em 13,25% em novembro de 2006), não há nenhum sinal de que venha a ser mudada. As prioridades continuarão a ser honrar os compromissos com o capital financeiro e o desenvolvimento do agronegócio. 12
  • 13. Segunda Parte — Matriz Analítica I - Política Monetária e Fiscal a) Situação anterior ao governo Lula O segundo mandato de F. H. Cardoso (1999-2002) realizou algumas alterações na orientação geral da política macroeconômica. Adotou um regime cambial de taxas flutuantes; adotou o regime monetário de metas de inflação; e iniciou um processo de elevação do superávit fiscal primário, com o objetivo de conter o crescimento da dívida líquida do setor público como proporção do PIB. Foram mudanças bastante significativas no desenho da política macroeconômica. No primeiro mandato de F. H. Cardoso (1995-1998) havia sido adotado um regime cambial de “banda deslizante” (inviabilizado a partir da crise de 1988-1999); e a dívida líquida do setor público como proporção do PIB havia aumentado de 30,4% do PIB em dezembro de 1994 para 41,7% do PIB em dezembro de 1998 (todos os dados sobre a dívida líquida do setor público foram tomados do Boletim do Banco Central do Brasil, Seção Finanças Públicas, atualizado em 27/09/ 2006). Temia-se que o abandono do regime de “banda cambial deslizante” levasse ao descontrole da inflação. De fato, isto não aconteceu: a inflação anual (medida pelo IPCA do IBGE) de fato elevou-se em 1999 (foi de 8,94%, enquanto em 1998 havia sido de 1,66%), mas em 2000 reduziu-se para 5,97%. No ano de 2001, em que houve uma crise energética, a variação do IPCA foi de 7,67% (os números da variação anual do IPCA foram retirados do IBGE/SNIPC). Por outro lado, o esforço para reduzir a dívida líquida do setor público como proporção do PIB teve maus resultados: em dezembro de 1999 atingiu 49, % do PIB, em dezembro de 2000 manteve o percentual de 49,4%, e em dezembro de 2001 atingiu 52,6% do PIB. Já no ano de 2002 a situação mudou para pior — em grande parte pela especulação contra o real, provocada, entre outras razões, pelas preocupações que então eram disseminadas nos mercados financeiros com relação à eleição de Lula. O governo brasileiro foi levado a assinar um novo acordo com o Fundo Monetário Internacional. Houve uma inovação na condução deste acordo: os candidatos a presidente dos maiores partidos — entre eles Lula — foram convidados a aprovar a sua assinatura, e o fizeram. Com a desvalorização do real (a taxa de câmbio — dólar comercial — passou de R$ 2,32 por dólar dos EUA, em dezembro de 2001, para R$ 3,53 por dólar dos EUA em dezembro de 2002, segundo dados do Boletim do Banco Central do Brasil, Seção Balanço de Pagamentos, atualizado em outubro de 2006), houve crescimento da inflação, que fechou o ano de 2002 em 12,53% (IPCA, IBGE/SNIPC). A dívida líquida do setor público também teve crescimento significativo (55,5% do PIB, em dezembro de 2002). A situação macroeconômica brasileira, portanto, podia ser caracterizada como de crise. O governo Lula se referiria a ela como parte da “herança maldita” que teria recebido do governo F. H. Cardoso. 13
  • 14. b) A política monetária e fiscal no governo Lula e iniciativas do governo No entanto, apesar das referências à “herança maldita” recebida do governo anterior, e apesar das referências, durante a campanha eleitoral, de que haveria uma transição para um novo modelo econômico, o governo Lula, no fundamental, manteve a política macroeconômica do segundo mandato de F. H. Cardoso. Ou melhor: esta política foi aprofundada (o que fica claro, sobretudo, quando avaliamos o compromisso com o superávit fiscal primário, como será analisado abaixo).. 1) O regime de metas de inflação foi mantido. A taxa de juros básica (taxa SELIC, fixada pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central), que já havia sido elevada de 22% a.a. para 25% a.a. em dezembro (ou seja, um nível extremamente elevado), subiu para 25,5% em janeiro e 26,5% em fevereiro. A partir de junho, com a inflação já sob controle, começaria uma redução gradual desta taxa (para 26% a.a. em junho, 24,5% em julho, 22 % em agosto, 20% em setembro, 19% em outubro, 17,5% em novembro, 16,5% em dezembro, 16,25% em março de 2004, 16% em abril, ficando neste nível, ainda muito elevado pelos padrões internacionais, até setembro). A partir de setembro de 2004, um novo ciclo de elevações da taxa básica de juros começaria: 16,25% a.a. neste mês, 16,75% em outubro, 17,25% em novembro, 17,75% em dezembro, 18,25% em janeiro de 2005, 18,75% em fevereiro, 19,25% em março, 19,5% em abril, 19,75% em maio, ficando neste nível até setembro. Neste mês começaria um novo ciclo de reduções, ainda mais gradual do que o anterior: 19,5% a.a. em setembro de 2005, 19% em outubro, 18,5% em novembro, 18% em dezembro, 17,25% de janeiro de 2006, 16,5% em março, 15,75% em abril, 15,25% em junho, 14,75% em julho, 14,25% em agosto e 13,75% em outubro. Ou seja: o regime de metas de inflação foi mantido, e a taxa de juros continuou a ser elevada para controlar a demanda agregada, sempre que os diretores do Banco Central vislumbravam qualquer tendência de elevação da inflação acima da meta fixada. Além disso, a fixação das metas de inflação continuou a ser bastante ambiciosa. Em 2003, o Conselho Monetário Nacional reviu as metas fixadas para o próprio ano de 2003 e para o ano de 2004; fixou, além disso, a meta para o ano de 2005. Para 2003, a meta foi fixada em 4 % (com intervalo de tolerância de 2,5%, para cima ou para baixo). Não foi cumprida (uma vez que a inflação, medida pelo IPCA, ficou em 9,30% a.a.). A meta de 2004 foi fixada em 5,5% (com intervalo de tolerância de 2,5%). A meta foi cumprida (considerando o intervalo de tolerância para cima: a inflação anual, medida pelo IPCA, ficou em 7,60%). A meta de 2005 foi de 4,5% (com intervalo de tolerância de 2,5%, para cima ou para baixo); como a inflação (IPCA) ficou em 5,69%, a meta foi cumprida. Já para o ano de 2006, a meta foi fixada (em Resolução do ano de 2004) em 4,5% (com intervalo de tolerância de 2%, para cima ou para baixo). As expectativas são de que a inflação (medida pelo IPCA) ficará abaixo de 4%. Ou seja, desta vez, será necessário usar o intervalo de tolerância para baixo. 14
  • 15. As metas para 2007 e para 2008 já estão fixadas. Em ambos os casos, a meta é de 4,5% (com intervalo de tolerância de 2%, para cima ou para baixo). A meta de 2007 foi fixada em Resolução de 2005 e a de 2008 foi fixada em Resolução de 2006. Em todos os anos do governo Lula, a taxa básica de juros esteve entre as mais elevadas do mundo (em geral, foi uma das três taxas mais elevadas do mundo, e diversas vezes a mais alta, em termos reais; hoje (outubro de 2006), por exemplo, está em torno de 10% a.a.em termos reais). 2) O esforço fiscal foi intensificado, com a elevação da meta de superávit fiscal primário para 4,25% do PIB (no acordo com o FMI, ela tinha sido fixada em 3,75% do PIB, e no governo anterior, o superávit tinha girado em torno de 3,5% do PIB). Além disso, em 2004 e 2005, embora a meta não tenha sido ampliada, o superávit fiscal primário foi mais alto: cerca de 4,6% do PIB em 2004 e cerca de 4,8% em 2005. Já no ano de 2006, o superávit primário não deverá ficar acima da meta de 4,25% do PIB. Além da mudança do Ministro da Fazenda (o atual ministro, Guido Mantega, como se sabe, não tem o mesmo entusiasmo pela obtenção de superávits primários elevados que tinha o ministro anterior, Antônio Palocci), pode ter contribuído para isto o fato de 2006 ser um ano eleitoral. No entanto, apesar deste enorme esforço fiscal, a melhora na situação fiscal foi modesta — e, em parte, deveu-se à revalorização do real desde 2003, e não ao esforço fiscal propriamente dito. Ou seja: a dívida mobiliária federal (em títulos fora do Banco Central), que era de R$ 623 bilhões em 2002, fechou o ano de 2003 em cerca de R$ 732 bilhões, o ano de 2004 em cerca de R$ 810 bilhões, e o ano de 2005 em cerca de R$ 980 bilhões. Já a dívida líquida do setor público, que era, como vimos, de 55,5 % do PIB em dezembro de 2002, aumentou para 57,2% em dezembro de 2003, foi reduzida para 51,7% em dezembro de 2004, e para 51,5% em dezembro de 2005. Em agosto de 2006, estava em 50,3% do PIB (Boletim do Banco Central do Brasil, Seção Finanças, atualizado em 27/09/2006). Parte desta melhora deveu-se, como já foi dito, à revalorização do real desde 2003 (o que contribuiu para reduzir a dívida externa pública, além de ter reduzido também a parcela da dívida interna corrigida pela variação cambial). Na verdade, a melhora foi modesta porque o enorme esforço fiscal, numa ponta, foi em grande parte anulado pela alta conta de juros, na outra ponta. Em 2002, o pagamento de juros nominais pelo setor público havia ficado em 8,5% do PIB. Este nível extremamente elevado foi basicamente mantido ao longo do governo Lula: cresceu para 9,3% do PIB em 2003, ficou em 7,29% em 2004 e 8,12% em 2005. Não sendo o superávit primário suficiente para pagar esta pesada conta, parte dos juros foi rolada. Ou seja, houve déficit nominal do setor público: 5,1% do PIB em 2003, 2,68% em 2004, 3,32% em 2005. Por isso a redução da dívida do setor público foi modesta, apesar do enorme esforço fiscal. Ou seja: a rigidez da política monetária — com seu uso amplo de taxas de juros elevadas — tem imposto limites para a eficácia da política fiscal. Além de contribuir para limitar o crescimento econômico e para o crescimento da renda da parcela mais 15
  • 16. rica da população (os detentores de riqueza financeira, que ganham com a manutenção de taxas de juros elevadas). 3) Finalmente, foi mantido o regime de câmbio flutuante. c) Resultados e projeções A política seguida permitiu a superação da crise de 2002. Este foi, aliás, um dos seus principais objetivos. Por outro lado, a política macroeconômica continuou, como vimos, sustentada no tripé formado pelo regime de metas de inflação (com o uso da taxa de juros para controlar a demanda agregada e, portanto, os preços), pela busca de um elevado superávit primário e pela política de câmbio livre. Estes foram, como foi observado acima, os eixos da política macroeconômica do segundo mandato de F. H. Cardoso. A “lúcida e criteriosa transição” anunciada na Carta ao Povo Brasileiro, até agora, não parece ter começado — pelo menos se nos baseamos na macroeconomia. Os membros do governo, naturalmente, têm dificuldade para aceitar esta conclusão. É interessante considerar, então, como argumentam a respeito. Em abril de 2003, um documento do Ministério da Fazenda, Política Econômica e Reformas Estruturais, apresentou como maior vantagem do novo governo no plano macroeconômico o fato de que o ajuste fiscal perseguido a partir do novo governo teria melhor qualidade. O documento citava como prova disto a idéia de que, no lugar de elevar a arrecadação (a carga tributária), o gasto seria mais controlado e teria melhor qualidade. Fosse isto verdade, não poderia ser considerado, de qualquer maneira, como mudança de orientação (ou como início de uma transição para outro modelo econômico). Seria apenas uma melhor implementação da mesma orientação macroeconômica. No entanto, não foi o que se viu, depois. A carga tributária total, como porcentagem do PIB, que atingira 35,5% em 2002, passou a 34,9% em 2003, a 35,9% em 2004, e a 37,3% em 2005. Este nível deverá ser mantido em 2006. Assim, houve crescimento da carga tributária. Embora este crescimento tenha sido relativamente pequeno, não deixa de ser significativo, quando levamos em conta que o nível da carga tributária no Brasil é bastante alto, quando comparado com outros países de nível de desenvolvimento semelhante. Assim, o que se tem notado mais recentemente é que os representantes do governo Lula não mais têm procurado argumentar que teria havido alguma mudança da orientação da política macroeconômica. Procuram mostrar apenas que ela teria sido mais bem sucedida do que a do governo de F. H. Cardoso. O economista Aloízio Mercadante, líder do governo no Senado e em geral considerado um dos porta-vozes do governo em matéria econômica, procura mostrar que, nas questões de que nos ocupamos aqui, política monetária e fiscal, teria havido “redução da fragilidade fiscal” e “redução e controle da inflação”. Estes são títulos de dois dos capítulos do livro Brasil: Primeiro Tempo (São Paulo, Editora Planeta do Brasil, 2006), que tem prefácio do próprio presidente da República. 16
  • 17. A “redução da fragilidade fiscal” teria ocorrido porque houve “contenção do crescimento e estabilização da dívida pública”, “diminuição do déficit público” e “desaceleração do crescimento da carga tributária”. Já para mostrar a existência de “redução e controle da inflação”, o livro aponta que as metas de inflação têm sido cumpridas. Quatro observações se impõem. A primeira, de que tudo isto é verdade. A segunda, a de que é claro que não configura nenhuma mudança de orientação da política macroeconômica; pelo contrário, é evidente que estas conquistas correspondem bem a objetivos e instrumentos (como o regime de metas de inflação e a elevação do superávit fiscal) já delineados no governo anterior (no segundo mandato de F. H. Cardoso). A terceira observação já foi mencionada na Introdução deste relatório, quando procuramos avaliar os resultados gerais da política econômica do governo Lula. É a seguinte: numa medida fundamental, estes avanços não dependeram de méritos da política econômica do governo Lula. Em parte, retomaram uma tendência que vinha do governo anterior; representaram a superação da crise de 2002 - resultado, em grande medida, da especulação contra o real, a partir do medo que os mercados tinham da eleição do então candidato de oposição à presidência. E, em parte, explicam-se por uma conjuntura internacional extremamente favorável. A quarta observação talvez seja a mais importante: estes resultados têm de ser confrontados com as conseqüências negativas da política monetária e fiscal em outras áreas, que constituem (ou deveriam constituir) objetivos centrais de qualquer governo — como nas questões do crescimento econômico e da distribuição da renda. Ora, as conseqüências negativas para o crescimento econômico, para o volume do emprego e para a distribuição de renda já foram mencionadas na Introdução deste relatório, e são demonstradas também no item sobre a Relação Capital-Trabalho. d) Apoios e alianças Com tudo o que já foi dito, não causa surpresa o fato de ter havido um apoio bastante grande às políticas monetária e fiscal por parte dos representantes políticos do antigo governo, bem como dos representantes do setor financeiro, além dos representantes das organizações multilaterais (FMI e Banco Mundial) e de governos dos principais países (entre eles, o governo dos EUA). De fato, até ser obrigado a deixar o cargo por razões que nada tinham que ver com sua gestão à frente do Ministério da Fazenda, Antônio Palocci foi um ministro sempre elogiado por todos estes setores. Já os dirigentes dos setores produtivos — isto é, os capitalistas do setor industrial e do setor agrícola — alternaram elogios à seriedade geral da política econômica com críticas ao seu conservadorismo (especialmente ao conservadorismo da política monetária). Por diversas vezes, pediram reduções mais rápidas das taxas de juros. Por outro lado, os representantes dos movimentos sociais — a base tradicional do presidente da República e do seu partido, o PT — foram, em geral, críticos às orientações da política macroeconômica. Por diversas vezes pediram mudanças. Na sua maioria, apoiaram a campanha do presidente Lula à reeleição; mas pedem mudanças no segundo mandato. 17
  • 18. Vale destacar que um dos principais movimentos do país — o MST — não apoiou a candidatura à reeleição no primeiro turno; entre os argumentos que apresentou para isto, esteve, com destaque, o conservadorismo da política monetária e fiscal. Para o segundo turno, o MST está fazendo campanha por Lula, mas insistindo numa disputa, num segundo mandato, pela mudança destas políticas. II – Relação Capital - Trabalho a) Situação anterior ao governo Lula Em dezembro de 2002, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calculava que a taxa de desemprego (com referência a 30 dias) para as cinco principais regiões metropolitanas do país estava em 10,5%. Na média de 2002, essa taxa foi de 11,7%, a mesma registrada pela região metropolitana de São Paulo, principal centro econômico do país, em dezembro. Nesse mesmo ano, a participação dos ocupados, com 10 anos ou mais, sem nenhum vínculo previdenciário, aí compreendida a previdência pública ou privada, era de 55,02%, o que reflete o tamanho da informalidade na ocasião. Em dezembro de 2002 o rendimento médio dos ocupados estava 30 abaixo da média de 1997. Já o salário mínimo real era 2,1% inferior ao de dezembro de 1986. Já a legislação trabalhista - regida pelas 922 leis que integram a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) -, impulsionada fundamentalmente por Getúlio Vargas em seus dois governos, desde os anos 90 vem sendo flexibilizada, quando as políticas neoliberais ganharam força no país (Tabela 1). Tabela 1 - Principais mudanças na legislação trabalhista Área Medida Objetivos 18
  • 19. 1. Cooperativa profissional ou 1. Cria cooperativas de prestação de serviço, sem caracterização de vínculo de prestação de serviços. (Lei empregatício (sem os direitos trabalhistas da CLT). 8949/94); 2. Contrato por tempo 2. Reduz critérios de rescisão contratual e as contribuições sociais; determinado. (lei 9601/98); 3. Contrato por jornada parcial. 3. Estabelece jornada de até 25 horas semanais, com salário e os demais (MP 1709/98); direitos proporcionais e sem participação do sindicato na negociação. 4. Suspende o contrato de trabalho, por prazo de 2 a 5 meses, associado à qualificação profissional, por meio de negociação entre as partes; 4. Suspensão do Contrato de 5. Elimina mecanismos de inibição da demissão imotivada e reafirma a Trabalho. (MP 1726/98); possibilidade de demissão sem justa causa; 6. Define limites de despesas com pessoal, regulamenta e estabelece o prazo de 2 anos para as demissões por excesso de pessoal, regulamentando a demissão de servidores públicos estáveis por excesso de pessoal; Contratual 5. Denúncia da Convenção 158 7. Redefine a lei 6.019/74 de contrato temporário, estimulando o contrato de da OIT. (decreto 2100/96); trabalho precário; 6. Setor público: demissão (lei 8. Estabelece a unificação de impostos e contribuições e a redução de parte 9801/99 e lei complementar do custo de contratação do trabalho; 96/99); 9. Favorece a terceirização do emprego e das cooperativas de trabalho. 7. Trabalho temporário (Portaria 2, 29/06/96); 8. Contrato para micro e pequenas empresas (Lei do Simples 9517/96); 9. Terceirização (Portaria TEM de 1995 e Enunciado 331 do TST) 1. Banco de Horas (Lei 1. Define jornada organizada no ano para atender flutuações dos negócios e 9061/1998 e MP 1709/98); prazo de até 1 ano para sua compensação, através de acordo ou convenção Tempo de coletiva; Trabalho 2. Liberação do Trabalho aos 2. Define o trabalho aos domingos no comércio varejista em geral, sem domingos (MP 1878-64/99) necessidade de negociação coletiva. 1. Participação nos lucros e 1. Define a participação nos lucros e resultados (PLR) da empresa através Resultados (MP 1029/94 e Lei da negociação coletiva de trabalho; 10.10/2000); Salarial 2. Política Salarial (Plano Real – 2. Induz a “livre negociação”, através da eliminação da política de reajuste MP 1053/94); salarial do Estado e proíbe as cláusulas de reajuste automático de salários; 3. Salário Mínimo (MP 3. Fim da correção do salário mínimo, sendo seu valor definido pelo Poder 1906/97). Executivo e introduz o piso salarial regional. 1. Fim do Juiz classista (PEC 1. Acaba com o juiz classista na Justiça do Trabalho; 33-A/99); 2. Limitação da ação sindical no 2. Estabelece punição para servidores grevistas e limita o número de setor público (Decreto 2066/96); dirigentes sindicais; Organização 3. Ultratividade 3. Inibe a validade de acordos e convenções até que novos sejam do Trabalho acordo/convenção (MP renegociados entre as partes; 1620/98); 4. Substituição de grevistas no 4. Define a contratação temporária de até 3 meses, renováveis, em caso de setor público (MP 10/2001). greve de funcionários públicos por mais de 10 dias. 19
  • 20. 1. Comissão de conciliação 1. Estabelece condições de julgamento em primeira instância dos dissídios prévia – CCP (Lei 8959/2000) individuais, funcionando de forma paritária, mas sem estabilidade para seus membros; 2. Define procedimento sumaríssimo para dissídio individual com valor abaixo de 40 vezes o valor do s.m.; Demissão 2. Rito Sumaríssimo (Lei 3. Restringe a autuação no caso de conflito da legislação com 9957/2000); acordo/convenção e desincentiva a aplicação de multa trabalhista em caso de ilegalidade trabalhista. 3. Fiscalização do TEM (Portaria 865/95). Fonte: Pochmann, 2003. b) A situação do mercado de trabalho no governo Lula e suas iniciativas Mercado do Trabalho13 O mau desempenho econômico registrado no primeiro ano do governo Lula provocou redução de 12,6% do rendimento médio habitual14 real do trabalhador brasileiro em relação a 2002. Essa redução foi observada em todas as categorias de ocupação, apesar daquelas mais organizadas terem firmado acordos de reajuste salarial favoráveis no segundo semestre, quando o nível de atividade se recuperou um pouco. Nesse primeiro ano, ainda, a taxa média de desemprego aberto das cinco regiões metropolitanas calculada para pelo IBGE registrou aumento (12,3%; quando era 11,7% em 2002). Em 2004, muito embora a economia tenha crescido 4,9%, o rendimento médio real dos ocupados recuou mais 0,7%, mas a taxa média de desemprego no ano caiu para 11,5%. Em 2005, o rendimento médio habitual real apresentou uma pequena recuperação, crescendo 2% em relação ao ano anterior. Esse desempenho, contudo, não atingiu os trabalhadores com carteira assinada, os quais sofreram redução de 0,8% em seu rendimento médio habitual real (em 2004 ele havia aumentado 0,3% e, em 2003, havia se reduzido em 4,9%). Nesse ano, a taxa média de desemprego continuou a cair, registrando 9,8%. Em relação ao rendimento, vale salientar ainda que, além do rendimento médio real habitual dos ocupados ter registrado redução durante o governo Lula, aprofundou- se o processo de concentração dos ocupados nas faixas de renda mais baixas. Se considerarmos o rendimento principal dos ocupados com 10 anos ou mais, 89,9% recebiam até 5 salários mínimos em 2004. Em 2002, esse percentual era de 87,6% (IBGE – Banco de dados - Sidra). De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e do Emprego, nos três primeiros anos do governo Lula, foram criados 3.422.700 de empregos formais (admissões líquidas = contratação – desligamento), isto é, com carteira assinada, significando que os trabalhadores estão amparados pelas leis trabalhistas e previdenciárias vigentes. A indústria de transformação contribui com 23,7% dessa expansão, o comércio 29,8% e os serviços com 38%. Somente nos dois últimos anos, foram criados 2.777.000 novos empregos formais, superior aos 2.634.000 criados entre janeiro de 1985 e dezembro de 2003. 13 Essa parte se beneficiou de Marques e Nakatani, artigo a ser publicado no número 189, previsto para março de 2007, da revista Tiers Monde. 14 No cálculo do rendimento habitual não são consideradas as horas extras, os atrasados, as férias, etc. 20
  • 21. Ao lado do crescimento do emprego formal, continuou a se expandir a ocupação informal, sem cobertura legal de nenhuma ordem. Para se ter idéia da importância do mercado informal no total dos ocupados, em 2004, segundo a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE, 53,45% dos ocupados com 10 anos ou mais não contribuía para nenhum instituto de previdência. Se mantida essa proporção com relação ao crescimento da ocupação, durante o governo Lula teriam sido criadas 7.344.849 novas ocupações. Esse resultado, além de estar longe do prometido durante a campanha eleitoral por Lula - defendia a necessidade da criação de 10 milhões de empregos – estaria fundado na permanência do domínio do trabalho informal no mercado de trabalho. Iniciativas do governo Lula Três são os campos em que se localizam as iniciativas do governo Lula. A primeira delas diz respeito a seu tratamento com relação ao salário mínimo; a segunda foi a iniciativa de constituição do Fórum Nacional do Trabalho (FNT) e a terceira com relação à legislação trabalhista, desdobramento do FST. A recuperação do salário mínimo começou desde o governo de F. H. Cardoso. Desde 1995, ele teve um aumento de 97% em termos reais. No governo Lula, depois de uma desaceleração deste processo de recuperação em 2003 e 2004, ele foi acelerado em 2005 e 2006. Entre dezembro de 2002 e setembro de 2006, o salário mínimo cresceu 40% em termos reais — um aumento sem dúvida significativo, o mais expressivo dos últimos tempos, mas ainda distante do compromisso de campanha de Lula, que era de dobrar o valor do SM. A este respeito, ver o Item “Relação Capital-Trabalho”, adiante. Quanto ao salário mínimo, embora o governo não tenha cumprido sua promessa de campanha de dobrar seu valor real, promoveu um aumento de 40% em seu poder aquisitivo, quando se compara a situação de dezembro de 2002 com a de setembro de 2006. Contudo, vale mencionar que a recuperação de seu valor teve início durante o governo F. H. Cardoso. Dessa forma, se compararmos seu valor ao de 1995, ele teve um aumento de 97% em termos reais. Nos primeiros dois anos do governo Lula, e processo de recuperação foi desacelerado, retomando fôlego em 2005 e 2006. Já no documento que apresentava as linhas mestras do que seria seu programa de governo, Lula havia se comprometido a promover um Fórum Nacional do Trabalho (FNT), organizado de forma tripartite (governo, empregadores e trabalhadores) para discutir e encaminhar a reforma da estrutura sindical brasileira e da legislação trabalhista. E assim, em agosto de 2003 tiveram início os trabalhos do FNT. Contudo, embora seus objetivos explícitos fossem “promover a democratização das relações de trabalho por meio da adoção de um modelo de organização sindical baseado em liberdade e autonomia e atualizar a legislação do trabalho, tornando-a mais compatível com as novas exigências do desenvolvimento nacional, de maneira a criar um ambiente propício à geração de emprego e renda” (FNT). São objetivos também do FNT: a modernização das instituições de regulação do trabalho, especialmente da Justiça do Trabalho e do Ministério do Trabalho e Emprego; o estímulo ao diálogo e ao tripartismo e garantia da justiça social no âmbito das leis trabalhistas, da solução de conflitos e das garantias sindicais. Apesar desses objetivos, os resultados ficaram praticamente restritos à discussão e a elaboração de proposta de reforma no campo sindical. Em fevereiro de 2005, o então 21
  • 22. Ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, afastado da direção do Partido dos Trabalhadores em outubro de 2006 devido a mais um escândalo em que o governo Lula se viu envolvido, enfatizando que estava respeitando os acordos construídos no FNT sobre o tema, encaminhou o projeto de emenda constitucional (PEC) 369/05 para ser apreciado pelo Congresso Nacional. A PEC 369/05 dá nova redação aos artigos 8, 37 e 114 da Constituição Brasileira. Abaixo são destacados os principais pontos decorrentes da aplicação dos dispositivos da PEC, na compreensão do Ministério do Trabalho e do Emprego. Os principais pontos previstos pela PEC 1. Quanto à organização sindical • Entidades sindicais (sindicatos, federações, confederações, centrais) em todos os níveis e âmbitos de representação, tendo o município como base territorial mínima. • Organização sindical por setor econômico ou ramo de atividade preponderante da empresa; • Constituição de entidades sindicais com base em critérios de representatividade comprovada ou derivada; • Exclusividade de representação apenas para os sindicatos que já possuem registro no MTE e que cumpram os novos critérios de representatividade comprovada; • Extinção gradual do Imposto Sindical e extinção imediata da Contribuição Confederativa e da Contribuição Assistencial; • Contribuição de Negociação Coletiva, extensiva a todos os abrangidos por negociação coletiva, para custeio de entidades sindicais de trabalhadores e empregadores. • Caracterização dos atos ou condutas anti-sindicais, com base nos princípios inscritos na Convenção 135 da OIT. • Regulamentação da representação dos trabalhadores nos locais de trabalho, para a solução de conflitos na empresa. 2. Negociação Coletiva • Valorização da negociação coletiva em todos os níveis e âmbitos de representação, preservados os direitos definidos em lei como inegociáveis; • Contratos de nível superior devem indicar as cláusulas que não poderão ser alteradas pelos contratos de nível inferior; • Prazo de vigência do contrato coletivo de até três anos, salvo acordo entre as partes em sentido contrário; • Período de validade definida no contrato coletivo, podendo existir diferentes períodos de negociação para diferentes cláusulas de um mesmo contrato coletivo; • Constituição de mesa única de negociação no caso de existir mais de uma entidade sindical reconhecida; • Amplo processo de consulta aos representados, por meio de assembléia geral, para assinatura de contrato coletivo em qualquer nível ou âmbito de representação; • Centrais Sindicais não poderão negociar diretamente, devendo apenas articular a representação do conjunto dos trabalhadores e atuar no âmbito político-institucional; • Em caso de vencimento de contrato coletivo sem renovação, haverá prorrogação por pelo menos 90 dias e as partes poderão, de comum acordo, nomear árbitro; 3. Solução de Conflitos • Valorização da composição voluntária de conflitos do trabalho, por meio de conciliação, mediação e arbitragem, sem prejuízo do acesso ao Poder Judiciário; • Possibilidade de recurso à arbitragem privada ou a arbitragem pública para a solução de conflitos coletivos de interesses; • Arbitragem pública será prerrogativa exclusiva da Justiça do Trabalho, sob a forma de solução jurisdicional voluntária; • Arbitragem privada será disciplina pela Lei Geral de Arbitragem, devendo o MTE constituir um cadastro de árbitros e instituições de arbitragem; 22
  • 23. • Conflitos de natureza jurídica, individuais ou coletivos, continuarão a serem julgados pela Justiça do Trabalho; • A conciliação de conflitos individuais de interesses será exercida pela representação dos trabalhadores no local de trabalho, extinguindo-se a CCP. • Regulamentação da substituição processual para a defesa coletiva dos direitos decorrentes das relações de trabalho; • Direito de greve com pré-aviso de 72 horas, comunicado à população em 48 horas nos serviços essenciais, garantia de serviços mínimos e recurso à arbitragem. 4. Diálogo Social e Tripartismo • Criação do Conselho Nacional de Relações do Trabalho (CNRT), com participação tripartite e paritária de representantes de governo, trabalhadores e empregadores; • CNRT deverá priorizar a implementação da reforma sindical, com a proposição de critério de organização por setor econômico e ramo de atividade; • CNRT terá competência para propor diretrizes de políticas públicas na área de relações de trabalho; • Câmaras Bipartites do CNRT tratarão, em separado, dos interesses específicos das representações de trabalhadores e de empregadores. Apesar da afirmação do então Ministro Berzoini, a PEC 369 recebeu críticas de vários segmentos da sociedade brasileira, especialmente do movimento sindical. Em abril de 2005, 120 entidades, entre elas associações, sindicatos e federações, assinaram um manifesto contrário aos seus dispositivos, iniciando mobilização contrária a sua aprovação. Duas são as suas principais críticas: a compreensão que o inciso II do artigo art.1º estabelece a volta do poder intervencionista do Estado nos sindicatos dos trabalhadores e que a exigência do sindicato atender o critério de “...agregação que assegurem a compatibilidade de representação em todos os níveis e âmbitos da negociação coletiva” significa, na prática, obrigá-lo a se filiar a uma Central Sindical e suas Confederações/Federações para que obtenha a representação sindical. Além da PEC 369/05, o Ministério do Trabalho e do Emprego também elaborou um projeto de lei que versa sobre as relações sindicais, mas este ainda não foi encaminhado para o Congresso Nacional. Segundo essas mesmas entidades, esse projeto: a) “....elimina os dispositivos existentes na legislação atual que estabelecem a prevalência da lei em relação ao que for negociado, sempre que ela for mais favorável ao trabalhador. Assim a reforma já abre caminho para a concretização de reivindicação histórica do empresariado: acabar com direitos trabalhistas (férias, 13o, FGTS, licença maternidade, etc) através da negociação coletiva”; b) “... as entidades de grau superior poderão negociar, e assinar um acordo, em nome dos trabalhadores sem consultar as assembléias de base, o qual não poderá ser modificado pelo sindicato de base, mesmo se os trabalhadores forem contra as condições constantes do mesmo”; c) “... o Ministério do Trabalho ganha poderes para outorgar ou não a representação sindical a uma entidade construída pelos trabalhadores, para definir como deve ser os seus estatutos, podendo ainda cassar a representação do sindicato que não obedecer a suas diretrizes”; d) institui o ..... “ a figura do sindicato biônico”, pois “entidades de grau superior ganham poder de constituir sindicato (mesmo sem nenhuma representatividade entre os trabalhadores) na base de outra entidade já existente, substituindo-a, utilizando- se da chamada representação “derivada””; 23
  • 24. e) “A Contribuição Negocial, instituída no lugar do imposto sindical (única contribuição obrigatória existente hoje, que desconta 3,3% de um salário mensal do trabalhador), poderá variar de 0 a 13% do salário anual e em conseqüência poderá aumentar o volume de recursos retirados dos trabalhadores para financiar a estrutura sindical”; f) “O direito de greve torna-se letra morta, na medida em que o projeto chega ao ponto de autorizar o empregador a contratar substitutos para os grevistas, caso o sindicato não concorde em designar, ele mesmo, os trabalhadores que continuariam exercendo suas funções durante a greve. Além disso, criminaliza as ações que os grevistas normalmente fazem para fortalecer seu movimento (as enquadra para punição, no código penal, civil e na legislação trabalhista)”; g) “.... mantém a discriminação contra os servidores públicos” pois “os servidores” continuarão” a não poder exercer o direito de negociação e contratação coletiva, por falta de regulamentação legal”. III – Intervenção do Estado na Economia 1- Empresas e Serviços Públicos a) Situação anterior ao Governo Lula Ao longo da década de 1990, o Brasil passou por um suntuoso processo de privatização de parte significativa de seu parque produtivo, antes controlado por empresas estatais. Dentro da lógica de redução da intervenção do Estado na economia e de elevação da eficiência de tais companhias, privatizações foram realizadas especialmente nos setores de infra-estrutura e serviço, principalmente telecomunicações e energia elétrica, além da privatização de parte significativa do sistema financeiro, especialmente de bancos estaduais. Tal programa de privatizações resultou em uma transferência de aproximadamente US$100 bilhões, em ativos produtivos, para o setor privado. Simultaneamente, conformou-se, ao longo da década de 1990, a adoção de distintos marcos regulatórios, com a criação de agências de regulação (de energia, telecomunicações etc.), que instituíram princípios privados dentro dessa órbita estatal, com intuito de preservar concepções de eficiência etc. b) Iniciativas do Governo Lula O governo Lula não fez nenhuma alteração com relação às empresas previamente privatizadas. Apesar dos questionamentos anteriores, por parte de seu partido (PT), a respeito da realização de tais privatizações, e da idéia levantada de rever tais processos, tal não foi prosseguida, ou seja, não houve uma análise aprofundada de tal processo, muito menos uma reversão das privatizações realizadas. Apesar das privatizações realizadas anteriormente terem sido preservadas, não houve a realização de novos programas de privatização. As grandes empresas que permanecem dentro do aparato estatal (tal como a Petrobrás) permanecem como parte do mesmo, não havendo, segundo o governo, intenção de privatizar essas também. 24
  • 25. c) Resultados e projeções O resultado desse período foi a manutenção da mesma lógica focada na eficiência de eficiência e serviços públicos, com a tendência de preservação da empresas que não foram privatizadas e que são consideradas como essenciais para o país. Com relação às agências reguladoras de tais empresas privatizadas, o governo Lula manteve concepção semelhante a anteriormente existente com relação as mesmas, embora tenham se verificado alterações, se não em seu formato, na utilização das mesmas. 2- Políticas públicas setoriais a) Situação anterior ao Governo Lula As políticas públicas setoriais tiveram baixo desenvolvimento ao longo do governo FHC, tendo-se focado nas mesmas apenas como resultado das políticas macroeconômicas. b) Iniciativas do governo Lula Com relação às políticas setoriais do governo, uma crítica comum foi o fato de que parte significativa das agências reguladoras criadas (como a Anatel, para telecomunicações, ou Aneel, para energia elétrica) acabaram conformando elas mesmas políticas setoriais. Trata-se de uma distorção do papel das agências, sendo que as mesmas acabaram absorvendo atividades de formulação de políticas públicas e o poder de outorgar e conceder serviços públicos. Isso se deu, segundo o próprio governo, por existir uma falta de estrutura dos ministérios setoriais responsáveis pela formulação das políticas, no exercício de suas competências legais. Isso permitiu, em alguns casos, que as agências não só regulassem e fiscalizassem o setor, como também acabassem por atuar de forma ampla na formulação de políticas setoriais. O governo Lula teve, no entanto, alguns avanços em termos de políticas setoriais específicas. Com relação aos investimentos em habitação, os mesmos não só cresceram, mas a prioridade que tal passou a ter no governo aumentou. Uma inovação importante foi a criação do Ministério das Cidades; a partir desse novo órgão, o Governo Federal passou a tratar de forma diferenciada a implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e das políticas setoriais de habitação, planejamento urbano, saneamento ambiental e de transporte e mobilidade urbana. Com relação aos recursos, o montante dos investimentos em habitação feitos pelo Governo Lula elevaram-se de forma significativa. Em 2005, totalizando-se os recursos oriundos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS, do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR, do Fundo de Desenvolvimento Social – FDS, do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, do Orçamento Geral da União – OGU, da CAIXA e ainda os que são captados pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo – SBPE, estão previstos nada menos que R$ 14,6 bilhões. Esse montante representa 25
  • 26. uma evolução de mais de 100% em relação ao que foi aplicado no último ano do governo anterior. Evolução da Aplicação de Recursos no Setor Habitacional (em R$ bilhões) Ano 2001 2002 2003 2004 2005 Valor Aplicado 6,1 6,5 8,4 10,5 14,6 Fonte: Relatório 30 meses do Governo Lula (Infra-estrutura/Habitação) Outro fator importante a se destacar é em relação às prioridades de aplicação dos recursos. Buscou-se mirar o núcleo do déficit habitacional do país – que, segundo levantamento da Fundação João Pinheiro, está hoje próximo de 7 milhões de novas unidades habitacionais, com mais de 90% atingindo famílias com renda mensal abaixo de 5 salários mínimos. A partir de 2003 houve uma inflexão importante, tendo-se registrado uma redução percentual dos atendimentos habitacionais com recursos sob gestão federal (FGTS, FAR, FDS, OGU, FAT, CAIXA) nas faixas de renda acima de 5 salários mínimos em favor das faixas de renda menores. Em 2004, a maioria dos atendimentos (quase 60%) contemplou famílias com rendimento até 3 salários mínimos. Esse mesmo percentual está previsto para 2005. Deve-se mencionar ainda a aprovação da Lei nº 11.124/05 – que institui o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e seu respectivo Conselho Nacional – possibilita um aperfeiçoamento da política já em vigor, particularmente no que se refere ao subsídio habitacional para famílias de baixa renda. Em termos de política setorial, houve um significativo incentivo ao crescimento do agronegócio. Buscou-se investir na pesquisa agropecuária, que realizou o desenvolvimento de 529 novos cultivares, cada clima e solo nas principais regiões produtoras do país. Houve também avanço no emprego de técnicas mais avançadas, como o plantio direto na palha e o trabalho de correção de solos. O agronegócio é considerado responsável por 33% do PIB, 42% das exportações totais e 37% dos empregos no Brasil. O governo está destinando R$ 60 bilhões de crédito para a agricultura na safra 2006/2007, um acréscimo de 12,5% sobre o valor programado para a safra precedente. Do total, R$ 50 bilhões são direcionados para a agricultura comercial, valor 13% superior ao destinado na safra anterior, e R$ 10 bilhões para a agricultura familiar. O volume de recursos para o crédito agrícola aumentou 90,26% no governo Lula, em relação ao último ano-safra planejado no governo anterior; no governo FHC, considerando os recursos totais, foram destinados R$ 113,41 bilhões. O governo Lula, entre 2002 e 2005, destinou R$ 131,8 bilhões. Além disso, aprovou-se, no governo Lula, a subvenção econômica ao prêmio do seguro rural, o que seria uma medida importante para garantir a estabilidade da renda do produtor rural. Com isso, o governo paga parte das despesas do produtor com o seguro agrícola. O governo pode subvencionar o mínimo de R$ 7 mil e o máximo de R$ 32 mil por produtor para as culturas de algodão, arroz irrigado, feijão, milho, soja, trigo, maçã e uva, entre outras. A subvenção econômica ao prêmio do seguro rural foi instituída pela Lei n° 10.823/2003. Em 2004 e 2005, o governo pagou R$ 270 mil e R$ 3,5 26
  • 27. milhões, respectivamente, na implantação do programa. Para 2006, estão orçados R$ 32,4 milhões. Tem-se ainda que os incentivos fiscais ao agronegócio cresceram 588,82% no governo Lula. O aumento se deve às isenções de PIS e Cofins concedidas a diversas cadeias produtivas do agronegócio em 2005. Os benefícios saltaram de R$ 702 milhões, em 2003, para R$ 4,3 bilhões, em 2006. Foi suspensa a incidência da contribuição na venda de café, trigo, centeio, cevada, aveia, milho, arroz, leite in natura e derivados lácteos. A isenção também se aplica quando a venda é realizada por cooperativas agropecuárias. 3- Papel do Estado como condutor da atividade econômica a) Situação anterior ao Governo Lula O papel do Estado como condutor da atividade econômica foi fortemente questionado no governo anterior. Dado o pressuposto de um Estado “neoliberal”, o mesmo deveria se focar nas funções “inerentes” do Estado e, sua intervenção na economia, deveria se limitar a diretrizes macroeconômicas e em seu papel regulador das atividades econômicas desenvolvidas pelo setor privado. b) Iniciativas do governo Lula No plano geral das contas públicas, as despesas do governo vêm crescendo de modo contínuo: entre 1999 e 2005, desconsiderando-se o pagamento de juros, as despesas do governo cresceram a uma média de 18,3% ao ano, saltando de 15,85% do PIB para mais de 18% em 2005. Nos dez anos que vão de 1995 a 2005, as despesas do governo federal cresceram 77% acima da inflação: em média, houve uma expansão real anual de 5,8%, bem maior do que o crescimento do PIB, que foi de 2,5%. Nos três anos do governo Lula, a média de aumento de gastos públicos correntes foi de 6,23% acima da inflação. A realização de gastos do governo com investimento produtivo, forte instrumento estatal para crescimento da economia, especialmente para os setores de infra-estrutura, tem se reduzido ao longo dos últimos anos, em níveis menores ainda aos registrados no governo anterior (que já eram bastante reduzidos frente a indicadores históricos) Os investimentos produtivos diminuíram, sobretudo em infra-estrutura, saúde e educação; os investimentos públicos nos dez anos que vão de 1995 a 2005 caíram de 0,6 para 0,5% do PIB, depois de ter alcançado, 0,9, 1,2 e 0,8% do PIB em 2000-2002. Existem indícios de que tais proporções podem estar se ainda menores, sendo este um dado preocupante, na medida em que a falta de investimentos públicos nessas áreas impacta negativamente as possibilidades de crescimento nos anos à frente, visto o papel propulsor do crescimento de tais áreas da economia. Com relação à organização do setor público, tem-se que o governo anterior promoveu uma significativa redução do quadro de servidores da administração pública, com terceirização de parte do quadro de funcionários antes existentes. A redução da força de trabalho no Executivo, no período de 1996 a 2002, foi de 18%. Dessa diminuição, 39% da redução foi na administração direta e 61% na administração 27
  • 28. indireta, o que implicou no corte de 98.025 postos de trabalho no Executivo Federal Civil. No governo Lula, foram autorizadas, até 2005, as contratações de 81 mil novos servidores (com previsão de preenchimento de mais 21mil vagas até o final de 2006), com dois objetivos principais, a fim de substituir parte dos funcionários terceirizados e aposentados e promover uma recomposição do quadro de servidores. Com relação às parcerias público-privado (PPPs), consideradas uma nova forma importante de incentivo do governo aos investimentos privados, a lei das PPPs só foi aprovada pelo Congresso no fim de 2004. Até setembro de 2006, só se iniciou dois processos de parcerias: as reformas de dois trechos na BR-116 e na BR-324, ambas na Bahia. IV – Sistema Financeiro a) Situação anterior ao Governo Lula A abertura financeira da economia brasileira ocorreu ao longo da década de 1990, porém tendo avançado com maior profundidade ao longo da gestão do governo FHC, com liberalização significativa de movimentos de capitais entre o país e o exterior, ao reduzir as barreiras até então existentes aos investimentos estrangeiros de portfólio no mercado financeiro doméstico e viabilizar o acesso dos residentes às novas modalidades de financiamento externo (emissão de títulos e ações no mercado internacional de capitais, cuja contrapartida são os investimentos de portfólio dos investidores não residentes no mercado financeiro internacional). Tais mudanças foram possíveis pela flexibilização da entrada de investidores estrangeiros no mercado financeiro brasileiro e a adequação do marco regulatório doméstico ao modelo contemporâneo de financiamento internacional, ancorado na emissão de securities (títulos de renda fixa e ações). A maior parte das medidas foi feita de forma ad hoc, seja mediante resoluções e circulares do Banco Central, seja por meio de Medidas Provisórias. Tais mudanças estruturais marcaram a maior vulnerabilidade do país a alterações de fluxos de capital externo. As crises financeiras ocorridas na 2ªmetade da década de 1990 e como as mesmas atingiram o país conformam tal quadro. Mesmo quando os fluxos retomaram no começo de 2000 (com destaque para os investimentos de portfólio), para os países periféricos, após a retração de 1998/99, o acesso desses países ao mercado financeiro internacional foi extremamente instável e dependente das condições vigentes nos mercados financeiros dos países centrais. A natureza atual da base de investidores foi um dos principais canais de transmissão dos choques nos mercados financeiros dos países centrais para os “emergentes”, contribuindo para a natureza volátil do acesso. Tem-se, então, que a abertura financeira não trouxe os propalados benefícios que os investimentos estrangeiros de portfólio e o aumento da presença estrangeira no sistema financeiro deveriam trazer. Além disso, não houve aumento do passivo externo da economia brasileira, o que, associado ao processo de abertura, elevou a vulnerabilidade externa do país. 28
  • 29. b) Iniciativas do governo Lula O governo Lula deu continuidade ao processo de abertura financeira, mantendo a mesma estratégia do governo anterior, com crescente integração financeira entre o país e o exterior. Duas medidas no governo Lula destacam-se. Primeiramente, a unificação dos mercados de câmbio livre e flutuante e a extinção da Conta de Não-Residentes (CC5), em março de 2005, que eliminou os limites para que pessoas físicas e jurídicas convertam reais em dólares e os remetam ao exterior. Com as mudanças, qualquer residente no país pode efetuar suas remessas diretamente, sem a intermediação das contas de instituições financeiras não-residentes. Também se flexibilizou a cobertura cambial às exportações, com ampliação dos prazos de retenção de dólares no exterior pelos exportadores, medida que ampliou a conversibilidade da conta corrente do balanço de pagamentos. Em segundo lugar, em fevereiro de 2006, a Medida Provisória 281 sancionou a concessão de incentivos fiscais aos investidores estrangeiros para a aquisição de títulos da dívida pública interna, reduzindo os custos com IR ou CPMF, com intuito de estimular o aumento da demanda por títulos públicos internos pelos investidores estrangeiros. Com relação ao Banco Central do Brasil e ao executivo (referindo-se, aqui, ao Ministério da Fazenda) manteve o alinhamento que já ocorria no governo anterior. Há forte convergência na análise de que a prioridade continua sendo o controle inflacionário, através do atingimento da meta de inflação. Em termos no sistema financeiro como um todo, o mesmo continua tendo papel prioritário na órbita de ação do governo, superando os interesses do setor produtivo, seja na manutenção de políticas e legislações especificas, seja através da contundência do tipo de política econômica adotada (com manutenção de altas taxas de juros). Manteve ainda o pagamento dos juros da dívida pública como prioridade de dispêndio por parte do governo, tendo-se pago, nos primeiros três anos de governo, cerca de R$400 bilhões somente nesses juros para o setor financeiro. Realizou-se, também, um pagamento antecipado ao FMI de US$ 15,5 bilhões e de US$ 1,7 bilhão ao Clube de Paris e realizou-se um resgate de US$ 6,64 bilhões em títulos Bradies da dívida externa, de um total de US$ 23,84 bilhões. O governo, para garantir a antecipação do pagamento de títulos da dívida externa, cujos juros são de 4% ao ano, emitiu novos papéis da dívida externa e interna com juros de 16,25% ao ano, elevando, com isso, a dívida interna e externa do país. c) Resultados e projeções A expansão do crédito, ao longo desses anos, foi marcada principalmente pela evolução nos financiamentos contratos por pessoas físicas, com forte participação das operações de crédito pessoal, especialmente na forma de empréstimos consignados em folha de pagamento. 29